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75 CRIMINALIDADE FEMININA: PERFIL E MOTIVAÇÕES - O CASO DAS DETENTAS NA CIDADE DE MONTES CLAROS/MG NO ANO DE 2008 Maria Ângela Figueiredo Braga 1 Geélison Ferreira da Silva 2 Sheyla Borges Martins 3 Introdução Nos últimos tempos houve um aumento considerável no número de mulheres envolvidas com a criminalidade. De acordo com dados do Ministério da Justiça brasileiro, em 2004, a população carcerária feminina no sistema prisional e na polícia em todo o país era de 18.790 detentas, número que em 2007 chegou a atingir o total de 25.830 detentas. Apesar dessa impressionante estatística, as taxas de criminalidade feminina são em geral substancialmente inferiores em relação às masculinas. Tal fato talvez explique a recorrente interpretação acerca da criminalidade feminina sob o prisma de “parte” da criminalidade geral, exprimindo assim o caráter “criminalidade masculina”. Não podemos negar a existência de uma ciência criminológica que apresente características próprias e leis generalizantes. Não obstante, também não podemos negligenciar o fato de que em decorrência da significativa estatística que coloca a criminalidade masculina em proeminência, a criminologia tem se abalizado e desenvolvido acolhendo e abrigando a conduta e o comportamento criminoso do elemento masculino, em detrimento e obscurecimento do elemento feminino. Assim sendo, características típicas da conduta e do comportamento criminoso feminino tendem a ficar relegadas. Em consequência do aumento da criminalidade feminina, muitos estudos em busca de possíveis explicações para este fenômeno têm sido empreendidos. Entretanto, ainda que tenham surgido bibliografias especializadas, o que se verifica é que em sua grande maioria prevalecem teorias em prol da defesa da mulher, de forma a postergar novas perspectivas sob as quais a temática relacionada ao crime poderia ser abordada sob um prisma diferente. Estudos como os de Lemgruber (1983), Musumeci e Ilgenfritz (2002); Davis 1 Doutora em Sociologia/UFMG; Professora do Curso de Ciências Sociais e Coordenadora do GMVC da Unimontes. 2 Mestre em Sociologia/UFMG; Professor do Curso de Ciências Sociais e pesquisador do GMVC da Unimontes. 3 Mestre em Desenvolvimento Social/UNIMONTES; Professora do Curso de Ciências Sociais e pesquisadora do GMVC da Unimontes.

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CRIMINALIDADE FEMININA: PERFIL E MOTIVAÇÕES -

O CASO DAS DETENTAS NA CIDADE DE MONTES CLAROS/MG NO ANO DE

2008

Maria Ângela Figueiredo Braga1

Geélison Ferreira da Silva2

Sheyla Borges Martins3

Introdução

Nos últimos tempos houve um aumento considerável no número de mulheres

envolvidas com a criminalidade. De acordo com dados do Ministério da Justiça brasileiro, em

2004, a população carcerária feminina no sistema prisional e na polícia em todo o país era de

18.790 detentas, número que em 2007 chegou a atingir o total de 25.830 detentas. Apesar

dessa impressionante estatística, as taxas de criminalidade feminina são em geral

substancialmente inferiores em relação às masculinas. Tal fato talvez explique a recorrente

interpretação acerca da criminalidade feminina sob o prisma de “parte” da criminalidade

geral, exprimindo assim o caráter “criminalidade masculina”.

Não podemos negar a existência de uma ciência criminológica que apresente

características próprias e leis generalizantes. Não obstante, também não podemos negligenciar

o fato de que em decorrência da significativa estatística que coloca a criminalidade masculina

em proeminência, a criminologia tem se abalizado e desenvolvido acolhendo e abrigando a

conduta e o comportamento criminoso do elemento masculino, em detrimento e

obscurecimento do elemento feminino. Assim sendo, características típicas da conduta e do

comportamento criminoso feminino tendem a ficar relegadas.

Em consequência do aumento da criminalidade feminina, muitos estudos em

busca de possíveis explicações para este fenômeno têm sido empreendidos. Entretanto, ainda

que tenham surgido bibliografias especializadas, o que se verifica é que em sua grande

maioria prevalecem teorias em prol da defesa da mulher, de forma a postergar novas

perspectivas sob as quais a temática relacionada ao crime poderia ser abordada sob um prisma

diferente. Estudos como os de Lemgruber (1983), Musumeci e Ilgenfritz (2002); Davis

1 Doutora em Sociologia/UFMG; Professora do Curso de Ciências Sociais e Coordenadora do GMVC da

Unimontes. 2 Mestre em Sociologia/UFMG; Professor do Curso de Ciências Sociais e pesquisador do GMVC da Unimontes. 3 Mestre em Desenvolvimento Social/UNIMONTES; Professora do Curso de Ciências Sociais e pesquisadora do

GMVC da Unimontes.

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(1995); Steffensmeier, Allan, Streifel (1989); Steffensmeier e Steffensmeier (1980);

Steffensmeier (1978); Wilson (1983), assim como outros de relevante importância, oferecem

uma melhor visibilidade da questão dada, ao passo que também analisam a trajetória de

mulheres presas. Nessa perspectiva, este trabalho se voltará ao que designaríamos de “parte

feminina” da criminalidade.

