Crimes Políticos, Terrorismo e Extradição: nos passos de Hannah Arendt

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    Gustavo Pamplona

    Crimes Polticos,Terrorismo e Extradio:

    nos passos de Hannah Arendt

    Porto AlegreSimplssimo

    2011

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    Gustavo [email protected]

    ISBN n: 978-85-63654-92-2

    Informaes bibliogrficas deste livro, conforme a NBR6023:2002 da Associao Brasileira de Normas Tcnicas(ABNT):

    PAMPLONA, Gustavo. Crimes Polticos, Terrorismo eExtradio: nos passos de Hannah Arendt. Porto Alegre:

    Editora Simplssimo, 2011, p. 258, ISBN: 978-85-63654-92-2

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    GUSTAVO PAMPLONA

    Mestre em Direito Pblico PUCMINAS

    Ps-graduado em Direito Processual UNAMA

    Ps-graduado em Controle Externo da Administrao Pblica TCEMG/PUCMINAS

    Bacharel em Direito UFMG

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    Para G.R.V

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    Agradecimentos:

    Ao prof. Dr. Mrio Lcio Quinto Soares pelo apoioincondicional e orientao.

    Ao prof. Dr. lvaro Ricardo Souza Cruz pelos debates.

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    Seria realmente tentador procurar essase outras incoerncias semelhantes

    num campo to obcecadocom a coerncia como a jurisprudncia.

    Mas, evidentemente isso no pode ser feito aqui.

    Hannah Arendt

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    RESUMO

    A proteo aos Direitos Humanos e a cooperao penalinternacional exigem medidas efetivas de combate ao terror,desde que se observe a segurana e maior certeza jurdica.Contudo, a ausncia de definio de terrorismo, no mbitointerno e internacional, conjugada com a diversidade deconcepes, notadamente de carter subjetivo, referentes aocrime poltico desafiam a fundamentao racional das decisesjudiciais. A problemtica ganha vulto ao se constatar que

    inmeras Constituies de pases Ibero-americanos, porvedarem a extradio do criminoso poltico, acabam por lheconferir tratamento de proteo. Entretanto, em funo daConveno Interamericana contra o terrorismo, h ocompromisso de represso ao terrorista. A definio de crimemotivado por razes poltica controversa e inconclusiva, e,consequentemente, pode haver uma assimilao conceitual evedar a extradio de terroristas. Torna-se imperiosa a anlise

    desses dois delitos em funo dos resultados dspares quegeram. Com o escopo de categorizar o debate, opta-se porfundament-lo conforme a obra de Hannah Arendt. Asreflexes arendtianas sobre liberdade, consenso, legitimidade,espao pblico, contradio, dentre outros, perfazem noapenas conceitos que se inter-relacionam e se complementamdentro de um sistema filosfico poltico, entretanto garantem

    coerncia e razoabilidade argumentativa a esta obra. Ademais,a filosofia arendtiana harmoniza-se com a doutrina do Direitops-positivista e contribui para a construo jurdica legtima edemocrtica. O objetivo prtico deste livro propor umasistemtica conceitual que permita ao aplicador do direitodiferenar os atos do criminoso poltico daqueles perpetrados

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    pelo terrorista, portanto, autorizando a extradio destes paraserem julgados ou para o cumprimento de pena. Justifica-se aimportncia da soluo teortica em funo da ausncia da fase

    probatria do processo de extradio. A extradio passiva, nosmoldes do direito brasileiro, no possibilita a comprovaoprobatria da motivao do agente e nem a aquilataoprocessual do contexto histrico poltico que se insere o crime.Tal objetivo ficar explcito na anlise de caso da extradio denmero 700 do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Por fim, adistino entre terrorismo e crime poltico requer o afastamentodas propostas subjetivistas apregoadas tanto pela doutrinaquanto pela jurisprudncia. A soluo jurdica est numahermenutica fundada no giro lingustico do textoconstitucional e a constitucionalizao do Direito Internacional luz do Estado Democrtico de Direito aliada proteo edefesa dos Direitos Humanos.

    Palavras-chave: Terrorismo, Crime Poltico, Extradio,Hannah Arendt, Estado Democrtico de Direito, Rede ibero-americana de proteo ao criminoso poltico, ConvenoInteramericana contra o terrorismo, hermenutica jurdica,Cooperao Internacional, Supremo Tribunal Federal do Brasil.

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    PREFCIO

    Hannah Arendt e o crime poltico no direito internacionalJoo Maurcio Adeodato, PhD.

    Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife, LivreDocente da Faculdade de Direito da Universidade de SoPaulo, Ps-doutor pela Universidade de Cidade-universitriaMainz como bolsista da Fundao Alexander von Humboldt ePesquisador 1-A do CNPq.

    O contexto escolhido pelo autor o problema dos direitoshumanos em uma sociedade globalizada e extremamenteconturbada por atribulaes internacionais, dentre as quais oterrorismo. No plano da teoria do direito, esse contexto ganharelevncia diante da vagueza de conceitos como o de criminosopoltico, que a tolerncia aconselha proteger, e da dificuldadede diferen-lo do terrorista, que precisa ser desestimuladopelo direito internacional.

    Por sua complexidade, envolvendo diversos campos doconhecimento, e por sua insero no mbito das relaes entreEstados soberanos, o problema no pode se restringir dogmtica jurdica, apesar das contribuies importantes quetem a dar, inclusive no tratamento dos conflitos entre asnormas de direito internacional e aquelas de direito interno. Porisso este livro adentra o plano da filosofia do direito e opta portomar base no pensamento de Hannah Arendt,reconhecidamente de primeira grandeza na filosofia do sculoXX.

    A obra de Arendt utilizada aqui como marco terico paraum trabalho em que convergem em auxlio do direito tanto afilosofia quanto a cincia poltica, bem nos termos dapensadora, que gostava de deixar sua relao com a filosofia

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    sob um vu de certa ambiguidade ao sempre se declararpensadora poltica em lugar de filsofa. Sua luta paracompreender e explicar como foi possvel o fenmeno do

    nazismo em uma Europa e uma Alemanha posteriores Revoluo Francesa, a Lutero e a Kant pode ajudar, noentender de Gustavo Pamplona, a compreender as complexasquestes internacionais no sculo XXI.

    A experincia concreta que inspirou as reflexes deHannah Arendt que se conectam a este livro foi sua coberturajornalstica do julgamento e condenao de Adolf Eichmann,

    um dos principais encarregados da soluo final (Endlsung)do problema judeu, isto , a eliminao de todas as pessoasde origem semita do territrio europeu. Alm das semelhanasentre o programa nazista e o terrorismo, ambos classificadospor muitos como crimes contra a humanidade, havia oproblema adicional de Eichmann ter sido raptado do territrioargentino pelo servio secreto israelense (Mossad), em notriodesrespeito s regras de direito internacional.

    Filosoficamente, o espantoso verificar que Eichmannencarna o conceito arendtiano de banalidade do mal, na medidaem que, a despeito dos atos monstruosos que praticou, nadaapresentava de anormal ou demonaco, revelando apenas umaflagrante incapacidade para pensar. E isso no atingiu apenas onazista mediano, mas constitui um perigo constante paraqualquer pessoa, pois a condio humana nica, mesmo em

    regimes de governo no-totalitrio. E a incapacidade de pensare julgar, nesse caso, nada tem a ver com as potencialidades dointelecto ou o grau de informaes do sujeito, "no uma falhados muitos a quem falta inteligncia (brain power) mas umapossibilidade sempre presente para todos."1

    1ARENDT, Hannah. The life of the mind (Thinking). New York-London:Harvest-HJB, 1978, p. 191.

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    Resta claro que os princpios jurdicos estabelecidos peladoutrina e pela prtica comuns no eram adequados diante doscrimes "administrativos" de Eichmann; a o problema, julg-lo

    sob qu parmetros? Tambm inocent-lo, em virtude dosconhecidos argumentos da dogmtica jurdica de "razo deEstado", "estrito cumprimento do dever legal" ouirretroatividade da regra punitiva em prejuzo do ru, seafigurava visvel afronta ao juzo mais elementar sobre o caso.A justia foi feita, segundo Arendt, no com referncia aquaisquer normas positivas ou transcendentes, mas apenas pelolivre exerccio da parte dos juzes em Jerusalm dafaculdade autnoma que o julgar.

    Assim, o julgar no se apoia necessariamente em normageral (ou na lei) nem sequer na opinio pblica. O objetivo dojulgamento de Eichmann no era a coerncia jurdica ou aconcesso do perdo, mas a simples realizao concreta dajustia. Assim, mesmo com todo o questionamento sobre acompetncia da corte, a ausncia de norma geral prvia, o fato

    de Eichmann ter sido raptado em flagrante desrespeito aodireito internacional e a inobservncia do princpio jurdico dairretroatividade das leis sem benefcio para o ru, o julgamentofez justia e este era seu nico objetivo.2

    O problema prtico que norteia a tese, como dito, refere-ses controvrsias sobre extraditar ou no pessoas consideradascriminosas polticas em um horizonte de universalizao dos

    direitos humanos. Seguindo a boa tradio empirista, o autorprocura um paradigma real em um caso submetido ao sistemadogmtico brasileiro, pertinente ao tema, o qual versou sobreextradio de cidado alemo por ter revelado segredos

    2ARENDT, Hannah. Eichmann in Jerusalem - a report on the banality ofevil. New York-London: Penguin, 1973, "Epilogue", p. 253-279 e"Postscript", p. 280-298.

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    militares, negada pelo Supremo Tribunal Federal. O problematerico fornecer parmetros conceituais para distinguir crimespolticos de crimes comuns, com destaque para a classificao

    jurdica do terrorismo e a necessidade de o direito internacionalcombater seu crescimento, tudo dentro da questo filosfica desaber se motivos polticos ainda que genuinamente polticos podem vir a legitimar a prtica de um crime.

    Gustavo Pamplona toma apoio em bibliografia escorreita eenfrenta com preciso essas questes, conseguindo aliar omelhor da tradio filosfica, representada por Hannah Arendt

    e outros grandes autores como Thomas Hobbes, atualidadedas encruzilhadas ticas em que se encontra a humanidadeneste incio de um novo milnio.

