Crises e Oportunidades[1]

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Crise de oportunidade

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  • Crises e oportunidades em tempos de mudana1

    Ignacy Sachs, Carlos Lopes, Ladislau Dowbor

    (texto atualizado em 28 de abril de 2013)

    Todos temos as nossas crises prediletas. So as crises dos valores, das pandemias, da

    demografia, da economia, da energia, da especulao financeira, da educao, da

    pasteurizao cultural, de identidades, da banalizao da vida, da misria que explode

    no mundo, da falta de gua que j atinge mais de um bilho de pessoas. A questo no

    mais a de escolher a crise que nos parea mais ameaadora. A verdadeira ameaa vem

    de uma convergncia impressionante de tendncias crticas, da sinergia de um conjunto

    de comportamentos at compreensveis, mas profundamente irresponsveis, e

    frequentemente criminosos, que assolam a nossa pequena espaonave.

    Nas ltimas dcadas fechamos o horizonte estatstico do planeta. Com todas as

    variaes possveis nos detalhes, no conjunto hoje sabemos o que est acontecendo. E a

    imagem que emerge simplesmente trgica. Inicialmente foi vista em fragmentos. No

    Rio de Janeiro, em 1992, ampliamos a nossa viso do que est acontecendo com o meio

    ambiente; em Viena, com os direitos humanos; no Cairo, com o crescimento

    populacional; em Beijing, com o papel das mulheres; em Istanbul, com a urbanizao;

    em Copenhague de 1996, com a situao social do planeta, em Johanesburgo em 2002

    com o desenvolvimento sustentvel, antes de vermos agora, de novo em Copenhague, a

    dimenso dos desafios climticos. Hoje, mesmo sem grandes reunies planetrias, nos

    damos conta, em relatrios que cobrem desde a extino das espcies at a acidificao

    dos oceanos e o esgotamento de metais raros, que enfrentamos um desafio sistmico,

    onde j no cabem simples arranjos nas formas como organizamos o que podemos

    chamar de maneira ampla de gesto da sociedade. Uma outra gesto inevitvel. Os

    desafios so simplesmente vitais, no sentido mais direto do termo.

    Somos todos avessos a catastrofismos. No queremos parecer bruxos que pintam um

    futuro negro. O Clube de Roma de certa maneira nos vacinou contra alertas que nos

    pareceram prematuros. Hoje estamos comeando a avaliar de forma mais sensata o

    realismo destas previses. Com os dados se cruzando de forma coerente, com a

    generalizao e aperfeioamento dos modelos, com a prpria acessibilidade online das

    mais variadas pesquisas cientficas, permitindo a confrontao dos dados de inmeros

    ncleos de pesquisa, o futuro deixou de ser uma vaga ameaa, um desenho inseguro. De

    certa forma, nas nossas conscincias, o futuro chegou. Na forte expresso adotada como

    ttulo do Frum de Salvador, trata-se de uma crise civilizatria.

    E nos preocupamos tambm em manter o realismo, seno nos nossos desejos que

    podem ser infinitos, pelo menos nas nossas propostas. Mas este realismo tem de ser

    qualificado. Na maioria dos casos, ao olhar o difcil que obter o mnimo avano de

    reduo da poluio, ou alguma proteo para crianas em situao de risco, achamos

    que colocar os nossos objetivos muito altos alimenta bons sonhos, mas no assegura

    boas polticas. Hoje, com a dimenso das ameaas, a viso tende a se deslocar. Temos

    de colocar no nosso horizonte realista aes que assegurem a sobrevivncia das espcies

    1 Link do presente documento: http://dowbor.org/2010/01/crises-e-oportunidades-em-tempos-de-

    mudanca-jan-2.html/

  • 2

    na terra e nos mares, a manuteno das condies de reproduo da nossa prpria vida.

    Qual o mnimo que assegura a sobrevivncia? Um poltico pode se dar ao luxo de

    pensar de quanto vai reduzir as suas aspiraes, para conseguir um voto favorvel sua

    proposta. Ns, como construtores de vises, temos de deixar claro sim qual o mnimo

    necessrio para evitar a catstrofe e assegurar uma vida digna e sustentvel.

    A nossa tarefa, neste sentido, de definir horizontes mnimos de resultados sistmicos

    que temos de obter, j no como sonho de um mundo possvel, mas como exigncia do

    que necessrio. E frente a estes resultados sistmicos, irmos definindo estratgias,

    propostas, agendas.

    Todos j estamos, sem dvida, cansados de fazer isto. E cansados de ver as propostas

    rejeitadas ou adiadas, as anlises serem diludas em supostas dvidas cientficas, e o

    planeta embalado no marasmo to bem qualificado de business as usual. O que nos est

    tirando do business as usual, o que transforma a crise em oportunidade, o fato que a

    crise atinge muita gente, e est se tornando de uma evidncia mais palpvel. Como

    humanidade, estamos reagindo de maneira realista: ou seja, estamos reagindo no

    quando a gua estava nas canelas, mas quando comea a chegar ao pescoo.

    O exerccio que pretendemos no presente texto, ao apresentarmos argumentos para

    estimular a discusso e provocar propostas, apontar os principais eixos de mudana, e

    as possveis convergncias de ao. Porque o que temos pela frente um imenso

    esforo planetrio de agregao de foras, de articulao em rede, de aprofundamento

    da compreenso dos desafios, de ampla comunicao, visando gerar uma massa crtica

    de conhecimento por parte dos mais variados atores sociais. Paulo Freire definia bem a

    nossa tarefa: somos os andarilhos do bvio. Dizia isto com bom humor, pois o bom

    humor faz parte do processo.

    Queremos parar de nos matar de trabalhar para construir coisas inteis e destruir o

    planeta. Queremos priorizar radicalmente a melhoria da situao de um bilho de

    pessoas que passam fome e de dez milhes de crianas que morrem anualmente de

    causas ridculas. Queremos a prosaica qualidade de vida, o prazer do cotidiano, em paz,

    para todos, e de forma sustentvel.

    O sistema hoje vigente produz muitos bilionrios, mas no responde aos anseios de uma

    vida digna e sustentvel para todos. Na realidade, agrava todos os problemas, e nos

    empurra para impasses cada vez mais catastrficos. Temos um deslocamento tico

    fundamental pela frente: parar de nos admirar com a fortuna dos afortunados, como se

    fossem smbolos de sucesso. A tica do sucesso deve estar centrada no que cada um de

    ns, individualmente ou em atividades institucionais, contribui para melhorar o planeta,

    e no no quanto consegue dele arrancar, ostentando fortunas e escondendo os custos.2

    Aproveitamos aqui vrios documentos, aportes dos mais variados pesquisadores, porque

    trata-se essencialmente de sistematizar pontos-chave, de facilitar a convergncia dos

    nossos esforos. Apoiamo-nos em particular nos aportes da ampla conferncia sobre a

    crise e o desenvolvimento de Braslia, em maro de 2009, buscando construir sobre o j

    adquirido.

    2 Os rios de dinheiro e embustes utilizados pela ExxonMobil e outras empresas para tentar camuflar os

    impactos da mudana climtica e outros desastres ambientais esto descritos em detalhe no livro de James

    Hoggan, Climate Cover-up; the crusade to deny global warming, Greystone Books, Vancouver, 2009

  • 3

    I A DIMENSO DOS DESAFIOS

    Focaremos aqui o que nos parecem ser os quatro principais desafios, ou vetores de

    desequilbrio que nos ameaam. Trata-se de salvar o planeta, de reduzir as

    desigualdades, de assegurar o acesso ao trabalho digno, e de corrigir as prioridades

    produtivas.

    A convergncia dos desequilbrios

    O grfico que apresentamos abaixo constitui um resumo de macro-tendncias, no

    perodo histrico que vai de 1750 at a atualidade. As escalas tiveram de ser

    compatibilizadas, e algumas das linhas representam processos para os quais temos cifras

    apenas mais recentes. Mas no conjunto, o grfico permite juntar reas tradicionalmente

    estudadas separadamente, como demografia, clima, produo de carros, consumo de

    papel, contaminao da gua, liquidao da vida nos mares e outros. A sinergia do

    processo torna-se bvia, como se torna bvia a dimenso dos desafios ambientais. 3

    Fonte: New Scientist (18 October 2008, p 40).

    3 New Scientist, October 18, 2008, p. 40; para acessar o grfico online veja http://dowbor.org/ar/ns.doc; o

    dossi completo pode ser consultado em www.newscientist.com/opinion ; os quadros de apoio e fontes

    primrias podem ser vistos em http://dowbor.org/ar/08_ns_overconsumption.pdf; contribuiram para o

    dossi Tim Jackson, David Suzuki, Jo Marchant, Herman Daly, Gus Speth, Liz Else, Andrew Simms,

    Suzan George e Kate Soper.

  • 4

    O comentrio do New Scientist sobre estas macro-tendncias foca diretamente o nosso

    prprio conceito de crescimento econmico:

    A cincia nos diz que se queremos ser srios com a viso de salvar a terra, precisamos dar outra

    forma nossa economia. Isso, naturalmente, constitui uma heresia econmica. O crescimento para

    a maioria dos economistas to essencial como o ar que respiramos: seria, dizem, a nica fora

    capaz de tirar os pobres da pobreza, de alimentar a crescente populao mundial, de enfrentar os

    custos crescentes dos gastos pblicos e de estimular o desenvolvimento tecnolgico isso sem mencionar o financiamento de estilos de vida cada vez mais caros. Eles no vem limites ao

    crescimento, nunca. Nas semanas recentes tornou-se claro quo aterrorizados esto os governos de

    qualquer coisa que ameace o crescimento, enquanto derramam bilhes em dinheiro pblico num

    sistema financeiro em falncia. No meio da confuso, qualquer questionamento do dogma do

    crescimento precisa ser visto de forma muito cuidadosa. O questionamento apoia-se numa questo

    duradoura: como conciliamos os recursos finitos da terra com o fato que medida que a economia

    cresce, o montante de recursos naturais necessrio para sustentar a atividade tambm deve crescer?