Ao se pensar em uma mulher criminosa tem-se sempre a ideia de se estar lidando

com a exceção daquilo que, de fato, representa a criminalidade em toda sua grandeza. Os

espaços da sociedade que se julga ter maior relevância são reservados para os homens, na

maioria das vezes. Entretanto, ocorreu o aumento excepcional da carga de violência em todos

os ramos e desconsiderar a presença da mulher nesse panorama passa, inclusive, por

preconceito.

Atualmente, não são os números ou a visibilidade e importância social que

chamam a atenção, mas a própria "invisibilidade" dos crimes cometidos pela mulher. O

contato com essas mulheres confirma a inexistência de qualquer valor social relevante

diferenciador, que pudesse conduzir à conclusão de se estar diante de deformadas mentais ou

sociais. São pessoas e criminosas comuns, processadas e condenadas por envolvimento em

crimes de morte e outros, algumas vezes por conta de companheiros e em razão de parentesco,

contudo, por outras tantas vezes, pela ambição ou pobreza, e por tudo aquilo que leva o ser

humano a cometer delitos.

O tráfico de entorpecentes é o principal motivo de prisão das mulheres, sendo

estas, muitas vezes, possuidoras de um papel de menor importância, seja somente na

condução da droga como transportadoras, por assumir a condução de uma quadrilha pela

prisão do marido ou como comandante dele enquanto preso. As demais prisões ocorrem pela

prática dos delitos como roubo e furto, valendo destacar que somente ao mínimo encontra-se

o encarceramento de mulheres pelo crime de homicídio.

Há uma antiga e estereotipada ideia de que a mulher possui menor inclinação para

o crime. Assim, a mulher cometeria menos crimes dessa natureza por ter sido socializada para

o confinamento ao mundo privado, para ser mãe e esposa, cujas características de docilidade e

fragilidade lhe foram atribuídas para cumprir seu papel de dedicação ao lar. A mulher foi

educada para o ‘doce'' lar, lugar da passividade e o homem para o mundo, lugar do trabalho e

da competição, onde deveria ser forte e viril para, de lá, retirar o sustento de sua família. Isso

poderia explicar o fato de que muitas vezes acontece a absolvição em tantos crimes praticados

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por mulheres, além da própria legislação penal que traz outras espécies de punições para

delitos menos graves (por exemplo, as penas alternativas).

Não se contesta aqui que sejam poucos os casos de mulheres envolvidas em

assassinatos. Entretanto, quando se trabalha com estatísticas oficiais, percebe-se que há um

fosso entre os números e a realidade. A legislação penal e o sistema judiciário devem ser

como a deusa da justiça Têmis: cega e imparcial, julgando com igualdade os iguais e

desigualdade os desiguais, nos limites próprios de suas semelhanças e diferenças.

Vivemos numa sociedade em que se pretende construir, no plano do discurso

teórico, uma ciência social para a humanidade como um todo, enquanto que, no plano das

relações sociais concretas, a mulher é discriminada em quase todos os sentidos. Assim, pode-

se concluir que o discurso científico, pretensamente neutro, elude não diferenciações

essenciais a todo o ser humano, mas apenas aquelas que interessam ou interessaram a um tipo

de organização social, fundada no poder patriarcal, onde o macho sempre teve lugar de

destaque e de dominação em relação à fêmea.

Não é, por conseguinte, a condição biológica de ser mulher que produz

diferenciações essenciais em relação ao crime, porém, antes, são as condições sociais a que

estão submetidas às mulheres que geram essas diferenciações (PERRUCI, 1983, p. 16).

A temática aqui explanada decerto suscita intermináveis discussões, pois mostra

um assunto complexo e multiforme. Certamente, a ideia de se pesquisar a criminalidade e

suas vertentes de forma alguma se conclui neste trabalho. E, tendo em vista a existência da

criminalidade em todas as sociedades, no Brasil a caracterização desse fenômeno não poderia

se diferenciar das demais. O que pode ser certificado é que a violência na sociedade brasileira

se configura como um dos problemas sociais que mais tem preocupado a população nas

últimas décadas. Evidências empíricas assinalam para um desenvolvimento de praticamente

todos os tipos de crimes, mormente nos grandes centros urbanos. E nesse contexto, um dos

crimes que vem adquirindo proeminência na realidade nacional é o crescente envolvimento do

país no circuito internacional do narcotráfico.

Nesse sentido, esse trabalho tem como objetivo conhecer de modo ativo e

compreender funcionalmente as causalidades e contexto em que se dão os crimes praticados

por mulheres. A diretriz básica da presente pesquisa versa sobre a análise da criminalidade

feminina no município de Montes Claros/MG, considerando-se as pessoas presas e

caracterizando-as em relação às seguintes variáveis independentes: sexo, idade, escolaridade,

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renda, raça/cor, local de moradia, condição de ocupação e a variável dependente motivação do

crime.

Assim sendo, o intuito deste trabalho reside no conhecimento de modo efetivo e

compreensão satisfatória acerca das motivações e circunstâncias em que se dão os crimes

perpetrados por mulheres. Faz-se necessário examinar a relação existente entre a mulher e o

crime, observando designadamente questões referentes à disparidade nas taxas de

criminalidade masculina e feminina. Vários autores têm empreendido interpretações acerca

das desigualdades nas taxas. Destarte, como referência inicial, lançamos mão de explicações

de alguns teóricos que se focam nas distinções de características.