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    Sumrio

    1. INTRODUO........................................................................................14

    2. DOUTRINA SOBRE TERRORISMO E CRIME POLTICO................22

    3. CRIME POLTICO NAS CONSTITUIES DOS PASESIBRICOS E LATINO-AMERICANOS.....................................................55

    4. POTICA, A INSTNCIA ANTE-CONCEITUAL: LEVIATHAN E

    BEHEMOTH..............................................................................................115

    5. TERRORISMO: A BANALIDADE DO MAL PARA ALM DEEICHMANN..............................................................................................158

    6. EXTRADIO E COOPERAO EM SEGURANAINTERNACIONAL...................................................................................222

    7. CONCLUSO........................................................................................241

    8. BIBLIOGRAFIA....................................................................................247

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    1. INTRODUO

    A crise contempornea do combate ao terrorismo e aproteo dos Direitos Humanos um dos desafios da agendapoltica internacional. O tema terrorismo relevante, noapenas em razo dos episdios de 11 de setembro de 2001 nos

    Estados Unidos, mas, em especial, porque o nmero deatentados terroristas no mundo triplicou, conforme o relatrioda Fundao Bertelsmann (2006). A escalada do terror impeuma resposta efetiva, no apenas militar ou de seguranapblica, todavia, ainda, no mbito do Direito.

    Um dos esforos da comunidade internacional a definiojurdica do terrorismo. Entretanto, esta conceituao deve ser

    realizada, em paralelo, com a diferenciao com o crimepoltico, outro tipo de delito tambm marcado pelainconsistncia na sua caracterizao. Desta feita, no bastadefinir o terrorismo, contudo fixar o crivo distintivo deste coma criminalidade poltica.

    A distino entre terrorismo e delito poltico ganha especialimportncia no processo de extradio, pois neste que os doiscrimes se encontram e geram um impasse para o operador do

    direito, no caso do Brasil, para os Ministros do SupremoTribunal Federal (STF). O aparente paradoxo decorre doprprio texto constitucional. De um lado, h o repdio aoterrorismo como princpio que rege o Brasil nas suas relaesinternacionais, conforme dispe o artigo 4, inciso VIII,Constituios. Noutro extremo, dentre o rol dos Direitos

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    Fundamentais, h a previso de no ser concedida extradiode estrangeiro por crime poltico, segundo o artigo 5, incisoLII.

    Utilizando-se de uma ilustrao fcil perceber a polmicae o suposto paradoxo. Imagina-se o caso de um pedido deextradio contra um estrangeiro que cometeu vrioshomicdios e roubos, entretanto, realizados num contextopoltico conturbado e no-democrtico. A defesa doextraditando alega que no se trata de ato criminoso comum,nem mesmo terrorismo, haja vista que os delitos foram

    cometidos por motivao poltica e por um militante poltico,logo, trata-se de um crime poltico. No sentido oposto, opedido de extradio alega que os crimes pouco ou nada sereferiam a questes polticas, pois os alvos eram pessoasinocentes, logo, seriam delitos de um criminoso comum, qui,um terrorista envolvido em algum momento com movimentospolticos violentos.

    Ora, qual seria, portanto, o critrio distintivo entre o ato

    delitivo comum, o poltico e o terrorismo? Este o objetivodesta obra, auxiliar conceitualmente e pragmaticamente adistino entre crime poltico e outros crimes em sede doprocesso de extradio. A propsito, exatamente este odebate de fundo do caso Cesare Battisti.

    A pergunta pertinente, pois, de um lado, o criminosopoltico goza, em termos constitucionais, do direito a ter

    indeferido o pedido de extradio feito contra ele, segundodispe o artigo 5, LII, Constituio do Brasil. A Constituio,portanto, acaba por impedir que o agente seja julgado(extradio instrutria) ou, ainda, a efetivao para cumprir apena (extradio executria). Com efeito, afirma o voto daextradio n 855/STF que ao criminoso poltico lhe devidotratamento benigno, a saber, [...] crculo de proteo que o

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    faa imune ao poder extradicional [...]. (STF, 2006, p. 24).Noutro extremo, ao terrorismo a Constituio determina orepdio (art. 4, VIII), logo, a extradio do agente.

    O objetivo deste livro distinguir crime poltico e outroscrimes, inclusive, o terrorismo, em sede de processo deextradio passiva, diante da insuficincia probatria ecognitiva deste procedimento, luz do Estado Democrtico deDireito, perseguindo a constitucionalizao do DireitoInternacional e a integrao regional ibero-americana nocombate ao terrorismo, a partir da filosofia poltica de Hannah

    Arendt e outros pensadores.Para atingir esse escopo, a obra visa criar uma propostade sistemtica conceitual que permita ao aplicador dodireito, notadamente o STF, diferenar os atos docriminoso poltico daqueles perpetrados pelo terrorista.Noutros termos, impedir que terroristas recebam o mesmodireito do criminoso poltico, a proteo do Estadomediante a negativa da extradio e a concesso do refgio,

    segundo dispe a Constituio e o ordenamento jurdicobrasileiro.

    Com o propsito de possibilitar a extradio, a preocupao subtrair das aes terroristas o carter de criminalidadepoltica, no pela via dogmtica e meramente assertiva como seobserva em alguns votos do Supremo Tribunal Federalbrasileiro, mas mediante uma proposta jusfilosfica de

    construo de um sentido mpar e indito para o crimepoltico previsto na Constituio num sentido distinto dadoutrina penal atual.

    Insta destacar que o crime poltico, com previsoconstitucional, no se restringe ao Brasil. Inmeros pasesibero-americanos tambm vedam a extradio do criminosopoltico. Portanto, trata-se de um problema jurdico que desloca

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    a anlise, at ento penalista, para um mbito de cooperaointernacional.

    A compreenso desse dilema jurdico deve ser realizada a

    partir da inteleco que rompe com o dogmatismo doutrinrio ejurisprudencial para, noutra direo, propor um giro lingusticodo texto constitucional, reconstruindo o sistema de extradio luz da pragmtica comprometida com a instrumentalidade daproteo e defesa dos Direitos Humanos. O problema referenteao terrorismo, ao crime poltico e extradio passiva urge poruma reformulao doutrinria que se inicia pela leitura cujo

    pice a supremacia da Constituio e a hermenuticarenovada. Trata-se de transpor a dogmtica jurdica, ingressarna reflexo lgica e filosfica focada na prtica jurisprudencialdo Supremo Tribunal Federal do Brasil e, indo mais alm,produzir uma leitura arendtiana sobre a construo ehermenutica dos Direitos Humanos.

    O foco desse debate est localizado na interseo doDireito Internacional, dos Direitos Humanos, do Direito

    Constitucional, do Direito Penal Internacional, da hermenuticajurdica e da filosofia. O escopo possibilitar a cooperaointernacional, sobretudo entre os pases ibero-americanos, naproteo ao criminoso poltico versus a punio ao terrorista.

    Com o objetivo de sistematizar as teses apresentadas,adota-se a linha francesa de elaborar um plano lgico para aobra, portanto, dividi-se o presente trabalho em quatro estgios.

    No bloco inaugural, aborda-se o status qustionis, quesintetiza dois autores estrangeiros em conjunto com quatrodoutrinadores brasileiros. Deste modo, extrai-se o panorama dacontrovrsia sobre a distino entre terrorismo e crime polticoe, ao final, possibilita conhecer o estado da arte sobre o tema.

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    Em seguida, agrega-se ao debate elemento jurdico inditoque promove uma proposta na forma lgica e sistmicainternacional de se tratar o ato criminoso de natureza poltica e

    o terrorismo: a Rede ibero-americana de proteo ao criminosopoltico. A partir dessa nova estrutura, adentra-se no problemajurdico da legitimidade para, em seguida, realizar uma anliseda procedncia da tese vigente: o crime poltico o delitoexecutado por motivao poltica3. Em seguida, mediante algica formal e a partir da leitura arendtiana da dialtica,impe-se uma reconstruo do modelo da doutrina atual rumoa uma nova proposta conceitual.

    O terceiro bloco dedica-se formulao conceitual,conforme o paradigma do Estado Democrtico de Direito,portanto, rompendo com as razes histricas dos conceitos decrime poltico e terrorismo. Nesse estgio, o discurso poticoadvm como instncia prvia a conceitual numa perspectiva depermitir maior abertura propositiva para o Direito.

    No ltimo bloco, ser analisado o papel da extradio que,

    no cenrio da globalizao, alm de processo penalinternacional, sofre a ampliao de sua importncia e adquireduplo significado, pois perfaz: a) instrumento de proteo aosdireitos humanos ao assegurar a punio dos executores dosatentados terroristas; e b) instrumento de cooperao naspolticas de segurana internacional. Para tanto, ser realizada aaplicao dos conceitos trabalhados na anlise da

    jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal (STF), emparticular, a extradio n 700. O escopo evidenciar a

    3Caso em que de qualquer sorte, incidiria a proibio constitucional daextradio por crime poltico, na qual se compreende a prtica de eventuaiscrimes contra a pessoa ou contra o patrimnio no contexto de um fato derebelio de motivao poltica (Ext. 493)." (Ext 1.008, Rel. p/ o ac. Min.Seplveda Pertence, julgamento em 21-3-07, DJ de 17-8-07).

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    distino entre delito poltico e terrorismo, proposta pelapresente obra, bem como suscitar o debate sobre a viabilidadedo STF continuar a adotar o mesmo entendimento para os

    futuros pedidos de extradio, em especial, aps o advento daConveno Interamericana contra o Terrorismo.

    Em suma, pretende-se no somente analisar os conceitosatuais de crime poltico, mas, ainda, formular novasconcepes, que venham a subsidiar a atividade jurisdicional,em especial, a cooperao penal internacional luz do EstadoDemocrtico de Direito.

    Cumpre destacar que toda a lgica expositiva focada paraos casos do criminoso poltico estrangeiro, afinal este trabalhodedica-se a resolver os problemas de extradio desses agentes.O foco criar um conjunto de novos conceitos e auxiliar nafundamentao dos processos de extradio. No ser tratado,portanto, o caso do julgamento nacional de casos de crimespolticos executados por nacionais.

    O trabalho requer, sob pena de reducionismo, abertura dodiscurso jurdico para um dilogo com outras cincias. Naespcie, cumpre-se optar pela interdisciplinaridade do Direitocom a cincia poltica e a filosofia. impretervel esseprimeiro corte metodolgico, afinal o tema terrorismo e crimepoltico acabam por permitir inmeras abordagens cientficas sociolgicas, psicanalticas, histricas, etc. que podemcomprometer a clareza e a objetividade do debate. Destarte,

    elege-se o pensamento de Hannah Arendt como norteador dopresente livro.

    A proposta a partir do pensamento arendtiano sobre ohomem abstrair indagaes e propor uma nova leitura sobre ocrime poltico.

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    O pensar arendtiano demonstra-se inquieto e provocante. Aconsequncia dessa inquietude o retorno ao mesmo temamais de uma vez e, no raro, em obras escritas dcadas depois.

