Criminologia e segurança pública - Profº Gesiel Oliveira

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Criminologia e segurança pública Profº Gesiel Oliveira drgesiel.blogspot.com Faculdade de Teologia e Ciência Humanas do Amapá Disciplina: Criminologia e Segurança Pública Profº Gesiel de Souza Oliveira www.drgesiel.blogspot.com

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Criminologia e segurança pública

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Criminologia e Segurança Pública

Profº Gesiel de Souza Oliveira

1- ABORDAGENS TEÓRICAS EM SOCIOLOGIA DO CRIME E DA VIOLÊNCIA

A intenção desta disciplina é promover um estudo das possíveis causas da criminalidade e da reação do Estado a elas. Para isso, este material tratará do desenvolvimento histórico da criminologia (ciência do crime), no decorrer dos séculos XIX e XX , a fim de analisar as principais contribuições de estudiosos para a compreensão do crime.

A Criminologia se divide em três ramos: a sociologia do direito (que estuda as condições de desenvolvimento das leis penais), a etiologia criminal (que estuda as causas da criminalidade), e a penalogia (que estuda a luta contra a criminalidade), segundo Sutherland (apud Dias e Andrade, 1997). Esta apostila se concentrará nos ramos da etiologia criminal e da penalogia.

Partiremos de algumas noções fundamentais para, em seguida, passarmos ao estudo do crime. Estudaremos as teorias que partem da noção de crime centrada no indivíduo e as teorias que partem da noção de crime centrada na sociedade. Complementando o estudo destas últimas teorias, há um anexo no final da apostila.

1.1 - Algumas noções preliminares e historicas:

Em 1879, há registros de que o antropólogo francês Topinard teria utilizado, pela primeira vez, o termo criminologia e, em 1885, ele apareceu no título da obra de Garófalo, “A Criminologia”. Em razão de circunstâncias como essas, autores tendem a vincular o nascimento da criminologia como ciência, com o nascimento da Escola Positiva. No entanto, conforme explicam Dias e Andrade (1997), embora a criminologia tenha passado a apresentar-se como ciência com o Positivismo, sendo definida como “estudo etiológico-explicativo do crime”, a preocupação sistemática com o problema do crime se deu desde a Escola Clássica. Na verdade, a preocupação com o crime tem uma existência muito mais antiga, que pode ser percebida já em Platão (As Leis) e Aristóteles (Ética a Nicômaco).

Segundo Dias e Andrade (1997), a Escola Clássica analisou o problema do crime sob o prisma dos ideais filosóficos e políticos do racionalismo moderno. Para eles, essa escola se baseia em dois princípios: o primeiro é concernente ao principal objetivo do direito criminal e da ciência criminal que seria previnir os abusos por parte das autoridades, e o segundo seria a visão que se tem do crime, pois ele é tido não como uma entidade de fato, mas uma entidade de direito. Nessa perspectiva, destaca-se a obra “Dei delitti e delle pene”, em 1764, de Cesare Beccaria, que encontrou no contrato social o fundamento legítimo do direito de punir, assim como sua utilidade.

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A Escola Positivista, ante o desmoronamento das expectativas trazidas pelo Iluminismo nas reformas penais e penitenciárias (ou seja, ao invés de reduzir a dimensão da criminalidade, esta não só havia aumentado como se diversificado, apontando altas taxas de reincidência), passou a se concentrar na natureza e nas causas do crime. Essa escola, inaugurada com a publicação de “L‟Uomo delinquente”, em 1876, de Cesare Lombroso, conforme esclarece Dias e Andrade (1997), pauta-se pelos seguintes critérios: negação do livre-arbítrio, determinismo, previsibilidade dos fenômenos humanos que reconduzem às leis, separação entre ciência e moral, neutralidade axiológica da ciência, método indutivo-quantitativo.

Destaca-se ainda nessa escola as obras de Ferri e Garófalo que, embora tenham sido discípulos de Lombroso, guardam algumas divergências entre si e quanto ao mestre. Enquanto Lombroso se ateve ao fator antropológico, Ferri trouxe à tona as condicionantes sociológicas, e Garófalo, o elemento psicológico.

O século XX vem marcando o abandono do antropologismo de Lombroso e o surgimento da sociologia criminal americana, caracterizada por sua organização, profissionalização e divulgação, por meio de manuais, revistas e congressos. A sociologia criminal desenvolveu-se juntamente com a própria sociologia americana que se deu, segundo Dias e Andrade (1997), tanto no plano teórico como no empírico, tratando o crime como um comportamento desviante e enquadrando-o no conceito de fato social. O desenvolvimento da sociologia criminal americana apresenta as seguintes etapas: nos anos 20 e 30, a escola ecológica de Chicago; em seguida, as teorias culturalistas e funcionalistas, as perspectivas interacionistas; e, mais recentemente, as teorias críticas (o labeling approach, a etnometodologia e a criminologia radical).

Essa criminologia rompe com a criminologia tradicional, e essa ruptura é tanto metodológica quanto epistemológica, marcada, como lembram os referidos autores, pelo abandono da perspectiva etiológica-determinista e pela substituição do referencial estático e descontínuo pelo referencial dinâmico e contínuo na abordagem do comportamento desviante. Esse rompimento é também e, sobretudo, evidenciado pela reformulação do problema, ou seja:

As questões centrais da teoria e da prática criminológicas deixam de se reportar ao„delinquente‟ ou mesmo ao „crime‟, para se dirigirem, sobretudo, ao próprio sistema de controlo, como conjunto articulado de instâncias de produção normativa e de audiências de reacção. Em vez de se perguntar „por que é que o criminoso comete crimes‟, passa a indagar-se primacialmente porque é que determinadas pessoas são tratadas como criminosos, quais as consequências desse tratamento e qual a fonte da sua legitimidade.Não são, em síntese, os „motivos‟ do delinquente mas antes os critérios (os mecanismos de seleção) das agências ou instâncias de controlo que constituem o campo natural desta nova criminologia (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 42-43).

Como se pode perceber nesse breve relato histórico, que será aprofundado nos próximos tópicos, a diferente perspectiva das escolas criminológicas evidenciará diferentes perspectivas quanto ao objeto estudado, assim como quanto ao método.

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2- Sobre o objeto da Criminologia:

A Criminologia pode ser entendida, segundo Zaffaroni e Pierangeli (2004), como uma disciplina que estuda, sob o aspecto biopsicossocial, a questão criminal. Sendo assim, ela se integra com as ciências da conduta aplicadas às condutas criminais.

Segundo Bleger (apud ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 152):

São chamadas „ciências da conduta‟ as que estudam a conduta humana desde o ponto de vista do ser desta conduta. O direito penal determina que condutas são desvaloradas e como se traduz este desvalor em conseqüências jurídicas, mas não se pergunta acerca do ser desta conduta, do que ela representa na biografia do sujeito, da problemática geral das condutas criminosas na vida social etc. Essas questões correspondem a outras ciências, que são a biologia, a psicologia e a sociologia, ou seja, as ciências que estudam a conduta humana. Não se trata de ciências que estudam objetos distintos, e sim de disciplinas que estudam um mesmo objeto (conduta humana) em três níveis diferentes de complexidade.

Inicialmente, afirmam Zaffaroni e Pierangeli (2004), a criminologia era vista como uma disciplina “causal-explicativa” do delito, capaz, pelo menos, de “esclarecer as causas ou as origens das condutas criminais”. Dessa forma, o objeto de estudo da referida disciplina era dado pela lei penal, ou seja, por um ato do poder político. Daí derivam algumas contradições apresentadas pelos autores em análise:

Como uma “ciência” objetiva e asséptica ideologicamente podia ter um objeto delimitado pelo poder político?

Como a criminologia pode se ater a causas do delito, se este é presumido pelo direito penal como resultante de uma capacidade humana de escolha?

Em razão dessas e de outras críticas, buscou-se um conceito sociológico de crime, que pode ser remontado a Garófalo, com a teoria do delito natural. Essa teoria, pautada por um consenso universal, capaz de evitar a arbitrariedade do poder, como diz Zaffaroni e Pierangeli (2004), corresponderia à violação dos sentimentos altruísticos fundamentais, como piedade e probidade. Segundo Dias e Andrade (1997), o delito natural existiria na sociedade independentemente das concepções particulares ou exigências de determinadaépoca, ou seja, ele configuraria a “ofensa feita ao senso moral da humanidade civilizada”.

Com a teoria sociológico-criminal, também se tentou definir o crime como uma unidade autônoma e anterior à definição jurídico-penal. Segundo Dias e Andrade (1997), há na criminologia americana um consenso da ideia de deviance como conceito sociológico de crime, no entanto, há divergências quanto à definição de deviance.

[…] há quem defina a deviance como a „violação das expectativas da maioria dos membros duma sociedade‟ (COHEN); outros englobam nela „todo o comportamento que provoca reações negativas de terceiros‟ (WHEELER); outros ainda caracterizam-na „pela circunstância de a maior parte das pessoas duma sociedade entender que se devem aplicar sanções negativas‟ (ERIKSON). (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 74).

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Para a criminologia radical, a definição de crime deve-se dar a partir dos direitos humanos, logo, crime seria toda violação, individual ou coletiva, aos direitos humanos. Apesar dessa diversidade de conceitos, há entre eles um núcleo comum, como lembram Dias e Andrade (1997), ou seja, ambos trazem uma referência jurídica e uma referência sociológica. É como diz Vold (apud DIAS; ANDRADE, 1997, p. 84): “O crime implica sempre duas coisas: um comportamento humano, e o julgamento ou a definição desse comportamento por parte de outros homens que o consideram como próprio e permitido, ou impróprio e proibido”.

Em suma, concluem Dias e Andrade (1997, p. 90) que a criminologia:

[…] terá de operar com uma pluralidade de conceitos de crime. Na medida em que, para efeitos de exposição e de síntese, se afigura útil um conceito criminológico geral de crime, este deverá conceber-se como algo mais do que um mero conceito sociológico (como comportamento desviante, socialmente danoso, capaz de provocar reacções emotivas) e, simultaneamente, como algo mais do que um puro conceito jurídico-legal. Será, por outro lado, um conceito intrinsecamente animado de uma intencionalidade crítica em relação ao direito penal vigente.

3- Sobre as teorias criminológicas: o paradigma etiológico-explicativo

Segundo Dias e Andrade (1997), as teorias etiológico-explicativas do crime se dividem em:

3.1 Teorias de nível individual (Teorias do controle): o homem delinquente

Bioantropológicas

Psicodinâmicas

Psico-sociológicas

3.2 Teorias de nível sociológico: a sociedade criminógenaEtiológicas

Ecológicas

Subcultura delinquente

Anomia

Interacionistas

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4- O homem delinquenteO estudo científico-explicativo do crime, inicialmente, foi feito em caráter individual. As teorias que foram surgindo pautavam-se, como ressalta Shah (apud DIAS E ANDRADE, 1997), nos processos e condições característicos do organismo e não do ambiente.

Aqui são privilegiados os fatores constitutivos do homem como responsáveis por seu comportamento, e não por fatores resultantes de seu processo de socialização. Ou seja, nessa perspectiva, pode-se dizer que o criminoso não é totalmente responsável pelo crime, pois os fatores que o influenciam escapam a seu controle (DIAS E ANDRADE, 1997).

5- Teorias bioantropológicas

No século XIX, surgem as teorias bioantropológicas, que têm seu maior representante em Lombroso, cuja tese central era o atavismo. Segundo essas teorias, há “tipos-de-pessoas” predispostas ao crime. Para Lombroso, por exemplo, criminoso nato seria o indivíduo que manifestasse os ferozes instintos, seja do homem primitivo, seja dos próprios animais inferiores.

Dentro dessa perspectiva, Hooton pretendeu dar bases científicas à tese de Lombroso do “tipo físico”. Segundo Dias e Andrade (1997), comentando a tese de Hooton, esse autor teria analisado mais de 13.000 reclusos e solidificado a tese da inferioridade. Para ele, o delinquente seria um ser humano físico, moral e intelectualmente inferior. Sendo assim, o crime só poderia ser evitado com a eliminação ou segregação absoluta dos indivíduos inferiores fisica, moral ou intelectualmente.

