CRIMINOLOGIA E EXECUÇÃO PENAL - FGV … · CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl FGV DiREiTO RiO 2 59...
-
Upload
truongmien -
Category
Documents
-
view
226 -
download
0
Transcript of CRIMINOLOGIA E EXECUÇÃO PENAL - FGV … · CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl FGV DiREiTO RiO 2 59...
GRADUAÇÃO 2016.2
CRIMINOLOGIA E EXECUÇÃO PENAL
AUTOR: FERNANDA PRATES FRAGA
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 2
59
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
David GarlandNew York University
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”:O CASO BRITÂNICO1
RESUMO
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 13, p. 59-80, nov. 1999
O autor procura mostrar, examinando o caso britânico, como as políticas penais atuais são dilaceradas porduas tendências contraditórias: de um lado, a percepção da necessidade de enfrentar a criminalidade comoum aspecto constitutivo e inexpurgável da vida social contemporânea, o que resulta numa “criminologiado eu”, do criminoso como agente racional à nossa imagem e semelhança, e aponta para uma “administra-ção” desse fato social normal; e, de outro, a negação histérica dessa realidade, o que resulta numa“criminologia do outro”, do criminoso como monstro, e que aponta para um recuo a estratégias de combateao crime mais primitivas e de eficácia meramente simbólica.
PALAVRAS-CHAVE: sistema penitenciário; punição; criminalidade; penalogia.
I. INTRODUÇÃO
Um ponto de vista que Friedrich Nietzsche eÉmile Durkheim compartilham — certamente oúnico, nesses pensadores tão diferentes — é o deque os regimes politicamente fortes não têm amenor necessidade de apoiar-se em sanções es-pecialmente punitivas2. A repressão pode ser tidacomo um símbolo de força, mas ela também podeser interpretada como o sintoma da ausência deautoridade e como repressão inadequada(NIETZSCHE, 1956; DURKHEIM, 1974).
O fenômeno mais visível e mais marcante dapolítica penal recente na Grã-Bretanha é essa es-pécie de “punitividade” que doravante caracterizaimportantes aspectos da política governamental eda retórica política. Procurarei, aqui, identificaras fraquezas e os limites que estão na origem des-se fenômeno e chamarei a atenção para alguns
dos problemas sobre o poder e sobre a autoridadeque ele esconde.
Eu gostaria também de analisar as estratégiasbem diferentes, no campo da repressão criminal,que brotaram dessas mesmas fraquezas e queemergem, de forma um tanto discreta, ao lado dorecurso recorrente ao dispositivo punitivo: essasestratégias são “adaptações” à situação atual, ca-racterizada por uma forte repressão criminal, aopasso que a estratégia punitiva se apresenta antescomo “negação” simbólica dessa mesma situação.Esse tipo de repressão criminal dualista,ambivalente e freqüentemente contraditória é atra-vessado por uma forma de pensar a criminologiado mesmo modo dualista e ambivalente, dilacera-da entre o que eu designarei pelas expressões“criminologia do eu” e “criminologia do outro”.Esse dualismo contraditório expressa um conflitoque está no próprio coração da política contem-porânea, e não uma resposta logicamente diferen-ciada às diversas espécies de criminalidade.
É cada vez mais aceita, hoje em dia, a idéia deque, durante os anos 90, a Grã-Bretanha se tor-nou decididamente punitiva em sua resposta àcriminalidade, como o atesta, por exemplo, a li-nha política do recente Ministro do Interior,Michael Howard, que declarou repetidas vezes suaintenção de tornar o regime carcerário mais aus-tero, de construir prisões “de choque”, de fazerpassar leis que permitam apresentações imediatas
1 “Les contradictions de la ‘société punitive’ : le cas bri-tannique”. Actes de la Recherche, Paris, n. 124, p. 49-67, sept.1998. Tradução para o Francês: Brigitte David. Tradução doFrancês: Bento Prado de Almeida Neto. Revisão técnica:Pedro Rodolfo Bodê de Moraes e Adriano Nervo Codato.Agradecemos aos editores de Actes a autorizaçao para a pu-blicação deste artigo em Português.
2 Este artigo remete a duas publicações recentes: GAR-LAND, 1997 e GARLAND, 1996a. Meus agradecimentos aLoïc Wacquant por seus comentários e sugestões.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 3
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
60
para delinqüentes reincidentes (alguns delitos, serepetidos uma única vez, podendo levar à prisãoperpétua), que permitam limitar e eventualmentesuprimir as libertações antecipadas, e anunciar emalto e bom tom que “a prisão funciona”. Uma taldeclaração nutre-se da intenção de punir e de tor-nar inócuos os delinqüentes, ao invés de corrigi-los.
Talvez o exemplo mais extremo que ilustre essapolítica seja aquele programa de televisão ondepudemos assistir, em 1996, às tomadas de umafilmagem feita numa sala de partos, mostrandouma presa imobilizada por algemas e uma corren-te atando-a à sua guarda enquanto dava à luz oseu filho. Essa imagem de crueldade penal cho-cou inúmeros espectadores, os comentadores crí-ticos vendo nela um exemplo bem representativodo exagero atual em termos de segurança que pros-pera em detrimento das considerações humanitá-rias e de políticas de reabilitação3.
Tudo isso provocou inúmeros comentários nosjornais e nas revistas especializadas. Se algunscomentadores vincularam essa política punitiva aalguns políticos — no caso, o “efeito Howard”
—, outros viram nela o surgimento de uma “novapolítica da crueldade” sustentada pelo Primeiro-Ministro, John Major, para apaziguar a ala direitado Partido Conservador. Comentadores comoJohn Gray ou Will Hutton interpretaram essa novapolítica punitiva como a inevitável reação de socie-dades — e, aqui, os Estados Unidos representamo caso certamente mais exemplar — em que a ta-xa de criminalidade é muito alta, as divisões soci-ais tendem a agravar-se, a insegurança pessoal eeconômica é crescente e as soluções sociais exis-tentes caíram em descrédito. Nesse contexto, acompaixão para com os delinqüentes é cada vezmais suplantada por uma preocupação mais ex-clusiva com as vítimas, e os políticos de todos ospartidos vêem-se encorajados a tomar medidasfirmes, não desprovidas de conotações po-pulistas4.
Se esta análise pode parecer correta em suasgrandes linhas, resta que a punitividade é não maisque “uma dimensão” de um tipo de repressão cri-minal mais complexa e mais contraditória5 quenão se vincula exclusivamente a um regime políti-co e que cabe reinserir no quadro de uma evolu-ção mais ampla.
3 Ainda falta determinar se a política do governo do NewLabour vai diferir fundamentalmente daquela da administra-ção anterior, conservadora. Os primeiros indícios — espe-cialmente The Crime and Disorder Act, 1998 — apontam paraa ausência de mudanças.
4 Que se veja, por exemplo, o recente relatório do Ministé-rio do Interior (1996) e o do Ministério Escocês (1996).
PUNITIVIDADE E ESTRATÉGIA DE SEGREGAÇÃO PUNITIVA
O que é que faz com que uma nova lei de condenação, um regime carcerário, ou o trabalhopenitenciário sejam da ordem do “punitivo” ou, mais simplesmente, do “penal”? E o que é que poderiajustificar a descrição de uma trajetória da sociedade como “punitiva”?
A resposta é mais complexa do que parece. A “punitividade”, de fato, em parte é um juízo compa-rativo acerca da “severidade” das penas com relação às medidas penais precedentes, em partedepende dos objetivos e das justificativas das medidas penais, assim como também da maneirapela qual a medida é apresentada ao público. As novas medidas que aumentam o nível das penas,reduzem os tratamentos penitenciários, ou impõem condições mais restritivas aos delinqüentescolocados em liberdade condicional ou vigiada — e tais medidas tiveram um papel importante nalegislação recente no Reino Unido — podem ser consideradas “punitivas”, pois aumentam comrelação a um ponto de referência anterior.
As medidas que propõem objetivos distributivos antes que objetivos correcionais ou utilitáriospoderiam igualmente ser chamadas “punitivas”, ainda que tudo dependa da linguagem empregadapara apresentar a medida frente aos seus diferentes públicos. O trabalho penitenciário, por exemplo,é freqüentemente apresentado para o grande público como uma medida dura, vingadora, mas, frentea públicos profissionais mais sofisticados, ele é apresentado como uma fórmula barata de detençãocorrecional.
5 Diversos autores discutiram alguns aspectos desse esque-ma; em particular, M. Feeley e J. Simon, nos Estados Uni-dos, que apresentaram um modelo de nova penologia atuarial,que qualificaram posteriormente como “pós-moderna” emaspectos substanciais. Para uma discussão crítica desse mo-delo, veja-se GARLAND, 1995. Num ensaio recente,SIMON & FEELEY (1995) procuraram correlacionar odesenvolvimento da “nova penologia” com a manutençãode um discurso publico mais punitivo sobre o crime.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 4
61
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
II. A “NORMALIDADE” DAS TAXAS ELEVA-DAS DE CRIMINALIDADE
De uns trinta anos para cá, as taxas elevadasde criminalidade e de atentado à propriedade, semprecedentes históricos, deixaram de ser conside-radas anormalmente elevadas. Assim, a taxa atualde delitos declarados e registrados pela polícia naInglaterra e no país de Gales é dez vezes superiorao que era em 1950. Ainda que a taxa de cresci-mento na Escócia seja menor, ela foi no entantomultiplicada por cinco nesse período (SMITH,1995; YOUNG, 1996). Nesse mesmo espaço detempo, o aumento dos roubos de carro declara-dos multiplicou-se por 28 e o das lesões corpo-rais declaradas por 48. Comparadas a essa ten-dência acentuada, as leves quedas, em números,
Talvez os mais claros casos de medidas penais “punitivas” sejam aqueles a que uma linguagempenal mais antiga se refere quando fala de penas “exemplares” ou “aflitivas”. J. F. Stephen (1993, vol.2, p. 451) propunha a idéia de “castigos exemplares” para descrever medidas — como o enforcamentoou o açoite — que “justificavam categoricamente e satisfaziam o desejo de vingança do público comrelação a tais delinqüentes”. Durante uma boa parte do século XX, a expressão abertamente confessa-da do sentimento de vingança foi virtualmente tabu, pelo menos da parte dos representantes doEstado, mas, nesses últimos anos, tentativas explícitas de expressar a cólera e o ressentimento dopúblico tornaram-se um tema recorrente da retórica que acompanha a legislação penal e a tomada dedecisões. Os sentimentos da vítima, ou da família da vítima, ou um público temeroso, ultrajado, sãoagora constantemente invocados em apoio a novas leis e políticas penais. O castigo — no sentido deuma sanção significativa que apela para o sentimento do público — é uma vez mais um objetivo penalrespeitável, abertamente reivindicado.
Jeremy Bentham (s/d, p. 83) caracterizava como “penas infamantes” essas penas — como oscastigos corporais — nas quais “sempre se mistura uma parcela de ignomínia”. De modo indiscutível,todas as sanções criminais são “ignominiosas”, mas algumas carregam um fator de humilhaçãoparticularmente chocante. Medidas recentes como a reintrodução do grilhão em vários Estados ame-ricanos, ou o porte do uniforme listrado do preso, ou o fato, na Grã-Bretanha, de que os delinqüentessexuais libertados sejam sinalizados para a comunidade certamente poderiam ser ditas “punitivas”nesse sentido.
De fato, essas formas de mortificação e de humilhação públicas, que durante décadas foramconsideradas como obsoletas e extremamente aviltantes, são hoje valorizadas por seus partidáriosexatamente devido a seu caráter inequivocamente “punitivo”.
Caberia lembrar, no entanto, que todas as medidas penais têm uma qualificação polissêmica,concentrando objetivos, imagens e sentidos diferentes, significando coisas diferentes para pessoasdiferentes, inclusive as medidas que parecem ser (aos olhos de seus críticos) simples eindubitavelmente punitivas. Assim, a maior parte das medidas penais recentes engajadas em ummodo de ação significativo — punir para seu próprio bem, traduzir o sentimento do público, insistir nosobjetivos punitivos ou denunciadores — atestam ao mesmo tempo uma lógica mais instrumental.Cada medida opera em dois registros diferentes, um registro punitivo que emprega os símbolos decondenação e de sofrimento para entregar sua mensagem, e um registro instrumental mais adequa-do aos objetivos de proteção do público e de gestão do risco.
Os modos de expressão punitiva favoritos são também, e é importante notá-lo, modos de segrega-ção penal e de incapacitação. A preocupação política dos dias de hoje não é puramente punitiva (talque pudesse ser satisfeita por medidas como castigo corporal) nem puramente orientada para aproteção pública (o que, antigamente, levava a medidas de detenção preventiva que minimizavam seuconteúdo punitivo). Tem-se a preocupação de produzir sanções que combinem os dois modos de versob a forma de uma segregação e de uma incapacitação punitivas. O novo ideal penal é que o públicoseja protegido e que seus sentimentos sejam expressos. A segregação punitiva — penas de longaduração em prisões “sem frescuras” e uma existência estigmatizada, controlada de perto, para aque-les que são, finalmente, libertados — é cada vez mais a escolha que se impõe.
Gráfico 1. CRIMINALIDADE TOTAL REGISTRADANA INGLATERRA E NO PAÍS DE GALES, 1901-1992
Milhões de crime registrados
O crime registrado aumentou de forma significativa ao lon-go de algumas décadas.
Fonte: Estatísticas de criminalidade do Ministério do Interi-or (incluindo Londres).
0
1
2
3
4
5
6
19011905
19101915
19201925
19301935
19401945
19501955
19601965
19701975
19801985
19901992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 5
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
62
do conjunto das formas de criminalidade que pu-deram ser constatadas no Reino Unido nos anos90 são totalmente insignificantes6.
Muito embora a criminalidade seja socialmen-te desigual na sua distribuição, o crime e o medodo crime são hoje em dia amplamente vividoscomo fatos da vida moderna. Pouco a pouco, ocrime tornou-se, para as gerações atuais, um ris-co cotidiano que deve ser avaliado e administradode forma rotineira — um pouco como nos com-portamos com relação aos riscos de acidentes viá-rios. Cartazes nos ônibus britânicos recomendama compra de travas de segurança, pois “ocorreum roubo de carro por minuto”. A publicidade deseguro de cartões de crédito proclama que “umcartão de crédito é perdido ou roubado a cada dezsegundos na Grã-Bretanha”. Enfim, o crime já fazparte do meio-ambiente cotidiano.
Se essas taxas de criminalidade elevadas sãoconsideradas “normais”, não é apenas porque nosacostumamos a elas, mas é também porque elassão consideradas como uma espécie de dado so-ciológico, como um traço distintivo de todas associedades similares em um estágio similar dedesenvolvimento7. Isto significa que elas não sãouma aberração de que nos pudéssemos livrar pelaaplicação de novas políticas ou por um reforçodas antigas, mas a contrapartida de nossas liber-dades individuais e de nossos mercados não re-gulamentados, a dimensão externa de nossas de-cisões econômicas, um derivado de nossos esti-los de vida mutáveis e de nossa cultura de consu-mo desenfreado, um efeito de nossa preferênciageral por um estilo de controle social não auto-ritário.
III. MUDANÇAS NO DISCURSO
Como os governos e os outros intermediáriosresponderam ao que é visto como um novo fatosocial8? A minha hipótese é a de que se produziu
uma série de transformações na percepção oficialdo crime, no discurso da criminologia, nos mo-dos de ação do governo e, finalmente, na estrutu-ra dos órgãos de justiça criminal.
Em primeiro lugar, o discurso oficial mudou.Se comparamos os documentos políticos do go-verno dos anos 50 e 60 com os de hoje, podemosdistinguir uma sutil mas importante transforma-ção. Documentos como o relatório de 1959, Prá-tica penal numa sociedade em transformação(MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1959), ou o de1964, intitulado A guerra contra o crime (MINIS-TÉRIO DO INTERIOR, 1964), reconhe-cem quehouve um “recrudescimento do crime e da delin-qüência” a partir de meados dos anos 50. Masacreditava-se então que era apenas uma questãode tempo até que a tendência se invertesse, e nãose duvidava, na época, da capacidade do Estadoem administrar o problema. Pensava-se que oEstado “ganharia a guerra contra o crime” do mes-mo modo como havia ganho a “guerra contraHitler”.
Nos anos 80 e 90, o discurso oficial distan-ciou-se dessa atitude confiante. Fala-se muitomenos de “guerra contra o crime” — a expressãofoi simplesmente abolida no Ministério do Interiornos anos 80 — e, ainda que essa retórica tenhasido brevemente reavivada nos anos 90, ela tor-nou-se arcaica9. As declarações do Estado nocampo da repressão criminal tornaram-se maismodestas e mais hesitantes. Hoje, admite-se tran-qüilamente a existência de limites para o poder doEstado e cita-se com freqüência uma estatística,estabelecida por um departamento de pesquisa doMinistério do Interior, segundo a qual menos de3% de todos os delitos são de fato perseguidosjudicialmente até o fim, a grande massa das víti-mas e dos culpados permanecendo fora do alcan-ce do sistema (MINISTÉRIO DO INTERIOR,1995, p. 25).
6 Insignificante com relação ao argumento que estou apre-sentando. Para retornar ao nível de crime dos anos 50, essasreduções deveriam manter-se por décadas, e no entanto osindicadores mostram que elas não devem manter-se no anoque vem. Isso embora as reduções nas taxas de criminalidadeestabelecidas há mais tempo nos Estados Unidos sejam degrande interesse político.
7 Essa concepção de “fatos sociais normais” é proposta porE. Durkheim (1997b).
8 Em um artigo intitulado “Crime control and culture” (noprelo), exploro o modo pelo qual os indivíduos, os lares e as
organizações da sociedade civil se adaptaram às taxas eleva-das de criminalidade.
9 Houve uma volta a essa metáfora da guerra no ano passa-do e nos documentos políticos do Reino Unido; veja-se:MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1959, e MINISTÉRIOESCOCÊS, 1996. Essa nova guerra contra o crime tem aresde ação de represálias, conduzida sob a urgência de afirmar asoberania e elidir toda tentativa de conciliação. A idéia deque se trata de uma guerra que se poderia ganhar não con-vence ninguém.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 6
63
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
* Dano criminoso; roubo de veículo motorizado; roubo de um veículo motori-zado (inclusive tentativa); roubo de bicicleta; roubos de domicílios; ferimento;estelionato; assaltos.
** As estimativas englobam os resultados adicionais de culpabilidade em cadatribunal de apresentação.Fonte: Estatísticas criminais, Inglaterra e País de Gales (HMSO e análises nãopublicadas) e Tendências do crime: resultados da investigação sobre o crime na GrãBretanha (resultados da pesquisa n.º 14).
Gráfico 2. DETERIORAÇÃO DO SISTEMA DEJUSTIÇA CRIMINAL
As estimativas ao lado mostram o número de delitos come-tidos, segundo o Relatório sobre a criminalidade britâni-ca, comparado ao número de indiciamentos/advertênciaspoliciais mostrados nas estatísticas oficiais. Nenhum ba-lanço foi feito com relação aos delitos de grupo (isto é,quando mais de um delinqüente é condenado por umaúnica infração), uma vez que não se dispõe de nenhumaavaliação séria a esse respeito.O gráfico abaixo não significa que apenas 2% dosdelinqüentes são considerados culpados. Vários dentreeles nesse mesmo grupo podem também ser responsá-veis por grande parte desses delitos que não desemboca-ram num indiciamento, seja porque o delito não foi declara-do à polícia ou não foi esclarecido, seja porque não houveevidências suficientes para uma condenação. Para oscrimes contra a pessoa e sua propriedade, 3% dos delitoscometidos desembocaram numa indiciamento ou numaadvertência policial.
100%
47%
27%
4,9%
2,7%
2,0%
Delitos cometidos
Delitos declarados
Delitos registrados
Delitos esclarecidos
Delitos desembocando em uma ad-vertência ou em um indiciamento**
Delitos desembocando em umindiciamento
Ocorrem variações, no entanto, em delitos como ferimentos, nos quais 14% dosdelitos desembocam em uma advertência ou em um indiciamento contra 2% nosroubos de domicílios e no vandalismo.
100%
69%
41%
8,4%
2,3%
2,0%
100%
27%
14%
2%
2,5%
1,6%
100%
54%
24%
19%
14,4%
10,6%
Roubosde domicílioFerimentos Vandalismo
Delitos registrados
Delitos declarados
Delitos cometidos
Delitos esclarecidosDelitos desembocandoem uma advertênciaou em um indiciamentoDelitos resultando emuma condenação
Porcentagem de delitos* cometidos
Essa situação, que é nova, tem implicaçõesprofundas. Admitir o caráter “normal” das taxasde criminalidade e os limites dos organismos dejustiça criminal, é pôr em questão um dos mitosfundadores das sociedades modernas, a saber, omito do Estado soberano capaz de garantir a se-gurança e a ordem e de reprimir o crime dentro desuas fronteiras. Esse repto lançado à lei do Estadoe à mitologia da ordem é tanto mais significativoque ele surge num momento em que a noção maisampla de “soberania do Estado” vê-se fortementeameaçada (HIRST, 1994; LASH & URRY, 1987;PATERSON, 1994).
O ESTADO CONFESSA SEUS LIMITES
“Cabe reconhecer o impacto limitado da ação policial sobre as causas do crime..”. (COMISSÃO DEINQUÉRITO: Helping With Enquires: Tacking Crime Effectively, 1993, p. 1).
“A polícia não pode ser responsabilizada pelo fato de que carros são fabricados sem muitapreocupação com a segurança ou se cidadãos não fazem por conta própria, como diria o Relatóriosobre a reforma da polícia, “tudo o que se pode razoavelmente esperar deles no sentido de protegersua própria propriedade” (idem, p. 7).