    Na leitura de Celso Lafer, ex-aluno da filsofa:

    [...] Uma leitura de Hannah Arendt implica um certoesforo de decodificao, pois as linhas de ordenao deseu pensamento no so bvias e no se encontramapenas nos seus enunciados mas, tambm, nasinquietaes que estruturam os seus trabalhos. (LAFER,2007, p.9-10).

    A pensadora possua apurado conhecimento de filosofiaclssica, aliado originalidade da interpretao da filosofiamoderna, que serve de substrato para expor suas preocupaesem compreender a experincia do homem no mundocontemporneo. Tal caracterstica permite abertura ao dilogocom trechos seletos da filosofia de outros pensadores essenciais

    para o debate: Scrates, Aristteles e Kant.Hannah Arendt era uma [...] intelectual que sempre teve ogosto pelo concreto. (LAFER, 1987, p. 234). Sua obra polmica, excepcionalmente criativa, no convencional, dedifcil classificao, mas de perspectivas generosas. (LAFER,1987, p. 242).

    A principal expectativa que o pensamento de Arendtpropicia consiste na ausncia de solues tericas prontas,mas uma profuso de incentivos para pensar por si mesmo.(KOHN, 2004, p. 11). A cientista poltica no dava respostasprontas para problemas. Pelo contrrio, a autora demonstrava aestrutura de seu raciocnio e a abundncia de conceitos, ou seja,um convite a pensar com ela a melhor compreenso para osfenmenos da Modernidade. Neste sentido, creio que o

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    pensamento de Hannah Arendt, pela sua eloquente capacidadede reflexo abstrata sobre o problema concreto, pela retomadade uma das linhas da tradio e pela consequente reviso de

    conceitos que acarretou, representa uma redescoberta dasabedoria. (LAFER, 2007, p. 26).

    Diante dessa constatao, que se ousa propor apossibilidade de aplicao da filosofia arendtiana como basepara a anlise do fenmeno do delito poltico e do terrorismo.

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    2. DOUTRINA SOBRE TERRORISMO E CRIMEPOLTICO

    Inicia-se o presente estudo pelo estado da questo (statusqustionis) mediante a exposio dos conceitos dos principaisautores e suas distines de terrorismo para o crime poltico.Ao final, ser abordado o estado da arte. Segundo Therrien(2008), o estado da arte refere-se produo acadmica maiselaborada sobre o tema, j aquele (status qustionis) cuida do

    levantamento das principais obras e da evoluo dos debatessobre a matria.

    A importncia do status qustionis se justifica porpropiciar uma viso panormica do pensamento jurdico sobrea problemtica. Assim fica garantido no apenas oacompanhamento da evoluo cientfica, mas, principalmente,conhecer as mutaes das doutrinas e a influncia que o

    contexto histrico-social produz em sua formulao.A segunda relevncia desse levantamento possibilitar acomparao das linhas propositivas de cada autor e quais so asdiferenas de abordagens entre elas.

    Ademais, a exposio permitir, alm do nivelamento doleitor sobre o tema, aferir quais doutrinas podem serconfirmadas ou refutadas pelos principais filsofos ocidentais:Aristteles, Kant e Hannah Arendt.

    2.1 Sarah Pellet

    Sarah Pellet, em A Ambiguidade da Noo de Terrorismo,expe que o problema do terrorismo une tanto o mbito

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    jurdico quanto o poltico e reala a dificuldade da definiounvoca interna e no mbito internacional:

    [...] terrorismo, termo em que se misturam direito epoltica, fato que causa um grave problema de definio,tanto na esfera interna quanto na esfera internacional. E esta ambiguidade quanto noo de terrorismo quefaz com que a comunidade internacional e os Estados,no quadro de sua legislao interna, cheguem arespostas insatisfatrias para lutar contra este flageloque a prpria doutrina jamais soube definircompletamente. (PELLET, 2003, p. 9).

    Pellet (2003) menciona diversas propostas de definio deterrorismo, dentre elas, dois projetos da Conveno de 1937,em Genebra; a Resoluo 3.034 (XXVII) da Assembleia Geraldas Naes Unidas motivada pelos atentados de Munique novero de 1972 , que criou o Comit Especial de TerrorismoInternacional, e, as que surgiram, aps os atentados de 11 de

    setembro de 2001 contra o World Trade Center e o Pentgono.Por fim, a declarao do secretrio geral da ONU quereafirmou a necessidade de um esforo internacional nadefinio jurdica do crime de terrorismo. Em suma, asconvenes nunca entraram em vigor ou, ento, os grupos detrabalho preferiram abster-se de uma definio (PELLET,2003, p. 15).

    No levantamento histrico de Sarah Pellet (2003), oadvento do termo terrorismo internacional est atrelado aoassassinato do Rei Alexandre I da Iugoslvia e do MinistroFrancs de Assuntos Estrangeiros, Louis Barthou.

    Sobre esse atentado, importante a referncia ao discursode Pierre Laval, Presidente do Conselho Francs: toda umaregulamentao internacional nova que deve se interpuser.

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    necessria que, no plano internacional, seja assegurada umarepresso eficaz dos crimes polticos (PELLET, 2003, p. 12).

    Infere-se que o mesmo fato ganhou a denominao ora de

    terrorismo, ora de crime poltico. Evidencia-se, portanto, queos dois fenmenos se confundem no tempo e, sobretudo, se aparte que alega vtima desse ato ou no. Denota-se,manifestadamente, o subjetivismo e o aspecto poltico em quetais termos so utilizados, isto , quer como sinnimos, oracomo espcies de gneros distintos. Enfim, fato comum ooportunismo, o casusmo e o uso retrico dos termos terrorismo

    e crime poltico.Consoante a autora, as legislaes internas dos paseseuropeus4 tendem a tipificar os atos terroristas como delitoscomuns que adquirem singularidade terrorista em razo dasmotivaes de seus autores, aliada violncia contra osprincpios fundamentais do Estado ou perturbao da ordempblica por intimidao e por terror ou grave ameaa sadeou segurana da populao de forma indiscriminada. Para

    Pellet, se esta motivao consiste em atentar gravementecontra as bases e princpios fundamentais do Estado, destru-las, ou ameaar a populao, trata-se de um atentado terrorista(PELLET, 2003, p. 16, grifo nosso).

    A crtica da autora dirige-se legislao europeia naexistncia de definies amplas [...] para serem transpostas nodireito internacional, e se fornecem pistas, no trazem,

    entretanto, uma soluo satisfatria. (PELLET, 2003, p. 17).Idnticas objees so formuladas s concepes

    doutrinrias que no distinguem o ato terrorista da guerra ou

    4Refere-se ao artigo 300 do cdigo penal portugus ou do artigo 571 docdigo penal espanhol ou do Terrorism Act 2000 britnico ou, ainda, doartigo 421-1 do cdigo penal francs.

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    conciliam [...] as motivaes dos atos terroristas e suascaractersticas materiais (PELLET, 2003, p. 18, grifo nosso).

    Tal concluso, Sarah Pellet expressa aps recorrer

    definio de terrorismo de Antoine Sottile, ato criminalperpetrado mediante terror, violncia, ou grande intimidao,tendo em vista a alcanar um objetivo determinado (PELLET,2003, p. 17, grifo nosso). E, ainda, menciona a concepo deEric David, todo ato de violncia armada que, cometido comum objetivo poltico, social, filosfico, ideolgico ou religioso[...]. (PELLET, 2003, p. 17, grifo nosso).

    Por fim, Sarah Pellet reafirma que a eliminao desseflagelo perpassa pelo dever de procurar ativamente definir oterrorismo de maneira geral, a fim de levantar todaambiguidade sobre a noo [...]. (PELLET, 2003, p. 19).

    Insta pontuar alguns comentrios sobre o texto de Pellet.Primeiramente, merecem nota as afirmativas da autora sobre adoutrina de Sottile e de David, para quem o terrorismo teriaobjetivo poltico. Entretanto, Pellet interpreta que os autoresesto discorrendo sobre a motivao poltica do ato deterrorismo: [...] E ric D avid se preocupa em conciliar asm otivaes [...] (PE LLE T, 2003, p. 18).

    Ora, objetivo diferente de motivo. Oriunda de um motivo,a motivao perfaz explicitao do juzo, que implica decisoque tende para um objetivo. Motivao resoluo ancoradano passado, enquanto que o objetivo a finalidade do ato,

    portanto, mira o futuro.So Toms de Aquino, em relao ao conceito de motivo,

    identifica a percepo valorativa como componente daformulao da deliberao, afinal o exerccio racional requerprvia investigao, pois no produz juzo sobre coisasduvidosas e inseguras. Para esta corrente filosfica,

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    compreender um ato, portanto, significa investigar as suasrazes, noutros termos, os motivos causais e, obviamente,pretritos.

    No sentido contrrio, o objetivo a expectativa de umresultado prtico futuro. Toms de Aquino afirma que para sefirmar um objetivo se requer uma fase investigativa precedente:a deliberao. Esta no trata do fim, em sentido prtico, masversa sobre os meios para o fim. Com efeito, ao tender areferir-se apenas sobre os expedientes, o objetivo faz-se merapossibilidade que depender das deliberaes (consilium) dos

    recursos, vias eleitas e de uma srie de fatores exgenos,portanto, independentes do controle do agente. O fim busca suarazo nas deliberaes, contudo, impossvel prever com certezaqual ser o resultado e, ademais, sua dimenso.

    A diferena entre motivo, motivao e objetivo acredita-seser extremamente relevante e poderia permitir analisar o crimepoltico e, por sua vez, formular o seu tratamento jurdico etraar a diferenciao perante o terrorismo. Motivao o

    principal substrato da doutrina penal como se constataradiante e, logo, no pode ser confundido com objetivo. Nodiscurso cientfico, tal diferenciao no deve sernegligenciada. Afinal, conforme a filosofia tomista, no sepode coadunar com a doutrina que no se preocupa com adistino referida e sugere que motivao e objetivo possamser tomados como idnticos.

    O ltimo argumento pelletiano foi o de [...] definir oterrorismo de maneira geral [...]. (PELLET, 2003, p. 19).Todavia, filosoficamente um contra-senso definir demaneira geral. Afinal, para Aristteles, definir enunciar ognero e a diferena especfica. (STIRN, 2006, p. 48).Noutros termos, definir se faz saindo do geral e buscar oespecfico, ou seja, explicitar a indicao do critrio distintivo

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    que, portanto, afasta o individual do geral. Definir serespecfico, o contrrio de genrico. Postula a filosofiaaristotlica que, o Ser no um gnero, dado que pode se

    aplicar a tudo. (STIRN, 2006, p. 48). No mesmo sentido, Kantpreceitua: definir s deve propriamente significar tanto quantoapresentar originariamente, dentre de seus limites, o conceitominucioso de uma coisa. (KANT, 1983, p. 358). Com adevida licena autora, no faz sentido tentar definir algo deforma genrica.