Atualmente, com o desenvolvimento de disciplinas como a genética, a bioquímica, a endocrinologia e a psicofisiologia, surgiram as “modernas teorias bioantropológicas” para tentar dar explicações para o crime. Para essas teorias, embora permaneça o pressuposto de que o comportamento será melhor compreendido se forem compreendidas as determinantes biológicas, elas se diferenciam das antigas teorias bioantropológicas a partir da mudança na explicação do crime. Como dizem Dias e Andrade (1997, p. 175):

[…] o que verdadeiramente caracteriza as modernas teorias bioantropológicas, mais do que o conteúdo das suas hipóteses, é a sua atitude fundamental face ao problema da explicação do crime. Abandonaram-se, desde logo, as pretensões de definitividade e exclusividade, características de autores como Lombroso ou Hooton. As teorias explicativas são acompanhadas de marcados coeficientes de dúvida e provisoriedade. Por seu turno, parece ter-se superado a velha controvérsia natureza/educação […] Não se pretende que as variáveis bioantropológicas sejam de per si determinantes do crime em geral ou de qualquer forma específica de criminalidade. Entende-se, pelo contrário, que estas variáveis funcionam em interacção contínua com as variáveis de índole sociológica ou ambiental. Como escrevem dois autores [S.Shah e L.Roth] que mais têm contribuído para a fundamentação desta nova perspectiva: „Partimos do postulado de que o comportamento tem de ser entendido como implicando uma interacção entre um organismo e um ambiente determinado. Por variáveis orgânicas entendemos os factores psicológicos, fisiológicos, bioquímicos, genéticos e outros factores biológicos que dotam o organismo com certas predisposições e capacidades de resposta e um sistema nervoso central, permitindo respostas muito diferenciadas a estímulos ambientais. (…) Desejamos também explicitar que não há nenhuma categoria de crime, nem mesmo os casos de

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violência episódica, que seja especificamente determinada por factores biológicos. Não sustentamos que exista qualquer nexo exclusivo de causalidade entre os factores bioantropológicos e o crime‟.

6- Teorias psicodinâmicasO surgimento dessas teorias significa a passagem do plano bioantropológico para o plano da psicologia criminal.

Para essas teorias, o homem é um ser anti-social e, partindo dessa premissa, elas se colocam a seguinte questão: Por que a generalidade das pessoas não comete crimes? Como bem explicam Dias e Andrade (1997), a diferença entre o delinquente e o cidadão normal encontra-se no sucesso ou insucesso dos processos de aprendizagem e socialização. Como diz Cohen (1968, p. 117 apud DIAS; ANDRADE, 1997, p. 178): “As fontes de variação do impulso e das variáveis de controlo estão na biografia do indivíduo ou na situação contemporânea e não na sua constituição biológica”.

A preocupação dessas teorias gira em torno dos mecanismos de indução do comportamento normal e não em torno do cometimento do crime. Como dizem Dias eAndrade (1997), “a explicação do crime é relativamente fácil”, visto ser resultante do conflito interior entre os impulsos naturais e as resistências adquiridas pela aprendizagem de um sistema de normas (consciência ou super ego). Assim se percebe a preocupação com o estudo dos mecanismos de socialização para a investigação criminológica.

Há uma fórmula criada por Abrahansen (apud DIAS; ANDRADE, 1997, p. 179) que explicita bem essa percepção: C = T + S / R, onde C = crime; T = tendências impulsivas; S = peso das variáveis situacionais e R = resistências racionais e emocionais do indivíduo ao cometimento do crime. Destaca ainda o autor que as resistências podem ser interiores ou exteriores. Sendo interiores, elas se exprimem na culpa e, sendo exteriores, na vergonha ou no medo.

Dentre essas teorias, vale a pena destacar a “criminologia psicanalítica”, cujas primeiras manifestações se deram com as obras de Freud, Adler e Jung, e que objetiva “explicar o crime como um ato individual e analisar a psicologia da sociedade punitiva”. Conforme Dias e Andrade (1997, p. 191), a criminologia psicanalítica se baseia em três princípios:

1.º – O homem é, por natureza, um ser a-social. Por isso é que FREUD refere a criança como um perverso polimórfico e Stekel como um criminoso universal.2.º – A causa do crime é, em última instância, social. „O crime – escreve GLOVER – representa uma das parcelas do preço pago pela domesticação de um animal selvagem por natureza; ou, numa formulação mais atenuada, é uma das consequências de uma domesticação sem êxito‟.3.º – É durante a infância que se modela a personalidade. É, noutros termos, durante a infância que se definem os equilíbrios ou desequilíbrios que, com carácter duradoiro, hão-de dar origem ao comportamento desviante ou às condutas socialmente aceites.

A tese central dessa teoria consiste, portanto, na explicação de que o crime se dá quando o Super ego não consegue inibir o Ego, deixando-o livre para as demandas do Id. O crime significa uma fuga à vigilância do Super ego (DIAS: ANDRADE, 1997).

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Para fins de ilustração dessa teoria, vale destacar as categorias do criminoso por sentimento de culpa e do criminoso normal.

O criminoso por sentimento de culpa pratica um crime pela necessidade de ser punido, ou seja, a culpa é a causa e não a consequência.

É comum nesses criminosos formas inconscientes de autodenúncia e de confissão, como, por exemplo, deixar certos vestígios, ou mesmo, a tendência de voltar ao local do crime. Já o criminoso normal é aquele cuja personalidade se identifica com o crime, não havendo conflito, portanto, entre o Super ego e o Id. Trata-se do sujeito socializado conforme modos de vida desviantes, como exemplo temos a “delinquência juvenil mais ou menos organizada e a delinquência habitual” (DIAS; ANDRADE, 1997).

No que tange à psicanálise da sociedade punitiva, pode-se dizer que a criminologia psicanalítica antecipou-se à teoria do labeling, tentando descobrir os mecanismos que levam uma sociedade a punir criminosos.

A psicanálise da sociedade punitiva procura, assim, responder a um conjunto de questões do género: como deve compreender-se a indignação colectiva que o crime desperta? Como se explica que o crime exerça um fascínio latente tão poderoso e funcione como um“exemplo corruptor” com uma tão eficaz força infecciosa? Onde se situam as raízes dos sentimentos individuais e coletivos de vingança, expiação e retribuição? Como se explica o sentimento de justiça que preside à sociedade? Que funções desempenha o criminoso na vida espiritual da comunidade e dos seus membros? (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 202).

Nessa perspectiva, a pena tem a função de legitimação da ordem vigente. A punição reforça o Ego social, evitando o contágio do crime, pois castigar o delinquente significa reconfortar aquele que cumpre a lei. Os sentimentos de ambivalência da sociedade frente ao crime (ou seja, ora a sociedade se identifica com a vítima ora com o agressor) se exprimem na pena. Portanto, a pena – violência legítima – livra a sociedade do uso de seus instintos de agressão quando essa se identifica com a vítima, pois quem aplica a pena, de forma legítima, também pratica atos criminosos. E quando a identidade é com o criminoso, a pena atua como uma espécie de “autopunição e expiação” dos sentimentos coletivos de culpa, ou seja, a sociedade se pune, punindo o delinquente, transferindo sua culpa para ele (teoria do bode expiatório) (DIAS; ANDRADE, 1997).

Em razão das diferentes perspectivas da teoria psicanalítica do crime, diversas são as propostas de política criminal. Enquanto a interpretação etiológica do crime propõe para o criminoso um “tratamento” pautado na psicanálise, a interpretação da sociedade punitiva propõe: “[…] a mais radical superação dos modelos tradicionais de sociedade, dos seus sistemas jurídico-institucionais, dos seus valores culturais e dos seus mecanismos de educação e socialização” (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 205).

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7- Teorias psicossociológicas

As teorias psicossociológicas se caracterizam pela abordagem dos vínculos do indivíduo com a sociedade, procurando detectar as resistências interiores e exteriores que conduzem o sujeito à obediência da lei. Dentre essas, se destacam a “containment theory” de Walter Reckless e a “teoria do vínculo social” de Travis Hirschi.

Para a “containment theory”, os processos de controle social se distinguem em internos (resistências do próprio indivíduo) e externos (resistências da estrutura social, cultural e moral do indivíduo). A importância desses dois tipos de controle varia de sociedade para sociedade, ou seja, o controle externo, proveniente, por exemplo, da família e da vizinhança é maior numa sociedade fechada do que numa sociedade de mobilidade e diversidade, como a sociedade industrial.

É importante diferenciar, pormenorizando, o controle externo do controle interno (ou autocontrole).

Segundo Dias e Andrade (1997, p. 221), controle externo:

Trata-se das pressões, no sentido da conformidade às normas e às expectativas comunitárias, oriundas das estruturas socioculturais em que o indivíduo se insere. As suas componentes fundamentais são: a existência de uma estrutura ocupacional e de papéis aberta ao indivíduo; um quadro de oportunidades de acesso ao status; a forte coesão do grupo ou comunidade em que o indivíduo se integra e a identificação com uma ou várias pessoas deste grupo ou comunidade; sistemas alternativos de meios para a satisfação das necessidades socialmente aceites. Em síntese, a eficácia do outer containment será, sobretudo, função da existência, no indivíduo, de um sentimento de pertença a uma comunidade e a uma tradição.

Já controle interno (ou autocontrole) configura-se com a interiorização do controle (consciência). A presença dessa consciência, desse autocontrole, dá-se através de cinco indicadores, como descrevem Dias e Andrade (1997):

Uma imagem favorável de si mesmo (“um bom conceito-de-si mesmo”) como pessoa responsável e fiel aos valores legais e morais;

Orientação para objetivos (legais e legítimos);

Tolerância da frustração;

Realismo nos objetivos;

Identificação com a ordem legal e moral vigente.

A “teoria do vínculo social”, também teoria do controle, caracteriza-se pela perspectiva de que a delinquência é resultante do enfraquecimento ou rompimento do vínculo entre o indivíduo e a sociedade (HIRSCHI apud DIAS; ANDRADE, 1997).

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Essa teoria, que sustenta críticas às teorias da subcultura delinquente e da anomia, que serão tratadas mais adiante, traz um equilíbrio entre os elementos psicológicos (quanto ao conteúdo) e sociológicos (quanto à metodologia e à linguagem). Tal teoria se vale de quatro elementos para analisar o vínculo social, quais sejam: apego (ou simpatia), empenho, envolvimento e crença. Explicam Dias e Andrade (1997, p. 225-228):

Apego: “É o elemento emocional do vínculo social. Consiste na ligação afectiva de apego, simpatia, empatia e atracção do indivíduo para com o outro convencional; a sociedade, que aos olhos do jovem se mostra sobretudo através do pais, professores e amigos.”

Empenho: “Este elemento corresponde, noutros termos, ao cálculo custos-ganhos que empresta racionalidade à decisão de cometer ou não um crime […] Quanto mais o indivíduo investir (tempo, recursos, energia) em carreiras convencionais, quanto mais expressivas forem as gratificações realizadas ou esperadas, menos interessante surgirá a solução delinquente.”

Envolvimento: “Representa a medida das energias e do tempo dispendidos em carreiras convencionais. Sendo as energias e o tempo bens escassos, o seu consumo em atividades legais reduz as oportunidades delinquentes.”

Crença: “Significa a „validação moral‟ das normas convencionais e o grau de respeito que merecem por parte dos indivíduos.”

8- A sociedade criminógena

Neste tópico, serão analisadas teorias relativas à criminologia de conflito. A criminologia de conflito é contrária à criminologia de consenso. Enquanto esta corresponde à criminologia tradicional (ou positiva) e, portanto, a seus pressupostos já acima analisados, aquela se caracteriza pela percepção da distribuição da criminalidade condicionada pelos modelos institucionais (em especial o modelo econômico).

8.1 Ecologia criminal e Teoria da Desorganização social

A teoria ecológica deu início à criminologia americana nas décadas de 20 e 30. A escola criminológica de Chicago tratou o crime como um “[…] fenômeno ligado a uma área natural. Historicamente coincidente com o período das grandes migrações e da formação das grandes metrópoles, teve a escola de Chicago que afrontar-se com o problema característico do ghetto.”

Segundo Dias e Andrade (1997, p. 273), a teoria da desorganização social se define como:

„[…] o afrouxamento da influência das regras sociais de conduta existentes sobre os membros individuais do grupo‟ [Thomas]. A desorganização social significa, do ponto de vista institucional, do grupo ou da comunidade, a impossibilidade de definir e impor modelos colectivos de acção. E corresponde, para o indivíduo, a uma condição de total

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liberdade para a expressão das suas inclinações. Ainda segundo THOMAS, a desorganização social não passa de uma fase de um processo dinâmico de mudança, alternando, por isso, com fases de organização social.

