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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
CRISE DA IDENTIDADE
NO RELACIONAMENTO AMOROSO
por
Melissa Aparecida Barbosa Rocha
Orientador:
Celso Sanchez
Rio de Janeiro
Janeiro/2005
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
CRISE DA IDENTIDADE
NO RELACIONAMENTO AMOROSO
Monografia apresentada à
Universidade Cândido Mendes, como
requisito parcial para obtenção do
grau do curso de Pós Graduação “A
VEZ DO MESTRE”.
Por: Melissa Aparecida Barbosa
Rocha
Orientador: Celso Sanchez
Rio de Janeiro Janeiro/2005
AGRADECIMENTOS
Agradeço antes de tudo a DEUS por ter me dado
Condições e possibilidade de realizar e concluir
este trabalho.
Ao meu pai José Carlos dos Santos Rocha, minha mãe Maura
Barbosa Rocha, minhas avós, Esther Faria e Júlia Rocha e meu
Querido namorado, pela compreensão e sensatez com que lida-
ram com minhas presenças e ausências.
Aos meus amigos e pacientes que contribuíram,
Direta ou indiretamente, para
A conclusão deste trabalho.
E carinhosamente aos meus irmãos Carlos Mauro Barbosa Rocha
e Samantha Barbosa Rocha por seu auxílio e à pequenina Débora
Rocha de Oliveira por seu eterno sorriso.
RESUMO
Este trabalho faz uma reflexão sobre os indivíduos que não tendo seus conflitos infantis resolvidos, tem a formação e a estruturação de sua identidade prejudicada, apresentando dificuldades em se relacionar de maneira saudável com o outro, pois procuram em seus relacionamentos uma forma de satisfazer seus desejos vindos da infância.
Identifica-se com o parceiro de maneira tão intensa que acabam por acreditar
que eles e os parceiros são a mesma pessoa. Desenvolvem nesse contexto um vínculo que impossibilita a diferenciação e o
crescimento de ambos como seres individuais, sentindo-se completos com partes do outro.
Por isso, esses indivíduos vivem um relacionamento dependente com os parceiros e esperam que estes satisfaçam todas as suas necessidades trazidas desde a infância, para então, se sentirem completos.
Frente a uma separação, surge a dificuldade de desvencilhar-se da condição de casal e da figura do outro.
Conclui que é indispensável o trabalho de luto das perdas e abandonos infantis para uma necessária estruturação e elaboração da identidade.
PALAVRAS-CHAVE: identidade; relacionamento; separação; perda; luto.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTO
DEDICATÓRIA
RESUMO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
...09
1 A CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE..........................................................................12
2 RELACIONAMENTO AMOROSO
.............................................................................18
2.1 ESCOLHA DE
PARCEIROS.......................................................................................18
2.2
VINCULOS..................................................................................................................
23
3
SEPARAÇÃO.................................................................................................................
.30
CONCLUSÃO................................................................................................................
.....37
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................38
ANEXOS........................................................................................................................
.......41
INTRODUÇÃO
Este trabalho refere-se a uma exigência acadêmica e também a necessidade de
entendermos melhor alguns aspectos de um relacionamento amoroso.
Tem como objetivo discutir, dentro de uma visão psicanalítica, a questão da perda de
identidade quando se está vivendo um relacionamento amoroso, buscando uma
melhor compreensão da estrutura do casal e, por último, como a pessoa deverá seguir
diante da separação.
A idéia do relacionamento como experiência de fusão aparece não só nas
canções, contos de fada e filmes, como o belíssimo Romeu e Julieta, de
Franco Zefirelli, em que o preço dessa fusão é a morte , mas também e,
principalmente, em nossa vida real.
A psicanálise nos aponta a importância da identidade e da individualidade
como fundamental para o crescimento do sujeito. Observamos que desde
tempos passados, na época de nossos bisavós, muitas mulheres viviam
somente em função dos maridos, os quais não as deixavam trabalhar fora de
casa, com isso, suas funções eram de cozinhar, passar e lavar para eles. Ouve-
se dizer que, como conseqüência dessa postura, quando um membro do casal
morria, o outro acabava morrendo em seguida, ou então, a pessoa que ficava
parava de viver, perdendo a vontade de fazer várias coisas que antes sentia
prazer.
No entanto, nos dias de hoje, com todo o progresso cultural, social e
emocional muitas coisas ainda permanecem como antigamente.
Vemos atualmente em relacionamentos amorosos pessoas que ainda vivem
em plena função do outro, se anulando, aceitando tudo o que o parceiro faz,
desde hábitos, alimentação, organização da casa e do dinheiro, deixando para
trás tudo que foi trazido de origem, como a religião, os costumes e os gostos
pessoais.
As limitações da individualidade estão presentes no simples ato de deixar de
visitar as amigas, praticar seu esporte preferido ou ir ao shopping.
Muitas vezes, fazemos coisas só para agradar o outro, mas essa prática
constante tende a saturar o relacionamento e fazer com que o casal acabe se
separando.
A partir dessa separação, a identidade precisa ser resgatada e a pessoa precisa
viver essa perda de forma saudável, para que consiga sair da condição de
casal, fazendo com que sua vida volte a ter graça.
Frente a essa perda, é necessário um trabalho de elaboração, o qual
chamamos de trabalho de luto, no qual os aspectos possam ser revividos, para
que haja um amadurecimento pessoal.
Dependendo dessa relação estabelecida com o objeto, o indivíduo demora
anos para que consiga se reestruturar. É o que chamamos de melancolia que,
segundo Freud (1914), o indivíduo sabe que perdeu um alguém, porém, não
sabe o que perdeu nesse alguém. Devido a essa patologia, a reestruturação da
identidade pode se complicar. Para que seja resolvida, o indivíduo precisa
perceber e aprender que ele é mais forte do que a perda e a separação, e que
tem de aprender a viver sem o outro.
Como terapeuta de Família, nosso trabalho consiste em ajudar pessoas que
estão elaborando o luto ou vivendo na melancolia, de forma que estas
consigam se encontrar para que assim, posteriormente, tenham um outro
relacionamento mais saudável, em que permaneçam com a identidade,
cedendo somente nos momentos certos. Este tema também pode contribuir
para que casais encontrados numa relação desta forma possam refletir sobre
o relacionamento, buscando alternativas eficazes, para que aos poucos essa
individualidade seja resgatada e, conseguindo resgatar também a identidade
perdida, possam, possivelmente, viver felizes para sempre.