    Levamos toda a histria humana para a economia atingir a sua dimenso atual. Na forma corrente,

    levar apenas duas dcadas para dobrar.4

    A convergncia das tenses geradas para o planeta tornam-se evidentes. No podemos

    mais nos congratular com o aumento da pesca quando estamos liquidando a vida nos

    mares, ou com o aumento da produo agrcola quando estamos liquidando os aquferos

    e contaminando as reservas planetrias de gua doce. Isto sem falar do aumento de

    produo de automveis e da expanso de outras cadeias produtivas geradoras de

    aquecimento climtico. As solues tm de ser sistmicas. Esta viso mais ampla pode

    e apenas pode viabilizar mudanas mais profundas, ao estender o nvel de conscincia dos desafios.

    Qual desenvolvimento queremos? E para este desenvolvimento, que Estado e que

    mecanismos de regulao so necessrios? No h como minimizar a dimenso dos

    desafios. Com 7 bilhes de habitantes e 75 milhes a mais a cada ano que buscam um consumo cada vez mais desenfreado, e manejam tecnologias cada vez mais

    poderosas, o nosso planeta mostra toda a sua fragilidade. E ns, a nossa

    irresponsabilidade ou impotncia.

    O escndalo da desigualdade

    A financeirizao dos processos econmicos vem h dcadas se alimentando da

    apropriao dos ganhos da produtividade que a revoluo tecnolgica em curso permite,

    de forma radicalmente desequilibrada. No o caso de desenvolver o processo aqui,

    4 No original: The science tells us that if we are serious about saving the Earth, we must reshape our economy. This, of course, is economic heresy. Growth to most economists is as essential as the air we

    breathe: it is, they claim, the only force capable of lifting the poor out of poverty, feeding the worlds growing population, meeting the costs of rising public spending and stimulating technological

    development not to mention funding increasingly expensive lifestyles. They see no limits to growth, ever. In recent weeks it has become clear just how terrified governments are of anything that threatens

    growth, as they pour billions of public money into a failing financial system. Amid the confusion, any

    challenge to the growth dogma needs to be looked at very carefully. This one is built on a long standing

    question: how do we square Earths finite resources with the fact that as the economy grows, the amount of natural resources needed to sustain that activity must grow too? It has taken all of human history for

    the economy to reach its current size. On current form, it will take just two decades to double. New Scientist, October 18, 2008, p. 40

  • 5

    mas importante lembrar que a concentrao de renda no planeta est atingindo limites

    absolutamente obscenos.5

    Fonte: Human Development Report 2005, p. 37 - http://hdr.undp.org/en/media/HDR05_complete.pdf

    A imagem da taa de champanhe extremamente expressiva, pois mostra quem toma

    que parte do contedo, e em geral as pessoas no tm conscincia da profundidade do

    drama. Segundo o Relatrio, no topo, onde a taa mais larga, os 20% mais ricos se apropriam de trs quartos da renda mundial. Na parte mais baixa, os 40% de pobres tm

    acesso a 5% da renda mundial, enquanto os 20% mais pobres apenas 1,5%. Os 40%

    mais pobres correspondem basicamente aos 2 bilhes de pessoas que vivem com menos

    de dois dlares por dia. A Amrica Latina apresenta uma situao particularmente desequilibrada: A distribuio de renda mostra o grau extremo de desigualdade na Amrica Latina.

    A concentrao de renda absolutamente escandalosa, e nos obriga de ver de frente

    tanto o problema tico, da injustia e dos dramas de bilhes de pessoas, como o

    problema econmico, pois estamos excluindo bilhes de pessoas que poderiam estar

    no s vivendo melhor, como contribuindo de forma mais ampla com a sua capacidade

    produtiva. No haver tranquilidade no planeta enquanto a economia for organizada em

    funo de um tero da populao mundial.

    Esta concentrao no se deve apenas especulao financeira, mas a contribuio

    significativa e, sobretudo, absurdo desviar o capital de prioridades planetrias bvias.

    The Economist traz uma cifra impressionante sobre o excedente social, gerado

    5 H imensa literatura sobre o assunto. O grfico anexo, conhecido como taa de champanhe, do Relatrio de Desenvolvimento Humano 2005 p. 37 da verso inglesa. Uma excelente anlise do

    agravamento recente destes nmeros pode ser encontrada no relatrio Report on the World Social

    Situation 2005, The Inequality Predicament, United Nations, New York 2005; O documento do Banco

    Mundial, The next 4 billion, que avalia em 4 bilhes as pessoas que esto fora dos benefcios da globalizao, igualmente interessante IFC. The Next 4 Billion, Washington, 2007; estamos falando de dois teros da populao mundial. Desde o incio da crise financeira em 2008, os nmeros vm se

    agravando, atingindo agora com fora os prprios pases ditos desenvolvidos.

  • 6

    essencialmente por avanos tecnolgicos da rea produtiva, mas apropriado pelo setor

    que qualifica de indstria de servios financeiros: A indstria de servios financeiros est condenada a sofrer uma horrvel contrao. Na Amrica a participao desta

    indstria nos lucros corporativos totais subiu de 10% no incio dos anos 1980, para 40%

    no seu pico em 2007. Gera-se uma clara clivagem entre os que trazem inovaes tecnolgicas e produzem bens e servios socialmente teis os engenheiros do processo, digamos assim e o sistema de intermedirios financeiros que se apropriam do excedente e deformam a orientao do conjunto. Os engenheiros do processo criam

    importantes avanos tecnolgicos, mas a sua utilizao e comercializao pertencem a

    departamentos de finanas, de marketing e de assuntos jurdicos, que dominam nas

    empresas. um sistema que gerou um profundo divrcio entre quem contribui

    produtivamente para a sociedade e quem remunerado.6

    Ao juntarmos os dois grficos, o do New Scientist sobre os megatrends histricos, e a

    da taa de champagne do Relatrio de Desenvolvimento Humano, chegamos a uma concluso bastante bvia: estamos destruindo o planeta, para o proveito de um tero da

    populao mundial. Estes so os dados bsicos que orientam as nossas aes futuras:

    inverter a marcha da destruio do planeta e reduzir a desigualdade acumulada.

    importante lembrar que a nossa principal medida de progresso, o PIB, no mede

    nenhum dos dois, pois no contabiliza a reduo do capital natural do planeta,

    contabiliza como positiva a poluio que exige grandes programas de recuperao, e na

    realidade apresenta-nos apenas a mdia nacional de intensidade de uso da mquina

    produtiva.7 E lembrar tambm que o motivador principal dos investimentos privados, o

    lucro, age contra ambos: tem tudo a ganhar com a extrao mxima de recursos naturais

    e a externalizao de custos, e no tem nada a ganhar com quem tem pouca capacidade

    aquisitiva. A motivao do lucro a curto prazo age naturalmente tanto contra a

    preservao como contra a igualdade.

    O desafio do acesso ao trabalho digno

    A desigualdade e a sustentabilidade esto diretamente ligadas aos desequilbrios na

    incluso nos processos produtivos. A mo de obra, a nossa imensa capacidade ociosa de

    produo, mais parece um problema do que uma oportunidade. Na forma atual de uso

    dos fatores de produo e das tecnologias, a incluso produtiva a exceo. No Brasil,

    temos em nmeros redondos 200 milhes de habitantes. Destes, 130 milhes esto em

    idade ativa, entre 15 e 64 anos de idade, pelo critrio internacional. Na populao

    economicamente ativa, temos 100 milhes de pessoas, o que j aponta para uma

    subutilizao significativa. As estatsticas do emprego, por sua vez, mostram que temos

    neste ano cerca de 40 milhes de pessoas formalmente empregadas no setor privado,

    com carteira assinada. Podemos acrescentar os 9 milhes de funcionrios pblicos do

    pas, e chegamos a cerca de 50 milhes. Ainda assim, estamos longe da conta. O que

    fazem os outros? Temos empresrios, sem dvida, bem como uma massa classificada

    como autnomos, alm de cerca de 10 milhes de desempregados. No conjunto,

    6 No original, The financial-services industry is condemned to suffer a horrible contraction. In America the industrys share of total corporate profits climbed from 10% in the early 1980s to 40% at its peak in 2007 The Economist, A Special Report on the Future of Finance, January 24th 2009, p. 20 7 Ver em particular o relatrio de Amartya Sen, Joseph Stiglitz e Jean Paul Fitoussi, Report by the

    Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress, disponvel em

    www.stiglitz-sen-fitoussi.fr

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    forma-se um imenso setor de pessoas classificadas no conceito vago de informais, avaliados em 40% da populao economicamente ativa.8

    O fato essencial para ns que o modelo atual subutiliza a metade das capacidades

    produtivas do pas. E imaginar que o crescimento centrado em empresas transnacionais,

    grandes extenses de soja (200 hectares para gerar um emprego), ou ainda numa

    hipottica expanso do emprego pblico, permitir absorver esta mo de obra, no

    realista. Evoluir para formas alternativas de organizao torna-se simplesmente

    necessrio.