“Todo mundo concordará com o fato de que o sistema de justiça criminal, por si só, não podepretender conseguir inverter a tendência de alta dos números de criminalidade. As causas subjacentesdo crime residem na própria sociedade, mas se a inquietação do público pode transformar-se emação positiva, então muito pode ser feito” (Douglas Hurd, Ministro do Interior, nov. 1986, “Introdução” aCriminal Justice: A Working Paper. Londres, Ministério do Interior, 1986).
“A experiência dos últimos anos demonstrou não apenas a importância da confiança do público nosistema de justiça criminal, mas também os limites do sistema” (Ministério do Interior, Criminal Justice:
A partir de meados dos anos 80, tornou-secomum, nos documentos governamentais, nosrelatórios parlamentares, nos relatórios anuais dapolícia ou mesmo nos manifestos de partidos, res-saltar que os organismos governamentais não po-dem, isoladamente, conseguir controlar acriminalidade (MINISTÉRIO DO INTERIOR,1986; COMISSÁRIO DE POLÍCIA DAMETRÓPOLE, 1987; PARTIDO CONSERVA-DOR, 1987). A “guerra contra o crime” — assimcomo a Guerra Fria — já são águas passadas,mas continua-se a ouvir o discurso de guerra dealguns políticos. Todavia, os objetivos mudaram:propõem-se uma melhor gestão dos riscos e dosrecursos, uma redução do medo e dos custos dacriminalidade e da justiça criminal e um maioramparo às vítimas, todos objetivos pouco heróicose difíceis de expor na retórica clássica do discursopolítico.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 7
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
64
A Working Paper. Londres, Ministério do Interior, 1986, p. 3).
“Suponhamos que nós dupliquemos tanto a polícia, quanto as penas, quanto as prisões — digamos,até que as três atinjam o nível americano —, poderíamos então muito bem nos deparar com o nívelamericano de criminalidade e violência, bem maior que o nosso. Pois a polícia pode prender oscriminosos, as prisões podem encarcerá-los e tudo isto é necessário, mas não é suficiente, se há umfluxo regular de criminosos saindo de casa e das escolas... O bobby londrino, em média, é testemunhade um arrombamento uma vez a cada oito anos” (Douglas Hurd, Ministro do Interior, Discurso nocongresso do Partido Conservador, Brighton, 12 de outubro de 1988).
“Reconhece-se plenamente, hoje em dia, que não se pode prevenir o crime valendo-se apenas dapolícia e dos outros órgãos de justiça criminal, que são os organismos aos quais a comunidadetradicionalmente delegou sua responsabilidade” (Ministério do Interior, A Practical Guide to CrimePrevention for Local Partnerships, setembro de 1993, p. iii).
“Precisamos ter uma visão realista da natureza do crime e de nossa capacidade de ação nessecampo. O realismo sugeriria uma divisão do crime em duas categorias. Na primeira categoria caemos delitos mais sérios como o terrorismo, o assassinato, o estupro, o seqüestro, o roubo, o incêndiocriminoso e o roubo à mão armada. De modo perfeitamente razoável, o público espera da polícia queela tenha uma resposta profissional para esses delitos, que ela desempenhe o papel principal e queela obtenha um nível satisfatório de sucesso. De modo geral, a polícia responde a essa expectativa.Na segunda categoria caem os crimes mais aleatórios e os mais ocasionais, como os roubos deveículos, os arrombamentos, o vandalismo e os furtos diversos. Para delitos desse tipo, não é realistaesperar um nível muito alto de sucesso da ação isolada da polícia” (Relatório do Comissário de Policiada Metrópole para o Ano de 1986, p. 2).
A difícil situação que os governos têm queenfrentar reside no fato de que eles não podemmais ser a principal fonte da segurança e da repres-são criminal, ao mesmo tempo em que sabem quea curto prazo uma tal confissão pública tem todasas chances de ser politicamente desastrosa. Daíum esquema de ação política notavelmente ambi-valente: de um lado, a preocupação em enfrentaro problema e desenvolver novas estratégias quelhe sejam racionalmente adequadas; mas, de ou-tro, ao lado dessas novas e às vezes dolorosasadaptações, uma tendência recorrente a uma es-pécie de “negação” histérica e à reafirmação enfá-tica do velho mito da soberania do Estado. A ca-racterística distintiva do período atual não é a“punitividade”, mas antes a ambivalência. Ele os-cila de modo errático entre “adaptação” e “nega-ção”, entre tentativas de enfrentar a situação e ten-tativas de fazê-la desaparecer magicamente.
IV. AS “CRIMINOLOGIAS DA VIDA COTIDIA-NA”
Encontramos a mais explícita adaptação a essenovo estado de coisas num novo tipo de discursocriminológico, cada vez mais influente nos círcu-los governamentais do Reino Unido a partir demeados dos anos 70. Esse discurso foi montadoa partir de um conjunto de estruturas um tantosimilares e um tanto radicalmente teóricas, abar-cando a “teoria da escolha racional”, a “teoria daatividade de rotina”, o “crime como oportunida-de” e a “prevenção da criminalidade situacional”,conjunto que poderíamos caracterizar globalmentecomo “as novas criminologias da vida cotidiana”.Essas teorias são simples e insistem no fato deque os delinqüentes calculam suas ações, que amaior parte dos crimes são oportunistas e que amelhor resposta é a de tornar as coisas mais difí-ceis para os delinqüentes, aumentando os contro-les judiciários (CLARKE & CORNISH, 1986;HEAL & LAYCOCK, 1986; FELSON, 1994;CLARKE & MAYHEW, 1980).
TEORIAS CRIMINOLÓGICAS E RACIONALIDADES DA REPRESSÃO CRIMINAL
A idéia de Foucault de uma “racionalidade governamental” pode iluminar uma dimensãoperfeitamente peculiar da repressão criminal que, de outro modo, passa praticamente despercebida.A dimensão que é assim identificada não é exatamente a dos relatórios de polícia, nem a dos discursosde legitimação empregados pelas autoridades para valorizar a prática das instituições. Também nãoé propriamente o mesmo que as teorias criminológicas ou os programas de reforma que influenciamessas práticas. A idéia de “racionalidades governamentais” remete antes aos modos de pensar e aosestilos de raciocínio que se concretizaram numa determinada série de práticas. Ela nos orienta para
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 8
65
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
as formas de racionalidade que organizam essas práticas e lhes fornecem seus objetivos, seu sabere suas formas de reflexão.
As racionalidades são, portanto, práticas, antes que entidades teóricas ou discursivas. Elas foramforjadas no campo da resolução dos problemas e na tentativa de fazer as coisas funcionarem. Emconseqüência, exprimem uma lógica da prática, antes que da análise, e tendem a trazer a marca daprática institucional de que provieram. Se nos valemos dessa idéia de “racionalidades” para pensar arepressão criminal, surgem questões como as seguintes: Como as autoridades compreenderam seupapel frente ao problema da criminalidade? Como foi problematizada e racionalizada a tarefa degovernar o crime? Por meio de que tecnologias e de que construções, e valendo-se de que formas desaber as autoridades exerceram seu modo de governar nesse campo?
Parece sensato sugerir que, nessas últimas décadas, chegou-se a problematizar o governo docrime a partir de novos critérios, em parte como reação às taxas cronicamente elevadas da criminalidadee ao fracasso dos controles judiciários, em parte sob a influência de mudanças mais amplas, que nosdistanciam dos estilos de governo de auxílio social e apontam para a direção neoliberal. Parecetambém plausível sustentar que, em resposta a esse campo emergente de problemas e de forçaspolíticas, se esboça uma nova racionalidade no governo do crime e da justiça criminal. Descritos emseus largos traços, trata-se de um estilo governamental que se organiza em torno de formas econômicasde raciocínio, contrastando com as formas sociais e legais predominantes na maior parte do séculoXX.
Por racionalidade “econômica”, não quero dizer simplesmente que as considerações da relaçãoqualidade/preço e de coerção fiscal tornaram-se, hoje em dia, excessivamente determinantes, aoponto de se explicitarem nos aspectos do discurso e da prática da repressão criminal — embora esteseja certamente um traço característico da cena contemporânea. Quero, com isso, chamar a atençãopara a dependência crescente para com uma linguagem analítica do risco, da racionalidade, daescolha, da probabilidade, da determinação de alvos, da oferta e da demanda de ocasiões — umalinguagem que transfere as formas “econômicas” de raciocínio e de cálculo para o campo dacriminologia; para a importância crescente de objetivos como a compensação, o controle do custo e aredução dos danos; e, enfim, para o recurso crescente a tecnologias como o audit, o controle fiscal, acompetição de mercado e a gestão restrita à tomada de decisão do controle penal. Por exemplo, aimagem, hoje em dia recorrente, do “criminoso racional”, e a preocupação de governar essepersonagem manipulando o reforço positivo e o negativo, reproduz os esquemas de pensamentosclássicos das análises econômicas. A imagem da vítima funciona, na mesma direção, como fornecedorde ocasiões criminais; e assim também a figura idealizada do homo prudens, tal como desenhadapela literatura de prevenção da criminalidade e dos contratos de seguro. Essas novas formas depensar, que fazem explodir os estratos sociológicos e psicológicos com os quais a criminologia doséculo XX recobria sua concepção do delinqüente criminal, procuram repensar as dinâmicas dacriminalidade e do castigo em termos pseudo-econômicos. Isto tem como efeito facilitar o recurso aum discurso moral simplificado sobre o crime e o castigo. Se o crime não é senão uma questão deescolha racional, então podemos “compreender menos e condenar mais”, como o Primeiro-MinistroJohn Major ressaltava em 1993.
Essa forma de pensamento desenvolveu-se de início no setor privado — nas práticas dascompanhias de seguro, das empresas de segurança privada e das empresas comerciais, preocupadasem reduzir os custos do crime que lhes pesam sobre os ombros. O pensamento comercial e fundadono seguro acerca da repressão criminal devota-se a reduzir ou deslocar os custos do crime na direçãoda prevenção antes que na do castigo e a minimizar o risco antes que garantir a justiça. Tentativascomerciais de controlar o “risco reativo”, o “perigo moral” e o “risco de indenização”, ou de pôr nabalança os custos do crime contra os custos — para a empresa — de sua prevenção ou de suapersecução judicial, conduziram à elaboração dessa forma de pensar o crime e sua repressão. Ésomente mais tarde, nos anos 80, que essa forma de pensamento começou a influenciar osorganismos e as práticas do Estado, as quais, na sua maior parte, estão sob o controle de gruposprofissionais vinculados a concepções sociais e legais do problema da criminalidade.
Essa forma de pensar invoca também outras fontes. Uma delas é o trabalho de Gary Becker e deoutros analistas econômicos do crime, cujas idéias foram recentemente transplantadas para alinguagem da política criminal. Outra delas é o conjunto das teorias criminológicas — teoria da escolharacional, teoria da atividade de rotina, e as abordagens variadas que vêem no crime uma questão deocasião —, que eu aqui descrevo como “as novas criminologias da vida cotidiana”. Contrastando com
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 9
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
66
O que é surpreendente, nessas criminologias,é que elas brotam todas da premissa de que o cri-me é um aspecto normal, trivial, da sociedademoderna. De forma significativa, essa premissanão se apóia no sistema de justiça criminal, masem dados de pesquisas realizadas junto às vítimase em análises de testemunhos de maior enverga-dura. O crime é um acontecimento que não re-quer nenhuma motivação ou disposição especial,nenhuma patologia ou anormalidade, e que se ins-creve nas rotinas da vida econômica e social con-temporânea. Contrariamente às criminologias an-teriores, fundadas no postulado de que o crimeera um desvio da conduta normal, civilizada, quese explicava em termos de uma patologia indivi-dual, ou de uma má sociabilização, as novascriminologias vêem o crime como o prolongamentode uma interação social normal, explicável porreferência aos esquemas clássicos de motivação.O crime não é mais o signo de que algo deu erra-do, de que o indivíduo é sub-socializado ou estáperturbado, ou ainda tem um desvio de caráter: ocrime é doravante o que ocorre no curso normaldas coisas. Para o indivíduo incriminado, é umaocasião, uma escolha de carreira, um meio deconseguir emoções fortes ou de “vingar-se”. Paraa vítima ou para o público (que, desse ponto devista, são segmentos que coincidem em largamedida com o segmento dos delinqüentes), o cri-me é um “risco” que deve ser calculado ou um“acidente” a ser evitado, antes que uma aberraçãomoral que exija explicações especiais.
Essas teorias não vão sem conseqüências práti-cas. As normas de ação que delas decorrem nãose endereçam aos organismos do Estado como apolícia, os tribunais e as prisões, mas, “para além”do aparelho do Estado, endereçam-se àsorganizações, instituições e indivíduos da sociedadecivil. As teorias dão por estabelecida a capacidadelimitada do Estado. Os novos programas de açãoprocuram influenciar a conduta das vítimas po-tenciais, armar os alvos vulneráveis, melhorar a
segurança em zonas perigosas e reestruturar asrotinas da vida cotidiana que têm por conseqüên-cia desagradável propiciar ocasiões para o crime.Essa criminologia expeditiva visa, de fato, a mo-dificar as rotinas cotidianas da vida social eeconômica em direções que limitem a ocasião,redistribuam os custos e criem efeitos dissuasivos.Ela procura instaurar controles antes no seio dodesdobramento da interação normal do que numplano superior, na forma de um comando sobera-no10. Mas lá onde a idéia de repressão “interna”remetia ao domínio de si e à civilidade de huma-nos que participam de uma cena, recorre-se hojeàs tecnologias de segurança e de supervisão, queguiam e mantêm as pessoas longe da tentação(veja-se GARLAND, 1996b; DAVIS, 1990).
Assim, ao invés de confiar nas eventualidadesdas penas dissuasivas, na incerta capacidade dapolícia de prender os bandidos ou na vã esperan-ça de que se possa ensinar o domínio de si aosjovens cidadãos, essa nova abordagem dedica-sea substituir o dinheiro vivo por cartões de crédito,embutir travas nas colunas de direção dos auto-móveis, contratar vigias nos estacionamentos ecolocar circuitos internos de televisão nosshoppings, coordenar os horários de fechamentode discotecas rivais, oferecer ônibus de madru-gada, aconselhar os varejistas sobre segurança,estimular as autoridades locais a coordenar os di-ferentes organismos que lidam com a criminalidadee, claro, estimular os cidadãos a organizar rondasde quarteirão e outros grupos de autodefesa. Essanova abordagem não reivindica mais o papel prin-cipal no campo do controle da criminalidade. Elatampouco pretende um recrudescimento da re-pressão social e do domínio de si. Ao invés disso,ela procura promover um novo estilo de “enge-nharia situacional”, ali onde a “engenharia social”
10 Para uma discussão dessa espécie de controle social sub-terrâneo, veja-se SHEARING & STENNING, 1984.
as criminologias mais antigas, que pressupunham que fosse possível distinguir e corrigir a pessoado delinqüente, essas teorias têm uma visão do crime como acontecimento normal, banal, não exigindonenhuma disposição especial ou anormal por parte do delinqüente. O crime é visto como um fenômenode rotina, como algo que acontece no curso ordinário das coisas, antes que como uma perturbação danormalidade que requeira algum tipo especial de explicação. A conduta cotidiana na vida econômica esocial fornece infindáveis ocasiões de transações ilegítimas. Vistos em larga escala, os acontecimentoscriminais são regulares, previsíveis, sistemáticos — como os acidentes de trânsito. De onde se segueque a ação sobre o crime deveria deixar de ser antes de tudo uma ação sobre pessoas desviantespara tornar-se preferencialmente uma ação concebida para governar os hábitos sociais e econômicos.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 10
67
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
Fonte: Quadro de CLARKE, 1997, p. 18.
QUADRO 1. TÉCNICAS DE PREVENÇÃO DO CRIME SITUACIONAL
ELIMINAR ASDESCULPAS
AUMENTAR O ESFORÇOVISIVELMENTENECESSÁRIO
AUMENTAR OSRISCOS PERCEPTÍVEIS
REDUZIR ASVANTAGENS
ANTECIPADAS
1.Dificultar os alvosparquímetros sensíveis afraudes (slug rejecterdevice)trava de direçãovidro a prova de balas
5.Procedimentos de en-trada e saídacatracas automáticas comtíquetelocalização de bagagensmercadorias com dispositi-vo anti-furto
9. Eliminar o alvotoca-fitas de bandejarefúgio para mulherescartões de créditotelefônico
13. Estabelecer a regradeclaração na alfândeganormas relativas a assé-dio sexualregistro no hotel
2. Controle de acessoguarita de acesso aoestacionamentopátios cercadosinterfone
6. Vigilância formalcâmeras de controle develocidadealarmesguardas de segurança
10. Identificar a proprie-dademarcar a propriedadecarteira de motoristamarcar o gado
14. Estimular a consciên-cialombadas eletrônicas“exija nota fiscal”“beber ou guiar”
3. Afastar os delinqüenteslocalização dos pontos deônibuslocalização dos baresfechamento de ruas
7. Vigilância por funcioná-rioslocalização das cabinestelefônicasvigias de parquecircuito interno de TV
11. Reduzir a tentaçãoanuários sem o prenome(não indicam o sexo —gender-neutral listings)estacionamento privadoauto-socorro rápido
15. Controle dosdesinibidoresleis sobre idade e bebidatrava de igniçãobloqueador de canais deTV (V-chip )
4. Controlar osfacilitadorescartão de crédito com fotocontrole de armasidentificador de chamada
8. Vigilância naturalespaço defensáveliluminação das ruasrádio-taxi
12. Impedir os benefíciosmercadorias com anti-furto de tinta (ink-tags)aparelhos com códigopersonalizadolimpeza das pichações
16. Facilitar a conformi-daderegistro fácil nasbibliotecas banheirospúblicoscestas de lixo
A estratégia de responsabilização leva o Esta-do a tentar delegar sua responsabilidade na repres-
fracassou (CORNISH & CLARKE, 1986, p.4).
As novas criminologias da vida cotidiana tam-bém captam o criminoso de uma nova forma. Onão-adaptado sub-socializado, vítima de carênci-as afetivas e sociais, ou o indivíduo perigoso edeficiente, dão lugar a um consumidor hedonistaracional, isto é, perfeitamente comum, um “ho-mem situacional” inteiramente desprovido deparâmetros morais ou de controle interno, aforauma capacidade limitada para o cálculo racional ea procura do prazer. Trata-se simplesmente deuma versão depurada do indivíduo moderno, cuja“identidade” depende de uma escolha de consu-mo e de imagens de si antes que da formaçãomoral, de escolha de valores ou de autocontrole.
Oportunista, sensível às motivações situacio-nais e relativamente livre de controles internos ouexternos, ele (trata-se normalmente de um homem)pega o que consegue pegar, sem preocupar-se comos outros.
V. A ESTRATÉGIA DE “RESPONSABILIZA-
ÇÃO”
Se essas novas criminologias estão longe detransparecer na política do governo, já se podesentir, no entanto, o seu impacto. Em especial,desenvolveu-se uma nova maneira de governar ocrime — a estratégia de “responsabilização” —,que opera procurando impor e delegar responsabili-dades a grupos ou indivíduos que, antes, volta-vam-se para o Estado na procura de proteção con-tra o crime. Essa estratégia de responsabilizaçãoprocurar envolver o governo central numa açãocontra o crime que não se exerce mais diretamente,pela via dos organismos do Estado (polícia, tribu-nais, prisões, trabalho social etc.), mas indireta-mente, através da ação preventiva de organismose organizações não estatais. Várias organizaçõesde prevenção da criminalidade recentemente cria-das desempenham um papel-chave no desenvol-vimento dessa estratégia, constituindo uma boaparte do que se chama “a manutenção da ordemda comunidade” ou “a manutenção da ordem departicipação”11.
11 Veja-se BAYLEY, 1994. Acerca da manutenção da ordemde cooperação, veja-se HER MAJESTY’S INSPECTORA-TE OF CONSTABULARY, 1995, p. 3.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 11
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
68
A ESTRATÉGIA DE RESPONSABILIZAÇÃO
“Precisamos reduzir as ocasiões do crime [...] A repressão criminal é responsabilidade de todos.Devemos nos devotar todos à tarefa de produzir um ambiente em que o crime não possa prosperar”.
Sir Brian Cubbon, sub-secretário de Estado no Ministério do Interior. Citado em MINISTÉRIO DOINTERIOR, 1986, p. 8.
“É extremamente improvável que o grupo ou a pessoa moral que é privada de sua responsabilidadesaiba imediatamente que seus bens ou negócios constituem para a polícia um acréscimo considerávelde tensões, que ele aceite dessa mesma polícia que ela cumpra, por suas prerrogativas, seu dever derepressão criminal e que ela tome as medidas necessárias. A nosso ver, pode-se atribuir o fracassode numerosos esforços no campo da repressão criminal à ausência de meios de garantir que osmembros da comunidade envolvidos aceitem e se encarreguem efetivamente de suasresponsabilidades” (p. 452). ENGSTAD & EVANS, 1980, p. 6-7. (Os editores e autores trabalhavam, naépoca, na Unidade do Centro de Análise e de Planejamento do Ministério do Interior).
“Por muito tempo a expansão do Estado em cada esfera da vida nacional, social e econômicaserviu para enfraquecer a responsabilidade da pessoa moral. Parte da censura deve recair sobre aspolíticas educativas e sociais que freqüentemente tiveram como conseqüência a redução daresponsabilidade dos pais para com seus filhos e do sentido de responsabilidade dos filhos comrelação às suas próprias ações. O Ministro do Interior, o sr. Douglas Hurd, ressaltou a extremanecessidade de um reforço do sentido da responsabilidade, para reverter essas tendências nocivasdo pós-guerra. É essa abordagem que subjaz à abordagem conservadora daquilo que se reconheceser o aspecto mais crucial do problema — a saber, a necessidade de reinventar atitudes sociaisresponsáveis e engajar plenamente a população em uma campanha para dar fim ao crime” (p. 354).PROGRAMA DE CAMPANHA DO PARTIDO CONSERVADOR.