Assim, no primeiro capítulo abordamos a construção da identidade do sujeito
e a importância das identificações.
No segundo capítulo enfocamos os tipos de escolha de parceiros e os tipos de
vínculos, para que possamos entender por que o sujeito, nesse contexto
conjugal, perde partes importantes de sua identidade e passa a viver em
função do outro.
No terceiro capítulo tratamos da separação amorosa, de como o sujeito sente
essa perda e da importância do resgate dessa identidade, e a partir dela,
discutimos o trabalho do luto e a melancolia.
A partir disso, observamos que o trabalho de luto é indispensável, pois
permite que o sujeito seja capaz de elaborar perdas e abandonos de uma
forma saudável, e a partir daí, construir uma nova vida.
CAPÍTULO 1
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
Quando a família espera um bebê, já faz planos para o futuro com relação a
sua identidade. A criança muitas vezes já chega com um nome, já é identificado
como calmo ou como chorão, e às vezes, até mesmo tem um time de futebol. A partir
dessas características, a personalidade dessa criança passa a ser construída.
De acordo com Brandão (1986), a identidade explica o sentimento pessoal e a
consciência da posse de um eu, de uma realidade individual que a cada um de nós
torna, diante dos outros, um sujeito único e que é, ao mesmo tempo, o
reconhecimento individual dessa exclusividade. A consciência de nossa continuidade
em nós mesmos.
Green (1981), afirma que a identidade é a noção de permanência, a
manutenção de pontos fixos de referência e que não mudam com o passar do tempo,
como o nome e a nacionalidade. São pontos que, geralmente, as pessoas levam por
toda a vida.
De acordo com Parker (1998), cada aspecto da identidade vem de papéis. O
ser humano é identificado pelas características do corpo e pelo comportamento.
Todas essas características definem tanto semelhanças quanto diferenças em relação
as outras pessoas. Elas fazem com que o sujeito seja identificado.De acordo com o
autor, perdas significativas podem afetar o modo do sujeito ver o mundo e a sua
identidade.
O sentimento de identidade é o conhecimento que a pessoa tem de ser uma
identidade separada do outro, mas para que isso aconteça, é necessário que no
processo de desenvolvimento ocorra a separação e individuação do bebê com a mãe.
O primeiro objeto de amor é a base da formulação da identidade, sendo assim, cada
pessoa busca no mundo exterior objetos que possam parecer com o objeto primário
que é perdido.
Neste primeiro objeto, a criança busca a estruturação da identidade,
percebendo a sua individualidade, mas que depende do outro para se relacionar com
o meio externo.
O bebê depende inteiramente dos cuidados maternos para a satisfação de suas
necessidades biológicas. Sendo assim, o bebê não é capaz de sobreviver sozinho se
não for cuidado por um alheio, cuidado este que inclui carinho, amor e alimentação.
Pode-se afirmar que é a ação mútua entre a criança e as pessoas significativas o
elemento central da formação da identidade.
Conforme Elliot (1994, p.37)
As relações com as outras pessoas, com a mãe em especial, se tornam parte da economia psíquica do eu. A necessidade humana de conexão e de reconhecimento leva a incorporação dos outros ao eu, e são precisamente essas relações com os outros o elemento essencial da formação da estrutura psíquica.
O reconhecimento do eu se dá no momento em que aprendemos que existe o
outro. Eu passo a ser alguém quando descubro o outro e a falta desse reconhecimento
do outro não permitiria que eu soubesse quem eu sou, na medida em que não teria
elementos de comparação que permitissem que o meu eu se destacasse dos não - eu.
Erik Erikson (1976) aponta que a introjeção, a identificação e a formação
da identidade são os passos pelo quais o ego começa a se desenvolver de acordo
com as relações e interações com os modelos já existentes. É através do
mecanismo de introjeção e das identificações infantis que o indivíduo vai
formando a sua identidade e vai se diferenciando dos demais.
Elliot (1994) observa que a identidade se constrói por meio da
assimilação e seleção de algumas partes de outras pessoas e objetos, das imagens
afetivas que temos dos outros e das relações sociais. Para ele, existe um eu oculto
que produz rupturas e ultrapassagens, deslocando nossa experiência e
conhecimento conscientes, existem aspectos que desejo e sinto que ultrapassam
os limites da própria identidade.
Zimerman (1993) afirma que todo indivíduo tem como meta maior do
seu desenvolvimento a aquisição de uma plena identidade. É por meio da
diferenciação que o indivíduo consegue ter vida própria e ser autêntico.
De acordo com Miranda (1998), o processo de identificação é o eixo
fundamental da identidade, pois nele estão as três dimensões fundamentais do
psiquismo: pensamento, atividade e afetividade. São condições que permitem ao
indivíduo conduzir as exigências de sua imaginação em harmonia com a realidade e
instituem a precondição de que deva existir um outro, e que a escolha deste se dá
através das identificações.
Segundo Kusnetzoff (1982), a identificação é um processo de ordem
psicológica da qual o sujeito se constitui. O sujeito humano só pode ser
psicologicamente construído por outro ser humano, ou seja, por um igual a ele.
A identificação é uma repetição do conceito bíblico “à imagem e semelhança
de...”; uma operação na qual o sujeito muda sua forma e se modifica ou se
transforma de acordo com determinados modelos.
De acordo com Laplanche e Pontalis, (1998, p.266)
A identificação é o processo psicológico pelo qual um
sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, seguindo o modelo desse outro. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações.
Kusnetzoff (1982) afirma que a palavra identificação significa, dentre outros,
idêntico, igual, semelhante. Quer dizer que o ser humano nasce fundido, fusionado,
amalgamado, confundido com outro ser humano.
Mezan (1990, 1985), conceitua a identificação como:
Um processo pelo qual o sujeito assimila um ou mais traços de um outro indivíduo, integrando-os a seu ego e portanto se modifica de acordo com o ou os modelos em causa. Ela se diferencia, fenomenologicamente, da escolha do objeto, na medida em que escolher um objeto é desejar tê-lo, enquanto identificar-se a um objeto é desejar sê-lo ou ser como ele.
(MEZAN 1990 APUD OLIVEIRA 1996, p. 43 )
A psicanálise aponta dois tipos de identificação: a Identificação Primária e a
Identificação Secundária.