    O drama no Brasil representativo de um universo mais amplo: O emprego informal representa entre a metade e trs quartos do emprego no-agrcola na maioria dos pases

    em desenvolvimento. A parte dos trabalhadores informais na fora de trabalho no-

    agrcola varia entre 48% na frica do Norte e 51% na Amrica latina e o Caribe,

    atingindo 65% na sia e 78% na frica sub-sahariana9

    Assim, o drama da desigualdade que vimos acima no constitui apenas um problema de

    distribuio mais justa da renda e da riqueza: envolve a incluso produtiva digna da

    maioria da populao desempregada, subempregada, ou encurralada nos diversos tipos

    de atividades informais. O conjunto das propostas que surgem a partir da OIT sobre o

    trabalho digno, as vises do Banco Mundial sobre os 4 bilhes de excludos dos

    benefcios da globalizao, e um conjunto de iniciativas de desenvolvimento local encontram aqui a sua lgica: um PIB que cresce mas no inclui as populaes no

    sustentvel. Estamos falando de quase dois teros da populao mundial a quem se

    trava o acesso ao financiamento, s tecnologias, ao direito de cada um ganhar o po da

    sua famlia.10

    A deformao das prioridades

    A tabela abaixo, extrada do Relatrio de Desenvolvimento Humano de 1998, apresenta

    a deformao das prioridades do uso dos recursos no planeta. A leitura simples: no se

    conseguem os 6 bilhes anuais suplementares para universalizar a educao bsica, mas

    se conseguem sim 8 bilhes para cosmticos nos EUA, e assim por diante. Os valores

    so baixos, pois so dlares que valiam mais na poca, mas o contraste evidente. As

    cifras mais recentes apenas se agravaram. Os 780 bilhes de dlares em gastos

    militares, em 2008 j somam 1,5 trilho. E se pensarmos nos trilhes de recursos

    pblicos transferidos nesta crise para intermedirios financeiros privados, teremos uma

    idia d uma idia do grau de absurdo das prioridades.

    8 IPEA Brasil, o estado de uma nao mercado de trabalho, emprego e informalidade Ipea, Rio de Janeiro, 2006 Na sua expresso mais direta, o setor informal encarado como gerador de empregos de baixa qualidade e remunerao, ineficincias e custos econmicos adicionais, constituindo uma distoro

    a ser combatida...Em 1992 o percentual da informalidade era de 51,9%, atingiu 53,9% em 1998, voltando a 51,7% em 2003 e caindo para 51,2% em 2004. A drstica reduo do setor informal nos ltimos anos deve-se evidentemente poltica de incluso produtiva dos ltimos 10 anos, o que nos leva

    aos 40% projetados acima. A informalidade um desafio praticamente para a totalidade da Amrica

    Latina. (pp. 337 e 339) 9 UN The Inequality Predicament, New York, 2005, p. 30 10 Temos hoje inmeros estudos que apresentam propostas prticas tanto para a informalidade, como para

    a desigualdade de gnero, a mudana da jornada de trabalho, polticas locais de incluso e outras, dada a

    extrema diversidade das situaes herdadas, inclusive o aproveitamento inadequado de universitrios.

  • 8

    Na realidade, o que precisa ser expandido hoje no mundo so os servios bsicos

    essenciais da humanidade, e muito menos os bens fsicos de consumo. Em particular, h

    coisas que no podem faltar a ningum. O planeta produz quase um quilo de gros por

    dia e por habitante, e temos um bilho de pessoas que passam fome. Os dez milhes de

    crianas que morrem de fome e de falta de acesso gua limpa e causas semelhantes,

    constituem um escndalo insustentvel. Mas do ponto de vista do investimento privado,

    resolver problemas essenciais no rende, e o conjunto da orientao das nossas

    capacidades produtivas se v radicalmente deformado.

    Gastos Anuais em Dlares

    Educao Bsica para todos

    $6 bilhes*

    Cosmticos nos EUA $8 bilhes gua e servios sanitrios bsicos

    $9 bilhes

    Sorvetes na Europa

    $11 bilhes

    Sade reprodutiva das mulheres

    $12 bilhes

    Perfumes na Europa e nos EUA

    $12 bilhes

    Sade bsica e nutrio

    $13 bilhes

    Rao para animais de estimao na Europa e EUA Entretenimento Corporativo no Japo Cigarros na Europa Bebidas alcolicas na Europa Drogas no mundo Gastos militares no mundo

    $17 bilhes $ 35 bilhes $ 50 bilhes $ 105 bilhes $ 400 bilhes $ 780 bilhes

    * Estimativa de custo anual adicional para alcanar o acesso aos servios sociais bsicos em todos os

    pases em desenvolvimento.

    Fonte: Euromonitor 1997; UN 1997g; UNDP, UNFPA, ed UNICEF, 1994; Worldwide Research,

    Advisory and Business Intelligence Services, 1997.

    Human development Report, 1998, New York, p. 37.

    Aparece como inevitvel, no horizonte poltico, a democratizao das decises sobre

    como so utilizados os recursos econmicos do planeta, incluindo aqui no s os

    recursos dos oramentos pblicos, mas a orientao das aplicaes dos gigantescos

    recursos de fundos de penso e dos grandes intermedirios e especuladores financeiros.

    No podemos continuar a andar completamente deriva em termos da priorizao dos

  • 9

    nossos objetivos. O uso dos recursos que so o resultado dos esforos do conjunto da

    sociedade, deve obedecer a uma viso sistmica e de longo prazo, obedecendo s

    prioridades crticas de reduzir os desastres sociais e ambientais.

    O caos financeiro

    A crise financeira mais recente explode em 2008, mas na realidade ela pertence ao caos

    financeiro crescente que se estende aos setores produtivos e gera a crise da dvida

    pblica. Trata-se essencialmente de uma crise de governana, de como administramos

    os nossos recursos. Um resultado positivo que as pesquisas sobre a crise esto

    trazendo luz sobre as engrenagens do sistema.

    O Swiss Federal Institute of Technology (ETH na sigla alem) de Zurich publicou o

    primeiro mapa da rede global de controle das corporaes (The network of global

    corporate control), contribuio de primeira importncia. Mostra basicamente que 737

    grupos controlam 80% do universo das grandes corporaes transnacionais, e que um

    ncleo duro de 147 corporaes controla 40%. Destas, 75% so corporaes de

    intermediao financeira. So nmeros muito impactantes. Muitos intuam naturalmente

    esta realidade, ao acompanharem durante anos noticias dirias de grupos econmicos

    adquirindo controle uns dos outros, no processo contnuo de concentrao. Mas ter o

    mapa deste poder uma contribuio fundamental. E quando os grupos so to poucos,

    no preciso recorrer a nenhuma teoria conspiratria: nada que no se resolva no

    campo de golfe. O grau de concentrao tambm expande o risco sistmico, por causa

    da imensa volatilidade e do montante de recursos envolvidos. A prpria dimenso dos

    grupos envolvidos em atividades diversas pelo planeta afora torna a gesto racional e

    focada praticamente invivel, e o poder poltico que os grupos manejam torna o

    processo democrtico uma fico.11

    11 http://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/

  • 10

    Exemplo de algumas conexes financeiras internacionais. Em vermelho, grupos europeus, em azul norte-

    americanos, outros pases em verde. A dominncia dos dois primeiros evidente, e muito ligada crise

    financeira atual. Somente uma pequena parte dos links aqui mostrada. Fonte Vitali, Glattfelder e

    Fattiston, http://j-node.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporate-control.html;

    A crise tambm trouxe tona a importncia dos parasos fiscais e do dinheiro ilegal de

    forma geral. James Henry, que foi economista chefe da McKinsey coordenou a pesquisa

    para o Tax Justice Network, e mostra que o volume de recursos ilegais est entre 21 e 32

    trilhes de dlares, para um PIB mundial da ordem de 70 trilhes. Ou seja, trata-se de

    algo entre um tero e metade do PIB mundial. Ao comentar as pesquisas em relatrio

    especial, The Economist adotou a cifra provvel de 20 trilhes. Igualmente importante

    o fato de no se tratar de dinheiro em cofres em ilhas paradisacas, mas basicamente de

    gesto de recursos de evaso fiscal, lavagem de dinheiro de drogas, corrupo, comrcio

    ilegal de armas e semelhantes, nas mos dos grandes bancos em Delaware, Miami e

    Londres. Encontram-se ai Goldman&Sachs, Barclays, UBS, HSBC e outros bancos de

    primeira linha, basicamente os mesmos que esto gerando a crise financeira mundial e

    que constam da lista de bancos da pesquisa do ETH. Todos eles esto sendo

    processados ou j condenados por manipulao fraudulenta da Libor e Euribor e assim

    por diante. A pesquisa realizada por 86 jornalistas de 36 jornais de diversos pases, no

    quadro do ICIJ (International Consortium of Investigative Journalists) j comeou a

    apresentar os nomes de algumas das principais empresas e fortunas pessoais ilegais. A

    pesquisa de James Henry estima que o dinheiro brasileiro em parasos fiscais da

    ordem de 520 bilhes de dlares, cerca de 25% do nosso PIB. Os dados do ETH, da

    TJN, do Economist e do ICIJ convergem. 12

    12 James Henry - The Price of off-shore revisited -

    http://www.taxjustice.net/cms/front_content.php?idcat=148; The Economist, Special report, The missing

    20 trillion, 16/02/2013; ver tambm o nosso http://dowbor.org/2012/12/os-caminhos-da-corrupcao-uma-

    visao-sistemica-dezembro-de-2012-25-p.html/

  • 11

    O resultado final do controle dos intermedirios financeiros sobre as atividades

    econmicas mostrado no estudo do ETH, e da expanso do dinheiro ilegal e no

    regulado em parasos fiscais que apresentam diversas pesquisas, uma concentrao

    recente de renda nas ltimas dcadas. No grfico abaixo, constatamos que nos Estados

    Unidos, nos ltimo trinta anos, os 20% mais pobres tinham praticamente mantido a sua

    situao, os 60% intermedirios mostraram pouco progresso, enquanto os 19% mais

    ricos melhoraram de maneira significativa. Mas a tendncia marcante do processo pode

    ser vista na linha de cima que apresenta a evoluo do 1% de mais ricos no topo da

    pirmide.13

    Em termos da mega-tendncias econmicas, sociais e ambientais, portanto, estamos

    deriva. Estamos destruindo o planeta em favor de uma minoria, para ampliar a oferta de

    bens sem critrios de prioridade de uso ou de impacto ambiental e social, concentrando-

    nos em tecnologias de ponta sem assegurar os mecanismos de acesso correspondentes.