“O sr. Hurd ressaltou as responsabilidades que pesam sobre os membros da sociedade como umtodo, tanto no plano individual quanto no coletivo. Os planejadores e os gestores imobiliários, osprofessores e os assistentes sociais, os responsáveis pelos transportes comunitários, as grandesempresas locais e os grupos de voluntários em posições estratégicas, todos deveriam integrar essadimensão de prevenção do crime em seu trabalho” (PROGRAMA DA CAMPANHA DO PARTIDOCONSERVADOR, 1989, p. 366).
são criminal para as organizações privadas e paraos indivíduos, incitando-os a agir em direçõessuscetíveis de reduzir os delitos12. Fala-se em“movimentar as comunidades”, em estabeleceruma “cooperação entre organismos” e criar umanova geração de “cidadãos ativos”. A primeira eta-pa é a de “identificar as pessoas e as organizaçõesque têm a capacidade de reduzir de forma eficazas oca-siões criminais, e [...] avaliar [...] se estesestão autorizados a fazê-lo, e se é possível tornarisso obrigatório” (HOUGH, CLARKE &MAYHEW, 1980, p. 16). Em outras palavras, iden-tificar quem está em condições de controlar ver-
dadeiramente o crime, e inventar formas de obrigá-lo a fazê-lo.
A mensagem recorrente é a de que a respon-sabilidade da prevenção e do controle do crimenão recai mais apenas sobre o Estado, mas tam-bém sobre varejistas, sobre os industriais, os ur-banistas, as autoridades escolares, as empresasde transporte, empregadores, pais, etc. Uma talmensagem provoca muita resistência, dada a his-tória das pretensões de monopólio do Estado nes-se setor e a cultura de dependência que dela de-corre inevitavelmente13.
13 Essa dependência para com o Estado — ativamenteencorajada durante boa parte do século XX — criou aquiloque, no terreno econômico da análise do risco,freqüentemente se denomina de “compensação do risco” ou“risco moral”, isto é, a parte certa de estar perfeitamentecoberta pelo seguro desobriga-se de esforços no sentido deprevenir o mal. Desavisadamente, a polícia criou uma reaçãodesse tipo, em sua tentativa de assumir o controle dos riscosdo crime.
12 Essa estratégia de “responsabilização” foi elaborada etornada possível pelo ressurgimento, nos anos 70 e 80, deuma indústria de segurança privada e pela adoção ampla-mente disseminada de precauções rotineiras dos cidadãos edos lares. De fato, o governo procura endurecer e incrementarum leque de controles sociais dirigidos pelo setor privadoque se desenvolveu na sombra do sistema de justiça criminal— em larga medida como resultado dos limites e dos errosdesse sistema.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 12
69
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
Os críticos responderam a esses desdobra-mentos acusando o Estado de “passar adiante aresponsabilidade”, ou então de tentar “lavar asmãos” com relação à criminalidade. Há sem dúvi-da um pouco de verdade nessas alegações, masisto não nos deve cegar para o fato de que, traba-lhando e agrupando forças em torno dessa direção,o Ministério do Interior e os outros Ministérios doEstado atribuem-se um novo papel. Experimen-tam formas de ação à distância, a cessão de pode-res governamentais a organismos “privados”, acoordenação de interesses e o estabelecimento decadeias de ação cooperativa, sempre coisas maisdifíceis do que o método tradicional, que consisteem dar ordens aos funcionários do Estado14 .
Essas novas formas de repressão criminal im-plicam a reorganização do desdobramento da vidacotidiana no próprio seio do campo social. E ain-da que esses projetos sejam, na maior parte, mo-destos, moderados e limitados em seus objetivos,e que a “teoria” sobre a qual se fundam seja àsvezes de uma extrema banalidade, a estratégia é,em princípio, de grande envergadura e ambicio-sa. Ali onde o Estado já tentou transformar osdelinqüentes individuais, ele procura agora introdu-zir mudanças, por certo periféricas, mas efica-zes, nas normas, rotinas e na consciência de “cadaum”. Como afirma um documento governamen-tal recente, a prevenção do crime deveria tornar-se “parte integrante da prática e da cultura rotinei-
ra e cotidiana de todos os organismos e de todosos indivíduos” (HOME OFFICE, s/d, p.16).
Não se trata apenas de disseminação ou da“privatização” da repressão criminal, ainda queessa estratégia certamente se apóie em controlessociais de origem privada e, além disso, estimuleo mercado em expansão da segurança privada.Trata-se antes de uma nova forma de administrarà distância, uma nova forma de governar o crime,com suas formas próprias de saber, seus objetivospróprios, suas técnicas próprias e seus aparelhospróprios. Boa parte do que é apresentado hoje noReino Unido como criminologia não é mais do quea descrição anedótica de problemas concretospostos pela aplicação dessas estratégias15.
Essa estratégia deixa a máquina centralizadado Estado mais poderosa do que nunca, ao mes-mo tempo em que solapa a noção de Estado deBem-Estar Social, limita as atribuições dos servi-ços públicos, diminui os direitos sociais da cida-dania e incrementa a influência do mercado sobreos aspectos fundamentais da saúde e do bem-es-tar da população. A relação política entre o cida-dão e o governo é cada vez mais substituída porum contrato comercial entre comprador e forne-cedor. Nesse quadro, a linguagem do Direito, dosdireitos e da igualdade tem pouco alcance. Nocampo da repressão criminal, como nas políticasde “reforma da assistência social” dos anos 90, aresponsabilização dos indivíduos teve por efeito
15 Essa criminologia aplicada — descrita, às vezes, comouma “criminologia administrativa” — pertence àquilo quechamo de projeto “governamental”, que sempre pertenceu à“razão de ser” da criminologia. Para uma discussão a esserespeito e sobre o projeto lombrosiano na criminologia, veja-se GARLAND, 1994.
“A lei e a ordem não podem ser relegadas à polícia, aos tribunais e ao governo: cada um tem odever de ajudar na prevenção do crime. A prevenção do crime pode assumir formas diferentes, doensino às crianças da diferença entre o bem e o mal à participação nas guardas de quarteirão. Istomelhora a vida da comunidade, diminui o medo do crime e reduz o fardo da polícia. Um terço dosroubos de domicílio, por exemplo, são conseqüência de uma porta não trancada ou de uma janelapouco segura. 25% de todos os delitos relacionados a carros dão-se porque o proprietário não trancoua porta do carro. Uma grande responsabilidade pesa sobre cada membro da sociedade” (PROGRAMADA CAMPANHA DO PARTIDO CONSERVADOR, 1991, p. 463).
“As pessoas têm o dever de certificar-se de que estão efetivamente tomando todas as medidas deprevenção da criminalidade para aliviar o fardo da polícia e para melhorar a qualidade de vida dacomunidade” (PROGRAMA DA CAMPANHA DO PARTIDO CONSERVADOR, 1991, p. 479).
“O fato de passar por cima dos princípios só amplia a extensão dos problemas” (HER MAJESTYʼSINSPECTORATE OF CONSTABULARY, 1995, p. 173).
14 Acerca de “agir à distância”, veja-se LATOUR, 1987.Essas formas de exercer a regra e seus análogos em outroscampos da política social e econômica foram analisados comouma forma de “governamentalidade”. Veja-se BURCHELL,GORDON & MILLER, 1991; e BARRY, OSBORNE &ROSE, 1996.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 13
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
70
reduzir a dependência para com o Estado, mas elaaumenta, simultaneamente, a dependência paracom o mercado e o capital privado. O investi-mento na criminalidade e os dispositivos de segu-rança são, portanto, cada vez mais impostos an-tes pelas forças econômicas do que pela políticapública.
VI. DEFINIR O VIÉS DE BAIXA
A terceira adaptação consiste em definir o viésde baixa16, método que assume diversas formas:em primeiro lugar, o recurso amplamente dissemi-nado à advertência policial que, hoje, é freqüen-temente uma resposta normal à delinqüência demenores e dos jovens, mas representa tambémuma alternativa às persecuções judiciais (por exem-plo, na Escócia, o procurador já não recorre apersecuções senão em 50% dos casos que sãoobjeto de um relatório policial) (YOUNG, 1996);também a instituição de penas fixas e de brevesaudiências para delitos que eram perseguidos an-tigamente em níveis mais sérios; ou ainda o usode multas para crimes que teriam antigamente re-cebido penas de encarceramento e a descrimi-na-ção de condutas que foram, em outros tempos,regularmente perseguidas; finalmente, a nova po-lítica policial que decide que a polícia não tem maistempo para perder com investigações fadadas aofracasso.
Definindo o viés de baixa, tende-se a margina-lizar a criminologia crítica em proveito do Minis-tério das Finanças e da Comissão de Verificaçãodas Contas e das iniciativas de gestão financeirado governo — cuja preocupação é a de encontrarmeios para reduzir as despesas públicas e melho-rar o desempenho do governo. Assim, em um re-latório recente, a Comissão de Verificação de Con-tas advertiu o Executivo no sentido de evitar “am-pliar a malha”, segundo a expressão de Cohen —não porque isso traz mais pessoas para o sistemae aumenta a rede de repressão penal, mas porquetais práticas são pouco vantajosas do ponto devista financeiro (THE AUDIT COMMISSION,1989).
A despeito dessa tendência em definir o viésde baixa, os números que circularam nos círcu-los do aparelho de Estado aumentaram sensivel-
mente ao longo dos últimos vinte anos. Isto sedeve sobretudo ao nível crescente da criminalidadee ao fato de que a tendência sinalizando a baixa foicompensada por uma tendência oposta que defi-niu o viés “de alta”, mais especialmente no quediz respeito aos delitos de natureza sexual, os atosde violência ou os casos de drogas.
O último exemplo de adaptação reside na“redefinição do sucesso e do fracasso”. Os orga-nismos de justiça criminal reagiram às críticas jo-gando suas previsões para baixo, redefinindo seusobjetivos e procurando mudar os critérios a partirdos quais são julgados. A polícia, por exemplo,continua a proclamar seu sucesso no combate aocrime grave e na detenção de criminosos impor-tantes; ela exibe agora, no entanto, intenções maismodestas com relação ao controle da totalidadeque inclui o crime “normal”17. As autoridadescarcerárias insistem cada vez mais na sua capaci-dade de ministrar castigos e proteger o públicopelo simples fato de trancafiar os delinqüentes naprisão. Não se dão mais ao trabalho de se empe-nhar na reabilitação ou, se mantêm essa esperan-ça — como é freqüente no caso dos departamen-tos da prisão escocesa —, cuidam em não fazerdisso um indicador de desempenho18.
Simultaneamente, o discurso desses organis-mos desloca cada vez mais a responsabilidade dosresultados para os “clientes” com os quais lidam.Por exemplo, diz-se do preso — ou do “cliente”,como são agora chamados nas prisões escocesas— que ele pode dispor de toda ocasião de corri-gir-se que a prisão possa oferecer. Do mesmomodo, a polícia ressalta o fato de que cabe agir
17 Devem ser notadas as reações recentes contra essa posi-ção, surgidas nos departamentos de polícia de Nova Iorque.As reformas de que tanto se falou e que foram apresentadaspelo comissário William Bratton regrediram, como o indi-cam novos slogans policiais como “tolerância zero” e “Nãosomos multadores, somos a polícia!”. Veja-se BRATTON,1998 e KELLING & COLES, 1996. Caberia realmente de-terminar até que ponto uma polícia financiada pelos impos-tos e politicamente influenciável pode se mostrar “derrotista”face ao crime hediondo e à desordem.
18 Os programas terapêuticos e de reinserção foram manti-dos nas prisões britânicas ao longo dos anos 80 e 90; noentanto, eles são agora vistos como “serviços especializados”antes que como a ponta de lança de uma política geral dereabilitação, e essas características atípicas do regime já nãosustentam a ideologia geral do sistema.
16 Essa frase foi emprestada e adaptada de MOYNIHAN,1992.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 14
71
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
com cautela, e que é responsabilidade da vítimaproteger sua propriedade evitando situações peri-gosas.
Cada vez mais, essas organizações almejam seravaliadas a partir de objetivos internos, organiza-cionais, por elas controlados, antes que em fun-ção de objetivos externos ou sociais, como a re-dução das taxas de criminalidade ou a correção depresos, sempre coisas que implicam demasiadascontingências e um excesso de incerteza. Chega-se a apresentar os objetivos que eram, de início, a“razão de ser” da organização como inatingíveis.Os novos indicadores de desempenho medem as“saídas” antes que as “entradas”, o que a organi-zação “faz” antes que, na falta de melhor opção, oque ela “consegue”. Desse modo, os novosobjetivos da direção, em termos de racionaliza-ção, de rentabilidade e de relações com os clientesvão, pouco a pouco, substituindo o objetivo soci-al da redução da criminalidade, que era o objetivoinicial do sistema e de seu poder. Fracassando nosobjetivos que se havia proposto, o sistema, poruma espécie de defesa organizacional burocráti-ca, altera seus antigos objetivos e confere para simesmo novos objetivos, que lhe convêm melhore que ele pode atingir.
VII. A NEGAÇÃO
Essas respostas às crescentes dificuldades decontrole da criminalidade na sociedade contem-porânea caracterizam-se por um certo grau deracionalidade administrativa e de criatividadeorganizacional. Todavia, elas não são mais que umaparte de uma resposta bastante contraditória. Aomesmo tempo em que a “máquina administrativa”do Estado procurou adaptar-se a seus limites eacabar com realidades desconfortáveis, o “braçoarmado político” do Estado freqüentemente enve-redou por uma espécie de “negação” que se mos-tra cada vez mais “histérica” (no sentido clínicodo termo)19.
Uma das respostas à criminalidade consiste empenas severas20, em novos poderes conferidos à
polícia, em um recurso mais amplo ao encarcera-mento. Nesta linha, nos anos 80 e 90, governosfreqüentemente adotaram uma posição punitiva quevisa a reafirmar a aptidão do Estado a “governar”simplesmente pela exibição de seu poder de “pu-nir”. Essa mudança anuncia um novo realismo darepresentação, mas assinala também o modo peloqual a justiça criminal se desligou das ideologiasde solidariedade.
Essas políticas punitivas do tipo “lei e ordem”são, pelo menos em parte, uma manipulação mal-dosa e cínica dos símbolos do poder do Estado edas emoções de medo e de insegurança que con-ferem a esses símbolos o seu poder. Tais símbo-los mostram-se particularmente carregados desentido quando corre um sentimento geral de in-quietação — como é evidentemente o caso nonosso clima econômico e social. Michel Foucaultdescreveu o modo particularmente horrível peloqual o jovem regicida Robert Damiens foi execu-tado em 1757, por ter atacado o rei da Françacom uma faca (FOUCAULT, 1975). A partir daí,Foucault mostra como castigos duros eram em-pregues como demonstração pública de um po-der soberano, visando a reafirmar a força da lei eredourar o mito da soberania do Estado. O Pri-meiro Ministro, John Major, não é Luís XV, mas acada vez em que ele ou um de seus Ministros seaferram a uma postura de firmeza para com oscriminosos, “decidem tornar as prisões mais auste-ras” e “condenar mais e compreender menos”, acada vez em que eles acenam com novos poderespara enviar os delinqüentes em campos de traba-lho penitenciário, nas prisões de choque ou emprisões perpétuas, eles adotam deliberadamenteessa mesma estratégia arcaica. Emprega-se umademonstração de força punitiva contra o indiví-duo condenado para recalcar toda confissão daincapacidade do Estado de controlar o crime. A
19 Quero dizer, com isso, que o governo parece frearativamente a difusão de informações que ele sabe verdadei-ras e agir a partir daquilo que ele gostaria que fosse verdadei-ro, atitude que Freud identifica em seus paciente neuróticose que atualmente constitui um dos riscos da função de Mi-nistro do Interior no Reino Unido.
20 Temos todas as razões para crer que uma política de
encarceramento em massa, concebida para tornar delinqüentesinócuos em um número muito expressivo por períodos tam-bém expressivos, lograria reduzir as taxas de criminalidade,como talvez já venha ocorrendo nos Estados Unidos. Veja-se, a este respeito, MASSING, 1996; ZIMRING &HAWKINS, 1995. Os custos sociais e financeiros envolvi-dos na redução do crime por esses meios tornam poucoprovável o aparecimento de uma opção política séria noReino Unido de hoje. É, no entanto, perfeitamente possívelescorregar para um esquema de encarceramento em massasem que isto seja um objetivo político planejado.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 15
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
72
REAFIRMAR O PODER DE PUNIR“Iremos intensificar o combate contra o crime. Golpeá-lo cada vez mais forte”.
John Major, Primeiro-Ministro (Intervenção na conferência do Partido Conservador. Blackpool, 13 de outubro de1995).
“O governo declarou guerra ao crime e já ganhou batalhas importantes” (MINISTÉRIO ESCOCÊS, 1996).
“No coração desse Relatório, encontramos os detalhes das novas propostas de condenações radicais dogoverno. Elas só têm um objetivo: proteger a população dos criminosos perigosos e reincidentes” (Apresentação deMichael Howard, Ministro do Interior).
“Rejeitamos vigorosamente a concepção segundo a qual nada pode ser feito para deter a escalada do crime e asensação de impotência da sociedade. O governo crê que um sistema de justiça criminal forte e eficaz e que gozeda confiança das pessoas que respeitam as leis pode realmente fazer a diferença” (MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1996,p.2).
“O governo crê firmemente que a prisão funciona. Em primeiro lugar, pondo os delinqüentes fora de circulação,ela os impede de cometer novos delitos. Além disso, a prisão protege a população dos criminosos perigosos.Finalmente, a prisão — e a ameaça do encarceramento — funcionam como elemento de dissuasão para criminosospotenciais” (idem, p.4).
“Com excessiva freqüência, no passado, os que mostraram alguma propensão a cometer delitos violentos ou deordem sexual cumpriram sua pena e bastou serem soltos para reincidir. O governo está decidido a fazer com que apopulação seja objeto de uma proteção particular contra os delinqüentes reincidentes violentos ou sexuais. Istosignifica que se pede aos tribunais impor uma condenação imediata indeterminada e apenas soltar o delinqüente se,e apenas se houver a certeza de que isto não apresenta nenhum perigo” (idem, p. 48).
“Apresentações obrigatórias já no caso de arrombamentos terão um poderoso efeito dissuasivo. Aqueles quepersistirem inconsideradamente serão postos fora de circulação durante um certo tempo, preservando assim apopulação de suas más ações. É um direito da população não esperar nada menos que isto” (idem, p.53).
“O mais vasto programa de construção de prisões desde o período vitoriano está agora em obras. Quando oprograma estiver concluído, em 1995, ele oferecerá 24 000 novas vagas de prisão, com um custo de mais de umbilhão de libras esterlinas. 28 novas prisões vão oferecer 15 000 vagas suplementares. A extensão de estabeleci-mentos já existentes contribuirão com outras 9 000 [...] O governo crê que empresas privadas podem contribuir nofornecimento de vagas nas prisões mais rápida e economicamente do que os serviços governamentais do setor”(PROGRAMA DE CAMPANHA DO PARTIDO CONSERVADOR, 1989, p. 364).
“As prisões deveriam ser lugares austeros [...]” (MANIFESTO DO PARTIDO CONSEVADOR ESCOCÊS, 1992, p.26).
“Há uma onda crescente de inquietação diante da criminalidade nesse país. Não tenho a intenção de ignorá-la, delivrar-me dela, ou de adorná-la de palavras. Passo à ação. Uma ação encarniçada”.
M. Howard, Ministério do Interior, Discurso na conferência do Partido Conservador. Blackpool, 6 de outubro de1993.
“A iniciativa ʻVolta ao essencialʼ do Primeiro Ministro repõe no coração das políticas governamentais os valorestradicionais, o bom senso e a preocupação com o cidadão. O governo está decidido a desafiar as teorias liberais quetanto mal fizeram à sociedade. Seu objetivo é o de certificar-se que o equilíbrio do sistema de justiça criminal nãopenda mais excessivamente para o lado do criminoso. Os interesses da vítima e da população que respeita a leidevem vir em primeiro lugar” (DEPARTAMENTO DE PESQUISA DO PARTIDO CONSERVADOR, 1994, p. 2).
“Há uma minoria de jovens criminosos durões sobre os quais as penas existentes são inócuas [...] É evidente quea população precisa e merece ser protegida desses jovens criminosos [...] O projeto de lei confere aos tribunais opoder de estabelecer uma nova forma de encarceramento para delinqüentes reincidentes que têm entre doze equatorze anos e nos quais outras formas de condenação não surtiram efeito” (DEPARTAMENTO DE PESQUISA DOPARTIDO CONSERVADOR, 1994, p. 4).
“A prisão realmente funciona. Ela funciona na medida em que protege a população dos criminosos. E ela funcionaao dissuadir os criminosos potenciais de cometer crimes, ao acenar claramente com a ameaça de possíveis castigosseveros” (DEPARTAMENTO DE PESQUISA DO PARTIDO CONSERVADOR, 1994, p. 14).
“Com nossa nova lei de justiça criminal, o criminoso violento, o estuprador, o ladrão à mão armada e o delinqüentevão passar mais tempo na cadeia. Ampliamos a pena por tentativa de estupro para prisão perpétua. Votamos penasimediatas de prisão perpétua em caso de assassinato. Os conservadores enfrentam os criminosos, não fazemacertos com eles”.
K. Baker, Ministro do Interior (Discurso na conferência do Partido Conservador. Blackpool, 6 de outubro de 1991).
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 16
73
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
pressa em condenar a penas pesadas alguns indi-víduos esconde, na verdade, o fracasso da buscada segurança do conjunto da população.