    Causa estranheza o apelo de Sarah Pellet, definir de

    maneira geral, pois uma das suas crticas foi justamente sdefinies amplas5 das legislaes nacionais que ela mesmaafirma no se adequar ao cenrio internacional. Exceto, se aautora emprega o termo geral no sentido de mundial, globalou universal. Caso assim seja compreendido, no deveria tersido utilizada a expresso maneira, mas se requer adotar apalavra: mbito. Se assim for, vale dizer, caso o apelo sejapor definir o terrorismo no mbito mundial, inevitvel,

    portanto, que surgiro conflitos polticos e interessescontingentes ao longo deste debate, que como se observainclusive no levantamento histrico realizado pela prpriaPellet acabar por contaminar as discusses jurdicas e levaros trabalhos aos fracassos notrios. Enfim, ao final de seu textoPellet prope a definio global do tipo terrorismo, mas elamesma parece j apontar para o fracasso, conforme afirma noincio de seu texto, logo, indiretamente, a autora faz um apeloem vo por sua prprias razes. Isto , ela pede por algo que deantemo j afirmou que no funcionar.

    5 Em todo caso, todas estas definies so muito amplas para seremtranspostas no direito internacional, e se fornecem pistas, no trazem,entretanto, uma soluo satisfatria. (PELLET, 2003, p. 17).

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    Aps a leitura de Sarah Pellet constata-se a dificuldade degrupos de trabalho e da prpria autora em conceituar o delitode terrorismo. Ademais, como questes filosficas, tais como

    motivo e objetivo, so negligenciadas. A importncia nestesdois conceitos motivo e objetivo ser evidenciada edesvelada nos prximos captulos.

    2.2 Heleno Cludio Fragoso

    Heleno Cludio Fragoso, em Terrorismo e CriminalidadePoltica, analisa o confronto conceitual entre terrorismo e osdelitos polticos: verificaremos se existe um crime deterrorismo, examinando os problemas que uma definioapresenta. A anlise tcnica impor estudo da objetividadejurdica, que nos leva questo do crime poltico.(FRAGOSO, 1981, p. 3). A distino relevante, posto que a

    denominao terrorismo, por ser vaga e inconcludente, [pode]terminar permitindo a extradio de crimes polticos.(FRAGOSO, 1981, p. 5).

    Fragoso aponta as principais divergncias a respeito dadefinio do delito de terror. Iniciando sua anlise pela obra deAlfred P. Rubin, aponta que no h uma natureza jurdicaconstante no terrorismo.

    A violncia, por exemplo, pode no existir se umsistema de telecomunicaes desarranjado por meioseletrnicos, ou se bacilos de molstias contagiosas soenviados pelo correio. O motivo poltico pode noexistir, como no caso do sequestro dos ministros daOPEP em sua reunio de Viena, em 1975. A criao deterror pode tambm no existir em fatos isolados, como

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    os assassinatos de Martin Luther King e de RobertKennedy. (FRAGOSO, 1981, p. 5).

    No mesmo passo, faz referncia ao trabalho de QuintilianoSaldaa que afirmava serem as caractersticas do atentado deterrorismo: (a) pelo fim de criar um estado de alarma; (b) pelo emprego de meios capazes de produzir um estado deperigo geral ou comum (explosivos, produtos txicos, agentesinfecciosos ou microbianos)6. (FRAGOSO, 1981, p. 7).

    O projeto de Fragoso baseia-se na perspectiva de anlise do

    preenchimento ontolgico do tipo penal, a partir de suacontextualizao histrico sociolgica do delito e de seuagente. No obstante as divergncias conceituais de outrosautores, Fragoso sintetiza assim o terrorismo:

    O terrorismo fenmeno essencialmente poltico. Eleconstitui agresso ordem poltica e social, pretendendoatingir os rgos supremos do Estado (atentados aos

    governantes e a quem exera autoridade) ou provocar adesordem social, dirigindo-se contra a ordemestabelecida, para tornar, como dizem os ativistas daPrima Lnea, o sistema invivel. (FRAGOSO, 1981, p.124, grifo nosso).

    Para Fragoso, o fim de agir elementar do terrorismo. Oterrorismo no seria um crime comum, porque se trata de fato

    poltico, no sentido de que seus autores o dirigem contra avigente ordem poltica e social, para destru-la ou para mud-lamediante atos de violncia.

    Nesse sentido, o doutrinador compreende o terrorismocomo espcie do gnero crime poltico: s impropriamente se

    6 ApudEdison Gonzales Lapeyre, ob. cit. (nota 7), 13.

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    pode falar em terrorismo como crime comum. (FRAGOSO,1981, p. 124). O autor sustenta que:

    a noo de terrorismo, que no uma especfica figurade delito, mas um conjunto de crimes contra a seguranado Estado, que se caracterizam por causar danoconsidervel a pessoas ou coisas, pela criao real ou

    potencial de terror ou intimidao, com finalidadepoltico-social. Insere-se, portanto, na categoria doscrimes polticos. (FRAGOSO, 1981, p. 125, grifonosso).

    Noutro giro, a definio fragosiana de crime poltico aquele que atinge os interesses polticos da nao, ou seja, asegurana externa e a segurana interna, que, por vezes, semesclam e se confundem, e a ordem econmica e social doEstado. (FRAGOSO, 1981, p. 125).

    O delito de conotao poltica [...] no se pode jamais

    descuidar do critrio subjetivo, pois, em realidade, esteaspecto o que com mais rigor define o crime poltico como tal.(FRAGOSO, 1981, p. 36). Por fim, merece destaque o [...]especial fim de agir, o propsito de atentar contra a seguranado Estado (dolo especfico). (FRAGOSO, 1981, p. 36).Conclui que o conceito de crime poltico requer a revalorizaodos princpios filosficos do Iluminismo, do sculo XVIII, dalegitimidade de resistncia tirania, expressa no direito de

    lutar pela liberdade contra a opresso. (FRAGOSO, 1981, p.37).

    Sobre o dilema entre terrorismo e crime poltico em sede deextradio, o criminalista alerta que a expresso crimepoltico no tem significado como tal, salvo no que se referes disposies especiais sobre extradio. (FRAGOSO, 1981,

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    p. 28). Destarte, o problema do crime poltico versus terrorismoest ligado ao direito internacional [...] na perspectiva do asiloe da proibio da extradio a criminosos considerados

    polticos. (FRAGOSO, 1981, p. 28).Constata-se que jurista se preocupa com a polimorfologia

    do conceito de terrorismo, pois acabe por permitir [...] aextradio de crimes polticos. (FRAGOSO, 1981, p.5).Interessante destacar que, atualmente, o foco da controvrsia o inverso, qual seja, sob a denominao de crime poltico, nose extraditar os terroristas.

    Ao abordar o problema do contexto histrico na sua anlisesobre delito poltico, afirma que: as tiranias no tem inimigosilegtimos. (FRAGOSO, 1981, p. 37). Contudo, Fragoso noaprofunda o que seria esta tirania. O texto silente sobre qualconcepo de tirania o autor est se referindo. Seria o Estadoem si ou uma forma ou sistema de governo ou um regime degoverno ou certo governante? Tratar-se-ia de tyrannus absquetitulo ou tyrannus ab exercitio? Enfim, o termo tirania

    utilizado no latssimo sensu accepti, qui, com intuitoretrico. Para compreender o conceito de tirania, requer-sevniapara revisitar textos clssicos sobre o tema.

    Na pea teatral Antgona, Sfocles esboa a concepo detirania no contexto greco-romano. O personagem Corifeu ao sereferir ao tirano, Creonte, afirma que tens o direito e o poderde determinar qualquer ao, seja com relao aos mortos, seja

    com relao a ns, os vivos. (SFOCLES, 2005, p. 14).Trata-se, portanto, de poder ilimitado, sem nenhum obstefsico, legal, poltico e at mesmo metafsico. A tirania paraSfocles o soberano que mediante a fora e a ameaa impe asua vontade como se lei fosse: mas essa a vantagem dostiranos impor pelo medo tudo o que dizem e fazem..(SFOCLES, 2005, p. 27).

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    Ccero, por sua vez, inclui o domnio sobre a vida ou amorte, todos os que usurpam o direito da vida e morte sobre opovo so tiranos [...]. (CCERO, 2001, p. 96). No mesmo

    sentido da pea citada, Hannah Arendt sintetiza que a tirania a: [...] nica forma de governo que brota diretamente do quero[...]. (ARENDT, 2007a, p. 211).

    Sem esforo, no contexto moderno e vigente dos EstadosConstitucionais h dificuldades tericas de se utilizar oconceito de tirania. Noutro dizer, tirania, tomada comopersonificao do querer solitrio do Poder, , por definio,

    incompatvel com o atual modelo de Estado Moderno.Outro ponto importante que o objetivo central da obra deHeleno Fragoso, Terrorismo e Criminalidade Poltica, adistino entre esses dois fenmenos. A concluso do autor que o terrorismo uma espcie do gnero crime poltico 7.Entretanto, no evidente o critrio distintivo.

    Para Fragoso, o conceito de terrorismo seria uma [...]agresso ordem poltica e social, pretendendo atingir osrgos supremos do Estado [...] ou provocar a desordem social,dirigindo-se contra a ordem estabelecida [...]. (FRAGOSO,1981, p. 124).

    Noutro giro, crime poltico : aquele que atinge osinteresses polticos da nao, ou seja, a segurana externa e asegurana interna, que, por vezes, se mesclam e se confundem,e a ordem econmica e social do Estado. (FRAGOSO, 1981,

    p. 125).Cumpre realizar algumas observaes. A primeira, o

    terrorismo no poderia tambm ser classificado como umameaa segurana interna ou externa tal qual o crime

    7 [...] a noo de terrorismo [...]. Insere-se, portanto, na categoria doscrimes polticos. (FRAGOSO, 1981, p. 125).

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    poltico? Outra questo, qual a diferena em provocardesordem social para ferir a ordem social do Estado? Aterceira, se o que o crime poltico atinge a amlgama formada

    pela juno do interesse poltico da nao segurana externae interna em conjunto com a ordem econmica e social doEstado, qual seria o bem jurdico ferido pelo terrorismo? ParaFragoso seria: i) a ordem poltica e social com efeitos reflexosaos rgos supremos do Estado ou ii) a ordem social. Mas, aordem social no era o bem jurdico que atingido pelo crimepoltico? Ou a diferena entre os bens estaria ora nos efeitos,ora na densidade semntica do qualificativo empregado? Adoutrina de Fragoso no responde a estas perguntas.

