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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CRISTIANE BORGES ANGELO OS SENTIDOS DA AUTONOMIA DOCENTE NO DESENVOLVIMENTO CURRICULAR NATAL 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CRISTIANE BORGES ANGELO

OS SENTIDOS DA AUTONOMIA DOCENTE NO DESENVOLVIMENTO

CURRICULAR

NATAL

2006

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CRISTIANE BORGES ANGELO

OS SENTIDOS DA AUTONOMIA DOCENTE NO DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação

Orientador: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes

NATAL-RN

2006

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Divisão de Serviços Técnicos

Angelo, Cristiane Borges. Os sentidos da autonomia docente no desenvolvimento curricular /

Cristiane Borges Angelo. – Natal, 2006. 148 f. il.

Orientador: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação.

1. Educação – Tese. 2. Autonomia - Tese. 3. Desenvolvimento curricular – Tese. 4. Formação de professor - Tese. 5. Matemática – Tese. I. Mendes, Iran Abreu. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 371.13 (81) (043.3)

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CRISTIANE BORGES ANGELO

OS SENTIDOS DA AUTONOMIA DOCENTE NO DESENVOLVIMENTO

CURRICULAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação

Aprovada em 20 de julho de 2006

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof. Dr. Iran Abreu Mendes (Orientador)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________________

Profª. Drª. Adair Mendes Nacarato (Examinadora Externa)

Universidade São Francisco - USF

________________________________________________

Prof. PhD. John Andrew Fossa (Examinador Interno)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

________________________________________________

Profª. Drª. Bernadete Barbosa Morey (Suplente)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Natal/RN, 20/07/2006

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Dedico esse trabalho a minha mãe Alice que, na simplicidade de seus ensinamentos, me fez compreender os valores do estudo, da honestidade e da ética.

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Agradeço primeiramente a Deus pelas oportunidades que tem me dado ao longo de minha caminhada e, principalmente, por ter colocado em minha vida todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para que esse trabalho fosse realizado.

Ao Professor Dr. Iran Abreu Mendes por aceitar prontamente o meu pedido de ser sua orientanda, pelo privilégio de ter sua orientação competente e pela confiança que depositou em mim.

À Professora Dra. Rosália de Fátima e Silva pela atenção dirigida a esse trabalho, pela amizade, incentivo e atenção demonstrados ao longo do Seminário e Atelier de Análise Compreensiva do Discurso.

À Professora Dra. Adair Mendes Nacarato que gentilmente aceitou o convite para participar da banca examinadora.

Ao Professor PhD. John Andrew Fossa pelas contribuições dadas no Seminário de Orientação de Dissertação I e por ter aceitado o convite de participar da banca examinadora.

À Professora Dra. Márcia Maria Gurgel pela acolhida no Programa de Pós Graduação em Educação dessa Universidade.

À Professora Dra. Arlete de Jesus Brito pelas sugestões dadas no Seminário de Orientação de Dissertação II.

A todos os colegas, professores e funcionários do programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN.

Aos colegas do PROCEFET pelo coleguismo e incentivo e por permitirem a minha ausência durante seis meses para que pudesse concluir esse trabalho.

À Professora Deuselina pela revisão lingüística que realizou neste trabalho e à Professora Ana Lúcia pela contribuição dada ao resumen.

À Direção Geral do CEFET-RN e em especial à Gerência de Desenvolvimento de Recursos Humanos por fomentar políticas de incentivo à formação de seus servidores.

E, finalmente, aos professores de Matemática participantes desta pesquisa, pela confiança em mim depositada ao exporem suas idéias. Sem eles esse trabalho não poderia ser viabilizado.

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RESUMO

Esse estudo firma-se no caminho da formação e do desenvolvimento profissional de

professores de Matemática, objetivando compreender, a partir do discurso de

professores de Matemática, o sentido atribuído à autonomia profissional e como

esse sentido é refletido na produção e desenvolvimento curricular da disciplina de

Matemática. Para tal, utilizamos a entrevista compreensiva, metodologia baseada no

pressuposto fundamental da palavra na construção do objeto de estudo. A partir do

discurso de cinco professores que lecionam a disciplina de Matemática, no Centro

Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte, percebemos que a

autonomia está atrelada a uma posição de soberania em sala de aula, o que se

traduz em um trabalho voltado para o individualismo. Constatamos que as reuniões

pedagógicas, espaços por excelência para discussões e reflexões acerca do ensino

de Matemática e conseqüente desenvolvimento profissional, não contribuem para

que o mesmo se efetive. Percebemos, também, que o livro didático é utilizado para

padronizar o trabalho dos professores e que o vestibular, ainda, é tomado como

referência no que concerne ao currículo de Matemática na instituição, o que impede

a efetivação de um desenvolvimento curricular da disciplina de Matemática, em que

sejam considerados solidariamente todos os seus componentes.

Palavras-chave: autonomia, desenvolvimento curricular, formação de professores de Matemática, desenvolvimento profissional de professores de Matemática.

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Resumen

Ese estudio se firma en el camino de la formación y del desarrollo profesional de

profesores de Matemáticas, objetivando comprender, a partir del discurso de

profesores de dicha asignatura, el sentido atribuido a la autonomía profesional y

cómo ese sentido es reflejado en la producción y desarrollo curricular de la

asignatura de Matemáticas. Para tal, utilizamos la entrevista comprensiva,

metodología basada en el supuesto fundamental de la palabra en la construcción del

objeto de estudio. A partir del discurso de cinco profesores que imparten la

asignatura de Matemáticas en el Centro Federal de Educación Tecnológica de Rio

Grande do Norte, percibimos que la autonomía está unida a una posición de

soberanía en aula, lo que se traduce en un trabajo volcado al individualismo.

Constatamos que las reuniones pedagógicas, espacios por excelencia para

discusiones y reflexiones acerca de la enseñanza de Matemáticas y consecuente

desarrollo profesional, no contribuyen para la mejora de la enseñaza de dicha

disciplina. Percibimos, también, que el libro didáctico es utilizado para estandarizar el

trabajo de los profesores y que la selectividad todavía es punto de referencia en lo

que concierne al currículum de Matemáticas en la institución, lo que impide la

realización de un desarrollo curricular de la asignatura de Matemáticas en que sean

considerados conjuntamente todos sus componentes.

Palabras Claves: autonomía, desarrollo curricular, formación de profesores de matemáticas, desarrollo profesional de profesores de Matemáticas.

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SUMÁRIO

RESUMO 05

RESUMEN 06

SUMÁRIO 07

DESVELANDO O OBJETO DE ESTUDO 091 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO 102 O DESENVOLVIMENTO CURRICULAR COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO PERMANENTE DO PROFESSOR

13

3 OS SENTIDOS DA AUTONOMIA DOCENTE 174 OBJETIVOS DA PESQUISA 245 APRESENTANDO A METODOLOGIA 255.1 Os sujeitos investigados 295.2 As entrevistas 315.3 A interpretação 335.4 Os planos evolutivos 34

PARTE I – O PROFESSOR DE MATEMÁTICA 42

CAPÍTULO 1 - ESCOLHENDO O CAMINHO 44UNINDO AS PEÇAS 49

CAPÍTULO 2 – CONTEXTUALIZANDO A FORMAÇÃO 51UNINDO AS PEÇAS 69

CAPÍTULO 3 – REVIVENDO O PASSADO PARA CONSTRUIR O FUTURO 70UNINDO AS PEÇAS 77

PARTE II – O CONTEXTO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL 79

CAPÍTULO 4 – CONTEXTUALIZANDO A INSTITUIÇÃO 814.1 APRESENTANDO O CEFET-RN 814.2 REVELANDO OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CURRÍCULO 844.3 DESVELANDO O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA 87

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12

UNINDO AS PEÇAS 105

CAPÍTULO 5 – REVELANDO OS IMPEDIMENTOS 1065.1 O SENTIDO DA AUTONOMIA PARA OS PROFESSORES PESQUISADOS

106

5.2 O LIVRO DIDÁTICO 1095.3 O VESTIBULAR 118UNINDO AS PEÇAS 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS 127

REFERÊNCIAS 130

APÊNDICE 139

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DESVELANDO O OBJETO DE ESTUDO

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DESVELANDO O OBJETO DE ESTUDO

1 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO

Nas últimas décadas as investigações relativas ao tema “Formação e

Desenvolvimento Profissional de Professores de Matemática” têm se ampliado e se

constituído em uma área de pesquisa cada vez mais consistente. Nesse panorama,

o professor de Matemática é visto como um elemento-chave dentro do contexto

educacional e seu envolvimento no processo educativo é sobremaneira importante

para que haja uma mudança significativa que convirja para a melhoria do ensino de

Matemática em nosso país.

Acreditamos que quaisquer mudanças que se deseja implantar nas escolas

devem levar em consideração as vozes dos professores, afinal de contas eles

desempenham um papel fundamental no cotidiano escolar.

Apesar de todo o avanço das pesquisas sobre a formação e o

desenvolvimento profissional de professores e, especificamente, de professores de

Matemática, sempre nos pareceu que a participação do professor no processo de

definições curriculares e de conteúdos matemáticos a serem trabalhados em sala de

aula ainda era muito pequena. Tínhamos a impressão de que o papel do professor

de Matemática se encontrava reduzido aos procedimentos metodológicos de sala de

aula, ficando definidos externamente a seleção de conteúdos, independente da

realidade em que se encontrava o contexto escolar, predominando “um ensino em

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que o professor expõe o conteúdo, mostra como resolver alguns exemplos e pede

que os alunos resolvam inúmeros problemas semelhantes.” (D’AMBROSIO, B. 1993,

p. 38). Predominância essa que, a nosso ver, é fruto de uma formação que não

prepara o futuro professor para, por exemplo, exercer competências que convirjam

em um desenvolvimento curricular da disciplina de Matemática.

Além disso, as recentes reformas educacionais que temos assistido em

nosso país acabam ficando distantes dos principais agentes que irão vivenciá-las.

Com relação à proposição supracitada, Ponte, Matos e Abrantes (1998, p. 215),

afirmam que

muitas propostas curriculares têm sido lançadas com pressupostos ingênuos acerca do modo como a elas irão agir os professores – os principais agentes que, ao fim e ao cabo, são chamados a pô-las em prática.

Diante dessa realidade e a partir das leituras que fomos fazendo ao longo

de nossa experiência, surgiu uma questão a ser respondida: qual o sentido da

autonomia docente na organização curricular da disciplina de Matemática.

Essa questão abriu o caminho para que nos propuséssemos a realizar uma

investigação que se firmaria no caminho da formação e do desenvolvimento

profissional de professores de Matemática e que visaria a compreender o sentido da

autonomia docente na organização curricular, pois acreditamos que “um melhor

conhecimento dos professores pode ajudar no estabelecimento de políticas

educativas mais adequadas” (PONTE; MATOS; ABRANTES, 1998, p. 215). Políticas

essas que acreditamos serem decisivas na melhoria da formação dos professores

de Matemática.

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Nesse sentido, e ainda com a preocupação de contribuir com o

desenvolvimento profissional de professores de Matemática e, por conseguinte, com

a melhoria do ensino dessa disciplina, lançamo-nos ao desafio de buscar

compreender, os sentidos da autonomia no trabalho docente, a partir das

percepções e vivências dos professores de matemática, e o reflexo desses sentidos

na organização curricular da disciplina de Matemática.

Por acreditarmos que o desenvolvimento profissional dos professores está

intimamente ligado à cultura da escola e por pensarmos que a prática dos

professores está condicionada à mesma, nos propomos a investigar professores,

levando em consideração o contexto em que desempenham as suas funções. Por

conta disso, realizamos nossa investigação, com professores que lecionam a

disciplina de Matemática, no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio

Grande do Norte (CEFET-RN)1.

A escolha do lócus de pesquisa se deu por tratar-se da instituição a qual

estamos ligados profissionalmente, que possui um grande reconhecimento frente à

comunidade local e nacional, por ser um local em que lecionam professores de

Matemática com larga experiência docente e, finalmente, porque sentimo-nos

responsáveis por dar um retorno, através dos resultados de nossa pesquisa,

contribuindo para a qualidade do trabalho oferecido na instituição.

Além disso, a instituição supracitada passa atualmente por um processo de

reconstrução/redimensionamento de seu Projeto Político-pedagógico, que teve início

em abril de 2004, processo esse que consideramos terreno fértil para discussões

acerca do ensino das diversas disciplinas na instituição.

1 A partir desse ponto iremos utilizar a sigla CEFET-RN, para nos referirmos ao Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte.

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Como enfatizamos, nosso trabalho firma-se no caminho da formação e

desenvolvimento profissional de professores de Matemática, não sendo um trabalho

específico sobre currículo, mas tendo como pressuposto que o desenvolvimento

curricular pode ser um instrumento de formação permanente do professor no

ambiente escolar, conforme veremos nas reflexões a seguir.

2 O DESENVOLVIMENTO CURRICULAR COMO INSTRUMENTO DE

FORMAÇÃO PERMANENTE DO PROFESSOR

Nos últimos anos, muito se tem debatido, não só em nosso país, mas

internacionalmente, sobre o currículo de Matemática. Na realidade brasileira, esses

debates são fomentados principalmente pela tensão existente entre as novas

tendências em educação matemática, vinculadas aos mínimos curriculares explícitos

nas diretrizes do ensino da disciplina de matemática, e nas dificuldades de

implementação dessas novas tendências.

Os professores, por sua vez, protagonistas desse processo, se vêem,

muitas vezes, sem respostas para muitas perguntas que são levantadas acerca

dessas questões.

Acreditamos que uma das primeiras definições que devem estar claras para

os professores é o que vem a ser o currículo. Para tal, recorremos ao modelo de

currículo elaborado por D’Ambrosio, U. (1986), que possui uma natureza holística

nas quais os componentes objetivos, conteúdos e métodos se relacionam

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solidariamente, de uma maneira semelhante às coordenadas de um ponto localizado

no sistema cartesiano tridimensional (figura 1).

Nesse modelo de currículo, ao movimentarmos um ponto localizado no

espaço tridimensional, perceberemos que as suas coordenadas se modificarão. De

forma análoga qualquer alteração de currículo, levando em consideração o modelo

proposto por D’Ambrosio, U. (1986), terá como implicação a modificação de todos os

seus componentes.

Se tomarmos como referência esse modelo, perceberemos que o mesmo

está assentado na ação, no caso ação pedagógica, o que implica incorporar a

componente crítica à ação do professor, fazendo com que passe a questionar a sua

prática e os métodos utilizados.

Nesse sentido D’Ambrosio, U. (1986, p. 45) defende que

cada vez que fatores socioculturais e econômicos sugerem uma (re) definição de objetivos, associada a isto deverá haver uma sensível mudança no conteúdo a ser tratado, bem como na metodologia para se conduzir esse conteúdo .

Métodos

Objetivos

Conteúdos

(O, C, M)

Figura nº 1

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Isso implica que, ao discutir reformulações curriculares para o ensino de

Matemática, os componentes métodos, objetivos e conteúdos devem ser analisados

simultaneamente, sob o risco de se perder o sentido desses componentes se os

isolarmos dos demais.

Buscamos também em Coll (1987) referências acerca do tema. O autor

destaca que em uma proposta curricular está implícita uma visão de sociedade e de

pessoa que se queira promover. Nesse sentido, para o autor, o currículo escolar não

pode ser visto somente em dimensões técnica, psicopedagógica e disciplinar, mas,

além disso, deve ser implementado intrinsecamente com o contexto social e cultural

a que estará submetido. O autor ainda destaca que deve ser dada atenção especial

à diversidade de capacidades, interesse e motivações dos alunos, atenção essa que

se configure na pedra angular de um currículo.

Acerca das finalidades do currículo, encontramos em Sacristán (2000, p.

18), reflexões que extrapolam uma visão simplificada, quando chama a atenção para

o fato de que

[...] quando se fala de currículo como seleção particular de cultura, vem em seguida à mente a imagem de uma relação de conteúdos intelectuais a serem aprendidos, pertencentes a diferentes âmbitos da ciência, das humanidades, das ciências sociais, das artes, da tecnologia, etc. – esta é a primeira acepção e a mais elementar. Mas a função educadora e socializadora da escola não se esgota aí, embora se faça através dela, e, por isso mesmo, nos níveis do ensino obrigatório, também o currículo estabelecido vai logicamente além das finalidades que se circunscrevem a esses âmbitos culturais, introduzindo nas orientações, nos objetivos, em seus conteúdos, nas atividades sugeridas, diretrizes e componentes que colaborem para definir um plano educativo que ajude na consecução de um projeto global de educação para os alunos. Os currículos, sobretudo nos níveis de educação obrigatória, pretendem refletir o esquema socializador, formativo e cultural que a instituição escolar tem.

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A partir dessa reflexão somos levados a pensar que a instituição escolar

possui uma natureza complexa em que estão relacionados diversos fatores e que os

conteúdos escolares estão alicerçados sobre os pilares do saber (conceitos), saber

fazer (procedimentos) e saber ser (valores) e, por conseguinte, imbricados da cultura

que a instituição escolar avalia como importantes para que convirjam na formação

integral do cidadão.

Para que haja a convergência para uma formação integral do cidadão a

educação precisa assumir seu verdadeiro papel na formação da consciência crítica,

disseminando a autonomia como valor central na defesa de um projeto de cidadania

moderno que promova a liberdade do homem (SIQUEIRA; PEREIRA, 2003). Nesse

sentido, os conhecimentos considerados essenciais devem modificar-se à medida

que a sociedade vai se transformando, ou seja, o currículo deve acompanhar as

mudanças implementadas na sociedade.

Nesse sentido, chamamos a atenção para o fato de que

as funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo: conteúdos (culturais ou intelectuais e formativos), códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se expressam e modelam conteúdos e formas. (SACRISTÁN, 2000, p. 16)

Com efeito, essas três dimensões estão intrinsecamente relacionadas, uma

vez que durante o desenvolvimento curricular há um movimento de criação e

recriação que implica em um diálogo constante entre os conteúdos, os códigos

pedagógicos e as ações práticas.

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Para Veiga (1995), é necessário que se promova na escola uma reflexão

aprofundada sobre o processo de produção do conhecimento escolar, pois a seu

ver, ele é ao mesmo tempo processo e produto. Essa reflexão, segundo a autora,

ampliaria a compreensão sobre o currículo propriamente dito.

Nesse sentido, o desenvolvimento curricular significa o currículo avaliado,

transformado e adaptado, levando-se em consideração a realidade em que se

encontra a escola.

Por conseqüência, entendemos o desenvolvimento curricular como um

instrumento de formação permanente de professores, haja vista que esse

desenvolvimento implica em uma reflexão constante por parte dos professores,

reflexão essa que os leva a desenvolverem-se profissionalmente.

3 OS SENTIDOS DA AUTONOMIA DOCENTE

Nossa pesquisa focaliza a dimensão da autonomia no trabalho docente, na

organização curricular da disciplina de Matemática, entendida através da percepção

e vivência dos professores de Matemática.

No nosso entendimento um ensino voltado para o exercício da autonomia

docente é aquele comprometido com uma aprendizagem que Freire (1996, p. 69)

define como “construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem

abertura ao risco e aventura do espírito”.

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Isso significa que, em um movimento contínuo, o professor vivencia sua

autonomia buscando significado para seu trabalho à medida que tenta superar suas

dificuldades diárias, procura soluções para seus problemas, conscientiza-se de seu

papel ativo e da dimensão política, social e histórica enquanto educador e ainda se

utiliza da reflexão visando à melhoria de sua prática.

Kant (1959), em sua Crítica da Razão Prática, define a autonomia como o

único princípio de todas as leis morais e dos deveres correspondentes às mesmas,

que consiste na independência de toda a matéria da lei. Em contrapartida, para o

filósofo, a heteronomia funda-se na dependência à lei moral. Para Kant (1959), a

natureza, em um sentido lato, é a existência de coisas sob leis empiricamente

condicionadas, estando ligada à heteronomia. A existência de leis morais

independentes de toda a condição empírica, por sua vez, atrela-se à autonomia.

Essa, por conseguinte, vigoraria naquilo que Kant chama de natureza modelo

(natura archetypa), que só é conhecida na razão. Partindo dos princípios de Kant,

podemos dizer que o comportamento moral autônomo não sofre nenhum

condicionamento externo, o que, na realidade, só poderia ser aplicado no que Kant

chama de natureza modelo. Nesse sentido, não podemos desvincular a autonomia

da heteronomia sob pena de transportar nosso discurso para o mundo ideal, que

difere do mundo real a qual estamos imersos.

Buscando aprofundar o sentido da autonomia, recorremos a Castoriadis

(1999), filósofo grego contemporâneo, que entende a autonomia como o oposto à

alienação. Para Castoriadis (1999, p. 9),

em qualquer sentido, a autonomia humana significa poder de criação, individual e coletiva, à luz do qual cada sociedade e cada indivíduo deverão ser considerados em sua sensibilidade. Ineliminável. Inextinguível.

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Quando Castoriadis (1999) defende que a autonomia se relaciona ao poder

de criação, nas dimensões individual e coletiva, corrobora com a idéia de que a

autonomia docente está pautada tanto no modo de ser quanto no modo de estar dos

professores, levando em conta o contexto de atuação profissional.

Nessa perspectiva, encontramos em Contreras (2002, p. 186) a autonomia

entendida como processo, haja vista que

a autonomia profissional de professores, entendida como processo progressivo de emancipação, não estaria desconectada da autonomia social, ou seja, das aspirações das comunidades sociais por criar seus próprios processos de participação e decisão nos assuntos que afetam suas vidas.

No que se refere ao desenvolvimento curricular, consideramos que a

autonomia se exerce, principalmente, na capacidade para intervir no processo de

decisões sobre o currículo e sua estruturação, nas determinações das finalidades da

educação e na forma como se concretizam, em sala de aula, as determinações

expressas em um currículo básico.

Seguindo essa linha de pensamento, encontramos fundamentação em

Janela Afonso (2004 apud Cunha, 2004, p. 39) que expõe que a autonomia está

ligada “a capacidade de fazer escolhas dentro de certos limites, que envolvem

pressupostos éticos, legais e relacionados aos costumes e valores. Escolhas essas

suscetíveis de justificativas científicas, pedagógicas dentro de um contexto

democrático”.

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Seguindo uma linha que se ancora na autonomia como emancipação,

encontramos em Bonafé (1998) um entendimento sobre a autonomia como a adoção

de uma atitude ética e moral que diz respeito à construção do conhecimento escolar,

o que implica na responsabilidade do professor pelo conhecimento que será

construído dentro de sala de aula. Conhecimento esse que estará fundamentado

através de atitudes críticas e reflexivas.

Ao discorrer sobre a idéia da autonomia profissional vinculada ao

desenvolvimento curricular Bonafé (1998, p. 45) apresenta-a como “a capacidade

para intervir em um processo de decisão sobre o modo como o currículo básico se

concretiza em artefatos ou ferramentas para a atividade nas aulas”2. O autor

acrescenta ainda que, quanto ao material didático a ser utilizado pelo professor, a

autonomia profissional deve significar “a capacidade dos professores para

selecionar, organizar, corrigir, modificar, adaptar, substituir, aumentar, melhorar e

criticar o material que a indústria de materiais põe a disposição”3(BONAFÉ, 1998, p.

45).

Isso significa que o professor deve posicionar-se e ter o poder de escolha

do tipo de material que quer utilizar e como vai utilizar esse material em sala de aula.

Para tal, faz-se necessário que o professor exerça sua capacidade crítica frente aos

desafios que lhe são apresentados.

Ao falar em autonomia docente, não podemos deixar de fazer menção ao

fato de que esse é um termo que há muito está difundido nos discursos

educacionais, quer seja na escola, na academia e também nas bases legais que

regem o professorado. Por conta dessa ampla difusão, o mesmo é permeado de

2 Tradução livre da pesquisadora 3 Tradução livre da pesquisadora

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21

ambigüidades e contradições. Contreras (2002, p. 275), pondera sobre esse fato nos

dizendo que

a autonomia não é um chamado à auto complacência, nem tampouco ao individualismo competitivo, mas a convicção de que um desenvolvimento mais educativo dos professores e das escolas virá do processo democrático da educação, isto é, da tentativa de se construir a autonomia profissional juntamente com a autonomia social.