Essa punitividade tem raízes complexas. Tem,hoje em dia, um aspecto profundamente arraiga-do na cultura britânica. Tentativas deliberadas dogoverno no sentido de modificar essa cultura —por exemplo, a tentativa de promover penas deinteresse social no fim dos anos 80 (veja-se MI-NISTÉRIO DO INTERIOR, 1988; MINISTÉRIODO INTERIOR, 1990; REES & HALL
WILLIAMS, 1991) — defrontaram-se com o re-crudescimento da demanda de penas duras deencarceramento: o público e os jornalistas da im-prensa popular pressionaram então o governo, naocasião das fugas de presos do IRA ou no casode delinqüentes violentos tais como Willie Horton,nos Estados Unidos, que são libertados condicio-nalmente, e depois reincidem no crime, ou aindaquando jovens delinqüentes parecem gozar de umacerta imunidade etc.
“Todos os criminosos provocam a cólera de seus concidadãos. Mas dois grupos (os jovens delinqüentesreincidentes e os vândalos) nos enraivecem a todos nós e nos põem em xeque”.
“Quero proteger a pessoa vulnerável e ajudar a vítima, e quero punir o grande criminoso, duramente”.
K. Baker, Ministro do Interior (Discurso na conferência do Partido Conservador. Blackpool, 6 de outubro de 1991).
“Velhos valores. Nova tecnologia. É desse modo que tenho a intenção de instalar o medo no coração doscriminosos e de trazer amparo para a vítima”.
“Fui asperamente criticado pela brigada politicamente correta que não crê no castigo. Muito se falou das razõesdo crime. Devemos fazer todo o possível para encontrá-las e tratá-las. Mas se vocês falarem com as vítimas, elasvos fornecerão em uma palavra a razão do crime: os criminosos. Quero que os criminosos sejam verdadeiramentepunidos”.
M. Howard, Secretário de Estado, 31 de março de 1995.
“Que mais pessoas acabem na prisão não me detém”.
“Não julgaremos mais o sucesso de nosso sistema judiciário pela queda da população carcerária”.
“Nossos opositores dizem que um excesso de pessoas é encarcerado. Concordo. Há um excesso de pessoasencarceradas em suas casas, amedrontadas frente à idéia de sair, de medo de serem atacadas ou de terem suascasas roubadas. São estas as pessoas que eu quero libertar”.
“Sejamos claros. A prisão funciona. Ela nos dá a segurança de estarmos protegidos dos assassinos, dosagressores e dos estupradores, e isto faz pensar duas vezes aquele que é atraído pelo crime”.
“Quero ter a certeza de que são os criminosos que têm medo, e não aqueles que respeitam a lei”.
M. Howard, Ministro do Interior, Discurso na conferência do Partido Conservador. Blackpool, 6 de outubro de1993.
CRIMINOLOGIA E “ORIENTALISMO”
Durante a maior parte de sua história, a criminologia foi um saber destinado ao poder — umassunto valorizado antes por sua utilidade do que por sua exatidão científica. É um saber que cresceuna sombra de práticas administrativas — na cela da cadeia e na investigação psiquiátrica prévia àcondenação —, onde o que está em jogo não é a compreensão dos seres humanos envolvidos, mastrata-se de conhecê-los para controlá-los.
Sob este aspecto, a criminologia tradicional pode ser comparada à literatura do “orientalismo” queEdward Said descreveu tão bem no livro de mesmo título. (E se essa comparação parece excessiva-mente exótica, lembremos que de início se caracterizava a criminologia como uma “antropologiacriminal” e se acreditava que os criminosos eram uma raça à parte). O orientalismo enquanto temasurge em meados do século XIX — aproximadamente ao mesmo tempo em que a criminologia —porque as relações geopolíticas entre Este e Oeste o tornavam útil (para nós, potências coloniais) paraa formação de um saber sistemático e prático acerca “deles” (isto é, os “orientais” de todo tipo, como
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 17
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
74
O atrativo fundamental da resposta punitivaconsiste em que ela pode ser apresentada comouma intervenção autoritária para tratar de um pro-blema grave, gerador de angústia. Uma tal açãodá a ilusão de que “se está fazendo algo”, aqui eagora, de forma rápida e eficiente. Nenhuma ne-cessidade de cooperação, de negociação ou mes-mo de saber se isto funciona ou não. O castigo éum ato de demonstração do poder soberano, umaação eficaz que ilustra o que é realmente o poderabsoluto. De mais a mais, trata-se de um ato so-berano que visa a suscitar um largo apoio populara um preço relativamente baixo e, normalmente,com pouca oposição política genuína. Essa res-posta punitiva também não é um gesto anódino.Ela é, por exemplo, o raciocínio que está na baseda pena de morte. Aliás, os governos britânicosmantêm a pena de morte bem viva no discursopolítico ao autorizarem periodicamente votaçõesparlamentares acerca da questão de sua restaura-ção.
Além disso, ela tem um efeito direto e imedia-to sobre as taxas de encarceramento. Em socie-dades como as do Reino Unido e dos EstadosUnidos, onde há divisões sociais e raciais profun-das, onde as taxas de criminalidade e os níveis deinsegurança são elevados, onde as soluções soci-ais foram politicamente desacreditadas, onde hápoucas perspectivas de reintegração dos antigosdelinqüentes pelo trabalho ou pela família e onde,para finalizar esse quadro deprimente, um setorcomercial em expansão encoraja e favorece o au-mento do encarceramento, essa cultura punitiva
está provocando um encarceramento em massaem uma escala inédita em países democráticos, eraramente encontrada na maior parte dos paísestotalitários (CHRISTIE, 1993).
VIII. UMA CRIMINOLOGIA ESQUIZÓIDE
A retórica que acompanha essas políticas pu-nitivas impõe uma criminologia que parece dife-rente das “criminologias da vida cotidiana” de quefalamos acima. Ao invés de retratar o delinqüentecomo um oportunista racional, pouco diferentede sua vítima, a criminologia caracterizada pelaabordagem “punitiva” é bem mais lombrosiana,bem mais “orientalista” (ver quadro): o delinqüenteé “o outro, esse estrangeiro”, alguém que perten-ce a um grupo social e racial distinto, cujas atitu-des e cultura — e talvez mesmos os genes — nãoguardam mais que uma fraca semelhança com asnossas. É uma criminologia que se nutre das ima-gens, dos arquétipos, das angústias e da sugestãoantes que das análises prudentes e dos resultadosde pesquisa, é um discurso politizado do incons-ciente antes que uma forma racional de saberempírico. Esse discurso, que opera no contextodo debate político público, está submetido a re-gras semânticas muito diferentes da lógica analí-tica da investigação ou da administração.
As políticas punitivas fundam-se na caracte-rização dos delinqüentes como “marginais”, “pre-dadores”, “monstros sexuais”, “maus” ou “mal-vados”, membros de uma “sub-classe”, cada umdeles sendo o “inimigo marcado”, em uma cultu-ra dominante que exalta os valores da família, a
eram chamados). Nos textos acadêmicos dos orientalistas, a diversidade de milhões de seres huma-nos distintos, que viviam na Ásia, na Índia e no que se chamava de “Oriente Médio”, reduz-se a umpequeno número de traços raciais e estereótipos culturais. O “oriental” é retratado como um “outro”problemático, um estrangeiro exótico difícil de classificar e de controlar, mas do qual, no entanto, osexperts ocidentais podem falar com autoridade e compreensão científica. A descrição de sua inferiori-dade, de sua irracionalidade, de sua imaturidade emocional e de sua necessidade de ser governadovem nos confirmar, a nós, ocidentais, em nossa identidade de raça superior cujo domínio sobre asoutras é sancionada pela razão e pelo destino, e não apenas pela força das armas.
Tradicional, a criminologia “lombrosiana” modela-se de forma perfeitamente similar. Ela opera nointerior de uma estrutura de poder dominante que faz das pessoas delinqüentes objetos de adminis-tração problemática, e essa criminologia funda-se numa distinção fundamental, de variada expres-são, entre “eles” e “nós”, o criminoso e o não-criminoso. É essa estrutura de poder, o sistema penal,que torna possível e necessário dispor de um saber desse tipo. E, como o orientalismo, a criminologiatende ao estereótipo, à redução, à objetivação e à redução ao silêncio dos seres humanos que caemsob seu olhar.
Ali onde as “novas criminologias da vida cotidiana” normalizam o desviante, consideram odelinqüente como sendo essencialmente um de nós, o tropo recorrente das antigas criminologias é ode diferenciar, de tornar patológico, de acentuar a alteridade e seus perigos.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 18
75
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
iniciativa individual e os limites da assistência so-cial. Cada caso ilustra o que Mary Douglas cha-ma de “usos políticos do perigo” (DOUGLAS,1992, p. 10). Essas caracterizações sugerem umamaré montante da criminalidade, ameaçando en-golir nosso “modo de vida”, antes que uma ima-gem normalizada do crime como incômodo roti-neiro mas administrável. A iconografia sofre umabrusca mudança de gênero, passando do domés-tico para o demoníaco. Os delinqüentes são retra-tados como seres ameaçadores e violentos pelosquais não podemos ter simpatia e para os quaisnão há ajuda concebível. A única resposta práticaé colocá-los “fora de jogo” para a proteção dopúblico, o que, no Reino Unido, significa fazê-lossofrer pesadíssimas penas de prisão e, nos Esta-dos Unidos, a condenação à morte.
A criminologia oficial mostra-se, assim, cadavez mais dualista, polarizada e ambivalente. Há uma“criminologia do eu” que faz do criminoso umconsumidor racional, à nossa imagem e semelhan-ça, e uma “criminologia do outro”, do pária ame-açador, do estrangeiro inquietante, do excluído edo rancoroso. A primeira é invocada para banali-zar o crime, moderar os medos despropositadose promover a ação preventiva, ao passo que a se-gunda tende a satanizar o criminoso, a provocaros medos e as hostilidades populares e a sustentarque o Estado deve punir ainda mais.
Seria lógico que as autoridades adotassem umaperspectiva diferenciada e multicausal da condutacriminal, e que estabelecessem uma abordagemdiferenciada da sanção. De fato, essa “bifurca-ção” do raciocínio foi proposta para justificar asreformas, nos anos 80, instaurando “penas de in-teresse social”. Tais reformas endereçavam-seao público de uma forma extremamente sofistica-da, fundada numa análise diferenciada do proble-ma da criminalidade e da resposta penal adequa-da. Mas essa estratégia de reforma foi invertida,alguns meses após ter sido iniciada, em proveitode uma penologia ao mesmo tempo mais primiti-va e mais punitiva que solapou em larga medida aabordagem racionalmente diferenciada da gestãodo risco e dos recursos da criminalidade que aca-bava de ser adotada. O que vimos nos últimosanos não foi senão conflito e pensamento duplo— um criminologia esquizóide —, um raciocíniodiferenciado sem mediações.
IX. O PARADOXO DAS REFORMAS LIBERAISDOS ANOS 80
Esse pensamento duplo — e a situação so-cialmente estruturada que lhe subjaz — ajuda acompreender alguns traços da situação atual. Ex-plica o desenvolvimento, no Reino Unido, de umapolítica penal volátil e contraditória. Iniciativaspolíticas cuidadosamente planificadas, notadamen-te a lei de justiça criminal de 1991 (que introduziua proporcionalidade da multa à renda, que impôsos princípios de condenação em função do méritoe que estimulou as penas de interesse social antesque as de encarceramento), e o programa de refor-ma da prisão que seguia o relatório Woolf (quepropunha reduzir as penas de encarceramento emelhorar o regime dos presos), foram brusca-mente reduzidas a proporções mais modestas porsúbitas mudanças de humor político21 . Esforçoscombinados de reduzir os custos da repressãocriminal ou de reduzir as taxas de encarceramentoforam subitamente abandonados em proveito dedecisões punitivas que fizeram o processo regredirna sua totalidade. Num quadro conflituoso eambivalente, dados contingentes como escânda-los produzidos pela mídia, a nomeação de um novoMinistro ou a procura de uma vantagem política acurto prazo podem ter enormes efeitos.
Essa situação complexa pode ajudar a explicaro estranho paradoxo, de que as reformas liberaisdo fim dos anos 80, que reduziram radicalmenteas taxas de encarceramento e introduziram medi-das progressivas como a “unidade de multa” (unitfines), foram produzidas pela administração dedireita, politicamente segura de si, relativamenteforte, ao passo que as medidas punitivas que des-de então predominaram são a obra de um gover-no mais fraco e menos seguro de si em pratica-mente todos os campos.
As medidas que foram adotadas — ao mesmotempo preventivas e punitivas — fizeram surgirum discurso crítico de acompanhamento que co-meçou a identificar os problemas ocasionadosnesse novo esquema de pensamento e de ação.As razões que se opõem a uma volta à punitividademal precisam ser relembradas, uma vez que elasestão na base da penalogia liberal que dominou amaior parte do século XX. Mas o comentário crí-
21 Para os detalhes sobre essas reviravoltas políticas, veja-seREINER & CROSS, 1991; ASHWORTH & GIBSON,1994, p. 101-109; FAULKNER, 1993; LORD WIND-LESHAM, 1993.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 19
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
76
tico concernente a modos mais recentes de gover-no da criminalidade é importante, uma vez queidentifica perigos que talvez sejam menos eviden-tes (veja-se BLAGG & PEARSON, 1986; BOT-TOMS, s/d; KINSEY, LEA & YOUNG, 1986).
Um dos problemas que foi freqüentemente res-saltado é o de que a “responsabilização” de orga-nismos não estatais e o funcionamento rotineiroda prevenção da criminalidade podem provocarenormes disparidades no financiamento social ena rede de segurança. Uma vez que a “segurança”deixa de ser garantida para todos os cidadãos porum estado soberano, ela se torna um produto cujadistribuição está antes à mercê das forças do mer-cado do que sendo executada em função das ne-cessidades. Os grupos que mais sofrem acriminalidade tendem a ser os membros mais po-bres e menos poderosos da sociedade, que sãodesprovidos quer de recursos para comprar se-gurança, quer de flexibilidade para adaptar suasvidas cotidianas e se organizar de forma eficazcontra o crime. Essa disparidade entre ricos epobres — que coincide com a divisão entre asclasses detentoras da propriedade e os grupossociais que são considerados como uma ameaçapara a propriedade — tende a nos arrastar parauma sociedade fortificada, caracterizada pela se-gregação e o abandono de todo ideal cívico (veja-se BAUMANN, 1987; DAVIS, 1994; BOTTOMS& WILES, 1994).
Também se disse que as novas políticas deprevenção da criminalidade foram seriamente so-lapadas pelas políticas sociais e econômicas dasduas últimas décadas, assim como pelas trans-formações estruturais do mercado de trabalho eda estratificação social (veja-se SIMON, 1993;HALL & JACQUES, s/d). “Fazer agir” as comu-nidades, as famílias e os indivíduos torna-se mui-to menos plausível se estes foram enfraquecidose socialmente excluídos. Tanto mais que os hábi-tos de pensamento, estabelecidos de longa data ealimentados pelos organismos de Estado numa faseprecedente, monopolizante, preconizaram a admi-nistração dos problemas de desordem e de desvioúnica e exclusivamente pelos especialistas e as“autoridades competentes”.
Uma avaliação realista provavelmente haveriade reconhecer que as perspectivas da estratégiade responsabilização são, no presente momento,de fato muito medíocres. O Estado, na verdade,não opera bem à distância e não é nem mesmo
muito eficaz em conseguir que sua política sejaaplicada pelos seus próprios organismos. A des-peito de seus protestos, os governos dos anos 80e 90 não conseguiram decidir-se firmemente adelegar o poder ou a criar o tipo de democraciaassociativa que poderia ter tornado essas políti-cas realizáveis (HIRST, 1994; DURKHEIM,1974). Ao invés disso, tenderam a combinar osmovimentos de responsabilização com medidasconcebidas para reforçar o poder central, dirigin-do as ações dos outros de forma mais ou menoscoercitiva.
As perspectivas dessa estratégia tendem a pi-orar, na medida em que a criminalidade não é umaprioridade para a maior parte dos organismos nãogovernamentais capazes de fazer alguma coisanesse campo. Em conseqüência, essas organiza-ções tendem a optar por seguir seus objetivos prin-cipais (rentabilidade, distribuição etc.) sem se pre-ocupar de fato com as conseqüências criminais,pelo menos enquanto a experiência e os custos dacriminalidade não criarem uma interrupção diretae substancial de suas próprias atividades (PEASE,1994). Até agora, o Estado não avançou muito nadireção da redistribuição dos custos do crime emopções que modificassem esses cálculos, mas istotalvez mude consideravelmente, no futuro. De fato,nesse momento, a despeito dos discursos, a crimi-nalidade nada tem de prioritário, nem mesmo parao governo central, que continua a seguir políticasreconhecidamente criminógenas e fracassa em darsustentação às iniciativas de prevenção do crimeno grau em que seria necessário para torná-lasrealmente eficazes (SWENSON, 1986). Finalmen-te, o Estado está mais inclinado a recuar para es-tratégias punitivas (mais fáceis de serem enuncia-das) do que a sacrificar os objetivos econômicosou sociais em proveito da repressão criminal.
X. A ATUALIDADE DE ÉMILE DURKHEIM
Pode-se dizer, para concluir, que a Grã-Bre-tanha desenvolve uma criminologia oficial que con-vém à sua sociedade profundamente dividida e in-crivelmente angustiada. É a política de uma socie-dade bloqueada num período de transição. Umasociedade que reconhece o fracasso do antigo re-gime e que se aproxima, não sem alguma hesita-ção, de novos estilos e de novas formas de gover-no, mas que ainda não desenvolveu a vontadepolítica ou o contra-poder necessários para reali-zar as reformas radicais que aqueles exigem.
Todas as tentativas de criar novas instituições
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 20
77
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
e novos modos de governo — quer no campo daprevenção criminal e da “responsabilização”, querem outros campos da reforma constitucional eeconômica — são solapadas pela recusa em aba-lar os pilares do antigo regime e transferir um poderefetivo às outras instituições, pelas políticaseconômicas e sociais que enfraquecem as redesdo controle social e que destróem a capacidadedas famílias e das comunidades de moralizar emotivar os seus membros. Toda tentativa é tam-bém solapada por uma economia de livre merca-do que exclui do trabalho remunerado massas depo-pulação e que nutre ativamente o crime, engen-drando desejos e expectativas de consumidor in-saciável ao lado de novos níveis de pobreza dacriança, de disfunção da família e de desigualdadesocial.
A análise de Durkheim, que já comemora umséculo, revela-se mais pertinente ainda em nossosdias (DURKHEIM, 1997a). Ele sustentava que osdispositivos de estilo punitivo eram um fenômenoautoritário e primitivo. Em compensação, ressal-ta-va nas sociedades modernas a importância daprevenção e da reparação para o controle do cri-me. Ele também previra que se tornaria cada vezmais impossível, para um Estado soberano cen-tralizado, governar sociedades complexas epluralistas com algum grau de autoridade ou desensibilidade moral.
Um simples código moral não poderia ser im-posto de cima, senão ao preço de uma repressãoe de um descontentamento maciços. Daí resul-tariam altos níveis de desvio (medido pelas taxasde crime e de suicídio, e Durkheim acrescentaria
hoje: o consumo de drogas), níveis baixos de de-tenções e um sentido amplamente disseminado deanomia moral. Como vemos agora, suas predi-ções revelaram-se por demais proféticas. A solu-ção de Durkheim era delegar mais poder às asso-ciações e às organizações da sociedade civil, apoiarseus esforços de autonomia de forma ao mesmotempo moralmente significativa e eficaz do pontode vista do comportamento, e desenvolver umEstado residual cujo trabalho consistisse em ga-rantir os direitos e as liberdades individuais, assimcomo os níveis de igualdade, o investimento e ofundo social necessários para transformar issonuma realidade. Acima de tudo, ele procurava in-troduzir cooperação e coerção moral na vidaeconômica, um objetivo que parece absurdo paraos pensadores do livre mercado, até o momentoem que eles começam a se perguntar pelas razõesque fazem com que países como a Suécia, a Ale-manha e o Japão ultrapassem em muito o ReinoUnido na maior parte dos indicadores econômicose sociais, inclusive o indicador da taxa de crimi-nalidade. A solução de Durkheim olhava para alémdo Estado centralizado. Ele procurava estabelecerformas de solidariedade e meios de governar quese adequassem às características da sociedademoderna e pluralista, garantindo que as pessoaslivres fossem ao mesmo tempo moralmente con-tidas e socialmente vinculadas. A tragédia de hojeé que os nossos governos começam finalmente asentir a necessidade desse tipo de organizaçãosocial, mas permanecem engajados numa políticae numa economia que a tornam impossível.
Recebido para publicação em abril de 1999.
David Garland ([email protected]) é Ph.D. pela Universidade de Edimburgo, Escócia.Atualmente é Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York e também Professor deSociologia da Faculdade de Artes e Ciências da mesma Universidade. É autor de Punishment andModern Society: A Study in Social Theory (Chicago : University of Chicago Press, 1994) e de Punishmentand Welfare: The History of Penal Strategy (Ashgate Publishing Company, 1985).
ASHWORTH, A. & GIBSON, B. 1994. Alteringthe Sentencing Frame Work. Criminal Law Re-view, p. 101-109, feb.
BARRY, A., OSBORNE, T. & ROSE, N. (eds.)1996. The Foucault Effect : Studies and Po-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
litical Reason. Chicago : Chicago UniversityPress.
BAUMANN, Z. 1987. Legislators and Interpreters.Oxford : Polity Press.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 21
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
78
BAYLEY, D. H. 1994. Police for the Future :Studies in Crime and Public Policy. Oxford :OUP.