Visto que não dispomos ainda de um sistema nacional de estatísticas criminais e a

pesquisa empírica na área é embrionária, almejamos proporcionar subsídios para superar a

negligência das mulheres, no universo da criminalidade, assim como também angariar

informações acerca das alterações no perfil da criminalidade feminina ao longo dos últimos.

Traz-se a discussão para o universo empírico do trabalho, a cidade de Montes

Claros-MG, pontuando a história do crime na região, o que permite traçar um panorama geral

da criminalidade feminina, como também ressaltar as peculiaridades manifestas em casos

históricos ocorridos na cidade. Paralelo a isso, faz-se uma caracterização atual do crime

feminino e das detentas em Montes Claros-MG, a partir da análise de dados secundários e

administrativos, bem como dos dados produzidos a partir da pesquisa de campo.

Montes Claros – MG: caracterização do Município e as taxas de crime no contexto

nacional

Para que possamos nos situar em relação ao lócus de nossa pesquisa,

apresentamos algumas características básicas a respeito do município de Montes Claros, para

em seguida, tratarmos do crime na referida cidade e posteriormente sobre as presidiárias do

local.

Na região do atual território de Montes Claros - MG, em 16 de outubro do ano de

1832, foi instalada a Vila de Montes Claros de Formiga. Em 03 de julho de 1857, a vila

recebeu foros de cidade, passando a denominar-se simplesmente Montes Claros, isso, de

acordo com a divisão territorial vigente em 31 de dezembro de 1954. Na época, o município

era constituído de 07 distritos: Montes Claros, Mirabela, Miralta, Patis, Santa Rosa de Lima,

São João da Vereda e São Pedro da Garça (IBGE, 2010).

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A cidade de Montes Claros está localizada no Norte do estado de Minas Gerais, é

caracterizada por manifestações folclóricas e culturais como congado, representado por

catopés, marujos e caboclinhos. O congado é uma das mais importantes manifestações da

cultura afro-brasileira no estado de Minas Gerais, sendo, portanto, uma importante festa

religiosa e cultural de Montes Claros – MG. Essas manifestações se intensificam

principalmente no mês de agosto e as comemorações e cultos se estendem por quase todo o

mês (CAETANO et al, 2010).

De acordo com Tolentino (2008), Montes Claros está inserida numa região de

transição, pois embora pertencente ao Sudeste, apresenta características típicas do Nordeste

Brasileiro, apresentando, inclusive, baixas taxas de crescimento econômico. Alguns

consideram a região como uma extensão do Nordeste brasileiro.

Montes Claros – MG é considerada o centro econômico regional do Norte de

Minas Gerais. Teve seu desenvolvimento econômico acelerado principalmente a partir do

início século XX com a chegada da estrada de ferro. Já na segunda metade do século XX,

houve considerável industrialização do município com a sua inserção na área de atuação da

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Atualmente, quase metade da

população de Montes Claros – MG está empregada no setor de serviços de acordo com dados

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (IBGE, 2010).

O município possui 363.227 mil habitantes, de acordo com estimativas do IBGE

(2010), sendo, portanto, uma cidade de porte médio. A extensão territorial do município é de

3.582 km². Assim, Montes Claros – MG, possui uma densidade demográfica de 101,4

habitantes por quilômetros quadrados (IBGE/cidades 2009). Entretanto, a população não está

bem distribuída no território municipal, afinal, a grande maioria dos montes-clarenses reside

na zona urbana. A proporção é de 94,2% para habitantes da zona urbana enquanto apenas

5,8% povoam a zona rural (DATA GERAIS, 2010).

Em 1960, a população urbana de Montes Claros era de 43.097 habitantes de

acordo com Magalhães e Magalhães (2009). Cinquenta anos depois a população do município

está 07,42 vezes maior. Juntamente com crescimento urbano tão acelerado, têm-se, também,

muitos problemas, de diversas ordens, próprios dos grandes centros urbanos.

Beato (2010) categoriza 03 tipos de localidades em que se tem atualmente, acerca

da dinâmica da violência no Brasil. São as: a) zonas de violência rural e tradicional; b)

contextos metropolitanos; e c) áreas de expansão interiorana. As chamadas áreas de expansão

interiorana se relacionam à urbanização do interior.

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Trata-se de cidades de porte médio que mantêm frequências observadas acima da

média nacional em algumas regiões do interior do Paraná, áreas de fronteira do Rio

Grande do Sul, interior de Minas, incluindo municípios da Região Metropolitana de

Belo Horizonte (RMBH) e interior de Goiás. Algumas pesquisas veem nessas zonas

uma criminalidade violenta que estaria transbordando dos grandes centros e migrando

para o interior (WAISELFISZ, 2007). (BEATO, 2010).

Montes Claros faz parte da chamada “área de expansão interiorana”, o que, de

certa forma justifica um aumento elevado das taxas de criminalidade local. Enquanto os

“contextos metropolitanos” seguem tendência de queda de na taxa de homicídios nas áreas de

expansão interiorana ocorrem o contrário.