De acordo com Spitz (2000) na identificação primária, a criança não é capaz
de distinguir dentro e fora e nem o que é ela e o que é o outro. O autor observa que
essa identificação tem de ser enfrentada, rompida e superada. Algumas mães
dificultam isso, pois recusam aos filhos a satisfação da necessidade inerente ao fato
de serem tocados.
Kusnetzoff (1982), complementa que na identificação primária não existe
exterior, desde o momento em que, em contato com outros corpos, o sujeito é esse
outros corpos. Esse tipo de identificação é conhecida como estágio de
indiferenciação entre o self e o objeto, ou estágio de narcisismo primário etc
Sendo assim, o outro não existe, ou seja, não existe o mundo exterior. As
etapas do desenvolvimento são muito arcaicas, nas quais o bebê está no puro estágio
narcísico. O único diferencial é que o bebê sente prazer e desprazer. O ego primitivo
suga o que lhe dá prazer e rejeita o que dá desprazer, com isso, os objetos externos
começam a ser construídos.
O ser humano já nasce dependendo de outro ser humano. De acordo com
Kusnetzoff (1982), a identificação primária é um processo correlativo a essa
dependência. Se o sujeito já nasce dependendo significa que ele é passivo, ou seja,
sofre as ações que os outros determinam.
A dependência inicial marcará para sempre como serão as relações de
dependências posteriores. Se essa relação inicial de dependência entre mãe e bebê for
muito intensa, acarretará posteriormente diversos problemas, tanto na ordem
emocional como social.
A criança que é muito dependente de sua mãe terá dificuldades na escola,
com os amigos ou mesmo com os outros membros da família. Quando crescer poderá
ter, além dessas dificuldades, outras como: dificuldades no emprego, em morar fora
de casa, em arrumar um parceiro e até mesmo em procurar neste parceiro a sensação
de conforto, segurança e carinho proporcionados de início pela sua mãe. Como
veremos mais adiante, essa pessoa irá procurar um parceiro que satisfaça suas
necessidades.
Spitz (2000) afirma que as identificações secundárias preparam o terreno para
a autonomia e independência.
Kusnetzoff (1982) afirma que na identificação secundária o indivíduo já
incorporou dentro de si os traços, marcas e representações do mundo primitivo e
percebe que existe o mundo externo. O que antes era fusionado e fragmentado
começa a ser cada vez mais diferenciado e totalizado.
O indivíduo vai abandonando o estágio narcísico e vai percebendo que
existem pai, mãe, às vezes um irmão, enfim, muitas pessoas em sua volta.
A partir disso, o sujeito observará que os objetos se inter-relacionam e que
nem sempre esse relacionamento é com ele.
Quando o sujeito chega`a idade do Édipo, considerando definitivo, os pais disseram sim a todos os seus desejos, já que as identificações primárias e parciais com eles levaram a marca do absolutismo narcísismo. Mas quando o desejo sexual chega a se fazer genital, quer se impor também como absoluto: o menino deseja possuir a sua mãe e a menina o seu pai. Mas, pela primeira vez são negados. É o que se conhece com o nome de Proibição do Incesto.
(KUSNETZOFF, 1989, p. 91)
A identificação secundária se produz por uma perda, pois o sujeito reestrutura
dentro de si o que perdeu com seus pais por causa desse não. Com isso, o superego
começa a aparecer devido a esse não, a essa rejeição de um desejo sexual.
O complexo de Édipo desempenha um papel fundamental na estruturação da
personalidade do sujeito
A partir desse primeiro não, o sujeito passará a dar significados aos outros
nãos que aparecerão em sua vida, como a rejeição, proibições e abandonos.
O processo de identidade se transforma na medida em que novos significados
vão aparecendo, pois o sujeito vive em movimento, vive em renovação, vive em
busca de seu eu.
O ser humano é um eterno devir, para se tornar homem ou mulher na sua
vida, dependerá do outro desde a concepção até a morte.
CAPÍTULO 2
RELACIONAMENTO AMOROSO
(...)
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto nossas pernas
Diz com que perna eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu...
( Eu te amo -Chico Buarque/Frinces
Hime)
Quando o ser humano ingressa no mundo do amor, é influenciado pelos mais
belos contos de fada.
Durante o desenvolvimento, o ser humano estará à procura de um príncipe ou
princesa, ou seja, de um parceiro ideal que preencherá todos os seus vazios e
proporcionará toda a felicidade buscada durante anos.
Para isso, o ser humano deverá escolher um parceiro no meio de milhões
existentes. Por mais que a beleza física seja importante, veremos a seguir que ela
não é a única forma de nos aproximar de alguém.
2.1 ESCOLHA DE PARCEIROS
Segundo a psicanálise, existem motivos profundos e
inconscientes para a escolha de um parceiro amoroso. Essa
escolha nunca é por acaso, uma pessoa não se interessa por
outra coincidentemente, mas sim, existem fortes ligações
inconscientes com seus primeiros objetos de amor.
Cada pessoa ao se unir a outra, traz consigo aspectos de sua
família de origem, aspectos psicológicos da sua
personalidade, aspectos sociais e o modelo de família vivido
até o momento com os objetos primários.
Com isso, cada um traz dentro de si partes do seu ego
infantil incompletas, procurando assim, num relacionamento
amoroso partes do outro que, encaixadas, se completam,
para que possam viver juntas e construir algo que as realize
internamente.
Se pensarmos que cada parceiro introduz nessa relação uma
história familiar, de valores, expectativas e comportamentos,
constatamos que a vida a dois é a união de duas famílias,
pois nessa relação cada um está representando a sua família
de origem.
De acordo com Laplanche e Pontalis (1998, p. 154)
A escolha de objeto é o ato de eleger uma pessoa ou um tipo de pessoa como objeto de amor. Distingue-se uma escolha de objeto infantil e uma escolha de objeto pubertária , sendo que a primeira traça o caminho da segunda.
Segundo Puget e Berestein (1993), o ego infantil irá
buscar um tipo de complementaridade nesta escolha de
parceiros.
O indivíduo vai em busca de alguém que satisfaça
suas necessidades tanto no nível consciente, como no nível
inconsciente. Por exemplo: uma mulher dependente e
insegura procura um homem que se apresente independente,
firme e seguro, ele por sua vez, procura uma mulher frágil
para poder se sentir forte. Assim, as escolhas se
complementam e são preenchidos os espaços vazios.
