Crimes de Racismo

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CRIMES DE RACISMO Autor: Edison Maluf O problema do racismo é antigo. A legislação penal positiva brasileira vigora na égide do Código Penal de 1940, da era getulista. Voltando no tempo, o código penal em vigor era o da República, de 1890; antes dele o Código Criminal do Império de 1830 e antes do código do Império, vigoravam as Ordenações Filipinas, Livro V. Nas Ordenações Filipinas, não encontramos, no livro V, nenhum tipo de preconceito; pelo contrário, a escravidão humana existia (negro, índio) e o livro V tratava da matéria, mas nenhum dispositivo condenava o racismo. Tinham dispositivos que estimulavam o racismo. Por exemplo: contra os judeus, ciganos, mouros, os quais eram obrigados a usar roupas e chapéus de determinada cor, forma etc. e, se não o fizessem, estariam praticando uma infração penal. Em suma, nos primeiros tempos após o descobrimento, durante 300 anos, a nossa própria legislação penal estimulava a ação discriminatória, envolvendo certas e determinadas pessoas. Proclamada a independência, passamos para o Código Criminal de 1830, no qual não figurava nenhum dispositivo consagrando ou prestigiando esse procedimento preconceituoso, mas também nada dizendo que racismo, preconceito envolvendo religião, sexo etc., configuraria infração penal. A escravidão continuava e no Código Criminal de 1830, existia toda uma parte dedicada aos escravos, quando eles infringiam a lei penal. Eles recebiam tratamento diferente. No artigo 60 do Código Criminal do Império, se o réu

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CRIMES DE RACISMO

Autor:  Edison Maluf

O problema do racismo é antigo. A legislação penal positiva brasileira vigora na égide do Código Penal de 1940, da era getulista. Voltando no tempo, o código penal em vigor era o da República, de 1890; antes dele o Código Criminal do Império de 1830 e antes do código do Império, vigoravam as Ordenações Filipinas, Livro V.

Nas Ordenações Filipinas, não encontramos, no livro V, nenhum tipo de preconceito; pelo contrário, a escravidão humana existia (negro, índio) e o livro V tratava da matéria, mas nenhum dispositivo condenava o racismo. Tinham dispositivos que estimulavam o racismo. Por exemplo: contra os judeus, ciganos, mouros, os quais eram obrigados a usar roupas e chapéus de determinada cor, forma etc. e, se não o fizessem, estariam praticando uma infração penal.

Em suma, nos primeiros tempos após o descobrimento, durante 300 anos, a nossa própria legislação penal estimulava a ação discriminatória, envolvendo certas e determinadas pessoas.

Proclamada a independência, passamos para o Código Criminal de 1830, no qual não figurava nenhum dispositivo consagrando ou prestigiando esse procedimento preconceituoso, mas também nada dizendo que racismo, preconceito envolvendo religião, sexo etc., configuraria infração penal.

A escravidão continuava e no Código Criminal de 1830, existia toda uma parte dedicada aos escravos, quando eles infringiam a lei penal. Eles recebiam tratamento diferente.

No artigo 60 do Código Criminal do Império, se o réu fosse escravo e incorresse em penas que não fossem a pena capital ou de galés, ele seria condenado à pena de açoites e depois, seria entregue ao seu senhor, que colocaria nele, escravo, um ferro pelo tempo e maneira que o juiz designasse.

Mais ainda, o número de açoites seria fixado na sentença e o escravo, não poderia levar mais de cinqüenta (açoites) por dia.

O mesmo se diga do Código da República, de 1890 que não

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trazia nenhuma alusão ao preconceito.

Verificado aqui no Brasil o movimento de Vargas, o Estado Novo, adotamos uma nova codificação penal que é o Código Penal de 1940.

Ocorrendo a revolução de 1964, partimos também para um novo código penal; foi o código de 1969, que não entrou em vigor, por circunstâncias diversas.

Continua em vigor o código de 1940, com muitas modificações e alterações.

No código de 1940 não há nenhum dispositivo a respeito de racismo ou de preconceito.

A expressão racismo é totalmente inadequada. O correto é usar preconceito.

Uma lei de 1951, a lei 1390/51 - Lei Afonso Arinos, dizia: "constitui infração penal (contravenção penal) punida nos termos dessa lei, a recusa por estabelecimento comercial ou de ensino, de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber clientes, comprador ou não, o preconceito de raça ou de cor".

O que temos, através dessa lei e de leis posteriores, é o combate ao preconceito, à chamada ação discriminatória, que nem sempre envolve raça.

Quando falamos em racismo, limitamos a área de incidência do preconceito. As manifestações preconceituosas são muitas: podem envolver a raça, cor, idade, sexo, grupo social etc.

Preconceito é uma infração genérica; neste gênero chamamos de preconceito de: raça, cor, estado civil, sexo, inclinação religiosa etc. O preconceito é considerado contravenção penal.

O que a lei pune é o preconceito apenas de raça e cor. Preconceito é gênero; o que se combate realmente é o preconceito.

Em 1985, 34 anos depois da Lei Afonso Arinos, foi promulgada a lei nº 7437/85. Essa lei continua a considerar os comportamentos preconceituosos, meramente contravenção penal. Pela lei, a contravenção foi estendida para preconceito de: raça, cor, sexo, estado civil.

A idéia central continua a ser preconceito, mas a lei evoluiu pois aumentou o número de crimes de natureza preconceituosa. Preconceito de sexo é não permitir por exemplo a entrada de

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mulheres desacompanhadas em determinados lugares; isto acontecia em certos estabelecimentos em São Paulo, tais como boates, bares dançantes etc.

A Constituição de 1988, em seu art. 5º - inc. XLII, passou a considerar a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível.

O legislador falou em racismo, mas na verdade, o que ele queria dizer era preconceito. Preconceito é gênero, do qual o racismo é uma espécie. Por racismo, entende-se um preconceito que abrange a raça e no máximo, a cor das pessoas. O racismo não envolve preconceito de sexo, de estado civil ou de outra natureza.

O racismo então deixou de ser mera contravenção e ganhou o "status" de crime. Mas que crime? - Um crime particular, extraordinário, porque esse crime está sujeito sempre à pena de reclusão e mais do que isso, é um crime inafiançável e mais ainda, um crime imprescritível.