Reforçando esse entendimento, vale a pena reproduzir o depoimento de Stanley no livro de Shaw, aqui analisado por Dias e Andrade (1997, p. 277):

[…] „a vida nas ruas – conta Stanley – tornou-se para mim fascinante e excitante (…). Eu era como uma canoa no meio duma forte corrente (…), as possibilidades que eu tinha de dominar os desejos de me deixar levar no sentido da corrente do mundo subterrâneo, eram iguais aos que teria uma frágil canoa de vencer a corrente‟. E acrescenta: „Furtar na vizinhança era uma prática comum entre os rapazes e aprovada pelo pais. Sempre que os rapazes se juntavam era para falar de furtos e para o planear (…). Os mais velhos entregavam-se a tarefas mais sérias como roubos, assaltos e furto de automóveis. Os mais novos admiravam os „grandes golpes‟ e aguardavam ansiosamente o dia de poderem participar neles‟.

Em razão dessa perspectiva, a proposta de política criminal apropriada, esclarem ainda os autores mencionados, deve-se dar na pequena comunidade em que vivem os delinquentes, por meio da mobilização das instituições sociais locais, como, vizinhança, igreja, escolas, etc, a fim de que seja reconstruída a solidariedade social, atuante no controle dos delinquentes.

8.2 Teorias da subcultura delinquente

Diferentemente da teoria da desorganização social, as teorias da subcultura delinquente partem da perspectiva de que há, na verdade, uma integração, por parte do criminoso nos valores culturalmente dominantes, ou seja, a busca por sucesso e status. No entanto, muitos são condenados à frustração, e esta acaba por conduzi-los à alternativas subculturais.

Segundo as teorias da subcultura delinquente, o crime resulta da interiorização e da obediência a um código moral ou cultural que torna a delinquência imperativa. À semelhança do que acontece com o comportamento conforme à lei, também a delinquência significa a conversão de um sistema de crenças e valores em acções. À luz destas teorias, não é só o delinquente que é visto como normal. Igualmente normal é o seu processo de aprendizagem, socialização e motivação. Com efeito, ao obedecer às normas subculturais, o delinquente mais não pretende do que corresponder à expectativa dos outros significantes que definem o seu meio cultural e funcionam como grupo de referência para efeitos de status e de sucesso. Isto é, segundo a expressiva caracterização de HIRSCHI, „as teorias da subcultura partem do princípio de que delinquentes são as culturas e não as pessoas‟ (DIAS; ANDRADE, 1997, p. 291-292).

8.3 Teoria da Anomia

Essa teoria parte da perspectiva de que o crime é produto do sistema e é tratado como um resultado normal, ou seja, esperado e funcional para o próprio sistema. A teoria da anomia parte do pressuposto de que os indivíduos são homogeneizados na identificação com os valores do american dream. A ambição, por exemplo, conduz o comportamento desviante. Como diz Merton (apud DIAS; ANDRADE, 1997), a anomia é um conceito sociológico que

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se refere à “ruptura dos padrões sociais que comandam a conduta”. O grau de anomia aumenta com a diminuição da força das regras na regulação da conduta.

É por conta da frustração socialmente induzida que o sujeito recorre à delinquência, ou seja, para a realização dos objetivos culturais (sucesso). Não tendo meios legítimos, o sujeito recorre aos ilegítimos. Trata-se da defasagem entre a estrutura cultural e a estrutura social, como diz o referido autor.

9- Considerações finais:

A partir dos anos 60, ganham relevância três correntes criminológicas: o labeling approach (década de 60), a etnometodologia (década de 60) e a criminologia radical (década de 70). Enquanto o labeling se ocupa de programas de descriminalização e despenalização, a criminologia radical só enxerga como solução do problema criminal a superação revolucionária do sistema capitalista. Essas correntes serão abordadas detalhadamente nos anexos seguintes.

Anexo I: A Criminologia Crítica como crítica à pena privativa de liberdade

A “[...] perspectiva radical de uma política criminal alternativa não carece de autorizadas antecipações na cultura burguesa mais iluminada. Foi Gustav Radbruch, um idealista social-democrático e também um profundo conhecedor da história e dos limites do direito penal burguês, que escreveu que a melhor reforma do direito penal seria a de substituí-lo, não por um direito penal melhor, mas por qualquer coisa melhor que o direito penal. Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a reapropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do controle do desvio” (BARATTA, 2002, p. 207).

Neste ponto serão tratadas algumas das teorias criminológicas da reação social integrantes da Criminologia Crítica. Tais terorias são as responsáveis pelo esfacelar-se dos princípios ideológicos da defesa social, e promovem, a partir do novo enfoque do etiquetamento ou “reação social” – labeling approach1 – o mutamento da perspectiva da investigação criminológica, deslocando, portanto, a perspectiva analítica do sujeito criminalizado para o sistema penal e para os processos de criminalização, ou seja, para o complexo da reação social ao desvio (BARATTA, 2002).

1 “O labelling approach (teoria do etiquetamento) é uma corrente crítica da Sociologia e da Criminologia, que teve bastante sucesso no clima progressista dos anos sessenta. Segundo os teóricos do labelling, a deliquência não é um ente em si, mas o resultado de um processo de definição, de construção social (etiquetamento). Substancialmente, delinquente é quem é definido e tratado como tal por parte dos sujeitos (ou instituições) aos quais é atribuído o poder de impor determinadas definições (médicos, juízes, patologistas sociais etc.).” (DE GIORGI, 2000, p. 22, tradução nossa).

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A teoria do etiquetamento pode ser explicada a partir de três pontos levantados por Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young em The New Criminology, obra clássica da posterior Criminologia Crítica: 1) Só vem a ser taxado de criminoso aquele que é visto pela sociedade como tal, isto é, a atividade dita criminosa vem descrita como tal por aqueles integrantes de estruturas de controle social formais ou informais; 2) O controle social induz ao desvio, pois há uma interação entre o criminoso e aquele que o controla a ponto de o sujeito considerar-se criminoso; 3) Não existe desvio se não há controle, ou seja, a

existência de instituições voltadas ao controle social ocasiona aumentos estatísticos dos eventos desviantes (MELOSSI, 2002).

É oportuno precisar que com o termo nova criminologia não é possível indicar um movimento científico homogêneo nem uma definida comunidade de especialistas; é oportuno também recordar que, não obstante a ênfase que foi dada à adjetivação nova – quase indicando uma absoluta estranheza com a outra criminologia – as teorizações de quem se define, ou mais facilmente é definido, novo criminólogo não são nada além do desenvolvimento coerente ou a extremação dos resultados ao qual chegou uma certa cultura da criminologia tradicional. Creio que se posso afirmar que, com o termo nova criminologia, pode-se abarcar uma pluralidade de iniciativas político-culturais e um conjunto de obras científicas que, a partir dos ano sessenta nos E.U.A, e sucessivamente na Inglaterra e nos outros países da Europa ocidental, ulteriormente desenvolveram as indicações metodológicas dos teóricos da reação social e do conflito até o ponto de superá-las criticamente. E, na revisão crítica dos resultados atingidos, alguns foram em direção a uma interpretação marxista – certamente não de tipo ortodoxa – dos processos de criminalização nos países de capitalismo avançado: estes últimos são reconhecidos – ou mais comumente amam reconhecer-se – como criminológos críticos (PAVARINI, 1980, p. 133, grifos do autor, tradução nossa).

A criminologia crítica2 promove questionamentos seja em torno do próprio sistema penal seja em torno da pena carcerária. Essa escola criminológica se opõe à criminologia positivista3, pois enquanto esta tem por objeto de análise as causas da delinquência, aquela tem por objeto as causas da criminalização das condutas. Segundo essa perspectiva:

Uma conduta não é criminal „em si‟ (qualidade negativa ou nocividade inerente) nem seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade ou influências de seu meio ambiente. A criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a „definição‟ legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal, e a „seleção‟ que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas (ANDRADE, 2003, p. 41).

2Esta Escola criminológica recupera: “[...] a análise das condições objetivas, estruturais e funcionais que originam, na sociedade capitalista, os fenômenos de desvio, interpretando-os separadamente, conforme se tratem de condutas das classes subalternas ou condutas das classes dominantes [...] Nesta perspectiva, „O progresso na análise do sistema penal como sistema de direito desigual está constituído pelo trânsito da descrição da fenomenologia da desigualdade à interpretação dela, isto é, ao aprofundamento da lógica desta desigualdade. Esse aprofundamento evidencia o nexo funcional que existe entre os mecanismos seletivos do processo de criminalização e a lei de desenvolvimento da formação econômica em que vivemos [...]” (ANDRADE, 2003, p. 48).3A Criminologia positivista pode ser definida como: “[...] uma Ciência causal explicativa da criminalidade; ou seja, que tendo por objeto a criminalidade concebida como um fenômeno natural, causalmente determinado, assume a tarefa de explicar as causas segundo o método científico ou experimental e o auxílio das estatísticas criminais oficiais e de prever os remédios para combatê-la. Ela indaga, fundamentalmente, o que o homem (criminoso) faz e por que o faz.”(ANDRADE, 2003, p. 35).

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A Criminologia positivista estrutura-se sobre as causas ontológicas do crime, buscando-as no criminoso, seja em aspectos biológico-naturais ou psíquicos (Lombroso), seja na junção desses critérios ao aspecto social (Ferri). Esse segmento criminológico, partindo do pressuposto de que a tendência para delinquir é um elemento natural pertencente a certo grupo de pessoas, busca identificar os tipos de pessoas propensas ao crime, esteriotipando-os e, dessa forma, contribuindo para a formação de uma imagem preconceituosa da criminalidade e do criminoso, vinculando-o às camadas sociais mais

baixas (ANDRADE, 2003). Esse modelo de criminologia positivista de tipo clínico impera completamente em toda a Europa até o final dos anos 60, afirma Pavarini (1980).

Segundo Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 155):

[…] uma „criminologia positivista‟ ou „tradicional‟, que estuda as condutas dos criminalizados e que, ao deixar o sistema penal fora de seu objeto, está aceitando a ideologia veiculada por ele, desta maneira convertendo-se em uma ideologia de justificação do sistema penal e do controle social de que este faz parte [...] Há uma série de conhecimentos tecnológicos e psicológicos que, aplicados ao sistema penal e à sua operatividade, evidenciam processos de seleção estigmatizantes, corrupção e compartimentalização que denunciam claramente o conteúdo ideológico dos discursos jurídicos e criminológicos tradicionais.

Já a Criminologia crítica, reflexo evolutivo do labelling approach4, utiliza os pressupostos metodológicos desse paradigma norte-americano e vai além, segundo Baratta (2002), visto que, além de assumir a perspectiva de criminalização das condutas, envereda pelo método materialista marxista de análise da realidade social no tocante ao crime e à pena, além de ater-se ao enfoque histórico-filosófico da crise da modernidade.

No que concerne à influência metodológica marxista, é possível afirmar que, dos estudos de Marx sobre a economia capitalista, pode-se extrair uma “natureza estrutural” dos processos criminológicos e do fenômeno criminal, a partir da constatação da formação de uma camada social marginalizada, constituída do subproletariado (consequência necessária do modelo de produção capitalista).

O subproletariado é uma formação social moderna como o proletariado: nasce, de fato, da quebra do relacionamento de subordinação de tipo feudal e da submissão da força de trabalho às novas leis do mercado capitalista. Estas leis impõem que diante de uma força de trabalho empregada (proletariado) exista necessariamente uma não-empregada (exército industrial de reserva ou subproletariado), nestes termos a pobreza adquire características específicas e estruturais na sociedade burguesa (PAVARINI, 1890, p. 129, tradução nossa).

Logo, partindo do pressuposto de que a criminalidade tem grande parte de seu fundamento nos fenômenos de marginalização social, o modelo marxista é bastante explicativo,

4 “Surge nos Estados Unidos da América, final da década de 50 e início da década de 60, como paradigma da reação social. O labelling afirma que a criminalidade não tem uma ontologia natural, mas social e assim promove uma abordagem das causas do crime não na pessoa do criminoso, mas na reação social da conduta desviada. Portanto, o labelling tem uma metodologia de observação do objeto diferente da Criminologia positivista, pois enquanto esta indaga„quem é o criminoso?‟ e „por que o criminoso comete crime?‟; aquela passa a indagar „quem é definido como desviante?‟ e „por que determinados indivíduos são definidos como tais?‟.” (ANDRADE, 2003, p. 39 e 42-44).

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remetendo o referido processo de marginalização ao modelo de produção capitalista, que também expulsa as pessoas do mercado de trabalho e gera pobreza. Essa metodologia marxista se confronta, evidentemente, como diz Pavarini, com os modelos explicativos a-históricos de natureza criminal componentes da criminologia burguesa.