O fato de Montes Claros, pertencer à chamada área de expansão interiorana,

apesar de fornecer parte importante da explicação para o crescimento das taxas de crime, não

pode conduzir os responsáveis pela segurança ao comodismo e a cresça de que o problema

seja natural e insolúvel. Cabe observar quais foram os fatores que provocaram a redução das

taxas criminais onde tal fenômeno ocorreu, tais como, EUA na década de 1990, especialmente

Nova York, Brasil como um todo e as principais cidades metropolitanas como São Paulo, Rio

de Janeiro e Belo Horizonte.

A proporção dos detidos nos crimes violentos registrados se encontra em constante

queda desde 2000 a 2007 em Montes Claros. Em 2000 a proporção é de 19,82% de detidos,

em 2007 essa proporção cai para 9,16%. Significa que em 08 anos houve uma redução de

122,16% na taxa de detidos em crimes violentos o que demonstra crescente ineficiência para

se punir os responsáveis pelos crimes violentos registrados pela polícia. Observamos no

gráfico seguinte a queda dos crimes violentos em geral, no período, especialmente dentre

aqueles de menor potencial ofensivo.

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Evolução dos crimes violentos 2000 - 2007

1.107940

2.5902.493

2.857

3.364 3.415

2.915

2.520

1.626

924778743

530464 448881865

1.041

721671

455384

398

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Ano

Taxa / 1

00 m

il h

ab

Crimes Violentos Crimes Violentos Contra o patrimônio

Crimes Violentos de Menor Potencial Ofensivo

Fonte: IMRS, 2011.

Gráfico 03: Taxa de crimes violentos de 2000 a 2007

Além dos crimes de menor potencial ofensivo e os crimes violentos contra a

pessoa que em 2000 era de 65,88 e chega a 58,92 por 100 mil habitantes em 2007 reduziram.

Entretanto, além da taxa de homicídio, houve elevação da taxa de “crimes violentos contra o

patrimônio”4 e dos chamados apenas de “crimes violentos5”.

Evolução da taxa de homcídios em Montes Claros-MG de 2000

a 2008

14,8

11,37

8,15

9,25 11,3

12,17 19,5

19,821,87

0

5

10

15

20

25

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Ano

Taxa p

or

100.0

00

hab

/an

o

Taxa Tendência (Taxa)

FONTE: DATA GERAIS, do Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros de 2008, e do

Anuário de Informações Criminais de Minas Gerais 2008.

GRÁFICO 05 – Evolução da taxa de homicídios em Montes Claros- MG de 2000 a 2008

4 São considerados crimes violentos contra o patrimônio: roubo e roubo a mão armada. 5 São considerados crimes violentos: homicídio, tentativa de homicídio e estupro.

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Podemos observar através do gráfico acima o considerável crescimento da taxa de

homicídios no período de 2000 a 2008. Fontes como a Secretaria de Ação Social do estado de

Minas Gerais, Através do seu Anuário de Informações Criminais do Ano de 2008, coloca o

município figurando entre as05 cidades mais violentas do estado.

No caso de Montes Claros, a tendência identificada ao observarmos a taxa de

homicídio é de que há crescimento progressivo do fenômeno, no período em questão, com

probabilidade de contínuo crescimento nos anos seguintes. Tem-se certa discrepância em

relação o Brasil como um todo, que a partir de 2003 apresenta uma tendência à estagnação,

com leve queda na taxa de homicídios, entretanto cresce acentuadamente a proporção de

mulheres envolvidas com o crime.

Evolução do número de presas: Montes Claros – MG e Brasil

Buscamos evidenciar nesse trabalho que as teorias explicativas do crime e da

violência não podem ser consideradas autossuficientes. Isso, no sentido de que uma única

causa, razão ou variável, e muitas vezes uma teoria não pode ser considerada determinante da

violência, ou da situação delituosa/prisional do indivíduo, de forma global e generalizante.

Uma teoria poderia explicar o motivo pelo qual determinada mulher entra para o

chamado “mundo do crime”, mas outra mulher teria como motivação para sua ação criminosa

um fator diferenciado, tornado a teoria inválida para uma parcela dos indivíduos que se

enquadraria em outra teoria, sendo assim, não poderia determinar uma teoria universal das

causas do crime ou mesmo para os delitos das mulheres em Montes Claros - MG.

Enquanto uma mulher pode ter sido criminosa pela oportunidade, outra seria por

necessidade, já outra seria por escolha. O consenso geral atualmente é que não há consenso

acerca de uma única teoria sobre o motivo dos crimes. Há sim, uma diversidade de fatores que

conjuntamente pode contribuir para aumento ou redução dos níveis de criminalidade.

Apesar de ainda serem poucos os trabalhos que retratam o perfil carcerário no

Brasil, há bastante homogeneidade ou concordância entre os dados publicados nos escassos

trabalhos disponíveis. Observemos a seguir, dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que

apesar de se tratar do estado de São Paulo apresenta um perfil prisional que se aproxima,

como veremos abaixo, em algumas características do perfil das detentas de Montes Claros –

MG no ano de 2007.

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Os dados FGV, a partir de estudo denominado “Retratos do Cárcere” demonstram

que o risco de o homem ser preso é 46 vezes maior que o da mulher, assim o sexo é maior

fator de risco prisional. Após o sexo, o segundo maior fator de risco no caso da prisão seria o

estado civil, pois de acordo com o referido estudo os solteiros têm um risco quase cinco vezes

maior do que os demais, isso poderia ser justificado pelo fato de que esta categoria está mais

propensa a aceitar riscos por gerarem um menor impacto familiar, já que não possuem família

constituída (FGV, 2010).