É claro que o racismo é um crime muito grave, mas fazer com que seja um crime imprescritível é um absurdo. É preciso que o direito de punir do Estado seja limitado no tempo; não pode um crime não prescrever nunca. Nos diplomas penais do mundo moderno, a prescrição começa a ser introduzida, pois a prescrição atenua aquele poder do Estado de a qualquer hora poder punir.

Para o Estado, a imprescritibilidade é uma coisa extraordinária, mas não o é evidentemente, uma garantia para o cidadão.

A prescrição é um instituto moderno e soberano em todos os códigos de todos os povos modernos. O legislador brasileiro retrocedeu séculos quando colocou como imprescritível o crime de racismo.

Diante da Constituição tinha que vir a lei ordinária nº 7716/89, que fala apenas em raça e cor. Essa lei pune expressamente o preconceito de raça e cor.

Em vista disso, da lei acima, com relação ao sexo e estado civil, continua em vigor a Lei 7436/85, que trata o delito como uma contravenção.

A Lei 8081/90 acrescentou o art. 20 à lei anterior:

Norma alterada pela Lei 8081

LEI 7.716 DE 05/01/1989 - DOU 06/01/1989

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Define os Crimes Resultantes de Preconceitos de Raça ou de Cor.

ART. 20 - Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional (grifo nosso).

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

É apenas através da mídia, através da imprensa. A Lei, limitou esses atos, característicos de crime, à chamada publicação, aos anúncios em jornais e outros meios de comunicação.

Antes da lei, haviam anúncios de empregados procurados nos jornais, que davam preferência a candidatos nisseis, candidatos de orígem alemã, americana e assim por diante, criando uma barreira às pessoas de outras nacionalidades.

Esta seria a última lei a respeito do assunto.

A Lei 9092/95 de 13.04.95 proíbe a Exigência de Atestados de Gravidez e Esterilização, e outras Práticas Discriminatórias, para Efeitos Admissionais ou de Permanência da Relação Jurídica de Trabalho, proibindo a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

No dia 16 de janeiro de 1996, foi sancionada a Lei Municipal de nº 11.995, que "veda qualquer forma de discriminação no acesso aos elevadores de todos os edifícios públicos municipais ou particulares, comerciais, industriais e residenciais multifamiliares existentes no Município de São Paulo.

Autor: Edison Maluf, advogado, com Curso de Pós-Graduação emDireito Penal pela FMU-SP, Mestre em Direito Penal pela PUC-SP,

Doutorando pela PUC-SP, Professor de Direito Penal

na Universidade Paulista – São Paulo.

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Discriminação e racismo

PONDERAÇÕES ACERCA DO CRIME DE RACISMO

1. Introdução

O primeiro brado contra o preconceito e a discriminação humana foi dado por Cesare Beccaria(1) em 1.764 com a obra "Dos Delitos e das Penas". Foi, contudo, com a Declaração dos Direitos do Homem (Revolução Francesa) que o mundo "se abriu" em termos de preconceito e discriminação.

A igualdade de todos perante a lei nas Constituições Brasileiras foi declarada a partir da Constituição de 1.824. Contudo, ela excluía da definição de cidadão a população negra escravizada, à qual não se reconheciam os mais elementares direitos civis. Para efeito do direito penal, o negro era considerado responsável imputável: sendo acusado, era considerado pessoa; mas, sendo vítima, era tido como coisa.

O princípio da igualdade começa a ser associado à proibição de discriminação em razão de raça na Carta Magna de 1.934, porém, foi na Constituição de 1.967 onde ficou determinado que a lei definiria preconceito racial, com, inclusive, punição para o delito. A primeira lei efetivamente promulgada em combate à discriminação foi a Lei nº 1.390/51 (Afonso Arinos) porém considerou a discriminação contra raça e cor mera contravenção penal.

Artigo 5º, inciso XLII da constituição federal de 1988

A Constituição de 1.988 representa um marco no tratamento político-jurídico da temática racial, tendo o legislador atribuído à "prática de racismo" o estatuto da inafiançabilidade, imprescritibilidade e a cominação de pena de reclusão, destacando-a das demais práticas discriminatórias. Além deste dispositivo, também encontramos referências a "preconceito" e "racismo" no artigo 3º, inciso IV da CF/88, constituindo um dos objetivos do Brasil: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E, por fim, também, no artigo 4º, inciso VIII, dispõe-se que: em suas relações internacionais, o Brasil é regido pelo princípio do "repúdio ao terrorismo e ao racismo".

2. Significado das expressões : Discriminação, Racismo e Preconceito

A doutrina entende que o racismo (que é o preconceito envolvendo raça ou cor) é espécie do gênero preconceito (este último pode envolver classe, nível social, idade, estado civil, condição de portador de deficiência, etc).

Assim, o racismo, segundo Hédio Silva Júnior(2) consiste-se num fenômeno histórico cujo substrato ideológico preconiza a hierarquização dos grupos humanos. O Racismo/Discriminação é a ação que discrimina, consistente em ato (omissivo ou comissivo) que viola direitos, com base em critério racial, independente do motivo que lhe deu causa. Diferentemente, o preconceito é a intolerância genérica, indeterminada, consiste em conceitos prévios, idéias

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preconcebidas acerca de certos indivíduos, grupos, fazendo associação desses com atributos ultrajantes, depreciativos ou estigmatizantes.

Dessa forma, o racismo se configura no momento em que o agente pratica o ato contra pessoa determinada. A noção de raça guarda estreita relação com a cor da pele e/ou outros traços fenotípicos. A nossa Constituição Federal não conceituou o racismo, nem tampouco a lei em vigor nº 7.716/1.989 (que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor). A Declaração sobre a Raça e os preconceitos raciais (proclamada pela Conferência Geral da ONU de 1.978), contudo, define o racismo como sendo:

"O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas em preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que provocam a desigualdade racial, ..."

O preconceito, assim como o racismo, desde que circunscrito apenas à consciência individual, ao foro íntimo, não é passível de sanção penal ou mesmo cível (ao menos no nosso Estado Democrático de Direito).