    O entendimento de Fragoso compreensvel em face docontexto em que foi escrito, a ditadura militar brasileira, isto ,antes da Constituio de 1988. Adota uma postura crtica qui, irnica todavia, de profundo mote relativista. Porexemplo, considera que a teoria do crime poltico tem de serconstruda sob o pressuposto do Estado democrtico.

    (FRAGOSO, 1981, p. 36). Entretanto, logo em seguida afirmaque: o problema est em saber o que regime democrtico[...].. (FRAGOSO, 1981, p. 37).

    Em suma, depreende-se na doutrina de Fragoso arelativizao conceitual, que no permite um norteamentodoutrinrio para sanar o problema da dicotomia entreterrorismo e crime poltico.

    A proposta de distino fragosiana conceitualmentepolimrfica, o que a deixa vulnervel o caso concreto deextradio inteleco poltico subjetivista8 do aplicador do

    8 O termo subjetivista um neologismo que foi cunhado para transmitir aideia de um estgio deteriorado, qui, perverso da subjetividade. Trata-seda percepo numa dimenso personalista, artificiosa e solrcia. Em certosentido, a inteleco poltico subjetivista a deturpao da teoria da

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    direito, cuja fundamentao basear-se-ia predominantementeno contexto histrico (distorcido ou no) em que o delito seinsere. Fica em suspenso, por exemplo, quais seriam os

    critrios objetivos de como aferir se o agente estava agindocontra as tiranias numa cruzada altrusta pela sua causapoltica.

    Sem esforo, depreende-se que o alvedrio, fincas nasubjetividade, do intrprete do direito o ponto de apoio dateoria fragosiana. evidente que permitir essa mximadiscricionariedade pode resultar em arbitrariedades. Afinal, o

    exegeta, na anlise de um caso concreto, pode basear suafundamentao no entendimento subjetivista sobre os fatosdelitivos e sobre o contexto histrico no qual o crime se insere.Assim sendo, Fragoso, ao tentar justificar a conduta daqueleque luta contra a tirania, acaba por dar azo a uma estruturadoutrinal que, em potncia, transforma o intrprete do direitonum tirnico.

    argumentao jurdica. A teoria da argumentao tornou-se elementodecisivo da interpretao constitucional, nos casos em que a soluo de umdeterminado problema no se encontra previamente estabelecida peloordenamento, dependendo de valoraes subjetivas a serem feitas vista docaso concreto. Clusulas de contedo aberto, normas de princpios econceitos indeterminados envolvem o exerccio de discricionariedade por

    parte do intrprete. Nessas hipteses, o fundamento de legitimidade daatuao judicial transfere-se para o processo argumentativo: a demonstraoracional de que a soluo proposta a que mais adequadamente realiza avontade constitucional. (BARROSO, 2004, p. 385). A intelecosubjetivista no um processo argumentativo, mas uma retrica que comose ver adiante pauta-se e reverbera a lgica de uma ideia.

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    2.3 Luiz Regis Prado e rika Mendes de Carvalho

    Outros doutrinadores brasileiros que devem ser estudadosso Luiz Regis Prado e rika Mendes de Carvalho, autores deDelito Poltico e Terrorismo: uma aproximao conceitual.

    Afirmando que existe uma ausncia de definio legal paracrime poltico, os autores expem as trs teorias referentes aocrime poltico: a objetiva, a subjetiva e a mista.

    As teorias objetivas conceituam o crime poltico pelo bemjurdico protegido pela norma penal. Seriam, portanto, polticos

    os delitos contra a existncia do Estado e, por via deconsequncia, suas instituies jurdicas. Tais crimes, sob atica objetiva, so cometidos contra a coisa pblica com oescopo de destru-la, modific-la ou de perturbar a ordeminstitucional. Seu fundamento caracterizador no seria omotivo, mas o bem jurdico tutelado.

    Com efeito, depreende-se que o crime poltico, para a teoria

    objetiva, atenta contra o Estado ou certo governo. Portanto, nohaveria sobremodo caracterstica diferenciadora em face aoterrorismo, haja vista que contra este se deve proceder tutelade bens jurdicos fundamentais, constitucionalmenteassegurados, dado que as prticas terroristas abalam aestabilidade e a prpria existncia do Estado de Direito [...]..(PRADO e CARVALHO, 2000, p. 446).

    No difcil perceber que tanto o terrorismo quanto ocrime poltico objetivo atentam contra o Estado de Direito,portanto, no haveria significativa diferena entre eles.Destarte, a teoria objetiva no nos auxiliaria num processo deextradio.

    Por outro lado, para a teoria subjetiva o decisivo o fimperseguido pelo autor, qualquer que seja a natureza do bem

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    jurdico efetivamente atingido. (PRADO e CARVALHO,2000, p. 426). Em efeito, no importa se trata de um crimecomum, pois requer-se, como dado definidor, que seja

    impulsionada por motivos polticos, tem-se comoperfeitamente caracterizado o delito poltico. (PRADO eCARVALHO, 2000, p. 426).

    Todavia, os autores compreendem que essa inteleco forosa e abre perigosa tese jurdica para fim do processo deextradio. Os doutrinadores, em anlise distinta a de Fragoso,advogam que o terrorismo no crime poltico. A soluo para

    esse impasse estaria na teoria mista do crime poltico.As teorias mistas combinam as duas proposies tericas econjugam o crime poltico tanto pelo bem jurdico atingidocomo o desiderato do agente sejam de carter poltico.(PRADO e CARVALHO, 2000, p. 427). Noutros termos,requer que seja analisado o bem jurdico atingido e a motivaoou inteno9 do agente.

    Regis Prado e Carvalho (2000) afirmam que foi Florianquem cristalizou a teoria mista ao inserir a necessidade de lesodo bem ou interesse poltico ao objetivo poltico:

    Modernamente, a doutrina majorante defende que paraa caracterizao do crime poltico faz-se imprescindvelsopesar, conjuntamente, o elemento subjetivo daconduta e o bem jurdico lesado ou ameaado de leso.Da preponderarem as opinies favorveis adoo deum critrio misto para sua exata conceituao. (PRADOe CARVALHO, 2000, p. 427).

    9 O sentido de inteno o resultado da primeira evoluo da vontadedepois dela ter admitido a ideia.

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    Para a completar compreenso dessa estrutura mista,agregam a doutrina de Cerezo Mir que subdivide a teoriasincrtica entre extensivas e restritivas:

    As teorias extensivas entendem como crimes polticosaqueles que atentam contra a organizao poltica ouconstitucional do Estado, bem como todos os que so

    perpetrados com um fim poltico. J as teoriasrestritivas sustentam que delitos polticos so somenteaqueles que, alm de atentarem contra a organizao

    poltica ou constitucional do Estado, tambm

    apresentam fins polticos. Ficam excludos, portanto, doconceito de delito poltico, de acordo com essas teorias,os delitos contra a organizao poltica ouconstitucional do Estado praticados com fins no-

    polticos (nimo de lucro, af de notoriedade etc.) e osdelitos comuns perpetrados com um fim poltico(homicdio, sequestro, roubo, incndio etc.). (PRADO eCARVALHO, 2000, p. 427 e 428).

    A doutrina mista extensiva incluiria os crimes contra aordem poltica do Estado, bem como qualquer ato criminosodesde que impulsionado por destinao poltica. Destarte,reputam-se polticos mesmos os delitos de direito comum[assassinato, sequestro, roubo, estelionato etc.], desde quepraticados com motivao poltica. (PRADO e CARVALHO,2000, p. 428).

    Em sentido diferente, a teoria mista restritiva requer que oato praticado seja contra o Estado como tambm exige o fitopoltico. Portanto, o peculato simples no seria um delitopoltico, exige-se inequivocamente o intuito poltico subjacente ao.

    Em sede de concluso, o entendimento de Luiz Regis Pradoe rika sintetiza o debate sobre as teorias do delito poltico,

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    aponta para a propriedade da teoria mista que, em sua anlise,tambm incluiria os crimes eleitorais10.

    Na verdade, em que pese o carter contingente de suanoo, impe reconhecer que o crime poltico todo atolesivo ordem poltica, social ou jurdica, interna ouexterna do Estado (delitos polticos diretos), ou aosdireitos polticos dos cidados (delitos polticosindiretos). Objetiva ele predominantemente destruir,modificar ou subverter a ordem polticainstitucionalizada (unidade orgnica do Estado). Pormno pode ser olvidado que, na inteligncia do que vemser delito poltico, de extrema importncia o aspectosubjetivo, ou seja, o propsito do autor na prtica dainfrao. cedio que entre os delitos polticos figuramgrande parte dos crimes eleitorais (v.g. arts. 293, 296,297, 310, 315, 339, 347, da Lei 4.737/65). Esses crimesatingem os direitos polticos dos cidados, em especial olivre exerccio do direito ao voto constitucionalmenteassegurado (artigo 14, CF) , o que afeta, de modoreflexo, a organizao poltica de um Estado de Direito

    democrtico e social, que tem no pluralismo e na livreparticipao uma condicionante inafastvel de seuregular funcionamento. (PRADO e CARVALHO, 2000,

    p. 429 e 430).

    As possveis crticas teoria objetiva, subjetiva e mistasero abordadas tanto no captulo que versa sobre a doutrina deUbertis, Carlos Cando quanto no tpico: Motivao polticalegitima crime?. A questo da motivao, suas implicaes

    10Em sentido contrrio, relata Eugnio Pacelli, o entendimento do STF: ajurisprudncia do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de definira locuo constitucional crimes comuns como expresso abrangente detodas as modalidades de infraes penais, estendendo-se aos delitoseleitorais [...]. (OLIVEIRA, 2007, p. 74).

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    filosficas e jurdicas e sua relao com o crime poltico e avedao extradio sero abordamos e reanalisados vriasvezes ao longo de todo este livro e no apenas em um nico

    captulo. Por hora, insta concluir a doutrina de Regis Prado erika Carvalho sobre o terrorismo.

    J referente ao terrorismo, Regis Prado e Mendes deCarvalho registram, em coro com outros autores, que na esferainternacional ainda no h uma definio penal. O mesmoproblema encontrado na legislao brasileira. Referindo-se Lei n 7.170/83, lei que dispe sobre a segurana nacional, a

    ordem poltica e social, Prado e Carvalho lanam a assertiva deque inexiste o delito de terrorismo na legislao penalbrasileira, quer como crime comum, quer como crime contra asegurana nacional. (PRADO e CARVALHO, 2000, p. 434).

    Os autores compreendem que a expresso atos deterrorismo prevista ao final do artigo 20 do citado diplomano passa de clusula geral, vaga e imprecisa, que confere aointrprete vasta margem de discricionariedade. (PRADO e

    CARVALHO, 2000, p. 434)11.Luiz Regis Prado e rika Carvalho defendem a necessidade

    urgente de um combate eficaz dos atos terroristas, que perpassapela definio legal em face da lacuna diagnosticada.