Em seguida, em terceiro lugar como risco prisional, aparece a escolaridade

empatando com a idade. De acordo com a pesquisa, pessoas com até 06 anos de estudo, tem

duas vezes mais chances de estar presas do que os que estudaram mais, da mesma forma que

os jovens de 18 a 35 anos também estão submetidos a duas vezes mais risco de estar preso do

que as demais pessoas.

Ainda de acordo com este estudo, o perfil dos presidiários no estado de São Paulo

é o seguinte: homens (97%), de 20 a 29 anos de idade (54,5%), solteiros (80,6%). Já a

população paulista de forma geral, apresentava no período estudado, uma população de

apenas 48% como sendo do sexo masculino, 18,2% pertencentes à faixa etária de 20 a 29 anos

e apenas 23,4% de solteiros. A população carcerária paulista também possui maior proporção

de analfabetos do que a população geral, sendo 8,2% e 7,5%, respectivamente. Já entre os que

não concluíram o ensino fundamental tem-se 78% dos presos enquanto a proporção da

população geral é de 52%. Em relação à raça/cor tem-se um total de 35,8% entre negros e

pardos, dentre os presos, enquanto esta proporção para a população paulista em geral é de

26,3% (FGV, 2010).

Observemos abaixo o gráfico referente à população carcerária no sistema prisional

do Brasil, por sexo, nos anos de 2000 e 2009 de acordo com o Departamento Penitenciário

Nacional (DEPEN).

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Proporção de apenados no sistema prisional em 2000

e 2009

96,1

3,9

94,1

5,9

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

Homem Mulher Homem Mulher

Ano 2000 Ano 2009

%

Fonte: Construído pela autora a partir de dados do Departamento

Penitenciário Nacional (DEPEN) dos anos de 2000 e 2009.

GRÁFICO 2 – População Carcerária do Brasil em 2000 e 2009

De acordo com o DEPEN, no ano de 2000 havia no Brasil um percentual de

96,1% de detentos no sistema prisional pertencentes ao sexo masculino enquanto apenas 3,9%

da referida população era do sexo feminino. Dez anos depois, em junho de 2009, a proporção

de homens presos cai para 94,1% enquanto a de mulheres se eleva para 05,9%.

Como evidenciado, há uma predominância dos homens nos presídios, entretanto,

é crescente a proporção de mulheres presidiárias no Brasil de forma geral e especialmente em

Montes Claros – MG. A realidade na cidade no que se refere ao aumento da população

carcerária feminina também se apresenta adstrita às realidades nacional e estadual. Em

levantamento acerca da população carcerária feminina na Cadeia Pública da referida cidade,

realizado em 2004, observa-se um total de 12 detentas. A pesquisa realizada em 2007 na

mesma instituição encontra elevação desse número para 29 presas, constituindo um aumento

de 141%. No correr de 2007, passaram pela referida instituição carcerária um total de 71

presas, todas, inseridas em nosso banco de dados. Observemos no gráfico abaixo evolução do

número absoluto de mulheres detentas no sistema prisional brasileiro de 2000 a 2009:

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Evolução do número de mulheres no sistema prisional

brasileiro de 2000 a 2009

16473

21604

9863

24068

19034

17216

12925

5897

56875601

0

5000

10000

15000

20000

25000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Ano

mero

de m

ulh

ere

s

Fonte: Construído pela autora a partir de dados do Departamento

Penitenciário Nacional (DEPEN) dos anos de 2000 a 2009.

GRÁFICO 3 – Mulheres no sistema prisional brasileiro de 2000 a 2009

A população carcerária feminina no ano 2000 era de 5.601 apenadas, mas, esse

número se elevou para 24.068 em 2009. Significa então dizer que houve um aumento de

329% na quantidade de presidiárias do sistema prisional brasileiro em um período de 10 anos.

O perfil das detentas em Montes Claros – MG

Como afirmam alguns autores como Campos (2002), pela relação existente entre a

mulher e o crime, principalmente no caso em que a mulher é o sujeito ativo da criminalidade

o acesso a dados está permeado de vícios, não permitindo que seja possível quantificar e,

consequentemente, analisar os aspectos genuinamente reais desta relação.

Entretanto, a partir do banco de dados construído, usando como fonte a ficha

prisional das detentas, foi possível diagnosticar o perfil das presas em Montes Claros – MG

no período estudado, servindo-nos de algumas categorias predefinidas. Observemos, então,

algumas características do perfil das presidiárias em Montes Claros – MG no ano de 2007 de

acordo com o gráfico que se segue:

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Perfil das detentas

55,7

28,6

12,9

2,9

68,6

17,1

10

4,3

65,7

14,9

7,5 63 3

59,7

14,9

96 6 4,5

0

10

20

30

40

50

60

70

80

18 a

29

anos

30 a

39

anos

40 a

59

anos

60 a

nos

ou m

ais

Mon

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Fonte: Coleta direta de dados – 2008

GRÁFICO 4 – Perfil das detentas em Montes Claros – MG

A começar pela origem (naturalidade) das mulheres apenadas em Montes Claros –

MG, podemos perceber que há um elevado percentual (32,4%) dessas possuem outra

naturalidade que não a montes-clarina. Tal fato pode ser compreendido pela especificidade do

município como pólo econômico regional, atraindo, principalmente a partir da década de

1970, com os incentivos da SUDENE para industrializar a região considerada semiárido

mineiro, grande contingente populacional, principalmente, de cidades circunvizinhas

(BRAGA, 2008).