Contreras (2002), ao ponderar sobre o imaginário produzido em torno da

autonomia docente, identifica três modelos de professores – o especialista técnico, o

profissional reflexivo e o intelectual crítico - e a concepção de autonomia profissional

relacionada a cada um deles.

No modelo de especialista técnico a autonomia é compreendida como

status ou como atributo. Diz respeito a uma autonomia ilusória haja vista a

dependência de diretrizes técnicas, a insensibilidade para dilemas e a incapacidade

de resposta criativa diante da incerteza.

Na dimensão do profissional reflexivo a autonomia é tida como

responsabilidade moral individual, considerando os diferentes pontos de vista e

equilíbrio entre independência de juízo e responsabilidade social, sobressaindo a

capacidade para resolver criativamente as situações-problema para realização

prática das pretensões educativas.

Em relação ao intelectual crítico a autonomia apresenta-se como

emancipação, ou liberação profissional e social das opressões, em que ocorre a

superação das distorções ideológicas e a consciência crítica, configurando-se como

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um processo coletivo dirigido à transformação das condições institucionais e sociais

do ensino.

Indo além dos modelos de formação, com suas limitações e insatisfações,

acreditamos que a autonomia se dá através de um processo de construção

permanente, em que estão implicados muitos fatores.

Não podemos falar em autonomia profissional sem refletir sobre o

desenvolvimento profissional dos professores. É através do desenvolvimento

profissional que o docente se torna sujeito fundamental em seu processo de

construção de sua autonomia profissional. Mas esse é um processo que não pode

ser concebido com os professores atuando isoladamente em suas salas de aulas.

Acerca dos fatores que podem influenciar o que acontece dentro do ambiente

escolar, Hargreaves (1994a apud Contreras, 2002, p. 233-234) expõe que esses

fatores são “produtos da cultura institucional da escola, isto é, produtos de seus

hábitos e costumes, de suas normas, das relações que ali se criam, e das

mentalidades e modos de operar que se admitem ou se rejeitam, seja de forma

implícita ou explícita” .

Não obstante, com o processo de proletarização4 que vem sendo gerado há

muito, o professor se vê diante de tensões, que culminam em um favorecimento a

rotinização do trabalho docente, impedindo a troca de experiências entre os

professores, principalmente pela falta de tempo, pois, demasiadas vezes, os

mesmos têm que se desdobrar em jornadas duplas e até triplas. Essa situação,

sobremaneira, impede o exercício da reflexão por parte dos profissionais docentes.

Esse quadro contribui, também, para o individualismo, dificultando ou até mesmo

4 Contreras (2002) considera o fenômeno da proletarização como aquele em que os docentes, enquanto categoria, sofrem uma transformação, tanto nas características de suas condições de trabalho como nas tarefas que realizam, que os aproxima cada vez mais das condições e interesses da classe operária.

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impedindo os professores de serem sujeitos que participam coletivamente da

tomada de decisões.

Face ao exposto, acreditamos que existe uma relação entre a autonomia

docente, a sociedade e o ambiente de trabalho a qual os professores estão

inseridos, pois conforme discorre Contreras (2002, p. 227),

não é possível falar de autonomia de professores sem fazer referência ao contexto trabalhista, institucional e social em que os professores realizam seu trabalho. Seu desenvolvimento não é apenas uma questão de vontade e livre pensamento por parte dos docentes. As condições reais de desenvolvimento de sua tarefa, bem como o clima ideológico que a envolve, são fatores fundamentais que a apóiam ou a entorpecem.

Nesse sentido, buscamos em Kant (1959) a fundamentação do que

Contreras (2002) menciona anteriormente - autonomia advinda do apoio e a

heteronomia relativa ao entorpecimento, ambas relacionadas ao contexto no qual o

docente está inserido.

Quando falamos do exercício da autonomia docente na organização

curricular da disciplina de Matemática queremos chamar a atenção para o papel que

o professor pode desempenhar de agente transformador, quando assume seu

trabalho não somente no espaço físico da sala de aula, mas também no espaço da

instituição escolar e, por conseguinte na sociedade a qual está inserido. Por outro

lado e conforme havíamos mencionado anteriormente, a autonomia docente, no que

se refere à produção curricular, além de ser concretizada no exercício da seleção,

organização, correção, modificação, adaptação, melhoramento e crítica aos

materiais didáticos, deve ser exercida, de maneira especial, pela discussão,

proposição, seleção e organização do conhecimento escolar (BONAFÉ, 1998).

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24

Isso exige que o professor assuma a responsabilidade por sua ação

docente, o que demanda, de antemão, conhecimentos específicos que deveriam

estar presentes desde sua formação inicial.

Diante do exposto, queremos deixar claro que o professor, por si só, não

conseguirá desempenhar o papel de agente transformador. É claro que a sua

vontade é sobremaneira importante, mas não suficiente. Nessa direção, cremos que,

conforme exposto no parágrafo anterior, uma formação inicial condizente com as

reais necessidades da educação, além de uma melhoria das condições de trabalho

do professor que vão desde salário condigno, jornada não exaustiva, entre outras,

também têm o seu papel nessa transformação.

4 OBJETIVOS DA PESQUISA

Essa pesquisa insere-se no quadro de formação e desenvolvimento de

professores de Matemática orientando-se a partir do estudo e da análise da

formação e do desenvolvimento profissional de professores de Matemática, tendo

como objetivo geral compreender, a partir do discurso de professores de

Matemática, o sentido atribuído à autonomia profissional e como esse sentido é

refletido na produção e desenvolvimento curricular da disciplina de Matemática.

Para tal, se propõe especificamente a identificar os motivos que levaram o

professor a escolher a profissão; investigar como o professor avalia os

conhecimentos apreendidos em sua formação inicial e como esses conhecimentos

se relacionam com a sua atuação enquanto professor de Matemática; analisar a

dinâmica do trabalho do professor na instituição escolar; identificar a relação entre

Page 27: Cristiane Ba

25

os sentidos da autonomia docente e o desenvolvimento curricular da disciplina de

Matemática na Instituição.

5 APRESENTANDO A METODOLOGIA

Trabalhamos nessa pesquisa utilizando a metodologia da Entrevista

Compreensiva (KAUFMANN, 1996), que tem como pressuposto fundamental a

palavra do sujeito. Na entrevista compreensiva parte-se do discurso oral dos sujeitos

para se construir o objeto de estudo. Através de entrevistas analisamos os sentidos

explicitados pelos sujeitos, e qual a relação desses sentidos em suas ações.

Entendendo sentido como todo aspecto valorativo, atrelado à ação.

A Entrevista Compreensiva tem raízes no interacionismo simbólico que

[...] concebe a sociedade como uma entidade composta de indivíduos e grupos em interação(...), tendo como base o compartilhar de sentidos sob a forma de compreensões e expectativas comuns. (...) A vida em grupo representa um processo de formação, sustentação e transformação de objetos, cujos sentidos se modificam através da interação (...).O ser humano age com relação às coisas na base dos sentidos que elas tem para eles. (HAGUETTE, 2000, p. 57-58)

Compartilhando com os pontos destacados acima, optamos por utilizar em

nossa pesquisa a metodologia supracitada, pois entendemos o sujeito como um ser

que age com relação às coisas, a partir do sentido que essas coisas têm para si.

Esses sentidos surgem da interação do sujeito com o outro, que age, interage,

Page 28: Cristiane Ba

26

reflete, age novamente, alimentando e retro-alimentando sua existência, modificando

esses sentidos através desses processos.

Isso nos faz perceber os atores participantes de nosso estudo envolvidos

em uma complexa rede que tem seu lugar na instituição a qual desempenham suas

funções, mas que se conecta com a sociedade que está a sua volta.

Em que se pese a complexidade que envolve o lugar social em que se

encontram os docentes, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de estudar

o professor atrelado às condições em que esses desempenham seus papéis de

professores.

Para Coulon (1995) é a concepção dos atores, a respeito do mundo social

que constitui o objeto essencial da pesquisa sociológica. Das considerações

precedentes, ratificamos que a palavra do sujeito nos permite compreender seu

significado, advindo de sua interação social. Na mesma direção, Silva (2005, p. 4)

nos diz que

a entrevista compreensiva é ligada ao sentido da cultura compreendida como um conjunto de interações em que o indivíduo é um sistema complexo de relações. Desta forma, o objeto da pesquisa é a vida do entrevistado inscrita na problemática da pesquisa.

Ao utilizar a metodologia da Entrevista Compreensiva, nos deparamos com

quatro etapas de trabalho que coadunam para a construção do objeto de estudo:

1ª) A escolha do objeto de estudo a partir de uma questão central. Questão

essa que advém das inquietações e dúvidas do pesquisador e que

culminam na escolha de um objeto a ser estudado.

Page 29: Cristiane Ba

27

2ª) A elaboração do roteiro-guia de entrevista, constituído por eixos

temáticos que se queira investigar. Eixos que dizem respeito ao que o

pesquisador considera importantes à questão concernente à sua pesquisa.

3ª) A realização das entrevistas5 que se configura no encontro do

pesquisador e do pesquisado e que se dá em um contexto de relações em

que devem ser levadas conta as subjetividades concernentes a cada um.

4ª) A escuta das entrevistas, que permitirá, tomando como aporte os

referencias teóricos, interpretar os discursos dos sujeitos pesquisados.

Com efeito, “... o objeto de estudo se constrói pouco a pouco por meio de

uma elaboração teórica que aumenta dia após dia, a partir de hipóteses forjadas no

campo da pesquisa” (SILVA, 2005, p.2). Isso significa que é a partir da palavra do

sujeito, advinda das interrogações propostas acerca da questão central da pesquisa,

e dos referencias teóricos tomados para a discussão do tema, que as hipóteses vão

aflorando, possibilitando ao investigador descobrir novas teorias, não partindo de

hipóteses pré-determinadas.

Isso se configura no que Ludke (1998, p. 125) chama de abertura para

novas visões que permite que o pesquisador aproxime-se mais de seu objeto de

estudo e com isso afaste-se “das limitações impostas pelos pressupostos

epistemológicos que regem a construção do conhecimento nas áreas

tradicionalmente conhecidas como científicas”. Essa abertura dá lugar à figura do

artesão intelectual, expressão empregada por Wrigth Mills (1982, p. 240) que

defende que “evitemos qualquer norma de procedimento rígida” e que “acima de

tudo, busquemos desenvolver e usar a imaginação sociológica”. Para Mills (1982), o

intelectual não deve separar sua pesquisa de sua vida, e sim, usar a sua experiência

5 Todas as entrevistas foram gravadas em fitas-cassete, com a autorização do professor entrevistado.

Page 30: Cristiane Ba

28

para a construção de seu objeto de estudo, estabelecendo, dessa forma, sua

condição de artesão.

Santos (1995, p. 19) ao refletir sobre enfoque das pesquisas relacionadas a

formação de professores nos diz que aos poucos a análise centrada nas questões

estruturais da sociedade vai sendo substituída por “estudos voltados para a

compreensão mais aprofundada de aspectos específicos da realidade” .

Com efeito, passa-se a valorizar aspectos microssociais, dando ênfase ao

papel do agente-sujeito, a interessar-se pelas identidades culturais, a desconfiar-se

de categorias objetivas e a predominar o uso de procedimentos interpretativos.

Nesse sentido a metodologia da entrevista compreensiva se traduz em uma

abordagem em que continuamente os sujeitos investigados são questionados, para

que se perceba como esses sujeitos interpretam a sua realidade tanto do ponto de

vista pessoal como social. Partindo do que foi abordado durante as entrevistas,

seguido das várias escutas que foram feitas das mesmas, procedeu-se ao

levantamento de categorias que fundamentaram os sentidos que os professores dão

à autonomia e como esses sentidos se articulam com o desenvolvimento curricular

da disciplina de Matemática.

Enfatizamos que, no nosso íntimo, acreditamos não haver uma última

resposta, uma solução definitiva, uma compreensão e interpretações plenamente

desenvolvidas e que dão conta de todas as dimensões do fenômeno interrogado. O

que haverá sempre é o “andar em torno... outra vez e outra ainda. Um andar

cuidadoso, que solicita rigor e sistematicidade” (BICUDO, 1993, p. 148).

Page 31: Cristiane Ba

29

5.1 OS SUJEITOS INVESTIGADOS

Os sujeitos participantes dessa pesquisa são cinco professores de

Matemática que exercem suas atividades no Centro Federal de Educação

Tecnológica do Rio Grande do Norte - CEFET-RN.

O critério utilizado para a escolha desses cinco professores foi o de reunir

professores que lecionassem em diferentes níveis de ensino e que, ao serem

convidados para a entrevista, demonstrassem interesse e vontade em participar da

pesquisa. Por conta desse critério consideramos que cinco professores eram

suficientes para o desenvolvimento de nossa pesquisa, tendo em vista que tivemos

representantes do primeiro, segundo e terceiro ano do Ensino Médio Integrado, do

Ensino Superior e da Educação a distância e que, ao receberem o convite,

manifestaram-se positivamente acerca de suas participações, o que para nós era

uma condição sine qua non.

Ao realizarmos as entrevistas preenchemos um quadro de identificação,

com algumas características dos sujeitos pesquisados. A partir desse quadro,

optamos por fazer uma caracterização geral dos professores, de forma que os

mesmos não fossem identificados. Isso se deve ao fato que, quando solicitamos aos

professores que nos concedessem a entrevista, enfatizamos que os mesmos não

iriam ser identificados no curso do trabalho.

Com relação à forma como nomeamos os professores nos orientamos

através da tese de doutoramento de Helena Noronha Cury (1994), que por sua vez

orientou-se em Lakatos (1978, apud CURY, 1994) e, da mesma forma que esses

últimos, utilizamos algumas letras do alfabeto grego, para nomear esses

professores, haja vista que “preferimos nomeá-los - mesmo que com nomes fictícios

Page 32: Cristiane Ba

30

- para assegurar a não-identificação, mas garantir sua distinção enquanto seres

humanos.” (CURY, 1994, p. 151).

No nosso caso demos ao entrevistado, ainda, a oportunidade de escolher

que letra o mesmo gostaria de ser chamado. Assim sendo, os entrevistados foram

nomeados nesse trabalho por Alfa, Pi, Epsilon, Omega e Gama.

Dos cinco professores entrevistados, quatro são do sexo feminino e um do

sexo masculino. Optamos por usar a forma masculina quando nos referimos aos

sujeitos, como forma, também, de evitar a sua identificação.

Com relação à formação acadêmica, todos são licenciados em Matemática,

sendo que três possuem Mestrado e dois Especialização, em maior nível. Os

professores que possuem Especialização em maior nível estão cursando Mestrado

na área de ensino de Matemática.

O tempo na carreira de magistério varia de 18 a 26 anos. Todos os

professores têm experiência em escolas públicas e particulares. O tempo que

possuem como professor do CEFET-RN varia de 13 a 19 anos. Todos os

professores trabalham sob o regime de dedicação exclusiva.

Com relação ao nível em que lecionam, tivemos representantes do 1º, 2º e

3º anos do Ensino Médio Integrado, do Ensino Superior e da Educação a Distância.

Isso não significa que os professores pesquisados lecionem somente em um nível.

Um dos professores leciona no 2º e 3º ano; outro no 2º ano, Ensino Superior e

Educação a Distância; outro somente no Ensino Superior; outro no 2º ano e outro no

1º e 2º ano.

O número de classes as quais os professores lecionam varia de 2 a 4

classes.

Page 33: Cristiane Ba

31

Com relação ao ambiente em que se deu a entrevista todas aconteceram no

CEFET-RN, com exceção de um professor que nos recebeu em sua casa.

5.2 AS ENTREVISTAS

Nesse trabalho, foram realizadas cinco entrevistas com professores

licenciados em Matemática, com mais de dez anos de experiência docente e que

desenvolvem seu trabalho no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio

Grande do Norte.

A realização das entrevistas contou com a confecção de um roteiro-guia,

que foi dividido em quatro eixos temáticos, quais sejam:

1º Eixo temático: História do Sujeito, que pretendia entender o porquê da

escola pela docência em Matemática, além de diagnosticar o pensamento do

professor acerca de sua formação, entender o pensamento do professor

sobre sua profissionalização, se pensava já estar totalmente formado ou em

formação, além de verificar os fatores que, de acordo com seu pensamento,

contribuem para essa formação.

2º Eixo temático: Vivências, que visava perceber se o professor se

identificava como um profissional autônomo, além de investigar quais os

parâmetros em que se dava (ou não) a autonomia do professor.

3º Eixo temático: Ação Pedagógica, que tinha como intuito de investigar a

dinâmica em que ocorria a elaboração do currículo matemático na instituição,

perceber até que ponto o professor participava (ou não) da elaboração do

currículo de matemática, dentro da instituição, Diagnosticar o contexto real em

Page 34: Cristiane Ba

32

que os professores trabalhavam e a avaliação que o professor fazia do

mesmo, perceber se o professor trabalhava em uma dimensão coletiva ou se

seu trabalho era voltado para o isolamento, identificar como se dava a relação

do professor com o livro-texto, identificar como o professor avaliava o espaço

destinado à reunião pedagógica, dentro da instituição de ensino, perceber até

que ponto o professor é autônomo em sua prática, diagnosticando, se for o

caso, os mecanismos de controle a que estava sujeito, diagnosticar, a partir

do pensamento do professor, outras questões que o mesmo acreditava que

poderiam dificultar a sua prática enquanto professor de matemática, além de

identificar a natureza do conhecimento que o professor priorizava em sala de

aula.

4º Eixo temático: Definições, que compreendiam o que o professor pensava

sobre Educação, Educação Matemática, Currículo e Autonomia profissional

Essa divisão obedeceu a uma ordem de encadeamento que se iniciava com

questões relativas ao vir a ser professor de Matemática, passando pelas vivências

do professor e pela forma como se dava sua ação pedagógica, finalizando com

alguns conceitos que achávamos pertinentes de questionar aos professores, dando

atenção a aspectos como “... o propósito do professor, o professor como pessoa, o

contexto real em que os professores trabalham e a cultura do ensino” (PONTE;

MATOS; ABRANTES, 1998, p. 224).

Pela própria natureza da metodologia utilizada, as perguntas lançadas

durante a entrevista não foram pré-determinadas e foram fluindo no transcorrer da

conversa com os professores. Isso não significa que foram perguntas casuais, ao

contrário, se configuraram em questionamentos relacionados aos eixos temáticos a

qual elegemos previamente.

Page 35: Cristiane Ba

33

Por se tratar de um roteiro-guia, muitas vezes algumas questões que

pertenciam a um ou outro eixo temático, acabavam sendo respondidas antes de

entrarmos nos respectivos questionamentos relativos ao eixo temático a qual

tínhamos definido de antemão.

5.3 A INTERPRETAÇÃO

A interpretação das entrevistas iniciou quando começamos a escutar as

fitas-cassete que continham as entrevistas gravadas. A partir desse momento,

iniciou-se um movimento de ida e vinda, em que se articulava a fala do sujeito, as

nossas observações e os autores que coadunavam com o assunto em pauta. Ao

mesmo tempo em que escutávamos a fala dos sujeitos e anotávamos o que

considerávamos que ia ao encontro do nosso objeto de estudo, fazíamos

observações acerca dessas anotações e articulávamos esses trechos de falas

destacados com os autores que apresentavam idéias e estudos relativos à temática

em foco. Nesse sentido, por várias vezes retornávamos aos referenciais teóricos

para reavaliar as idéias e redirecionar as leituras em função das idéias apresentadas

pelos sujeitos investigados.

As várias escutas que fizemos das fitas-cassete nos permitiram chegar

pouco a pouco a algumas categorias que deram origem aos nossos planos

evolutivos.

Page 36: Cristiane Ba

34

5.4 OS PLANOS EVOLUTIVOS

O plano evolutivo, como o próprio nome diz, é um instrumento de evolução

do trabalho. Nesse tipo de plano, as categorias vão surgindo, através da escuta da

fala dos sujeitos, e do diálogo que essas falas mantêm com as leituras que são

realizadas, configurando-se em partes e subpartes, se articulando e se

movimentando no transcorrer da interpretação das falas.

Nesse trabalho, foram confeccionados seis planos evolutivos6. Partimos de

nosso roteiro-guia para dar origem ao nosso primeiro plano evolutivo. Esse plano foi

dividido em quatro eixos temáticos. O primeiro eixo temático dizia respeito à história

do sujeito entrevistado e trazia questões como o porquê de ser professor de

matemática, as lacunas da formação do sujeito e o que o sujeito pensava sobre sua

formação. O segundo eixo temático, por sua vez, trazia questões relativas à vivência

do professor entrevistado, tais como o sentido da autonomia docente e os

mecanismos de controle a que o mesmo estava sujeito. O terceiro eixo temático

apresentava pontos sobre a ação pedagógica do professor e focava assuntos como

a dinâmica de elaboração do currículo matemático na instituição, a participação (ou

não) do professor nessa elaboração, o contexto de trabalho e avaliação que o

professor fazia do mesmo, se o professor trabalhava em uma dimensão coletiva ou

isolada, como se dava o planejamento das aulas e se o livro-texto era adotado, a

avaliação da reunião pedagógica, as dificuldades encontradas no desenvolvimento

do trabalho do professor e a natureza do conhecimento priorizado em sala de aula.

O quarto eixo temático versava sobre alguns conceitos que foram percebidos, ao

6 Ver apêndice

Page 37: Cristiane Ba

35

longo das entrevistas, sobre educação, educação matemática, currículo e

autonomia.

No segundo plano as categorias começaram a surgir de acordo com a

escuta das falas dos sujeitos, contidas nas fitas-cassete e, à medida que esse plano

ia se configurando, outras categorias foram acrescidas ou tiveram seu status

modificado.

Nesse segundo plano, surgiu na categoria escolha a subcategoria queria

outra carreira; na categoria formação apareceram as subcategorias tecnicista e

estudo solitário – longo aprendizado; na categoria o início da carreira tivemos a

subcategoria trabalho com demonstrações – formalismo; na categoria hoje, por sua

vez, constaram as subcategorias conhecimentos prévios, colaboração x autoridade,

o vestibular; os alunos querem conteúdo; na categoria Matemática constaram as

subcategorias forma de estimular o raciocínio e pensamento elaborado x banalidade;

nesse mesmo plano ainda tivemos as categorias material didático a qual faziam

parte as subcategorias eu produzi e o livro didático é muito técnico; a categoria

currículo, cuja subcategoria era é de longa data; a categoria participação, em que a

subcategoria foi não participo com afinco; a categoria autonomia, dividida nas

subcategorias abertura na instituição e longo aprendizado e, por fim, a categoria

educação cuja subcategoria foi não se pára para pensar.

Na medida em que escutávamos as falas dos sujeitos as categorias iam

mudando seu status dando origem a novos planos evolutivos.

No terceiro plano evolutivo, novas subcategorias surgiram e se juntaram as

categorias que já constavam no segundo plano. Na categoria escolha

acrescentamos a subcategoria na família sempre tem um professor; na categoria

formação adicionamos a subcategoria hiato entre as disciplinas pedagógicas e

Page 38: Cristiane Ba

36

específicas; as subcategorias espelho de outros professores e intransigência foram

acrescidas à categoria o início da carreira; a subcategoria competição foi adicionada

à categoria hoje, da mesma forma, na categoria matemática emergiu a subcategoria

aplicação; a categoria material didático e participação mantiveram-se com as

mesmas subcategorias até aquele momento da interpretação; por sua vez às

categorias currículo e autonomia foram acrescidas as subcategorias ajustes nos

conteúdos e uso de diversas metodologias, respectivamente. Concluímos esse

terceiro plano acrescentando à categoria educação a subcategoria processo

dinâmico.