Marx percebe, em primeiro lugar, este nexo entre estrutura sócio-econômica e sistema repressivo no momento de passagem do sistema feudal ao capitalista de produção, quando afirma que a população vagabunda era conduzida por leis, entre o grotesco e o terrorista, a submeter-se à força de chicote, de marca de fogo, de tortura, àquela disciplina que era necessária ao sistema de trabalho assalariado. A burguesia, no seu surgir, tem necessidade de fato do poder do Estado, e dele faz uso, para regular o salário, isto é, para forçá-lo a permanecer dentro dos limites convenientes para quem quer acumular lucro, para prolongar a jornada de trabalho e para manter o próprio operário em um grau normal de dependência. Mas este nexo entre as exigências do capitalismo nascente e do sistema penal será por Marx ulteriormente especificado também em uma segunda fase quando individuará, na necessidade de educar a massa de camponeses expropriados à disciplina de fábrica, a origem do sistema repressivo burguês, vale ressaltar a origem do cárcere como instituição berço da manufatura. É, de fato, durante os séculos XVII e XVIII que, paralelamente ao surgir da manufatura, assiste-se ao progressivo desaparecimento das velhas formas de punição corporal e ao nascimento de novas instituições (casas de trabalho, casas de correção, e só em seguida o cárcere) desconhecidas no período precedente, no interior das quais, de modos diversos, impõem-se coativamente as formas da disciplina proletária, aquela disciplina que o subproletariado, o futuro proletariado, será levado a submeter-se e, portanto, aprender, para tornar possível a própria existência da sociedade burguesa, vale dizer a acumulação do capital, a abstração do lucro (PAVARINI, 1890, p. 130-131, tradução nossa).

O que diferencia, praticamente, a Criminologia Crítica da Positivista, na visão de Pavarini (1980), é mais o método de análise que o objeto de estudo, pois aquela retoma temas tradicionais analisados já por esta, como criminalidade econômica, crimes contra a propriedade, estatísticas criminais, etc, todos analisados sob uma nova perspectiva, que toma, por exemplo, os crimes contra a propriedade como tentativa de defesa das classes subalternas; que analisa as estatísticas criminais em paralelo com o movimento do mercado de trabalho; e que observa o sistema penal, principalmente o sistema carcerário, como instrumento de repressão de classe, tendo em vista a seletividade no aprisionamento.

Um dos grupos teóricos responsáveis pela crítica à legitimidade do Direito Penal, que ataca em particular o aspecto concernente à função preventiva da pena, é constituído pelas teorias psicanalíticas. Segundo essas teorias, a reação do sistema penal ao comportamento delituoso não tem por objetivo expurgar a criminalidade, e, sim, satisfazer mecanismos psicilógicos, em razão dos quais a conduta desviante criminalizada não só é necessária como também inafastável da sociedade. Dessa forma:

A função psicossocial que atribuem à reação punitiva permite interpretar como mistificação racionalizante as pretensas funções preventivas, defensivas e éticas sobre as quais se baseia a ideologia da defesa social (princípio de legitimidade) e em geral toda ideologia penal (BARATTA, 2002, p. 50).

Consoante o entendimento de que o objetivo real da pena tem fundamento no efeito dissuasivo por ela imposto aos impulsos proibitivos do delinquente ou da sociedade, Reik (1971, p. 9 apud BARATTA, 2002, p. 49) constata:

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[...] a tendência de desenvolvimento do direito penal é a da superação da pena: „talvez virá um tempo em que a necessidade de punição será menor do que na atualidade, e em que os meios de que se dispõe para evitar o delito estarão para a pena assim como o arco-íris está para o tremendo temporal que o precedeu.

Partindo da concepção de que, para se compreender a criminalidade, é mister compreender a atuação do sistema penal (que a define e visa sua reprimenda), o labeling approach volta-se ao estudo das reações das instâncias oficiais de controle social, tais como polícia, juízes, instituições penitenciárias. Tais instâncias, por sua vez, operam como instâncias constitutivas da criminalidade, na medida em que o indivíduo, que embora tenha cometido o mesmo delito daquele alcançado por essas instâncias, não recebe o mesmo estigma. O elemento característico do contraste de orientação da criminologia tradicional com a orientação da criminonlogia crítica, pode ser assim tratado:

O que distingue a criminologia tradicional da nova sociologia criminal é visto, pelos representantes do labeling approach, principalmente, na consciência crítica que a nova concepção traz consigo, em face da definição do próprio objeto da investigação criminológica e em face do problema gnosiológico e de sociologia do conhecimento que está ligado a este objeto (a „criminalidade‟, o „criminoso‟), quando não o consideramos como um simples ponto de partida, uma entidade natural para explicar, mas como uma realidade social que não se coloca como préconstituída à experiência cognoscitiva e prática, mas é construída dentro desta experiência, mediante os processos de interação que a caracterizam. Portanto, esta realidade deve, antes de tudo, ser compreendida criticamente em sua construção (BARATTA, 2002, p. 86).

Há de fato, como diz Barata, uma grande diferença entre a perspectiva norteadora do labeling e a da criminologia positivista. Enquanto o labeling sofre grande influência da psicologia social e da sociolinguística inspirada por George Mead (o interacionismo simbólico)5 e da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz (a etnometodologia)6; a criminologia positivista, assim como em grande parte a criminologia liberal contemporânea, sofre influência das definições jurídicas de comportamento criminoso e detém-se a estudar tal comportamento como um atributo existente objetivamente. Considera as normas e princípios transgredidos como valores universais, perceptíveis pela razão e presentes em qualquer ser humano. Vale a pena ressaltar as diferenças metodológicas na abordagem da questão criminal em cada uma dessas perspectivas criminológicas:

Os criminólogos tradicionais examinam problemas do tipo „quem é criminoso?‟, „como se torna desviante?‟, „em quais condições um condenado se torna reincidente?‟, „com que meios se pode exercer controle sobre o criminoso?‟. Ao contrário, os interacionistas, como em geral os autores que se inspiram no labeling approach, se perguntam: „quem é definido como desviante?‟, „que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo?‟, „em que condições este indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?‟ e, enfim, „quem define quem?‟ A pergunta relativa à natureza do sujeito e do objeto, na definição do comportamento desviante, orientou a pesquisa dos teóricos do labeling approach em duas direções: uma direção conduziu ao estudo da formação da „identidade‟ desviante, e do que se define como „desvio secundário‟, ou seja, o efeito da aplicação da etiqueta de

5“Segundo o interacionismo simbólico, a sociedade – ou seja, a realidade social – é constituída por uma infinidade de interações concretas entre indivíduos, aos quais um processo de tipificação confere um significado que se afasta das situações concretas e continua a estender-se através da linguagem.” (BARATTA, 2002, p. 87).6 “Também segundo a etnometodologia, a sociedade não é uma realidade que se possa conhecer sobre o plano objetivo, mas o produto de uma „construção social‟, obtida graças a um processo de definição e de tipificação por parte de indivíduos e de grupos diversos.” (BARATTA, 2002, p. 87).

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“criminoso‟ (ou também de „doente mental‟) sobre a pessoa em quem se aplica a etiqueta; a outra direção conduz ao problema da definição, da constituição do desvio como qualidade atribuída a comportamentos e a indivíduos, no curso da interação e, por isto, conduz também para o problema da distribuição do poder de definição, para o estudo dos que detêm em maior medida, na sociedade, o poder de definição, ou seja, para o estudo das agências de controle social (BARATTA, 2002, p. 88-89).

Pode-se dizer ainda que a teoria do labeling approach ataca criticamente os princípios da prevenção e do fim, além da ideologia ressocializante da pena, evidenciando o abismo existente entre tal ideologia e a função real do tratamento. Isso porque, segundo o referido autor, essa teoria tem por base o fato de que o poder de criminalização e seu exercício estão diretamente relacionados à estratificação social, ou seja, o sistema penal exerce uma função seletiva relativamente aos interesses das diferentes camadas sociais. Serve o sistema penal, portanto, de instrumento de repressão e marginalização das camadas inferiores.

Como exemplo, pode-se destacar os crimes de colarinho branco, que apesar da baixa punitividade, têm uma elevada “cifra negra”. Essa questão suscita dois tipos de análise: o primeiro consiste na da estreita relação existente entre o estrato social ocupado e a possibilidade de criminalização ou, até mesmo, de punição das condutas referentes a seus integrantes; o segundo consiste na de valoração e interpretação das estatísticas criminais. Este tipo visa observar a criminalidade nos vários estratos sociais, assim como a elaboração de teorias da criminalidade com base nesses resultados, o que obviamente contribui para a constatação de uma forte concentração da criminalidade nos estratos sociais mais baixos e pouco concentrada nos estratos superiores. No entanto, a teoria do labeling, assim como as demais teorias liberais contemporâneas, com base na diversidade metodológica e teórica na observação do fenômeno delitivo, não só não podem ser enquadradas num modelo único de análise da criminalidade, como também não apresentam uma proposta positiva de substituição à defesa social. É mister destacar que, entre essas teorias, o labeling é a que oferece um modelo mais completo de crítica à defesa social, atingindo a máxima autonomia na definição do próprio objeto de análise, desprendendo-se dos conceitos legais e negando consistência ontológica à criminalidade (BARATTA, 2002).

É certo, porém, que as teorias liberais contemporâneas7 representam um avanço com relação ao pensamento criminológico burguês e suas concepções patológicas da criminalidade8. Logo:

7 “[...] as teorias integrantes da criminologia liberal contemporânea inverteram a relação da criminologia com a ideologia e a dogmática penal. Elas sustentaram o caráter normal e funcional da criminalidade (teoria funcionalista), a sua dependência de mecanismos de socialização a que os indivíduos estão expostos, não em função de pretensos caracteres biopsicológicos, mas da estratificação social (teoria das subculturas); deslocaram cada vez mais a atenção do comportamento criminoso para a função punitiva e para o direito penal (teoria psicanalítica da sociedade punitiva), para os mecanismos seletivos que guiam a criminalização e a estigmatização de determinados sujeitos (teoria do labeling). Elas mostraram como esta função e estes mecanismos, mais que com a defesa de interesses sociais preoemnentes, tinham a ver com o conflito, que se desenvolve no inconsciente, entre impulsos individuais e inibições sociais (teoria psicanalítica) ou com as relações de hegemonia entre classes (poder de definição, por um lado, submissão à criminalização, por outro: teorias conflituais).” (BARATTA, 2002, p. 148).

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O novo sistema de controle social do desvio, que a ideologia das teorias liberais racionaliza, como demonstra a experiência prática, até hoje, dos países capitalistas mais avançados, pode ser interpretado como uma racionalização e uma integração do sistema penal e do sistema de controle social, em geral, com o fim de torná-lo mais eficaz e mais econômico em relação à sua função principal: contribuir para a reprodução das relações sociais de produção. Do ponto de vista da „visibilidade‟ sociológica, isto significa contribuir para a manutenção da escala social vertical, da estratificação e da desigualdade dos grupos sociais. A ideologia racionalizante se baseia, principalmente, na tese da universalidade do fenômeno criminoso e da função punitiva (BARATTA, 2002, p. 150).

Além do mais, ressalta Baratta (2002, p. 153):A ideologia substitutiva construída pelas teorias liberais contemporâneas da criminalidade é uma ideologia complexa, que supera os pressupostos éticos e matafísicos que ainda se aninham na ideologia penal da defesa social (princípio do bem e do mal, princípio de culpabilidade etc.) para pôr o controle social do desvio na típica plataforma tecnocrática, reformista e eficientista que caracteriza a mediação política das contradições sociais, nos sistemas de máxima concentração capitalista. A estratégia político-criminal correspondente às exigências do capital monopolista é, portanto, baseada: a) sobre a máxima efetividade do controle social das formas de desvio disfuncionais ao sistema de valorização e de acumulação capitalista (delitos contra a propriedade e desvio político), compatível com a medida mínima de transformação do próprio sistema; b) sobre a máxima imunidade assegurada a comportamentos socialmente danosos e ilícitos, mas funcionais ao sistema (poluição, criminalidade política, conluio entre órgãos do Estado e interesses privados) ou que exprimem só contradições internas aos grupos sociais hegemônicos (certas formas de delitos econômicos relativos à concorrência e ao antagonismo entre grupos capitalistas, no caso em que as relações de força entre eles não permitem o predomínio de uns sobre os outros).