Calil (1987) observa que por essa escolha aparece uma nova tentativa de
resolver conflitos antigos e partes indesejáveis e intoleráveis do EU.
Então, podemos afirmar que ambos trazem dentro de si as figuras materna e
paterna que serão projetadas nessa relação de uma maneira inconsciente, pois, por
meio da família de origem o ser humano vai se construindo internamente.
Freud (1905,p.229) afirma que “o encontro do objeto é, na verdade, um
reencontro dele”.
Quando o sujeito descreve que encontrou sua alma gêmea, o mesmo não
deixa dúvidas quanto ao significado desse reencontro e a história desse objeto
perdido que ficou guardada no inconsciente e submerso na sua infância.
Teixeira ( 2000, p.24 ), complementa dizendo que:
...os novos objetos são apenas relativamente novos, pois por alguma característica mais ou menos importante ou intensa, o objeto precedente, velho e arcaico, volta a se apresentar através dos novos, quando da escolha de parceiros.
Eiguer (1989) observa que influenciam na escolha de parceiros as
representações de objetos inconscientes e também quais e como se deram os vínculos
entre os objetos internalizados durante o desenvolvimento do indivíduo.
Segundo Klein (1975), o homem pode escolher como parceira uma mulher
que seja caracteristicamente oposta a sua genitora, mas irá perceber que algo nessa
parceira se assemelha a sua mãe. Isso acontece pelo fato de querer livrar-se de uma
fixação demasiado intensa na mãe, então o homem escolhe uma pessoa que se
contraponha a ela.
Impressões de diversos tipos, completamente esquecidas – ou reprimidas – contribuem assim para tornar uma pessoa mais atraente do que outra, seja sexualmente ou sob outro qualquer aspecto ao indivíduo em questão. (KLEIN, 1975 p. 122)
Para a mulher, a admiração, confiança e segurança para com o seu pai podem
vir a desempenhar um papel importante em sua escolha amorosa.
A mesma autora complementa que, não apenas os genitores são importantes
na escolha de parceiros, mas também aquelas pessoas significativas na vida de cada
um, como a babá, os avós, os irmãos.
Para que possamos entender melhor por que determinado sujeito optou por
determinada pessoa, Freud (1914) demonstra que existem três tipos de escolha de
parceiros: anaclítica, narcísica e edípica.
Conforme o tipo analítico (de ligação), Freud (1914) afirma que a pessoa
pode amar:
a) a mulher que a alimenta;
b) homem que a protege.
O mesmo autor observa que “o estar apaixonado ocorre em virtude da
realização das condições infantis para amar, podemos dizer que qualquer coisa
satisfaça essa condição é idealizado”(p. 118)
De acordo com Laplanches & Pontalis (1998, p.157), a escolha anaclítica ou
escolha de objeto por apoio...
...é um tipo de escolha de objeto em que o objeto de amor é eleito a partir do modelo das figuras parentais na medida em que estas asseguram à criança alimento, cuidados e proteção. Fundamenta-se no fato de as pulsões sexuais se apoiarem originalmente nas pulsões de autoconservação”.
Para que possamos entender melhor esse tipo de escolha, partimos do
pressuposto que o primeiro objeto de amor da criança é a mãe, ou seja, é todo ser
humano que dá à criança segurança, alimento, sensação de bem-estar etc. A partir
disso, nessa escolha de objeto, o sujeito vai em busca de um objeto que possa
substituir as boas sensações que a sua mãe lhe proporcionava. Assim, o indivíduo
procurará alguém que lhe dê apoio, confiança, amor e carinho.
Segundo Freud (1914), uma pessoa pode amar, conforme a escolha narcísica:
a) O que ela própria é;
b) O que ela própria foi;
c) O que ela própria gostaria de ser;
d) Alguém que foi uma vez parte dela mesma.
Salomé (1992, p.77) enfatiza a escolha narcísica da seguinte forma:
“Projeto assim uma parte de mim no outro e levo-o a
desempenhar um papel que ele vai talvez aceitar, renunciando a ser ele mesmo”
Na escolha narcísica de objeto, Laplanches & Pontalis (1998,
p.156) apontam que é...
“Um tipo de escolha de objeto que se faz com base no modelo da relação do sujeito com a sua própria pessoa, e em que o objeto representa a própria pessoa sob este ou aquele aspecto”.
Pode-se afirmar que em ambas as escolhas o indivíduo poderá perder partes
importantes de sua identidade.
Wonder (1998), observa que o tipo de relacionamento que causa dificuldade é
o altamente narcisista, por meio do qual o objeto representa uma extensão do self
do sujeito, ou seja, a pessoa vê o outro como parte dela própria. .
Na escolha anaclítica o sujeito define sua própria identidade de acordo com o
que outro pode oferecer. A pessoa quer encontrar no outro uma forma dela ser
abastecida de amor, afeto e segurança, ou seja, ela depende do outro para se sentir
amada, protegida e segura. Quando o sujeito não consegue se auto-sustentar,
obrigando o outro a dar-lhe felicidade que não se tem sozinho, a relação não vai
para frente.
A escolha edípica é uma escolha mais amadurecida e adulta, própria de
estruturas “normais” e “neuróticas” e tem como elemento central o sentimento de
castração.
Segundo Teixeira (2000, p.25)
A escolha do parceiro supõe e vem determinada pelas possibilidades de vivência edípica e como conseqüência das relações estabelecidas entre o desejo narcísico e a angústia de castração resultante da proibição do incesto. É no Édipo que se configuram as transformações possíveis, no drible entre o amor intenso e sua proibição, determinando-se assim o processo exogâmico e consequentemente a maneira como irão se dar as futuras relações objetais de cada um.
A escolha edípica é a escolha de um objeto por ele ser diferente dos pais e de
si, melhorando assim a complementaridade. Isso quer dizer que a mulher busca no
homem o que o seu pai não era, enquanto o homem procura uma mulher diferente de
sua mãe.
A partir dessas escolhas objetais que cada indivíduo faz, inconscientemente,
podemos começar a entender a estrutura de cada casal. Mas para que essa estrutura
seja bem-entendida, veremos a seguir os diferentes tipos de vínculos.