    Temos como pano de fundo a imensa tarefa de organizar a transio para outro

    paradigma energtico produtivo, a era ps-petrleo. E os recursos financeiros do

    planeta, que deveriam ser orientados para enfrentar estes desafios, giram soltos em

    sistema especulativos surrealistas, sem prestar contas a ningum. Sempre haver quem

    espere que uma mo invisvel resolva estes desafios. Quem aqui so os sonhadores?

    O desafio cada vez mais bvio que o nosso esquema geral de governana, baseado em

    foras caticas de mercado, com um pouco de regulao pblica e com as organizaes

    da sociedade civil tapando os buracos ou consertando as falhas mais dramticas,

    simplesmente no funciona. Estamos enfrentando a necessidade de um novo contrato

    social.

    Variaes do nvel de renda nos EUA de acordo com os nveis sociais 1979-2009

    13 Congressional Budget Office, " Trends in the distribution of household income between 1979 and

    2007" updated 2012 Manire de Voir, Le Monde Diplomatique, n.125, oct-nov 2012, p. 61

  • 12

    II RESGATAR A CAPACIDADE DE GESTO PBLICA

    Na discusso de um outro mundo que esperamos seja possvel, temos de evoluir cada

    vez mais para o como fazer, para os mecanismos de gesto correspondentes, para a

    descoberta das brechas que existem no sistema no sentido da sua transformao. O

    mundo no vai parar em determinado momento para passar a funcionar de outro modo.

  • 13

    Cabe a ns introduzir, ou reforar, as tendncias de mudana. A anlise dos processos

    decisrios e a busca de correes tornou-se central.

    O que emerge como eixo central de reflexo, portanto, a inadequao dos processos

    decisrios nas diversas tendncias crticas que temos de enfrentar. Enfrentar o desafio

    ambiental planetrio exige processos colaborativos e a construo de uma cultura de

    pactos pelo bem comum, ou pelo menos para evitar o desastre comum. A ruptura do

    ciclo da pobreza e da desigualdade implica no deslocamento da viso tradicional que

    atrai investimentos para onde se situa a capacidade de compra, e portanto envolve a

    mudana da chamada governana corporativa. O processo de incluso produtiva dos

    quase dois teros de excludos envolve uma outra lgica do emprego, formas mltiplas

    e diferenciadas de insero na produo de bens e servios. O resgate destas prioridades

    reais do planeta e da humanidade envolve por sua vez uma participao muito mais

    significativa do Estado, que com todas as suas fragilidades ainda constitui o melhor

    instrumento de coordenao de esforos sociais de que dispomos. Mas se trata de um

    Estado muito mais regulador do conjunto dos esforos da sociedade. indispensvel o

    resgate da viso sistmica, da viso de longo prazo, e dos mecanismos de planejamento.

    Estamos falando, na realidade, da construo de uma outra cultura poltica.

    Naturalmente, todos nos sentimos pequenos frente a processos de mudana deste porte.

    E podemos achar que colocar os desafios to alto no realista. O fato que ningum

    nos est perguntando se queremos ou no enfrentar a tarefa. O aquecimento global no

    est esperando que estejamos de acordo, nem o esgotamento do petrleo, nem a

    explorao sem controle dos mares, nem a perda de cobertura florestal, nem o vrus da

    Aids, e a lista longa. Outras formas de gesto so inevitveis, a nica pergunta realista

    se queremos pagar um preo menor agora, ou muito maior mais frente.

    Reforar e democratizar o Estado

    As crticas ao tamanho do setor pblico refletiram no passado recente uma viso

    ideolgica e conhecimento fragmentado da realidade. Nas palavras de um diretor da

    cole Nationale dAdministration, a famosa ENA, melhorar a produtividade do setor pblico constitui a melhor maneira de melhorar a produtividade sistmica de toda a

    sociedade. O Relatrio Mundial sobre o Setor Pblico, elaborado pelas Naes Unidas

    em 2005, mostra a evoluo que houve a partir da viso tradicional da Administrao Pblica baseada em obedincia, controles rgidos e conceito de autoridades, transitando por uma fase em que se buscou uma gesto mais empresarial, na linha do

    public management que nos deu, por exemplo, o conceito de gestor da cidade no lugar do prefeito, e desembocando agora na viso mais moderna que o relatrio chama

    de governana participativa ou responsive governance.

    Esta ltima forma de organizao implica que no espao pblico a boa gesto se

    consegue por meio da articulao inteligente e equilibrada do conjunto dos atores

    interessados no desenvolvimento, os chamados atores interessados, ou stakeholders. uma gesto que busca responder, ou corresponder aos interesses que diferentes grupos manifestam, e supe sistemas amplamente participativos, e em todo caso mais

    democrticos, na linha da governana participativa, alm da ampliao da transparncia de todos os processos.

  • 14

    A evoluo da administrao pblica tradicional (Public Administration) para o New

    Public Management se baseou numa viso privatista da gesto, buscando chefias mais

    eficientes. A evoluo mais recente para o responsive governance, que traduzimos aqui

    por governana participativa, est baseada numa proposta mais pblica, onde as chefias

    escutam melhor o cidado, e onde a participao cidad, atravs de processos mais

    democrticos, que assegura que os administradores sero mais eficientes, pois mais

    afinados com o que deles se deseja. a diferena entre a eficincia autoritria por cima,

    e a eficincia democrtica pela base. A eficincia medida no s no resultado, mas no

    processo.

    O quadro abaixo ajuda a visualizar esta evoluo:

    Evoluo do conceito de governo

    Administrao

    Pblica

    Nova Gesto

    Pblica

    Governana

    Participativa

    Relao cidado-

    estado

    Obedincia Credenciamento Empoderamento

    Responsabilidade da

    administrao

    superior

    Polticos Clientes Cidados, atores

    Princpios

    orientadores

    Cumprimento de leis

    e regras

    Eficincia e

    resultados

    Responsabilidade,

    transparncia e

    participao

    Critrio para sucesso Objetivos

    quantitativos

    Objetivos qualitativos Processo

    Atributo chave Imparcialidade Profissionalismo Participao

    (UN, World Public Sector Report 2005, p. 7)

    O modelo de governana... enfatiza um governo aberto e que se relaciona com a sociedade civil, mais responsabilizada e melhor regulada por controles externos e a lei.

    Prope-se que a sociedade tenha voz atravs de organizaes no governamentais e

    participao comunitria. Portanto o modelo de governana tende a se concentrar mais

    na incorporao e incluso dos cidados em todos os seus papeis de atores interessados

    (stakeholders), no se limitando a satisfazer clientes, numa linha mais afinada com a

    noo de criao de valor pblico.... A teoria da governana olha para alm da reforma da gesto e dos servios, apontando para novos tipos de articulao Estado-

    sociedade, bem como para formas de governo com nveis mais diferenciados e

    descentrados...A abertura (openness) e transparncia constituem portanto parte deste modelo emergente (UN, World Public Sector Report 2005, p.13)

    O novo modelo que emerge est essencialmente centrado numa viso mais democrtica,

    com participao direta dos atores interessados, maior transparncia, com forte abertura

    para as novas tecnologias da informao e comunicao, e solues organizacionais

    para assegurar a interatividade entre governo e cidadania. A viso envolve sistemas de gesto do conhecimento mais sofisticados, com um papel importante do aproveitamento das novas tecnologias de informao e comunicao.

    Para a discusso no Brasil e na Amrica Latina, estes pontos so muito importantes.

    Tm a virtude de ultrapassar vises saudosistas autoritrias, e tambm a pseudo-

    modernizao que colocava um manager onde antes tnhamos um poltico, resultando

  • 15

    numa mudana cosmtica por cima. uma evoluo que busca a construo de uma

    capacidade real de resoluo de problemas atravs das pactuaes necessrias com a

    sociedade realmente existente. Esta sistematizao de tendncias mundiais vem dar

    maior credibilidade aos que lutam pela reapropriao das polticas pela cidadania, na

    base da sociedade, em vez da troca de uma soluo autoritria por outra.

    A alocao racional de recursos

    A alocao de recursos feita por intermedirios, sejam eles governo, bancos,

    seguradoras, fundos de penso, planos de sade, ou os gigantes planetrios que

    chamamos de investidores institucionais. Todas essas instituies recolhem recursos sob

    diversas justificativas. Mas so intermedirios, ou seja, trabalham com dinheiro que

    do pblico, e deveriam destinar os recursos a atividades fins.