É possível afirmar, portanto, que as observações trazidas pela criminologia crítica, baseadas na teoria marxista, promovem uma crítica do sistema penal por inteiro. Aqui, conforme orientação de Baratta, o direito penal é entendido como um “sistema dinâmico”, ao invés de um “sistema estático de normas”. Um sistema que se move em três dimensões: uma de produção normativa, correspondente ao processo de criminalização primária, outra de aplicação normativa que corresponde ao processo penal e suas instâncias de atuação, produtoras da criminalização secundária e, por fim, a dimensão executiva da pena. A partir desse entendimento, denota-se a desigualdade característica do direito penal, assim como dos demais ramos do direito moderno, do direito burguês. Constata então Baratta (2002, p. 164):

O sistema penal de controle do desvio revela, assim como todo o direito burguês, a contradição fundamental entre igualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancial dos indivíduos, que, nesse caso, se manifesta em relação às chances de serem definidos e controlados como desviantes. Em relação a este setor do direito a

8 “As teorias patológicas da criminalidade tinham, de fato, em face da ideologia penal da defesa social, uma função essencialmente conservadora. Considerando os criminosos como sujeitos possuidores de características biopsicológicas anormais em relação aos indivíduos íntegros e respeitadores da lei, justificava-se a intervenção repressiva ou curativa do Estado, em face de uma minoria anormal, em defesa de uma maioria normal. A falta de uma adequada dimensão social da investigação (ou a mera e acrítica justaposição dos fatores sociais aos presumidos fatores biopsicológicos) tinha como consequência o fato de que a criminologia positivista era constrangida a emprestar do direito, de modo não -refletido, a definição de criminoso. Em outras palavras, o objeto da investigação etiológica lhe era prescrito pela lei e pela dogmática penal.” (BARATTA, 2002, p. 147).

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ideologia jurídica da igualdade é ainda mais radicada na opinião pública, e também na classe operária, do que ocorre com outros setores do direito.

Logo, fazer parte da população criminosa é sinônimo de pertencer à classe social menos favorecida. A desocupação, a falta de qualificação profissional, os problemas de socialização familiar e escolar – problemas frequentemente apontados como característicos da classe social mais baixa – eram interpretados pela criminologia positivista como causas da criminalidade – e são vistos pela criminologia crítica, diz o autor em comento, como elementos basilares para a formação do status de criminoso. Afirma, então, Baratta (2002, p. 197):

Construir uma teoria materialista (econômico-política) do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, e elaborar as linhas de uma política criminal alternativa, de uma política das classes subalternas no setor do desvio: estas são as principais tarefas que incumbem aos representantes da criminologia crítica, que partem de um enfoque materialista e estão convencidos de que só uma análise radical dos mecanismos e das funções reais do sistema penal, na sociedade tardo-capitalista, pode permitir uma estratégia autônoma e alternativa no setor do controle social do desvio, ou seja, uma “política criminal” das classes atualmente subordinadas.

Tais afirmações por parte dos estudiosos da criminologia crítica baseiam-se em dados estatísticos que indicam uma população carcerária de maioria subproletária nos países de capitalismo avançado. Indicam ainda as estatísticas: mais de 80% dos delitos que vêm a ser punidos nesses países são contra a propriedade. “Estes delitos constituem reações individuais e não políticas às contradições típicas do sistema de distribuição da riqueza e das gratificações sociais próprias da sociedade capitalista [...]” (BARATTA, 2002, p. 198-199).

Contudo, explica ainda o referido autor, tais indicações estatísticas não conduzem à conclusão, que pode parecer evidente e imediata, de que a criminalidade é uma atividade própria da classe operária e que os delitos mais cometidos concentram-se sobre a propriedade. Pois outras pesquisas, movidas pela mesma criminologia liberal, referentes aos crimes de colarinho branco, aos crimes políticos e à cifra negra demonstram quão é bem distribuído na sociedade, independentemente do estrato social, o comportamento criminoso. Toda essa análise faz constatar também como vivemos em meio a uma criminalização seletiva, na qual os atos delitivos são punidos ou não de acordo com a classe social e o exercício de poder de cada indivíduo.

A criminologia crítica compreende uma série de discursos que guardam entre si um aspecto em comum – diverso tratamento dado à definição do objeto e demais termos da questão criminal – que caracteriza a distinção entre tal pensamento criminológico e a criminologia tradicional. O que se pode denotar é propriamente uma mudança de paradigma.9

9 “A introdução do labeling approach (teoria da rotulação), devida, principalmente, à influência de correntes sociológicas de origem fenomenológica (como o interacionismo simbólico e etnometodológico) na sociologia do desvio e do controle social, e de outros desenvolvimentos da reflexão sociológica e histórica sobre o fenômeno criminal e sobre o direito penal, determinaram, no interior da criminologia contemporânea, uma mudança de paradigma, mediante a qual estes mecanismos de definição e de reação social foram ocupando um lugar cada vez mais central no objeto da investigação

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É importante destacar ainda que a criminologia crítica não constitui um saber científico que se esgota com o labeling approach. Há certas limitações na utilização, seja prática seja teórica do labeling, já apontadas pela crítica de cunho marxista que, posteriormente, foram recepcionados pela criminologia crítica. Três foram os pontos principais apontados pela crítica de esquerda:

[...] a) avaliar a criminalidade e o desvio como resultados de um processo de definições pode provocar, nesse contexto, a ocultação de situações socialmente negativas e de sofrimentos reais, que em muitos casos pode-se considerar como o ponto de referência objetivo das definições; b) fazer derivar do reconhecimento de efeitos estigmatizantes da pena, ou de outras intervenções institucionais, a tese da „radical não-intervenção‟, significa criar um óbice para as intervenções socialmente adequadas e justas; c) concentrar as investigações sobre certos setores do desvio e da criminalidade, sobre os quais, de fato, se concentram, com seu funcionamento socialmente seletivo, os processos de etiquetamento e de criminalização (as camadas mais débeis e marginalizadas do proletariado urbano), pode contribuir para a consolidação do esteriótipo dominante da criminalidade e do desvio, como comportamento normal destes grupos sociais, e deslocar, assim, a atenção dos comportamentos socialmente negativos da delinquência de colarinho branco e dos poderosos (BARATTA, 2002, p. 211-212).

O estudo criminológico, na verdade, não constitui um universo à parte em relação ao sistema penal. A criminologia tradicional executou sempre uma importante tarefa na legitimação do referido sistema punitivo, visto que se detinha no estudo da criminalidade definida pelo sistema como tal, ao invés de mover-se sob o parâmero do questionamento em torno desse modelo de criminalidade descrito pelo sistema penal. Tal contribuição pode ser caracterizada a partir do emprego de seu “[...] saber causal (a teoria das causas da „criminalidade‟) e de seu saber tecnológico (teoria das medidas penais e alternativas) a serviço dos fins declarados pelo sistema [...]” (BARATTA, 2002, p. 214-215).

Logo, para a criminologia crítica, a criminalidade não constitui uma qualidade natural, mas cultural, pois é reflexo de um mecanismo ideológico que se manifesta na elaboração de um conjunto de definições.

Contudo, não resulta possível, do ponto de vista epistemológico, propor uma investigação das causas (assim como uma política eficaz para combatê-las) dos comportamentos definidos como „criminalidade‟ e „desvio‟, sem aceitar, ao mesmo tempo, suas definições e acreditar, em consequência, os mecanismos de comunicação e de poder às quais estas correspondem. Quem nega, sobre a base de uma análise histórica e sociológica do sistema penal existente, que sua principal função real coincide com a função declarada de combater a criminalidade e, ao contrário, identifica a função real do sistema na reprodução das relações sociais de desigualdade e de subordinação, não pode, ao mesmo tempo, aceitar participar na construção ideológica dos problemas sociais desde a ótica do sistema penal e do sentido comum que lhe é complementar (BARATTA, 2002, p. 218).

criminológica. Consolidou-se, assim, um paradigma alternativo com relação ao paradigma etiológico, e que é chamado, justamente, paradigma da „reação social‟ ou „paradigma da definição‟. Sobre a base do novo paradigma a investigação criminológica tem a tendência a deslocar-se das causas do comportamento criminoso para as condições a partir das quais, em uma sociedade dada, as etiquetas de criminalidade e o status de criminoso são atribuídos a certos comportamentos e a certos sujeitos, assim como para o funcionamento da reação social informal e institucional (processo de criminalização).” (BARATTA, 2002, p. 210-211).

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O fato é que, seja a noção de criminalidade como a de desvio, entendidas a partir das definições do sistema penal, estão impregnadas na psique social. No entanto, essas noções não podem se configurar como uma certeza de ordem natural no momento de construção de formas de resolução dos conflitos sociais. De fato, a criminologia crítica apresenta outras vias de abordagem e resolução dos problemas penais, atendo-se, principalmente, ao movimento seletista deste e propondo a relativização do momento penal como técnica de solução de conflitos, considerando “[...] os efeitos nocivos e os custos sociais da pena, avaliados à luz de um sério controle empírico de sua efetividade.”(BARATTA, 2002, p. 221).

A perspectiva de reforma radical que surge de uma criminologia crítica, parte do conhecimento dos mecanismos seletivos e das funções reais do sistema, ligadas à desigual distribuição do „bem negativo‟ criminalidade; parte, como bem o formulou E. Resta, da „consciência da desigualdade‟. Desigualdade não significa, somente, uma desigual distribuição do status de criminoso entre os indivíduos. No campo da proteção dos „bens jurídicos‟ ela se traduz num isolamento, extremamente parcial e fragmentário, de âmbitos suscetíveis de ser ofendidos e de situações de ofensa a interesses ou valores importantes. Trata-se de um mecanismo sutil de concretização do „bem jurídico‟, para o qual concorrem todas as instâncias operantes nos diversos níveis ou segmentos do sistema penal, desde o legislador até os órgãos de aplicação. E concorre, igualmente, o homem da rua e da classe média. Desigualdade quer dizer, neste caso, resposta desigual às situações negativas e aos problemas sociais homólogos. Este caráter desigual (fragmentário) da proteção penal é justificado, habitualmente, pela maior ou menor disposição das situações de ofensa destinadas a ser objeto de intervenção penal. Esta justificação é um círculo vicioso. Com efeito, argumentando desta forma, a intervenção penal e suas características tecno-jurídicas, que serão consolidadas na tradição e na prática, são consideradas como elementos naturais, que correspondem aos âmbitos naturais da medida penal dos problemas (BARATTA, 2002, p. 220).

Com base nesse entendimento, é possível afirmar que entre desvio e criminalidade há uma relação de gênero-espécie segundo a qual a criminalidade se apresenta como um desvio que chegou a ser criminalizado. É mister, portanto, buscar os motivos pelos quais essa forma de análise passou a ser dominante no contexto americano. Explica Pavarini que esse fato pode ser justificado através da implantação de um “modelo consensual de integração” a uma sociedade manifestamente desigual, permeada de tantos conflitos e muito atomizada.

O modelo apto a novamente propor este mito de uma sociedade integrada foi, na realidade estadunidense, aquele estrutural-funcionalista [...] no qual a sociedade é interpretada como sistema organizado em torno de normas e valores institucionalizados cujo escopo é essencialmente a manutenção do equilíbrio através da auto-regulação coletiva. É evidente que só o consenso universal aos valores institucionais pode ser a base de um similar modelo de sociedade; não existem portanto conflitos de tipo estrutural, como expressão de dissenso, mas só situações marginais e individuais de integração negativa, de claro desvio. Mas como o sistema apresenta-se perfeito por si, enquanto integrado e capaz, pela sua lógica interna, de adaptar-se dinamicamente, o desviante pode-se justificar só em termos patológicos, como quem, por alguma razão, sofreu de uma má socialização, de uma imperfeita integração social (PAVARINI, 1980, p. 46-47, grifos do autor, tradução nossa).

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A função manifesta do direito penal é, portanto, como diz Baratta (2002), aquela de“conservar e reproduzir a realidade social existente”. Para tanto, posiciona-se como meio de defesa social, ao invés de meio de transformação dessa realidade social.

Defesa, antes de tudo, do direito penal em face dos ataques realizados em nossos dias contra as garantias liberais asseguradas nas constituições dos Estados de direito. Defesa, em segundo lugar, em face do próprio direito penal, no que signifique contenção e redução de seu campo de intervenção tradicional e, sobretudo, de seus efeitos negativos e dos custos sociais que pesam, particularmente, sobre as camadas mais débeis e marginalizadas do proletariado, e que contribuem, desta forma, para dividi-lo e para debitá-lo material e politicamente. Defesa, finalmente, através do direito penal, na medida em que, no momento, pode ser ainda considerado como uma resposta legítima ante a falta de alternativas para resolver os problemas sociais, no marco de um modelo integrado (BARATTA, 2002, p. 221).

É difícil compreender a consistência realmente revolucionária de certos melhoramentos no sistema penal quando, ao observar analiticamente o referido sistema, visualizamos sua prática seletiva na aplicação dos esteriótipos de criminoso. Configura-se o sistema penal, portanto, como um instrumento ideológico de manutenção da sociedade como tal, ou seja, hierarquizada, ao invés de servir como instrumento transformador.

Desse tipo de análise pode-se chegar a uma conclusão de superação radical, ou não, do sistema penal.