A partir dos relatos dos professores investigados elaboramos um quarto

plano evolutivo em que surgiram novas subcategorias atreladas às categorias já

contidas no terceiro plano evolutivo. Também tivemos uma mudança de status de

uma subcategoria que passou a ser considerada como categoria.

Com relação às subcategorias que foram acrescidas às categorias já

existentes tivemos na categoria escolha o surgimento da subcategoria maior

afinidade; na categoria a formação o acréscimo das subcategorias mini-bacharelado,

falta de aprofundamento de conteúdos do ensino médio e professor é profissão; já

na categoria o início da carreira acrescentamos a subcategoria procurando, vendo,

buscando; as subcategorias qualificação através da experiência e abertura para

escutar foram acrescentadas à categoria hoje; nas categorias matemática,

participação e educação surgiram as subcategorias capacidade de raciocínio lógico

e abstração, pragmatismo do professor e interação, respectivamente; as categorias

material didático, currículo e autonomia mantiveram-se com a mesma conformação.

Por sua vez, com a escuta das falas começamos a perceber que a questão do

vestibular e o peso que o mesmo tinha na elaboração do currículo de matemática da

Page 39: Cristiane Ba

37

instituição era muito forte, haja vista que esse assunto fora citado, diversas vezes,

por todos os professores e em vários momentos das entrevistas. Por esse motivo, a

partir do quarto plano evolutivo mudamos o status da subcategoria o vestibular e

passamos a considerá-la como uma nova categoria, tendo ela própria uma

subcategoria intitulada a amarra.

A partir do quinto plano evolutivo começamos a perceber que algumas

categorias estavam mais diretamente ligadas à formação e ao desenvolvimento

profissional dos sujeitos investigados e outras, por sua vez, estavam atreladas ao

ensino de matemática na instituição. Por esse motivo, optamos por dividir esse plano

em duas partes, quais sejam:

Parte I - A formação e o desenvolvimento profissional dos sujeitos

investigados;

Parte I - Contextualizando o ensino de matemática na instituição.

As categorias que consideramos que tinham relação com a formação e o

desenvolvimento profissional dos sujeitos investigados foram: a escolha, a

licenciatura, o início da carreira e hoje. Já as categorias currículo, o vestibular, a

matemática, material didático, participação, autonomia, educação, reunião

pedagógica, ambiente de trabalho e educação matemática foram relacionadas à

contextualização do ensino de matemática na instituição.

No plano supracitado, a categoria a escolha apresentava as seguintes

subcategorias: afinidade com a disciplina, cultura da família e o que mais se

aproximava; a categoria o início da carreira manteve-se com as mesmas

subcategorias do plano anterior; a categoria formação que constava no quinto plano

evolutivo deu lugar à categoria a licenciatura haja vista que todos os professores

investigados eram licenciados e sempre ao falar em formação começavam

Page 40: Cristiane Ba

38

descrevendo como tinha sido sua formação no Curso de Licenciatura em

Matemática. Por sua vez essa categoria apresentou três subcategorias:

racionalidade técnica, incompatibilidade com ensino médio e professor é profissão.

No que diz respeito às categorias que iam ao encontro da contextualização

do ensino de matemática na instituição tivemos o aparecimento de reunião

pedagógica cuja subcategoria intitulou-se não sinto que eu cresça; tivemos, também,

a categoria o ambiente de trabalho com a subcategoria o pragmatismo do

matemático e, ainda, a categoria educação matemática cuja subcategoria foi suporte

para o professor; à categoria autonomia que já aparecia nos planos anteriores foi

adicionada a subcategoria não ser escravo do planejamento. As demais categorias

que constavam na segunda parte dos planos e que já apareciam em planos

anteriores mantiveram-se com a mesma configuração.

O sexto e último plano evolutivo de nosso trabalho manteve a divisão em

duas partes conforme o quinto plano. Na primeira parte todas as categorias do plano

anterior foram mantidas e ainda incluímos a subcategoria correr atrás à categoria

hoje. Da mesma forma, na segunda parte do sexto plano constavam as mesmas

categorias de seu antecessor acrescidas das subcategorias não somos uma ilha

relativa à categoria o vestibular; formar o cidadão em sua integridade na categoria

educação e na categoria currículo o acréscimo das subcategorias feito por

matemáticos e reformulação.

Com a finalização do sexto plano evolutivo acreditamos que tínhamos

extraído todas as categorias e subcategorias que nossa interpretação tinha permitido

até aquele momento da pesquisa. Nesse momento iniciamos um trabalho de

lapidação de nosso último plano, trabalho esse que deu origem à estrutura de nossa

dissertação.

Page 41: Cristiane Ba

39

Ressaltamos que em um trabalho dessa natureza, andamos muitas vezes,

por caminhos obscuros, e o nosso papel, enquanto pesquisadora é encontrar pistas

para que cheguemos à luz. Luz essa que nunca virá em sua totalidade, pois “os

discursos são ambíguos e opacos e, assim, mesmo que tenham uma lógica

argumentativa impecável, contém elementos para desvelamento – este, por sua vez,

é sempre parcial” (SILVA, 2005, p.2).

Como podemos observar, à medida em que ouvíamos a fala dos sujeitos,

construíamos, como em um jogo de encaixes, o nosso objeto de estudo. Essa

escuta nos indicava algumas hipóteses iniciais que foram se confirmando no

transcorrer da interpretação. Com efeito, Silva (2005, p.2, grifo do autor) confirma o

que vivenciamos na prática da entrevista compreensiva: “a teoria é elaborada

progressivamente, dentro de um ‘vai’ e ‘vem’ contínuo entre os fatos e as hipóteses.”

Todo esse percurso se processou como que num jogo de encaixes em que

íamos movimentando as peças, encaixando-as umas às outras, desencaixando-as,

por vezes, até que por fim concluímos a construção de nosso objeto de estudo.

Em virtude desse movimento de encaixe que, recorrendo à metáfora do

quebra-cabeça, nos atrevemos a revelar, através de um esquema gráfico, as peças

que compõem e que foram exploradas, durante a realização desse trabalho.

Page 42: Cristiane Ba

40

O encaixe de todas as peças permitiu que desvelássemos, mesmo que

parcialmente, os discursos dos professores, haja vista que atuamos em um campo

por vezes opaco. Com o intuito de registrar esse desvelamento, produzimos essa

dissertação que é composta de duas partes.

A primeira parte, intitulada O Professor de Matemática, pretende situar o

professor de Matemática em um contexto amplo, estando dividida em três capítulos,

quais sejam: Capítulo 1 – Escolhendo o caminho, em que são apontados os motivos

que levaram os professores a escolherem a docência em Matemática; Capítulo 2 –

PROFESSOR DE MATEMÁTICA

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

INSTITUIÇÃO ESCOLA

COLABORAÇÃO

VESTIBULAR

LIVRO DIDÁTICO

HETERONOMIAAUTONOMIA

REFLEXÃO

Page 43: Cristiane Ba

41

Contextualizando a formação, que busca na história a formatação dos cursos de

Licenciatura em Matemática e discute, a partir da formação dos sujeitos

pesquisados, os modelos de formação de professores de Matemática em nosso

país; e o Capítulo 3 – Revivendo o passado e construindo um futuro, que revela

através da trajetória dos professores pesquisados, os conhecimentos adquiridos na

formação e como esses conhecimentos se configuram na atuação profissional.

Na segunda parte do trabalho que denominamos O contexto de atuação

profissional, discutimos o trabalho docente na instituição. Para tal, dividimos essa

parte em dois capítulos, que são seqüência dos capítulos anteriores. No Capítulo 4 -

Contextualizando a instituição, fizemos um breve histórico do CEFET-RN, a fim de

situar o lócus da pesquisa, além de discorrermos sobre os princípios norteadores do

currículo e desvelarmos as orientações curriculares da disciplina de Matemática; no

Capítulo 5 – Revelando os impedimentos, arrazoamos sobre autonomia, bem como

sobre os impedimentos que foram revelados, através dos discursos dos professores

e que influenciam o seu trabalho docente.

Esclarecemos que ao final de cada capítulo abrimos uma seção

denominada Unindo as peças, título que sugere o processo em que se deu a

pesquisa – a união de peças que culminaram na completude do trabalho. Nessa

seção realizamos uma síntese do que foi exposto no capítulo e um encaminhamento

para o capítulo seguinte.

Page 44: Cristiane Ba

PARTE I

O PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Page 45: Cristiane Ba

43

PARTE I - O PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Uma pesquisa que tem como pano de fundo a formação e o

desenvolvimento de professores de Matemática possui como uma das peças-chave

o professor de Matemática. Sem ele não há pesquisa, e é para ele que é feita a

pesquisa.

Com o intuito de conhecer melhor o professor de Matemática, o porquê de

ter escolhido essa profissão, compreender como ocorreu sua formação e identificar

os conhecimentos a que recorre enquanto atua é que dedicamos, nessa dissertação,

a uma parte específica que contempla questões inerentes ao professor de

Matemática, que nos auxiliarão na compreensão do sentido da autonomia docente,

no que concerne ao desenvolvimento curricular da disciplina de Matemática.

Page 46: Cristiane Ba

44

CAPÍTULO 1 - ESCOLHENDO O CAMINHO

A escolha profissional pelo exercício da docência em Matemática configura-

se a priori num projeto particular que não deve ser desassociado de um projeto

coletivo. Com efeito, o exercício da docência é uma atividade que vai sendo

construída a partir das experiências pessoais do sujeito levando em consideração o

coletivo e a sociedade a qual esse sujeito está inserido.

Ao discutirmos os sentidos da autonomia docente no desenvolvimento

curricular, primeiramente buscaremos compreender o que levou os sujeitos

pesquisados a seguirem a carreira de professores de Matemática. Um primeiro

aspecto a ser considerado é o modo como a profissão docente foi escolhida.

Nesse sentido, partimos para a busca da compreensão de como cada

professor construiu seu percurso formativo, buscando relações entre as dimensões

pessoal, social e profissional desse percurso.

Ao mesmo tempo em que questionarmos os professores quanto a sua

escolha pelo curso de Licenciatura em Matemática, e conseqüentemente pela

docência estaremos aprofundando as reflexões sobre formação docente, focalizando

a realidade interpretada pelo sujeito, haja vista que “os conhecimentos profissionais

são essencialmente conhecimentos em ação e possuem enraizamento tanto na

história de vida dos professores, nas suas experiências, pessoais e profissionais,

nos seus percursos formativos, quanto nas relações que vão sendo compartilhadas

e nos contextos em que estas se dão” (MONTEIRO; MIZUKAMI, 2002, p. 179).

Falar da escolha profissional dos professores entrevistados os fez remontar

às suas histórias de vida, como no caso de Pi que diz que “a minha história como

Page 47: Cristiane Ba

45

professor começou na adolescência”7. Pi remonta à adolescência, pois segundo seu

relato foi a essa época que começou a lecionar, através de aulas particulares a

disciplina de Matemática. Esse depoimento enfatiza que os saberes que englobam

a profissão docente começam a serem configurados antes da entrada no exercício

da profissão haja vista toda a história de vida do professor inserida no contexto

escolar como estudante. Em consonância com a fala de Pi, Anastasiou expõe que “a

aprendizagem para a docência é algo que se inicia antes até de nossas primeiras

experiências escolares” (ANASTASIOU, 2004, p. 59).

Percebemos na fala dos entrevistados um aspecto em comum que é o gosto

pela Matemática. Essa unanimidade pode ser observada em falas como a de Gama

e de Alfa em que ambos dizem: “Eu sempre gostei de Matemática.”; de Epsilon: “Eu

gostava da área de Exatas. Gostava de Matemática.”; de Ômega: “Eu gostava muito

de cálculo.” e Pi que afirma “Eu tinha muita facilidade com a Matemática”. Isso nos

faz refletir sobre o fato de que somente quem gosta muito da disciplina de

Matemática e que teve uma história de vida escolar prazerosa no que concerne à

aprendizagem dessa disciplina é que toma a iniciativa de cursar uma graduação

nessa área de conhecimento. Essa reflexão se funda em nossa própria vivência e se

concretiza nas palavras de Pi ao referir-se sobre o ensino de Matemática: “ou você

traumatiza ou você começa a gostar”.

Apesar de nossos entrevistados serem unânimes no gosto pela Matemática

os motivos que levaram à escolha por um Curso de Licenciatura nessa disciplina são

diversos.

Conforme já mencionamos anteriormente a afinidade com a disciplina de

Matemática foi fator determinante na escolha do curso superior. Embora na maioria

7 No transcorrer do trabalho, as falas dos sujeitos entrevistados serão apresentadas entre aspas e em itálico.

Page 48: Cristiane Ba

46

dos casos essa não tenha sido a primeira opção de escolha. O conteúdo dos

depoimentos obtidos permitiu constatar que embora tivessem muita afinidade com a

disciplina de Matemática, a licenciatura foi uma alternativa para aqueles que não

passaram no vestibular para um outro curso ligado à área das exatas, como

pudemos observar no depoimento de Alfa que diz: “na verdade quando eu fiz a

faculdade eu não pensei na profissão que eu teria. Fiz vestibular para engenharia e

não passei ai fiz vestibular pra matemática e passei”, ou Gama: “na verdade eu não

pensava... não passei para Arquitetura, daí fiz Matemática”. Em ambos os casos a

licenciatura em Matemática apresentou-se como uma oportunidade mais próxima de

acesso à universidade.

Outro fator que foi diagnosticado como responsável pela escolha do curso

de licenciatura em Matemática foi a impossibilidade de locomoção para outra

localidade devido à situação sócio-econômica familiar, como relata Epsilon: “Eu tinha

vontade de fazer Engenharia Química, mas não tinha condições de vir para Natal. Aí

eu procurei fazer o curso que eu achava que tinha mais a ver comigo, que foi a

Matemática.”

Pi destaca em sua fala que “é quase cultural na família”. Pi relata que não

gostaria de seguir um curso superior, mas o fez, pois sua mãe sempre dizia: “quer

parar de estudar, então deixe prá parar quando você tiver uma profissão. E o curso

que formava como profissão era o magistério”. Na fala de Pi evidenciamos a

docência como uma área de fácil empregabilidade. Essa evidência nos faz pensar

naquilo que está impregnado no imaginário coletivo: qualquer um pode ser

professor, é uma carreira de emprego fácil, é só cursar uma licenciatura e começar a

dar aulas8.

8 Campos e Pessoa (1998) sugerem que a expressão “dar aulas” oculta o papel de profissional e fortalece a imagem de doação construída historicamente.

Page 49: Cristiane Ba

47

Observamos que a maioria dos professores pesquisados não pensava,

como um projeto maior de vida, em ser professor. A maior parte dos docentes

manifesta que a licenciatura foi a alternativa possível para aquele momento de suas

vidas.

A fala dos sujeitos deixa implícito o fato de que em nosso país os cursos de

licenciatura gozam de um status inferior, na medida em que eles deixam claro que a

docência não estava no primeiro plano de suas escolhas.

Apesar de, nos últimos anos, observarmos movimentos que lutam por

quebrar o status de sub-profissão, o profissional da educação por vezes encontra-se

em uma encruzilhada: por um lado sofre com o desprestígio, tendo seu trabalho

pouco valorizado através de baixas remunerações e de poucas condições de

produção de seu trabalho e por outro é visto como um dos principais responsáveis

por uma escola que ministre um ensino de qualidade. Dessa forma,

a educação vive espartilhada nessa dupla visão, como se a educação fosse, por um lado, um campo científico e profissional habitado por gente de pouco valor e, por outro lado, o terreno social onde se jogam quase todas as perspectivas das sociedades contemporâneas. (NÓVOA, 2001, p. 74)

Observamos que o desprestígio em que se encontra a profissão docente

tem suas raízes na própria maneira como as licenciaturas são organizadas na

Universidade, haja vista que

Page 50: Cristiane Ba

48

[...] a política das universidades quanto à proposta das licenciaturas é falha, principalmente porque desarticulada da realidade circundante. Por exemplo, dever-se-ia reconhecer que há alunos das licenciaturas que não desejariam ser professores secundários ou primários. Para estes, a profissão de professor(a) é apenas tolerada, porque não conseguiriam outro caminho mais atraente (medicina, engenharia) pelos motivos mais diversos. Porém a sociedade impõe a todos “ganhar a vida”, mesmo que não seja na profissão desejada, o que ocasiona a rejeição da profissionalização como professor. (FLORIANI, 2000, p. 48)

A realidade explicitada pelo autor, por vezes, é desconsiderada quando da

reformulação e replanejamento de projetos de cursos de licenciatura.

Os depoimentos obtidos chamam a atenção para o fato de que a escolha

por um curso de licenciatura, normalmente, se dá como uma segunda opção ou

como um desvio de percurso. Isso nos leva a pensar sobre o desprestígio perante a

sociedade que um curso de licenciatura tem em relação a outras áreas, tais como

medicina, direito ou engenharia.

Segundo Floriani (2000, p. 49) as licenciaturas gozam desse baixo status

porque os critérios os quais são avaliadas não são pertinentes, ou seja,

as licenciaturas não são estruturadas em torno de seu cerne pedagógico pertinente: a elaboração de propostas científico-didáticas que ponham ao alcance dos alunos dos diversos graus de ensino as concepções científicas estudadas na Universidade.

Não obstante, mesmo não sendo a profissão imaginada pelos docentes,

após o início do curso, notamos, através de suas falas, que houve uma identificação

com o mesmo. Epsilon deixa claro essa posição afirmando: “meio que por acaso eu

Page 51: Cristiane Ba

49

acabei entrando numa área que me identifiquei.” Ou na fala de Gama que coloca:

“no terceiro semestre que comecei a dar aula foi realmente que me identifique com a

profissão”. Da mesma forma Alfa diz: “me identifiquei muito”.

A partir do discurso desses professores somos levados a refletir sobre o que

os leva a se identificar com a profissão, mesmo sendo essa uma carreira que a priori

não estava em primeiro plano de escolha.

Por conta dessa reflexão, recorremos a Freire (1996) quando pondera

que nós, homens e mulheres somos os únicos seres que, social e historicamente

nos tornamos capazes de apreender. É nesse sentido que nós humanos, apesar das

barreiras com que nos deparamos somos conscientes de que os obstáculos não se

eternizam e que enquanto professor “a gente tá sempre trabalhando, ao mesmo

tempo, como professor, como aluno” conforme declara Pi, sabemos que ser

professor se dá em um processo em que “quem forma se forma e re-forma ao formar

e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. (FREIRE, 1996, p. 23)

A partir das reflexões de Freire (1996) somos levados a pensar que talvez

seja nessa direção que resida à identificação dos professores com o ofício de ser

professor, pois esse se dá em um processo de aprendizado constante.

UNINDO AS PEÇAS

Nesse capítulo, objetivamos explicitar os motivos que levaram os

professores a optarem pela docência em Matemática. Pudemos constatar que, para

a maioria, essa escolha se deu por um desvio de percurso. Apesar disso, os

Page 52: Cristiane Ba

50

professores são unânimes quando afirmam que se identificam com a profissão.

Refletimos nesse capítulo sobre o status inferior em que gozam os cursos de

licenciatura ao serem comparados aos cursos que possuem uma maior demanda,

tais como Medicina, Direto, Engenharias. Esse baixo status contribui para que a

profissão docente goze de certo desprestígio. Levando em consideração essa

realidade, discutiremos, no próximo capítulo, o contexto de formação dos

professores de Matemática.

Page 53: Cristiane Ba

51

CAPÍTULO 2 - CONTEXTUALIZANDO A FORMAÇÃO

Nos discursos da atualidade fala-se muito em formação de professores.

Formação essa que é entendida por nós como um processo contínuo que extrapola

os bancos escolares, pois acreditamos que “a formação não se constrói por

acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um

trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente

de uma identidade pessoal” (NÓVOA, 1997, p. 25).

Na mesma linha, Fiorentini e Castro (2003, p. 124) destacam que

pensar a constituição do professor somente no período da formação inicial, independente da continuada, isto é, daquela que acontece no próprio processo de trabalho, é negar a história de vida do futuro professor, é negá-la como sujeito de possibilidades.

Nesse sentido, entendemos a formação inicial de professores como parte de

um processo de desenvolvimento profissional, que não pode ser concebida de uma

maneira justaposta à formação permanente, mas sim, articulada ao processo de

desenvolvimento profissional. Processo esse que admite como metáfora uma

aventura. Uma aventura realizada através de uma viagem não planejada, aberta, em

que não sabemos onde iremos chegar ou se chegaremos a algum lugar. A formação

é uma viagem aberta, na qual alguém se deixa influenciar a si próprio, se deixa

seduzir e solicitar por quem vai ao seu encontro e na qual o cerne é esse próprio

alguém, a sua constituição, a sua desestabilização e a sua transformação

(LARROSA, 1998).

Page 54: Cristiane Ba

52

No campo da concretude, ao tratar da formação do professor de Matemática

damos destaque à direção que seguem, na maioria das vezes, os cursos de

Licenciatura em Matemática em nosso país. Salvo algumas exceções, os cursos de

Licenciatura em Matemática dirigem-se para um curso de bacharelado em

Matemática minimizado.

Isso se deve à própria história dos cursos de Licenciatura em Matemática no

Brasil. Segundo Silva (2002), foi com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciência e

Letras da Universidade de São Paulo, em 1934 e da Faculdade Nacional de

Filosofia, no Rio de Janeiro, em 1939 que foram estabelecidos cursos específicos

que visavam à formação de professores para o ensino secundário, em nosso país.

Assim, os cursos destinados à formação de professores que foram surgindo nos

demais estados do Brasil, seguiram os modelos apresentados nos cursos

supracitados. Há que se ressaltar que

desde o início da criação dos cursos de bacharelado e licenciatura, houve uma nítida separação entre conteúdo específico e formação pedagógica. Assim, os bacharéis que se graduavam na FNFi9

poderiam receber licença para lecionar no magistério secundário somente após terem concluído o Curso de Didática. O professor secundário aparecia como um subproduto altamente especializado daquela instituição que visava, em primeiro lugar, promover a pesquisa. (SILVA, 2002, p. 104)

Nota-se que os cursos em questão eram focados em matemática pura,

sendo que a licenciatura diferenciava-se do bacharelado apenas pelo curso de

didática.

9 FINFi – Faculdade Nacional de Filosofia

Page 55: Cristiane Ba

53

Não obstante, a partir da década de 70, a licenciatura passa a se

caracterizar por um bacharelado atenuado, alterações que, segundo Lellis (2002, p.

24) “pouco valem e tem apenas caráter quantitativo, porque se mantém a mesma

visão de matemática e de seu ensino que encontramos no bacharelado”. Essas

alterações puderam ser constatadas no aumento de disciplinas de cunho

pedagógico, extrapolando a famosa fórmula 3 + 1.

Para exemplificar esse quadro citamos um painel apresentado por Angelo e

Mendes (2004), no I Colóquio Brasileiro de História da Matemática – IV Encontro

Luso-Brasileiro de História da Matemática, cujo objeto consistiu na análise das

grades curriculares relativas ao curso de Licenciatura em Matemática, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O referido trabalho teve como

objetivo analisar, historicamente, as grades curriculares do referido curso, em

consonância com a legislação vigente à sua época, focalizando, principalmente, os

paradigmas que sustentavam a educação matemática, buscando entender as

concepções ideológicas implícitas nos padrões manifestados através dessas grades.

A tabela 1 explicita a distribuição de créditos concernentes às disciplinas de cunho

específico e as de cunho pedagógico.

GradesNúmero total de créditos

Número de créditos

conteúdosespecíficos

%Número de

créditos conteúdos pedagógicos

%

Grade 1 129 106 82% 23 18% Grade 2 121 98 81% 23 19% Grade 3 121 98 81% 23 19% Grade 4 128 83 65% 45 35% Grade 5 189 118 62% 71 38%

(Tabela 1)

A partir da análise das cinco grades curriculares que compuseram o curso

de licenciatura em destaque, percebeu-se que, ao longo da história do Curso de

Licenciatura em Matemática da UFRN, houve um aumento de carga horária das

Page 56: Cristiane Ba

54

disciplinas pedagógicas concomitante a um decréscimo das disciplinas relacionadas

à matemática pura, conforme se pode observar na Tabela 1. Desse modo contatou-

se a atenuação do caráter de bacharelado que compunha a licenciatura em

Matemática daquela universidade.