    Oportuna seria a tipificao do terrorismo bem comoa insero dos delitos polticos no Cdigo Penal

    brasileiro. [...]. No conveniente, nem apropriado,

    11No obstante, essa dimenso polimrfica da Lei n. 7.170/83 estariacravada de inconstitucionalidade: esquivou-se o legislador doindispensvel dever de bem definir os denominados atos de terrorismo,optando pelo simples emprego de expresso tautolgica e excessivamenteampla, o que afronta o princpio constitucional da legalidade (artigo 5,XXXIX, CF; artigo 1, CP). (PRADO e CARVALHO, 2000, p. 434).

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    remeter legislao extravagante a proteo penal debem jurdico essencial como a integridade e aestabilidade da ordem constitucional. A gravidade eurgncia dessas condutas exigem sua imediata inclusona legislao penal fundamental. (PRADO eCARVALHO, 2000, p. 435).

    Em que pese ausncia definio legal, tanto do terrorismoquanto do crime poltico, Regis Prado e Carvalho no se furtamem apresentar alguns elementos distintivos. O primeiro, que oato do terrorista no necessariamente possui um objetivo

    poltico, suas motivaes podem ser no apenas a revoltapoltica, mas tambm o levante social e o protesto religioso.(PRADO e CARVALHO, 2000, p. 437). Ainda que presente afinalidade poltica esta no possui o condo de transmutar oterrorismo em crime poltico.

    O terrorismo possuiria ntido carter instrumental cujoescopo do agente gerar um contexto de medo e insegurana.Pode ser genericamente definido o crime de terrorismo comoo emprego intencional e sistemtico de meios destinados aprovocar o terror com o objetivo de alcanar certos fins,polticos ou no. (PRADO e CARVALHO, 2000, p. 446). Aexecuo do ato de terror dispe de meios de execuo cruise desproporcionais, capazes de produzir intimidaogeneralizada, e com elas atinge, de forma indiscriminada,distintos bens jurdicos. (PRADO e CARVALHO, 2000, p.

    446).O crivo distintivo do terrorismo para o delito poltico

    estaria na pujana da violncia e sua crueldade e na escolha dasvtimas, civis inocentes. A partir dessa noo, os autoressintetizam o seu entendimento: O terrorismo delito queatinge, de forma indiscriminada, distintos bens jurdicos,valendo-se de meios extremamente violentos e

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    desproporcionais, produtores de intimidao coletiva, com opropsito de alcanar certos fins, polticos ou no. (PRADO eCARVALHO, 2000, p. 440).

    Por sua vez, a negativa de entrega do criminoso polticoestaria tambm associada ao elemento violncia. Neste, haveriauma apoucada perigosidade de seus agentes (PRADO eCARVALHO, 2000, p. 442).

    O artigo, Delito Poltico e Terrorismo: uma aproximaoconceitual suscita alguns apontamentos.

    A doutrina de Regis Prado e rika Carvalho, ao expor as

    teorias do delito poltico, permite a constatao de que o termopoltico deve ser compreendido no sentido de poltico estatal,ou mesmo, ataque contra o Estado/Governo. Com efeito, todasas teorias expostas tm por objetivo de leso imediata o Estadoe sua poltica e no especificamente a esfera poltica em si .Com efeito, Estado, governo e esfera poltica so conceitosdistintos.

    O crime poltico, teorizado pelas correntes objetiva,subjetiva ou mista, visa de fato atacar o poder de um governoinstitudo, que desencadeia reflexos na rbita poltica e pblica.Desta feita, pode-se dar azo sugesto de que no seriapossvel qualificar, no sentido dado pela corrente tradicionalsubjetiva, v.g., o homicdio de Mahatma Gandhi, de Martin

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    Luther King ou de Rosa Luxemburgo12, como crime poltico13,em que pese notria motivao poltica dos episdios.

    De igual maneira, no se pode coadunar com a inteleco

    de que o ato do terrorista seria absolutamente destitudo de umadimenso poltica, antes, teria conotao social ou religiosa.Conforme o pensamento de Hannah Arendt, nos fragmentos daobra, O que Poltica?, o agir como atividade coletiva,interativa e baseada na pluralidade humana um ato poltico.De igual modo, para Aristteles o mbito poltico a seara daao em conjunto dos homens com a finalidade explcita de

    obteno de um bem comum. Grafar a priori um movimentode religioso ou social adotar o determinismo e mitigar aamplitude do agir poltico humano.

    12 Arendt, em Homens em Tempos Sombrios, narra esse episdio: at odia fatdico de janeiro de 1919, quando Rosa Luxemburgo e KarlLiebknecht, os dois lderes da Spartakusbund, o precursores do PartidoComunista Alemo, foram assassinados em Berlim sob as vistas e

    provavelmente com a conivncia do regime socialista ento no poder. Osassassinos eram membros do ultranacionalista e oficialmente ilegalFreikorps, uma organizao paramilitar de onde as tropas de assalto deHitler logo recrutariam seus matadores mais promissores. (ARENDT,1987a, p. 38).13 O carter e o efeito polticos do homicdio so evidentes, v.g., osresultados polticos conforme a afirmao de Arendt: com o assassinato deRosa Luxemburgo e Liebknecht, tornou-se irrevogvel a diviso daesquerda europeia entre os partidos comunistas e socialistas [].(ARENDT, 1987a, p. 39).

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    2.4 Giulio Ubertis

    Giulio Ubertis, autor de Crimes poltico, terrorismo,extradio passiva14 ao referenciar a obra de Nuvolone, afirmaque, o Direito seria uma supraestrutura poltica. Todo atoantijurdico seria, portanto, um ato de natureza poltica15. Nestaperspectiva, o Direito seria dependente e contido dentro daesfera poltica. De incio, cabe questionar este pressuposto,afinal para Arendt, o direito e a poltica so coparticipantes daconstruo e manuteno das instituies, isto , algo muito

    mais prximo dos ditames do Estado Democrtico de Direito.Ubertis, a partir da anlise da legislao italiana, enfatiza

    que, em sede de Direito Penal Internacional, no pedido deextradio, a tendncia restringir a conotao de delitopoltico no pedido de envio, porque a conceituao flexvel decrime poltico passvel de ser utilizada, no mbitointernacional, como estratgia para se vetar a extradio16.Afinal, segundo o autor, : [...] inevitvel o carter relativo docrime poltico com respeito ao tempo e ao espao [...].(UBERTIS, 2008, p. 3, traduo nossa) 17. De acordo com o

    14 Reato Poltico, Terrorismo, Estradizione Passiva.15quelle concezioni per cui tutto il diritto una sovrastruttura politica e,quindi, ogni reato, in quanto infrazione di una norma politica, ha carattere

    politico (UBERTIS, 1987, p. 255).16[...] una nozione ampia di reato poltico pu riaffiorare pure in ambitointernazionale quando si voglia affermare per il singolo Stato lesercizio deldiritto di rifiutare la estradizione di un soggetto di cui sia chiestalestradizione da parte di un Paese, specie se caratterizzato da un diversosassetto socio-politico o comunque oggetto di una specie di legitimasuspicione nei riguardi della [sua] giustizia (UBERTIS, 1987, p. 256-257).17[...] inevitable il carattere relativo del reato politico rispetto al tempo edallo spazio [...]. (UBERTIS, 1987, p. 257).

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    doutrinador italiano, [...] o nico critrio sobre o qual nopode haver discusso aquele segundo o qual a apreciaosobre a natureza poltica do crime diz respeito exclusivamente

    ao Estado requerido.18 (UBERTIS, 2008, p. 3, traduonossa).

    Num sentido muito prximo ao adotado pela doutrinabrasileira, conclui que crime poltico [...] o delito comumcometido, no todo ou em parte, por motivos polticos.(UBERTIS, 2008, p. 4, traduo nossa,) 19.

    No obstante, o autor manifesta preocupao, pois certos

    delitos podem ser qualificados como polticos, para o direitopenal interno, sem possibilidade de operar-se umadiscriminao categorial qualquer, tambm os crimes deanarquia ou terrorismo [...]. (UBERTIS, 2008, p. 4, traduonossa) 20.

    A questo, decerto, consiste em compreender qual seria aconcepo de motivo. O jurista italiano recorre a duascorrentes doutrinrias. A primeira delas define motivopoltico como o mero impulso psicolgico, o mvel interno doagente.

    18 [...] lunico criterio sul quale non paiono sorgere discurrioni quellosecondo il quale lapprezzamento sulla natura politica del reato spettaesclusivamente allo Stato richiesto. (UBERTIS, 1987, p. 257-258).19 [...] delitto politico ogni delitto, che offende un interesse politico delloStato, ovvero un diritto politico del cittadino, sembrando cos accogliere lac.d. concezione oggettiva del delitto politico. Il medesimo comma, per,

    prosegue con laffermazione che altres considerato delitto politici ildelitto comune determinato, in tutto o in parte, da motivi politici(UBERTIS, 1987, p. 259).20 [...]politici per il diritto penale interno, senza possibilit di operare unaqualsiasi discriminazione categoriale, anche i reati anarchici o terroristici,[...]. (UBERTIS, 1987, p. 259).

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    A segunda renega qualquer declarao de motivo polticopor parte do ru fulcro em seus aspectos de juzo pessoal. Seumtodo baseia-se invocando o caso concreto. Nessa anlise

    factual seriam aferidos, mediante a constatao nascaractersticas externas, os tpicos essenciais da natureza e damodalidade do delito, tais como: as condies do lugar ou docontexto histrico no qual o ato foi cometido, bem como afigura do ru e da vtima. Entretanto, para este doutrinador, orelevante para se configurar o motivo poltico seria o histricoda vida pregressa do ru com o objetivo de contextualizar a suamilitncia poltica. Ubertis entende que a dimenso poltica nose d pelos elementos ntimos e subjetivos do agente, mas pelaanlise externa, vale dizer, pelo histrico da conduta poltica doperpetrador. Porquanto, na apreciao do caso concreto, deve-se aferir o aspecto poltico por meio da contextualizaohistrica do ativismo poltico do ru. Esta doutrina muito seassemelha a advogada no caso Battisti.

    A proposta ubertiana para se distinguir o crime poltico dos

    demais ilcitos :

    [...] interpretando a proibio constitucional deextradio por infraes polticas como referida tantoaos aspectos objetivos quanto subjetivos do ilcito, oxalreputadas dogmaticamente incindveis, e limitando ombito de aplicao com a elevao da sua razo degarantia da discriminao por motivos polticos a

    decisivo critrio de comportamento, se obtm umaadequada soluo operativa, malevel, acerca damultiplicidade dos problemas que se aglomeram emtorno da relao entre a politicidade do crime e apoliticidade da extradio [...] (UBERTIS, 2008, p.11, traduo nossa) 21.