Propor tal perspectiva [superação do sistema penal] não significa a rejeição de toda reforma possível no presente, para esperar o futuro de uma sociedade que haja superado o uso da pena, mas afirmar um critério segundo o qual orientá-la, e mediante o qual possam medir-se as escolhas de política criminal. Nas teorias radicais de política criminal, como são as teorias abolicionistas, o critério funciona no sentido de avaliar as reformas como se estas tivessem a capacidade de superar o sistema penal tradicional, e que dita superação fosse efetivamente possível. Neste sentido, um representante desta perspectiva radical propõe uma tática baseada sobre a distinção estratégica entre reformas positivas (que servem para conservar o sistema em suas funções reais) e reformas negativas (que produzem mais transformações qualificativas do sistema e servem para superá-lo parcialmente). Deve-se remarcar, também, que as perspectivas radicais de reformas desse tipo podem ser propostas, e são propostas, em relação com teorias da sociedade e modelos de sociedade futura bastante diferentes um do outro, e que não é possível reunir a todos sob as mesmas características, salvo de um ponto de vista estritamente formal. A perspectiva abolicionista da reforma penal encontrou em G.Radbruch uma expressão que merece ser citada: „a melhor reforma do direito penal não consiste em sua substituição por um direito penal melhor, mas sua substituição por uma coisa melhor que o direito penal‟. Do ponto de vista formal, esta expressão pode servir para qualificar todas as teorias que pertencem à perspectiva „abolicionista‟, todos os projetos de políticas e de práticas que não vacilam em saltar a linha divisória que separa os sistemas penais alternativos das alternativas ao direito penal (BARATTA, 2002, p. 221-222, grifo nosso).

Já Zaffaroni (2001, p. 27) analisa a falência do sistema jurídico penal sob o argumento de que esse sistema é falso, e afirma:

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A seletividade estrutural do sistema penal – que só pode exercer seu poder regressivo legal em um número insignificante das hipóteses de intervenção planificadas – é a mais elementar demonstração da falsidade da legalidade processual proclamada pelo discurso jurídico-penal. Os órgãos executivos têm „espaço legal‟ para exercer poder repressivo sobre qualquer habitante, mas operam quando e contra quem decidem.

Essa seletividade do sistema penal nada mais é que uma seletividade na perspectiva de criminalização das condutas, consistente na focalização do fenômeno criminoso sob a perspectiva não das causas da criminalidade, ou seja, do criminoso, mas da ótica do Estado, que criminaliza certas condutas e outras não no intuito de perpetrar a cisão entre as classes sociais e evitar a ascensão daquela menos favorecida. Assim, o cárcere atende à finalidade de perpetuar a exclusão social:

[...] as normas do direito penal não só se aplicam seletivamente, refletindo as relações de desigualdade existentes (aquela que é tradicionalmente definida a função de classe do direito penal), mas o sistema penal exercita também uma função ativa de reprodução e produção no que concerne às relações de desigualdade [...] De fato, a aplicação seletiva das sanções penais, pela sua natureza fortemente estigmatizante no processo de criminalização secundário, é um momento supraestrutural essencial para a manutenção da escala vertical da sociedade; incidindo negativamente sobretudo sobre o status social dos indivíduos que fazem parte dos estratos sociais mais baixos, a sanção penal age de modo a contrastar a ascensão social destes. Este fenômeno é macroscopicamente perceptível na função desenvolvida pela pena carcerária, tradicional e universal depositário da marginalidade econômica, social e cultural [...] Mas ainda mais essencial é a função realizada pelo cárcere em produzir não só a relação de desigualdade, mas os próprios sujeitos passíveis dessa relação. Isto se torna claro se se considerar que a relação de desigualdade se dá essencialmente como relação de subordinação. Hoje o cárcere produz, recrutando sobretudo das zonas mais baixas da sociedade, um setor de marginalização social particularmente qualificado pelo intervento estigmatizante do sistema punitivo [...] a pena e, em particular, o cárcere são claramente os instrumentos essenciais para a criação de uma população criminal recrutada quase exclusivamente nas filas da população marginal e separada, portanto, da sociedade (PAVARINI, 1996, p. 86-88, tradução nossa).

A inversão metodológica proposta pela criminologia crítica é coerente com toda a discussão já referenciada de crise do cárcere e da pena privativa de liberdade. É só mais um viés interpretativo da falência do sistema penal, das incoerências do cárcere e do fracasso ideológico da pena privativa.

Desenvolver um ponto, ainda que pequeno, sobre a transição da análise criminológica de uma versão positivista a uma crítica significa reforçar, de outro ponto de vista, a falência do sistema penal pela falência de suas verdades “inquestionáveis”. Não só por isso, mas também pela contaminação de princípios modernos racionalistas, hoje colocados em cheque por não servirem mais à justificação de uma sociedade igualitária, visto a manifesta desigualdade histórica em tantas óticas constatadas.

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VITIMOLOGIAO QUE É VITIMOLOGIA

Vitimologia pode ser definida como o estudo científico da extensão, natureza e causas da vitimização criminal, suas conseqüências para as pessoas envolvidas e as reações àquela pela sociedade, em particular pela polícia e pelo sistema de justiça criminal, assim como pelos trabalhadores voluntários e colaboradores profissionais.

A definição abrange tanto a vitimologia penal quanto a geral ou vitimologia orientada para a assistência.

O termo "vitimologia" foi utilizado por primeiro pelo psiquiatra americano Frederick Wertham, mas ganhou notoriedade com o trabalho de Hans von Hentig "The Criminal an his Victim", de 1948. Hentig propôs uma abordagem dinâmica, interacionista, desafiando a concepção de vítima como ator passivo. Salientou que poderia haver algumas características das vítimas que poderiam precipitar os fatos ou condutas delituosas. Sobretudo, realçou a necessidade de analisar as relações existentes entre vítima e agressor.

A vitimologia é hoje um campo de estudo orientado para a ação ou formulação de políticas públicas.

A vitimologia não deve ser definida em termos de direito penal, mas de direitos humanos. Assim, a vitimologia deveria ser o estudo das conseqüências dos abusos contra os direitos humanos, cometidos por cidadãos ou agentes do governo.

As violações a direitos humanos são hoje consideradas questão central na vitimologia.

A expressão "vítimas" significa pessoas que, individual ou coletivamente, sofreram dano, incluindo lesão física ou mental, sofrimento emocional, perda econômica ou restrição substancial dos seus direitos fundamentais, através de atos ou omissões que consistem em violação a normas penais, incluindo aquelas que proscrevem abuso de poder.

Na Declaração da ONU, de 1985, "victims" are defined in the broad sense as persons who, individually or collectively, have suffered harm, including physical or mental injury, emotional suffering, economic loss or substantial impairment of their fundamental rights, through acts or omissions that are violations of national criminal laws or of internationally recognized norms relating to human rights."

As vítimas de atos ilícitos, especialmente de delitos, passaram por fases que, no dizer de Garcia-Pablos de Molina, correspondem a um protagonismo, neutralização, e redescobrimento.

O protagonismo correspondeu ao período da vingança privada, em que os danos produzidos sobre uma pessoa ou seus bens eram reparados ou punidos pela própria pessoa.

As chamadas ciências criminais - Ciência do Direito Penal, Criminologia e Política Criminal, "abandonaram" a vitima, quando sua atenção volta-se para o infrator.

A resposta ao delito assume critérios vingativos e punitivos, quase nunca reparatórios.A idéia de neutralização da vítima entende que a resposta ao crime deve ser imparcial,

desapaixonada, despersonalizando a rivalidade. O problema daí decorrente é que a linguagem simbólica do direito e formalismo transformaram vítimas concretas em abstrações.

Observe-se, ainda, que a punição serviria como prevenção geral. Pouca preocupação havia com a reparação.

O redescobrimento da vítima é um fenômeno do pós 2a Guerra Mundial. É uma resposta ética e social ao fenômeno multitudinário da macrovitimização, que atingiu especialmente judeus, ciganos, homossexuais, e outros grupos vulneráveis. Esse redescobrimento não persegue nem retorno à vingança privada; nem quebra das garantias para os delinqüentes: a vítima quer justiça.

A vitimologia vem, efetivamente, conferir novo status à vítima, contribuindo para redefinir suas relações com o delinqüente; com o sistema jurídico; com autoridades, etc.

A propósito, o próprio conceito de vítima precisou ser revisto, posto que já não corresponde apenas ao sujeito passivo (protagonista) do fato criminoso. Exemplo de modo amplo de compreender vítima é trazido por Sue Moody, ao mencionar como o principal documento definidor de política pública para vítimas de delitos, na Escócia, trata a questão: Vítima é qualquer pessoa que tenha sido sujeita a qualquer tipo de crime, como também sua família ou aqueles que gozam de uma posição equivalente à de família.

Ao lado do conceito mais amplo de vítima, surgiu também o de vitimização, que examina tanto a propensão para ser vítima quanto os vários mecanismos de produção de danos diretos e indiretos sobre a vítima.

Israel Charny entende que o processo de vitimização diz respeito a relações humanas, que podem ser compreendidas como relações de poder. Fattah (1979) identificava no crime como que uma transação em que agressor e vítima desempenhavam papéis.

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Assim, a identificação de vulnerabilidade e de definibilidade da vítima são essenciais no processo.

A vulnerabilidade da vítima decorre de diversos fatores (de ordem física, psicológica, econômica e outras), o que faz com que o risco de vitimização seja diferencial, para cada pessoa e delito. Nesse sentido, o exame dos recursos sociais efetivos da vítima também deve ser levados em conta.

Kurt Vonnegut Jr., com uma certa ironia, afirma que "Os evangelhos ensinaram, de fato, o seguinte:" Antes de matar alguém, certifique-se de que ele não é bem relacionado."

Os judeus mataram Cristo. Mais de 2.000 anos depois, mais de um bilhão de pessoas diariamente escutam, em todas as partes do mundo, a narrativa de sua morte. "Não sabíamos que era o Filho de Deus", poderão responder. Como, em Brasília, os garotos que brincaram de incendiários, e queimaram o índio Galdino Pataxó disseram: "Não sabíamos que era um índio. Pensávamos que fosse só um mendigo".

Contribuições da vitimologiaOs estudos de vitimologia tem dado imensa contribuição para a compreensão do fenômeno da

criminalidade, contribuindo para melhor enfrentamento, a partir da introdução do enfoque sobre as vítimas atingidas e os danos produzidos.

O primeiro aspecto observado por Garcia-Pablos diz respeito à compreensão da dinâmica criminal, e da interação delinqüente-vítima. Em que medida a vítima interfere para o desencadear da ação, ou sua precipitação. Em que medida suas ações ou reações condicionam ou direcionam as ações dos agressores. E em que delitos o papel da vítima é de menor importância.

Análise sobre a vítima também se faz relevante para a prevenção do delito. A introdução da chamada "prevenção vitimaria", que se contrapõe à prevenção criminal, realça a importância de se evitar que delitos aconteçam, a partir da reorientação às vítimas, e aos próprios órgãos do estado, para que adotem condutas e perspectivas distintas, que reduzam ou eliminem as situações de risco. A reflexão parte da constatação de que o crime é um fenômeno seletivo, e que atinge os mais vulneráveis, no momento de maior vulnerabilidade. Assim, a prevenção é dirigida aos grupos mais vulneráveis ou mais propensos à vitimização. Além disso, essa prevenção vitimaria exige adoção de políticas públicas sociais, ensejando intervenção não penal. Finalmente, co-responsabiliza todos. O que é muito próprio, já que vivemos em uma sociedade de risco.

Outro aspecto absolutamente relevante é que a vítima é fonte de informações.

Com efeito, as pesquisas de vitimização fornecem imensos subsídios a respeito de como os delitos ocorrem, em que circunstâncias de tempo e lugar, e por quais fatores desencadeantes. A partir da vítima, que é conhecida, e acessível de pronto, é possível identificar relações existentes ou não com a pessoa do agressor, e outros fatores relevantes.

O medo do delito e o medo coletivo de ser a próxima vítima são também objeto do estudo da vitimologia. O medo, percepção e sentimento individual, mas com forte conteúdo de objetividade, ajuda a reconhecer a presença do risco, e orientar a conduta para minimizá-lo ou mitigar seus efeitos. Mas também o medo aprisiona, e termina sendo, ele mesmo, fator de vitimização. A sensação de insegurança coletiva, que enseja a adoção de políticas criminais fortemente repressoras, plenas de abusos de direitos, e destruição de prerrogativas dos cidadãos, encontra aí sua raiz.