3. Concurso Aparente de Normas

A referida lei nº 7.716/1989 (Lei Caó) revogou as suas antecessoras (Lei 7.438/85 e Lei .1390/51), já que regulou inteiramente a matéria do crime racial. Ocorre que tanto o artigo 20 da Lei 7.716/89, quanto o artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal (injúria qualificada por preconceito), também apresentam características similares no tocante à ofensa verbal materializada por questão racial, o que enseja "Concurso Aparente de Normas".

A expressão "praticar discriminação", presente no artigo 20 da Lei 7.716/89 apresenta, contudo, um CONTEÚDO VAGO (que pode incidir em um amplo leque de condutas) encerrando, pois, um TIPO PENAL ABERTO, ou seja, que exige complementação da doutrina e da jurisprudência para sua interpretação. Em havendo norma que especializa a palavra como forma determinada de "prática", como o parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, a esta será assegurada proeminência,em respeito ao princípio da "lex specialis".

Este é o entendimento fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo,que entende que a utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal e não o crime do artigo 20 da Lei 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor.

O mais típico exemplo da situação em tela deu-se a cerca de 05 anos atrás no caso do jogador de futebol brasileiro Grafite, que teria sido ofendido verbalmente por um jogador Argentino, que o chamou de "macaquito". Instaurado Inquérito Policial, posteriormente, o juiz da causa considerou a ofensa relativa a preconceito de raça como injúria qualificada (art. 140, § 3º do CP).

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4. Lei 7.716/1989

A Lei 7.716/1989 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, estabelece a partir do artigo 3º até o artigo 20, uma série de tipos penais concernentes à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Trata-se da descrição de diversas condutas neste sentido, tendo por objeto jurídico:

1. O direito de igualdade na acessibilidade aos cargos públicos (artigo 3º);

2. Igualdade ao trabalho e à relação de emprego (artigo 4º);

3. Igualdade nas relações de consumo (artigo 5º, 7º, 8º, 9º e 10);

4. Igualdade no acesso e permanência na escola (artigo 6º);

5. Igualdade e liberdade de circulação (artigos 11 e 12);

6. Igualdade na acessibilidade ao serviço militar (artigo 13);

7. Igualdade no direito de casar-se e de escolher o cônjuge ou companheiro (artigo 14);

8. Igualdade e a paz pública (artigo 20, caput): sendo este um "tipo penal aberto", como já

citado, absorvendo os demais artigos;

9. A segurança, a paz e a tranqüilidade públicas, postas em risco por presunção legal (artigo 20, § 1º).

Por fim, observa-se que os institutos da imprescritibilidade, inafiançabilidade, bem como a cominação de pena de reclusão, previstos na constituição de 1.988, identicamente, não foram previstos na lei 7.716/1989 de modo que esses institutos alcançam apenas a discriminação fundada na raça ou cor e não as fundadas na etnia, religião ou procedência nacional.

BIBLIOGRAFIA

Silva Júnior, Hédio

Direito de Igualdade Racial

Aspectos Constitucionais, Civis e Penais – Doutrina e Jurisprudência –

Ed. Juarez de Oliveira

São Paulo, 2002.

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Fonte: http://www.webartigos.com/articles/34054/1/PONDERACOES-ACERCA-DO-CRIME-DE-RACISMO/pagina1.html#ixzz1GieuO0LF

Crime de racismo ainda é pouco punido

Cleidiana Ramos, do A TARDEMarco Aurélio Martins / Agência A TARDE

Samuel Vida, advogado: "Denúncias ainda são poucas"

Por mês, o Ministério Público da Bahia (MP) recebe cerca de 40 denúncias de racismo e intolerância religiosa, com uma predominância do primeiro crime. Deste total, apenas 70% é transformado em  procedimento investigatório. O MP baiano foi o primeiro no País a instalar uma promotoria especializada nesses crimes. A promotoria já funciona há 11 anos.

“Das denúncias que que se transformam em procedimento investigatório, cerca de 40% resultam em denúncia por crime de racismo ou injúria racista”, relata o promotor de justiça Almiro Sena, titular da Promotoria de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa. Desses casos, segundo o promotor, nenhum ainda resultou em prisão.“A Lei permite que a pena seja transformada em prestação de serviços à comunidade”, disse o promotor. Sena afirma que não há dados específicos pois há dificuldade até mesmo para apurar as denúncias que chegam à promotoria. “A vítima comunica, mas nem sempre tem testemunha ou sabe o nome do agressor”, diz.

O promotor afirma que o MP está tentando desenvolver uma parceria com a Secretaria Estadual de Segurança Pública para sensibilizar delegados e agentes policiais para que façam o registro correto dos casos de racismo.O advogado Samuel Vida explica que os casos de racismo continuam pouco denunciados. “O número varia muito conforme o grau de exposição ao tema. Em períodos como agora, quando há uma maior exposição desta questão por conta do Dia Nacional da Consciência Negra, as denúncias aumentam”, explica. O advogado é coordenador do Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica (Aganju) e professor universitário.

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O racismo é crime previsto na Lei 7.716/89 e pode gerar pena de um a cinco anos. Já a injúria racista está configurada no Art. 140, parágrafo 3º do Código Penal. “O crime de racismo é quando é dirigido a uma coletividade e injúria racista é individual. Mas isto é uma divisão técnica do direito, pois do ponto de vista político ele atenta contra um povo em qualquer sentido”, afirma Samuel Vida.