O relato de Epsilon explicita uma caracterização geral de como se deu a sua

formação em Licenciatura em Matemática: “a licenciatura era como se fosse um mini

bacharelado”. No discurso de Epsilon temos sintetizado o aspecto da não identidade

da licenciatura em Matemática.

O currículo da Licenciatura em Matemática, na maioria das vezes, encontra-

se atrelado ao bacharelado, sendo desconsideradas, nesse caso, as especificidades

de um curso de formação de professores. Epsilon acrescenta ainda que “se tinha a

idéia se você sabe Matemática em um nível mais alto então você pode aprender os

conceitos mais elementares, mais simples, é tanto que não existiam disciplinas

voltadas especificamente para o ensino médio e nós éramos formados para

trabalhar no ensino médio”.

Nesse sentido, os currículos dos cursos de Licenciatura em Matemática

encontram-se numa via de duplo sentido: preparar professores para o Ensino

Fundamental e Médio ou preparar Matemáticos e, na maioria das vezes, esses

currículos não se direcionavam para nenhuma dessas duas vias.

Segundo Floriani (2000), tanto o bacharelado quanto a licenciatura em

Matemática ainda carregam resquícios do positivismo, estando impregnados em

seus currículos as marcas desse paradigma. Nesse sentido, Floriani (2000, p. 51)

destaca que

Page 57: Cristiane Ba

55

O bacharelado está orientado, em geral, por uma pedagogia fragmentada, conseqüência da repartição positivista do saber. Para a licenciatura tem-se que acrescentar ainda as conseqüências nefastas de um falso humanismo pedagógico, centrado em pieguices teorizantes desencarnadas de prática. O bacharelado visa a uma formação técnico-profissional. A licenciatura consegue acrescentar-lhe um penduricalho de formação pedagógica profissional.

O que Floriani (2000) afirma vai ao encontro do relato de Pi acerca das

disciplinas pedagógicas que cursou enquanto licenciando: “A gente via assim como

uma perfumaria, como uma disciplina complementar, pagava na marra”. Essa fala

aponta para um grave problema existente nos cursos de formação de professores: a

desarticulação quase que integral entre os conhecimentos específicos e os

conhecimentos pedagógicos. Esse fato, por conseguinte, é um campo fértil para o

surgimento da dicotomia entre a teoria e a prática.

A dicotomia teoria-prática choca-se com os fenômenos educativos que,

por sua vez, baseiam-se em princípios como “complexidade, incerteza, instabilidade,

singularidade e conflito de valores” (PÉREZ GOMÉZ, 1997, p. 99), não existindo

“uma teoria científica única e objetiva, que permita uma identificação unívoca de

meios, regras e técnicas a utilizar na prática” (PÉREZ GOMÉZ, 1997, p. 100).

Epsilon acrescenta que “se você comparasse a grade das duas

(bacharelado e licenciatura) era praticamente a mesma, o enfoque era muito

parecido [..] a gente saia sabendo Matemática, mas não saia sabendo ensinar

Matemática”.

Page 58: Cristiane Ba

56

O que Epsilon relata é uma prática comum em grande parte dos cursos de

formação de professores de Matemática e consiste na demasiada valorização dos

conteúdos matemáticos e no esquecimento de que o curso em questão tem como

finalidade a formação de professores habilitados para o ensino na educação básica.

Nesse sentido, falta à licenciatura em Matemática uma identidade própria de um

curso de formação de professores.

Ponte (2002) ao discorrer sobre a vertente profissional da formação inicial

de professores de matemática defende que os cursos de formação inicial que

formam professores nessa área de conhecimento devem ter uma direção diferente

dos cursos de matemática que visam formar matemáticos para se dedicarem

prioritariamente à investigação.

Pi, por sua vez, relacionando as disciplinas de caráter específico e as

disciplinas de caráter pedagógico diz que “existia um hiato entre aquela disciplina

pedagógica e as outras disciplinas, a gente não relacionava, como se fossem

conhecimentos estanques”. O discurso de Pi deixa clara a dicotomia conteúdos

pedagógicos versus conteúdos específicos desenvolvidos durante a formação na

Licenciatura em Matemática.

Não obstante termos consciência de que os enfoques dos cursos de

licenciatura em Matemática e de bacharelado em Matemática devam ser

diferenciados, as licenciaturas ainda

não têm estrutura essencial pertinente à sua finalidade maior da formação do(a) profissional chamado(a) docente de Matemática. Exibem uma essência não própria e tendem a se aproximar de algum modelo imposto por um outro curso. A licenciatura passa a não existir “em si” e nem “para si”. É claro que os “profissionais” por ela ‘formados’ projetam a sombra da vara original. (FLORIANI, 2000, p. 48, grifo do autor)

Page 59: Cristiane Ba

57

A respeito da sombra da vara original destacamos um recente artigo de

autoria de Lins (2005) que podera sobre a formação pedagógica em disciplinas de

conteúdo matemático nas licenciaturas em matemática. Lins (2005) nos chama a

atenção para o fato de que a formação de um professor segue o modelo do mestre-

aprendiz. Isso significa que mesmo nas disciplinas de caráter especificamente

matemático (matemática pura), como Cálculo Diferencial e Integral (citado como

exemplo no artigo em questão) está sendo oferecido ao futuro professor um modelo

de aula e um modelo de como se ensinar Matemática, independente do tipo de

modelo didático adotado pelo professor formador.

Percebemos a evidência desse fato na fala de Epsilon quando diz que “a

gente ia ensinar Matemática como um espelho dos profissionais que estavam lá”,

referindo-se aos professores que teve durante o período em que cursou a

licenciatura em Matemática.

Lins (2005) destaca ainda que a relação mestre-aprendiz não dá suporte

para uma formação consistente do professado ao afirmar que, no caso da formação

de professores, torna-se necessário “problematizar, tornar visível, discutir a relação

mestre-aprendiz [...]” (LINS, 2005, p. 118). Essa crítica se dirige às salas de aula em

que são formados professores de Matemática e em que não se têm espaços para

reflexão e criticidade.

Seguindo a mesma linha de pensamento Gonçalves e Gonçalves (1998, p.

123) defendem a necessidade do ensino como pesquisa e da pesquisa no ensino

por acreditarem que “ela pode ser a mola propulsora da formação e da

transformação do professor formador de professores, bem como do professor em

formação”.

Page 60: Cristiane Ba

58

Isso significa que a formação inicial deve ser encarada como “a primeira

fase de um longo e diferenciado processo de desenvolvimento profissional”

(GARCIA, 1997, p. 55), processo esse que deve ser permeado pela pesquisa.

Acreditamos ser importante destacar que as recentes discussões relativas

ao caráter da não identidade dos cursos de formação de professores ganharam

destaque no processo de re-elaboração das propostas de diretrizes curriculares para

e Ensino Superior (nível da graduação). Nesse sentido, e de acordo com o Parecer

CNE/CP 09/2001, a formação nesse nível de ensino aponta para três categorias, a

saber: Bacharelado Acadêmico, Bacharelado Profissionalizante e Licenciatura.

Dessa forma, a Licenciatura ganhou, como determina a nova legislação,

terminalidade e integralidade própria em relação ao Bacharelado, constituindo-se em

um projeto específico. Isso exige a definição de currículos próprios da Licenciatura

que não se confundam com o Bacharelado ou com a antiga formação de

professores que ficou caracterizada como modelo “3+1” (BRASIL, 2002).

Há que se ressaltar que as diretrizes legais concernentes à formação de

professores apontam para a desvinculação da licenciatura ao bacharelado, o que na

prática, se configura em um longo caminho de discussões e reformulações

curriculares que culminarão no alcance dessa orientação, haja vista os longos anos

de história em que as licenciaturas seguiram os passos do bacharelado. Também

devemos lembrar a distância que existe entre os discursos oficiais e as

reformulações práticas concernentes a esses discursos.

Vale lembrar que há muito as discussões em torno desse tema já foram

iniciadas. Uma das vertentes em que ocorrem essas discussões é a própria

formação dos formadores de Matemática, que, no nosso entender, são os

protagonistas que efetivarão as mudanças nos currículos dos cursos de licenciatura.

Page 61: Cristiane Ba

59

Nesse sentido, destacamos o referencial de Cury (2001) que, ao arrazoar

sobre a formação dos formadores de professores de Matemática, sugere que o

professor-formador ancore o ensino em suas pesquisas. A autora recomenda que

as disciplinas tidas como tradicionais nos cursos de Licenciatura em Matemática, tais

como Álgebra, Análise e Geometria não sejam extintas, mas sim que seus

conteúdos sejam ensinados sob a ótica da pesquisa. Assim, a autora registra que

os conteúdos devem ser ensinados, mas não como uma ‘cópia’, não como uma mera repetição do que já está escrito nos livros-texto. Eles devem ser enfocados a partir dos problemas que o docente pesquisa e na solução dos quais utiliza os conhecimentos de qualquer uma dessas áreas da Matemática. (CURY, 2001, p. 18, grifo da autora)

A autora supracitada conclui que, dessa forma, o aluno, além do conteúdo

matemático, estará aprendendo a se posicionar como pesquisador, pois o formador,

nesse caso, estará ensinando a produzir conhecimento.

Ensinado a produzir conhecimento o formador tenderá a romper “com o

paradigma de que fazer pesquisa é uma atividade exclusiva dele enquanto

pesquisador e não do aluno de graduação” (GONÇALVES, 2000, p. 20).

Seguindo a mesma direção, Mendes (2005) ao refletir sobre o ensino no

contexto universitário defende que o mesmo deveria ter como meta principal a

promoção da educação científica pelos estudantes. Para o autor, os professores

formadores, no caso dos cursos de formação de professores de Matemática,

deveriam estimular a investigação por parte dos alunos-licenciandos para que suas

Page 62: Cristiane Ba

60

futuras práticas docentes estejam alicerçadas em investigações que culminem no

desenvolvimento cognitivo de seus alunos.

As abordagens a serem efetivadas no contexto universitário de ensino

devem ter como meta principal fomentar a aquisição da educação científica pelos

estudantes. Dizemos isso por que cremos ser importante explicitar o caráter

investigatório nos ambientes em que esses estudantes estão envolvidos. É

necessário, porém, que os professores proponham e efetivem atividades formativas

permeadas por estratégias didáticas que estimulem o espírito investigador dos

estudantes de modo a articular a pesquisa à formação do futuro professor

pesquisador. Seguindo essa direção o formador faz de sua prática docente um

constante ir e vir na busca de soluções para o desenvolvimento cognitivo dos

estudantes.

Ancorados nos autores supracitados defendemos não uma minimização dos

conteúdos matemáticos ministrados na licenciatura ou a limitação dos mesmos aos

conteúdos que serão ensinados pelos futuros professores no Ensino Fundamental

ou Médio, mas sim, um redirecionamento que convirja num aprofundamento dos

conteúdos, através de atividades de pesquisa que funcionem como laboratório de

ensino de Matemática.

A respeito das deficiências que os cursos de licenciatura em Matemática

apresentam Gonçalves e Gonçalves (1998) na condição de formadores de

professores de Matemática, destacam como lacuna percebida pelos licenciandos a

falta de uma prática mais efetiva, em que o estudante universitário possa ter contato com o ambiente escolar, tendo contato com o ambiente escolar, tendo contato com os alunos e a complexidade que lhe é natural, uma vez que a prática de ensino vigente é, em geral, insuficiente para lhes proporcionar essa experiência reclamada. (GONÇALVES E GONÇALVES, 1998, p. 115)

Page 63: Cristiane Ba

61

Por essa razão, ao tratarmos de uma investigação que se firma no caminho

dos sentidos da autonomia docente no desenvolvimento curricular, não poderíamos

deixar de escutar os docentes acerca de sua formação inicial, pois o professor ao

relembrar o período em que esteve cursando sua licenciatura em matemática nos dá

indícios de que a formação inicial tem um papel fundamental na maneira como o

professor irá conduzir a sua trajetória enquanto docente. Evidenciamos esse fato

quando ouvimos Epsilon declarar que seus professores formadores eram o espelho

de como ensinar matemática.

Freire (1996, p. 90) ao manifestar-se acerca da experiência do professor

enquanto aluno registra que

a minha experiência discente é fundamental para a prática docente que terei amanhã ou que estou tendo agora simultaneamente com aquela. [...] Não devo pensar apenas sobre os conteúdos programáticos que vêm sendo expostos ou discutidos pelos professores das diferentes disciplinas mas, ao mesmo tempo, a maneira mais aberta, dialógica, ou mais fechada, autoritária, com que este ou aquele professor ensina.

Nesse sentido, uma formação inicial em um curso que não tem identidade

própria, que forma “bacharéis menores” como relata Epsilon, alicerçado na relação

transmissão-recepção de conteúdos, compreendido como um ensino bancário10,

10 Expressão difundida por Paulo Freire, em seu ensaio sobre “a Pedagogia do Oprimido” em que “O educador faz “depósitos” de conteúdos que devem ser arquivados pelos educandos. Desta maneira a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. O educador será tanto melhor educador quanto mais conseguir “depositar” nos educandos. Os educandos, por sua vez, serão tanto melhores educados, quanto mais conseguirem arquivar os depósitos feitos.“ (FREIRE, 1983, p.66)”

Page 64: Cristiane Ba

62

não contribui para que, no futuro exercício da docência, o professor de Matemática

exerça a sua autonomia no que tange ao desenvolvimento curricular da disciplina de

Matemática.

A esse respeito, Ramalho, Nuñez e Gauthier (2000, p. 1) comentam que

existe um grande reconhecimento a respeito do fato dos cursos de formação de professores não terem contribuído para formar um/a docente profissionalizado e mais competente que possa dar as respostas aos atuais desafios que requer uma sociedade em constante mudança.

Com efeito, os depoimentos dos sujeitos pesquisados nos fazem perceber

que todos passaram por uma formação inicial calcada na racionalidade técnica,

termo empregado por Donald Schön (1997) em que o exercício da docência

configura-se em uma atividade instrumental, permeada pela aplicação de métodos e

técnicas, advindos de uma teoria. Prática essa que é sedimentada pela

epistemologia dominante na universidade e por um currículo profissional normativo

em que “primeiro ensinam-se os princípios científicos relevantes, depois a avaliação

desses princípios e, por último, tem-se um practicum11 cujo objetivo é aplicar à

prática quotidiana os princípios da ciência aplicada” (SCHÖN, 1997, p. 91).

Segundo Almeida (2001, p. 1), o modelo de formação supracitado tem

como conseqüências:

11 Termo muito utilizado na bibliografia referente à formação de professores que significa os “momentos estruturados de prática pedagógica (estágio, aula prática, tirocínio) integrados nos programas de formação de professores” (ZEICHNER, 1997, p. 117)

Page 65: Cristiane Ba

63

(i) a divisão do trabalho em diferentes níveis, estabelecendo relações de subordinação;

(ii) o exercício de um trabalho individual que gera o isolamento profissional;

(iii) a aceitação de metas e objetivos externos, considerados neutros.

Nesse caso, o futuro professor habilita-se na condição de técnico que aplica

as receitas pré-determinadas advindas de especialistas, que seriam os

pesquisadores, conduzindo sua prática independente das diversas realidades nas

quais ocorrem os processos de ensino.

Desse modo, a rotina de um curso de formação de professores alicerçado

no modelo de racionalidade técnica resume-se na aprendizagem de conteúdos

disciplinares que devem ser trabalhados em sala de aula e na apreensão de

técnicas que facilitem a transmissão desses conteúdos, conforme bem declara

Epsilon referindo-se as disciplinas pedagógicas cursadas em sua licenciatura: “o que

existia eram disciplinas de didática que na maioria das vezes eram dadas como

receita... faltava vinculação à licenciatura.”

A falha desse modelo de formação consiste no fato de que o ensino se

constitui em uma atividade realizada entre pessoas em que estão imbricadas todas

as subjetividades concernentes às mesmas. O ato de ensinar não pode ser

considerado previsível e robotizado. A educação se dá em um contexto de relações

entre pessoas. Professores e alunos vivem em um emaranhado de relações e se

considerarmos que, ao entrar na sala de aula, de antemão o professor já dispõe de

Page 66: Cristiane Ba

64

todas as receitas e técnicas que serão aplicadas nas diversas situações que

ocorrerão naquele espaço estaremos negando a natureza complexa em que se dá o

ato de ensinar.

Alfa ao discorrer sobre como se deu sua formação inicial é contundente: “a

minha formação da licenciatura foi tecnicista, totalmente”. Essa formação se refletiu

no início de sua carreira, conforme seu relato: “quando eu comecei a dar aula,

inclusive eu tinha assim uma linguagem que é muito estética, muito bonita e eu

gostava muito de trabalhar com aquilo”. Linguagem essa também fundamentada no

paradigma da racionalidade técnica. A esse respeito Contreras (2002, p. 90) revela

que

a idéia básica do modelo de racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico ou técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica.

Nesse sentido, o professor assume a função de tarefeiro, não lhe cabendo o

exercício da crítica e reflexão, mas só da execução do que foi planejado por outros.

Outro ponto destacado na formação inicial dos sujeitos investigados foi a

deficiência em uma formação que privilegie a preparação para o ensino médio ou

fundamental. A fala de Epsilon deixa claro essa lacuna na formação: “não existiam

disciplinas voltadas especificamente para o ensino médio e éramos formados para

trabalhar no ensino médio” e, também nas palavras de Gama: “o que eu estava

vendo não era direcionado para o 2º grau”.

As falas dos professores acerca de sua formação inicial reflete o que

Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003) denominam Movimento Hegemônico da

Page 67: Cristiane Ba

65

Formação (figura 2), que se configura em uma mescla da racionalidade técnica e da

formação academicista e tradicional. Esse modelo de formação se caracteriza pelo

treinamento de habilidades; em conteúdos descontextualizados da realidade

profissional e fragmentados; na dicotomia teoria-prática evidenciada pelo estágio ao

término do curso, com pouco espaço para discussões e mobilizações de saberes.

Professor

Executor / reprodutor de saberes produzidos

por especialistas

Excluído da construção da

profissão (nível inferior na hierarquia

da profissão)

Se identifica com habilidades

Competência

Processo Formativo fundamentado no

racionalismo técnico (Tecnicismo)

Modelo Formativo

Baseado no treinamento de

habilidades

Formação distante da escola,

distante do objeto da profissão

Traduz uma cultura educacional do contexto desprofissionalizante

Fig. 2 – Representação do Modelo Hegemônico da Formação (RAMALHO, NUÑEZ e GAUTHEIR, 2003)

Page 68: Cristiane Ba

66

Acrescentamos ainda, que o modelo de formação docente baseado na

racionalidade técnica confere uma relação hierárquica entre professores e técnicos,

que fatalmente terá como conseqüência uma limitação à autonomia docente.

Campos (2005) ao discorrer sobre os problemas que habitam os cursos de

licenciatura em matemática aponta para a desarticulação entre conteúdos

específicos e pedagógicos; a não incorporação aos cursos de discussões sobre

pesquisas relativas à área da educação e dos conteúdos específicos; a

burocratização das práticas, através de disciplinas geralmente oferecidas ao final

dos cursos; a falta de oportunidades para o desenvolvimento cultural dos

graduandos, além do uso de tecnologias da informação e comunicação; o

distanciamento entre as agências formadoras e as escolas de ensino básico; a

exposição a uma prática ao longo do curso em que são privilegiadas a transmissão

oral, oriundas de livros e outras fontes de informação.

Discutimos até aqui a constituição da docência permeada por uma formação

calcada na racionalidade técnica. Apesar de muitos cursos de formação de

professores encontrarem-se dentro desse modelo de formação, podemos dizer que,

atualmente, encontramos várias vozes que emergem dentro do contexto educacional

invocando uma mudança de modelo de formação, propondo o modelo de

racionalidade prática em que o professor passa de um mero executor de tarefas para

tornar-se um pesquisador em sala de aula.

Vários autores propõem essa nova concepção de formação. Entre eles

destacam-se Stenhouse e a idéia do professor como pesquisador. Para Stenhouse

(apud CONTRERAS, 2002) é impossível uniformizar os processos educativos, sendo

inconcebível a educação como determinação de técnicas para aplicar na sala de

aula.

Page 69: Cristiane Ba

67

Concordamos com o pensamento de Perez (2004, p. 252, grifo do autor) ao

declarar que:

[...] a profissão docente exige o desenvolvimento profissional ao longo de toda a carreira; [...] Não basta conhecer proposições e teorias. É preciso estudo, trabalho e pesquisa para renovar e, sobretudo, reflexão para não ensinar apenas ‘o que’ e ‘como’ lhe foi ensinado. A formação do professor deverá constituir novos domínios de ação e investigação, de grande importância para o futuro das sociedades, numa época de acelerada transformação do ser humano, que busca desenvolver seu projeto de cidadania. Exige-se, hoje, da profissão docente, competências e compromissos não só de ordem cultural, científica e pedagógica mas, também, de ordem pessoal e social [...].

Nesse sentido, destacamos a formação de professores de matemática em

uma dimensão permeada pela racionalidade prática. Nessa perspectiva não

podemos conceber o desenvolvimento profissional dos docentes de forma pontual e

fragmentada. Diversos são os fatores que contribuem para que se perceba que o

desenvolvimento profissional não seja concebido dessa forma. Dentre eles,

destacamos os elencados por Ponte (1998, p. 7)

Em primeiro lugar, mudanças crescentes nas condições sociais, arrastando mudanças no sistema educativo (nos objetivos da educação, nos currículos, nos alunos, no próprio conceito de escola). Em segundo lugar, mudanças na teoria educacional, proporcionando novas orientações didáticas e novas perspectivas para fundamentar a ação do professor. E, finalmente, mudanças na própria visão do papel do professor, reconhecendo-se agora muito melhor a complexidade e dificuldade da sua função. (PONTE, 1998, p. 7)

Page 70: Cristiane Ba

68

Cremos que os fatores acima elencados abarcam de uma forma ampla a

realidade em que nos encontramos atualmente.

Juntamente com o modelo de formação de professores de matemática

baseado na racionalidade prática, em que o professor se percebe como um

investigador de sua prática e reflete sobre a mesma, surge um novo modelo de

educação matemática, que rompe com o tradicional, amplamente difundido em

nossas escolas. Nesse novo modelo a Matemática é vista como uma ciência

incompleta, passível de refutações e acessível a todos.

D’Ambrosio, B. (1983) manifesta-se favoravelmente a este pensamento,

mencionando a necessidade de os professores compreenderem o modelo de

formação baseado na investigação:

Há uma necessidade de os novos professores compreenderem a matemática como uma disciplina de investigação. Uma disciplina em que o avanço se dá em conseqüência do processo de investigação e resolução de problemas. Além disso é importante que o professor entenda que a matemática estudada deve, de alguma forma, ser útil aos estudantes, ajudando-os a compreender, explicar ou organizar sua realidade. (D’AMBROSIO, B., 1993, p. 35)

Com base no que foi exposto, consideramos que a busca por um modelo de

formação profissional baseado na racionalidade prática, em que a prática e a teoria

se articulem do início ao final do curso de formação inicial, poderá contribuir,

juntamente com outras ações, uma qualidade de ensino na escola, além de

reconfigurar o papel do professor como um profissional autônomo.

Page 71: Cristiane Ba

69

UNINDO AS PEÇAS

Nesse capítulo, procuramos evidenciar o contexto de formação dos

professores pesquisados. Percebemos que em todos os casos a formação inicial

esteve ancorada no paradigma da racionalidade técnica, configurando-se em um

Modelo Hegemônico de Formação (RAMALHO, NUÑEZ E GAUTHIER, 2003). Os

professores mencionam que os cursos de formação inicial, as quais foram

submetidos, não tinham uma identidade própria condigna com a natureza de um

curso de formação de professores.