BENTHAM, J. s/d. O raciocínio do castigo. Lon-don : Heward.
BLAGG, H. & PEARSON, G. et al. 1986. Inte-ragency Co-Operation: Rhetoric and Reality.In : HOPE, T. & SHAW, M. (eds.). Commu-nities and Crime Prevention. London : HerMajesty’s Stationery Office.
BOTTOMS, A. E. s/d. Crime Prevention Facingthe 1990’s. Policing and Society, vol. 1, n. 1,p. 3-32.
BOTTOMS, A. E. & WILES, P. 1994. Crime andInsecurity in the City. Artigo apresentado nocurso de Criminologia Internacional da Socie-dade Internacional, Lovain, Bélgica, maio de1994.
BURCHELL, G., GORDON, C. & MILLER, P.(eds.) 1991. Foucault and Political Reason.Hemel Hampstead : Harvester Wheatsheaf.
CHRISTIE, N. 1993. Crime Control as Industry.London : Routledge.
CLARKE, R. V. (ed.). 1997. Situational CrimePrevention : Successful Case Studies. 2a ed.New York : Harrow & Heston.
CLARKE, R. & CORNISH, D. (eds.). 1986. TheReasoning Criminal. New York : Springer-Verlag.
CLARKE, R. & MAYHEW, P. (eds.) 1980.Designing Out Crime. London : HMSO.
COMISSÃO DE INQUÉRITO. 1993. HelpingWith Enquiries : Tackling Crime Effectively.London.
COMISSÁRIO DE POLÍCIA DA METRÓ-POLE. 1987. Relatório para o ano de 1986,Cm 158. London : HMSO.
CORNISH, D. & CLARKE, R. 1986. SituationalPrevention, Displacement of Crime and Ratio-nal Choice Theory. In : HEAL, K. & LAY-COCK, G. (eds.). Situational Crime Preven-tion from Theory to Practice. London : HMSO.
DAVIS, M. 1990. City of Quartz. London :Vintage.
DEPARTAMENTO DE PESQUISA DO PARTI-DO CONSERVADOR. 1994. The Criminal
Justice and Public Order Bill. Key Points.
DOUGLAS, M. 1992. Risk and Blame. London :Routledge.
DURKHEIM, E. 1974. L’éducation morale. Pa-ris : PUF.
_______. 1997a. Leçons de sociologie. Paris : PUF.
_______. 1997b. Les règles de la méthodesociologique. Paris : PUF.
ENGSTAD, R. & EVANS, J. L. 1980. Respon-sability, Competence and Effectiveness in Cri-me Control. In : CLARKE, R. & HOUGH, M.(eds.). The Effectiveness of Policing.Aldershot : Gower.
FAULKNER, D. 1993. Guardian, november, 11.
FELSON, M. 1994. Crime and Everiday Life.London : Pine Forge Press.
FOUCAULT, M. 1975. Surveiller et punir. Paris: Gallimard; tradução inglesa : London : AllenLane, 1977.
GARLAND, D. 1994. Sobre o crime e os crimi-nosos: o desenvolvimento da criminologia naGrã-Bretanha. In : MAGUIRE, M. et al. (eds.)The Oxford Handbook of Criminology. Oxford: Oxford University Press.
_______. 1995. Modernisme et postmodernismepénal. In : BLOMBERG, T. & COHEN, S.(eds.). Punishment and Social Control. NewYork : Aldine de Gruyter.
_______. 1996a. The Limits of the Sovereign State: Strategies of Crime Control in ContemporarySociety. The British Journal of Criminology,vol. 36, n. 4.
_______. 1996b. Social Control. In : KUPER, A.& KUPER, J. (eds.). The Social Science Ency-clopedia. London : Routledge.
_______. 1997. The Punitive Society: Penology,Criminology and the History of the Present.The Edinburgh Law Review, Edinburg, vol. 1,n. 2.
HALL, S. & JACQUES, M. (eds.). s/d. New Ti-mes : The Changing Face of Politics in the1990’s. London : Lawrence & Wishart.
HEAL, K. & LAYCOCK, G. (eds.). 1986. Si-tuational Crime Prevention. London : HMSO.
HER MAJESTY’S INSPECTORATE OF CONS-
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 22
79
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 13: 59-80 NOV. 1999
TABULARY. 1995. In : Thematic Inspectionon Community Policing. Edinburg : MinistérioEscocês.
HIRST, P. Q. 1994. Associative Democracy. Ox-ford : Polity Press.
HOME OFFICE. s/d. A Practical Guide to Cri-me Prevention for Local Partnership. London: Home Office.
HOUGH, M., CLARKE, R. & MAYHEW, P.(eds.). 1980. Designing out Crime. London :HMSO.
KINSEY, R., LEA, J. & YOUNG, J. 1986. Losingthe Fight Against Crime. Oxford : Blackwell.
LASH, S. & URRY, J. 1987. The End of theOrganised Capitalism. Cambridge : PolityPress.
LATOUR, B. 1987. Science in Action. MiltonKeynes : Open University Press.
LAYCOCK, G. (ed.). Situational CrimePrevention : From Theory to Practice. London: Routledge.
LORD WINDLESHAM. 1993. Responses to Cri-me. Vol. 2: Penal Policy in the Making. Oxford: OUP.
MASSING, M. 1996. Drugs: the New Myths.New York Review of Books, New York, feb.,1.
MINISTÉRIO ESCOCÊS. 1996. Crime andPunishment. Edinburg : HMSO.
MINISTÉRIO DO INTERIOR. 1959. PenalPractice in a Changing Society. London :HMSO.
_______. 1964. The War Against Crime. London: HMSO.
_______. 1986. Criminal Justice : A WorkingPaper. London : HMSO.
_______. 1988. Punishment, Custody and theCommunity. London : HMSO.
_______. 1990. Crime, Justice and Protecting thePublic. London : HMSO.
_______. 1993. A Practical Guide to CrimePrevention for Local Partnerships. London :HMSO.
_______. 1995. Information on the Criminal
Justice System in England and Wales, Digest3. London : HMSO.
_______. 1996. Protecting the Public : TheGovernment’s Strategy on Crime in Englandand Wales. London : HMSO.
MOYNIHAN, D. P. 1992. Definir o viés de bai-xa. In : The American Scholar. Fall 1992.
NIETZSCHE, F. 1956. The Genealogy of Morals.New York : Anchor.
PARTIDO CONSERVADOR. 1987. The NextMoves Forward : Conservative Manifesto 1987.London : Conservative Party Central Office.
PATERSON, L. 1994. The Autonomy of ModernScotland. Edimburg : University Press.
PEASE, K. 1994. Crime Prevention. In : TheOxford Handbook of Criminology. Oxford :Oxford University Press.
REES, H. & HALL WILLIAMS, E. 1991.Punishment, Custody and the Community :Reflexions on the Green Paper. London : LES.
REINER, R. & CROSS, M. (eds.). 1991. BeyondLaw and Order: Criminal Justice Policy andPolitics in the 1990s. London : McMillan.
SHEARING, C. & STENNING, P. 1984. FromPanopticon to Disneyland: the Development ofDiscipline. In : DOOB, A. & GREENSPAN,E. (eds.). Perspectives in Criminal Law. Auro-ra : Canada Law Books Co.
SIMON, J. 1993. Poor Discipline. Chicago : Chi-cago University Press.
SIMON & FEELEY 1995. True Crime: the NewPenology and Public Discourse on Crime. In :BLOMBERG, T. & COHEN, S. (eds.).Punishment and Social Control. New York :Aldine de Gruyter.
SMITH, D. 1995. Youth Crime and ConductDisorders: Trends, Patterns and Causal Expla-nations. In : RUTTER, M. & SMITH, D. (eds.)Psychosocial Disorders in Young People.London : Wiley.
STEPHEN, J. F. 1993. History of Criminal Lawof England. London : MacMillan.
SWENSON, B. 1986. Welfare and Criminality inSweden. In : HEAL, K. & LAYCOCK, G.(eds.). Situational Crime Prevention. London: HMSO.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 23
AS CONTRADIÇÕES DA “SOCIEDADE PUNITIVA”: O CASO BRITÂNICO
80
Manifesto do Partido Consevador Escocês, 1992.
Programa de campanha do Partido Conservador,1989.
OUTRAS FONTES
Programa de campanha do Partido Conservador,1991.
THE AUDIT COMMISSION. 1989. TheProbation Service: Promoting Value for Money.London.
ZIMRING, F. & HAWKINS, G. 1995. Incapa-
citation. New York : OUP.
YOUNG, P. 1996. Crime and Criminal Justice inScotland. Edinburg : HMSO.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 24
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 143
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações
Criminológicas às Teorias da Pena na Era do Grande Encarceramento1
Sobre las Posibilidades de una Penología Crítica: Provocaciones Criminológicas a las Teorías de la Pena en la Era del Gran Encarcelamiento
On the Possibilities of a Critical Penology: Criminological Provocations of the Punishment Theories in the Age of the Great Incarceration
Salo de CarvalhoProfessor dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação (Mestrado em Direito) do Centro Universitário
La Salle (Professor Permanente) e da Universidade Federal de Santa Maria (Professor Colaborador).
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Penais da UFRGS (2010-2011). Professor Titular
do Departamento de Ciências Criminais e do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado)
da PUCRS (1997-2010). Graduado em Direito pela UNISINOS (1993). Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná
(2000). Pós-Doutor em Criminologia pela Universidad Pompeu Fabra (Barcelona, ES) (2010). Pós-
Doutorando em Criminologia, com bolsa de pesquisa aprovada pelo CNPq, na Universitá di Bologna
(Bologna, ITA) (2013-2014). Presidente do Conselho Penitenciário do Rio Grande do Sul (2001-2002).
E-mail: [email protected]
Resumo
A partir da percepção do vertiginoso aumento do número de pessoas presas nas últimas décadas,
especialmente no Brasil, a pesquisa procura indagar sobre o papel da teoria do direito penal. O
artigo parte do pressuposto de que a violência da prisionalização produz inevitáveis implicações
éticas, sociais e políticas na dogmática penal. Assim, procura indagar as relações entre as teorias
de justificação da pena e o fenômeno (empírico) do encarceramento em massa. As questões que
movem a reflexão são, portanto, a instrumentalidade das teorias da pena na expansão do po-
testas puniendi e as explicações que os modelos justificacionistas ofereceriam ao problema da
hiperpunitividade. A hipótese central do trabalho é a de que as tradicionais teorias da pena, em
razão de sua fundamentação (jurídica) contratual e de sua perspectiva (social) consensualista,
são incapacitadas de oferecer um modelo efetivamente redutor do punitivismo, situação que
somente pode ser superada com a adoção de critérios de interpretações fundados na ideia de
conflito – condições de possibilidade de uma penologia crítica.
Palavras-Chave: Punição; Teorias da pena; Penologia; Criminologia crítica
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 25
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 4 4
Resumen
Desde la percepción del vertiginoso incremento en el número de personas presas en las últimas
décadas, especialmente en Brasil, la investigación busca indagar acerca del papel de la teoría
del derecho penal. El presente artículo parte del supuesto de que la violencia de la prisionaliza-
ción produce inevitables implicaciones éticas, sociales y políticas en la dogmática penal. Así,
busca indagar las relaciones entre las teorías de justificación de la pena y el fenómeno empírico
del encarcelamiento masivo. Las cuestiones que mueven la reflexión son, por lo tanto, la instru-
mentalidad de las teorías de la pena en la expansión de la potestas puniendi y las explicaciones
que los modelos justificacionistas brindarían al problema de la hiperpunitividad. La hipótesis
central del trabajo consiste en que las tradicionales teorías de la pena, sobre la base de su fun-
damentación (jurídica) contractual y su perspectiva (social) consensualista, están incapacitadas
para brindar un modelo efectivamente reductor del punitivismo, situación que sólo podrá supe-
rarse con la adopción de criterios de interpretación fundados en la idea de conflicto – condicio-
nes de posibilidad de una penología crítica.
Palabras clave: Punición; Teorías de la pena; Penología; Criminología crítica
Abstract:
Taking into consideration the perception of a great increase in the number of people imprisoned
in the last decade, the research seeks to question the role of criminal law studies. The article
makes the assumption that the violence of incarceration produces inevitable ethical, social and
political implications in criminal sciences. Thus, it seeks to question the relationship between
the theories of punishment and the (empiric) phenomenon of mass incarceration. Therefore,
the issues that move this reflection are the instrumentality of the theories of punishment in the
expansion of potestas puniendi and the explanations that the justify models could offer to the
problem of hyperpunishment. The core hypothesis of this work is that the traditional theories
of punishment, due to its contractual (legal) basis and its consensual (social) perspectives, are
unable to offer a model that reduces punishment effectively, a situation that can be overcome
with the adoption of interpretation criteria based on the idea of conflict – conditions that makes
possible a critical penology.
Keywords: Punishment; Theories of punishment; Penology; Critical criminology
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 26
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 145
1. Ferrajoli (1998) esclarece que
a pergunta por que castigar? pode ser en-
tendida em dois sentidos diferentes: (a) por
que existe a pena? ou por que se pune? e
(b) por que deve existir a pena? ou por que
se deve punir?
O primeiro problema (por que existe
a pena?) seria de ordem científica e admi-
tiria somente respostas de caráter empírico
formuladas mediante assertivas verificá-
veis e refutáveis (verdadeiras ou falsas). A
segunda questão (por que deve existir a
pena?) revelaria um problema filosófico que
admitiria apenas respostas de caráter ético-
político, formuladas mediante proposições
normativas, nem verdadeiras nem falsas,
mas aceitáveis como justas ou injustas. Fer-
rajoli argumenta, pois, que a primeira inda-
gação estaria sustentada na existência do
fenômeno pena (fato punição) e traduziria
problemas de ordem histórica ou socioló-
gica (criminológica, sobretudo). A segunda
questão revelaria o dever-ser (jurídico) da
pena, isto é, do direito de punir, que reme-
teria às prescrições normativas (Ferrajoli,
1998:314).
Neste quadro, as ciências criminais,
forjadas desde a matriz do positivismo cien-
tífico, fragmentaram o estudo da pena em
dois campos distintos: (a) criminologia: re-
flexão sobre o fenômeno empírico da puni-
ção; (b) direito penal: investigação sobre o
dever jurídico da pena.
A impossibilidade de diálogo entre
os saberes (penal e criminológico) deriva
da máxima conhecida como Lei de Hume,
segundo a qual não é possível alcançar logi-
camente conclusões prescritivas ou morais
a partir de elementos descritivos ou fáticos.
Esta interdição positivista impediria que
fossem derivados valores de fatos objetivos,
determinando que um dever-ser não poderia
resultar de um ser e vice-versa.
A transposição da Lei de Hume às
ciências criminais vedaria, p. ex., que a crí-
tica criminológica, baseada em dados da re-
alidade da punição, invalidasse prescrições
normativas ou justificativas dogmáticas da
pena. Assim, a crítica válida seria apenas
aquela que se estabelece em sua própria
zona de intervenção: crítica dogmática ao
direito penal e crítica criminológica à crimi-
nologia.
Ao investigador caberia eleger um
determinado sistema de compreensão (di-
reito penal ou criminologia) e, a partir dos
princípios e categorias fundacionais daque-
le específico campo, pautar o debate sobre
a adequação dos fundamentos e a validade
das hipóteses.
2. A ruptura com a assepsia positi-
vista em sua inconsequente abstenção do
enfrentamento dos fenômenos da vida –
mormente em um campo de saber marcado
pela radicalidade das violências institucio-
nais – ocorre com a emergência da teoria
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 27
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 4 6
crítica do direito (penal) e, em especial, da
criminologia crítica.
No campo da punição, a criminolo-
gia crítica evidenciou a profunda discrepân-
cia entre os discursos oficiais, elaborados
pelas teorias de justificação (dever-ser), e as
funções efetivamente exercidas pelas agên-
cias de punitividade (experiência fenomêni-
ca). A criminologia crítica operou, portanto,
uma espécie de revogação ou suspensão da
Lei de Hume, permitindo que o saber empí-
rico sobre o funcionamento do sistema pe-
nal servisse como instrumento de descons-
trução, de modificação e de transposição do
saber dogmático. Exatamente nesta linha foi
desenvolvida a perspectiva da criminologia
crítica como crítica do direito penal nos paí-
ses ocidentais de linhagem jurídica romano-
-germânica2, tradição distinta da crimino-
logia desenvolvida nos países da common
law.
Nesta perspectiva crítica, sustentam
Hassemer e Muñoz Conde “a importância
que, para evitar a cegueira frente à realida-
de que muitas vezes tem a regulação jurídi-
ca, o saber normativo, ou seja, o jurídico,
deva ir sempre acompanhado, apoiado e
ilustrado pelo saber empírico, isto é, pelo
conhecimento da realidade (...)” (Hassemer
& Muñoz Conde, 2001:05). No entanto no-
tam os autores que “a relação entre o sa-
ber normativo e o saber empírico, próprio
de cada uma destas formas de abordar a
realidade, não é, sem embargo, idílica, mas
conflituosa e tem, todavia, muitos pontos de
contato, onde às vezes entram em claro en-
frentamento a solução que propõe uma par-
te, a normativa, e a que propõe a outra, a
empírica, não sendo raro que, às vezes, esta
seja uma das causas da disfunção e ineficá-
cia das normas jurídico-penais na solução
de determinados conflitos ou que o próprio
saber empírico careça de influência na re-
gulação jurídica de um determinado proble-
ma” (Hassemer & Muñoz Conde, 2001:06).
Vera Batista, apropriando-se das advertên-
cias de Zaffaroni, sintetiza de forma precisa
o problema ao direcionar à sanção penal: “a
pena não pode ser pensada no ‘dever ser’,
mas sim na realidade letal dos nossos sis-
temas penais concretos” (Batista, 2011:91).
Neste aspecto, o presente trabalho
assume explicitamente aquilo que Ferrajo-
li designa como vício ideológico. A opção
pela criminologia crítica implica em aban-
donar a devoção à Lei de Hume em nome da
preocupação efetiva com a vida das pessoas
que sofrem nas intermitências criadas entre
as grandes narrativas teóricas de justificação
da pena e a experiência real da aflição puni-
tiva. Não por outra razão Zaffaroni postula
um sistema de compreensão do direito penal
construído a partir dos seus dados empíricos
e configurado com a finalidade exclusiva de
limitação do poder punitivo.3
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 28
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 147
O objetivo do trabalho, portanto, é,
o de, a partir da experiência da prisionaliza-
ção das últimas décadas (a consolidação do
grande encarceramento), tensionar a relação
entre as teorias (normativo-filosóficas) de
justificação da pena e o fenômeno (empíri-
co) da punição. Sobretudo porque se parte
do pressuposto da necessidade do reconhe-
cimento da responsabilidade dos sistemas
teóricos sobre a realidade na qual operam.
Assim, as questões que se colocam são jus-
tificadas pela urgência de que a teoria (dog-
mática) do direito penal assuma um mínimo
de responsabilidade ética e social, ou seja,
que não se exima do real, não fique alheia
aos efeitos genocidas que os seus modelos
de legitimação produzem.
Neste confronto entre os discursos
de justificação e as consequências da cri-
minalização (prisionalização), é possível
perceber nitidamente o papel que as teorias
da pena desempenharam na expansão do
potestas puniendi. E a indagação latente,
que percorre o estudo, é a relativa às expli-
cações possíveis que as teorias da pena te-
riam a oferecer em relação ao problema da
hiperpunitividade e do encarceramento em
massa.
3. A proposta de um exercício teóri-
co sobre a pena a partir dos dados empíricos
de prisionalização procura inverter a tradi-
cional pergunta “por que punir?” e questio-
nar como a dogmática justificaria o sistema
punitivo concreto que legitima. Trata-se,
inegavelmente, de uma interpelação: se a
teoria do direito penal, sobretudo nos dois
últimos séculos, esforçou-se para atribuir
um sentido positivo à pena, parece lícito à
criminologia/penologia indagar como este
mesmo corpus teórico justifica as conse-
quências do seu ato de legitimação.
Importante dizer que não se trata
apenas de questionar os modelos teóricos
de justificação e verificar a validade de suas
propostas desde a lente da criminologia, re-
produzindo a clássica divisão de tarefas na
qual a dogmática permanece em uma evi-
dente zona de conforto. Mas, para além dos
papéis consolidados, provocar a doutrina
penal para que justifique ou ao menos expli-
que, a partir dos seus sofisticados recursos
teóricos, qual o impacto (positivo ou nega-
tivo) dos seus discursos de justificação no
fenômeno de hiperencarceramento contem-
porâneo.
O constante aumento do número de
pessoas presas deve, necessariamente, estar
na pauta dos modelos dogmáticos e crimi-
nológicos, mesmo que não tenham como
objetos diretos de investigação as violências
institucionais e as estratégias punitivas de
controle social. Frente à radicalidade desta
experiência de violência institucional, qual-
quer omissão é antiética.
No entanto a ciência ortodoxa do di-
reito penal, enclausurada nos postulados do
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 29
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 4 8
positivismo, exime-se da responsabilidade,
justificando a sua omissão a partir das pres-
crições sintetizadas na Lei de Hume. A dog-
mática penal limita-se, pois, à proposição de
teses normativas de justificação, impedin-
do, em uma espécie de autismo científico,
que a realidade empírica do sistema sobre o
qual opera ingresse no seu campo de visão.
Ocorre que a experiência do encarceramen-
to em massa transforma este silêncio em um
ruído ensurdecedor.
Neste cenário, o problema que este
estudo procura apresentar pode ser sinteti-
zado na seguinte questão: o que as teorias
de justificação da pena (absolutas, relativas
e polifuncionais) têm a dizer sobre o grande
encarceramento?