Daí pode derivar o fato de que 17,1% da população carcerária feminina de Montes

Claros – MG é de outra cidade da região do Norte de Minas, que não Montes Claros – MG.

Tem-se ainda 10% dessa população como sendo oriunda de outra região do estado de Minas

Gerais enquanto 4,3% têm origem em outro estado. Chama-nos atenção, o fato de 7% da

população carcerária feminina de Montes Claros – MG no período estudado, ter naturalidade

em Belo Horizonte – MG.

Já em relação ao estado de origem das detentas, tem-se 97% oriundas de Minas

Gerais, enquanto 03% delas são naturais do estado de São Paulo. Tais dados corroboram com

Michel Misse (2007) ao afirmar que a correlação entre as altas taxas de crime no sudeste e a

migração das regiões Norte e Nordeste ser um mito que não tem fundamentação ou evidência

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científica confiável, já que no caso das presas de Montes Claros – MG do ano de 2007, 100%

são de Minas Gerais ou São Paulo, portanto, não oriundas do Norte ou Nordeste do Brasil.

Confluindo com a pesquisa “Retratos do Cárcere”, que afirma que a faixa etária

de 18 a 35 como sendo a que representa maior probabilidade de se estar preso, tanto em São

Paulo como no Rio de Janeiro (FGV, 2010), em Montes Claros 55,7% das apenadas

pertencem à faixa etária de 18 a 29 anos de idade. A média aritmética da idade das detentas de

Montes Claros – MG de 2007 é de 30,54 anos de idade, apresentando um desvio padrão de

9,927 anos, conferindo a essa média considerável representatividade em relação à população

analisada. A idade mínima encontrada entre as presas foi de 19 anos de idade enquanto a

máxima foi de 64 anos.

Veremos abaixo que a grande maioria dos crimes que levou as mulheres a estarem

presas em Montes Claros – MG em 2007 foi o tráfico de drogas ou crimes violentos.

Percebemos, então, no caso das detentas do município no referido ano o grande envolvimento

de jovens nesse tipo de crime, seguindo a tendência geral dos mesmos.

Ao compreendermos juventude como sendo uma categoria social devemos

extrapolar a questão da faixa etária.

Essa categoria configura, ao mesmo tempo, uma representação sócio-cultural e uma

situação social. Por essa via, o termo juventude, trata de uma concepção,

representação ou criação simbólica, oriunda dos grupos sociais ou pelos próprios

sujeitos tidos como jovens, para designar uma série de comportamentos e atitudes a

ela atribuídos. Como observa o referido autor, a juventude metamorfoseia-se de

acordo com a classe social, o grupo étnico/racial, a nacionalidade, o gênero, o

contexto histórico nacional e regional, dentre outros aspectos (NASCIMENTO et

al., p.1, 2008).

De acordo com Abramovay et al. (2002) no caso da criminalidade vitimizando e

envolvendo jovens, principalmente nos centros urbanos e metropolitanos, comumente

destaca-se a influência do narcotráfico que se organiza de acordo com as leis de mercado,

porém, sem o amparo do direito legal, tendo assim lucros adquiridos de forma ilícita. Assim,

os conflitos produzidos nesse contexto, são resolvidos por meio da violência, impactando

inclusive, de forma decisiva as taxas de homicídio.

Abramovay et al. (2002) ainda afirmam que apesar de a violência não se restringir

a extratos sociais, econômicos, raciais, ou mesmo geográficos, levantamentos estatísticos têm

demonstrado que tal fenômeno social atinge determinados segmentos com maior intensidade,

como por exemplo, os jovens, especialmente os do sexo masculino. Contudo, entre as

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mulheres é também na juventude que se encontram mais sujeitas à criminalidade, seja como

sujeito ativo ou passivo.

Uma das explicações acerca da relação entre juventude e violência apresenta a

questão ligada à vulnerabilidade social dos jovens. Abramovay et al. (2002) apresentam os

seguintes aspectos de vulnerabilidade no que diz respeito aos jovens da América Latina: 1)

não absorção dos indivíduos com pouca experiência ou pouco qualificados, como é o caso dos

jovens, pelo mercado; 2) dificuldades dos governos para reformar sistemas educacionais para

acompanharem mudanças sociais, aptidões e habilidades; 3) a tendência cultural

contemporânea que estimula sexualidade precoce e resistência a educação.

Apesar dessa vulnerabilidade talvez mais elevada na América Latina do que na

Europa e Estados Unidos, a questão da violência entre os jovens não é um fenômeno

exclusivo da região. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, jovens de até 25 anos são

duas vezes mais vítimas de crimes do que os demais.

Na América Latina...

A maioria das vítimas de homicídios [....] apresentam características similares: são

homens jovens, solteiros e de estratos socioeconômicos mais baixos, e que

abandonam o sistema escolar (Abramovay et al, 2002, p.62).