Por outro lado, apresentamos nesse capítulo os pressupostos de um

modelo de formação calcado na racionalidade prática que, ao nosso ver, poderá

contribuir para a reconfiguração do papel do professor como um profissional

autônomo.

No próximo capítulo, nos deteremos no olhar que os professores lançam

acerca de sua formação e como esse olhar pode ser útil na construção de um futuro

melhor para a educação matemática.

Page 72: Cristiane Ba

70

CAPÍTULO 3 – REVIVENDO O PASSADO PARA CONSTRUIR O FUTURO

Segundo Garcia (2002) a inserção profissional é o período de tempo que

compreende os primeiros anos de profissão na qual é realizada a transição da

condição de estudante para a condição de professor. Para o autor, é um período de

tensões e aprendizagens efetivas que acontecem geralmente em ambientes

desconhecidos. O autor enfatiza que no início da carreira o professor deve adquirir

conhecimento para que consiga manter certo equilíbrio pessoal. Feiman (apud

Garcia 2002) defende que os professores principiantes dispõem de duas tarefas a

cumprir quando iniciam a lecionar: ensinar e aprender a ensinar.

Garcia (1999) também declara que os professores em início de carreira se

deparam com as tarefas de adquirir conhecimentos sobre os estudantes, o currículo

e o contexto escolar; adaptar o currículo ao ensino; desenvolver um repertório

docente que lhe permita sobreviver como professor; criar uma comunidade de

aprendizagem em sala de aula; e desenvolver uma identidade profissional. Ademais,

devem executar essas tarefas com as mesmas responsabilidades dos professores

mais experientes.

A fim de desvelar os elementos que permearam a fase de transição de

alunos a professores, e ainda com o intuito de perceber como os professores de

Matemática se constituíram profissionalmente e como elaboraram e re-elaboraram

os saberes advindos de sua formação inicial, propomos aos docentes que falassem

sobre sua carreira, enquanto professores de Matemática, em um percurso que

abarcou do início à atualidade.

Page 73: Cristiane Ba

71

Gama ao discorrer sobre o início de sua trajetória profissional declara que

“teve que correr atrás” referindo-se ao fato de não ter tido uma boa preparação para

ser professor. Gama diz ainda: “para dar aula eu tive que realmente estudar, me

preparar”, e justifica esse estudo porque o que viu na universidade “não era

direcionado para o ensino de 2º grau”. Para Gama em sua formação inicial não

houve o estabelecimento de relações entre a teoria adquirida no curso e a prática,

assim como entre os conteúdos estudados na licenciatura e àqueles que Gama

passou a ensinar na escola.

Alfa, em seu depoimento sobre o início de sua carreira, nos diz: “tive que

estudar muito, porque eu não sabia o conteúdo, a gente vê aquelas integrais, mas

quando eu fui trabalhar na 6ª série, eu nem sabia como ensinar, quando eu fui

ensinar no 2º grau eu não sabia o conteúdo, então estudei muito”.

Para Ponte, Galvão, Santos e Oliveira (2001), a inserção na docência é um

período de aprendizagem em que são vivenciadas pelo professor iniciante situações

complexas e até mesmo adversas que demandam uma re-elaboração das

concepções sobre a escola, a educação, o currículo, a disciplina que ensina, os

alunos e o próprio trabalho em si.

Os pesquisadores supracitados evidenciaram, em um estudo sobre o início da

carreira profissional de jovens estudantes de matemática e de ciências, que o

conhecimento específico do campo em que atuam tem se mostrado insuficiente,

reconhecendo que necessitam de atualização constante desse campo. Da mesma

forma, constatamos esse fato nos depoimentos de Alfa e Gama.

Epsilon diz que foi “procurando, vendo o que os outros faziam, olhando aquilo

que eu achava legal, aquela técnica que eu achava que o professor tava dando

certo”. O discurso de Epsilon aponta para o fato de que a formação inicial recebida

Page 74: Cristiane Ba

72

pelo mesmo se mostrou aquém das reais necessidades de que foram surgindo

quando começou a lecionar Matemática. Além disso, observamos que foi no

desenvolvimento do próprio trabalho, na lida do dia-a-dia que começou a adquirir as

ferramentas necessárias para atuar.

Nesse sentido, acreditamos que é no próprio trabalho que o docente se

constitui enquanto profissional e que talvez, pela nossa natureza de seres

inconclusos, nenhum curso de formação inicial é completo o suficiente para formar o

professor em sua totalidade. Isso não significa que as agências formadoras não

devam mobilizar todos os esforços possíveis para que o licenciado tenha o de

melhor em sua formação inicial.

Ômega exemplifica o seu percurso citando o trabalho que desenvolveu em

uma turma há uns quatorze anos: “eu usava uma metodologia que era aquela bem

tradicional mesmo” e como conseqüência desse ensino tradicional complementa que

“era uma turma bem desestimulada, não tinha ânimo”. Ômega diz que “em respeito

ao aluno” se perguntou “onde é que eu tô errando?”. Por conta disso, e na tentativa

de “melhorar, melhorar, melhorar” foi levado a “fazer o Mestrado”. Percebemos no

discurso de Ômega uma insatisfação quanto ao seu trabalho, advinda de momentos

de reflexão na prática e sobre a prática.

Pi diz que “as metodologias que foram adotadas nas diversas disciplinas foi

que ajudaram”, relacionando as metodologias que seus professores utilizavam para

ensiná-lo ao modo como começou a trabalhar em sala de aula. Além disso, Pi

admite que “era mais intransigente com os alunos no começo” e que com o tempo

começou “a observar que tem outras formas de se impor”. O discurso de Pi nos leva

a crer que a postura do professor não é somente fruto de sua formação inicial. Vai

Page 75: Cristiane Ba

73

além dessa formação, constituindo-se através de experiências pessoais, das

imagens do que é ser professor, estabelecendo-se através de múltiplos aspectos.

Nesse sentido, vem à tona o que Gauthier (1998) chama de saberes da

tradição pedagógica que são saberes apreendidos além da formação formal e que

se relacionam com a crença que cada professor tem sobre a escola. Crença essa

que é fruto de sua experiência.

Nesse sentido, acreditamos ser necessário adentrarmos no campo dos

saberes pedagógicos e refletirmos sobre os mesmos. Para tal, recorremos aos

estudos de Tardiff (2000, 2002), Gauthier (1998) e Fiorentini, Souza Jr. e Melo

(1998).

Tardif (2000, p. 13) chama de epistemologia da prática profissional “o

estudo do conjunto dos saberes utilizados pelos profissionais em seu espaço de

trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”. Saber esse que é

concebido no sentido amplo do saber, saber-fazer e saber-ser.

O autor chama a atenção para a natureza dos saberes docentes que são

temporais – adquiridos através do tempo, porque, em primeiro lugar, se consolidam

no processo de escolarização a qual o professor está submetido no transcorrer de

sua vida. Processo em que são afloradas crenças e concepções que, segundo o

autor, não se modificam pela passagem por um curso de formação de professores.

Em segundo lugar porque a “maioria dos professores aprendem a trabalhar na

prática, às apalpadelas, por tentativa e erro” (TARDIF, 2000, p. 14). Em terceiro

lugar, os saberes docentes são temporais pelo fato de que fazem parte de um

processo de longa duração. A natureza temporal dos saberes docentes pôde ser

constatada no discurso de Epsilon quando declara que “eu fui procurando,..., vendo

o que os outros iam fazendo,[...], o espelho que eu tinha dos melhores professores”.

Page 76: Cristiane Ba

74

Tardif (2000) acrescenta que os saberes dos professores são plurais e

heterogêneos. Possuem essas características porque provêm de diversas fontes,

não formando um repertório de conhecimento unificado e também porque os

professores em ação procuram atingir “diferentes tipos de objetivos cuja realização

não exige os mesmos tipos de conhecimento, de competência ou de aptidão”

(TARDIF, 2000, p. 15). Esses saberes plurais e heterogêneos que levam o professor

a estar “sempre aberto a aprender”, conforme declara Pi.

Uma terceira característica apresentada por Tardif (2000) no que concerne

aos saberes docentes é que os mesmos são personalizados e situados. São

personalizados justamente porque o professor possui uma história de vida que lhe é

singular. A marca dessa singularidade é descrita por Alfa quando declara que “a

minha maneira de trabalhar eu criei ao longo do tempo”. Além disso, os saberes são

situados porque são construídos pelos atores em função dos contextos de trabalho.

Ômega quando diz que o Cefet é sua segunda casa e “que é diferente de quando

você vem de uma realidade lá fora” enfoca a questão dos saberes situados.

Tardif (2002), vai assim classificar os saberes docentes em saberes da

formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica);

saberes disciplinares que correspondem aos diversos campos do conhecimento

(como os da Universidade); os saberes das disciplinas que emergem da tradição

cultural e dos grupos sociais produtores de saberes; saberes curriculares que se

apresentam concretamente sob a forma de programas escolares (objetivos,

conteúdos, métodos) que os professores devem aprender a aplicar; saberes

experienciais que brotam da experiência e são por ela validados e incorporam-se à

experiência sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser.

Page 77: Cristiane Ba

75

Por outro lado os estudos de Gauthier (1998) alertam-nos no sentido de

revermos certas idéias preconcebidas sobre o ofício de professor. Segundo ele, não

basta conhecer o conteúdo, ter talento, ter bom senso, seguir sua intuição, ter

experiência e certa cultura para garantir que um bom ensino se efetive. Essas idéias

caracterizam a docência como um ofício sem saberes. Por outro lado, o autor afirma

que a formalização do ensino, a tal ponto que sua complexidade não seja condizente

com a realidade, culmina em um enfraquecimento da docência, reduzindo-o a

saberes sem ofício. A fim de evitar que se caia na armadilha de pensar a profissão

docente como um ofício sem saberes ou saberes sem ofício, Gauthier apresenta os

saberes que são mobilizados pelo professor e que caracterizam a profissão como

um ofício feito de saberes. São eles, o saber disciplinar, referente ao conhecimento

do conteúdo a ser ensinado; o saber curricular, que diz respeito à transformação da

disciplina em programa de ensino; o saber das ciências da educação, relacionado ao

saber profissional específico que não está diretamente relacionado com a ação

pedagógica; o saber da tradição pedagógica, que está ligada à representação que

cada professor tem da escola; o saber da experiência, que se refere a um saber

singular advindo da vivência do professo; e o saber da ação pedagógica, que se

refere ao saber experiencial testado e tornado público.

Nesse sentido, o professor é concebido como “aquele que, munido de

saberes e confrontando a uma situação complexa que resiste à simples aplicação

dos saberes para resolver a situação, deve deliberar, julgar e decidir com relação à

ação a ser adotada, ao gesto a ser feito ou à palavra a ser pronunciada antes,

durante e após o ato pedagógico” (GAUTHIER, 1998, p. 331), ou seja, o professor

passa a ser um profissional. Profissional esse que é invocado por Epsilon quando diz

”professor é profissão e como profissão você também pode aprender. Não é aquela

Page 78: Cristiane Ba

76

coisa como foi a minha de intuição, de ir fazendo o que acha que deve ser

feito...existe uma teoria que dá suporte à profissão do professor”.

O discurso de Epsilon nos faz recorrer ao referencial proposto por Fiorentini,

Souza Jr. e Melo (1998) que, partindo da relação teoria/prática, desafia os

professores a possuir uma atitude investigativa e crítica em relação à prática

pedagógica e aos conhecimentos historicamente produzidos e a constituírem-se

juntamente com seus colegas de trabalho ou universitários, como principais

responsáveis pela produção de saberes e pelo desenvolvimento curricular de sua

escola com base na investigação.

Por outro lado, atentamos para o fato de que dificilmente um professor de

Matemática, formado por um programa tradicional, estará preparado para enfrentar

os desafios das modernas propostas curriculares, pois de uma maneira geral os

professores ensinam como foram ensinados (D’AMBROSIO, B., 1993).

No sentido de que os professores estejam preparados para os desafios que

demandam a docência em Matemática, Fiorentini, Souza Jr. e Melo (1998) sugerem

que a formação inicial dos professores não deve mais se basear nas dicotomias

teoria/prática, pesquisa/ensino e conteúdo especifico/conteúdo pedagógico. Para os

autores a formação teórica, que engloba o conhecimento específico e o pedagógico

deve ter lugar de destaque, sendo a prática pedagógica mediadora da

problematização, significação e exploração dos conteúdos teóricos. Nesse sentido,

além de estimular o trabalho coletivo tanto dos professores do nível básico quanto

desses com pesquisadores da universidade, se “promoveria o desenvolvimento

profissional tanto dos professores como dos próprios formadores de professores”

(FIORENTINI; SOUZA JR.; MELO, 1998, p. 333).

Page 79: Cristiane Ba

77

Assim, acreditamos que, primeiramente, o professor tem que começar a se

enxergar como um produtor de saberes, não se comportando passivamente a

espera de “um projeto a nível nacional, encabeçado por matemáticos, para mudar o

currículo de Matemática”, como coloca Gama, mas sim, percebendo que tem

competência para mudar o enfoque do ensino de Matemática, haja vista que essa

mudança foi conclamada pelos próprios professores entrevistados, como Gama que

disse “o currículo de Matemática deveria sofrer algumas alterações” ou Ômega, que

coloca “o currículo de Matemática teria que melhorar”.

Ao considerarmos que existe um repertório de conhecimentos que envolvem

os saberes inerentes ao professor, acreditamos ser na identificação desses saberes,

os aspectos que melhor definem e fortalecem a identidade e a autonomia do

professor, que contribuindo dessa forma, para sua profissionalização.

UNINDO AS PEÇAS

O presente capítulo baseou-se no olhar retrospectivo do professor de

Matemática, acerca de sua trajetória no ensino de Matemática. Esse olhar permitiu

que constatássemos que os conhecimentos adquiridos na formação inicial dos

docentes foram insuficientes para os mesmos no início de suas carreiras e conforme

mencionam tiveram que estudar, correr atrás, para que pudessem dar conta da

dimensão de seu trabalho, enquanto professores de Matemática. Por conta disso,

recorremos a alguns referenciais teóricos que expõem a natureza dos saberes

docentes, para que a partir da identificação desses saberes pudéssemos

Page 80: Cristiane Ba

78

compreender de uma melhor forma a identidade e a construção da autonomia

docente.

A seguir entraremos na segunda parte de nosso trabalho, no qual

desenvolveremos reflexões acerca do contexto institucional a qual os professores

estão ligados profissionalmente, partindo da premissa de que um trabalho sobre

formação e desenvolvimento profissional de professores não pode estar

desvinculado da instituição no qual atuam.

Page 81: Cristiane Ba

PARTE II

O CONTEXTO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Page 82: Cristiane Ba

80

PARTE II – O CONTEXTO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Iniciamos a primeira parte de nosso trabalho afirmando que uma pesquisa

que se firma no caminho da formação e do desenvolvimento profissional de

professores de Matemática possui como uma das peças-chave o professor de

Matemática. Nessa parte do trabalho estaremos acrescentando à primeira peça

uma outra, tão fundamental quanto à primeira, que se configura no contexto de

atuação do professor.

Page 83: Cristiane Ba

81

CAPÍTULO 4 – CONTEXTUALIZANDO A INSTITUIÇÃO

No presente capítulo, que objetiva contextualizar a instituição em que se

deu a pesquisa em voga, trataremos de apresentar de maneira sucinta o Centro

Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte, através de um breve

histórico, bem como revelar os princípios que norteiam o seu currículo, além de

desvelar o currículo de Matemática que vigora na instituição.

4.1 APRESENTANDO O CEFET-RN

O Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte

(CEFET-RN) é uma instituição pública que atua no Estado do Rio Grande do Norte,

cujo reconhecimento se faz a nível nacional, por oferecer uma educação de

qualidade, em diversos níveis de ensino. Sua história de 96 anos confunde-se com a

própria história do ensino técnico no Brasil.

Em 1909, quando o então Presidente da República Nilo Peçanha assina o

Decreto nº 7.566, de 23/09/1909 que cria dezenove escolas de Aprendizes Artífices

em todo o Brasil, constitui-se naquele momento o marco inicial da educação técnica

em nosso país. Em conseqüência desse Decreto, em 1910 instala-se, na cidade de

Natal, a Escola de Aprendizes Artífices do Rio Grande do Norte, que começa a

funcionar oferecendo cursos nas oficinas de marcenaria, sapataria, alfaiataria,

serralharia e funilaria.

Page 84: Cristiane Ba

82

Em 1942 a instituição passa a ser chamada de Escola Industrial de Natal,

em função da aplicação da Lei nº 4.127/42 que estabelecia as bases de organização

da rede federal de estabelecimentos de ensino industrial, incorporando, à época, o

Ginásio Industrial aos cursos que já oferecia.

Em 1959, a reforma do ensino industrial, através da Lei nº 3552/59

transformou as Escolas Técnicas em autarquias educacionais. Naquele momento a

escola passa a ministrar o ensino técnico.

Em 1965, com a Lei nº 4.759/65 a Instituição passou a ser denominada de

Escola Industrial Federal do Rio Grande do Norte.

Em 1968, quando o ensino industrial desloca-se para o nível de 2º grau,

surge a Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, denominação utilizada até

o ano de 1999, quando é transformada em Centro Federal de Educação Tecnológica

do Rio Grande do Norte, pelo Decreto de 18/01/99. Com efeito, o CEFET-RN passa

a atuar nos três níveis da Educação Profissional (básico, técnico e tecnológico) e no

ensino médio.

O CEFET-RN tem como função social

promover educação científico-tecnológico-humanística visando à formação integral do profissional-cidadão crítico-reflexivo, competente técnica e eticamente e comprometido efetivamente com as transformações sociais, políticas e culturais e em condições de atuar no mundo do trabalho na perspectiva da edificação de uma sociedade mais justa e igualitária, através da formação inicial e continuada de trabalhadores; da educação profissional técnica de nível médio; da educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação; e da formação de professores fundamentadas na construção, reconstrução e transmissão do conhecimento.

Page 85: Cristiane Ba

83

Há que se ressaltar que, ao longo de seus noventa e seis anos de história, o

CEFET-RN tem se firmado na

formação de profissionais de

destacada competência, quer a nível

local, quer a nível nacional, atuando

na formação técnica de nível médio,

na formação tecnológica e na

formação de professores, além da

promoção de cursos básicos para a

comunidade em geral.

Atualmente o CEFET-RN conta, com a oferta dos seguintes cursos de nível

médio integrado: Edificações, Eletrotécnica, Mecânica, Informática, Turismo,

Controle Ambiental e Geologia e Mineração. Conta também com os seguintes

Cursos Técnicos de Nível Médio Subseqüentes: Construção Predial, Desenho de

Projetos em Construção Civil, Eletrotécnica, Mecânica, Operação e Manutenção de

Petróleo e Gás Natural, Manutenção de Computadores, Redes de Computadores,

Controle Ambiental, Geologia e Mineração, Saneamento, Turismo e Segurança do

Trabalho. No que tange aos Cursos Superiores de Tecnologia o CEFET-RN oferece

os cursos de Tecnologia em Produção da Construção Civil, Tecnologia em

Automação Industrial, Tecnologia em Materiais, Tecnologia em Controle Ambiental,

Tecnologia em Desenvolvimento de Software, Tecnologia em Comércio Exterior e

Tecnologia em Lazer e Qualidade de Vida. A instituição também oferece com dois

cursos de Licenciatura, quais sejam Licenciatura em Geografia e Licenciatura em

Física. Além do oferecimento de cursos básicos à comunidade em geral.

Atual prédio do CEFET-RN, localizado na Av. Salgado Filho – Natal-RN

Page 86: Cristiane Ba

84

4.2 REVELANDO OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CURRÍCULO

De acordo com o Art. 9º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(BRASIL, 1996) compete à União, em colaboração com os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios definir as competências e diretrizes para a educação infantil,

o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus

conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum.

No caso do CEFET-RN, a educação profissional técnica de nível médio

integrado será oferecida a quem tenha concluído o ensino fundamental, certificando

o(a) discente a uma habilitação profissional técnica de nível médio, ao final dos

quatro anos de estudo que perfazem o ensino médio integrado.

Com relação à organização curricular dos cursos técnicos de nível médio

integrados são observadas as determinações legais previstas nos Parâmetros e

Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio; nas Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio fixadas em

legislação específica pelos órgãos competentes do Ministério da Educação; e no

Projeto Político-Pedagógico Institucional. (CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO

TECNOLÓGICA DO RIO GRANDE DO NORTE, 2005c).

Compõem a matriz curricular dos cursos técnicos de nível médio integrado

três áreas do conhecimento, quais sejam: as áreas de conhecimento do Ensino

Médio (Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas

tecnologias; e Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias) que estão

fundamentadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, comum a

Page 87: Cristiane Ba

85

todos os cursos; a parte diversificada voltada para uma maior compreensão das

relações existentes no mundo do trabalho e para uma articulação entre esse e os

conhecimentos acadêmicos, prevista no Parecer CNE/CEB nº15/98 que trata das

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, comum a todos os cursos; e

a formação profissional específica em determinada área profissional descrita nos

Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional e demais normas

legais vigentes.

O currículo no CEFET-RN está fundamentado em bases filosóficas,

epistemológicas, metodológicas, socioculturais e legais, expressas no seu projeto

político-pedagógico, norteado pelos seguintes princípios: estética da sensibilidade,

política da igualdade, ética da identidade, interdisciplinaridade, contextualização,

flexibilidade e educação como processo de formação na vida e para a vida, a partir

de uma visão de sociedade, trabalho, cultura, educação, tecnologia e ser humano.

(CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO RIO GRANDE DO

NORTE, 2005a).

Com relação aos processos de ensino e aprendizagem, o CEFET-RN prima

para que os mesmos sejam significativos e que sejam consideradas as experiências

e os conhecimentos prévios do aluno, para ampliá-los, reorganizá-los e sistematizá-

los, compreendendo princípios filosóficos e metodológicos que proporcionem:

I - Um trabalho pedagógico voltado para a formação integral do cidadão,

referenciado por uma visão crítica de mundo, de sociedade, de educação,

de cultura, de tecnologia e de ser humano;

II - Um trabalho interdisciplinar e contextualizado, compatibilizando métodos e

técnicas de ensino e pesquisa;

Page 88: Cristiane Ba

86

III - Uma postura pedagógica que pressuponha mudanças de atitude para

compreender que a ação educativa pode contribuir para as mudanças na

sociedade, considerando as diferenças sociais e coletivas;

IV - Uma compreensão de que os temas, problemas e preocupações de

interesse sociocultural estão vinculados aos contextos de produção de

conhecimentos e da vida dos grupos sociais em que a comunidade

acadêmica está inserida e que as experiências socioculturais também

constituir-se-ão em conteúdos escolares de caráter inter e transdisciplinar;

V - Procedimentos metodológicos que estão referenciados no projeto político-

pedagógico institucional a serem implementados por meio de práticas

pedagógicas desenvolvidas pelos professores, pela equipe pedagógica,

pelos coordenadores de curso e dirigentes de cada Unidade Acadêmica,

coordenados pela Diretoria de Ensino.

Nesse sentido, a instituição pauta seu processo ensino-aprendizagem nos

seguintes princípios:

I - Na compreensão do estudante como sujeito construtor e reconstrutor

do saber;

II - Na atuação do professor como mediador da aprendizagem;

III - Na seleção de conteúdos significativos, articulando os conhecimentos

conceituais, atitudinais e procedimentais;

IV - Na compreensão do conhecimento como inacabado e em

permanente (re)construção;

V - No desenvolvimento de uma avaliação de forma contínua e

cumulativa;

Page 89: Cristiane Ba

87

VI - Na busca do diálogo como fonte de aprendizagem e interação.

(CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO RIO

GRANDE DO NORTE, 2005a).