RACISMO OU INJÚRIA RACIAL?Chamar alguém de negro não configura crime de racismo

POR RENATO MARCÃONa noite de 13 de abril de 2005, durante espetáculo futebolístico televisionado, ocorreu ilícito penal testemunhado por milhares de espectadores.Segundo foi possível notar, um dos jogadores de futebol, de nacionalidade argentina, dirigiu-se a outro, de nacionalidade brasileira; adversário no certame, chamando-o de “negro”. Conforme declarações prestadas à imprensa televisiva logo após os fatos, por um dos advogados do clube de futebol a que pertence o ofendido, este teria informado à autoridade policial solicitada, em depoimento formal, que fora chamado de: “negro” e “negro de merda”.Foi o suficiente para a exploração televisiva, em parte justificável pela conduta do ofensor, de outro condenável pela forma e conteúdo das matérias veiculadas sem qualquer preocupação técnica.A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.A Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, alterou o artigo 140 do Código Penal, que trata do crime de injúria.Conforme leciona Damásio de Jesus: “O artigo 2º da Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria, impondo penas de reclusão, de um a três anos, e multa, se cometida mediante ‘utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou origem’. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados da prática de crimes descritos na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (preconceito de raça ou de cor), geralmente alegavam ter praticado somente injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação. Por isso o legislador resolveu criar uma forma típica qualificada envolvendo valores concernentes a raça, cor, etc., agravando a pena. Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’, ‘pretão’, ‘negrão’, ‘turco’, ‘africano’, ‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’ etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de multa” (Código Penal anotado, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, p. 437).Nessa mesma linha argumentativa salienta Celso Delmanto que “comete o crime do artigo 140, § 3º, do CP, e não o delito do

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artigo 20 da Lei nº 7.716/89, o agente que utiliza palavras depreciativas referentes a raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da vítima” (Celso Delmanto e outros. Código Penal comentado, 6ª ed., Renovar, p. 305).Não se desconhece, ainda, a posição daqueles que defendem que é impossível falar em crime de preconceito de raça quando na essência todos os homens (e mulheres) são componentes de uma única raça: a raça humana. Segundo os defensores de tal doutrina, tal fato impediria a distinção que se faz na lei a respeito de raças, e não havendo raças (no plural), a unidade racial seria óbice intransponível à pretensa distinção e conseqüente discriminação ensejadora da tipificação penal.A verdade, porém, é que para a legislação penal brasileira, conforme consagrado na jurisprudência e na doutrina a conduta de dirigir-se a outrem o chamando de “negro”, ou mesmo “negro de merda” como na hipótese aventada, não restará configurado o crime de racismo.O impacto da notíciaA imprensa em sentido amplo, tantas vezes apontada, não sem justo motivo, como quarto Poder, tem imediata e profunda penetração em milhares de lares e ambientes os mais variados, atingindo inimaginável número de pessoas.Suas notícias muitas vezes enfatizadas influenciam na formação da opinião popular a respeito de determinados temas, e bem por isso devem ser cuidadosas, cautelosas, pautadas pela prudência e pelo equilíbrio. É preciso ter em mente que: mais do que noticiar, é preciso noticiar com responsabilidade e consciência a respeito da importância da matéria veiculada. É preciso estar atendo à forma e ao conteúdo daquilo que se noticia.Infelizmente nem sempre é assim, pois tantas vezes notamos a priorização do efeito impactante; não raras vezes evidencia-se que a vocação do órgão noticioso é apenas causar indignação; é chocar; despertar sentimentos os mais variados sem qualquer preocupação com os resultados que deles decorrem.E foi assim, infelizmente, com relação ao episódio acima narrado, haja vista que, sem qualquer cautela, a grande maioria dos canais televisivos que trataram do assunto passou a propalar ter ocorrido crime de racismo, que pela lei brasileira é tratado como hediondo, quando na verdade tal não ocorreu.E nem se diga que os veiculadores da notícia não dispunham de conhecimentos específicos a respeito do tema, e que por isso estaria justificado o excesso.Com todo respeito, a tese não convence.Se não estão preparados para a informação que tem cunho jurídico, que não se atrevam a campear o desconhecido; que respeitem os destinatários da notícia e não transmitam inverdades criando expectativa de resultado judicial-repressivo que não será alcançado.Não se trata simplesmente de descompromisso com a verdade.A questão é mais profunda.Com efeito, ao noticiar o ocorrido e apresentar posição jurídica a respeito, cria-se expectativa de medidas policiais e judiciais que logo

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se verificarão incabíveis à espécie, e então não faltarão críticas injustificadas e maldosas à Polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.A população destinatária da notícia não compreenderá o descompasso entre o que foi veiculado e as conseqüências jurídicas efetivamente constatadas, e no mais das vezes a mesma imprensa não cuidará de esclarecer os incautos, deixando sempre a névoa sobre fatos que nem comportavam tanta dificuldade de compreensão.O episódio verificado durante a partida de futebol foi lamentável, deplorável, e está por merecer justa reprovação penal.Ao que se pode verificar ocorreu, em tese, crime de injúria racial (artigo 140, § 3º, do CP) e não crime de racismo regulado na Lei 7.716/97.Por outro vértice, não menos lamentável e deplorável foi o sensacionalismo distorcido a que se prestou parte da imprensa em relação ao episódio; e quanto a esta conduta a certeza absoluta é a de que nenhuma punição virá.

Presidência da RepúblicaSubchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989.

Mensagem de vetoDefine os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:        

        Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor.

        Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

        Art. 2º (Vetado).

        Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.

        Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

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        Pena: reclusão de dois a cinco anos.

        Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada. 

        § 1o  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        § 2o  Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.

        Pena: reclusão de dois a cinco anos.

        Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

        Pena: reclusão de três a cinco anos.

        Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

        Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

        Pena: reclusão de três a cinco anos.

        Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

    Pena: reclusão de um a três anos.

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        Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.

        Pena: reclusão de dois a quatro anos.

        Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.

        Pena: reclusão de dois a quatro anos.

        Art. 15. (Vetado).

        Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.

        Art. 17. (Vetado).

        Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

        Art. 19. (Vetado).

        Art. 20. Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional. (Artigo incluído pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)        Pena: reclusão de dois a cinco anos.

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        § 1º Incorre na mesma pena quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.882, de 3.6.1994)        § 2º Poderá o juiz determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:(Parágrafo renumerado pela Lei nº 8.882, de 3.6.1994)         I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;        II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.        § 3º Constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Parágrafo renumerado pela Lei nº 8.882, de 3.6.1994)        

        Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

        Pena: reclusão de um a três anos e multa.

        § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

        Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

        § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

        Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

        § 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)    

        I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;

        II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

        III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

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        Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Renumerado pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)

        Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário. (Renumerado pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)

        Brasília, 5 de janeiro de 1989; 168º da Independência e 101º da República.