2.2 VÍNCULO AMOROSO
Nosso primeiro vínculo de amor é o materno, no qual a mãe e o filho se inter-
relacionam, fortalecendo os vínculos desde o nascimento até a morte. É a partir dessa
relação materna que vão depender todos os relacionamentos objetais que serão
vividos ao longo de nossas vidas. Essa história do primeiro caso de amor começa
antes da concepção, posto que o desejo inconsciente de nossos pais irá influenciar até
mesmo como fomos concebidos.
Klaus, Kennell e Klaus (2000), definem o vínculo como um relacionamento
especial e individual entre dois seres humanos. É algo duradouro e pode ser
observado através de comportamentos entre pais e filhos, tais como o beijo, o abraço
e o olhar.
O vínculo essencial entre pais e filhos marca de forma tão profunda, que é
capaz de influenciar a maneira como este indivíduo irá se vincular nas diversas
relações que surgirão em sua vida.
Bowlby (1989) afirma que nascemos predispostos e equipados a nos vincular
a um indivíduo que se disponha a se relacionar de forma especial, sendo esses
vínculos iniciais, nos primeiros anos de nossas vidas essenciais, a matriz sobre a qual
os vínculos posteriores se desenvolverão.
Berthoud (1998) afirma que o bebê traz consigo uma predisposição para
apegar-se a outro ser humano que lhe seja receptivo e acolhedor. Os vínculos
exibidos na vida adulta são uma evolução dos vínculos infantis. Uma criança que
recebeu amor e cuidado afetivo de seus pais tem a possibilidade de desenvolver um
forte sentimento de amor próprio, gostando mais e confiando em si mesma e no
outro, facilitando as relações vinculares duradouras, consequentemente a relação
conjugal. Por isso existe uma grande semelhança entre um casal adulto que se
conhece, convive e se apaixona e as díades bebê e figura de apego nos primeiros
anos de vida da criança. Nessa fase inicial, o outro é necessário e constantemente
buscado, as separações são intoleráveis.
A partir disso, observamos que existe algo a mais do que a simples realização
de uma necessidade básica. Há também uma necessidade de ser amado e seguro. Se
essas necessidades são supridas, o indivíduo será capaz de se relacionar com os
outros de maneira sadia.
O mesmo autor complementa que temos a capacidade e necessidade de
desenvolver diferentes tipos de vínculos constituídos em diferentes situações e com
pessoas diferentes, sendo assim, as histórias são únicas porque cada um de nós dá e
recebe sempre algo diferente, que nos preenche e nos esvazia, ou ainda nos
complementa.
Nesse contexto, o vínculo é indispensável para o crescimento do sujeito, pois
com o desenvolvimento desse vínculo o sujeito se conhece como ser único e se
reconhece diferente do outro.
Isso significa que ainda quando criança, o indivíduo formará sua identidade
ao se vincular com os outros, e na fase adulta quando o mesmo acontecer, se
identificará com um outro, formando assim relacionamentos duradouros.
Para Zimerman (2000) o conceito de vínculo abrange três planos de inter-
relações do indivíduo: o intrapessoal, o interpessoal e o transpessoal. O intrapessoal
refere-se aos objetos internalizados que se relacionam entre si. O interpessoal diz
respeito às formas de como um indivíduo se relaciona com os outros indivíduos. A
dimensão transpessoal alude`as distintas modalidades de como os indivíduos se
relacionam com as leis, normas e valores do meio.
Zimerman (2000) observa que o vínculo costuma adquirir um caráter vicariante,
ou seja, cada um suplementa ou complementa o que está ausente ou inativo no outro,
ou pode também ser usado como depositário de identificações projetivas de aspectos
rejeitados ou idealizados, ou como um espelho refletor do outro.
De acordo com Bustos(1990), existem diferentes tipos de vínculos, a seguir
veremos alguns deles:
- Espelho: neste tipo de vínculo a consciência da existência do outro é mínima. O
outro só aparece como um prolongamento de si mesmo.
- Duplo: este vínculo consiste em ser o outro, sentir o que o outro sente, fazer o que
o outro faz; são um ser indivisível. A morte de um dos componentes da díade
costuma causar uma crise depressiva profunda, não sendo incomum que o outro
morra em seguida.
- Antropofagia: neste vínculo, o casal briga por qualquer coisa, o relacionamento
parece um campo de batalha, porém não conseguem se separar.
- Desconfiança: o poder sobre o outro se justifica na falta de confiança. Aparecem
crises de ciúmes freqüentemente.
- Sentimento e culpa: a depressão se instala no vínculo. Toda expressão de prazer
fica diminuída, substituída pelo sofrimento que para eles faz parte da vida diária.
A escolha de um outro adulto para se relacionar amorosamente é uma
experiência muito gratificante, porém, isso não acontece em todos os
relacionamentos. Determinadas pessoas, ao se tornarem íntimas do objeto de amor,
dão ao outro o poder de direção e definição de sua vida. Esquecem-se que são
pessoas únicas e que a individualidade deve permanecer para que a relação cresça.
Segundo Bustos (1990, p.63)
Todo indivíduo é, ao mesmo tempo, um cárcere e uma libertação. Liberta-nos do isolamento e nos encara sob o olhar do outro. Se a este olhar outorgamos o poder de
definição, tornando-o constante, pode substituir o nosso próprio eu e determinar a identidade a partir daqui. Isto é perigoso, mesmo quando este olhar é benevolente e positivo. Converte-se em negativo ao substituir o nosso ao invés de somar-se à nossa própria avaliação.
Em uma relação amorosa o casal pode também desenvolver um vínculo
simbiótico, ou seja, a ausência da percepção de si mesmo e do outro. A relação é
marcada pela identidade de um para com o outro, que acaba impedindo a
diferenciação eu – não-eu necessária para que duas identidades diferentes se
relacionem.
Para uma melhor compreensão desse ponto, partimos da situação de que um
vínculo normal teria como característica o objeto diferenciado e tanto o objeto
quanto o sujeito teria uma livre escolha de objeto. Quando não existe essa
diferenciação, o sujeito depende totalmente desse objeto e deposita nele partes do
seu eu e, conseqüentemente, o objeto faz o mesmo, ocorrendo em ambos um
intercruzamento e gerando dificuldades para que reconheçam o que é de cada um, ou
seja, não percebem que perdem a noção de onde eles próprios começam e terminam
e de onde começa e termina o seu parceiro, perdendo aquilo que diferencia o eu do
tu.