    O governo, principal intermedirio, aloca os recursos segundo um oramento discutido

    no parlamento e aprovado em lei. Fato importante: o governo tem de assegurar a

    captao dos recursos que vai investir. A poltica fiscal (fazenda) e a aplicao

    (planejamento) tm de estar casados na pea oramentria. No conjunto do planeta, os

    governos so os maiores gestores de recursos, e quanto mais rico o pas, maior a

    participao do governo nesta mediao.

    A tabela abaixo interessante, pois mostra esta correlao rigorosa entre o nvel de

    desenvolvimento e a participao do setor pblico. Nos pases de renda baixa, a parte do

    PIB que cabe ao governo central de 17,7% , elevando-se numa progresso regular

    medida que chegamos aos pases de alta renda.14 Falar mal dos governos parece ser um

    consenso planetrio, mas precisamos cada vez mais deles, inclusive nos Estados

    Unidos.

    Paises de: Governo central, porcentagem do PIB, incio anos 2000

    Baixa Renda 17,7

    Renda mdia baixa 21,4

    Renda mdia alta 26,9

    Alta renda 31,9 Fonte: Finance and Development, IMF, Dez. 2007

    Note-se que se trata, na tabela acima, dos gastos do governo central apenas, os gastos

    pblicos totais so bem mais amplos. H uma dcada os gastos do governo americano eram de 34,3% do PIB, comparados com 48.2% na zona europia, uma distncia de 14

    pontos; em 2010, o gasto americano esperado de 39,9% do PIB comparado com

    47,1%, uma distncia de menos de oito pontos percentuais.15 Lembremos que a cifra equivalente no Brasil de 36%. Na Sucia, que ningum vai acusar de ser mal gerida,

    de 66%. E so cifras anteriores interveno do Estado para salvar os bancos.

    Seja qual for a poltica adotada, portanto, essencial assegurar a qualidade da alocao

    de recursos por parte do maior ator, o governo. Essa correlao entre o nvel de

    14 Schieber,George; Lisa Fleisher e Pablo Gottret - Gettting Real on Health Financing, Finance and

    Development, International Monetary Fund, Dezembro de 2007

    http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2006/12/schieber.htm 15 The Economist, March 14th-20th 2009, p. 37, citando dados do Newsweek.

  • 16

    prosperidade do pas e a participao do setor pblico no misteriosa: simplesmente, o

    mundo est mudando. Antigamente, ramos populaes rurais dispersas, e as famlias

    resolviam muitos dos seus problemas individualmente, com a gua no poo e o lixo no

    mato. Na cidade generalizam-se os investimentos sociais, pois precisamos de redes de

    gua e esgoto, de guias e sarjetas, de redes escolares, de sistemas de segurana, destino

    final de resduos slidos e assim por diante, evidentemente assegurados com forte

    presena do setor pblico. So servios de consumo coletivo.

    H que levar em conta igualmente, nesta presena crescente do setor pblico em todo o

    planeta, a mudana da composio inter-setorial das nossas atividades. H poucas

    dcadas, o que chamvamos de atividades produtivas eram essencialmente atividades

    industriais, agrcolas e comerciais. Hoje passam a ocupar a linha de frente as polticas

    sociais. Vale lembrar que o maior setor econmico dos Estados Unidos no a indstria

    blica, nem a automobilstica, mas a sade, com 16% do PIB, e crescendo. No Brasil,

    somando a populao estudantil, os professores e gestores da rea educacional, estamos

    falando de 60 milhes de pessoas, quase um tero da populao do pas. As polticas

    sociais esto se tornando um fator poderoso de reestruturao social, pelo seu carter

    capilar (a sade tem de chegar a cada pessoa) e a sua intensidade em mo de obra. So

    reas onde, com a exceo dos nichos de alta renda, o setor pblico tem prioridade

    evidente, frequentemente articulado com organizaes da sociedade civil, outra rea em

    expanso, caracterizando um setor pblico no governamental. A economia social e

    suas variantes ocupam um lugar crescente no conjunto das atividades econmicas.

    Um terceiro eixo de transformao social a evoluo para a sociedade do

    conhecimento. Hoje quase todas as atividades envolvem uma forte incorporao de

    tecnologia, de conhecimentos dos mais variados tipos, do conjunto do que temos

    chamado de intangveis, ou de imaterial. Quando o essencial do valor de um produto est no conhecimento incorporado, mudam as formas de organizao

    correspondentes. Na base est um amplo processo social que envolve as pesquisas dos

    mais diferentes setores, a generalizao do acesso educao, e os sistemas de difuso

    de informaes que elevam a densidade de conhecimento no conjunto da sociedade,

    com fortssima participao de recursos pblicos em todos os nveis. A tendncia

    natural os conhecimentos se tornarem bem pblico (creative commons), pela

    facilidade de disseminao que as tecnologias modernas permitem, e pela compreenso

    que gradualmente penetra na sociedade de que o conhecimento se multiplica melhor

    quando se compartilha. O conhecimento um bem cujo consumo no reduz o estoque,

    pelo contrrio.

    Estes so megatrends, macro-tendncias que transformam a sociedade, e que exigem de

    ns sistemas de gesto muito mais diversificados, descentralizados e flexveis. Estamos

    evoluindo para a sociedade em rede, para sistemas densamente interativos e

    colaborativos. Alianas e parcerias entre diversos segmentos sociais, envolvendo reas

    tanto pblicas como privadas, nos diversos nveis de organizao territorial, esto se

    generalizando. A urbanizao leva a uma ampliao acelerada das dinmicas da gesto

    local, em que as comunidades se apropriam do seu desenvolvimento. As polticas

    sociais geram processos participativos, a sociedade do conhecimento nos leva para

    processos colaborativos em rede.

    O que est acontecendo na realidade um choque do futuro generalizado, e tanto a

    queda do muro de Berlim como a pilantragem irresponsvel de Wall Street apenas

  • 17

    despertaram, inicialmente na esquerda, depois na direita, a compreenso de que as

    mudanas precisam ser sistmicas. O business as usual (BAU), de ambos os lados do

    espectro poltico, est saindo fora de cena. So as relaes de produo no sentido

    amplo que mudam, e com isso os mecanismos atuais de regulao tornaram-se em boa

    parte obsoletos.

    O papel do Estado aparece assim como central, inclusive na dimenso mundial da crise.

    Dada a extrema fragilidade dos instrumentos planetrios de governana, o eixo

    estratgico de construo dos novos sistemas de regulao passar mais pela articulao

    de polticas nacionais do que propriamente pela esfera global. O Estado aparece assim

    com uma funo reforada no plano dos equilbrios internos, e no plano da redefinio

    das regras do jogo entre as naes.

    O potencial da gesto local

    Com a passagem do milnio, a humanidade tornou-se dominantemente urbana. Isto

    implica uma outra racionalidade nos processos decisrios e nas instituies que nos

    regem, pois hoje cada regio ou localidade tem um ncleo urbano que pode administrar

    o seu desenvolvimento, e este ncleo torna-se por sua vez um articulador natural do seu

    entorno rural, ponto de convergncia de uma gesto racional do desenvolvimento. Hoje

    ainda predominam iniciativas setoriais como Cidades Saudveis, Cidades Educadoras,

    Agenda XXI Local e assim por diante, mas gradualmente estamos evoluindo para

    iniciativas integradas como Bogot Como Vamos, Nossa So Paulo e tantas outras.

    O desenvolvimento local permite a apropriao efetiva do desenvolvimento pelas

    comunidades, e a mobilizao destas capacidades vital para um desenvolvimento

    participativo. Inmeras experincias no mundo tm mostrado que o interesse individual

    das pessoas pelo seu progresso funciona efetivamente quando ancorado no

    desenvolvimento integrado do territrio. Com sistemas simples de seguimento de

    qualidade de vida local, e o condicionamento do acesso aos recursos estruturao de

    entidades locais de promoo do desenvolvimento, gera-se a base organizacional de um

    desenvolvimento mais equilibrado. J se foi o tempo em que se acreditava em projetos

    paraquedas: o desenvolvimento funciona quando participativo, com um razovel equilbrio entre o fomento externo e a dimenso endgena do processo.

    A racionalidade da alocao dos recursos exige em ltima instncia uma avaliao

    eficiente do uso final dos emprstimos, coisa bastante mais trabalhosa do que o

    comrcio de derivativos outras atividades especulativas. O agente de crdito no nvel

    local, que conhece o seu bairro e a sua comunidade, as necessidades e os potenciais da

    regio, torna-se de certa maneira um credenciador da solidez dos usos finais dos

    recursos. trabalhoso, exige conhecer a realidade das pessoas, fazer o seguimento, mas

    a nica maneira de transformar as poupanas de uns no aumento da produtividade de

    todos, a chamada produtividade sistmica do territrio.

    ampla a experincia nesta rea, desde o Grameen Bank no Bangladesh, at as ONGs

    de intermediao financeira da Frana, a constituio de Bancos Comunitrios de

    Desenvolvimento e de Oscips de crdito em numerosos municpios no Brasil, a

    evoluo das experincias de microcrdito do Banco do Nordeste. A exigncia da

    aplicao local da poupana da populao, com regras mais amplas de compensao

    entre regies ricas e pobres atravs da rede pblica, dever permitir o financiamento

    tanto da micro e pequena empresa, como de organizaes da sociedade civil

  • 18

    empenhadas em projetos sociais e ambientais, investimentos pblicos locais e regionais

    em saneamento, manuteno urbana, e semelhantes.