JOSÉ SARNEYPaulo Brossard

Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 6.1.1989

 

 

 

 

 Estatuto da Igualdade RacialApesar de algumas discordâncias, o Estatuto da Igualdade Racial começou a vigorar no país no dia 20.10.2010. O projeto de lei, que originou o estatuto, tramitou por sete anos no Congresso antes de ser sancionado pelo presidente em julho deste ano.

O documento estabelece quais ações e comportamentos são considerados atos de discriminação racial. Também define que a população negra brasileira é formada pelo "conjunto de pessoas que se auto declaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição análoga".

O Estatuto também alterou os arts. 3o e 4o da Lei no 7.716, de 1989 (que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”), a fim de criminalizar atos discriminatórios no âmbito laboral, principalmente que restrinjam a promoção funcional de pessoas negras.

Contudo, os enfoques do Estatuto são: políticas públicas e ações afirmativas. Ele tenta influenciar a gestão pública nas escolhas da administração. O estatuto passa a garantir a participação de representantes do movimento negro em conselhos de saúde e de representantes das religiões africanas em

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comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao Poder Público.

A versão inicial do Estatuto previa cotas para negros em escolas técnicas e universidades públicas, no entanto, tal previsão foi retirada do projeto pelo Senado. Na área educacional, o que permaneceu foi a obrigatoriedade do ensino da história geral da África e da população negra no Brasil em escolas públicas e privadas do país.

É fato notório que as comunidades quilombolas são constantemente ameaçadas por ações de despejo. Neste aspecto, o Estatuto buscou garantir um mecanismo de defesa para as comunidades, assegurando que os remanescentes de quilombos que estiverem ocupando suas terras terão propriedade definitiva no registro de propriedade.

O estatuto teve origem em um projeto de lei apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em 2003. Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência, o estatuto alcança 90 milhões de brasileiros e é um "instrumento legal que possibilitará a correção de desigualdades históricas".

Mesmo sabendo-se que as conquistas devem ser para além do Legislativo, o movimento negro tende a continuar investindo na relação com o Legislativo. Esta tendência decorre do crescimento do número de deputados negros, que passou de 12 para 22, e a conquista de maioria na Câmara e no Senado pelos partidos de centro-esquerda aliados ao Governo Lula.

Em entrevista veiculada na Agência de notícias da Câmara, o diretor-executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Raimundo Santos afirmou: “O fato de ter um número maior de deputados e senadores de centro-esquerda nos deu esperança. Antes das eleições, a estratégia do movimento negro era esquecer de vez o Legislativo e buscar os avanços no Executivo. Fechadas as urnas, vamos redimensionar a atuação no Congresso”, disse o diretor-executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Raimundo Santos.

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O diretor-executivo do Educafro disse ainda que o movimento quer rever pontos do Estatuto da Igualdade Racial para que o texto seja mais impositivo. É o caso, por exemplo, da instituição de cotas. O texto atual permite que as administrações públicas instituam políticas de ação afirmativa, mas não obriga que isso seja feito.

No âmbito do sistema de justiça penal, as respostas para diminuir a desigualdade racial não são positivas.

De acordo com reportagem do Jornal Valor Econômico, uma pesquisa feita pelo Núcleo de Direito da Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Direito GV no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), de 26 processos de um total de 226 ações judiciais sobre racismo em tramitação de 1988 a 2005 no TJSP, apenas dez tiveram decisões de mérito que trataram da questão do racismo - sendo que em seis delas os acusados foram absolvidos e em outras quatro foram condenados. Ainda assim, as condenações foram dadas por crime de injúria racial e não por crime de racismo.

Embora tanto a pena por injúria quanto a por racismo seja de um a três anos de prisão, a escolha da Justiça por tipificar os casos como injúria acaba trazendo maior dificuldade no andamento da ação. Isso porque, ao alterar a infração de crime de discriminação, previsto na Lei nº 7.716, de 1989, para crime de injúria racial, previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, o processo deixa de ser uma ação pública, movida pelo Ministério Público, e passa a ser uma ação individual, que deve ser movida pela própria parte ofendida. Além disso, a ação passa a ter um prazo de seis meses desde o fato ocorrido para ser impetrada na Justiça, sob pena de prescrição. Já no caso de discriminação racial, o crime tem caráter imprescritível.

Por conta do reduzido prazo de prescrição do crime de injúria, das 16 ações restantes selecionadas pelos pesquisadores e que não tiveram decisões de mérito - em que o TJSP analisou apenas se elas deveriam ou não ter seguimento na primeira instância - sete delas foram extintas. Uma por falta de provas e outras seis por conta de terem ultrapassado o prazo de seis meses. Outras três ações tratavam apenas de questões processuais e em seis o TJSP decidiu pelo seguimento na primeira instância.

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Para Marta Machado, professora da Direito GV e uma das coordenadoras do projeto, "a solução seria uma alteração na lei para colocar a tipificação de conduta de injuria racial passível de uma ação civil pública, que não estaria submetida a esse prazo de prescrição".

Além dessas dificuldades na persecução penal dos crimes de racismo, o sistema de justiça penal continua sendo. Recentemente, foi divulgado o relatório “Mapa da Violência 2010: Anatomia dos Homicídios no Brasil”, elaborado pelo Instituto Sangari.

Segundo o relatório, um jovem negro sofre um risco 130% maior de vir a ser vítima de homicídio do que um jovem branco. O retrato é semelhante em todas as faixas etárias, mas chamam mais atenção os números referentes a ocorrências nas quais as vítimas são jovens, porque essa faixa etária segue sendo a mais afetada pela violência em todo o País.

Esta realidade desconfirma qualquer reminiscência de uma visão lambrosiana de criminoso, a qual relacionava supostas tendências criminosas com o biotipo do infrator. A população negra, ao revés, principalmente os jovens, são as principais vítimas da violência. As mortes dos jovens negros devem servir como um alerta às autoridades. A segurança pública não pode ser privilégio das áreas mais ricas das grandes cidades e as mortes de jovens negros não pode ser banalizada.

 

O QUE É REALMENTE SEGUNDO A LEI.