Também o modo como a política criminal trata a vítima é tema de relevo. O modo tradicional tenta, quando o faz, uma ressocialização do delinqüente. Mas raramente se percebe que também a vítima precisa se encontrar, e ser reintroduzida ao convívio social. Não sendo percebida, torna-se esquecida em todas as fases das políticas criminais. A chave para sua inclusão está no respeito a seus direitos, para evitar vitimização secundária. Esta termina acontecendo quando se tem a lesão e sua não reparação; o crime e sua impunidade; a vitimização e a ausência de investigação, de processo e de condenação. Uma tendência que tem sido observada é a introdução de programas de assistência à vítima, que incluem assistência strictu sensu, reparação pelo infrator, programas de compensação, e programas especiais de assistência, quando a vítima for declarante.

Talvez as maiores contribuições estejam sendo dadas a partir das reflexões sobre as relações existentes entre a vítima e sistema legal, e a vítima e a justiça penal.

O sistema legal costuma realizar perseguição aos delitos noticiados. Estudos revelam que há subnotificação. Ou seja, os delitos praticados são em número superior às ocorrências registradas. Por que se subnotifica? Quem melhor pode responderé a vítima, e o sistema não pode ser indiferente às suas percepções.

Ora, a alienação em relação ao sistema diz tanto quanto a afirmação de notificar. O certo é que a vivência da vítima, e suas características e atitudes são elementos e fatores relevantes para o adequado funcionamento do sistema penal.

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A relação existente entre crimes conhecidos ou esclarecidos pela Polícia, ou processados, e o papel desempenhado pela vítima. Identificam que os crimes conhecidos ordinariamente resultam de uma proatividade da polícia, ou de uma reatividade. Na pro-atividade, a polícia seleciona suspeitos pelos estereótipos. Isso pode implicar em procedimentos discriminatórios por parte da polícia, desde que há grupos antecipadamente considerados como mais propensos à prática de delitos, e outros grupos imunes à suspeita, ou investigação.

Na reatividade, a denúncia da vítima desempenha papel vital. Mas eles advertem: nem toda vítima faz desencadear investigações. Só as capazes de se justificarem como tais. Ou seja, não é toda vítima que consegue fazer com que a polícia inicie uma investigação. E é a polícia que define quem e o que investigar.

As conclusões a que chegaram esses pesquisadores apontam no sentido de que a polícia não investiga quando a vítima se opõe fortemente, nem quando o investigado é muito poderoso.

Por outro lado, o ministério público também constrói seu perfil de vítima ideal. Esta deve ser aquela que pode ser uma boa testemunha.

Finalmente, os estudos de vitimologia ajudam a melhor compreender a interação existente entre a vítima e justiça penal. O modelo clássico, com efeito, tem a vítima como objeto, ou pretexto, para a investigação. Mas ordinariamente não leva em conta seus interesses legítimos. Isso fez com que fossem identificados fatores que pudessem contribuir para mensurar a qualidade de uma justiça criminal. Entre esses, são examinados como se concebe o fato delitivo e o papel dos protagonistas; como ou se se satisfaz a expectativa dos protagonistas; qual o custo social; qual a atitude dos usuários da justiça.

O Conselho de Ministros da União Européia publicou uma Decisão Referencial sobre a Presença das Vítimas nos Procedimentos Criminais. Como padrão mínimo é incluído o dever de informação sobre tipos de apoio disponíveis para a vítima; onde e como comunicar a queixa; os procedimentos criminais e o papel da vítima; acesso a proteção e aconselhamento; elegibilidade para compensação; resultado do julgamento e da sentença.

Uma boa comunicação com a vítima é exigida em todas as fases do processo criminal.

TIPOLOGIA DAS VÍTIMASClassificações de Benjamín Mendelsohn (Tiplogias, Centro de Difusion de la Victímologia, 2002).

O vitimólogo israelita fundamenta sua classificação na correlação da culpabilidade entre a vítima e o infrator. E o único que chega a relacionar a pena com a atitude vitimal. Sustenta que há uma relação inversa entre a culpabilidade do agressor e a do ofendido, a maior culpabilidade de uma é menor que a culpabilidade do outro.

1 - Vítima completamente inocente ou vítima ideal: é a vítima inconsciente que se colocaria em 0% absoluto da escala de Mendelsohn. E a que nada fez ou nada provocou para desencadear a situação criminal, pela qual se vê danificada. Ex. incêndio

2 - Vítima de culpabilidade menor ou vítima por ignorância: neste caso se dá um certo impulso involuntário ao delito. O sujeito por certo grau de culpa ou por meio de um ato pouco reflexivo causa sua própria vitimização. Ex. Mulher que provoca um aborto por meios impróprios pagando com sua vida, sua ignorância.3 - Vítima tão culpável como o infrator ou vítima voluntária: aquelas que cometem suicídio jogando com a sorte. Ex. roleta russa, suicídio por adesão vítima que sofre de enfermidade incurável e que pede que a matem, não podendo mais suportar a dor (eutanásia) a companheira (o) que pactua um suicídio; os amantes desesperados; o esposo que mata a mulher doente e se suicida.

4 - Vítima mais culpável que o infrator.

Vítima provocadora: aquela que por sua própria conduta incita o infrator a cometer a infração. Tal incitação cria e favorece a explosão prévia á descarga que significa o crime.

Vítima por imprudência: é a que determina o acidente por falta de cuidados. Ex. quem deixa o automóvel mal fechado ou com as chaves no contato.

5 - Vítima mais culpável ou unicamente culpável.

Vítima infratora: cometendo uma infração o agressor cai vítima exclusivamente culpável ou ideal, se trata do caso de legitima defesa, em que o acusado deve ser absolvido.

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Vítima simuladora: o acusador que premedita e irresponsavelmente joga a culpa ao acusado, recorrendo a qualquer manobra com a intenção de fazer justiça num erro.

Meldelsohn conclui que as vítimas podem ser classificadas em 3 grandes grupos para efeitos de aplicação da pena ao infrator:

1 – Primeiro grupo: vítima inocente: não há provocação nem outra forma de participação no delito, mas sim puramente vitimal.

2 – Segundo grupo: estas vítimas colaboraram na ação nociva e existe uma culpabilidade reciproca, pela qual a pena deve ser menor para o agente do delito(vítima provocadora)

3 – Terceiro grupo: nestes casos são as vítimas as que cometem por si a ação nociva e o não culpado deve ser excluído de toda pena.

VITIMOLOGIA, A CIÊNCIA PENAL E O ITER VICTIMAE - PROCESSO DE VITIMIZAÇÃO.Como aponta Edmundo de Oliveira, "Iter Victimae é o caminho, interno e externo, que segue um

indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de etapas que se operam cronologicamente no desenvolvimento de vitimização (Vitimologia e direito penal, p.103-4)".

Fases do Iter Victimae, segundo a esquematização elaborada pelo próprio Edmundo de Oliveira em sua obra Vitimologia e o Direito Penal – O crime precipitado pela vítima, 2001, p. 101, in verbis:

Intuição (intuito) - A primeira fase do Iter Victimae é a intuição, quando se planta na mente da vítima a idéia de ser prejudicado, hostilizada ou imolada por um ofensor.

Atos preparatórios (conatus remotus) - Depois de projetar mentalmente a expectativa de ser vítima, passa o indivíduo à fase dos atos preparatórios (conatus remotus), momento em que desvela a preocupação de tornar as medidas preliminares para defender-se ou ajustar o seu comportamento, de modo consensual ou com resignação, às deliberações de dano ou perigo articulados pelo ofensor.

Início da execução (conatus proximus) - Posteriormente, vem a fase do início da execução (conatus proximus), oportunidade em que a vítima começa a operacionalização de sua defesa, aproveitando a chance que dispõe para exercitá-la, ou direcionar seu comportamento para cooperar, apoiar ou facilitar a ação ou omissão aspirada pelo ofensor.

Execução (executio) - Em seguida, ocorre a autêntica execução distinguido-se pela definitiva resistência da vítima para então evitar, a todo custo, que seja atingida pelo resultado pretendido por seu agressor, ou então se deixar por ele vitimizar.

Consumação (consummatio) ou tentativa (crime falho ou conatus proximus) - Finalmente, após a execução, aparece a consumação mediante o advento do efeito perseguido pelo autor, com ou sem a adesão da vítima. Contatando-se a repulsa da vítima durante a execução, aí pode se dar a tentativa de crime, quando a prática do fato demonstrar que o autor não alcançou seu propósito (finis operantis) em virtude de algum impedimento alheio à sua vontade.(Edmundo de oliveira. Vitimologia e dreito penal. 2001, p. 105)

CONDICIONANTES SOCIAIS E SEGURANÇA PÚBLICA Condição Social versus Violência

Há quem considere a violência uma característica contemporânea, que emana da evolução do homem, da globalização, da exclusão e dos diversos níveis sociais.

Ocorre que a violência, e por conseqüência a criminalidade, não se encontram restritas a esse ambiente. Quem assim pensa só conhece da violência atual das megalópoles, e já se equivoca porquanto desde os primórdios a violência acompanha a conduta humana, ou melhor, faz parte da natureza do homem independente deste encontrar-se em ambiente urbano ou rural. Naquele sentido, quando falamos de violência estaríamos deixando à margem aquela violência do campo onde as contendas são resolvidas "na base do facão", porquanto, ademais, não se revestem na degradação lato sensu do homem.

Como anteriormente citado, alguns homens cometem crimes levados pela influência do meio em que vivem. Nesse passo, "condição social" abarca uma gama de características, quais sejam:

a) condição económica - renda insuficiente ou inexistente (oportunidade de trabalho);

b) formação de caráter - estrutura familiar na qual foi criado e na qual vive atualmente, (educação - escola / creche);

c) condições dignas de moradia - habitação com infra-estrutura adequada (ser humano);

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d) outras;

Não podemos olvidar, como conseqüência da falta de tais "condições mínimas de sobrevivência" a precária alimentação do corpo que influi, ademais, na má formação "física, psíquica e biológica" do homem, tornando-o "apto", também, a delinqüir; cuida-se do louco criminoso que da patologia que possui - independente de sua fonte - acarreta o crime.

Nesta esteira, cumpre-nos examinar:

A Influência da Educação nos Instintos Criminosos."...a educação não representa senão uma das influencias que atuam nos primeiros anos da vida e

que, como a hereditariedade e a tradição, contribuem para a gênese do caráter. Mas, uma vez formado, este subsiste, como a physionomia physica, perpetuamente aquilo que é. De resto, é ainda duvidoso que um instinto moral definitivo possa criar-se pela educação na primeira infância".

Como se verifica da citação de GAROFALO, a educação não se reveste de critério determinante à formação dos criminosos, mas deve ser considerado "um dos" fatores de influência em seu caráter. Vale dizer que o fato de um indivíduo possuir uma educação "exemplar" não resta definido seu futuro em face do cometimento futuro de crimes.

Vale sopesar que a educação que faz referência o tópico desde título não se restringe tão somente ao sentido pedagógico; trata-se, ademais, de uma série de influências externas, "de cenas continuamente vistas" pelas crianças e que são capazes de criar hábitos morais.

Fazendo um exercício hipotético de realidade, o que podemos esperar de duas crianças (um menino e uma menina) que são criados em um lar aonde seu pai, depois de um longo e cansativo dia de "vadiagem" chega em casa e prontamente passa a espancar sua esposa, a gritar com seus filhos, chegando - não raras vezes a violentá-los.

- Não é difícil crer que aquele menino vai crescer com a figura de seus pais (ele violento e ela submissa) na mente, como uma mancha negra indelével, tendo para si a certeza de que aquele é o papel da esposa e do marido no casamento.

De outra feita, a posição daquela menina frente à sociedade conjugal que um dia possa vir a contrair fica desde logo afetada; não se poderá responsabilizá-la pelo medo e submissão da figura masculina que a acompanhará para sempre, ademais, caso venha ela a ser violentada pelo futuro marido, nada de novo terá tal "bestialidade" posto que na sua concepção de família esta conduta é "legal"; não se cobrará dela sequer denunciá-lo.

"a educação doméstica é uma continuação da herança; o que não é transmitido por geração, é-o, de um modo também quase sempre inconsciente, pelos exemplos dos pais".

- Uma questão se impõe: Podemos afirmar que o marido que bate em sua esposa o faz porque sua mãe apanhava de seu pai? - Não há exceção?

Torna-se equivocado (fazendo referência novamente à citação de Garofalo) dizer que tais "cenas" são determinantes no caráter criminoso de um homem.

Do sentido de educação podemos extrair algumas considerações, o que impõe desde logo algumas indagações:

- Toda criança "mal educada" vai um dia cometer crime?

- Alguém com "boa educação" pode cometer um delito?