A indagação procura convocar as
teorias da pena a uma reflexão ética, sus-
citando um juízo crítico sobre a sua pró-
pria funcionalidade (instrumentalidade) e
sobre o seu comprometimento e respon-
sabilidade sociais. Para além do idealismo
justificacionista, é fundamental questionar
(primeira indagação) como o direito penal
enfrenta a concretude da prisionalização,
visto ser o grande encarceramento uma
consequência direta dos discursos funda-
mentadores da pena. A atuação do sistema
punitivo é, pois, inegavelmente, um pro-
blema da ciência do direito penal e, des-
de o ponto de vista da crítica penológica,
os resultados concretos produzidos pelas
agências de punitividade são (também) de
responsabilidade da dogmática. Assim se a
teoria penal cria sofisticados instrumentos
que habilitam a intervenção punitiva, deve
ser interpelada sobre os efeitos que produz,
notadamente se postula como válida sua
pretensão de universalidade.
A segunda indagação diz respeito
às alternativas propostas pelo direito penal
ao fenômeno do encarceramento massivo,
tendo em vista que a estratégia de prisio-
nalização não vem obtendo os resultados
esperados de redução das taxas de crimi-
nalidade; pelo contrário, o sistema se re-
troalimenta e reproduz a violência (delito
– prisão – reforço da identidade crimi-
nosa – delito – prisão). Neste aspecto, é
razoável refletir se a saída para a crise da
pena é seguir apostando no encarceramen-
to, ou seja, mais justificação e mais prisio-
nalização.4
No atual estágio das ciências crimi-
nais, sobretudo após a irreversibilidade da
desconstrução realizada pela criminologia
crítica, parece não ser mais possível um mo-
delo teórico justificar abstratamente a pena
sem se preocupar com o impacto que esta
legitimação produz na realidade do sistema
penal. Do contrário, ao optar pela manu-
tenção do silêncio, a teoria do direito penal
perde completamente a sua capacidade de
(auto)crítica e, narcotizada pela vontade de
pureza, seguirá como uma ciência escrava
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 30
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 149
(Bourdieu)5, uma técnica inocentemente útil
às demandas e às variáveis políticas.
Pavarini é preciso ao referir que no
divórcio entre filosofia e dogmática penal
os fins da pena acabaram não fazendo parte
das preocupações da ciência propriamente
penal (Pavarini & Giamberardino, 2012).
Em consequência, sustenta o autor que a
história dos modelos punitivos não passou
de uma história ideal, escrita pela metade,
em que há uma “(...) certa plausibilidade
argumentativa apenas se pressuposto que o
penalista dogmático tenha sempre sido um
‘útil idiota’, ao menos o suficiente para ter
acreditado, com boa fé, que as finalidades
da pena não fossem apenas retóricas do ar-
bítrio, mas princípios de ‘fundação do di-
reito de punir’” (Pavarini & Giamberardi-
no, 2012:30).
4. Em razão de as indagações acer-
ca dos déficits criminológicos (sociológicos)
que caracterizam as teorias da pena serem
direcionadas aos teóricos do justificacionis-
mo, evidentemente que não cabe à crítica
usurpar o seu direito de resposta. Todavia,
para além das possíveis tentativas de jus-
tificar a Lei de Hume na complexidade do
mundo contemporâneo, resta ainda ao crimi-
nólogo crítico procurar explicações sobre as
blindagens históricas que impediram que a
realidade do sistema punitivo ingressasse no
debate acerca das justificativas da punição.
Uma hipótese que parece ser bastan-
te razoável diz respeito à ausência de um ra-
dical questionamento sobre os fundamentos
da punição na consolidação da Modernida-
de, solo no qual emerge a forma carcerária
de punição e os seus discursos legitimado-
res. Parte significativa da responsabilidade
por esta ausência decorre de a doutrina do
direito penal aproximar (e em alguns casos
simplesmente confundir) dois problemas
nitidamente distintos: os fundamentos e as
justificativas da pena.
As teorias de justificação (teorias da
pena) operaram historicamente como dis-
cursos de racionalização do poder soberano
de coação direta. Se o Estado detém o mo-
nopólio da coação legítima (Weber), caberia
à teoria do direito penal justificar (raciona-
lizar) esta violência programada, atribuindo
determinados fins à sanção penal – retribui-
ção (pena justa) ou prevenção (pena útil)
(Pavarini, 1983).
No entanto, apesar de distintas em
termos de projeção das suas finalidades, é
possível perceber que as tradicionais teorias
da pena partem de um pressuposto político
comum, que é o do consenso acerca da le-
gitimidade da intervenção punitiva estatal.
Aliás, Baratta, ao propor as diretrizes car-
deais que formam o núcleo do pensamento
de defesa social – ideologia que “passou a
fazer parte da filosofia dominante na ciên-
cia jurídica e das opiniões, não só dos re-
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 31
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 5 0
presentantes do aparato penal-penitenciá-
rio, mas também do homem de rua (ou seja,
every day theories)” (Baratta, 1997:42),
apresenta como postulado primeiro o prin-
cípio da legitimidade.6 O consenso acerca
da legitimidade induz uma natural aproxi-
mação dos fundamentos da punição com as
finalidades da pena.
Mir Puig, p. ex., ao discutir as ba-
ses funcionais do direito penal subjetivo,
afirma que “se está justificado castigar
ou impor medidas de segurança é por-
que é necessário realizar os objetivos que
se atribuem à pena ou às medidas de se-
gurança. Isso significa que o fundamento
do ius puniendi corresponde a sua função
(...)” (Mir Puig, 2003:98)7 No segundo
momento, quando analisa os fundamentos
políticos do ius puniendi, Mir Puig identifi-
ca de forma precisa o local de encontro no
qual são rompidas as fronteiras do debate
entre fundamentos e justificações: o con-
tratualismo como a sustentação primeira do
direito de punir.
A hipótese contratualista de justifi-
cação da pena se estabelece como o mito
fundante do direito penal na Modernidade.
Logicamente que a teoria do contrato so-
cial, independente de suas versões (Hobbes,
Locke ou Rousseau), remeterá o debate a
outras questões essenciais no que tange às
configurações do Estado moderno e as suas
relações com os indivíduos e a sociedade
civil.
A justificativa contratualista (me-
tafísica) da pena, porém, pressupõe alguns
consensos como a existência de direitos na-
turais do cidadão que são anteriores ao Es-
tado, direitos que não apenas legitimariam
o poder político mas que limitariam a sua
intervenção. Trata-se, pois, de um limite ex-
terno que preexiste à lei formal, fundado em
um jusnaturalismo antropológico.8
No entanto, após a consolidação do
Estado liberal e a formação de um modelo
político-econômico gerido pela classe social
detentora do capital e dos meios de produ-
ção (burguesia), “(...) o foco metodológico
para a fundamentação dos institutos jurídi-
cos deslocou-se da argumentação metafísi-
ca para a argumentação jurídica. Não eram
mais (ou não tanto) os direitos naturais que
forneciam o substrato legitimante para, em
específico, o direito estatal de punir, mas o
limites intrínsecos do próprio ordenamento
jurídico” (Schmidt, 2003:88).
Trata-se, em termos genéricos, da
transmutação do mito fundador da Moder-
nidade (a hipótese metafísica do contra-
to social) em um rito garantidor da ordem
(legalidade formal). Lyra Filho é preciso ao
demonstrar que “(...) chegando ao poder,
a burguesia descartou o seu jusnaturalis-
mo [antropológico], passando a defender
a tese positivista: já tinha conquistado a
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 32
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 151
máquina de fazer leis e por que, então, ape-
lar para um Direito Superior [metafísico]?
Bastava a ordem estabelecida”(Lyra Filho,
1991:42).
Assim é forjada a ideia de a punição
constituir-se como um direito público sub-
jetivo do Estado que nasce com a prática do
delito. Com a violação livre e consciente do
pacto social, corporificado nas normas de
condutas positivadas (direito público obje-
tivo), é atribuído às instituições do sistema
punitivo o direito-dever de punir. Os únicos
limites impostos à atividade punitiva são
aqueles designados pelo próprio Estado.
Neste cenário são consolidadas as ideias de
direito de punir e de pretensão punitiva.
5. Embora a doutrina penal tenha re-
alizado importante crítica ao contratualismo
(perspectiva metafísica) a partir da tese de a
pena estar amparada em um direito público
subjetivo do Estado, as ideias fundacionais
representadas nas noções de direito de punir
e de pretensão punitiva se mantiveram vi-
gorosas. Inclusive após o giro copernicano
imposto, após a Segunda Guerra, pela teoria
dos direitos fundamentais e pelo novo cons-
titucionalismo, cujo efeito foi o da substan-
cialização da teoria da validade das normas
jurídicas – a construção de uma cadeia de
princípios potencialmente limitadores da
punibilidade provocou significativos refle-
xos na relação entre autoridade e indivíduo,
apesar de terem sido restritos os efeitos nas
teorias de fundamentação da pena.9
Aliás, é possível ser ainda mais in-
cisivo e sustentar que mesmo com a muta-
ção do modelo de Estado liberal em Estado
social e sua posterior crise – primeiro, com
o estabelecimento de novas economias de
intervenção punitiva (correcionalismo);
segundo, com as teorias funcionalistas e
os modelos de penologia fundamentalista
(Pavarini, 2009) –, o pressuposto de ordem
(mito) que tem orientado as teorias justifi-
cacionistas da pena segue sendo a hipótese
contratualista.
É importante perceber, para que
se possa efetivamente avançar e superar a
crise, que as tradicionais teorias da pena
– absolutas (teorias de retribuição ou teo-
rias da pena justa) ou relativas (teorias de
prevenção ou teorias da pena útil) – foram
edificadas sobre o mesmo fundamento
contratual. Sem perceber que os discursos
oficiais de justificação estão consolidados
em um modelo consensual de sociedade
que encontra na teoria do pacto social a
sua manifestação primeira (sua emergên-
cia ou sua invenção), o debate que envol-
ve as práticas punitivas e os seus discursos
legitimadores permanecerá estagnado. No
máximo será reduzido à revitalização dos
seus tipos ideais históricos, como ocorre
atualmente com os distintos vieses do ne-
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 33
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 5 2
orretributivismo e do neoprevencionismo
(Carvalho, 2013a).
Neste quadro, é possível afirmar
que o fundamento contratualista definirá a
identidade do direito penal na Modernida-
de, moldando, conforme a expectativa tem-
poral, as teorias de justificação. Significa,
em outras palavras, que a mesma hipótese
contratual configurou os diversos modelos
punitivos oficiais, liberais (primeira mo-
dernidade penal), correcionalistas (segunda
modernidade penal) e funcionalistas (mo-
dernidade tardia ou pós-modernidade).
Não por outra razão Foucault des-
carta assinalar qualquer tipo de ruptura
entre os projetos punitivos liberal e corre-
cionalista. Percebe, na transposição da pri-
meira para a segunda Modernidades apenas
um continuum, pois identifica, com preci-
são, uma matriz comum no processo de for-
mação “epistemológico-jurídico” direcio-
nada a “colocar a tecnologia do poder no
princípio tanto da humanização da penali-
dade [Escola Clássica] quanto do conheci-
mento do homem [Escola Positiva]” (Fou-
cault, 1991:26). A matriz: a teoria geral do
contrato.
A hipótese que orienta a investiga-
ção, portanto, é a de que as novas economia
e tecnologia do poder de punir que emer-
gem na Modernidade e deflagram as gran-
des reformas penais nos séculos XVIII, XX
e início do XXI, estão assentadas em um
pressuposto de consenso segundo o qual a
sociedade, compreendida como um orga-
nismo homogêneo derivado da integração
dos seus membros, compartilha determina-
dos valores e interesses fundamentais que
representam as condições essenciais a sua
manutenção. Assim, nas lições de Baratta,
“os interesses protegidos pelo direito penal
são interesses comuns a todos os cidadãos”
(princípio do interesse social); “o delito é
um dano para a sociedade e o delinquente é
um elemento negativo e disfuncional para o
sistema social” (princípio do bem e do mal);
em outras palavras, “o delito é expressão
de uma atitude interior reprovável, porque
contrária aos valores e às normas” (princí-
pio da culpabilidade) e a criminalidade “é o
comportamento de uma minoria desviante”
(princípio da igualdade) (Baratta, 1997:42).
A violação da lei penal, desde os
pressupostos das teorias do consenso, impli-
caria, inclusive, na adesão do próprio infra-
tor à pena, conforme conclui Foucault: “su-
põe-se que o cidadão tenha aceito de uma
vez por todas, com as leis da sociedade,
também aquela que poderá puni-lo. O cri-
minoso aparece então como um ser juridi-
camente paradoxal. Ele rompeu o pacto, é,
portanto, inimigo da sociedade inteira, mas
participa da punição que se exerce sobre
ele. O menor crime ataca toda a sociedade;
e toda a sociedade – inclusive o criminoso –
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 34
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 153
está presente na menor punição” (Foucault,
1991:82).
Assim, a ideia de direito de punir
(ius puniendi) é a consequência lógica de
um modelo que opera desde uma perspec-
tiva consensualista de sociedade, na qual
determinados valores morais seriam natu-
ralmente aceitos pelo corpo social; as nor-
mas representariam legitimamente estes in-
teresses; o desvio seria a expressão de uma
conduta anômala, episódica e disfuncional
que romperia com a ordem e o equilíbrio
(estado normal da sociedade); e as sanções
reestabeleceriam o consenso e a harmonia
como justa retribuição, coação psicológica,
reconversão do delinquente, preservação da
confiança e da fidelidade na ordem jurídica,
reforço das expectativas normativas frustra-
das pelo comportamento criminoso, dentre
outras finalidades.
Segundo Pavarini, a hipótese con-
sensual representa a sociedade como rela-
tivamente estável e bem integrada e cujo
funcionamento se funda no consenso da
maioria em relação a certos valores gerais.
No que diz respeito às relações entre in-
divíduo e autoridade, lei e sociedade, Pa-
varini enfatiza que os princípios de fundo
deste modelo podem ser sintetizados em
três perspectivas: (a) a lei reflete a vonta-
de coletiva: se os membros da sociedade se
encontram de acordo sobre as definições de
bem e mal, a lei não seria mais do que a
forma escrita deste acordo; (b) a lei é igual
para todos: se as formas legais refletem a
vontade coletiva, a lei não favorece e não
representa nenhum interesse particular; (c)
a violação da lei penal é ato de uma mi-
noria: se a maioria está de acordo com as
definições de bem e de mal, de justo e de
injusto, o pequeno grupo que pratica deli-
to deve possuir algum elemento em comum
que o diferencia da maioria que respeita a
lei (Pavarini, 1988:95).
No que diz respeito ao conteúdo do
direito de punir, todos os modelos teóricos
de justificação da pena, desenvolvidos a
partir da Ilustração, operam a partir desta
mesma fundação (teoria do contrato), cujo
pressuposto é um modelo de sociedade con-
sensual. E apenas neste contexto será lícito
ou possível referir um direito de punir (jus
puniendi) do Estado.
6. Se na primeira modernidade são
os teóricos do contrato que forjam as pers-
pectivas jurídicas consensuais, no campo
sociológico sua consolidação acontece a
partir das perspectivas funcionalistas na tra-
dição que se desdobra com Durkheim, Mer-
ton e Parsons.
Contrapõem-se, porém, às teorias
do consenso as teorias do conflito e o inte-
racionismo simbólico. Aliás, é importante
registrar que estas três distintas tradições
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 35
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 5 4
sociológicas irão impactar diretamente a
construção das principais vertentes teóricas
na criminologia no século passado (teorias
liberais-funcionalistas, teoria do etiqueta-
mento e criminologia crítica).
Ao rejeitar a hipótese de que a so-
ciedade representa uma totalidade orgânica,
harmônica e consensual, na qual os desvios
são fatos ocasionais que permitem, através
das sanções, a recomposição da ordem vio-
lada e o reforço dos valores compartilha-
dos, as teorias do conflito enfatizam temas
relativos a desigualdades sociais, políticas
e econômicas e a questões concernentes à
disputa pelo poder e à institucionalização da
autoridade.
Os comportamentos disfuncionais
(crimes, desvios), portanto, não seriam pro-
blemas isolados, situações episódicas pro-
vocadas por uma minoria de sujeitos ou de
grupos sociais que não de adequam às re-
gras e aos valores universalmente aceitos.
Os conflitos emergem como disputas de
classes pelo poder político e econômico na
constituição e na manutenção das socieda-
des industriais (capitalistas). Nos termos de
Sabadell, “(...) as teorias do conflito partem
da existência de grupos sociais desiguais
com interesses divergentes e consideram
o controle social institucionalizado como
meio de garantia das relações de poder.
Tais relações são sempre assimétricas. Em
outras palavras, constata-se um desequi-
líbrio permanente entre os grupos sociais,
inexistindo o igual tratamento e a recipro-
cidade nas relações sociais” (Sabadell,
2010:160).
No clássico aforismo de Marx e En-
gels, na abertura do “Manifesto do Parti-
do Comunista”, o conflito entre as classes
constitui-se como o fato propulsor da mu-
dança e do desenvolvimento histórico – “a
história de toda a sociedade até agora exis-
tente é a história de luta de classes.” (Marx
& Engels, 1975:59). Os valores sociais for-
malizados nas leis não seriam, pois, a ra-
tificação natural de um pacto ao qual todo
corpo social adere voluntariamente, mas a
consolidação dos valores da classe que con-
quistou o poder e que, através dos mecanis-
mos burocráticos do Estado, procura nele se
eternizar.10
No campo da criminologia, no que
tange às questões relativas ao crime, à cri-
minalidade e ao controle social, a crítica
que emerge com as teorias do controle –
conjuntamente com as teorias do etiqueta-
mento fundadas no interacionismo simbó-
lico – permite perceber a redução que as
teorias funcionalistas realizam ao interpre-
tar as questões criminal e penal. Nos mo-
delos consensuais, o delito (a criminali-
dade) será percebido como um ato isolado
de uma minoria disfuncional, explicado a
partir de um processo causal (etiológico)
que o vincula aos problemas de socializa-
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 36
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 155
ção (broken homes theories, p. ex.), às con-
dições de vida em determinadas áreas (hi-
póteses ecológicas, p. ex.), aos elos que se
estabelecem com outras pessoas ou grupos
desviantes (teorias da associação diferen-
cial e das subculturas criminais, p. ex.) ou
às tensões, frustrações ou traumas que são
gerados na estrutura social (hipóteses anô-
micas, p. ex.). Em sentido oposto, os teóri-
cos do conflito destacarão os processos de
criminalização, ou seja, enfatizarão as rela-
ções de poder que permitem que determi-
nadas condutas sejam consideradas delito,
as questões relativas ao controle social que
facilitam que determinadas classes sejam
imunizadas da incidência repressiva das
agências punitivas e as condições sócio-po-
líticas e econômicas que tornam certas pes-
soas ou grupos sociais vulneráveis à vio-
lência do sistema penal. Ademais, a crítica
às teorias do consenso permite perceber a
natureza estática do funcionalismo na in-
terpretação dos fenômenos desviantes, em
decorrência de congelar como imagem ou
tipo ideal do delito uma determinada espé-
cie de crime, mais especificamente os cri-
mes contra o patrimônio privado praticados
pelo lumpemproletariado, a partir da uni-
versalização de valores de uma respectiva
classe social.11
A partir do legado das teorias do eti-
quetamento e do conflito, a criminologia
crítica direcionará seu foco para as formas
estruturais e institucionais de (re)produção
da violência (Carvalho, 2013), tensionando
a desigual relação entre autoridade e indi-
víduo. O giro paradigmático proporcionado
pela crítica no pensamento criminológico
do século passado permite renunciar cate-
goricamente o fundamento consensual da
punição e, consequentemente abdicar da
percepção da sanção penal como um direi-
to exercido pelo Estado na representação da
sociedade lesada (direito de punir), enfati-
zando a pena como um ato de poder exer-
cido pelas agências do sistema penal (poder
punitivo).
7. Mudar o fundamento da punição,
assumindo a pena como uma manifestação
concreta do poder punitivo no marco de
sociedades conflitivas e heterogêneas, traz
significativas implicações teóricas à peno-
logia. Em primeiro plano, significa rejeitar
todos os modelos tradicionais de justifica-
ção – teorias absolutas (retributivas), relati-
vas (preventivas) e ecléticas; em segundo,
implica em reconhecer que os novos mo-
delos de justificação – teoria do justo mere-
cimento, teoria do cálculo racional, teorias
funcionalistas sistêmicas, teorias neocorre-
cionalistas e, inclusive, a teoria garantista
(utilitarismo reformado) (Carvalho, 2013)
– representam apenas a revitalização das
grandes narrativas penológicas da Moder-
nidade, em sua integralidade fundadas nos
modelos consensuais. Exatamente por isso,
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 37
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 5 6
a dogmática penal pouco avança no sentido
de uma ruptura radical com os sentidos da
punição na contemporaneidade. Ruptura ne-
cessária em razão do dano genocida produ-
zido pelo punitivismo nas últimas décadas.
A condição de possibilidade de
uma penologia crítica pressupõe, portan-
to, abdicar das tradicionais teorias da pena
e, seguindo a perspectiva da criminologia
crítica12, integrar os legados das teorias do
etiquetamento e das teorias do conflito para
consolidar um corpo teórico capacitado para
(a) compreender e denunciar o fenômeno da
punição desde as perspectivas da violência
institucional (atuação das agências do siste-
ma penal) e da violência estrutural (simbio-
se entre estrutura política e controle social)
(pauta negativa) e (b) promover ações con-
cretas para a redução dos danos causados
pelo punitivismo e para a superação da lógi-
ca carcerária (pauta positiva).
Neste sentido, duas construções teó-
ricas superam os fundamentos consensuais
da pena e projetam perspectivas penológi-
cas críticas: (a) a teoria da retribuição equi-
valente; e (b) a teoria agnóstica da pena.