Injúria Racial x Racismo 

A questão mais debatida no meio jurídico é a distinção entre injúria racial e racismo, onde uma começa e a outra termina. A questão é mais simples do que se pensa. Há a injúria racial quando as ofensas de conteúdo discriminatório são empregadas a pessoa ou pessoas determinadas. Ex.: negro fedorento, judeu safado, baiano vagabundo, alemão azedo, etc. O crime de Racismo constante do artigo 20 da Lei nº 7.716/89 somente será aplicado quando as ofensas não tenham uma pessoa ou pessoas determinadas, e sim venham a menosprezar determinada raça, cor, etnia,

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religião ou origem, agredindo um número indeterminado de pessoas. Ex.: negar emprego a judeus numa determinada empresa, impedir acesso de índios a determinado estabelecimento, impedir entrada de negros em um shopping, etc. Entre as peculiaridades de cada crime encontram-se as seguintes diferenças: o crime de racismo possui penas superiores às do crime de injúria racial; o crime de racismo é imprescritível e inafiançável, enquanto que o de injúria racial o réu pode responder em liberdade, desde que paga a fiança, e tem sua prescrição determinada pelo art. 109, IV do CP em oito anos; o crime de racismo, em geral, sempre impede o exercício de determinado direito, sendo que na injúria racial há uma ofensa a pessoa determinada; o crime de racismo é de ação pública incondicionada, sendo que a injúria racial é de ação penal privada; enquanto que no crime de racismo há a lesão do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no crime de injúria há a lesão da honra subjetiva da vítima. FATO INTERESSANTE:

Na noite de 13 de abril de 2005, durante espetáculo futebolístico televisionado, ocorreu ilícito penal testemunhado por milhares de espectadores.Segundo foi possível notar, um dos jogadores de futebol, de nacionalidade argentina, dirigiu-se a outro, de nacionalidade brasileira; adversário no certame, chamando-o de “negro”. Conforme declarações prestadas à imprensa televisiva logo após os fatos, por um dos advogados do clube de futebol a que pertence o ofendido, este teria informado à autoridade policial solicitada, em depoimento formal, que fora chamado de: “negro” e “negro de merda”.Foi o suficiente para a exploração televisiva, em parte justificável pela conduta do ofensor, de outro condenável pela forma e conteúdo das matérias veiculadas sem qualquer preocupação técnica.

Para a legislação penal brasileira, conforme consagrado na jurisprudência e na doutrina a conduta de dirigir-se a outrem o chamando de “negro”, ou mesmo “negro de merda” como na hipótese aventada, não restará configurado o crime de racismo. 

NECESSIDADE DE CAUTELA NA DIVULGAÇÃO DOS FATOS

Com efeito, ao noticiar o ocorrido e apresentar posição jurídica a respeito, cria-se expectativa de medidas policiais e judiciais que logo se verificarão incabíveis à espécie, e então não faltarão críticas injustificadas e maldosas à Polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.A população destinatária da notícia não compreenderá o descompasso entre o que foi veiculado e as conseqüências jurídicas efetivamente constatadas, e no mais das vezes a mesma imprensa não cuidará de esclarecer os incautos, deixando sempre a névoa sobre fatos que nem comportavam tanta dificuldade de compreensão.O episódio verificado durante a partida de futebol foi lamentável, deplorável, e está por merecer justa reprovação penal.Ao que se pode verificar ocorreu, em tese, crime de injúria racial (artigo 140, § 3º, do CP) e não crime de racismo regulado na Lei 7.716/97.Por outro vértice, não menos lamentável e deplorável foi o sensacionalismo

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distorcido a que se prestou parte da imprensa em relação ao episódio; e quanto a esta conduta a certeza absoluta é a de que nenhuma punição virá.

Contudo, concluí-se que se referindo a uma outra pessoa com dizeres do tipo "negro", "negro de merda", "macaco", "tsão", não estará cometendo o crime de racismo como muitos pensam, e sim uma injúria racial,capitulada no artigo 140, § 3º, do CP.

RODRIGO DE SOUZA COSTAGuarda Municipal/Varginha- Bacharel/Direito

A injúria racial

Estabelece que a Injúria consubstancia na ofensa à dignidade ou ao decoro de outrem.

O fato tipico do delito, baseia-se na proteção da honra subjetiva, que constitui o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos, intelectuais e morais de cada um.

Neste toada, a Carta Magna já ampara tal preceito de forma insofismável, quando dispõe:

" ART. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, á igualdade, á segurança e á propriedade , nos termos seguintes...."

A guisa do disciplinado no mencionado artigo, a lei punirá discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, abrange tal entendimento a pratica do racismo, que constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

O bem juridicamente protegido no crime de racismo é a integridade e moral do ofendido, jungida no amparo da Constituição Federal.

Os sujeitos ativo do crime, é qualquer pessoa, visto ser um crime comum, já o passivo é qualquer pessoa que pode ser vitima da injuria.

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Preexiste uma dissonancia entre difamação e injúria, visto que a primeira é a imputação à alguém de fato determinado , ofensivo à sua reputação - honra objetiva - , e se consuma , quando um terceiro toma conhecimento do fato, já a segunda, arrima-se na não imputação do fato , mas qualidade negativa, em que se ofende a dignidade ou o decoro de alguém - honra subjetiva - , além de se consumar com o simples conhecimento da vítima .

As jurisprudências dão cabo do explanado:

"na difamação há afirmativa de fato determinado , na injúria há palavras vagas e imprecisas" . Assim , se "A" diz que "B" é ladrão , estando ambos sozinhos dentro de uma sala , não há necessidade de que alguém tenha escutado e conseqüentemente tomado conhecimento do fato para se constituir crime de injúria .

Se caracteriza a injúria em punição a título de duplo elemento subjetivo, ou seja :

a) dolo de dano, direto ou eventual - vontade ou representação do sujeito de causar dano à honra subjetiva da vítima;

b) elemento específico - seriedade da conduta.

Já a consumação do crime de racismo é considerada de mera conduta, que importa dizer que se consuma-se com a prática das elementares do tipo, não exigindo, tampouco prevendo resultado naturalístico e não admitindo a forma tentada.

Diferentemente, a injuria qualificada gize-se, na consumação quando ofensa chega ao conhecimento da vítima, sem a necessidade do resultado naturalístico(crime formal), admitindo-se tentativa, caso seja o crime plurissubsistente(varias condutas).