Assim, tornam-se um casal com uma identidade única deixando para trás a
exclusiva individualidade de cada um. Muitas pessoas quando entram em um
relacionamento colaboram para que isso ocorra, pois pensam que deixando para trás
sua identidade tornam–se iguais ao outro, evitando assim os conflitos gerados pela
diferença.
Salomé (1992) afirma que as tentativas de invasão estão localizadas na maior
parte da vida cotidiana, como por exemplo, no dinheiro, objetos, correspondências
etc. Isto é muito comum entre mulheres casadas que recebem do marido o
sobrenome, o número do CPF e muitas vezes a conta bancária passa a ser conjunta.
De acordo com Bustos (1990, p. 82)
O desenvolvimento dentro de um vinculo, como única opção possível, sem a alternativa de desenvolvimento individual, conduz a uma relação autofágica. O indivíduo é devorado por um único papel possível, ao qual é preciso dedicar toda a energia.
Esse tipo de vínculo é muito prejudicial, pois não se permite a individualidade
dos parceiros, fazendo com que eles compartilhem de tudo, desde os amigos até as
horas de trabalho. Assim, a pessoa não sai sozinha, não tem amigos que não são os
mesmos do parceiro e suas atividades da vida diária são sempre as mesmas do outro,
ou seja, o sujeito deixa de lado aquilo que é exclusivo dele e de sua identidade. É um
relacionamento onde a identidade do próprio sujeito e a identidade do outro estão
misturadas dentro desse sujeito, ou seja, o sujeito não sabe o que é seu e o que é do
outro. Comprometendo assim, todo o relacionamento conjugal.
Santos (1995, p.20) resume:
O casamento é um caminhar passo a passo, de forma que ambos possam se encontrar em um mesmo patamar.
É saber que um casal não precisa se fundir em uma só pessoa para ser feliz.
Um casamento feliz é aquele em que dois seres são entrelaçados por um objetivo comum de seguirem a vida(...) considerando as partes individualizadas.
De acordo com Goldin (1991), as paixões ardentes funcionam como um alto
forno capaz de modificar o ser humano, fazendo com que ele se derreta de amor, e
uma vez derretido, adquire a forma da pessoa amada e deixa pra trás aspectos
importantes do seu eu, podendo até perder a própria identidade.
Segundo Costa (2001), para que haja um relacionamento saudável cada
parceiro terá de compartilhar interesses e valores que nem sempre serão coincidentes,
dividindo o que lhes era privado e atender os desejos e necessidades individuais do
outro.
Salomé (1992) complementa que cada um dos membros deverá ter um espaço
psíquico, que seja só dele e não do casal, pois as amizades e as horas de lazer devem
ser preservadas, mesmo depois de entrar em um relacionamento. Esse espaço poderá
ser um quarto, uma hora de lazer, uma conversa no telefone com uma amiga ou até
mesmo a hora do banho.
O casal precisará desfrutar de momentos juntos, em que haverá uma troca de
experiências, nos quais ambos irão crescer e também precisará ter momentos
separados, em que cada componente fará, na medida do possível, aquilo que gosta e
lhe dá prazer.
Guimarães (1993) complementa que:
Atraídos um pelo outro, deixam uma parte de seu
modo de viver, seu estado de independência para colocar suas vidas em comum. Não se trata somente de viverem sob o mesmo teto, mas sim de desenvolver espaços para que ambos possam crescer.
Na relação amorosa o ser humano precisa aprender a conviver, cedendo no
momento em que há necessidade, isso não significa anular-se, deixar de ser
autêntico, pois para estabelecer uma relação saudável, precisa aprender a se
diferenciar como ser único.
Gray (1997) afirma que as diferenças produzem paixão, pois quando nos
apaixonamos somos atraídos por uma pessoa que é diferente por ser única, mas que
nos complementa.
Cowan (1991, p.168) conclui que:
Partilhar interesses comuns é valioso em qualquer relacionamento, mas ficar juntos em demasia pode ser insípido. Interesses separados levam a experiências separadas; são essas experiências (...) que criam novidade e estímulo. Todos desejamos um companheiro ou uma companheira que aprecie e goste do que é especial para nós, mas também é excitante ser levado a conhecer novas experiências.
Essa diferenciação permite ao casal enfrentar dificuldades, tristezas e alegrias,
pois assim terá melhor suporte quando acontecer eventos inesperados e irá enfrentar
melhor as dificuldades diárias.
Além da individualidade assegurar a identidade de cada parceiro, assegura
também a comunicabilidade de ambos, pois dentro de um relacionamento o ser
humano terá de ser ele mesmo, agradar o outro e ainda ter uma fusão que
temporariamente apaga a fronteira com o outro no que se relaciona ao sexo.
CAPÍTULO 3
SEPARAÇÃO
Quando olhaste bem nos olhos meu E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei Eu te estranhei
Me debrucei sobre o teu corpo e duvidei E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos (...) Só pra provar que ainda sou tua...
(Atrás da porta - Chico Buarque/Francis Hime)
No capítulo anterior percebemos que nenhum relacionamento deve ser apenas
de semelhanças, pois nelas o indivíduo passa a fazer parte de um mundo que não lhe
pertence e acaba esquecendo de seu próprio mundo, ou seja, o indivíduo deixa para
trás aspectos importantes de sua identidade para viver em função do outro.
Partindo desse ponto, quando a separação acontece, ocorre também o
inevitável: o sujeito não perde somente o outro, mas perde também a si mesmo.
O objeto de amor foi embora e levou consigo a identidade daquele que ficou.
A pessoa se sente vazia, com uma metade desaparecida e desfalcada.
As pessoas que definem sua identidade por meio de relacionamentos, a
sensação não é só de perda do seu parceiros, mais sim de seu próprio self.
Conforme Caruso (1984) a perda do objeto realmente ameaça a própria
identidade, pois se produz uma morte na consciência. A partir dessa morte surge o
desespero do indivíduo, porque ele e o outro estavam numa união dual. Para o autor,
a perda do objeto conduz a uma autêntica mutilação do ego.
Toda perda que é mal-elaborada poderá trazer doenças
crônicas e um total desinteresse pela vida, apresentando
sentimentos como tristeza, depressão, angústia, culpa pelo
fracasso do casamento etc.
O sujeito se vê como parte de um mundo desconhecido, passa a ficar
completamente sem apoio, pois dependia da pessoa amada para se sentir vivo e
amado.