7.1. A teoria da retribuição equiva-
lente, desenvolvida a partir de uma críti-
ca materialista/dialética da pena criminal,
procura revelar a natureza real ou latente
da retribuição nas sociedades capitalistas.
Centrada em premissas distintas do mode-
lo clássico de retribuição – pois, nesta pers-
pectiva, “(...) não constitui fenômeno de
sobrevivência histórica de vingança retalia-
tória, nem resquício metafísico de expiação
ou compensação da culpabilidade” (San-
tos, 2005:19) –, procura demonstrar como
a pena criminal, sobretudo a partir dos pro-
cessos de industrialização, tem correspondi-
do aos fundamentos materiais e ideológicos
dos sistemas econômicos fundados na rela-
ção capital/trabalho assalariado. A respos-
ta punitiva do Estado, portanto, representa
uma equivalência jurídica derivada das rela-
ções de produção existentes nas sociedades
capitalistas contemporâneas.
O modelo de retribuição equivalen-
te, proposto por Pasukanis (Teoria Geral do
Direito e Marxismo, 1926), e desenvolvido
posteriormente por Rusche e Kirchheimer
(Pena e Estrutura Social, 1939), demonstra
que a pena desempenha uma função central
na manutenção dos sistemas de exploração
e de exclusão social. Conforme Juarez Ci-
rino dos Santos, se a estrutura material das
relações econômicas no capitalismo é base-
ada no princípio da retribuição equivalente
em todos os níveis da vida (trabalho-salá-
rio, mercadoria-preço, p. ex.), “no âmbito
da responsabilidade penal, a retribuição
equivalente é instituída sob forma da pena
privativa de liberdade, como valor de troca
do crime medido pelo tempo de liberdade
suprimida” (Santos, 2005:21). Na constru-
ção de Pasukanis, “a privação de liberdade
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 38
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 157
com uma duração determinada através da
sentença do tribunal é a forma específica
pela qual o Direito Penal moderno, ou seja,
burguês-capitalista, concretiza o princípio
da reparação equivalente (...). Para que a
ideia da possibilidade de reparar o delito
através de uma multa pela liberdade tenha
podido nascer, foi necessário que todas as
formas concretas da riqueza social tivessem
sido reduzidas à mais abstrata e mais sim-
ples das formas, ao trabalho humano medi-
do pelo tempo” (Pasukanis, 1988:130).13
A perspectiva da retribuição equi-
valente permite compreender a instrumen-
talidade da pena nas conflitivas sociedades
capitalistas industriais, sobretudo o papel
latente da prisão na regulação do mercado
de trabalho através do controle do exceden-
te da força de trabalho (Rusche e Kirchhei-
mer) e na disciplinarização da mão de obra
com a criação de um exército industrial de
reserva formado por corpos dóceis (Fou-
cault). A concepção materialista/dialética
possibilita, inclusive, atualizar os signifi-
cados da punição nos sistemas capitalistas
neoliberais, nos quais o encarceramento
massivo adquire uma função específica de
controle das massas dissidentes e/ou exce-
dentes através da segregação, da neutraliza-
ção e da exclusão.
Mas para além destas funções espe-
cíficas desempenhadas nas versões do ca-
pitalismo industrial e neoliberal, é interes-
sante perceber como as questões criminal e
penal são atualmente ressignificadas neste
desdobramento cultural do sistema econô-
mico, que é a sociedade de consumo. A ló-
gica do consumo excessivo de bens, aliada à
intensa exploração da violência pela grande
mídia (agências de notícia e indústria do en-
tretenimento), criou uma cultura de puniti-
vidade na qual o crime, a pena e a prisão
foram transformados em produtos. O crime,
a pena e a prisão não serão apenas produtos
(consequências) de uma cultura que goza
com a punição; mas representarão, em si
mesmos, produtos (commodities) para con-
sumo, mercadorias comercializadas como
bens.14
7.2. A teoria agnóstica (ou nega-
tiva) da pena nega qualquer espécie de
justificação jurídica da sanção, conce-
bendo a punição como uma manifestação
concreta do poder político. A metáfora da
pena como guerra, no preciso resgate de
Tobias Barreto realizado por Zaffaroni
(1993; 1997), cria uma imagem da sanção
penal totalmente distinta daquela perspec-
tiva idílica na qual os cidadãos deliberam
livremente sobre a necessidade de punir
para manter íntegro o pacto social. O fun-
damento da teoria agnóstica, portanto, é
identificado com o mais radical dos con-
flitos, ou seja, com uma situação de guerra
na qual todos os direitos são suspensos e a
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 39
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 5 8
violência adquire uma intensidade incon-
trolável.
Ao deslocar o fundamento da pena
do jurídico (direito de punir) para o político
(poder de punir), o modelo agnóstico evi-
dencia a função primeira da punição, que
é o exercício do controle social, presentifi-
cando o Estado através da concretização do
poder em formas programadas de violência.
Trata-se, pois, de um fenômeno incancelá-
vel que, nas sociedades atuais, passa a ser
relegitimado cotidianamente pelas ações
político-criminais populistas, situação que
aponta para uma densificação dos níveis de
encarceramento.
Assim, como consequência do re-
conhecimento do fundamento político da
pena, da sua função instrumental de contro-
le e da impossibilidade de o fenômeno puni-
tivo ser cancelado, a teoria negativa percebe
a sanção criminal “(...) como um fenômeno
da realidade que necessita ser contido (te-
leologia redutora) em razão de sua pulsão
violenta (tendência ao excesso)” (Carvalho,
2013a:149).
A partir da demonstração empírica
da seletividade do sistema penal e da vulne-
rabilidade de determinadas pessoas e grupos
à criminalização, esta constante tensão entre
Estado de polícia (poder de coação direta)
e Estado de direito (limitação do poder) in-
duz que sejam projetadas ações positivas no
sentido de redução da potentia punitiva (po-
testas puniendi).
8. A dogmática jurídica, conforme
foi possível perceber nos discursos funda-
mentadores e justificadores da pena, atuou,
ininterruptamente, como um discurso de ra-
cionalização do poder de punir. Exatamente
por esse motivo, mesmo as teorias da pe-
nas que se autoproclamam liberais ou ga-
rantistas pouco conseguiram em termos de
efetividade na contração do arquipélago pu-
nitivo. A armadilha da fundamentação con-
sensualista impede superar a ideia da pena
como um direito (natural) do Estado contra
o infrator que, no limite, é transformado em
um pária ou um inimigo a ser eliminado
com o objetivo de garantir a ‘paz’ e a ‘se-
gurança’.
Ao final, a questão que surge da
discussão é sobre a capacidade crítica da
dogmática jurídica em transpor este modelo
e construir novos referenciais para uma atu-
ação ética voltada para a redução das vio-
lências (públicas e privadas).
Juarez Cirino dos Santos, frente à
realidade letal do sistema punitivo, indaga:
“por que fazer dogmática penal?” Ensina
que o tipo de ação dependerá, inexoravel-
mente, do critério que informa o trabalho
do ator jurídico: “fazer dogmática penal
como critério de racionalidade do sistema
punitivo significa assumir o ponto de vista
do poder repressivo do Estado no processo
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 40
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 159
de criminalização e de marginalização do
mercado de trabalho e da pobreza social,
em geral; ao contrário, fazer dogmática
penal como sistema de garantias em face
do poder punitivo do Estado, no sentido de
conjunto de conceitos capazes de excluir ou
reduzir o poder de intervenção do Estado
na esfera da liberdade individual – e, por-
tanto, capazes de impedir ou de amenizar
o sofrimento humano produzido pelas de-
sigualdades e pela seletividade do sistema
penal – constitui tarefa científica de gran-
de significado democrático nas sociedades
contemporâneas” (Santos, 2005:38).
Frente à dura realidade do controle
social punitivo contemporâneo e às conse-
quentes dificuldades em propor reais alter-
nativas às sanções penais – alternativas que
não sejam incorporadas pela lógica prisio-
nal e imediatamente transformadas em adi-
tivos –, a perspectiva redutora parece ser
uma estratégia viável para evitar o imobi-
lismo e salvar o máximo de vidas possíveis
dentre aquelas sequestradas pela máquina
carcerária.
Notas
1 O artigo apresenta os resultados parciais
da pesquisa de Pós-Doutorado realizado na
Scuola di Giurisprudenza, Università degli
Studi di Bologna (ITA), sob a orientação
do Prof. Massimo Pavarini, intitulada
“Esecuzione delle Pene e dele Misure di
Sicurezza nel Diritto Penale Brasiliano”,
financiada pelo Conselho Nacional de
Pesquisa (CNPq).2 Baratta (1997), ao configurar a
criminologia crítica como crítica ao direito
penal, postula a construção da sociologia
do direito penal, cujo objeto corresponde
a três categorias de comportamentos:
“a sociologia jurídico penal estudará,
pois, em primeiro lugar, as ações e
os comportamentos normativos que
consistem na formação e na aplicação
de um sistema penal dado; em segundo
lugar, estudará os efeitos do sistema penal
entendido como aspecto ‘institucional’ da
reação ao comportamento desviante e do
correspondente controle social. A terceira
categoria de ações e comportamentos
abrangidos pela sociologia jurídico-penal
compreenderá, ao contrário (a) as reações
não-institucionais ao comportamento
desviante, entendidas como um aspecto
integrante do controle social do desvio, em
concorrência com as reações institucionais
estudadas nos dois primeiros aspectos e
(b) em nível de abstração mais elevado,
as conexões entre um sistema penal dado
e a correspondente estrutura econômico-
social” (Baratta, 1997:23).3 “As leis se expressam através de palavras,
mas o fazem em um mundo onde ocorrem
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 41
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 6 0
fenômenos físicos, sociais, culturais,
econômicos, políticos etc., em permanente
mudança, em uma realidade que flui
continuamente, protagonizada por pessoas
que interagem e se comportam conforme
certos conteúdos psicológicos. Todas estas
coisas são reais e sucedem deste modo e não
de outro, e as leis devem ser interpretadas
neste mundo e não em outro que não existe.
O impossível é neste mundo, tanto por
razões sociais como físicas. Se é impossível
caminhar sobre a água, igualmente é
ressocializar o preso” (Zaffaroni, Alagia &
Slokar, 2006:77).4 Sobre os equívocos da reiteração da punição
como solução ao problema da violência,
importantes as reflexões de Jacinto Coutinho
a partir da posição de Stippel (Coutinho,
2013).5 A partir de Bourdieu, Geraldo Prado
sustenta que é necessário escapar às
tentações narcotizantes da “ciência pura”
(alheias às necessidades sociais) e da
“ciência escrava” (submetida às demandas
político-econômicas). Exatamente por isso
procura problematizar os pontos de partida
não como dados, mas como construções. No
direito penal, um dos principais será o delito
– “as teorias penais surgiram nos séculos
XIX e XX para legitimar o funcionamento
do sistema criminal, conforme o discurso
da modernidade, não problematizando no
início um dos seus elementos principais, o
crime, que era considerado como um dado
social e não criação do próprio poder
político” (Prado, 2011:26).6 “O Estado, como expressão da sociedade,
está legitimado para reprimir a criminalidade,
da qual são responsáveis determinados
indivíduos, por meio de instâncias oficiais
de controle social (legislação, polícia,
magistratura, instituições penitenciárias).
Estas interpretam a legítima reação da
sociedade, ou da grande maioria dela,
dirigida à reprovação e condenação do
comportamento desviante individual e
reafirmação dos valores e das normas
sociais” (Baratta, 1997:42).7 Embora em momento imediatamente
posterior o autor conclua que os conceitos
de fundamento e de função não sejam
coincidentes e que seja necessária a
comprovação da utilidade da pena – “a
função [retribuição ou prevenção] é, pois,
a base do fundamento, mas ambos os
conceitos não coincidem, pois o fundamento
tem que provar a necessidade da função”
(Mir Puig, 2003:98) – acaba por designar à
criminologia a verificabilidade empírica dos
objetivos da pena atribuídos pela dogmática
penal.
Assim, o discurso do direito penal só
aparentemente vincula sua construção teóri-
ca com a realidade do sistema punitivo, pois
não apenas delega a análise da vida fenomê-
nica à criminologia como, na maioria das
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 42
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 161
vezes, invocando a Lei de Hume, descarta
seus resultados na edificação dos seus siste-
mas. Desta forma, mesmo que de forma não
explícita, o real funcionamento das agências
do sistema penal é inescrupulosamente ex-
cluído das problematizações dogmáticas.8 Ensina Lyra Filho que a contestação da
ordem aristocrático-feudal pela burguesia
ocorreu através da reivindicação de um
jusnaturalismo de cunho antropológico, que
gira em torno do homem, em contraposição
ao de caráter teológico, voltado a Deus.
A nova classe político-econômica “(...)
recorreu, então, à forma de direito natural,
que denominamos antropológico, isto é, do
homem, que extraía os princípios supremos
de sua própria razão, de sua inteligência.
Estes princípios, e de novo não por mera
coincidência, eram, evidentemente, os que
favoreciam as posições e reivindicações da
classe em ascensão – a burguesia – e das
nações em que capitalismo e protestantismo
davam as maõs para a conquista do seu
‘lugar ao sol’” (Lyra Filho, 1991:42).9 Neste sentido, importante a revisão
realizada por Schmidt, na qual, a partir de
Antolisei (na crítica à doutrina clássica do
direito subjetivo do Estado) e, posteriormente
Ferrajoli (na definição dos pressupostos de
validade das normas jurídicas a partir dos
direitos fundamentais), a ideia de pretensão
punitiva do Estado (e, consequentemente,
de jus puniendi) é refutada e substituída
pela ideia de pretensão acusatória. Nas
palavras do autor, “é equivocado falarmos,
no Estado Democrático de Direito, numa
suposta pretensão punitiva do Estado
surgida no momento em que um crime é
praticado. Isso porque, em primeiro lugar, a
notícia da prática de um caso penal não faz
surgir, desde já, para o Estado, o ‘direito’
(subjetivo) ou ‘dever’ de punir o suposto
infrator, mas sim o dever fundamental de
movimentar a jurisdição criminal segundo
a estrutura operacional determinada na
Constituição e limitada por ela mesma. Por
enquanto, o máximo que se poderia falar,
nas palavras de Aury Lopes Júnior, é em
pretensão acusatória ou persecutória do
Estado, devidamente resistida pelo direito
de liberdade do acusado assegurado na
garantia de presunção de inocência. Esta
afirmação é complementada por outra,
de natureza organizacional: o monopólio
da jurisdição faz recair sobre um órgão
do Estado o dever de iniciar a persecução
penal (princípio da obrigatoriedade);
a outro órgão, o dever de decidir sobre
a matéria objeto do processo (princípio
da jurisdicionalidade); e, por fim, a um
terceiro, a tarefa de defender o acusado
(princípio da ampla defesa). Nessa etapa
do processo de conhecimento teríamos de
falar (impropriamente, frise-se), então,
em ‘pretensão’ acusatória, ‘pretensão’
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 43
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 6 2
decisória e ‘pretensão’ defensiva” (Schmidt,
2003: 94).10 No Manifesto do Partido Comunista
(1848), texto seminal para a percepção dos
conflitos de classe na disputa pelo poder
político e do papel (revolucionário) da
burguesia na dilaceração do mundo feudal
e na edificação do Estado moderno, Marx e
Engels referem que “o executivo do Estado
moderno não é mais do que uma comissão
para administrar os negócios comuns de
toda a classe burguesa” (Marx e Engels,
Manifesto Comunista, p. 62). Mas se toda a
luta é luta de classe; e se toda a luta de classe é
uma luta política, “as leis, a moral, a religião
são outros tantos preceitos burgueses em
que se acoitam outros tantos preceitos
burgueses. Todas as classes anteriores que
se apoderaram do poder procuram proteger
uma posição social já alcançada, e para tal
submeteram toda a sociedade às condições
do seu lucro.” (Marx e Engels, 1975: 72).11 A redução da percepção do crime como atos
delitivos das classes baixas e a vinculação dos
valores sociais homogêneos aos interesses da
burguesia industrial das sociedades capitalistas
são nítidas na crítica às teorias da anomia e
das subculturas. Larrauri e Cid demonstra
que “(...) a teoria da anomia serve apenas
para explicar um setor da delinquência: a
delinquência das pessoas de classe baixa que
tem bloqueadas ou reduzidas as vias legítimas
para alcanças suas aspirações e que realizam
comportamentos delitivos como uma via
alternativa para logras tais êxitos” (Larrauri
e Cid, 2001:145).
Em relação a relatividade do conceito
de sociedade competitiva, a ingênua fé nas
regras do jogo, os limites teóricos das teorias
consensuais, a absolutização da ideologia
da classe média e o equívoco relativo ao
conceito de subcultura, fundamental a
contribuição crítica de Pavarini (1988).12 Se a teoria do etiquetamento promoveu a
superação da categoria criminalidade pela
ideia de criminalização e o reconhecimento
da seletividade do sistema penal a partir da
crítica das estatísticas criminais, as teorias do
conflito desnudaram as relações de poder que
influenciam os processos de criminalização
e a natureza política do direito penal. Não
por outro motivo, consolidam a base teórica
da criminologia crítica – “a criminologia
crítica emerge, portanto, como uma
perspectiva criminológica orientada pelo
materialismo (método) que, ao incorporar
os avanços das teorias rotulacionistas e
conflituais, refuta os modelos consensuais
de sociedade e os pressupostos causais
explicativos da criminalidade de base
microssociológica (criminologia ortodoxa)
e redireciona o objeto de investigação aos
processos de criminalização, à atuação das
agências do sistema penal e, sobretudo, às
relações entre estrutura política e controle
social” (Carvalho, 2013b:286).
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 44
Sobre as Possibilidades de uma Penologia Crítica: Provocações Criminológicas...
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 163
vi Pasukanis (1988) desenvolve, igualmente,
importante crítica às tradicionais teorias da
pena e o desdobramento politico da teoria da
retribuição equivalente.13 É possível notar que a indústria cultural
transformou a violência em um rentável
produto de entretenimento que se encontra
presente em uma série incontável de mídias
(rádio, cinema, televisão, jornais, games,
internet), inclusive em forma de arte
(música, filmes, literatura, artes plásticas,
fotografia, quadrinhos, publicidade). Neste
sentido, percebem Hayward e Young que “o
crime é embalado e comercializado para os
jovens como um romântico, emocionante,
cool e fashion símbolo cultural. E neste
contexto a transgressão torna-se opção de
consumo desejável” (Hayward & Young,
2007:109).
Mas se o delito é transformado em um
produto de consumo, a resposta ao crime
(pena) e as suas instituições igualmente são
convertidas em mercadorias. Em relação à
prisão, imprescindível o estudo de Christie,
A Indústria do Controle do Crime (1998).
Referências
Baratta, Alessandro. Criminologia Crítica e
Crítica do Direito Penal: Introdução
à Sociologia do Direito Penal. Rio
de Janeiro: Revan, 1997.
Batista, Vera. Introdução Crítica à
Criminologia Brasileira. Rio de
Janeiro: Revan, 2011.
Carvalho, Salo. Penas e Medidas de
Segurança no Direito Penal
Brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2013a.
Carvalho, Salo. Criminologia Critica:
dimensoes, significados e
perspectivas atuais in Revista
Brasileira de Ciências Criminais, v.
104, 2013b.
Christie, Nils. A Indústria do Controle do
Crime. Rio de Janeiro: Forense,
1998.
Coutinho, Jacinto. Punitivismo Desmedido
e Ideológico (a posição de Jorg
Stippel) in BUSATO, Paulo César
(coord.). Questões Atuais do Sistema
Penal: estudos em homenagem ao
professor Roncaglio. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2013.
Ferrajoli, Luigi. Diritto e Ragione: Teoria
del Garantismo Penale. 5. ed. Roma:
Laterza, 1998.
Foucault, Michel. Vigiar e Punir. 8 ed.
Petrópolis: Vozes, 1991.
Hassemer, Winfried & MUÑOZ
CONDE, Francisco. Introdução à
Criminologia. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2001.
Hayward, Keith & YOUNG, Jock. Cultural
Criminology in Maguire, M.;
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 45
Carvalho, S.
Rev. Polis e Psique, 2013; 3(3):143-164 | 1 6 4
Morgan, R. & Reiner, R. (eds). The
Oxford Handbook of Criminology. 4.
ed. Oxford: Oxford Press, 2007.
Larrauri Pijoan, Elena & Cid Moliné, José.
Teorías Criminológicas: explicación
y prevención de la delincuencia.
Barcelona: Bosh, 2001.
Löwy, Michel. As Aventuras de Karl Marx
contra o Barão de Münchhausen. 5.
ed. São Paulo: Cortez, 1994.
Lyra Filho, Roberto. O que é Direito. 12 ed.
São Paulo: Brasiliense, 1991.
Marx, Karl & Engels, Friedrich. Manifesto
do Partido Comunista. 2 ed. Lisboa:
Edições Avante, 1975.
Mir Puig, Santiago. Introducción a las Bases
del Derecho Penal. 2 ed. Buenos
Aires: Editorial BdeF, 2003.
Pasukanis, E. B. Teoria Geral do Direito e
Marxismo. São Paulo: Acadêmica,
1988.
Pavarini, Massimo. Control y Dominación.
2 ed. Madrid: Siglo XXI, 1988.
Pavarini, Massimo. El Grotesco de la
Penología Contemporânea in Revista
Brasileira de Ciências Criminais, v.
81, São Paulo, 2009.
Pavarini, Massimo. La Pena ‘Utile’, la
sua Crisi e il Disincanto: verso una
pena senza scopo in COTTURRI,
G. & ROMATI, M. (coord.). Quali
Garanzie, Bari: De Donato, 1983.