    Os diversos programas sociais do governo brasileiro, desde o Bolsa Famlia at o Luz para Todos, convergem no seu impacto de dinamizar o acesso local a recursos, mesmo nas regies mais pobres do pas. Esta convergncia agora reforada com o

    programa Territrios da Cidadania que representa um programa anti-recessivo de recorte rooseveltiano capaz de compor - ao lado do PAC16 (necessita de um rodap)-

    uma poderosa alavanca, no apenas para resistir s turbulncias atuais, mas para

    deflagrar uma nova dinmica de crescimento, mais equilibrada do ponto de vista

    regional, e capaz de incorporar, de fato, as populaes do campo ao desenvolvimento do

    sculo XXI. So cerca de 20 bilhes de reais para 120 regies do pas. Esta viso, de

    apoio ao desenvolvimento local, tanto responde a uma poltica anticclica como

    democratizao do governo e ao resgate das desigualdades.

    No conjunto, est se desenhando em parte graas crise financeira de 2008 mas sobretudo pelo acmulo de desequilbrios crticos um Estado mais descentralizado, mais participativo, mais democrtico nos seus processos decisrios, mais transparente

    no plano da informao, e com maior papel articulador dos diversos agentes de

    transformao da sociedade.

    No conjunto, naturalmente, se os instrumentos de gesto pblica constituem um vetor

    chave de transformao, no h como ignorar a profundidade da mudana cultural que

    necessria para que o prprio Estado mude. O que temos pela frente, uma mudana

    civilizatria, com a dimenso que isto significa, e com a janela de tempo relativamente

    curta que temos pela frente. A conscincia dos desafios e o sentimento de urgncia

    penetram lentamente nas mentes das pessoas. A nossa tarefa, trabalhar nesta tomada

    de conscincia e ajudar na construo dos rumos.

    III ESBOOS DE AGENDA

    Est na moda dizer que o estatismo ruiu com o muro de Berlim, e o neo-liberalismo

    com o muro de Wall Street. Morreram, na realidade, as vises simplificadoras dos

    processos decisrios da sociedade. A viso dicotmica que nos deu o estado burocrtico

    do Leste europeu de um lado, e a arrogncia corporativa exemplificada por Wall Street

    por outro, que esto em crise. A sociedade complexa moderna j no comporta este

    tipo de simplificaes. Temos de desenvolver processos mais flexveis e diferenciados

    de regulao, no estrangulando os processos decisrios, mas aproximando-os das

    necessidades reais da sociedade, com mais transparncia e democracia. Como

    sociedade, desejamos no somente sobreviver, mas viver com qualidade de vida. E isto

    implica elencarmos de forma ordenada os desafios e as respostas. So os resultados

    mnimos a serem atingidos, com os processos decisrios correspondentes.

    As propostas, ou linhas de ao sugeridas abaixo, tm um denominador comum: todas

    j foram experimentadas e esto sendo aplicadas em diversas regies do mundo, setores

    ou instncias de atividade. So iniciativas que deram certo, e cuja generalizao, com as

    devidas adaptaes e flexibilidade em funo da diversidade planetria, hoje vivel.

    16 PAC Programa de Acelerao do Crescimento, um dos programas centrais do governo federal brasileiro no sentido de dinamizar a expanso de infraestruturas, gerar empregos, reforar a incluso

    (PAC Social) e enfrentar a crise financeira global.

  • 19

    No temos a iluso relativamente distncia entre a realidade poltica de hoje e as

    medidas sistematizadas abaixo. Mas pareceu-nos essencial, de toda forma, elencar de

    forma organizada as medidas necessrias, pois ter um norte mais claro ajuda na

    construo de uma outra governana planetria. No esto ordenados por objetivos, pois

    a maioria tem implicaes simultneas e dimenses interativas.

    1 - Resgatar a dimenso pblica do Estado

    Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem se o dinheiro das

    corporaes a regular que elege os reguladores? Se as agncias que avaliam risco so

    pagas por quem cria o risco? Se aceitvel que os responsveis de um banco central

    venham das empresas que precisam ser reguladas, e voltam para nelas encontrar

    emprego?

    Uma das propostas mais evidentes da ltima crise financeira, e que encontramos

    mencionada em quase todo o espectro poltico, a necessidade de se reduzir a

    capacidade das corporaes privadas ditarem as regras do jogo. A quantidade de leis

    aprovadas no sentido de reduzir impostos sobre transaes financeiras, de reduzir a

    regulao de banco central, de autorizar os bancos a fazerem toda e qualquer operao,

    somado com o poder dos lobbies financeiros tornam evidente a necessidade de se

    resgatar o poder regulador do estado, e para isto os polticos devem ser eleitos por

    pessoas de verdade, e no por pessoas jurdicas, que constituem fices em termos de

    direitos humanos. Enquanto no tivermos financiamento pblico das campanhas,

    polticas que representem os interesses dos cidados, prevalecero os interesses

    econmicos de curto prazo e a corrupo.

    2 - Refazer as contas

    As contas tm de refletir os objetivos que visamos. O PIB indica a intensidade do uso

    do aparelho produtivo, mas no nos indica a utilidade do que se produz, para quem, e

    com que custos para o estoque de bens naturais de que o planeta dispe. Conta como

    aumento do PIB um desastre ambiental, o aumento de doenas, o cerceamento de acesso

    a bens livres. O IDH j foi um imenso avano, mas temos de evoluir para uma

    contabilidade integrada dos resultados efetivos dos nossos esforos, e particularmente

    da alocao de recursos financeiros, em funo de um desenvolvimento que no seja

    apenas economicamente vivel, mas tambm socialmente justo e ambientalmente

    sustentvel. As metodologias existem, aplicadas parcialmente em diversos pases,

    setores ou pesquisas. A ampliao dos indicadores internacionais como o IDH, a

    generalizao de indicadores nacionais como os Calvert-Henderson Quality of Life

    Indicators nos Estados Unidos, as propostas da Comisso Stiglitz/Sen/Fitoussi, o

    movimento FIB Felicidade Interna Bruta todos apontam para uma reformulao das contas. A adoo em todos as cidades de indicadores locais de qualidade de vida veja-se os Jacksonville Quality of Life Progress Indicators tornou-se hoje indispensvel para que seja medido o que efetivamente interessa: o desenvolvimento sustentvel, o

    resultado em termos de qualidade de vida da populao. Muito mais do que o output,

    trata-se de medir o outcome.

    3 - Assegurar a renda bsica

  • 20

    . A pobreza crtica o drama maior, tanto pelo sofrimento que causa em si, como pela

    articulao com os dramas ambientais, o no acesso ao conhecimento, a deformao do

    perfil de produo que se desinteressa das necessidades dos que no tm capacidade

    aquisitiva. A ONU calcula que custaria 300 bilhes de dlares (no valor do ano 2000)

    tirar da misria um bilho de pessoas que vivem com menos de um dlar por dia. So

    custos ridculos quando se considera os trilhes transferidos para grupos econmicos

    financeiros no quadro da ltima crise financeira. O benefcio tico imenso, pois

    inaceitvel morrerem de causas ridculas 10 milhes de crianas por ano. O benefcio de

    curto e mdio prazo grande, na medida em que os recursos direcionados base da

    pirmide dinamizam imediatamente a micro e pequena produo, agindo como processo

    anticclico, como se tem constatado nas polticas sociais de muitos pases. No mais

    longo prazo, ser uma gerao de crianas que tero sido alimentadas decentemente, o

    que se transforma em melhor aproveitamento escolar e maior produtividade na vida

    adulta. Em termos de estabilidade poltica e de segurana geral, os impactos so bvios.

    Trata-se do dinheiro mais bem investido que se possa imaginar, e as experincias

    brasileira, mexicana e de outros pases j nos forneceram todo o know-how

    correspondente. A teoria to popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda,

    simplesmente desmentida pelos fatos: sair da misria estimula.

    4 - Assegurar o direito de ganhar a vida

    Toda pessoa que queira ganhar o po da sua famlia deveria poder ter acesso ao

    trabalho. Num planeta onde h um mundo de coisas a fazer, inclusive para resgatar o

    meio ambiente, absurdo o nmero de pessoas sem acesso a formas organizadas de

    produzir e gerar renda. Temos os recursos e os conhecimentos tcnicos e

    organizacionais para assegurar, em cada vila ou cidade, acesso a um trabalho decente e

    socialmente til. As experincias de Maharashtra na ndia demonstraram a sua

    viabilidade, como o mostram as numerosas experincias brasileiras, sem falar no New

    Deal da crise dos anos 1930. So opes onde todos ganham: o municpio melhora o

    saneamento bsico, a moradia, a manuteno urbana, a policultura alimentar. As

    famlias passam a poder viver decentemente; e a sociedade passa a ser melhor

    estruturada e menos tensionada. Os gastos com seguro-desemprego se reduzem. No

    caso indiano, cada vila ou cidade obrigada a ter um cadastro de iniciativas intensivas

    em mo de obra. Dinheiro emprestado ou criado desta forma representa investimento,

    melhoria de qualidade de vida, e d excelente retorno. E argumento fundamental:

    assegura que todos tenham o seu lugar para participar na construo de um

    desenvolvimento sustentvel. Na organizao econmica, alm do resultado produtivo,

    essencial pensar no processo estruturador ou desestruturador gerado. A pesca ocenica

    industrial pode ser mais produtiva em volume de peixe, mas o processo desastroso,

    tanto para a vida no mar como para centenas de milhes de pessoas que viviam da pesca

    tradicional. A dimenso de gerao de emprego de todas as iniciativas econmicas tem

    de se tornar central.