De acordo com Parkes (1998), a pessoa perdeu a confiança no que possuía de
mais simples, seu modelo interno de mundo, e com isso pode perder a confiança em
si mesma.
A perda da pessoa amada é uma das experiências mais dolorosas que um
sujeito pode passar. Não podemos deixar de mencionar que toda separação fere o
amor romântico.
Conforme Lins(2000), da mesma forma que a criança se desespera quando a
mãe não está por perto, o adulto, quando perde o objeto de amor, é invadido por uma
sensação de falta e solidão,e principalmente por uma sensação de nunca mais ser
amado.
De acordo com Cowan (1991), é normal e natural não se sentir bem quando
se perde alguém. Porém, não se deve dar ao parceiro o poder de determinar como se
sente em relação a si mesmo, mas infelizmente muitos se sentem como não tivessem
valor algum.
Pessoas com uma identidade bem formada e com uma boa auto-estima não se
sentem diminuídas e nem incompletas com a separação. Já aquelas que dependem do
outro para se sentirem completas e seguras, como anteriormente dependiam de suas
mães, enfrentarão vários problemas devido a essa separação.
Durante o relacionamento, o sujeito incorporou muitas partes desse objeto e,
após a separação, o sujeito sente como se o objeto estivesse dentro dele, guiando-o o
tempo inteiro.
Parker ( 1998, p.114) observa que “se uma pessoa tiver perdido um objeto de
amor ou tiver abdicado dele, com freqüência irá se compensar identificando-se com
esse objeto...”
De acordo com Lins (2000), como o amor romântico é construído em cima de
projeções, o parceiro preenche um vazio e com a separação ele acaba levando partes
também do outro, deixando uma lacuna, frustrando a expectativa de
complementação.
Aquele ou aquela que fica é então devolvido a solidão total, ao isolamento e a rejeição complemento sem objeto direto, resíduo inutilizável de um par. Solidão total, a partir do momento em que o indivíduo não existe em si mesmo e que também não existe a coletividade na qual ele continuaria a ter seu lugar(...) resta uma metade de alguma coisa, enferma, débil, não viável, como um recém-nascido que não tivesse ninguém para alimentá-lo e vesti-lo, entregue às garras do medo.
(LINS, 2000, p. 185)
A mesma autora complementa que na maioria dos
casamentos as pessoas abrem mão da felicidade e da
independência e por isso se tornam mais frágeis com a
separação.
De acordo com Viorst (1986), não foi perdido apenas o objeto de amor, mas
também o companheiro, o amante, o protetor, o amigo íntimo e, principalmente, a
perda de um modo de vida.
Algumas mulheres cujo papel era cozinhar para o marido,
tomar conta dele, estar com ele, podem lamentar a perda do objetivo de
vida(...)E outras pessoas cujo senso de individualidade foi criado em
função da presença aprovadora do companheiro ou companheira –
podem sentir que estão lamentando a perda do próprio eu.
(VIORST, 1986, p. 163-164)
A perda da pessoa amada cria uma série de confusões, pois o que antes era
um casal, agora passa a ser somente um. Quanto mais perdida a pessoa estiver, mais
difícil será ver com clareza o que foi levado pelo indivíduo e o que permaneceu. Não
é fácil para a pessoa acreditar e aceitar que o nós se transformou em eu.
Por isso, algumas pessoas perdem até a razão de viver e passam a apenas
existir, pois não conseguem resgatar novamente aquilo que foi perdido.
Aberastury (1984) observa que diante da perda de alguém, existe um impulso
a seguir seu destino. Se o objeto já não vive, não queremos viver.
O sujeito passa a viver apenas de lembranças que momentaneamente aliviam
a dor: uma música, lugares que passaram juntos, um gesto...recordações que se
cristalizam de significados pessoais. E estando com a identidade perdida, são
capazes de ouvir as músicas que o objeto gosta, ir a lugares onde o outro freqüenta
apenas para lembrar-se dele.
De acordo com Parkes (1998), quando acontece a perda são usadas palavras
relacionadas `a mutilação e violência. A pessoa sente como se o objeto amado fosse
arrancado dela, deixando uma grande ferida e levando partes importantes dela
mesma junto com ele.O sujeito percebe que foram embora partes dele, que foram
projetadas no outro.
Conforme Viorst (1986), as perdas da primeira infância tornam o indivíduo
mais sensível às perdas que são sofridas mais tarde.
A mesma autora complementa que a forma como é sentida a perda depende
do que foi perdido, depende da idade de quem perdeu, de forças interiores e das
ajudas externas e da história do sujeito com a pessoa perdida e, principalmente, da
história individual de amor e de perda.
Para Lins (2000), quando o indivíduo perde o amado não se chora somente a
separação daquele momento, mas também todas as situações de desamparo vividas
algum dia que ficaram inconscientes.
Para que a pessoa consiga se reorganizar perante ela mesma e perante o
mundo, e principalmente, resgatar aos poucos sua identidade perdida, é necessário
um trabalho de luto pela morte simbólica de um objeto de amor.
De acordo com Freud (1914,p.275):“O luto, de modo geral, é a reação à
perda de um ente querido...”
Laplanches & Pontalis (2000, p.509-510) descreve o trabalho de luto como
um “processo intrapsíquico, consecutivo `a perda de um objeto de afeição e pelo
qual o sujeito consegue progressivamente desapegar-se dele”.
O trabalho de luto se realiza a partir do teste da realidade, que constata que o
objeto de amor não existe mais. Há então, uma exigência de que toda libido investida
nesse objeto seja retirada e investida em outro.
Bowlby (1998) observa que o processo de luto sadio provoca uma retirada pelo
menos parcial do investimento emocional na pessoa perdida, preparando-a para uma
nova relação com uma nova pessoa. A maneira pela qual isso é feito depende de como
foram estabelecidos os laços afetivos.
Sendo assim, o ser humano precisa retirar o desejo do objeto amado e investi-lo
em outras coisas ou outras pessoas, para que a sua vida volte a ter graça. Para que
isso seja possível, o indivíduo deverá passar pelas fases do luto: a tristeza, o balanço
das experiências e a aceitação dos fatos. Para que a perda seja resolvida é necessário
um tempo para aceitar a realidade.
Com isso, é necessário também que o sujeito suporte emoções e aceite que a
vida deve ser reconstruída novamente e que agora ele não faz parte de um casal, e
que o resgate de sua identidade será necessário para que ele possa fazer planos para o
futuro.