    21 [...] interpretando il diviero costituzionale di estradiizone per reati politicicome riferito agli aspetti sia oggettivo che soggettivo dellillecito, magari

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    A doutrina de Ubertis pretende coligar tanto a teoriaobjetiva quanto a subjetiva do crime de motivao poltica, apartir da vida pregressa de militante poltico do agente.

    A tese ubertiana mitiga a importncia de se distinguir osconceitos terrorismo e delito poltico, porquanto aquele contmuma propriedade eminentemente poltica e v-se impregnadode notria flexibilidade de mltiplas concepes para se deferira extradio em caso de criminalidade comum.

    Noutro extremo, caso o objetivo do delito seja criar umclima generalizado de insegurana e de medo numa sociedade

    ou em uma coletividade, caracterizar-se-ia o terrorismo,independente do mvel ou do contexto histrico poltico emque o ato foi cometido.

    Vrios tpicos da doutrina de Ubertis so adotados peladoutrina brasileira. O que distinto no entendimento do autoritaliano o fato de referenciar a importncia a existncia deuma militncia poltica pregressa do agente. Justifica-se esseposicionamento, pois seria, em sede de anlise processualprobatria, praticamente impossvel aferir o mvel do acusado.A proposta de Ubertis descartar a aferio da motivaopoltica que, dantes era um elemento subjetivo e interno, paravalorar os dados fticos externos, a saber, provas de ativismopoltico como condio de demonstrao de que o crimecomum foi realizado por motivos polticos.

    A proposta ubertiana exige maior reflexo. Sua doutrina

    agregar anlise do crime a importncia do elemento motivo.

    reputati dogmaticamente inscindibili, e limitandone lambito di applicazionecon lelevazione della sua ratio di garanzia da discriminazioni per motivi

    politici a decisivo criterio di comportamento, si ottiene unadeguata eduttilmente operativa soluzione della molteplicit di problemi che siaffollano attorno al rapporto tra la politicit del reato e la politicadellestradizione[...] (UBERTIS, 1987, p. 267).

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    Contudo, tal ensejo no seria aferido por critrios psicolgicosdo agente como parece apontar parte da doutrina brasileira ,mas pelo seu histrico de ativismo poltico. A grande

    contribuio ubertiana ao debate essa: o motivo poltico no um psicologismo, antes, constatado pelo inventrio damilitncia poltica do agente.

    Ora, como constatar, a partir de Ubertis, se: i) o agentecometeu um crime pela causa; ou se: ii) praticou um delito etinha uma causa? Ou ento, como demonstrar o nexo causalentre a motivao poltica e o crime? Poder-se-ia sugerir que

    em razo do alvo atacado. Entretanto, essa resposta insuficiente, pois no raro os criminosos polticos segundo adoutrina penal tradicional tambm podem ferir terceiros oubens estranhos queles e no os diretamente relacionados coma luta poltica. Trata-se do crime comum conexo ao poltico.

    Depreende-se que, o critrio militncia poltica, quepretendia ser um crivo distintivo, acaba por se revelarinsuficiente, logo, parecendo exigir, para atender

    completamente a configurao do crime por motivo poltico, aanlise da inteno do agente, o elemento subjetivo, vale dizer,justamente aquilo que Ubertis pretendia afastar.

    2.5 Carlos Cando

    Carlos Augusto Cando Gonalves da Silva, em suas naobra Crimes Polticos (1993) e na palestra o Terrorismo noBrasil: preveno e combate (2006), defende a necessidade demudana do paradigma sobre o tema.

    O autor tambm refora a preocupao da inexistncia datipificao do terrorismo. Afirma que: [...] embora saibamos

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    muito sobre o terrorismo, temos o problema de tipificao, ouseja, no sabemos claramente o que . (SILVA, 2006, p. 93).

    Apesar da ausncia de uma descrio cerrada para o tipo

    penal do terrorismo e das dificuldades inerentes que dadecorre, Cando (2006) no aceita as propostas de mutao dopapel do Direito Penal para instrumento de administrao e degesto de riscos reais ou perseguidos. Afirma que a novapenalogia, capitaneadas por M. Feeley e J. Simon, defende aflexibilizao dos princpios constitucionais em nome dasegurana.

    A citada corrente, perante a dificuldade em se definir oterrorismo, contudo, objetivando maior e melhor resultadojurdico e pressionado pelo senso de justia, defende arelativizao dos Princpios Constitucionais como soluo nocombate ao terrorismo.

    Em suma, diante da necessidade de segurana pblicarequer-se mitigar a segurana jurdica cidad, os direitos e asgarantias individuais, pois, segundo defende esse novopenalismo22, um dos princpios constitucionais que devem serflexibilizados o da descrio cerrada da conduta tpica oumesmo da culpabilidade.

    Mister comentar esta doutrina diante dos desafios jurdicosdo terrorismo. Constata-se que modular a descrio do tipo idntico a sacrificar o Princpio da Reserva Legal, base de

    22O Direito Penal Clssico sempre trabalhou nesses parmetros e, para openalista, uma dificuldade muito grande lidar com questes, por exemplo,como terrorismo, cujas definies so trazidas por campos de estudos queevidentemente no tm compromisso, e nem precisam ter, com esta reservalegal, com esta ideia de preciso; so, portanto, campos de estudos ligados areas que trabalham com outros parmetros. No mbito do Direito Penal, o

    penalista obrigado a propor uma frmula, uma tipificao para casos comoestes, o que se mostra bastante problemtico. (SILVA, 2006, p. 92).

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    qualquer Estado de Direito. Conclui-se, portanto, que a citadacorrente defende que para oferecer uma resposta contra oterrorismo, teriamos que, i) abdicar da trajetria evolutiva e

    uma das maiores conquistas histricas do Direito Penal,notadamente, o Princpio da Reserva Legal, do tipo penal e daculpabilidade, e ainda, i) por questes funcionais, converter,sem esteio terico, um crime poltico em comum. Ora, se issono for o ocaso do Direito Penal diante do terrorismo, pelomenos a declarao de que o desafio enfrentado requer osocorro de outros ramos do Direito ou da cincia poltica ou dafilosofia.

    Retornando ao texto de Cando, o terrorismo no maisum crime contra a segurana nacional, mas um crime contra aordem constitucional do Estado democrtico de direito.(SILVA, 2006, p. 94). Segundo o professor, a prtica do atoterrorista tem uma finalidade poltica e, dada esta afirmao,outra problemtica se coloca: a definio de crime poltico.

    Em seu livro Crimes Polticos, o autor adverte para a

    insuficincia terica das doutrinas objetivista, subjetivista emista. Com efeito, afasta a racionalidade de tais teorias, afinal:se as doutrinas objetivas e subjetivas pecam pelaunilateralidade, a mista, se enfocada como simples combinaodas outras duas, terminar por somar os defeitos de ambas,quando isoladamente consideradas. (SILVA, 1993, p. 66).

    A crtica de Cando possui uma estrutura argumentativa

    assemelhada da viso arendtiana. Hannah Arendt, em Crisesda Repblica, critica as anlises a partir de teorias formuladas apartir de trs opes A, B, C onde A e C representam osextremos opostos e B a soluo mediana lgica doproblema [...]. (ARENDT, 2006, p. 21). Referente a estesmodelos adverte que a falta de tal raciocnio comea emquerer reduzir as escolhas a dilemas mutuamente exclusivos; a

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    realidade nunca se apresenta como algo to simples comopremissas para concluses lgicas. (ARENDT, 2006, p. 21).Afinal, o tipo de raciocnio que apresenta A e C como

    indesejveis e assim se decide por B, dificilmente serve algumoutro propsito que no o de desviar a mente e embotar o juzopara a infinidade de possibilidades reais. (ARENDT, 2006, p.21).

    Com efeito, Cando advoga que [...] uma conceituaocomprometida com os postulados de um Estado Democrticode Direito no deve se reduzir simples considerao dessas

    teorias. (SILVA, 1993, p. 11). Argu a validade do discurso dejustificao e de aplicao restrito ao Direito Penal e coloca emxeque este posicionamento ao reforar a exigncia daconstitucionalizao da leitura penal dos institutos jurdicos:

    O mais importante a salientar, entretanto, que aanlise do crime poltico, no sentido de se chegar a umconceito democrtico de seu contedo, no pode se

    esgotar na simples considerao das doutrinas expostas.Deve ela ser aprofundada em estreita consonncia comos valores de um Estado Democrtico de Direito, balizaindispensvel ao estudo desse tipo de crime. (SILVA,1993, p. 66).

    No sentido oposto teoria objetiva, Cando (1993)comenta que a primeira instncia o respeito absoluto ao

    princpio da culpabilidade com o objetivo de extirpar qualquerlegislao esculpida aos moldes da responsabilidade objetiva.

    O prximo tpico, segundo o doutrinador, seria levantar asbalizas para analisar o crime poltico a partir do Direito Penaldo fato, ou seja, observncia ao princpio da lesividade. Refuta-

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    se, igualmente, o tipo penal gravado de termos abertos eindeterminados.

    Por fim, parmetro o bem jurdico concreto e no a um

    dever de fidelidade do Estado, sem se perder de vista anecessidade de moderao da reao punitiva, em consonnciacom a culpabilidade demonstrada pelo agente. (SILVA, 1993,p. 70).

    Conclui o autor que para tratar o terrorismo, espcie decrime poltico, requer-se observar os [...] princpiosconstitucionais, como por exemplo, os princpios da lesividade,

    da reserva legal, da probabilidade, dentre outros, todos inseridono artigo 5, dos Direitos e Garantias Fundamentais. (SILVA,2006, p. 97).

    Reconhece o autor que a tendncia atual nos casos deterrorismo no consider-lo crime poltico para efeitos deextradio. Contudo, tal prtica pelo STF se d mais por razespragmticas e de cooperao penal internacional do que porfundamentos tericos. Afinal, o acusado por crime poltico nopode ser, de acordo com a Constituio do Brasil, extraditado,[...] logo, o Supremo Tribunal Federal, para facilitar essa ideiade cooperao penal internacional, no tem entendido oterrorismo como crime poltico, pois se o fizesse estariaobstando um instrumento de cooperao internacional, que aextradio. (SILVA, 2006, p. 95).