    5 - Reduzir a jornada de trabalho

    A sub-utilizao da fora de trabalho um problema planetrio, ainda que desigual na

    sua gravidade. No Brasil, conforme vimos, com 100 milhes de pessoas na PEA, temos

    40 milhes formalmente empregadas no setor privado, e 9 milhes de empregados

    pblicos. A conta no bate. O setor informal situa-se na ordem de 40% da PEA. Uma

    imensa parte da nao se vira para sobreviver. No lado dos empregos de ponta, as pessoas no vivem por excesso de carga de trabalho. No se trata aqui de uma exigncia

  • 21

    de luxo: so incontveis os suicdios nas empresas onde a corrida pela eficincia se

    tornou simplesmente desumana. O stress profissional est se tornando uma doena

    planetria, e a questo da qualidade de vida no trabalho passa a ocupar um espao

    central. A redistribuio social da carga de trabalho torna-se hoje uma necessidade. As

    resistncias so compreensveis, mas a realidade que com os avanos da tecnologia os

    processos produtivos tornam-se cada vez menos intensivos em mo de obra, e reduzir a

    jornada uma questo de tempo. No podemos continuar a basear o nosso

    desenvolvimento em ilhas tecnolgicas ultramodernas enquanto se gera uma massa de

    excludos, inclusive porque se trata de equilibrar a remunerao e, consequentemente, a

    demanda. A reduo da jornada no reduzir o bem estar ou a riqueza da populao, e

    sim a deslocar para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais

    atividades de cultura e lazer. No precisamos necessariamente de mais carros e de mais

    bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida.

    6 - Favorecer a mudana do comportamento individual

    Neste planeta de 7 bilhes de habitantes, com um aumento anual da ordem de 75

    milhes, toda poltica envolve tambm uma mudana de comportamento individual e

    da cultura do consumo. O respeito s normas ambientais, a moderao do consumo, o

    cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalizao da

    reciclagem, a reduo do desperdcio h um conjunto de formas de organizao do nosso cotidiano que passa por uma mudana de valores e de atitudes frente aos desafios

    econmicos, sociais e ambientais. No apago energtico do final dos anos 90 no Brasil,

    constatou-se como uma boa campanha informativa, o papel colaborativo da mdia, e a

    punio sistemtica dos excessos permitiu uma racionalizao generalizada do uso

    domstico da energia. Esta dimenso da soluo dos problemas essencial, e envolve

    tanto uma legislao adequada, como sobretudo uma participao ativa da mdia.

    Hoje 95% dos domiclios no Brasil tm televiso, e o uso informativo inteligente deste e

    de outros meios de comunicao tornou-se fundamental. Frente aos esforos necessrios

    para reequilibrar o planeta, no basta reduzir o martelar publicitrio que apela para o

    consumismo desenfreado, preciso generalizar as dimenses informativas dos meios de

    comunicao. A mdia cientfica praticamente desapareceu, os noticirios navegam no

    atrativo da criminalidade, quando precisamos vitalmente de uma populao informada

    sobre os desafios reais que enfrentamos. Grande parte da mudana do comportamento

    individual depende de aes pblicas: as pessoas no deixaro o carro em casa (ou

    deixaro de t-lo) se no houver transporte pblico, no faro reciclagem se no houver

    sistemas adequados de coleta. Precisamos de uma poltica pblica de mudana do

    comportamento individual.

    7 - Racionalizar os sistemas de intermediao financeira

    A alocao final dos recursos financeiros deixou de ser organizada em funo dos usos

    finais de estmulo e orientao de atividades econmicas e sociais, para obedecer s

    finalidades dos prprios intermedirios financeiros. A atividade de crdito sempre

    uma atividade pblica, seja no quadro das instituies pblicas, seja no quadro dos

    bancos privados que trabalham com dinheiro do pblico, e que para tanto precisam de

    uma carta-patente que os autoriza a ganhar dinheiro com dinheiro dos outros. A recente

    crise financeira de 2008 demonstrou com clareza o caos que gera a ausncia de

    mecanismos confiveis de regulao no setor. Nas ltimas duas dcadas, temos saltado

    de bolha em bolha, de crise em crise, sem que a relao de foras permita a

  • 22

    reformulao do sistema de regulao em funo da produtividade sistmica dos

    recursos. Enquanto no se gera uma relao de foras mais favorvel, precisamos

    batalhar os sistemas nacionais de regulao financeira. O dinheiro no mais produtivo

    onde rende mais para o intermedirio: devemos buscar a produtividade sistmica de um

    recurso que pblico.

    A Coria do Sul abriu recentemente um financiamento de 36 bilhes de dlares para

    financiar transporte coletivo e alternativas energticas, gerando com isto 960 mil

    empregos. O impacto positivo ambiental pela reduo de emisses, anti-cclico pela

    dinamizao da demanda, social pela reduo do desemprego e pela renda gerada,

    tecnolgico pelas inovaes que gera nos processos produtivos mais limpos. Tem

    inclusive um impacto raramente considerado, que a reduo do tempo vida que as

    pessoas desperdiam no transporte. Trata-se aqui, evidentemente, de financiamento

    pblico, pois os bancos comerciais no teriam esta preocupao, nem esta viso

    sistmica. (UNEP,Global Green New Deal, 2009). Em ltima instncia, os recursos

    devem ser tornados mais acessveis segundo que os objetivos do seu uso sejam mais

    produtivos em termos sistmicos, visando um desenvolvimento mais inclusivo e mais

    sustentvel. A intermediao financeira um meio, no um fim.

    8 - Taxao das transaes especulativas

    Uma das alternativas mais frequentemente sugeridas, a taxao das transaes

    especulativas. Na linha da antiga proposta de James Tobin, uma taxa de por exemplo

    0,20% sobre cada transao reduziria drasticamente a lucratividade dos que tm como

    atividade o constante movimento de capitais, ao que apresentada pelos

    especuladores como aumentando a fluidez do mercado, quando na realidade gera

    comportamentos de manada que joga preos de papis e de commodities para cima e

    para baixo e desorganiza qualquer atividade de planejamento organizado da produo e

    do investimento produtivo. Um segundo importante efeito de uma taxa deste tipo que

    todas as transaes passariam a ser registradas, o que reduziria drasticamente os

    imensos volumes de movimentos ilegais, em particular a evaso fiscal e o uso de

    parasos fiscais. Trata-se de uma medida necessria, ainda que no suficiente, para a

    desintermediao das transaes, e reduo dos diversos tipos de atividades alavancadas

    (cary trade etc.). A recente aplicao no Brasil de uma taxa de 6% sobre capitais que

    entram mostra o potencial de polticas nacionais de racionalizao dos fluxos

    especulativos.

    Particular ateno precisa ser dada aos intermedirios que ganham apenas nos fluxos

    entre outros intermedirios com papis que representam direitos sobre outros papis e que tm tudo a ganhar com a maximizao dos fluxos, pois so remunerados por

    comisses sobre o volume e ganhos, e geram portanto volatilidade e pro-ciclicidade,

    com os monumentais volumes que nos levaram por exemplo a valores em derivativos da

    ordem de 630 trilhes de dlares em dezembro de 2011, quase 10 vezes o PIB mundial.

    A intermediao especulativa diferentemente das intermediao de compras e vendas entre produtores e utilizadores finais apenas gera uma pirmide especulativa e insegurana, alm de desorganizar os mercados e as polticas econmicas.17

    9 - Repensar a lgica dos sistemas tributrios

    17 Os dados sobre os derivativos emitidos (outstanding derivatives) podem ser consultados no site do BIS,

    de Basilia.

  • 23

    Uma poltica tributria, equilibrada na cobrana, e reorientada na aplicao dos

    recursos, constitui um dos instrumentos fundamentais de que dispomos, sobretudo

    porque pode ser promovida por mecanismos democrticos. O eixo central no est na

    reduo dos impostos, e sim na cobrana socialmente mais justa e na alocao mais

    produtiva em termos sociais e ambientais. A taxao das transaes especulativas

    (nacionais ou internacionais) dever gerar fundos para financiar uma srie de polticas

    essenciais para o reequilbrio social e ambiental. O imposto sobre grandes fortunas

    hoje essencial para reduzir o poder poltico das dinastias econmicas (10% das famlias

    do planeta dono de 90% do patrimnio familiar acumulado no planeta). O imposto

    sobre a herana fundamental para dar chances a partilhas mais equilibradas para as

    sucessivas geraes. O imposto sobre a renda deve adquirir mais peso relativamente aos

    impostos indiretos, com alquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda.

    importante lembrar que as grandes fortunas do planeta em geral esto vinculadas no a

    um acrscimo de capacidades produtivas do planeta, e sim aquisio maior de

    empresas por um s grupo, gerando uma pirmide cada vez mais instvel e menos

    governvel de propriedades cruzadas, imprios onde a grande luta pelo controle do

    poder financeiro, poltico e miditico, e a apropriao de recursos naturais. O sistema

    tributrio tem de ser reformulado no sentido anti-cclico, privilegiando atividades

    produtivas e penalizando as especulativas; no sentido do maior equilbrio social ao ser

    fortemente progressivo; e no sentido de proteo ambiental ao taxar emisses txicas ou

    geradoras de mudana climtica, bem como o uso de recursos naturais no renovveis.18

    Particular ateno dever ser dada s taxas sobre emisso de gases do efeito estufa, que

    devero desempenhar um papel importante em termos de captao de recurso, e podero

    constituir um fundo de primeira importncia, para o equilbrio ambiental. Est se

    tornando evidente que o mercado de carbono simplesmente no suficiente como

    mecanismo de dissuaso das emisses. A aplicao de taxas sobre as emisses j em curso na Sucia, na Noruega, ou na Itlia tecnicamente simples, e o seu uso generalizado permite que os usurios particulares ou industriais sejam obrigados a

    incorporar nas suas decises econmicas os custos reais indiretamente gerados para toda

    a sociedade, inclusive as futuras geraes.