Tais dados aproximam-se de nossa realidade ao se tratar da faixa etária das

presidiárias em Montes Claros – MG em 2007, como também de dados oriundos de outras

fontes e localidades brasileiras como é o caso da pesquisa da FGV (2010) citada acima. Há

uma confluência de dados também quando se trata de estado civil. Ao se analisar essa

variável, fica evidenciada maior participação dos indivíduos solteiros dentre os reclusos. No

caso das mulheres presidiárias em Montes Claros – MG em 2007, tem-se um total de 65,7%

como solteiras. Em São Paulo, quando da pesquisa da FGV (2010), esse percentual é ainda

mais elevado, alcançando o total de 80,6% da população pesquisada.

No tocante à escolaridade, existe uma tendência à ocorrência de uma baixa

escolaridade dentre os apenados ao menos no caso brasileiro. O estudo “Retrato do Cárcere”

indica que 78% dos presidiários não concluíram o ensino fundamental (FGV, 2010). Dentre

as mulheres encarceradas em Montes Claros – MG no ano de 2007 chega a 89,6% o

percentual das que não iniciaram o ensino médio.

Vejamos abaixo a tabela que retrata o perfil profissional das presidiárias em

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Montes Claros – MG em 2007.

TABELA 1 - Profissão das detentas

PROFISSÃO PERCENTUAL

Doméstica 36,6

Do lar 8,5

Autônoma 5,6

Estudante 5,6

Cabeleira 4,2

Desempregada 4,2

Serviços Gerais 4,2

Vendedora 2,8

Outros 5,6

TOTAL 77,5

SEM INFORMAÇÃO 22,5

TOTAL 100,0

Fonte: Coleta direta – Presídio Alvorada / Montes Claros-MG – 2008

Como vislumbramos na tabela acima, a grande maioria das detentas possui uma

profissão que exige pouca qualificação ou estudo. O total de 45,1% possui uma profissão de

trabalho em casa, seja como doméstica ou mesmo do lar. Ainda que as mulheres em geral

tenham conquistado espaços consideráveis em se tratando de educação e mercado de trabalho,

grande número, continua sem acessar bens e instrumentos essenciais, desempenhando funções

e trabalhos de baixa qualificação e pouca valorização monetária, tendo, portanto, uma

remuneração muitas vezes aquém do necessário para boas condições de vida.

O motivo da prisão

Apresenta-se a circunstância ou o crime do qual as detentas são acusadas, como

também desencadeou sua prisão. As proporções dos crimes cometidos podem ser observadas

no Gráfico 5.

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Motivo da Prisão

Tráfico de

drogas

80%

Furto

8%

Mandato de

prisão

8%

Homicídio

2%Assalto

2%

Fonte: Coleta direta – Presídio Alvorada / Montes Claros-MG – 2008

GRÁFICO 5 – Motivo da prisão das detentas de Montes Claros – MG

É evidente em nosso trabalho, a partir do gráfico acima, bem como na maioria dos

trabalhos de mesmo cunho, que o tráfico de drogas tem sido o principal campo de atuação das

mulheres que cometem algum delito capaz de levá-las a prisão. Quanto ao artigo que a

maioria das detentas foram enquadradas, se destaca o artigo 33 da lei 11.343/06 que versa

sobre o tráfico ilícito de drogas (BRASIL, 2009). Nossos dados evidenciam que 80% das

detentas foram enquadradas nesse artigo.

Ao pesquisarmos a literatura sobre criminalidade violenta parece-nos que a grande

maioria dos trabalhos, ao falar da mulher o faz sobre a mulher vítima de violência ou sobre a

mulher inserida em contextos violentos, numa violência que é quase sempre produzida por

agentes do sexo masculino. É o que ocorre, por exemplo, em Galera et all. (2005) ao tratar da

mulher como mãe de garotos inseridos em cenários de violência.

Entretanto, cresce o número de mulheres como sujeito ativo da criminalidade e

aumenta o número de trabalhos científicos a esse respeito. Tal fenômeno se manifesta

especialmente no que diz respeito ao tráfico de drogas, possivelmente por ser o principal

crime cometido pelas mulheres. Podemos citar o exemplo do trabalho “Porta fechada, vida

dilacerada – mulher, tráfico de drogas e prisão: estudo realizado no presídio feminino do

Ceará” (MOURA, 2005).

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O trabalho citado trata do grande e crescente número de mulheres presas em razão

do tráfico de drogas. A autora afirma que a incursão da mulher no tráfico representa, antes de

uma infração penal, uma oportunidade de trabalho que possibilita melhorias ou transposição

de dificuldades de financeira e das condições de vida em geral. Entretanto, consideramos que

da forma colocada pela autora, a criminalidade, ou o tráfico de drogas feminino, parece ser

causada pelas necessidades pelas quais passam as contraventoras. Acreditamos que não seja

tão simples, mas podemos extrair do trabalho em questão aspectos que podem nos ser úteis. É

o caso, por exemplo, dos dados produzidos pela pesquisa.

A autora coloca o tráfico de drogas como um negócio que, ainda que ilícito, é uma

forma de os indivíduos participarem de uma empresa que apesar de marginalizada pode

garantir, relativamente, altas taxas de lucratividade. Esse pode ser o motivo, somado à forma

de organização, da capacidade do tráfico conseguir envolver grande número de pessoas. Em

alguns casos, empresas de tráfico funcionam como verdadeiras multinacionais atuando em

diversas partes do globo. Para os envolvidos no tráfico, muitas vezes, o mesmo é uma

alternativa de subsistência com características e valores próprios (MOURA, 2005).