No tocante ao nosso tema, a injúria Racial, repercute em ação dirigida contra uma determinada pessoa, um ataque verbal exclusivo contra a (s) vítima (s). É a utilização de palavras depreciativas com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, p.ex. negro sujo; judeu safado; turco maldito; japa; baiano vagabundo etc.

O que não se pode esquecer é que não basta o dolo de proferir palavras discriminatórias, sendo necessário à vontade de discriminar, ainda que só naquele momento.

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A vasta doutrina não divorcia do declinado:

"não basta chamar alguém da raça negra de "negão" para que o crime se configure, pois nem sempre o emprego desse termo demonstra a intenção discriminatória.

O perdão judicial, modalidade admitida no delito, só não deverá ser aplicada:

a) quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria (ex: o ofendido dirige um gracejo à esposa do injuriador);

b) quando houver retorsão imediata, que consista em outra injúria (duas pessoas, em um restaurante, trocam bilhetes injuriosos por meio do garçom).

Insta esclarecer, que caso exista a falta de elemento de culpabilidade, não há a aplicação de pena no caso de retorsão imediata de injúria.

Nesta esteira, prevalece há falta de justa causa para persecução penal devido à falta de um dos elementos da culpabilidade, p.ex: A vítima da injúria que,antes dela,provocou o agente.

Ademais, o crime de injúria autoriza a modalidade, é o que vela a Lei 9.459/97, que acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria cometida mediante "utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou origem".

A presente alteração legislativa foi motivada pelo fato de que os réus acusados da prática de crimes descritos na Lei 7.716/89 (preconceito de raça e cor) geralmente alegavam ter praticado somente delito de injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação.

Concluísse portanto, que a prática de uma discriminação em virtude de cor ou etnia poderá ser enquadrada na Lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Neste caso, a ação será pública e bastará que a vítima comunique o crime à autoridade policial ou ao promotor de Justiça para que este tome as providências legais cabíveis. Não é preciso que a vítima contrate advogado, visto que o promotor é que ingressará com a ação penal se o crime for enquadrado como de racismo, porém, o ato criminosos poderá ser enquadrada como crime de injúria qualificada, previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal. Neste caso, a ação será privada e a

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vítima deverá contratar advogado e ingressar com o processo dentro do prazo de seis meses, a contar da data que ocorreu o fato.

O enquadramento legal do crime vai depender das circunstâncias que ocorreu o fato e do preenchimento das condições previstas na tipificação legal violada pelo agente ofensor. Pois, é muito comum, especialmente em noticiário policial, a confusão entre um tipo e outro.

Finalmente, em qualquer das situações, o preconceito racial é sempre elemento presente na conduta criminosa do agente, embora não determinante no enquadramento específico. Isto é, na injúria qualificada (art. 140, § 3º, do Código Penal) é usado para ofender aleatoriamente (sem vincular a nada) uma pessoa, enquanto que no crime de preconceito racial (Lei nº 7.716/89) é usado no intuito claro e inequívoco de proibir, evitar, obstar que a vítima faça ou deixe de fazer algo, neste caso, constituindo um crime gravíssimo.

Dados do artigo 

Autor : Bueno e Costanze Advogados

Contato : [email protected]@terra.com.brTexto inserido no site em 04.04.2008

Informações Bibliográficas :

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas ( ABNT ), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma :

Costanze, Bueno Advogados. (Injuria Racial). Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos, 04.04.2008. Disponível em : <http://(endereço eletrônico)>. acesso em : ( data que acessou )

No final do mês de junho foi divulgado em diversos meios de comunicação, que uma policial militar da cidade de Itabuna, no interior do estado da Bahia, havia praticado o “crime de racismo”. Segundo a notícia, o crime ficou configurado quando o agente funerário Paulo Roberto foi agredido verbalmente pela policial com as seguintes palavras: “não gosto de negro pobre”. Pergunta-se: será que ao proferir tais palavras a policial militar teria cometido crime de racismo? A única resposta a ser dada é não.

Para fundamentar a nossa resposta, devemos primeiramente desmistificar a “lei de racismo” (Lei nº. 7.716/1983), para isso vamos a passo a passo.

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1) A aludida lei não é tão somente relacionada à raça, mas sim a “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Percebe-se assim, que a lei abarca muito mais do que assuntos relacionados à raça, como, por exemplo, questões de religião e procedência nacional.

2) Os crimes da referida lei, em sua maioria, estão direcionados a ideias de segregação. E segregação nada mais é do que pôr de lado; separar; afastar-se; isolar-se.

3) Ao todo a lei possui quatorze (14) tipos penais incriminadores. Ou seja, possui quatorze crimes. Sendo que estes são de fácil percepção. Abaixo uma explicação sucinta de um fato que constituiria o crime de racismo.

4) O art. 7º da lei 7.716/83, diz que constitui crime de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional “impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar”. Sendo a pena de tal crime reclusão de três a cinco anos de prisão. Ou seja, se algum hotel, pensão, estalagem, ou qualquer outro estabelecimento similar pendurar uma placa na sua sacada com a seguinte frase “proibida à entrada de índios”; ou então “proibida à entrada de católicos”; “proibida à entrada de quilombolas”, de fato, estará configurado o crime da “lei de racismo”.

Mas, dito tudo isso, ainda fica a pergunta. De fato, qual foi o crime praticado, em tese, pela policial militar?A resposta pode ser encontrada no artigo 140, §3º do Código Penal, que trata do crime de injúria racial, nestes termos: “Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa”.

Por fim, salientamos as principais distinções entre os crimes previsto na lei de racismo e o crime de injúria racial, afinal, ambas as condutas são ilícitos penais. Sendo assim, os crimes da lei de racismo são imprescritíveis, inafiançáveis e são de ação penal pública incondicionada (não precisa de autorização da vítima para iniciar o processo).

Por outro lado, o crime de injúria racial é prescritível, afiançável e de ação penal pública condicionada à representação (precisa de autorização da vítima para dar início ao processo).

Publicada: 05/07/2010 00:06| Atualizada: 04/07/2010 23:41

Racismo ou injúria racial?