- A educação (ou a falta dela) é "o" caráter definidor da conduta delituosa de um indivíduo?

Dados da Secretaria de Segurança Pública refletem as características dos internos da FEBEM e nos dão certa idéia dos fatores determinantes do crime; como se verá, a falsa idéia de que só o "pobre" comete crime não se funda na realidade.

Os menores infratores apontam como fatores que os levaram ao crime: exclusão social, uso de drogas e falta de estrutura familiar.

As palavras dos internos da FEBEM são o retrato da mentalidade social: "nem todos que estão é um bicho como a imagem nossa lá fora".

"O que fez eu entrar pro crime (...) foi as necessidades que eu encontrei e que estava passando... uma certa ambição também de ter as coisas (...) andar do jeito que todo mundo anda, com dinheiro. A proposta que foi feita pra mim não foi a proposta de um trabalho, de ter um trampo. A primeira proposta que teve pra mim foi pegar num revólver, foi vender uma droga".

"não ter emprego, falta de estudo e não ter oportunidade pra nós da periferia. Essa situação chegou a um ponto que na vida do crime a gente ganhava alguma coisa".

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"eu costumava roubar para usar drogas e usar drogas para roubar. Quando eu ia roubar eu gostava de cheirar cocaína porque ela estimulava a violência, deixa você mais agressivo. Então, eu tinha mais apetite".

"já tirei a vida de duas pessoas num assalta, mas, por mim não fez nem falta"

"o primeiro ato infracional que eu cometi na minha vida foi esse homicídio. O que eu senti num primeiro momento foi a revolta. Eu até não queria mas a revolta foi trazendo tudo isso na minha cabeça e pelo ódio e pelas mágoas eu ajuntei tudo e cometi esse crime".

Sendo assim, em relação à educação podemos assegurar que não se trata de critério único e determinante na delinqüência futura do homem; há se levar em consideração outros fatores que, somados, PODEM criar uma personalidade criminosa.

A Influência Econômica nos Instintos Criminosos"crêem os socialistas que, removidas certas instituições e atingido o ideal que eles proclamam,

cessaria a maior parte dos delitos".

- Marginal é quem mora na favela!!!

Em tais locais, por exemplo, ademais do contato diário da violência com os moradores, suas próprias condições refletem a falta absoluta de condições humanas de vida; as pessoas vivem ao lado de esgotos, "moram em residências" sem o mínimo de estrutura, sem falar da precariedade de subsistência frente sua condição social.

Tal realidade denota a falta de oportunidade de emprego e a ineficácia do seu ganho refletir em melhores condições de SOBREVIVÊNCIA.

Muitos acreditam que o aumento da desigualdade social é o responsável pela violência que impera hodiernamente. Ora, se assim o fosse, certo seria dizer que a violência se voltaria tão somente contra os mais abastados; no entanto, o que se vê é a indiscriminada violência, ou seja, o "não abastado", ou mais, "o miserável" possui chances iguais de ser violentado em seus mais diversos bens quanto aquele que ostenta boa situação econômica.

O que ocorre - certamente - que a falta de condições econômicas refletem e geram outros maus; a desigual repartição da riqueza condena uma parte da população à miséria, e com esta à falta de educação, de moradia, de alimento, de condições mínimas de sobrevivência, de falta total de esperança num futuro pouco melhor.

Tal assertiva reveste-se da realidade conquanto os "ricos" também cometem crimes; há aqueles que não estão privados de excelente moradia, educação pedagógica e familiar exemplar, mas nem por isso deixam, absolutamente, de estarem "aptos" à delinqüência.

Os abastados trazem consigo diferentes fatores que os levam ao crime. Algumas vezes, "o pobre" rouba visando o sustento de seus familiares, ou ainda, o faz em busca de melhores condições de vida. O "rico", de outra feita, já dispõe de tudo que necessita porquanto se alimenta com dignidade, sua família detêm certas "regalias", não possuindo, a priori "desculpa para roubar".

Possui, todavia, o que o homem tratou chamar de ganãncia.

Utópica e hipoteticamente refletindo, não podia ele dispor de seus bens em excesso a favor daquele que não os tem? - Assim não sendo, necessita ainda de mais, e, sobretudo, precisa delinqüir para alcançar este algo mais?

O que diverge da antagônica realidade do "pobre" e do "rico" é o crime (meio) dos quais se utilizam para "saciar" seus desejos; O primeiro se vale do furto, do roubo, do seqüestro; o segundo das falsificações e das fraudes de toda espécie, visando essencialmente a obtenção de mais riqueza (monetária). De certo que os crimes mais violentos estão ligados à camada mais baixa da sociedade, mas são, senão, variantes de um mesmo delito natural.

A falta de freio moral é o mesmo!!!Independente ou não da sua boa ou má educação lato sensu - como explicitado no tópico anterior - o

abastado comete o delito e não se frustra, igualmente, a novos crimes se necessário for.

Inserida assim a questão podemos asseverar que os fatores econômicos e educacionais não determinam, individualmente, o caráter delinqüente do homem.

Ficam, pois, algumas questões:

1. Os critérios estudados influenciam na violência e no crime?

2. O homem é fruto do meio ou o meio social é fruto do homem que nele vive?

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3. Para aqueles que acreditam na influência ímpar de cada critério, como explicar sua eficácia (ou não) frente os criminosos natos?

Devemos assim nos voltar para a base da formação que é a família e com igual razão ao Estado como garantidor de condições mínimas de humanidade. A família por sua vez - berço de um futuro sólido - só se fortifica se o Estado se coloca como sua base primária.

Homem violento e criminoso: Fruto do meio social em que vive?Qualquer motivo é idõneo para impulsionar alguém a ter ou deixar de ter determinado

comportamento, ainda que considerado socialmente inadequado ou absurdo; na verdade, toda ação possui uma lógica interna, orientada para a satisfação de uma necessidade primordial de sobrevivência, de segurança ou de amadurecimento, tais como o amor, estima social, auto-estima ou sensação de pertencer a um grupo, qualquer que seja ele.

É óbvio que as dificuldades econômicas pelas quais passam nosso país, refletem na população em geral, sobretudo nas camadas mais pobres, na grande parte miseráveis; contudo isso não importa necessariamente em que se tornem criminosos.

Vários são os exemplos de que pobreza não implica em conduta criminosa, sendo o maior de todos, no nosso ponto de vista, aquele em que o indivíduo se coloca como um animal de carga e passa a puxar um carrinho no qual deposita papelão ou ferro velho, para sustentar a si e à sua família. Tais pessoas preferem o caminho mais difícil, ou seja, passar fome a cometer delitos.

Os que o leva a não cometer crimes é difícil responder, mas sem dúvida, tal resposta se baseia, necessariamente, na sua personalidade (sentimento, valores, tendências e volições).

Exatamente por serem vários os exemplos, entendemos não ser lícito ao criminoso escorar-se na condição social para justificar seus atos violentos. Em sua maioria, aquele que comete crime por passar fome, não usa da violência para cometê-los, opta no mais das vezes por cometer pequenos furtos (chamado furto famélico).

Também é verdade que podemos encontrar atitudes violentas e crimes violentos em todas classes sociais, do contrário como explicar crimes como o cometido pelo jornalista Pimenta Neves, o do promotor de justiça Igor Ferreira que matou a esposa grávida de oito meses, dentre tantos outros.

Contudo, não podemos nos apartar da realidade e negar que é no seio da população mais carente e miserável que a violência e os crimes violentos encontram campo propício para se desenvolver, ademais dos motivos anteriormente expostos.

Nesse passo, os crimes violentos não se resumem em homicídios, no entanto esse é um bom parâmetro para demonstrarmos nossa posição. Segundo dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública, no tocante ao ano de 1999, podemos observar a maior incidência de homicídios (100.000 habit.) no município de São Paulo nas áreas dos Distritos Policiais em que se encontram as populações mais carentes tais como Jardim Angela - 116,23; Cidade Ademar - 106,06; Iguatemi - 100,11; Parque São Rafael - 96,16 e Grajaú - 95,62 ao passo que há uma menor incidência nas áreas dos Distritos Policiais em que se encontram populações de classes média e alta, tais como Moema - 4,11; Jardim Paulista - 8,22; Vila Mariana - 11,55; Perdizes - 14,73 e Alto de Pinheiros - 16,49 (Apêndice, p. VI e VII).

Não podemos assim responder se o homem violento é produto do meio em que vive ou se ele forja tal meio ao seu talante, ou seja, se o meio é produto do homem; no entanto, com certeza, podemos dizer que a grande massa de miseráveis, principalmente aqueles que coabitam em favelas, convivem no seu dia a dia com um alto grau de violência, comparável somente a Estados que se encontram em constante guerra.Diante das estatísticas e números não há argumentos.

Classificação dos Criminosos:Observando os ensinamentos do doutrinador Guido Arturo Palomba, ilustre Psiquiatra Forense,

seguindo os caminhos trilhados por Cândido Motta, podemos, basicamente, ter cinco tipos de criminosos:

1°- Os Impetuosos: Agem em curto-circuito, por amor à honra, sem premeditação, fruto de uma anestesia momentânea do senso crítico. Dentre os delitos que praticam relacionam-se principalmente o crime passional e alguns tipos de assassinatos e de agressão física. Em geral é um criminoso honesto, principalmente quando se trata de um delito passional dos amantes, dos maridos e das mulheres traídas.

2°- Os Ocasionais: São os levados pelas condições pessoais e influências do meio. Os fatores têm muito peso. Os delitos que mais praticam são o furto e o estelionato.

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3°- Os Habituais: São aqueles cujos marginais são incapazes de readquirir uma existência honesta. A emenda é a exceção. Cometem toda a sorte de delitos como assaltos, tráfico de drogas e assassinatos em série. Esses últimos são conhecidos como "assassinos de aluguel ou justiceiros".

O criminoso habitual é o que tem como profissão o crime; sai de casa para "trabalhar" cuja atividade é o delito.

4°- Fronteiriços: Não são propriamente doentes mentais e também não são normais. Apresentam permanentes deformidades do sendo ético-moral distúrbio de afeto e da sensibilidade cujas alterações psíquicas os levam ao delito.

Quando dão de ser violentos, são os que praticam os atos mais perversos e hediondos dentre todos os outros tipos de criminosos.

A característica principal dos criminosos fronteiriços é a extrema frieza e insensibilidade moral com que tratam as vítimas.

5°- Loucos Criminosos: Os delitos que praticam podem ser divididos em dois grandes grupos:

I - aqueles que agem graças a um processo lento e reflexivo e

II - aqueles que agem por impulso momentâneo.

No primeiro caso, a idéia surge do nada, inesperadamente, é a obsessão doentia e invencível.

No segundo caso, a deliberação do crime é fruto de uma impulsão momentânea; é seguido de imediata execução. O ato é em curto-circuito, reação primitiva, sem motivo algum que possa justificar o tipo de atitude.

No campo da execução penal importante ressaltar sua natureza e objeto. Quanto a natureza, a jurisprudência e a doutrina nos apontam as divergências reinantes, pois para alguns a execução criminal tem incontestável caráter de processo judicial contraditório. É de natureza jurisdicional.

Para Ada Pellegrini Grinover a execução penal é uma atividade complexa, que se desenvolve nos planos jurisdicional e administrativo. Segundo Paulo Lúcio Nogueira a execução penal é de natureza mista, complexa e eclética no sentido de que certas normas da execução pertencem ao direito processual enquanto que outras que regulam a execução propriamente dita pertencem ao direito administrativo.

Para Júlio Fabbrini Mirabete a execução é de índole predominantemente administrativa.

Quanto ao objeto, visa-se pela execução fazer cumprir o comando emergente da sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, assim considerada aquela que não acolhe a pretensão punitiva mas reconhece a prática da infração penal e impõe aq réu medida de segurança.

De acordo com o Artigo 3° da Lei de Execução Penal – Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

São várias as consequências da condenação e os direitos atingidos pela sentença, como por exemplo:

1 - Lançamento do nome do réu ao rol dos culpados, o que só é possível após o transito em julgado da sentença penal condenatória;

2 - Prisão do réu;

3 - Tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

4 - Perda de cargo, função pública e mandato eletivo;

5 - Constitui obstáculo à naturalização do condenado;Por outro lado, não são atingido pela sentença penal condenatória os seguintes direitos:

1 - Inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, à segurança e à propriedade;

2 - Igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações;

3 - Integridade física e moral, não podendo ser submetido a tortura ou tratamento desumano ou degradante;

4 - Liberdade de manifestação do pensamento;

5 - Individualização da pena;

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Faculdade de Teologia e Ciência Humanas do AmapáDisciplina: Criminologia e Segurança Pública

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