Segundo dados do Ministério da Justiça, as mulheres representam apenas 4% do

total da população carcerária do Brasil, número considerado pequeno; no entanto,

há que se chamar a atenção para o fato de que, a cada grupo de 100 mulheres

reclusas, 60 estão envolvidas no tráfico de drogas, ou seja, o crescimento se

concentra, de forma significativa, nesse tipo de ilícito penal (MOURA, 2005, p.

53).

O dado do Ministério da justiça exposto acima, coloca Montes Claros – MG com

uma proporção de mulheres presas por tráfico de drogas consideravelmente superior à da

média nacional, já que, enquanto o percentual para o Brasil é de 60%, o de Montes Claros –

MG no ano de 2007 foi de 80%.

É importante considerarmos, que no mercado de trabalho informal do tráfico de

drogas também ocorre divisão sexual do trabalho, existindo funções e atividades específicas a

serem desempenhadas para cada um dos sexos. Na hierarquia do tráfico, as mulheres

desempenham atividades frequentemente relacionadas a trabalhos domésticos ou são usadas

quando há necessidade de discrição.

Grande número de mulheres, inclusive, é preso por tentar ingressar na cadeia

portando drogas. Tal fato além de diagnosticado por Moura (2005), ao estudar presidiárias no

Ceará, é confirmado pelas entrevistas realizadas na cadeia pública de Montes Claros – MG,

no ano de 2007.

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A questão do aumento do número de mulheres envolvidas em crimes como o

tráfico de drogas perpassa sobremaneira pela inserção da mulher no mercado de trabalho,

formal e informal, entretanto, não temos como propósito aprofundar esse tema no corrente

trabalho. Apesar da relevância dos aspectos econômicos para o envolvimento de mulheres

com o tráfico, há também outros fatores influenciáveis, incluindo aspectos afetivos e

emocionais.

Boa parte das detentas, tanto em nossa pesquisa quanto nas citadas anteriormente,

afirma não ser culpada pelo tráfico, razão de sua prisão, mas que assumiram o crime por outra

pessoa, normalmente um filho (a) ou companheiro.

Por causa da minha filha, por causa que ela... Tinha cinco meses que ela estava

separada do marido dela, tinha um menino com um ano e pouco que era muito

doente, um que, esse que era muito doente tinha Síndrome de Down e ela estava

grávida do terceiro menino de oito meses, a gravidez e achou com ela 45 gramas de

maconha e as policias estavam fazendo muito covardia com ela, eu fui e assinei

para ela. E o meu namorado ele estava com [...] A voz de prisão foi para mim, que

eles me deram quando eu vinha do serviço (GISELE).

Uma característica interessante nas pesquisas que versam sobre tráfico de drogas

praticado por mulheres é o fato de grande parte das presas por esta razão afirmarem que nunca

cometeram este delito. Boa proporção das detentas por tráfico não se consideram culpadas por

esta razão, no caso destas mulheres estarem sendo verdadeiras, seria elevado o número de

presas injustamente.

Montes Claros – MG, como cidade média do estado de Minas Gerais, possui,

como a maioria das cidades com esta característica, elevadas taxas de criminalidade ao se

comparada com outras com perfil diferente.

Considerações finais

Como tem ocorrido no Brasil como um todo, em Montes Claros – MG é crescente

proporcional e absolutamente o número de mulheres envolvidas com a criminalidade,

especialmente o tráfico de drogas. Acreditamos estar nisto, a grande relevância de se estudar

as presas do município – buscar compreender características gerais que justifiquem a

ocorrência deste fenômeno, sem, entretanto, determinar uma causa isolada ou teoria pura que

possa explicá-lo.

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A partir dos dados apresentados podemos concluir que são diversos os fatores que

levam as mulheres a se inserirem no contexto da criminalidade, podendo variar desde

motivações materiais ou econômicas, até, questões sociais, culturais ou mesmo afetivas e

emocionais, como desdobramento, tem-se o aumento da população carcerária nas instituições

prisionais do Brasil. Principalmente o tráfico ilícito de drogas tem privado a mulher da

liberdade.

Em uma sociedade em que as mulheres padecem de uma série de desvantagens

mesmo quando elas cometerem delitos produz um perfil de presidiárias com desvantagens

sociais. Predominam entre as apenadas mulheres jovens de baixa escolaridade e pouca

qualificação profissional. Se a mulher ganha espaço no mercado de trabalho, também têm

ganhado espaço em atividades ilícitas, o que é expresso pelo crescimento proporcional e

absoluto da população carcerária das mulheres no Brasil, e específico, na cidade de Montes

Claros.

O discurso das entrevistadas remete para a afirmação de sua inocência. Não teriam

cometido delitos, mas estariam em lugares e situações que conduziu a esse entendimento, ou

seriam culpadas em razão das relações familiares que possuem chegando a assumir atos de

cônjuges e filhos.

Tal como a sociedade relega às mulheres funções sociais de menor valorização

econômica, o mesmo ocorre no mundo do crime. Entretanto, é crescente a participação da

mulher no mercado de trabalho, como também em atividades ilícitas. As detentas de Montes

Claros – MG são geralmente jovens, sem qualificação profissional e solteiras.

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