    Com efeito, tal crtica pode ser constatada a partir do voto

    da lavra do Ministro Celso de Mello, na extradio n 855.Constata-se que o terrorismo foi retirado da categoria de crimepoltico de forma quase que dogmtica. No se observa nasrazes do ministro a justificativa da ruptura entre o crimepoltico em face ao terrorismo. O ministro afirma que: atosdelitivos revestidos de ndole terrorista, a estes noreconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha

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    impregnada a prtica da criminalidade poltica. (BRASIL,2006, p. 25). Entretanto, por que e como haveria dignidadenum crime revestido pelo plio poltico? O voto silente.

    Noutros termos, no crime poltico h dignidade e no terrorismono h. Ora, h dignidade num delito? Se sim, como, quando,por qu? Com efeito, h procedncia na crtica de Cando deque falta, por parte do STF, fundamentao terica para separaro terrorismo da categoria de crime poltico.

    Cando defende que o crime poltico o delito semviolncia, logo, em razo deste critrio no seria permitida a

    extradio do agente. Todavia, no sentido penal, quase todos osatos delitivos notadamente aqueles utilizados para finspolticos, tais como roubo, sequestros, etc. possuem violnciafsica ou grave ameaa, portanto, encontram-se dificuldades dese vislumbrar, na prtica, quais seriam estes delitos a que serefere o autor.

    No obstante, Cando ao defender a no violncia acabapor abrir a perspectiva da doutrina brasileira para um tipo

    diferente de crime, ou seja, aquele sem violncia, sem bemjurdico ofendido. Apesar da crtica acima exposta, o critriono violncia se mostra interessante. Da que Candorepresenta o estado da arte no tocante ao crime poltico porapresentar uma proposta de interpretao que se diferencia dadoutrina penal tradicional.

    Porm, ousa-se afirmar que pensamento de Cando ainda

    no foi plenamente concludo. Assim sendo, o presente estudoinicia-se pela ideia de que o crime poltico, previsto dentre orol dos Direito Fundamentais, um ato sem violncia.Contudo, a construo jurdica que ora se prope muitodistinta a de Carlos Cando como se ver nas prximaspginas.

    Eis ostatus qustionis e o estado da arte.

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    * * *

    Em apertada sntese, pode concluir que a doutrina penaltradicional afirma a necessidade de elaborao de umadefinio penal do terrorismo. Segundo os autores, trata-se deuma condictio sine qua non para o combate deste flagelo.Expe que a dificuldade de descrio penal cerrada do tipodecorre tanto de questes polticas quanto de problemastericos.

    Noutro extremo para os autores, em que pesem algumasvariaes de concepo e enfoque, o crime poltico o delitoperpetrado por motivao poltica. Nesta categoria, para algunsdoutrinadores, o terrorismo seria uma espcie do gnero crimepoltico. Entretanto, para outros juristas, haveria como separaro terrorista do criminoso poltico, mediante a aplicao de umaleitura contextualizada e acrescida de ponderao e de

    razoabilidade.Sem embargos, do todo exposto observa-se que a maiorpreocupao no est na conceituao ontolgica dos institutosjurdicos, mas na consequncia, ou seja, o veto extradio. Oterror ora crime poltico, ora crime comum, por uma razotpica problemtica atinente ao problema da no-extradio deseu executor.

    Aps expor as principais correntes sobre a distino entreterrorismo e crime poltico, bem como, suas consequncias,cumpre retomar algumas consideraes.

    A primeira anuir com o entendimento que sobre taiscrimes, que violam os Direitos Humanos mais comezinhos, nose pode restringir as discusses s inferncias exclusivas daesfera penal. A dimenso da ameaa s vidas inocentes impe

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    o alargamento dos debates que devero passar por umareviravolta conceitual com ao advento do Estado Democrticode Direito.

    Assim, o presente estudo, a partir das bases lanadas porCando mas, como se ver ao final, mediante uma construodiferente a do autor, advoga a importncia de se propor umamutao em face majoritria abordagem penal. A proposta radicalizar na abertura hermenutica rumo ao discursoconstitucional. Para tanto, a premissa que a Constituio onascedouro da anlise jurdica e, no Estado Democrtico de

    Direito, ocupa sua condio originria, ou seja, de supremaciano ordenamento jurdico23 e condutora de toda a hermenuticajurdica. Portanto, imposio no apenas formal, mas,substancial, que qualquer leitura jurdica se instaure a partir dosvalores cidados previstos na Constituio.

    O Estado Democrtico introduz uma nova constelao depressupostos fundantes e escalas de valores que vo muitoalm da proteo civil em face ao arbtrio da violncia

    monopolizada pelo Estado. O elemento democrtico acaracterstica intrnseca que faz com que haja um arremesso detoda a inteleco jurdica para outro patamar, ou seja, outroparadigma no sentido de Thomas Kuhn.

    A Constituio Democrtica no somente protege ocidado como diversas j o fizeram , entretanto cria umanova realidade jurdica. O novo paradigma no apenas exigiria

    uma possvel (embora difcil) e prvia cominao legal do tipopara o terrorismo, mas, principalmente, impe a preciso de serefletir o que significa o crime poltico para o Estado dedireito e democrtico.

    23 Do ponto do vista jurdico, o principal trao distintivo da Constituio a sua supremacia, sua posio hierrquica superior das demais normas dosistema. (BARROSO, 2004, p. 370).

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    O presente projeto firma-se na possibilidade, a partir de umgiro lgico-jurdico, conferir significao indita e singular aocrime poltico previsto na Constituio, logo, extrapolando a

    leitura da doutrina penal tradicional. Para em seguida,aprofundar numa nova construo hermenutica do delito pormotivao poltica e seu significado para o EstadoDemocrtico. De incio, informa-se que tal desiderato excedeas questes nacionais e adquire vulto ibero-americano.

    Em suma, a anlise do crime poltico e do terrorismo to-somente possvel caso se rompa como o paradigma penal

    focado na soberania interna do Estado requerido para, noutrogiro, em sede de extradio, considerar os seus aspectosrelevantes para a cooperao internacional de combate aoterrorismo, fulcro numa hermenutica constitucionalcompartilhada internacionalmente que observe os pressupostosda lgica e da teoria argumentativa.

    3. CRIME POLTICO NAS CONSTITUIES DOSPASES IBRICOS E LATINO-AMERICANOS

    Requer-se, para melhor compreenso do trabalho,interromper a linha de raciocnio e introduzir uma questo

    relevante para desvelar a conceituao constitucionalmenteadequada do crime poltico perante os Estados democrticose de direito. Trata-se da constatao da existncia da uma redeibero-americana de proteo ao criminoso polticoestrangeiro.

    A compreenso da no-extradio se expande para almdos limites nacionais e constitucionais brasileiros. O debate

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    deve-se iniciar e foca-se em constatar que h um significativonmero de Constituies democrticas de pases ibero-americanos que grafam o mesmo tratamento ao crime

    poltico, isto , i) dentre o rol de seus direitos e garantiasfundamentais e ii) vedando a extradio do criminosoestrangeiro.

    Constata-se a existncia dessa rede de proteo aocriminoso poltico estrangeiro mediante o levantamento dostextos constitucionais dos pases democrticos e de direito dePortugal, Espanha e demais pases latino-americanos.

    3.1 Rede Ibero-americana de proteo ao criminoso poltico

    Mediante levantamento do texto das Constituies dospases ibero-americanos verificam-se duas evidncias. Aprimeira cuida de pases democrticos e de direito. A seguinte a vedao extradio do criminoso poltico estrangeiro.

    Dispe a Constituio do Brasil: art. 1 A RepblicaFederativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrticode Direito (BRASIL, 2009, p.1) e, ainda, no ser concedidaextradio de estrangeiro por crime poltico ou de opinio art.5, inciso LII.

    No mesmo passo da Constituio Brasileira est aConstituio Espanhola, que estabelece em seu artigo 01: 1. A

    Espanha constituda num Estado social e democrtico deDireito, que preconiza como valores superiores da sua ordemjurdica a liberdade, a justia, a igualdade e o pluralismopoltico. 24 (ESPANHA, 2008, p.1, traduo nossa). Por seu

    241. Espaa se constituye en un Estado social y democrtico de Derecho,que propugna como valores superiores de su ordenamiento jurdico lalibertad, la justicia, la igualdad y el pluralismo poltico.

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    turno, o artigo 13 dispe que: a extradio apenas seratribuda em conformidade com um tratado ou a lei, ocupandoo princpio de reciprocidade. So excludos de extradio os

    crimes polticos, no se considerando como tais os atos deterrorismo25. (ESPANHA, 2008a, p.1, traduo nossa).

    De igual modo, a Constituio de Portugal propugna emseus artigos 1, 2 e 33:

    Artigo 1: Portugal uma Repblica soberana, baseada

    na dignidade da pessoa humana e na vontade popular eempenhada na construo de uma sociedade livre, justae solidria.

    Artigo 2: A Repblica Portuguesa um Estado dedireito democrtico, baseado na soberania popular, no

    pluralismo de expresso e organizao polticademocrticas, no respeito e na garantia de efectivaodos direitos e liberdades fundamentais e na separao einterdependncia de poderes, visando a realizao da

    democracia econmica, social e cultural e oaprofundamento da democracia participativa.(PORTUGAL, 2005, p. 1).

    [...]

    Artigo 33: [...] 6. No admitida a extradio, nem aentrega a qualquer ttulo, por motivos polticos oupor crimes a que corresponda, segundo o direito doEstado requisitante, pena de morte ou outra de que

    resulte leso irreversvel da integridade fsica.(PORTUGAL, 2005a, p. 1, grifo nosso).

    25 [...] Articulo 13: [...] 3. La extradicin slo se conceder encumplimiento de un tratado o de la ley, atendiendo al principio dereciprocidad. Quedan excluidos de la extradicin los delitos polticos, noconsiderndose como tales los actos de terrorismo.

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    A Constituio Poltica dos Estados Unidos Mexicanos,aps a ltima reforma aplicada em 29/10/2003, postula que:

    Artigo 15. - No se autoriza a concluso de tratadospara fins de extradio de rus polticos, nem para a osdelinquentes comuns que tiveram no pas ondecometeram o crime, a condio de escravos; nemconvenes ou tratados em virtude dos quais se altera asgarantias e os direitos estabelecidos por estaConstituio para o homem e o cidado. 26 (MXICO,2008, p.8, traduo nossa).

    A Constituio do Peru dispe:

    Artigo 3. A enumerao dos direitos estabelecidosneste captulo no exclui os demais que a Constituiogarante, nem outros de natureza anloga ou de que sofundados na dignidade do' homem, ou nos princpios desoberania do povo do Estado democrtico de Direito e a

    maneira republicana de governo.[...]

    Artigo 37. A extradio [...]em conformidade com a leie os tratados, e de acordo com o princpio dereciprocidade. No se concede extradio caso seconsidere que foi solicitada a fim de prosseguir ou punir

    por motivo de r