    10 - Repensar a lgica oramentria

    O poder redistributivo do Estado grande, tanto pelas polticas que executa por exemplo as polticas de sade, lazer, saneamento e outras infra-estruturas sociais que

    melhoram o nvel de consumo coletivo como pelas que pode fomentar, como opes energticas, incluso digital e assim por diante. Fundamental tambm a poltica

    redistributiva que envolve poltica salarial, de previdncia, de crdito, de preos, de

    emprego. A forte presena das corporaes junto ao poder poltico constitui um dos

    entraves principais ao equilbrio na alocao de recursos. O essencial assegurar que

    todas as propostas de alocao de recursos sejam analisadas pelo triplo enfoque

    econmico, social e ambiental. No caso brasileiro, constatou-se com as recentes

    polticas sociais (Bolsa-Famlia, polticas de previdncia etc.) que volumes relativamente limitados de recursos, quando chegam base da pirmide, so incomparavelmente mais produtivos, tanto em termos de reduo de situaes crticas e

    18 Susan George traz uma ilustrao convincente: um bilionrio que aplica o seu dinheiro com uma

    conservadora remunerao de 5% ao ano, aumenta a sua fortuna em 137 mil dlares por dia. Taxar este

    tipo de ganhos no aumentar os impostos, corrigir absurdos.

  • 24

    consequente aumento de qualidade de vida, como pela dinamizao de atividades

    econmicas induzidas pela demanda local. A democratizao aqui fundamental. A

    apropriao dos mecanismos decisrios sobre a alocao de recursos pblicos est no

    centro dos processos de corrupo, envolvendo as grandes bancadas corporativas, por

    sua vez ancoradas no financiamento privado das campanhas.

    11 - Facilitar o acesso ao conhecimento e s tecnologias sustentveis

    A participao efetiva das populaes nos processos de desenvolvimento sustentvel

    envolve um denso sistema de acesso pblico e gratuito informao necessria. A

    conectividade planetria que as novas tecnologias permitem constitui uma ampla via de

    acesso direto. O custo-benefcio da incluso digital generalizada simplesmente

    imbatvel, pois um programa que desonera as instncias administrativas superiores, na

    medida em que as comunidades com acesso informao se tornam sujeitos do seu

    prprio desenvolvimento. A rapidez da apropriao deste tipo de tecnologia at nas

    regies mais pobres se constata na propagao do celular, das lan houses mais

    modestas. O impacto produtivo imenso para os pequenos produtores que passam a ter

    acesso direto a diversos mercados tanto de insumos como de venda, escapando aos

    diversos sistemas de atravessadores comerciais e financeiros. A incluso digital

    generalizada um destravador potente do conjunto do processo de mudana que hoje se

    torna indispensvel.

    O mundo frequentemente esquece que 2 bilhes de pessoas ainda cozinham com lenha,

    rea em que h inovaes significativas no aproveitamento calrico por meio de foges

    melhorados. Tecnologias como o sistema de cisternas do Nordeste, de aproveitamento

    da biomassa, de sistemas menos agressivos de proteo dos cultivos etc., constituem um

    vetor de mudana da cultura dos processos produtivos. A criao de redes de ncleos de

    fomento tecnolgico online, com ampla capilaridade, pode se inspirar da experincia da

    ndia, onde foram criados ncleos em praticamente todas as vilas do pas. O World

    Economic and Social Survey 2009 particularmente eloquente ao defender a

    flexibilizao de patentes no sentido de assegurar ao conjunto da populao mundial o

    acesso s informaes indispensveis para as mudanas tecnolgicas exigidas por um

    desenvolvimento sustentvel.

    12 - Democratizar a comunicao

    A comunicao uma das reas que mais explodiu em termos de peso relativo nas

    transformaes da sociedade. Estamos em permanncia cercados de mensagens. As

    nossas crianas passam horas submetidas publicidade ostensiva ou disfarada. A

    indstria da comunicao, com sua fantstica concentrao internacional e nacional - e

    a sua crescente interao entre os dois nveis - gerou uma mquina de fabricar estilos de

    vida, um consumismo obsessivo que refora o elitismo, as desigualdades, o desperdcio

    de recursos como smbolo de sucesso. O sistema circular permite que os custos sejam

    embutidos nos preos dos produtos que nos incitam a comprar, e ficamos envoltos em

    um cacarejo permanente de mensagens idiotas pagas do nosso bolso. Mais

    recentemente, a corporao utiliza este caminho para falar bem de si, para se apresentar

    como sustentvel e, de forma mais ampla, como boa pessoa. O espectro eletromagntico

    em que estas mensagens navegam pblico, e o acesso a uma informao inteligente e

    gratuita para todo o planeta, simplesmente vivel. Expandindo gradualmente as

    inmeras formas alternativas de mdia que surgem por toda parte, h como introduzir

  • 25

    uma cultura nova, outras vises de mundo, cultura diversificada e no pasteurizada,

    pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais.

    13 Resgatando a capacidade pblica de planejamento

    Com uma populao de 7 bilhes, e 80 milhes a mais a cada ano, presso crescente

    sobre os recursos naturais, desigualdades explosivas e um sistema financeiro catico,

    estamos voltando ao planejamento como um instrumento necessrio de governana.

    No mais uma questo da eterna disputa ideolgica sobre a dominncia do estatal ou

    do privado, mas uma compreenso de que na sociedade mista realmente existente, as

    esferas empresarial, pblica e da sociedade civil tm de construir um novo pacto social

    para o bem comum. O planejamento centralizado e controlado pelo estado apenas

    mostrou as suas limitaes, mas sem planejamento democrtico, construo de

    consensos e gerao de sinergias entre os diferentes agentes envolvidos, no h

    perspectiva para a capacidade de governo que necessitamos. No quadro dos atuais

    desafios, o que nos falta no so os recursos, mas sim instrumentos para utiliz-los de

    maneira mais organizada. O planejamento econmico, social e ambiental, ao colocar em

    pblico e antecipadamente as opes de desenvolvimento, e ao permitir que sejam

    discutidas, uma condio necessria para um processo decisrio mais democrtico. O

    imenso progresso que j conseguimos na capacidade de organizar informao, de torn-

    la disponvel para todos os nveis da sociedade, abre uma amplo leque de oportunidades

    para um sistema de alocao de recursos simultaneamente centrado no bem comum, na

    democracia econmica e na eficincia da gesto.

    A lista de propostas e sugestes pode evidentemente alongar-se. O fato que mais inspira

    esperana a multiplicao impressionante de iniciativas nos planos da tecnologia, dos

    sistemas de gesto local, da expanso dos movimentos sociais organizados, das

    iniciativas de economia solidria, do uso da internet para democratizar o conhecimento,

    da descoberta de novas formas de produo menos agressivas, de formas mais

    equilibradas de acesso aos recursos. O Brasil neste plano tem mostrado que comear a

    construir uma vida mais digna para o andar de baixo, para os dois teros de excludos, no gera tragdias para os ricos. Inclusive, numa sociedade mais equilibrada, todos

    passaro a viver melhor.

    Carlos Lopes Sub-Secretrio Geral da ONU, encarregado do UNITAR em Genebra (www.unitar.org) e

    da Escola de Lderes da ONU em Turim (www.unssc.org). Especialista em desenvolvimento pelo

    Instituto de Altos Estudos Internacionais e Desenvolvimento da Universidade de Genebra tm tambm

    um Doutoramento em Histria pela Universidade de Paris 1, Panthon-Sorbonne. Tm numerosa

    bibliografia publicada e faz parte de 12 conselhos acadmicos. As opinies aqui expressas so pessoais.

    Ignacy Sachs, eco-socioeconomista nascido na Polnia em 1927, com estudos superiores no Brasil, na

    ndia e na Polnia. Desde 1968, professor da Escola de Altos Estudos en Cincias Sociais em Paris

    (E.H.E.S.S.) onde criou e dirigiu sucessivamente o Centre International de Recherches sur

    l'Environnement et le Dveloppement (C.I.R.E.D.) e o Centre de Recherches sur le Brsil Contemporain

    (C.R.B.C.). Consultor em vrias ocasies da Organizao das Naes Unidas, tendo participado dos

    preparativos da Conferncia de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e da Cpula da Terra de Rio de

    Janeiro (1992). A sua bibliografia acessvel no site: http://bit.ly/4AYaHu

    Ultimo livro publicado no Brasil: A terceira margem - em busca do ecodesenvolvimento, Companhia das

    Letras, So Paulo, 2009.

    Ladislau Dowbor professor titular no departamento de ps-graduao da Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo. consultor de diversas agncias das Naes Unidas, governos e municpios, bem

    como do Sebrae e outras instituies. Seus livros e artigos podem ser acessados na ntegra no site

    http://dowbor.org, na linha do Creative Commons (livre acesso no comercial) Contato:

    [email protected]