Convém lembrar que após a publicação da nova Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) o CEFET-RN passou por duas reformulação

curriculares importantes: a primeira ancorada no Decreto nº 2.208/97 na qual a

instituição passara a oferecer ensino médio desvinculado da educação profissional e

mais recentemente a segunda, calcada no Decreto nº 5.154/2004, que possibilitou a

oferta de educação técnica de nível médio integrada ao ensino médio.

4.3 DESVELANDO O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA

Antes mesmo da publicação do Decreto nº 5.154/2004, o CEFET-RN

começou um processo de reconstrução/redimensionamento de seu Projeto Político-

Pedagógico, iniciado em abril de 2004. Esse processo contou com a participação de

toda a comunidade cefetiana através “da realização de ciclos de debates, mesas

redondas, palestras, seminários e outras atividades correlatas sobre a problemática

atual onde está inserido o CEFET- RN e suas perspectivas de futuro, tendo em vista

a formação continuada da equipe dirigente, dos docentes e do pessoal técnico-

administrativo”. (CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO RIO

GRANDE DO NORTE, 2005b).

Apesar de todo esse movimento de reformulação curricular a disciplina de

Matemática, no que diz respeito aos seus conteúdos, não sofreu mudança

Page 90: Cristiane Ba

88

significativa na forma como vinha a ser trabalhada, ocorrendo “praticamente poucas

modificações”, conforme relata Ômega. Esse fato também é constatado quando Alfa

se refere ao currículo de Matemática: “que eu me lembre do currículo, ele se origina

de quando era semestral e era técnico... é de longa data que eu me lembre.

Simplesmente o que era de 1º e 2º semestre passou a ser 1º ano”. Notamos na fala

de Alfa o currículo de Matemática colocado em uma posição à parte de seu trabalho

enquanto docente, como se fosse algo que não fizesse parte de seu cotidiano. Além

disso, parece-nos que a disciplina de Matemática apenas foi formatada em novos

moldes, mantendo seu conteúdo. Da mesma forma, quando Alfa é questionado

sobre o seu papel nas discussões sobre essa reformulação curricular, nos diz: “eu

não participo com muito afinco dessas discussões”. Por outro lado o próprio Alfa diz

que no CEFET-RN existe abertura e espaço para discussões e mudanças. “nesse

sentido, nós temos autonomia para discutir e para mudar. Nós temos autonomia

para fazer isso. Não é uma coisa que venha do CEFET para gente. É o grupo que

decide”. Quando Alfa recorre várias vezes ao nós quando se refere à liberdade para

tomada de decisões dentro da instituição e ao eu quando comenta sobre a sua não

participação, entra, mesmo que involuntariamente, em um paradoxo: do eu que não

participa e do nós que tem liberdade e toma decisões.

Omega, por sua vez, relata que “a gente tá com um programa, eu acredito

que desde 96 pra cá, nós fizemos a diversas mãos, com a ajuda da pedagogia e

ficou bom”. Observamos tanto no discurso de Alfa quanto no de Ômega que mesmo

com o processo de reconstrução/redimensionamento do projeto político pedagógico

da instituição, que implicava em um momento favorável para discussão acerca da

natureza e finalidade do ensino de Matemática na formação do técnico de nível

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89

médio, esta não ocorreu, tendo se limitado a “poucas modificações”, segundo expõe

Ômega.

Acerca do desenvolvimento curricular na disciplina de Matemática, Ponte,

Matos e Abrantes (1998, p. 26, grifo do autor) consideram que o professor é um

elemento-chave, nos processo de inovação curricular, não podendo ser considerado

“uma correia de transmissão entre um programa ‘pronto a usar’ e os alunos”.

D’Ambrosio, U (2004), em artigo que reflete sobre a Matemática que é

praticada nas escolas, e que, por sua vez, é motivo de baixos rendimentos por parte

dos alunos, nos diz que ao invés de culpar alunos e professores por esse quadro de

baixos rendimentos, dever-se-ia fazer uma análise acerca da natureza da

Matemática que está sendo ensinada nas escolas, pois, segundo o autor “a

matemática que vem dominando os programas é, em grande parte, desinteressante,

obsoleta e inútil para as gerações atuais” (D’AMBROSIO, U, 2004, p.1).

É o que afirma Cury (2001, p. 17) quando revela que

a generalização do uso de calculadoras e computadores, por exemplo, já desatualizou uma série de conteúdos ensinados em todos os níveis de ensino, mas muitos professores (e livros-texto) insistem em repeti-los, em aulas que poderiam ser aproveitadas para desenvolver outros conteúdos e capacidades.

Frente ao exposto nos perguntamos: por que o professor ciente de que a

disciplina de Matemática precisa de uma reformulação curricular como afirma Gama

“o currículo de Matemática deveria sofrer algumas alterações”, é mantido em moldes

antigos, na instituição? Afinal, é unânime na fala dos professores que a instituição é

aberta para discussões e que no processo de reconstrução/redimensionamento do

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90

projeto político pedagógico houve espaços para reflexão acerca do currículo de

Matemática.

Epsilon ao discorrer sobre o trabalho dos professores de Matemática frente

à reformulação curricular dessa disciplina é contundente: “Acho que é uma questão

de postura... de se dispor, de achar importante” e assume que alguns colegas “ainda

consideram que o importante é estar em sala de aula, é desenvolver estratégias

para sala de aula” e as discussões ficam relegadas a um segundo plano: “a gente

faz rápido e pronto”. Quando questionado sobre sua participação nas discussões

nos diz que participou “sempre que convidado ou convocado”.

Ponte (1994) ao discorrer sobre o desenvolvimento profissional do professor

de matemática, lança o seguinte questionamento: Quem é afinal o professor? A sua

indagação o leva a três respostas diferentes. A primeira o professor é um técnico,

desempenhando o papel de transmitir informação e medi-la através da avaliação. A

segunda o professor é um ator e suas ações seriam determinadas por suas crenças

e concepções. A terceira o professor é um profissional que atua em situações

complexas e contraditórias, procurando dar respostas às situações a que se depara.

O papel do professor de Matemática, no que diz respeito às mudanças

curriculares dessa disciplina é, por vezes, transita entre os papéis de técnico e

profissional. Nas palavras de Fiorentini, Souza Jr. e Melo (2003, p. 310),

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91

O papel atribuído ao professor do ensino fundamental e médio, nos processos de inovação curricular, tem oscilado, historicamente, entre dois extremos: num, o professor vê-se reduzido à condição de técnico que apenas toma conhecimento, por meio de cursos de atualização, do que foi produzido/pensado pelos especialistas; noutro, temos o professor que luta por autonomia intelectual/profissional que o habilite a atuar como agente ativo/reflexivo que participa das discussões/investigações da produção/elaboração das inovações curriculares que atenda aos desafios socioculturais e políticos de seu tempo.

Na maioria das vezes o professor se vê na posição de um técnico. Isso se

deve ao fato da cultura que permeia a vida do professor antes mesmo dele começar

a ensinar. O papel de uma formação inicial baseada na racionalidade técnica deixa

marcas no professor que são muito difíceis de serem tiradas. O professor que em

sua experiência escolar sempre se manteve em uma posição passiva, continua

mantendo essa postura no seu trabalho, no que diz respeito ao desenvolvimento

curricular. Os professores não são formados para produzir conhecimentos, mas

somente para executar o que já foi produzido. Isso se deve à natureza dos cursos de

formação inicial, mencionada no Capítulo 2.

Epsilon crê que essa cultura da passividade deve-se a “uma visão

pragmática e que eu acho que o Matemático tem muito isso”. E diz que essa visão é

fruto “da própria formação dele”. No cotidiano do trabalho na instituição Epsilon

acrescenta que o professor “não tem muita paciência para discutir. Você traz um

texto” e ouve “e o que é que diz esse texto ai”.

Essa visão a que Epsilon se refere é o que chamamos de visão absolutista

da Matemática, cujo imperativo é a ordem e o rigor, sendo seu domínio o de

verdades absolutas e irrefutáveis, não passíveis de questionamento.

Page 94: Cristiane Ba

92

Particularmente no ensino de Matemática predomina, ainda, uma visão

absolutista da Matemática em que essa disciplina é vista como um produto acabado,

estático sem possibilidades de investigação. Essa visão de Matemática reflete um

“ensino em que se caracteriza a lógica formal e o predomínio da razão absoluta, a

idéia de que a Matemática é uma coleção de verdades a serem absorvidas pelos

alunos, uma disciplina cumulativa, predeterminada e incontestável’’ (D’Ambrosio, B.,

1993, p. 35).

Nesse sentido, a Matemática é vista como uma ciência neutra, uma visão

um tanto quanto ingênua se prestarmos atenção à sua história. Um dos

pesquisadores que nos chama a atenção para a não neutralidade da ciência, de um

modo geral, é Machado (2001, p. 10) ao registrar que

numerosos trabalhos já abordaram tal questão sob os mais variados ângulos sendo, até certo ponto, tranqüila a aceitação de que a Ciência decorre de um projeto científico global, de natureza essencialmente política, indo muito longe a época heróica do cientista que, trabalhando sozinho ou por iniciativa própria, fazia a Ciência, de forma livre e desinteressada, com compromisso apenas com sua vontade de conhecer. Mais factível mesmo é que essa época nunca tenha existido.

D’Ambrosio (1996) exemplifica esse quadro quando menciona a motivação

que levou al-Kwarizmi a pensar sobre a álgebra: a necessidade islâmica de pôr em

prática os preceitos do Corão que se referiam à distribuição de heranças.

Nesse sentido, compreender a poderação de Machado (2001) é perceber a

Matemática como um produto de natureza humana. Isso implica em saber que a

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93

mesma está “sujeita às imperfeições naturais da nossa espécie” (PONTE, 1992, p.

16).

Das considerações precedentes, podemos destacar que a visão de

Matemática como um produto humano, passível de questionamento é reportada para

o ensino dessa disciplina quando a mesma não é considerada um objeto estático e

imutável. Pelo contrário, os conteúdos matemáticos são socialmente construídos,

não podendo ser compreendidos como objetos estáveis e universais, mas

permanentemente reconstruídos por professores e alunos no ambiente escolar.

(HERNANDEZ; VENTURA, 1998)

Mendes (2002), por sua vez, ao considerar a Matemática como um

conhecimento historicamente construído, a classifica sob dois aspectos, a saber: 1)

questões resolvidas e 2) questões em aberto. Segundo o autor:

As primeiras são codificadas visando a sua comunicação e também a utilização na busca de respostas acerca das questões em aberto. Já as questões em aberto, por sua vez, constituem-se em fontes provocadoras para novos estudos, transformando-se assim em um processo cíclico de produção do conhecimento matemático. (MENDES, 2002, p. 88)

O que ocorre é que, de uma maneira geral, os professores de Matemática

percebem essa ciência como um conjunto de questões resolvidas. Questões essas

que devem ser transmitidas aos alunos da mesma maneira que são concebidas

pelos professores: fechadas em si mesmo.

Acrescentamos, ainda, que não são somente os professores dessa

disciplina que consideram a Matemática uma área fechada, em que todo o

conhecimento já foi constituído. A Matemática vista como um conhecimento estável,

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94

verdadeiro e acessível a poucos é uma visão que faz parte do imaginário de grande

parte da sociedade em que vivemos. Por conta disso,

se transmite uma imagem inerte da matemática, submetendo-lhes a uma mera aquisição de conceitos como entidades bem definidas e com grande nível de abstração, definições descontextualizadas e algoritmos memorizados.12 (AZCÁRATE,1997, p. 78)

Esse quadro é corroborado por pesquisas como a de Cury (1994) que

discute as concepções de matemática dos professores e suas formas de considerar

os erros dos alunos. A pesquisadora, que trabalhou em sua pesquisa com

formadores de professores de Matemática, aponta em sua investigação para o

domínio, dentre os mesmos, de uma visão absolutista da Matemática, pois

todos parecem aceitar que essa ciência é o domínio das verdades absolutas e que o conhecimento matemático consiste em descrições dos entes matemáticos, das relações entre eles e da estrutura lógica que os sustenta. Nenhum dos professores entrevistados menciona a possibilidade de que o conhecimento matemático seja falível ou esteja aberto a críticas e correções. (CURY, 1994, p. 211)

Se o docente crê na Matemática como uma verdade inquestionável, como

um conhecimento pronto para ser transmitido para os alunos o trabalho dos

12 Tradução livre da pesquisadora

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95

professores de Matemática será sempre igual, pois estarão transmitindo apenas o

conhecimento acumulado pelas gerações. (CURY, 2002, 1994).

Mas a autora apresenta o contraponto dessa visão a qual concebe a

Matemática como uma atividade humana e social e cujo ensino “coerentemente,

deve estar apoiado nos problemas que interessam aos alunos, como indivíduos

inseridos nessa sociedade” (CURY, 2002, p. 143).

Como vivemos num mundo, em permanente evolução, em que o processo

de globalização é dominante e as informações, na maioria das vezes,

bombardeadas compulsoriamente no cotidiano das pessoas, consideramos que se

fazem necessários que os sujeitos adquirem novas capacidades para que, ao se

depararem em ambientes complexos, incertos e competitivos, possam determinar as

estratégias de ação, escolher caminhos e alternativas, além de objetivar desejos e

ideais no sentido de efetivar a ação crítica nas mais diversas situações que a vida

lhes impõe.

Neste sentido, é imperativo que a escola, como ambiente de aprendizagem,

desenvolva um trabalho que se firme no caminho dessas novas exigências que se

impõem na sociedade contemporânea.

E, particularmente, que o ensino de Matemática não se reduza à mera

aplicação de técnicas e algoritmos sistematizados, mas que prime por uma

educação que contribua para que os sujeitos possam participar ativa e criticamente

da sociedade a qual fazem parte, pois “o conhecimento torna-se pertinente quando é

capaz de situar toda a informação em seu contexto e, se possível, no conjunto global

no qual se insere” (MORIN, 2004, p. 20).

Cury (1994) reforça que esse deveria ser um dos objetivos da Matemática,

ao declarar que:

Page 98: Cristiane Ba

96

Ensinar a difícil tarefa de ver o todo, examiná-lo em suas partes e voltar ao todo com uma nova visão obtida a partir da análise das partes, deveria ser um dos objetivos da Matemática como disciplina de um currículo escolar, em qualquer nível. Não obstante, na maior parte das vezes, é enfatizada a redução às partes, picoteando-se os conteúdos programáticos e impedindo, por conseqüência, o aluno de ver o todo. (CURY, 1994, p. 77)

A junção das partes com o todo, vai ao encontro do que chamamos de

abordagem transdisciplinar no ensino da Matemática. Ensino esse que busca nas

diversas áreas do conhecimento e na própria Matemática a ligação de saberes que

culminem em um entendimento global dessa disciplina. Notamos que, da maneira

em que são dispostos os conteúdos a serem trabalhados na disciplina, ocorre uma

fragmentação até mesmo dentro da própria disciplina de Matemática, na medida em

que conteúdos matemáticos que possuem um fio condutor comum são ensinados

em situações diferentes e até em adiantamentos diferentes, não sendo mostrados

aos alunos o que ambos têm muito em comum.

Um outro aspecto que emergiu das nossas entrevistas foi o apontamento de

Epsilon para a causa de o professor de Matemática ter uma postura um tanto quanto

passiva no que concerne a discussões acerca do currículo de Matemática. O

entrevistado diz que isso se deve a própria natureza da Matemática que “é muito

organizada, muito pontual”. Epsilon exemplifica esse quadro utilizando o livro de

Matemática que “é muito direto é a definição, é o teorema, é o postulado, e vai

encadeando a lista de exercícios”, o que para Epsilon difere das características de

outros tipos de textos, pois o texto de Matemática apresenta-se “numa seqüência

que muitas vezes um texto não tem, e aí a pessoa fica sem paciência”.

Page 99: Cristiane Ba

97

Mais uma vez, voltamos ao tema da formação inicial dos professores de

Matemática. A dicotomia de conteúdos específicos versus conteúdos pedagógicos,

além da própria supervalorização dos conteúdos específicos em detrimento dos

pedagógicos levam o licenciando a buscar somente o conhecimento de sua área

restrita.

Além disso, as crenças e concepções dos professores começam a serem

elaboradas desde os primeiros momentos de escolarização. Isso leva os professores

a conceber a Matemática a partir de suas próprias experiências, tanto como alunos,

quanto como professores que lecionam esta disciplina, e essas influências são de

longa data, sendo geradas ao longo dos séculos, e passadas de geração a geração

(CURY, 1999).

Gonçalves (2000) ao realizar pesquisa de doutoramento na área de

formação e desenvolvimento profissional de formadores de professores, admite que,

em sua experiência de formador de professores de Matemática, existe uma relação

muito próxima entre a formação do leitor e a do professor de Ensino Fundamental e

Médio. O autor reconhece que “aprender a ler e a interpretar textos sobre

matemática, ensino de matemática, escola, educação, sociedade, mundo,

conhecimento, cultura, etc. é fundamental para a formação do professor

pesquisador/reflexivo” (GONÇALVES, 2000, p. 183)

Epsilon, por sua vez, ao declarar que para o professor de matemática “falta

muito é essa paciência, essa predisposição”, expõe que o professor de Matemática

carece de uma predisposição para ir além da Matemática e entrar em outros campos

que dizem respeito a essa disciplina, mas que o professor vê como campos à parte.

Nesse sentido,

Page 100: Cristiane Ba

98

uma das principais dificuldades para incorporar enfoques mais integradores do currículo matemático é a própria visão dos educadores matemáticos, formados em um pensamento fortemente disciplinar com poucas conexões com outros conhecimentos.13

(AZCÁRATE, 1997, p. 78)

É o que enfatiza Pi ao dizer que “no ensino médio a gente trabalha mais de

uma forma abstrata os conteúdos. É sempre interessante que a gente pudesse ter

uma capacitação contínua, uma formação continua de formas de contato com outros

professores como participação em congressos, prá gente observar essa forma,

esses conteúdos trabalhados de uma forma mais concreta”.

Para Pi, o contato com outros profissionais e a troca de experiências, faz

parte do processo de formação do professor de Matemática.

Isso nos faz lembrar da dificuldade que um profissional que possui uma

formação acadêmica deficitária, romper “individualmente e por conta própria, os

limites de uma formação restrita” (GONÇALVES, 2000, p. 183).

Acreditamos que esse rompimento não pode acontecer isoladamente, mas

em conjunto com outros professores, a partir da problematização, análise e

compreensão de suas próprias práticas, o que sobremaneira se constitui em uma

modalidade de formação contínua com vistas ao fortalecimento pessoal e

profissional dos professores, pois “o professor se qualifica muitas vezes na vivência

do dia-a-dia, na prática, na experiência que o outro colega traz” tal como nos afirma

Epsilon.

A esse respeito, Ponte (1998) distingue formação de desenvolvimento

profissional afirmando que a primeira ocorre em um movimento de fora para dentro,

associada à idéia de freqüentar cursos, enquanto que o segundo se dá em um

13 Tradução livre da pesquisadora

Page 101: Cristiane Ba

99

movimento de dentro para fora, ocorrendo de múltiplas formas, tais como, trocas de

experiências, reflexões, leituras e também participação em cursos formais. Assim

sendo, o que Epsilon vivencia em sua prática e que o qualifica enquanto professor

faz parte de seu processo de desenvolvimento profissional.

Acreditamos que um dos espaços que deveriam ser destinados à formação

continuada dos professores é a reunião pedagógica, reunião essa que, no CEFET-

RN, faz parte da carga horária de cada professor e é realizada semanalmente.

Essas reuniões deveriam ser compreendidas como sítio de reflexão crítica do

trabalho docente e de momentos de troca de experiências sobre o ensino de

Matemática que culminassem em formação permanente dos professores de

Matemática, pois “falar de formação de professores é falar de um investimento

educativo nos projetos da escola” (NÓVOA, 1997, p. 29).

Alfa ao opinar sobre a reunião pedagógica dá a seguinte declaração: “Eu

não sinto que eu cresça”. Gama, por sua vez, reporta às boas reuniões

pedagógicas há um tempo passado ao dizer que “nós já tivemos boas reuniões

pedagógicas, com discussões sobre aprendizagem, preocupação com o

aprendizado do aluno, etc. e tal”, mas que agora “nota uma rejeição muito grande

por parte de alguns professores com relação a essa parte didática” e acrescenta,

ainda, que para esses professores “aquilo que o supervisor tá falando é balela”.

Ao discursar sobre a reunião pedagógica Ômega diz que essas reuniões

tinham o propósito de “obrigar os professores a ler e a discutir e a procurar um

entendimento melhor das mudanças que tinham que acontecer aqui na escola” e

que essa imposição à leitura acontecia pela natureza da formação dos professores.

Dito nas palavras de Ômega: “como nós sabemos que a nossa formação como

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100

professores seja da Matemática, da Física, da Química, da Biologia a gente não tem

essa formação, esse hábito de leitura”.

Percebemos que a reunião pedagógica, na instituição, não se configura em

um momento de reflexão por parte dos professores haja vista que os mesmos

deixam transparecer em suas falas certa resistência quanto à participação com o

intuito de discussão, análise e compreensão acerca de suas práticas.

Algumas conjecturas se formam acerca dessa resistência. Uma delas se

daria pelo fato de ser uma reunião compulsória. Outra pela própria formação dos

professores de Matemática, que ainda carregam imbricados em sua conduta marcas

de uma licenciatura isenta de discussões acerca da educação matemática. Uma

terceira, pela natureza individualista que o professor de Matemática costuma

desenvolver seu trabalho, fruto também de uma formação inicial que se dá nesse

sentido.

Um outro ponto que deve ser levado em consideração quando discutimos

sobre a reflexão do professor no âmbito da instituição é a distinção entre ação

rotineira e ação reflexiva. Para tal, buscamos em Dewey (1925 apud CAMPOS;

PESSOA, 1998) a definição de ação rotineira como aquela que é orientada por

impulso, tradição e autoridade e ação reflexiva aquela em que estão atreladas à

lógica da razão e da emoção, caracterizando-se pela visão ampla de percepção de

problemas. Enquanto a primeira está vinculada ao imobilismo, pois é composta de

códigos e definições acerca da realidade que são encaradas como verdades e

absorvidas pelo grupo, a segunda configura-se em um exame criterioso de todas as

alternativas que se apresentam como viáveis, dentro das inúmeras possibilidades a

que se deparam os professores. Acreditamos que a ação rotineira ainda permeia

grande parte das ações do professor.

Page 103: Cristiane Ba

101

Destacamos nesse momento uma investigação que Pereira e Silva (2005)

realizaram com vinte e dois professores do CEFET-RN, que lecionam na Área de

Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias (dentre os vinte e dois

professores sete lecionavam a disciplina de Matemática). A pesquisa em pauta

tratou de investigar a prática avaliativa dos professores da área supracitada, com a

intenção de contribuir para o debate, a reflexão e, conseqüentemente, a retro

alimentação dessa prática. As autoras concluíram que a prática avaliativa dos

professores investigados não estava em consonância com os tipos de avaliação que

constavam na proposta curricular da instituição. Proposta essa que prima por uma

avaliação processual. As autoras atribuem essa falta de consonância a uma

ausência de leitura e compreensão por parte de professores quanto aos aspectos

conceituais dos princípios e componentes curriculares da proposta mencionada

anteriormente. Nesse sentido, as autoras invocam a retomada nas reuniões

pedagógicas de estudos teóricos metodológicos referentes aos princípios e

componentes curriculares presentes na proposta curricular.

É interessante perceber que o estudo das pesquisadoras aponta para a

reunião pedagógica como espaço de estudo e reflexão dos professores, realizada

em um âmbito coletivo. Reunião que, no sentido etimológico da palavra deriva de

reunir que, por sua vez, significa unir novamente. E os professores necessitam

desses espaços para se re-ligarem, para que juntos não somente se proceda a um

processo de aperfeiçoamento pessoal e profissional, mas de transformação da

própria escola que culmine em práticas participativas realizadas por professores que

reflitam sobre e na sua prática, haja vista que “não há desenvolvimento curricular

sem desenvolvimento de professores” (STENHOUSE, 1975 apud SACRISTÁN,

1998, p. 143).