Umas das primeiras providências a ser tomadas para superar um amor perdido
é descartar a idéia de que o outro é o nosso salvador, ou seja, que ele é capaz de
preencher todos os vazios deixados antigamente.
De acordo com Cowam (1991,p.128)“A mudança exige uma disposição de
enfrentar o desconhecido e o desconhecido é sempre assustador. A mudança também exige a
adoção de novos estilos de comportamentos, que são sempre incômodos no início”
Para essas pessoas, cuja identidade é perdida, o processo de elaboração dessa
perda não será de imediato, demorando meses e até anos para ser resolvido.
Freud afirmou que (1914, p.275)
“Em algumas pessoas as mesmas influências causam melancolia em vez de luto: por
conseguinte, suspeitamos que essas pessoas possuem uma disposição patológica.”
Para Freud (1914), a melancolia também pode constituir reação à perda de um
objeto amado. Porém, neste caso, não podemos ver com clareza o que foi perdido. O
sujeito sabe quem ele perdeu, mas não sabe o que ele perdeu nesse alguém.A
melancolia está de alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da
consciência, em contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito
da perda.
No luto, o mundo fica pobre, vazio e triste, pois não há mais a existência do
objeto de amor. Na melancolia, é o ego que se esvazia.
O melancólico tem como característica um desânimo profundo, ou seja, a
pessoa não sente vontade de fazer mais nada, pois perdeu seu interesse pelo mundo,
sua capacidade de amar e seus sentimentos de auto-estima. Para ela o mundo perdeu
a graça a partir do momento em que perdeu seu objeto de amor. Sente vontade de
morrer, deixa de trabalhar, de sair, de estudar, enfim, de tudo que anteriormente lhe
dava prazer.
O sujeito melancólico terá aos poucos de ir se desvinculando da condição do
casal para que o objeto seja realmente “enterrado”. Para isso, o indivíduo terá que
matar esse objeto e aceitar que ele (indivíduo) morra também dentro desse objeto. O
ego terá que perceber que é superior a esse objeto para que a “morte simbólica”se
concretize.
Para que a pessoa possa se relacionar de novo não depende somente em
desistir do parceiro, mas sim de colocá-lo em um lugar não tão importante, para que
outros investimentos possam ser feitos e, possivelmente, a descoberta de um novo
amor.
Aprendendo mais sobre separar-se, acabamos aprendendo mais sobre os
próprios sentimentos e vontades, pois, com o conhecimento da dor descobrimos mais
sobre nós mesmos.
Pois segundo Viorst (1988), há um fim para muitas coisas que amamos, mas
também existe um fim para a lamentação.
CONCLUSÃO
Diante de alguns estudos teóricos realizados, alguns pontos merecem ser
enfatizado.
A identidade passa a ser construída através das identificações, que são
operações nas quais o sujeito assimila aspectos parciais ou totais de outro ser
humano.
Os pais, em especial, a mãe, são elementos fundamentais, pois colaboram
para a construção da identidade do indivíduo.
Quando um bebê nasce, precisa dos cuidados maternos para a satisfação de
suas necessidades, tanto de ordem biológica como emocional. Isso significa que
depende inteiramente do amor, cuidado, proteção e alimentação que vêm do externo.
Se a mãe ou o substituto lhe proporciona esses cuidados, a criança crescerá de forma
saudável, conseguindo futuramente, quando adulto, tornar-se uma pessoa capaz de
desenvolver vínculos construtivos e relações prazerosas.
Quando a mãe ou o substituto não lhe concede esses cuidados, a criança
poderá desenvolver em sua vida quadros de dependência, insegurança, entre outros,
dificultando assim os relacionamentos e vínculos posteriores.
Observamos também neste trabalho que o não do incesto é de suma
importância para a constituição da personalidade do sujeito. Indivíduos que não
passaram de forma correta por essa fase poderão ter dificuldades em administrar os
outros nãos que virão futuramente, como também terão problemas em aceitar
abandonos, perdas, proibições etc.
Os indivíduos que na infância não tiveram possibilidade de resolver seus
conflitos, suprir suas faltas e não se sentiram amados, procurarão nesta escolha
amorosa uma forma de se sentirem completos e inteiros e também uma forma de
satisfazer tais desejos infantis.
A partir desses tipos de relacionamentos estabelecidos na vida adulta, podemos
concluir que a identidade do sujeito não foi muito bem-constituída, pois o mesmo
depende de um outro para se sentir completo e inteiro. Podemos afirmar essa frase
por dois motivos: o primeiro diz respeito ao tipo de escolha do objeto amoroso, em
que o sujeito, para se completar, procura um parceiro que seja a sua própria extensão,
ou que lhe dê apoio, lhe transmita confiança e segurança, ou seja, elementos que não
o satisfizeram em sua infância e que agora, na fase adulta, fazem muita falta. O
segundo motivo é que os tipos de vínculos estabelecidos pelo sujeito denunciam que
a sua identidade foi mal - formada. Os indivíduos que desenvolvem com seus
parceiros vínculos dependentes, estarão sujeitos a perder o pouco do que lhes resta da
identidade (afirmamos pouco, porque a identidade desse sujeito está incompleta)
nesse relacionamento. Pois deixam de lado o pouco que tem constituído para viver
em função do parceiro, criando vínculos cada vez mais simbióticos e dependentes.
Dessa forma, diante da separação, tornam-se pessoas estranhas a elas mesmas
e ao mundo. Como seguir, diante da separação e diante da dor, se o indivíduo perdeu
o pouco que tinha para viver a vida do outro?
Em primeiro momento é importante enfatizarmos que ninguém consegue sair
de uma separação significativa sem sofrer nenhum dano, pois todas geram perdas e
sofrimento.
Para esses indivíduos que se perderam no relacionamento, é importante observamos
que existe a necessidade de devolver ao outro aquilo que não lhe pertence. Torna-se
necessário, então, o trabalho de luto, pois este permite que com o tempo a perda seja
elaborada. Algumas pessoas conseguem se desvencilhar da figura de casal,
resgatando essas partes da identidade que foi perdida, sem a ajuda de um psicólogo
ou psiquiatra, porém, em casos extremos, é necessário à ajuda terapêutica para que a
pessoa consiga reconstruir sua identidade de forma completa, para que futuros
relacionamentos sejam construtivos, independentes e seguros.
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