Pavarini, Massimo & Giamberardino,
Andre. Teoria da Pena & Execução
Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2012.
Prado, Geraldo. Campo Jurídico e Capital
Científico. Ensaio apresentado no
Departamento de História das Ideias
da Universidade de Coimbra para
obtenção do título de Pós-Doutor.
Coimbra, 2011.
Sabadell, Ana Lucia. Manual de Sociologia
Jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010.
Santos, Juarez Cirino. Teoria da Pena. Rio
de Janeiro: Lumens Juris, 2005.
Schmidt, Andrei Zenkner. O ‘Direito de
Punir’: revisão crítica in Revista de
Estudos Criminais, n. 09, 2003.
Zaffaroni, Eugenio R.; ALAGIA, Alejandro
& SLOKAR, Alejandro. Manual de
Derecho Penal. 2. ed. Buenos Aires:
Ediar, 2006.
Zaffaroni, Eugenio Raúl. La Rinascita del
Diritto Penale Liberale o la ‘Croce
Rossa’ Giudiziaria in Gianformaggio,
Letizia (org.). Le Ragioni del
Garantismo: Discutendo com Luigi
Ferrajoli. Torino: Giappichelli, 1993.
Zaffaroni, Eugenio Raúl. Sentido y
Justificación de la Pena in
Freixas, Eugenio & Pierini, Alicia
(orgs.). Jornadas sobre Sistema
Penitenciario y Derechos Humanos.
Buenos Aires: Del Puerto, 1997.
Recebido em: 16/10/2013 – Aceito em: 10/12/2013
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 46
ww
Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro
Luciana Boiteux, Maíra Fernandes Aline Pancieri, Luciana Chernicharo
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 47
Que
m S
ão a
s M
ulhe
res
Pres
as n
o Br
asil?
São
37.3
80 -
6,4
% d
a po
pula
ção
pris
iona
l do
país
– m
aior
par
te d
elas
em
reg
ime
fech
ado
(44,
7%),
pres
a po
r tr
áfico
de
drog
as (5
8%),
jove
ns
entr
e 18
e 2
9 an
os (5
0%),
solte
iras
(57%
), cu
mpr
indo
pen
as d
e at
é 8
anos
(54%
), se
ndo
mai
s co
ncen
-tr
ado
esse
per
cent
ual e
ntre
4 e
8
anos
(35%
). O
per
cent
ual d
e pr
esas
ca
utel
ares
alc
ança
30%
. (pe
rcen
tual
ai
nda
mai
or n
o RJ
, ond
e 86
% d
as
pres
as s
ão m
ulhe
res
negr
as).
(In-
fope
njun
/14)
Que
m S
ão a
s M
ulhe
res
Pres
as n
o Ri
o de
Jan
eiro
?
São
4.13
9 -
10,5
% d
o to
tal d
e pr
e-so
s, s
uper
ior
à m
édia
nac
iona
l de
6,4%
.
Dia
nte
do g
rand
e au
men
to d
o en
carc
eram
ento
fem
i-ni
no n
os ú
ltim
os a
nos
no B
rasi
l (56
7,4%
ent
re 2
000-
2014
), m
ais
do d
obro
do
de h
omen
s, o
obj
etiv
o da
pe
squi
sa fo
i o d
e in
vest
igar
a s
ituaç
ão d
e (e
dar
voz
às
) mul
here
s (e
cria
nças
) sub
met
idas
à e
xper
iênc
ia d
a m
ater
nida
de n
o cá
rcer
e, e
m d
uas
unid
ades
fem
inin
as
do s
iste
ma
peni
tenc
iário
do
Rio
de J
anei
ro.
Perfi
l d
as
mu
lhere
s m
ães
e
grá
vid
as
en
carc
era
da
s n
o R
J
Pesq
uisa
: 41
mul
here
s en
trev
is-
tada
s, e
ntre
jun-
ago/
2015
, em
si
tuaç
ão d
e m
ater
nida
de n
a pr
isão
, em
dua
s un
idad
es d
o C
ompl
exo
Peni
tenc
iário
de
Ger
icin
ó: o
Pre
sí-
dio
Tala
vera
Bru
ce (T
B, q
ue a
brig
a as
pre
sas
gráv
idas
) e a
Uni
dade
M
ater
no In
fant
il (U
MI),
par
a on
de
esta
s sã
o tr
ansf
erid
as lo
go a
pós
o na
scim
ento
de
seus
filh
os a
té a
se-
para
ção
entr
e el
es p
or v
olta
de
seis
m
eses
dep
ois.
A
gra
nde
mai
oria
é d
e jo
vens
(ent
re
18 e
22
anos
), 78
% te
m a
té 2
7 an
os, 7
7% n
egra
s/pa
rdas
; so
ltei-
ras
(82%
), co
m b
aixa
esc
olar
idad
e (7
5,6%
não
pos
suem
o e
nsin
o fu
ndam
enta
l com
plet
o);
9,8%
não
sa
bem
ler
nem
esc
reve
r.Afir
mam
te
rem
des
istid
o da
esc
ola
porq
ue
não
se s
entia
m m
ais
mot
ivad
as a
es
tuda
r na
épo
ca. A
pena
s du
as
Luci
ana
Boite
ux (
FND
/UFR
J) e
M
aíra
Fer
nand
es (
OA
B/RJ
e IA
B)
Coo
rden
ador
as
Alin
e C
ruve
llo P
anci
eri e
Lu
cian
a Pe
luzi
o C
hern
icha
ro
(LA
DIH
/UFR
J)Pe
squi
sado
ras
Brun
a Ba
nchi
k (B
olsi
sta
IC/
FAPE
RJ)
Bols
ista
de
Inic
iaçã
o C
ient
ífica
Julia
na d
os A
njos
Silv
a A
breu
Esta
tístic
a
Ayl
a V
ieir
aD
esig
ner
Grá
fica
Equ
ipe:
A q
uest
ão d
as m
ulhe
res
enca
rcer
adas
, esp
ecia
lmen
te a
quel
as q
ue e
x-pe
rimen
tam
a g
ravi
dez
e o
nasc
imen
to d
e se
us fi
lhos
na
pris
ão, c
onst
i-tu
i um
dos
asp
ecto
s m
ais
perv
erso
s da
opç
ão p
or u
ma
polít
ica
crim
inal
re
pres
siva
, com
foco
pre
fere
ncia
l na
pena
priv
ativ
a de
libe
rdad
e. S
e a
situ
ação
das
mul
here
s pr
esas
con
figur
a um
a du
pla
sanç
ão, p
or s
er e
la
cons
ider
ada
com
o “c
rimin
osa”
e a
inda
mai
s pe
lo e
stig
ma
de “
mul
her
crim
inos
a”, q
ue o
usou
vio
lar
a le
i dos
hom
ens
num
a so
cied
ade
pa-
tria
rcal
, no
caso
de
gráv
idas
e d
e m
ães
de fi
lhos
peq
ueno
s, e
stas
ain
da
rece
bem
mai
s um
a pu
niçã
o: s
ão ta
mbé
m p
rivad
as d
a co
nviv
ênci
a co
m
seus
filh
os, c
om to
das
as c
onse
quên
cias
soc
iais
que
dec
orre
m d
esse
di
stan
ciam
ento
.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 48
conc
luíra
m o
ens
ino
méd
io.
Met
ade
dela
s es
tava
trab
alha
ndo
na é
poca
em
que
foi p
resa
, em
em
preg
os p
reca
rizad
os(8
5% s
em
cart
eira
ass
inad
a), a
mai
oria
era
re
spon
sáve
l pel
o su
sten
to d
o la
r:
19%
inte
gral
men
te e
22%
em
par
te.
Pres
as p
rovi
sóri
as:
A g
rand
e m
aior
ia d
as g
rávi
das
e m
ães
no
cárc
ere
é de
pre
sas
caut
elar
es
(73,
2%),e
stan
do a
mai
or p
arte
de
las
(grá
vida
s) n
o TB
(83,
3%);
na
UM
I são
58,8
%. T
al d
ado
é su
perio
r ao
nac
iona
l (40
% d
os p
reso
s sã
o pr
ovis
ório
s), e
mui
to m
aior
do
que
o de
pre
sas
prov
isór
ias
regi
stra
do
no B
rasi
l, qu
e se
ria d
e 30
% (I
nfop
en
Mul
her
2014
).
Grá
vida
s: E
las,
em
sua
mai
oria
, fo
ram
pre
sas
gráv
idas
,alg
umas
de-
las
em e
stad
o av
ança
do, d
e se
te a
no
ve m
eses
de
grav
idez
.16
mul
he-
res
esta
vam
com
a g
esta
ção
de 6
a
9 m
eses
no
mom
ento
em
que
fora
m
pres
as, n
não
tend
o si
do s
ubst
ituíd
a pe
lo ju
iz a
pris
ão p
reve
ntiv
a pe
la
dom
icili
ar, c
omo
prev
ê o
art.
318,
IV
, CPP
Perfi
l: A
mai
oria
era
ré
prim
ária
(7
0%),
cond
enad
a a
pena
s en
tre
5 e
9 an
os (4
4,4%
), se
ndo
que
33,3
%
cum
pria
m p
enas
de
até
4 an
os.
75,6
% ti
nham
alg
um p
aren
te p
reso
, se
ndo
que
quas
e m
etad
e de
las
tinha
o s
eu c
ompa
nhei
ro p
reso
(4
6,3%
), do
s qu
ais
52,6
% p
elo
cri-
me
de tr
áfico
.
Tipo
de
Cri
me:
Qua
se m
etad
e (4
6,3%
) afir
mou
est
ar s
endo
pro
ces-
sada
/ter
sid
o co
nden
ada
pelo
crim
e de
tráfi
co d
e dr
ogas
, sen
do e
ste
o de
lito
prep
onde
rant
e, s
egui
do d
o cr
ime
de r
oubo
. No
Bras
il, te
mos
58
% d
as m
ulhe
res
resp
onde
ndo
por
tráfi
co. E
ntre
as
gráv
idas
, 70,
9%
resp
onde
m p
or c
rimes
rel
acio
nado
s ao
tráfi
co d
e dr
ogas
.
Cri
me q
ue e
stá
sen
do c
on
den
ad
a/p
roce
ssa
da
Posi
ção
no T
ráfic
o e
Tipo
de
Dro
-ga
: 37
% d
as c
onde
naçõ
es d
elas
por
tr
áfico
env
olve
u co
caín
a e
22,2
%
mac
onha
, pre
pond
eran
do p
osiç
ões
suba
ltern
as. A
pena
s um
a m
ulhe
r ad
uziu
ter
sido
ger
ente
“da
boc
a”
e se
is d
elas
(14,
6%) f
oram
pre
sas
tent
ando
ent
rar
no p
resí
dio
port
an-
do d
roga
s.
Mot
ivaç
ão p
ara
o cr
ime:
A g
rand
e m
aior
ia d
as e
ntre
vist
adas
afir
mou
qu
e a
razã
o pe
la q
ual v
eio
a de
-lin
quir
se r
elac
iona
a d
ificu
ldad
es
finan
ceira
s.
Vio
lênc
ia:
41,5
% fo
ram
víti
mas
de
crim
e ou
vio
lênc
ia a
nter
ior
à pr
isão
do
s qu
ais:
agr
essã
o fís
ica
(35,
3%),
viol
ênci
a do
més
tica
(23,
5%),
estu
-pr
o/te
ntat
iva
(11,
8%),
atin
gida
por
tir
o (1
1,8%
) e b
riga
com
mar
ido
(5,9
%).
Fun
ção n
o t
ráfi
co
Ace
sso
a M
edic
amen
tos:
31,
7%
dela
s afi
rmar
am q
ue n
eces
sita
m d
e m
edic
amen
tos
regu
lare
s. D
esta
s,
53,8
% d
izem
não
rec
eber
med
ica-
men
tos
adeq
uada
men
te. P
robl
emas
m
aior
es e
stão
no
TB, o
nde
a m
aio-
ria d
elas
(75%
) ale
gou
não
rece
ber
rem
édio
s de
man
eira
ade
quad
a.
Ate
ndim
ento
Méd
ico:
Ent
revi
stad
as
do T
B afi
rmar
am q
ue a
s ag
ente
s se
mpr
e de
scon
fiava
m d
e se
us p
edi-
dos
de a
tend
imen
to m
édic
o e
med
i-ca
men
tos.
Na
UM
I, sã
o po
sitiv
as a
s re
ferê
ncia
s so
bre
aten
dim
ento
mé-
dico
/med
icam
ento
s. N
ão o
bsta
nte,
a
mai
oria
, 53,
7% d
elas
afir
mar
am
não
rece
ber
aten
dim
ento
gin
eco-
lógi
co. A
s pr
esas
afir
mar
am q
ue
real
izar
am o
pré
-nat
al d
e m
anei
ra
inco
mpl
eta:
fize
ram
som
ente
a
ultr
asso
nogr
afia
e ou
tras
ape
nas
os
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 49
exam
es d
e sa
ngue
e u
rina.
Pro
ble-
mas
de
depr
essã
o fo
ram
apo
ntad
os
expr
essa
men
te p
or c
inco
del
as.
Vis
itas:
A m
aior
ia d
as e
ntre
vist
a-da
s afi
rmou
não
rec
eber
vis
itas
na
pris
ão (6
5,9%
). D
as q
ue r
eceb
em
visi
tas,
mai
or p
arte
rec
ebe
visi
tas
da
mãe
(50%
). M
arid
o/co
mpa
nhei
ro
corr
espo
ndem
a 1
4,3%
.
Filh
os:
A m
aior
ia d
elas
pos
sui 2
fil
hos
(31,
7%),
e 3
filho
s (2
6,8%
), m
as a
mai
oria
não
teve
a o
port
u -ni
dade
de
entr
ar e
m c
onta
to c
om a
su
a fa
míli
a no
mom
ento
da
pris
ão,
viol
ando
-se
norm
as in
tern
acio
nais
(n
. 2 d
as R
egra
s de
Ban
gkok
).
Tem
po d
e pe
rman
ênci
a do
filh
o na
pri
são:
A m
aior
par
te d
as p
resa
s ac
redi
ta q
ue a
mel
hor
opçã
o pa
ra o
se
u fil
ho é
est
ar c
om e
la n
a ca
deia
,
embo
ra u
ma
boa
part
e pr
efira
que
o
bebê
logo
sej
a se
para
do d
ela
para
não
viv
er e
ncar
cera
do. E
ste
delic
ado
assu
nto
pare
ce n
ão te
r re
spos
tas
pré-
defin
idas
sen
do r
eco-
men
dado
que
a m
ãe s
eja
sem
pre
ouvi
da n
esse
s ca
sos.
Que
m fi
cará
com
o fi
lho/
a? 6
1%
diss
eram
que
ser
á a
avó
quem
irá
cuid
ar d
e se
u fil
ho a
pós
os s
eis
mes
es r
egul
ares
na
UM
I. E
mbo
ra a
m
aior
ia d
elas
tenh
a afi
rmad
o qu
e o
pai d
a cr
ianç
a sa
be d
a gr
avid
ez,
não
serã
o el
es q
ue c
uida
rão
da
cria
nça.
Em
70,
3% d
os c
asos
das
pr
esas
com
filh
os, é
a a
vó q
uem
fic
a co
m a
gua
rda
dele
s.
Prin
cipa
is q
ueix
as:
Falta
d`á
gua
para
tom
ar b
anho
, má
qual
idad
e da
com
ida
e pr
ecár
ias
cond
içõe
s
Rece
beu
/ re
ceb
e a
ten
dim
en
to p
ré-n
ata
l
de h
igie
ne d
o lo
cal.
O a
tend
imen
to
méd
ico
foi u
m d
os a
ssun
tos
mai
s m
al a
valia
dos
pela
s m
ulhe
res.
Den
únci
as d
e A
gres
sões
e T
rans
-po
rte
de g
rávi
das
à m
ater
nida
de:
houv
e m
uita
s qu
eixa
s ac
erca
do
trat
amen
to r
eceb
ido
pela
s m
ulhe
res
pres
as p
or a
gent
es p
enite
nciá
rios
e ag
ente
s do
Ser
viço
de
Ope
raçõ
es
Espe
ciai
s da
SEA
P (S
OE)
: re
lato
s de
ag
ress
ões
físic
as e
ver
bais
, vio
laçã
o ao
dire
ito à
intim
idad
e da
s m
ulhe
-
res,
uso
inde
vido
de
alge
mas
, in-
clus
ive
no p
arto
, alé
m d
a de
mor
a e
da d
esco
nfian
ça n
os a
tend
imen
tos
quan
do s
olic
itado
s (h
ouve
cas
os d
e pa
rtos
den
tro
do T
B e
aind
a de
n-tr
o do
tran
spor
te).
Pala
vras
com
o “b
arrig
a de
lom
brig
a”, “
moc
reia
”,
“men
tiros
a”, “
pres
a nã
o te
m d
irei-
to”
fora
m n
arra
das
pela
s pr
esas
e
prat
icam
ente
toda
s as
mul
here
s de
-nu
ncia
ram
alg
um ti
po d
e vi
olaç
ão
de s
eus
dire
itos
dura
nte
o cu
mpr
i-m
ento
de
sua
pena
.
Situ
açã
o ju
ríd
ica
atu
al
Nú
mero
de e
ntr
evi
sta
s
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 50
w
CONSELHO PENITENCIÁRIO
DO RIO DE JANEIRO (Gestão 2011-2015)
Apoio:
Realização: Grupo de Pesquisa em Política de Drogas e Direito Humanos do Laboratório de Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ)
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 51
Berkeley LawBerkeley Law Scholarship Repository
Faculty Scholarship
11-1992
The New Penology: Notes on the EmergingStrategy of Corrections and Its ImplicationsMalcolm M. FeeleyBerkeley Law
Jonathan SimonBerkeley Law
Follow this and additional works at: http://scholarship.law.berkeley.edu/facpubsPart of the Criminal Law Commons, and the Law Enforcement and Corrections Commons
This Article is brought to you for free and open access by Berkeley Law Scholarship Repository. It has been accepted for inclusion in FacultyScholarship by an authorized administrator of Berkeley Law Scholarship Repository. For more information, please contact [email protected].
Recommended CitationMalcolm M. Feeley and Jonathan Simon, The New Penology: Notes on the Emerging Strategy of Corrections and Its Implications, 30Criminology 449 (1992),Available at: http://scholarship.law.berkeley.edu/facpubs/718
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 52
HeinOnline -- 30 Criminology 449 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 53
HeinOnline -- 30 Criminology 450 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 54
HeinOnline -- 30 Criminology 451 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 55
HeinOnline -- 30 Criminology 452 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 56
HeinOnline -- 30 Criminology 453 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 57
HeinOnline -- 30 Criminology 454 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 58
HeinOnline -- 30 Criminology 455 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 59
HeinOnline -- 30 Criminology 456 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 60
HeinOnline -- 30 Criminology 457 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 61
HeinOnline -- 30 Criminology 458 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 62
HeinOnline -- 30 Criminology 459 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 63
HeinOnline -- 30 Criminology 460 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 64
HeinOnline -- 30 Criminology 461 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 65
HeinOnline -- 30 Criminology 462 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 66
HeinOnline -- 30 Criminology 463 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 67
HeinOnline -- 30 Criminology 464 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 68
HeinOnline -- 30 Criminology 465 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 69
HeinOnline -- 30 Criminology 466 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 70
HeinOnline -- 30 Criminology 467 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 71
HeinOnline -- 30 Criminology 468 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 72
HeinOnline -- 30 Criminology 469 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 73
HeinOnline -- 30 Criminology 470 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 74
HeinOnline -- 30 Criminology 471 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 75
HeinOnline -- 30 Criminology 472 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 76
HeinOnline -- 30 Criminology 473 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 77
HeinOnline -- 30 Criminology 474 1992
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 78
Citation: 36 Criminology 763 1998
Content downloaded/printed from HeinOnline (http://heinonline.org)Fri Feb 28 06:35:01 2014
-- Your use of this HeinOnline PDF indicates your acceptance of HeinOnline's Terms and Conditions of the license agreement available at http://heinonline.org/HOL/License
-- The search text of this PDF is generated from uncorrected OCR text.
-- To obtain permission to use this article beyond the scope of your HeinOnline license, please use:
https://www.copyright.com/ccc/basicSearch.do? &operation=go&searchType=0 &lastSearch=simple&all=on&titleOrStdNo=0011-1384
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 79
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 80
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 81
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 82
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 83
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 84
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 85
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 86
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 87
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 88
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 89
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 90
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 91
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 92
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 93
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 94
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 95
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 96
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 97
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 98
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 99
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 100
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 101
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 102
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 103
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 104
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 105
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 106
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 107
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 108
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 109
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 110
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 111
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 112
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 113
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 114
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 115
FERNANDA PRATES FRAGABacharel em Direito pela PUC/RJ. mestre em Ciências Penais pela Uni-versidade Cândido mendes. Doutora em Criminologia pela Universidade de montréal (Canada). Pos-doutora em Criminologia pela Universidade de Ottawa (Canada) . Advogada criminalista, membro do Conselho Pe-nitenciario e do Comité Estadual de Prevenção e Combate à Tortura.
CRimiNOlOGiA E ExECUçãO PENAl
FGV DIREITO RIO 116
FICHA TÉCNICA
Fundação Getulio Vargas
Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE
FGV DIREITO RIO
Joaquim FalcãoDIRETOR
Sérgio GuerraViCE-DiRETOR DE ENSiNO, PESQUiSA E PÓS-GRADUAçãO
Rodrigo ViannaViCE-DiRETOR ADmiNiSTRATiVO
Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAçãO
André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚClEO DE PRÁTiCA JURÍDiCA
Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSiNO
Marília AraújoCOORDENADORA ExECUTiVA DA GRADUAçãO