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102

Para Sacristán (1998, p. 142) a colaboração entre os professores “ao invés

de diminuir a autonomia do professor em relação ao currículo, constrói um contexto

no qual ela pode ser ampliada”.

Por meio de uma análise crítica do currículo, realizada no âmbito de uma

prática colaborativa entre os professores ocorre um movimento dinâmico e dialético

entre o fazer e o pensar sobre o fazer e no fazer. Essa prática possibilita aos

professores um trabalho de discussão, estudo, sistematização, construção e

reconstrução que não se restringe à execução de algo criado por outros, mas que

extrapola essa condição implicando em um exercício de autonomia por parte dos

professores. É nesse âmbito que Freire em um de seus ensaios destacou estar

convencido de que “uma das mais importantes tarefas que a formação permanente

dos educadores se deveria centrar seria convidá-los a pensar criticamente sobre o

que fazem” (FREIRE, 1991, p. 123).

Nesse sentido, a colaboração entre os professores torna-se uma estratégia

que os ajuda a enfrentar dificuldades que venham surgir em suas atividades

profissionais de uma maneira coletiva, através da reflexão e troca de experiências.

Nóvoa (1997) concebe o desenvolvimento profissional de professores em

três vertentes, quais sejam: o desenvolvimento pessoal, o desenvolvimento

profissional e o desenvolvimento organizacional.

Para o autor, o desenvolvimento profissional de professores leva em

consideração o professor como pessoa, o coletivo docente e as organizações

escolares em que os professores exercem as suas atividades profissionais.

Entendendo o desenvolvimento profissional dessa forma atentamos para o fato de

que a profissão docente está sob a égide da complexidade que implica no

enfrentamento, por parte dos professores, de situações cotidianas imprevisíveis em

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103

que se relaciona a pessoa do professor, o contexto a que está submetido e a cultura

organizacional da escola em que atua, pois “a troca de experiências e a partilha de

saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é

chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando”

(NÓVOA, 1997, p. 26).

Se o contexto no qual se dá o trabalho docente é complexo e

indeterminado, o professor deverá dispor de conhecimentos para agir nessas

situações, muitas vezes imprevisíveis. Por esse motivo, defendemos que devam ser

fomentadas discussões entre os professores acerca da natureza do ensinar

Matemática para que se compreendam seus processos de ensino e aprendizagem.

Essa busca por compreensão que irá alimentar o desenvolvimento do professor,

fazendo com que o professor exerça o seu trabalho com autonomia.

Portanto, consideramos a escola como lugar, por excelência, de

desenvolvimento profissional de professores, através das experiências por eles

vivenciadas nessa instituição e das reflexões instauradas a partir dessas vivências,

por parte dos professores.

A respeito da atitude reflexiva a que nos referimos, buscamos em Schön

(1997), um maior entendimento. O autor, que critica o modelo tecnicista de formação

profissional, defende o poder da reflexão sobre a prática como instrumento de

melhoria da mesma. O seu trabalho é sustentado em princípios como reflexão na

ação, em que os profissionais aprendem a partir da análise e interpretação de sua

própria atividade.

Para Schön (1997, p. 82) “este tipo de reflexão exige do professor uma

capacidade de prestar atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta, tendo a

noção de seu grau de compreensão e de suas dificuldades”.

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104

Além disso, Schön afirma que é possível refletir sobre a reflexão na ação, ou

seja, ter a capacidade de olhar a posteriori sobre a prática. “Após a aula o professor

pode pensar no que aconteceu, no que observou, no significado que lhe deu e na

eventual adoção de outros sentidos” (SCÖN, 1997, p. 83).

Campos e Pessoa (1998) ao discutir a formação de professores a luz da

teoria de Schön alertam, baseadas em Zeichner e Liston (1996), para o fato de que

a reflexão na ação e sobre a ação de Schön se constitui num processo solitário em

que o professor “mantém-se em comunicação apenas com a situação e não com

outros profissionais” (CAMPOS; PESSOA, 1998, p. 201), o que contradiz a essência

da reflexão como prática social, fomentada no âmbito da coletividade.

Isso não significa que temos que deixar de lado as contribuições desse

pesquisador. Pelo contrário, devemos resgatá-las, levando em consideração a

reflexão coletiva de professores. Ao fazer isso, reiteramos que o espaço escolar, não

pode ser concebido como um espaço de aplicações teóricas, mas como um local de

construção de conhecimentos profissionais na qual os professores formam-se e re-

formam-se tendo como base o trabalho docente discutido pela reflexão por parte dos

professores.

Nesse sentido, os professores produzem conhecimento a partir das

reflexões que estabelecem entre si, levando em consideração o contexto a qual

estão inseridos. Reflexões essas que não podem ser consideradas isoladas do

contexto a qual os professores atuam, sob o risco de se produzir, nesse caso, um

conhecimento desconectado da realidade circundante.

Page 107: Cristiane Ba

105

UNINDO AS PEÇAS

Esse capítulo tratou de contextualizar a instituição na qual se deu a

pesquisa em questão. Para tal, inicialmente apresentamos um breve histórico,

destacando que a mesma exerce papel de destaque perante a comunidade em geral

no que concerne à qualidade do ensino ofertado na mesma. Depois foram

apresentadas as diretrizes legais que norteiam o currículo na instituição. Currículo

esse que é permeado por bases filosóficas, epistemológicas, metodológicas,

socioculturais e legais. Em seguida desvelamos o currículo de Matemática na

instituição tomando como base a palavra dos professores pesquisados. A partir de

suas palavras percebemos que embora o CEFET-RN tenha passado por recentes

reformas, no que diz respeito às suas modalidades de ensino, o currículo de

Matemática tem se mantido aquém das mesmas.

Refletimos sobre a visão absolutista da Matemática que ainda predomina

grande parte dos professores de Matemática e que acarreta um ensino baseado na

memorização e repetição. E, por fim trazemos à tona a importância da reflexão,

realizada no âmbito coletivo, para o desenvolvimento profissional dos professores de

Matemática.

No próximo capítulo apresentaremos os impedimentos que foram revelados,

pelos discursos dos professores, que de certa maneira impedem que os mesmos

exerçam uma autonomia plena.

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106

CAPÍTULO 5 – REVELANDO OS IMPEDIMENTOS

Esse capítulo destina-se a revelar os impedimentos aos quais são

submetidos os professores de Matemática no exercício de suas atividades. Para tal,

primeiramente iremos discorrer para o sentido da autonomia para esses professores,

para em seguida revelar que os impedimentos que foram constatados nessa

pesquisa dizem respeito ao livro didático e ao vestibular.

5.1 O SENTIDO DA AUTONOMIA PARA OS PROFESSORES PESQUISADOS

Uma das questões a que submetemos os professores pesquisados foi

acerca da autonomia, o que eles pensavam sobre o tema e se eles se consideravam

professores autônomos.

Pi ao falar sobre o tema diz que “o professor autônomo no seu trabalho,

não é obrigado a seguir um tipo de metodologia, pode aplicar o mesmo conteúdo,

mas de forma diferente, ele não é escravo do planejamento, ele vai ter uma

flexibilidade e vai direcionar conteúdos com uma certa intuição profissional que ele

vai ter, ele vai digamos ter uma sensibilidade, você tem autonomia para avaliar

diferente”.

Observamos que na concepção de Pi a autonomia está intimamente ligada

ao estar dentro da sala de aula. Dito em outras palavras, o professor fecha a porta

de sua sala de aula e exerce sua autonomia naquele espaço dimensional. Para

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107

Contreras vincular autonomia ao terreno da exclusividade profissional e território

privado dos professores seria dar “lugar a uma perspectiva reducionista e distorcida

do significado da autonomia profissional” (CONTRERAS, 2002, p. 196). Para o autor,

a autonomia entendida como a não ingerência de estranhos, está ligada à

concepção de professor como técnico especialista em que as questões de valor que

refletem a obrigação moral ficam neutralizadas ao transformar-se em técnicas

especializadas. Nesse sentido, segundo Contreras (2002, p. 197) “legitimado e

autorizado o especialista, sua autonomia era transformada na capacidade individual

que possuía e em seu privilégio de tomar decisões, a partir da definição unilateral

dos valores e interesses aos quais deve responder a prática educativa”.

Contreras chama a atenção para o fato de que a autonomia não pode ser

analisada sob uma ótica individualista ou psicologista, como se fosse uma

capacidade que os indivíduos possuem, haja vista que a autonomia “não é uma

capacidade individual, não é um estado ou um atributo das pessoas, mas um

exercício, uma qualidade da vida que vivem” (CONTRERAS, 2002, p. 197).

Alfa, por sua vez, quando fala em autonomia faz um retrospecto de sua

carreira dizendo que “no início eu tinha que estudar muito, porque eu não sabia o

conteúdo”. Alfa acrescenta ainda que “foi nesse estudo solitário que eu vi aonde é

que estão as dificuldades, os porquês da Matemática” e enfatiza que em função

desse estudo “hoje eu tenho autonomia”. Autonomia essa que para Alfa se resume

ao “trabalhar da minha forma”. Alfa em seu depoimento diz ainda que “foi um longo

aprendizado, muito tempo, não podia ser tanto tempo assim”.

O que podemos depreender do discurso de Alfa é que a autonomia é uma

capacidade que foi conquistada com o tempo e que está consolidada, o que vai de

encontro com a análise que Contreras (2002) realiza acerca do tema. Contreras

Page 110: Cristiane Ba

108

(2002, p. 199) ao se referir tanto à autonomia pessoal quanto à profissional nos diz

que as mesmas “não se desenvolvem nem se realizam, nem são definidas pela

capacidade de isolamento, pela capacidade de se arranjar sozinho”. O autor enfatiza

que a autonomia se desenvolve em um contexto de relações.

Omega ao ser solicitado a falar sobre autonomia diz que “a gente tem

autonomia, tem essa abertura, tem essa facilidade”.

Ômega deixa explícito em sua fala que também percebe a autonomia como

algo já alcançado, algo de que se tem posse. A autonomia é percebida como um

facilitador do trabalho do professor.

Epsilon quando se refere à autonomia diz que “com quase vinte anos de

profissão, se não tivesse adquirido isso!”.

Observamos que para os professores entrevistados ter autonomia é agir

com independência dentro de sua sala de aula. Esse fato é corroborado pelo estudo

que Morosini (1990 apud CURY, 1994) realizou que culminou em sua tese de

doutorado, com professores de cursos de graduação da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul e cuja conclusão revela que esses professores são “soberanos

solitários, pois reinam em sua sala de aula, tendo liberdade para adaptarem as

súmulas de suas disciplinas e escolherem a forma de desenvolvimento dos

conteúdos” (CURY, 1994, p. 221).

É nesse sentido que os professores se entendem como profissionais

autônomos, aqueles que no espaço físico de suas salas de aula, têm liberdade para

tomada de decisões.

Page 111: Cristiane Ba

109

5.2 O LIVRO DIDÁTICO

Conforme já mencionado anteriormente, o exercício da autonomia docente,

a nosso ver, deve ser concretizado na discussão, proposição, seleção e organização

do conhecimento escolar. No que se refere ao desenvolvimento curricular e ao

material didático a autonomia docente, deve se concretizar no exercício da

capacidade de selecionar, organizar, modificar, adaptar, substituir aumentar,

melhorar e criticar o material que a indústria editorial coloca à disposição (BONAFÉ,

1998)

Convém mencionar que formalmente no CEFET-RN não existe uma

obrigatoriedade quanto à utilização do livro-texto14, o que em tese, na nossa visão,

permitiria ao professor uma maior autonomia para produzir o seu próprio material

didático para ser utilizado em suas aulas, ou ainda, para ser um consumidor crítico

de diversos materiais disponibilizados no mercado.

Nesse sentido, tentamos compreender, a partir do discurso dos professores

de Matemática, qual o papel do livro-texto na realidade concreta a qual o professor

atua.

Segundo Porlán (1987) existe uma idéia bastante generalizada, na cultura

escolar, de que a aula é um sistema simples, formado por três elementos: alunos,

professor e livro-texto (figura 3). Porlán vai mais longe quando afirma que o espaço

de sala de aula seria definido por uma estrutura elementar baseada na interação do

professor com o grupo de alunos através do livro-texto que guiaria a atuação do

professor e da aprendizagem dos alunos.

14 Utilizaremos as expressões livro-texto e livro-didático como sinônimos.

Page 112: Cristiane Ba

110

Para o autor essa seria uma representação ingênua sobre a realidade

vivenciada no ambiente escolar. Ambiente esse que se traduz em uma rede

complexa e dinâmica em que estão imbricadas relações sociais, afetivas e cognitivas

que são estabelecidas na sala de aula, o que é corroborado por Demailly (1997, p.

152) quando afirma que o ensino

compõe-se de atos complexos, realizados em ambientes vivenciais e interativos, onde se cruzam as dimensões espaciais, temporais, relacionais, organizacionais, lingüísticas e instrumentais.

Essa complexidade inerente à escola é incompatível com ações

desenvolvidas em sala de aula sejam vislumbradas a priori, pois, conforme já

dissemos anteriormente, o professor depara-se amiúde com situações imprevisíveis,

e reduzir a sala de aula ao terno professor – alunos - livro-texto é pensar ser

possível construir um modelo simples de funcionamento da sala de aula.

Apesar de a utilização do livro-texto não ser obrigatória na instituição os

professores sempre escolhem algum livro que contenha “o que a gente queria” e que

tenha “um custo acessível aos alunos” segundo Epsilon. Na opinião de Epsilon o

livro-texto “facilita a vida do professor”. Essa declaração de Epsilon nos faz lembrar

da crítica que Santomé (1998, p. 156) faz acerca da adoção de livros textos:

PROFESSOR ALUNOSLIVRODIDÁTICO

Figura 3. – Adaptado de Porlán (1987)

Page 113: Cristiane Ba

111

O livro-texto tentará oferecer ao grupo docente um esvaziamento cultural com a intenção de que o mesmo seja assimilado pelos estudantes. Essa seleção é vendida previamente ao corpo docente como um trabalho a menos que este deve realizar.

Bárbara Freitag, por sua vez, afirma que o “livro didático não é visto como

um instrumento de trabalho auxiliar na sala de aula, mas sim como a autoridade, a

última instância, o critério absoluto de verdade, o padrão de excelência a ser

adotado na aula” (FREITAG et al, 1989, p. 124).

Santomé (1998) alerta para o fato de que os livros-texto não são utilizados

como fonte de informação fora das instituições escolares, nem pelos alunos, nem

pelo corpo docente e exemplifica esse fato ao relatar que uma pessoa formada em

lingüística que deseja saber mais sobre determinado tema de ciências naturais ao

invés de ir buscar essa informação em algum livro-texto recorre a outras fontes, tais

como monografias, revistas especializadas, dicionários científicos, documentários

audiovisuais, etc., para obter uma informação o mais objetiva possível, pois sabe

que a informação contida em um livro-texto está carregada de ideologia.

O livro-texto, sem sombra de dúvida, é um dos recursos didáticos mais

utilizados pelo professor em sala de aula e a tradição de adotá-lo, no meio escolar,

está tão enraizada que “hoje praticamente eles são considerados ‘a norma’,

chegando-se a esquecer que nem sempre foi assim e que não existe nenhuma

razão para que continue sendo dessa forma” (SANTOMÉ, 1998, p. 161, grifo do

autor).

O que para alguns professores é visto como um facilitador em sala de aula

pode ser considerado como um limitador, principalmente se o livro em questão for

utilizado como o plano de aula para o professor. Essa limitação reside no fato de que

Page 114: Cristiane Ba

112

a linearidade típica de muitas organizações de conteúdos propostos em livros

didáticos impede, sobremaneira, o movimento em direção da investigação de

realidades complexas e inter-relacionadas em seus elementos.

No caso da Matemática que é vista como um conhecimento pronto e

acabado, de autoria de poucas mentes iluminadas os livros-didáticos não colaboram

para que essa visão seja desmistificada, haja vista que

os livros-texto tampouco não levam em conta os processos, a forma de construção da ciência, apresentando-a como acabada. Alunos e alunas nem imaginam como esse conhecimento ocorre; onde, como, com que problemas geralmente se deparam os que têm a possibilidade de fazer ciência, etc. Assim, é lógico que não consigam imaginar facilmente que tanto eles como elas também podem/devem participar deste processo de elaboração de novos conhecimentos. (SANTOMÉ, 1998, p. 176)

Fossa (2001) em ensaio que discorre sobre o uso da história da

Matemática faz menção ao uso ornamental da história dessa ciência que é

apresentado por meio de notas históricas que narram algum fato histórico sobre a

Matemática ou, ainda, sobre algum fato picante referente à biografia de algum

Matemático famoso.

Há que se ressaltar que o uso ornamental é o que normalmente vem

apresentado nos livros-texto de Matemática. Através de sua utilização no tratamento

da história da Matemática notamos que a mesma é abordada de forma pontual, sem

levar em consideração o processo geral em que se deu àquele conhecimento.

No estudo de Santomé (1998) também há lugar para a crítica de um

currículo que se faz baseado no consumo de livros-textos. Para o autor, os livros-

textos não possibilitam nem promovem experiências interdisciplinares e

globalizadoras, não fomentam o contraste daquilo que se estuda com a realidade;

Page 115: Cristiane Ba

113

não estimulam os trabalhos de pesquisa e análise crítica; não promovem

modalidades mais cooperativas de trabalho na sala de aula; freiam a iniciativa dos

estudantes, limitando sua curiosidade e obrigando-os a adotar estratégias de

aprendizagem que só são válidas, na maioria das vezes, para poder ser aprovados

nos testes; reduzem o ensino a uma atividade predominantemente verbal, correndo-

se o risco de equiparar a verbalização de algo com sua compreensão; fomenta a

cultura da memorização e da repetição; não costumam ser respeitadas experiências

e conhecimentos prévios de alunos e alunas, nem suas expectativas, nem sua forma

e ritmo de aprendizagem, etc. (SANTOMÉ, 1998).

Nesse sentido, Epsilon destaca que o livro didático “deixa muito a desejar”

principalmente se “você utilizar como receita” e ainda se “esse livro não tiver sido

bem escolhido e ele trouxer conceitos errados, problemas de enfoque, de

apresentação de conteúdo”.

Gama ao falar sobre a utilização do livro-didático na instituição diz que o

mesmo foi adotado, pois se começou a perceber que não existia um padrão no

trabalho dos professores. De acordo com suas palavras: “não tinha um padrão,

então, por exemplo, de repente um professor que tava ensinando no 2º ano

começava com matrizes, outros começavam com PA e PG15, era aquela

complicação. Então eles faziam ao modo deles”.

Nesse sentido, percebemos que o livro didático foi utilizado para

padronizar a seqüência de conteúdos que deveriam ser trabalhados em sala de

aula.

Podemos perceber na fala dos professores que o livro didático é um

instrumento de trabalho do professor, contudo, observamos que existe uma

15 PA – Progressão Aritmética e PG – Progressão Geométrica

Page 116: Cristiane Ba

114

contradição quanto à sua utilização. Tal contradição reside no fato de que, por um

lado, o professor goza de liberdade, ele é a autoridade na sala de aula, mas por

outro ele deve se restringir a seguir um padrão imposto por um livro didático.

Na opinião de Alfa “O livro didático é muito técnico, mesmo com essas

mudanças eles ainda têm muito vício”. Essa declaração nos faz lembrar a conexão

que Santomé (1998) faz com a visão que as pessoas têm das disciplinas escolares

de acordo com a ótica das disciplinas imbricadas nos livros-texto. Assim Santomé

(1998, p. 176-177) nos diz:

A imagem que grande parte das pessoas tem de muitas disciplinas depende apenas dos livros-texto, particularmente os conhecimentos matemáticos, físicos e químicos. Esta peculiaridade também condicionará suas avaliações, expectativas e interesses nestas parcelas do saber. Não é estranho encontrar pessoas que, devido a um fracasso nestas disciplinas em seu período de escolarização, passem a considerar-se não dotadas (geneticamente?) para compreender o conhecimento destas parcelas do saber, chegando a mitificar e supervalorizar o que os outros compreendem.

Como já mencionamos em capítulo anterior, um número significativo de

pessoas, incluindo-se nesse meio os próprios professores de Matemática possui

uma visão dessa disciplina como um produto pronto e acabado, não passível de

refutações. Essa visão é ratificada pelos livros didáticos que não se preocupam em

desmistificá-la.

Essa situação torna-se incompatível com o tipo de cidadão que se está

querendo formar na escola. Cada vez mais questões de ordem social, política,

econômica e moral devem ser incluídas no meio escolar, em todas as áreas,

inclusive na Matemática. Essa necessidade implica “a variedade e diversidade nas

fontes de informação, bem como garante a presença de diferentes perspectivas que

Page 117: Cristiane Ba

115

podem influir na explicação de um determinado acontecimento ou situação”.

(SANTOMÉ, 1998, p. 173).

Nesse sentido, defendemos um ensino de Matemática que não se restrinja

ao livro didático, mas que busque nas mais varadas fontes sentidos que reflitam

o nível de incerteza presente na vida e que gera a impossibilidade de alcançar sempre uma única resposta, válida e verdadeira para os múltiplos problemas que surgem em uma realidade complexa em que se inter-relacionam diferentes dimensões (AZCÁRATE,1997, p. 80)16.

Essa defesa se faz necessária, pois entendemos que o livro didático não dá

conta da diversidade e complexidade que estão engendradas no ambiente escolar.

Nesse sentido, lembramos da pesquisa realizada por Rocha (2000 apud

LELLIS, 2003), professora e pesquisadora na área de Educação Matemática, da

Universidade Federal de Pelotas, em que é discutida a contribuição do ensino de

Matemática na formação de cidadãos em uma sociedade democrática. A professora

investiga a relação entre o trabalho que é feito em sala de aula pelos professores de

matemática e os princípios adotados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei nº 9394/96)17.

Rocha (2000 apud LELLIS, 2003) conclui que a Matemática é concebida

como uma disciplina isolada do mundo, “da vida do aluno” e de circunstâncias sócio-

políticas. Os professores investigados pela pesquisadora não encontram valores

educativos no ensino da Matemática, valores esses que “contribuam para indivíduos

com participação positiva na vida social, salvo o valor utilitário, as aplicações

16 Tradução livre da pesquisadora 17 Os princípios a qual a autora se refere em seu trabalho dizem respeito ao Artigo 32, inciso I, da Lei nº 9394/96.

Page 118: Cristiane Ba

116

práticas, as quais, de qualquer forma, não comparecem no ensino” (LELLIS, 2002, p.

21).

É evidente que essa falta de conexão da Matemática com o mundo a sua

volta, tem muito a ver com a visão cartesiana que o professor tem da Matemática

enquanto disciplina escolar. Visão essa que é fruto de uma formação linear,

fragmentada e desconectada de questões sobre o papel da Matemática no

desenvolvimento não só cognitivo, mas social e político dos alunos.

Para tal a educação não deve ser concebida de forma pontual, mas em “um

sentido amplo, como compromisso político (não necessariamente partidário), e não

apenas educação como recebimento de conteúdos específicos nos bancos da

escola”. (PEREZ, 2004, p. 261)

Nesse sentido, o ensino de Matemática deve estar intimamente ligado à

compreensão e a tomada de decisões frente a problemas de ordem social e política.

Isso implica um ensino voltado para a leitura e a interpretação de dados complexos.

Na prática, o professor desenvolveria estratégias que coadunassem para o

desenvolvimento do espírito crítico, da criatividade, da argumentação, da iniciativa e

da autonomia, o que levaria o aluno a “aprender a relacionar e analisar criticamente

a realidade não como um conjunto de partes, mas como uma totalidade”

(AZCÁRATE, 1997, p. 77)18.

Para tal, se faz necessário um confronto de fontes, dados, textos que

transcendem o uso exclusivo do livro didático em sala de aula.