 

Renato Flávio Marcão

1. Introdução

Na noite de 13 de abril de 2005, durante espetáculo futebolístico televisionado, teve-se a impressão da ocorrência de ilícito penal testemunhado por milhares de espectadores.Segundo foi possível notar, um dos jogadores de futebol, de nacionalidade Argentina, dirigiu-se a outro, de nacionalidade brasileira; adversário no certame, chamando-o de

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“negro”. Conforme declarações prestadas à imprensa televisiva logo após os fatos, por um dos advogados do clube de futebol a que pertence o ofendido, este teria informado à autoridade policial solicitada, em depoimento formal, que fora chamado de: “negro” e “negro de merda”.Foi o suficiente para a exploração televisiva, em parte justificável pela conduta do ofensor, de outro condenável pela forma e conteúdo das matérias veiculadas sem qualquer preocupação técnica.2. A real tipicidade da condutaA Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.A Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, alterou o art. 140 do Código Penal, que trata do crime de injúria.Conforme leciona Damásio de Jesus: “O art. 2º da Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria, impondo penas de reclusão, de um a três anos, e multa, se cometida mediante ‘utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou origem’. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados da prática de crimes descritos na Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (preconceito de raça ou de cor), geralmente alegavam ter praticado somente injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação. Por isso o legislador resolveu criar uma forma típica qualificada envolvendo valores concernentes a raça, cor, etc., agravando a pena. Andou mal mais uma vez. De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’, ‘pretão’, ‘negrão’, ‘turco’, ‘africano’, ‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’ etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de multa” (Código Penal anotado, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, p. 437).Nessa mesma linha argumentativa salienta Celso Delmanto que “comete o crime do art. 140, § 3º, do CP, e não o delito do art. 20 da Lei nº 7.716/89, o agente que utiliza palavras depreciativas referentes a raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da vítima” (Celso Delmanto e outros. Código Penal comentado, 6ª ed., Renovar, p. 305).Não se desconhece, ainda, a posição daqueles que defendem que é impossível falar em crime de preconceito de raça quando na essência todos os homens (e mulheres) são componentes de uma única raça: a raça humana. Segundo os defensores de tal doutrina, tal fato impediria a distinção que se faz na lei a respeito de raças, e não havendo raças (no plural), a unidade racial seria óbice intransponível à pretensa distinção e conseqüente discriminação ensejadora da tipificação penal.A verdade, porém, é que para a legislação penal brasileira, conforme consagrado na jurisprudência e na doutrina a conduta de dirigir-se a outrem o chamando de “negro”, ou mesmo “negro de merda” como na hipótese aventada, não restará configurado o crime de racismo.E há visceral diferença entre o tratamento penal dispensado para o crime de racismo, conforme a Lei 8.072/90, intitulada “Lei dos Crimes Hediondos”, e o tratamento dispensado para o crime de injúria racial (art. 140, § 3º, do CP).Basta dizer que na última hipótese não está vedada a liberdade provisória, com ou sem fiança; como não está vedado eventual recurso em liberdade e tampouco a forma progressiva de execução da pena privativa de liberdade (sem entrar na discussão da constitucionalidade ou não das vedações impostas pela Lei 8.072/90).3. Necessidade de cautela na divulgação dos fatosA imprensa em sentido amplo, tantas vezes apontada, não sem justo motivo, como quarto Poder, tem imediata e profunda penetração em milhares de lares e ambientes os mais variados, atingindo inimaginável número de pessoas.Suas notícias muitas vezes enfatizadas influenciam na formação da opinião popular a respeito de determinados temas, e bem por isso devem ser cuidadosas, cautelosas, pautadas pela prudência e pelo equilíbrio. É preciso ter em mente que: mais do que noticiar, é preciso noticiar com responsabilidade e consciência a respeito da importância da matéria veiculada. É preciso estar atendo à forma e ao conteúdo daquilo que se noticia.

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Infelizmente nem sempre é assim, pois tantas vezes notamos a priorização do efeito impactante; não raras vezes evidencia-se que a vocação do órgão noticioso é apenas causar indignação; é chocar; despertar sentimentos os mais variados sem qualquer preocupação com os resultados que deles decorrem.E foi assim, infelizmente, com relação ao episódio acima narrado, haja vista que, sem qualquer cautela, a grande maioria dos canais televisivos que trataram do assunto passou a propalar ter ocorrido crime de racismo, que pela lei brasileira é tratado como hediondo, quando na verdade tal não ocorreu.E nem se diga que os veiculadores da notícia não dispunham de conhecimentos específicos a respeito do tema, e que por isso estaria justificado o excesso.Com todo respeito, a tese não convence.Se não estão preparados para a informação que tem cunho jurídico, que não se atrevam a campear o desconhecido; que respeitem os destinatários da notícia e não transmitam inverdades criando expectativa de resultado judicial-repressivo que não será alcançado.Não se trata simplesmente de descompromisso com a verdade.A questão é mais profunda.Com efeito, ao noticiar o ocorrido e apresentar posição jurídica a respeito, cria-se expectativa de medidas policiais e judiciais que logo se verificarão incabíveis à espécie, e então não faltarão críticas injustificadas e maldosas à Polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.A população destinatária da notícia não compreenderá o descompasso entre o que foi veiculado e as conseqüências jurídicas efetivamente constatadas, e no mais das vezes a mesma imprensa não cuidará de esclarecer os incautos, deixando sempre a névoa sobre fatos que nem comportavam tanta dificuldade de compreensão.4. ConclusãoO episódio verificado durante a partida de futebol foi lamentável; deplorável, e está por merecer justa reprovação penal.Ao que se pode verificar ocorreu, em tese, crime de injúria racial (art. 140, § 3º, do CP) e não crime de racismo regulado na Lei 7.716/97, que tem tratamento severo respaldado na Lei dos Crimes Hediondos.Por outro vértice, não menos lamentável e deplorável foi o sensacionalismo distorcido a que se prestou parte da imprensa em relação ao episódio; e quanto a esta conduta a certeza absoluta é a de que nenhuma punição virá.

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Informações Sobre o AutorRenato Flávio MarcãoMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).

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Informações BibliográficasMARCÃO, Renato Flávio. Racismo ou injúria racial?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 21, 31/05/2005 [Internet].Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=560. Acesso em 16/03/2011.