Nessa direção, Azcárate (1997, p. 81) defende que

18 Tradução livre da pesquisadora

Page 119: Cristiane Ba

117

nós professores de Matemática devemos aprender a descobrir nexos e relações entre as disciplinas, analisar as conexões das estruturas conceituais e procedimentos matemáticos com outras disciplinas, sua utilidade e sua relação com os problemas do mundo que nos rodeia, como podemos conduzir nossos alunos e como podemos facilitar a elaboração de um conhecimento matemático mais holístico e complexo e, portanto, mais válido para sua integração com o conhecimento de um cidadão da sociedade atual.19

Gama ao discorrer sobre seu papel enquanto professor de Matemática diz

que “se a gente não se atualizar a gente vai ficando um pouco para trás em relação

a eles (os alunos), então isso me incentiva a procurar atualização”.

Nesse sentido, defendemos a reflexão crítica, oriunda da coletividade, como

uma forma de atribuir significados à prática escolar. Reflexão essa que “supõe

assumir riscos, tomar decisões, mobilizar recursos, atualizar e rever esquemas,

assumir a incompletude ou a insuficiência das coisas” (MACEDO, 2002, p. 14) e que,

além disso, faça com que rompamos com a solidão que nos assola e nos impede de

unir esforços.

Para tal, acreditamos que um ambiente em que sejam privilegiadas as

pesquisas e reflexões concernentes ao ensino da disciplina de Matemática e suas

co-relações com as diversas áreas do conhecimento, seria um lugar em que

emergiriam vários aspectos que facilitariam a atuação do professor em sala de aula,

o que vai de encontro à utilização de somente uma fonte (livro didático), no

planejamento e na execução do trabalho do professor.

5.3 O VESTIBULAR

19 Tradução livre da pesquisadora

Page 120: Cristiane Ba

118

Na tentativa de compreender os sentidos da autonomia docente no

desenvolvimento curricular da disciplina de Matemática um fato, em particular, nos

chamou a atenção em todas as entrevistas: a supervalorização que é dada ao

vestibular, quando das discussões acerca do currículo de matemática relativo à

etapa do Ensino Médio. Apesar de ser esse fato um impedimento ao

desenvolvimento pleno do currículo de Matemática, os professores não o

mencionarem com essa conotação.

Os professores dizem que nas reformas curriculares as quais a instituição

foi submetida, a preocupação sempre recaia nos conteúdos. Apesar de acharem que

alguns conteúdos poderiam ser retirados do currículo não o faziam porque, como diz

Gama, “a gente sabe, por exemplo, que o aluno vai fazer o que, vai fazer o

vestibular, prestar um concurso. E vestibular ta preocupado com conteúdo tanto é

que ele dá uma listagem de conteúdo e você tem que se virar para dar para o seu

aluno aquela quantidade de conteúdo”.

Ômega cita como exemplo de um dos conteúdos que já foi motivo de

discussão entre os professores os polinômios que, na sua opinião, “se discute muito

porque trabalhar com polinômios, por exemplo, que não serve para nada. E até

agora a gente continua trabalhando com polinômios e a gente não conseguiu tirar”.

E esse não conseguir tirar deve-se ao fato de que “o vestibular exige, então a gente

não tira por conta disso [...] porque pode prejudicar os alunos”, segundo Ômega.

Epsilon, diz que o professor de Matemática “é muito preso ao tradicional” e

acrescenta ainda que “a gente tem muito amor ao conteúdo”. Epsilon cita como

exemplo de conteúdo que já foi passível de discussão o Binômio de Newton,

dizendo que “a gente começou a pensar sobre o Binômio de Newton, ai alguns

Page 121: Cristiane Ba

119

dizem: mas pra quê dar Binômio de Newton, só que ninguém teve coragem de tirar”.

Epsilon acrescenta ainda que essa dificuldade está imersa no universo do Ensino

Médio já que “no superior a gente tem mais maleabilidade”, citando essa

maleabilidade através da disciplina de Cálculo que “no Curso de Comércio Exterior a

ementa pode ser parecida com a que eu trabalho na Física, mas o enfoque não é o

mesmo”. Epsilon é contundente ao dizer que no Ensino Médio “você tem a amarra

do vestibular, que é uma realidade”.

Esse foco voltado para o vestibular não é uma preocupação somente dos

professores, mas dos alunos também. Constatamos essa realidade quando Alfa diz

que no advento da Pedagogia de Projetos estava entusiasmado “com essa questão

de projetos, pensei uma vez, lancei essa idéia... aí os alunos disseram: ajuda a

passar no vestibular, aí eu digo: não. Então o nosso projeto é passar no vestibular.”

Alfa que tem experiência de ensino no 3º ano do Ensino Médio justifica essa postura

dos estudantes dizendo que “no 3º ano eles estão muito direcionados, o que eles

querem é aprender. Eles acharam que iria atrapalhar o conteúdo. Aí eu desisti da

idéia e nunca mais lancei”.

Percebemos uma contradição na fala desse professor, pois ao mesmo

tempo em que lançou a idéia de projetos e foi questionado pelos alunos se a referida

metodologia ajudá-los-ia a passar no vestibular posicionou-se negativamente acerca

do tema.

Acreditamos que essa contradição é fruto da visão que o professor tem da

Matemática. Visão essa que “gera uma dinâmica de ensino em que os alunos devem

acumular conhecimentos” (D’AMBROSIO, B., 1993, p. 36) e que vem dirigindo o

ensino da disciplina de matemática há muito tempo.

Page 122: Cristiane Ba

120

Quando Alfa diz que os que os alunos “querem é aprender” nos parece que

se o professor mudasse a sua metodologia e passasse a trabalhar com projetos, por

exemplo, os alunos iriam ficar prejudicados, pois não aprenderiam Matemática.

Nacarato, Varani e Carvalho (1998) ao discorrerem sobre o trabalho

docente colocam que esse se encontra sob a égide de alguns elementos geradores

das tensões às quais os professores estão submetidos. Elementos esses que seriam

as condições do trabalho docente, as expectativas da sociedade para com o

trabalho do professor e a imagem do professor veiculada pela mídia. As autoras,

quando refletem sobre as condições do trabalho docente listam como um dos fatores

que determinariam essas condições os controles externos sobre o trabalho docente,

entendidos como os mecanismos que predeterminam objetivos, os conteúdos, a

metodologia e a avaliação que deverão orientar o trabalhão dos professores.

Nessa reflexão as autoras destacam que, especificamente no Ensino Médio,

“atribui-se ao professor a responsabilidade de abordar e discutir os conteúdos

exigidos nos exames vestibulares” (NACARATO; VARANI; CARVALHO,1998, p. 91).

Essa exigência influencia o trabalho do professor, pois embora, muitas

vezes, ele acredite que poderia dar ênfase a alguns conteúdos matemáticos em

detrimento de outros termina por acatar as exigências do vestibular.

Pires (2005) ao discorrer sobre o currículo do Ensino Médio alerta que a

identidade dessa etapa da escolaridade ainda é bastante indefinida em nosso país.

A autora alude que a história do Ensino Médio sempre foi marcada pela dicotomia

entre uma formação de caráter propedêutico, que serviria para a continuação de

estudos em nível superior e a formação profissional que se caracteriza pela

terminalidade.

Page 123: Cristiane Ba

121

Para Pires (2005) esse quadro de indefinição gera muitas dúvidas

relacionadas ao que seriam aprendizagens essenciais e expõe que “essas

concepções são produto das práticas curriculares dominantes, que deixaram como

sedimento nos professores um esquema do que é, para eles, conhecimento valioso”

(SACRISTÁN, 2000 apud PIRES, 2005, p. 28).

Essa constatação de Pires (2005), calcada em Sacristán (2000), pôde ser

observada através do discurso de Epsilon quando diz que “a gente tem muito amor

aos conteúdos”. Pires (2005) constata ainda que o processo de elaboração dos

Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática do Ensino Médio foi bem menos

participativo do que nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental

da referida disciplina. Além disso, Pires (2005) afirma que são poucas as pesquisas

que têm como tema o ensino e a aprendizagem de Matemática na etapa do Ensino

Médio. Mas o que mais nos chama a atenção à alusão a qual a autora faz acerca

desse tema é a constatação de que

as práticas vigentes são aquelas orientadas pelos exames vestibulares, estes considerados uma das maiores incoerências da educação brasileira: em que um exame define o que se aprende e como se aprende em três anos da vida do jovem brasileiro. (PIRES, 2005, p. 28)

Concordamos com Pires quando cita essa prática como uma incoerência,

pois a escola se molda a um exame e leva a cabo um currículo em função das

diretrizes do exame vestibular.

É realidade que o ensino de Matemática na etapa em que se refere ao

Ensino Médio, tem como base o conhecimento científico e desenvolve-se na maioria

das vezes de maneira descontextualizada. Na maioria das escolas o foco do ensino

Page 124: Cristiane Ba

122

dessa e de outras disciplinas é o vestibular. Assim, os conteúdos, em sua maioria,

são trabalhados distantes da realidade dos alunos e conseqüentemente tornam-se

sem significados para estes.

Tomando como referencial o modelo de currículo proposto por D’Ambrosio,

U (1986), explicitado anteriormente, acreditamos que o grande problema do

desenvolvimento curricular da disciplina de Matemática resida no fato de que

existam propostas de ensino de Matemática, baseadas nas novas tendências do

ensino dessa disciplina, tais como, resolução de problemas, modelagem, entre

outras, mas para que essas propostas se efetivem e convirjam para um ensino de

Matemática mais eficiente é preciso que os componentes curriculares objetivos,

métodos e conteúdos sejam discutidos e modificados solidariamente. Portanto não

bastam mudar métodos se os conteúdos e objetivos forem mantidos ou mudar

conteúdos se os métodos e os objetivos se mantiverem e assim sucessivamente.

Nesse sentido, faz-se necessário que o professor problematize acerca das

questões concernentes ao currículo. Problematização que acontecerá a partir da

reflexão do professor sobre o que fazer, como fazer e por quê fazer.

Tomando como referencial a proposta de Contreras (2002) e Zeichner

(1997) no que se refere à reflexão enfatizamos que essa não pode ficar limitada a

sala de aula, nem tampouco ser realizada isoladamente.

Contreras (2002) defende que não é qualquer tipo de reflexão que irá

permear o processo de construção da autonomia dos professores. Mas sim uma

reflexão em que a crítica lhe seja concernente. Reflexão que não diz respeito

somente a análise da prática do professor, mas que vai além, somando-se a essa

análise o contexto em que o professor está inserido, exercendo, dessa maneira, a

função de emancipar ao possibilitar o desvelamento do sentido ideológico da prática.

Page 125: Cristiane Ba

123

Nesse sentido, Contreras (2002) busca em Giroux (1990) o sentido de o

professor assumir-se como intelectual, tendo em vista que essa assunção implica

em reconhecer e questionar sua natureza socialmente construída, e o modo como

se relaciona com a ordem social, assim como analisar as possibilidades

transformadoras implícitas no contexto social das aulas e do ensino. Nessa direção,

o intelectual crítico é aquele que participa ativamente do esforço de desvelar o

oculto, e desvendar a origem histórica e social daquilo que se apresenta como

natural.

Considerando que o hábito de questionar é construído progressivamente,

faz-se necessário um trabalho de cunho dialógico que possibilite o reconhecimento

dos limites de sua atuação.

Por esse motivo concebemos a autonomia docente em um contexto de

relações. Autonomia essa que não pode ser um problema de juízo próprio do

professor, vinculado ao contexto de sala de aula, nem tampouco de negociação com

a comunidade. Mas sim um processo de busca e construção permanente que será

alimentada pela análise da própria prática, das razões que sustentam as decisões e

dos contextos que a limitam ou condicionam. Ultrapassar esses limites

é uma condição necessária para a ampliação da autonomia profissional, para que o espaço de preocupações e decisões não se encontre limitado pela experiência presente do que hoje é a prática escolar, mas que possa ampliar seus horizontes em relação ao que deveria ser e ainda não é. (CONTRERAS, 2002, p. 203)

Nesse sentido, buscamos em Imbernón (2000) as quatro idéias-força que

devem impulsionar o futuro imediato da educação: a recuperação por parte dos

professores e demais agentes educativos do controle sobre seu processo de

Page 126: Cristiane Ba

124

trabalho; a valorização do conhecimento, tanto daquele já adquirido e desenvolvido

pelas gerações e culturas anteriores, que tem seu valor e importância mesmo nos

dias de hoje, mas que se apresenta como insuficiente para os próximos tempos,

quanto dos novos conhecimentos que são investigados e produzidos atualmente em

novas condições de número de informações, de velocidade de comunicação e de

proliferação de fontes de conhecimento; a valorização da comunidade como

verdadeira integrante do processo educativo, da comunidade de aprendizagem, co-

responsável pelo projeto pedagógico da instituição; a diversidade como projeto

cultural e educativo (IMBERNÓN, 2000).

Nessa perspectiva, a reflexão crítica amplia os horizontes do professor,

possibilitando ao mesmo que suas práticas, valores e instituições sejam

problematizados.

UNINDO AS PEÇAS

Esse capítulo finaliza nossa dissertação e nele estão contidos os

significados da autonomia docente, bem como revelados os impedimentos na qual o

professor está sujeito em seu trabalho.

Percebemos, nos discurso dos professores, que a autonomia está atrelada

a uma posição de soberania em sala de aula, o que se traduz em um trabalho

voltado para o individualismo.

Page 127: Cristiane Ba

125

Com relação aos impedimentos constatamos que o livro didático, utilizado

para padronizar o trabalho dos professores, fere o direito dos mesmos de buscarem

coletivamente quais os conhecimentos e qual a ordem de encadeamento desses

conhecimentos que serão trabalhados em sala de aula. Além disso, constatamos

que o vestibular é tomado como referência no que concerne ao currículo de

Matemática na instituição.

Concluímos essa parte com uma reflexão que nos leva a pensar no trabalho

docente em uma dimensão coletiva, em que a crítica e a reflexão sejam constantes.

Além disso, pensamos que o desenvolvimento curricular da disciplina de Matemática

é uma das vertentes que levarão o professor de Matemática a desenvolver-se

profissionalmente.

A seguir, apresentaremos nossas considerações finais acerca da pesquisa,

bem como algumas recomendações que achamos pertinentes e que acreditamos

que irão contribuir para a melhoria das ações do professor de matemática, bem

como para seu desenvolvimento profissional.

Page 128: Cristiane Ba

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 129: Cristiane Ba

127

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso trabalho inseriu-se na linha de pesquisa que trata da formação e

desenvolvimento profissional de professores de Matemática, objetivando

compreender, a partir do discurso de professores de Matemática, o sentido atribuído

à autonomia profissional e como esse sentido é refletido no desenvolvimento

curricular da disciplina de Matemática.

Para tal utilizamos a entrevista compreensiva como procedimento

metodológico e ouvimos cinco professores de Matemática, que lecionam no Centro

Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte.

A análise das entrevistas revelou que o modelo de formação calcado na

racionalidade técnica esteve presente na formação dos professores envolvidos no

estudo.

Além disso, observamos que para esses professores a autonomia é tida

como uma capacidade de exercer o seu trabalho sem influências de outrem,

caracterizando, dessa maneira, a dimensão individual do trabalho do professor.

Percebemos, também, no desenvolvimento do estudo, que tais professores,

apesar de se dizerem autônomos, não percebem que a heteronomia está vinculada

ao seu trabalho, através da padronização imposta pelos livros didáticos e pela

imposição que é feita através do vestibular sobre o tipo de conhecimento matemático

que o professor deverá trabalhar em sala de aula, o que acarreta em um currículo de

Matemática desatualizado e estagnado, contradizendo a essência do currículo como

processo de construção permanente.

Notamos que a reunião pedagógica, lócus de excelência para reflexões e

discussões acerca do ensino de Matemática, não tem se configurado nessa direção,

Page 130: Cristiane Ba

128

sendo para os professores de pouca contribuição ao enriquecimento de seu

trabalho, pois eles consideram que ainda há muita resistência em refletir sobre

teorias, e que o professor de Matemática prefere concentrar-se na sua prática.

Consideramos esse um equívoco, haja vista que pensamos que as reflexões e

discussões teóricas são essenciais para uma evolução da prática.

Observamos que os professores apoiaram suas práticas, principalmente no

início de suas carreiras, na intuição e espontaneidade, não possuindo um aporte

teórico e prático que desse suporte em sua profissão. Entendemos que para que

esse quadro seja superado se faz necessário que investimentos sérios sejam feitos

na formação desses profissionais.

Para que seja superado o modelo oriundo da racionalidade técnica os

professores, primeiramente devem tomar consciência dos condicionantes que

transitam junto ao seu fazer pedagógico. Isso implica em um investimento no avanço

teórico e prático dos professores, através de um processo em que os professores

em conjunto assumam um papel cada vez mais significativo no desenvolvimento

curricular da disciplina de Matemática. Esse trabalho, realizado no âmbito coletivo,

trará como resultado a constante reconstrução dos currículos e da profissionalização

de todos os envolvidos. Para isso, investir na formação permanente de professores é

o caminho pelo qual será possível promover transformações na escola e nas

práticas pedagógicas adotadas.

Caminho esse que se ancora em um trabalho coletivo da equipe de

professores de Matemática, haja vista que autonomia não deve ser sinônimo de

individualismo, postura que só enfraquece a profissão docente e que freia o

desencadeamento de mudanças no campo educacional.

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129

Finalmente recomendamos que, a instituição como agência que se presta a

formar profissionais, também, na área pedagógica, através de licenciaturas, deve

incentivar a prática investigativa por parte de seus docentes. Incentivo esse que

pode ser dado a partir do estímulo a criação de grupos de pesquisa em Educação

Matemática, para que com isso os professores dessa disciplina percebam que o

conhecimento advém de um processo histórico e que, além disso, possam refletir e

discutir questões acerca da Matemática.

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REFERÊNCIAS

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131

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APÊNDICE

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PLANO EVOLUTIVO 1

HISTÓRIA DO SUJEITO O porquê de ser professor de matemática. Lacunas da formação. Formação contínua ou estanque?

VIVÊNCIAS: Sou autônomo? Impedimentos – mecanismo de controle.

AÇÃO PEDAGÓGICA: Dinâmica de elaboração do currículo matemático na instituição. Participação (ou não) do professor. Contexto de trabalho e avaliação do mesmo. O trabalho é coletivo ou isolado? Planejamento de aulas – adoção do livro-texto. Avaliação da reunião pedagógica. Dificuldades. Natureza do conhecimento priorizado em sala de aula.

DEFINIÇÕES: Educação. Educação Matemática. Currículo. Autonomia profissional.

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PLANO EVOLUTIVO 2

A escolha Queria outra carreira.

A formação Tecnicista. Estudo solitário – longo aprendizado.

O início da carreira Trabalho com demonstrações – formalismo.

Hoje Conhecimentos prévios. Colaboração x autoridade. O vestibular. Os alunos querem conteúdo.

A matemática Forma de estimular o raciocínio. Pensamento elaborado x banalidade.

Material didático Eu produzi... O livro didático é muito técnico.

Currículo É de longa data.

Participação Não participo com afinco.

Autonomia Abertura na instituição. Longo aprendizado.

Educação Não se pára para pensar.

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PLANO EVOLUTIVO 3

A escolha Queria outra carreira mas não passou no vestibular. Na família sempre tem um professor.

A formação Tecnicista. Estudo solitário – longo aprendizado. Hiato entre as disciplinas pedagógicas e a específicas.

O início da carreira Trabalho com demonstrações – formalismo. Espelho de outros professores. Intransigência.

Hoje Conhecimentos prévios. Colaboração x autoridade. O vestibular. Os alunos querem conteúdo. Competição.

A matemática Forma de estimular o raciocínio. Pensamento elaborado x banalidade. Aplicação.

Material didático Eu produzi... O livro didático é muito técnico.

Currículo É de longa data. Ajustes nos conteúdos.

Participação Não participo com afinco.

Autonomia Abertura na instituição. Longo aprendizado. Uso de diversas metodologias.

Educação Não se pára para pensar. Processo dinâmico.

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PLANO EVOLUTIVO 4

A escolha Queria outra carreira, mas não passou no vestibular. Na família sempre tem uma professora. Maior afinidade.

A formação Tecnicista Estudo solitário – longo aprendizado. Hiato entre as disciplinas pedagógicas e a específicas. Mini-bacharelado. Falta de aprofundamento de conteúdos do ensino médio. Professor é profissão.

O início da carreira Trabalho com demonstrações – formalismo. Espelho de outros professores. Intransigência. Procurando, vendo, buscando.

Hoje Conhecimentos prévios. Colaboração x autoridade. Os alunos querem conteúdo. Competição. Qualificação através da experiência. Abertura para escutar.

O vestibular A amarra.

A matemática Forma de estimular o raciocínio. Pensamento elaborado x banalidade. Aplicação. Capacidade de raciocínio lógico e abstração.

Material didático Eu produzi... O livro didático é muito técnico.

Currículo É de longa data. Ajustes nos conteúdos.

Participação Não participo com afinco. Pragmatismo do professor.

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Autonomia Abertura na instituição. Longo aprendizado. Uso de diversas metodologias.

Educação Não se pára para pensar. Processo dinâmico. Interação.

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PLANO EVOLUTIVO 5

PARTE I – A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS SUJEITOS INVESTIGADOS

A escolha Afinidade com a disciplina. Cultura da família. O que mais se aproximava.

A Licenciatura Racionalidade técnica. Incompatibilidade com o ensino médio. Professor é profissão.

O início da carreira Trabalho com demonstrações – formalismo. Espelho de outros professores. Intransigência. Procurando, vendo, buscando.

Hoje Conhecimentos prévios. Colaboração x autoridade. Os alunos querem conteúdo. Competição. Qualificação através da experiência. Abertura para escutar.

PARTE II – CONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE MATEMÁTICA NA INSTITUIÇÃO

Currículo É de longa data. Ajustes nos conteúdos.

O vestibular A amarra.

A matemática Forma de estimular o raciocínio. Pensamento elaborado x banalidade. Aplicação. Capacidade de raciocínio lógico e abstração.

Material didático Eu produzi... O livro didático é muito técnico.

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Participação Não participo com afinco.

Autonomia Abertura na instituição. Longo aprendizado. Uso de diversas metodologias. Não ser escravo do planejamento.

Educação Não se pára para pensar. Processo dinâmico. Interação. Não sei conceituar.

Reunião pedagógica Não sinto que eu cresça.

O ambiente de trabalho O pragmatismo do matemático.

Educação Matemática Suporte para o professor.

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PLANO EVOLUTIVO 6

PARTE I – A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS SUJEITOS INVESTIGADOS

A escolha Afinidade com a disciplina. Cultura da família. O que mais se aproximava.

A Licenciatura Racionalidade técnica. Falta de aprofundamento de conteúdos do ensino médio. Professor é profissão.

O início da carreira Estudo solitário – longo aprendizado. Trabalho com demonstrações – formalismo. Espelho de outros professores. Intransigência. Procurando, vendo, buscando.

Hoje Conhecimentos prévios. Colaboração x autoridade. Os alunos querem conteúdo. Competição. Qualificação através da experiência. Abertura para escutar. Correr atrás.

PARTE II – CONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE MATEMÁTICA NA INSTITUIÇÃO

Currículo É de longa data. Ajustes nos conteúdos. Feito por matemáticos. Reformulação.

O vestibular A amarra. Não somos uma ilha.

A matemática Forma de estimular o raciocínio. Pensamento elaborado x banalidade. Aplicação. Capacidade de raciocínio lógico e abstração.

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148

Material didático Eu produzi... O livro didático é muito técnico.

Participação Não participo com afinco.

Autonomia Abertura na instituição. Longo aprendizado. Uso de diversas metodologias. Não ser escravo do planejamento.

Educação Não se pára para pensar. Processo dinâmico. Interação. Não sei conceituar. Formar o cidadão na sua integridade.

Reunião pedagógica Não sinto que eu cresça.

O ambiente de trabalho O pragmatismo do matemático.

Educação Matemática Suporte para o professor. Raciocínio crítico.