Cristianismo e Mitraismo Na Antiga Roma
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CRISTIANISMO E MITRAISMO NA ANTIGA ROMA
"ELE"
1. Nasceu numa manjedoura no dia 25 de dezembro e foi venerado por
humildes pastores;
2. Celebrou uma Santa Ceia, junto com 12 discípulos, antes de voltar à
casa do Pai;
3. Ascendeu ao Céu de onde prometeu voltar no fim dos tempos para o
Juízo Final;
4. Garantiu a vida eterna a quem se batizasse.
Estamos falando de Cristo?
Absolutamente não! Estas são apenas algumas das peculiaridades do deus
Mitra, cujo culto, começado na Pérsia não menos de 4000 anos atrás,
difundiu-se em todo o território do Império Romano chegando a ser uma
das religiões mais bem sucedidas (mais popular que o próprio cristianismo)
durante quase quatro séculos seguidos.
Como atestam os antigos textos em sânscrito (1400 a.C.), na religião dos
antigos Persas, Mitra (ou Mithras da palavra mihr, sol) era considerado um
anjo inferior a Ormuzd, o Ser Supremo, mas superior ao deus Sol. Durante
o período védico do hinduísmo Mitra (associado a Varuna) era o deus da
criação, da ordem universal e da amizade. Os Magos afirmavam que existia
uma Trindade formada por Mitra (o sol
espiritual, o Sol Dominus Invictus dos Romanos), Ormuzd e Ahriman. Mitra
era onissapiente, inimigo da escuridade e do mal, deus das vitórias
militares.
Protetor dos justos, agia como mediador entre a humanidade e o Ser
Supremo. Ele encarnou-se para viver entre os homens e enfim morreu para
que todos fossem salvos. Os fiéis comemoravam a sua ressurreição
durante cerimônias onde eram proferidas as palavras:
"Aquele que não irá comer o meu corpo e beber o meu sangue, assim que
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ele seja em mim e eu nele, não será salvo"
Mitra era tido como Logos (a Palavra) e a purificação mediante o batismo
era necessária para obter a vida eterna. Existiam sete níveis de iniciação,
cada um coligado a um planeta: Corax (Mercúrio), Nymphus (Vênus), Miles
(Marte), Leo (Júpiter), Perses (Lua), Heliodromos (Sol) e, enfim, Padre
(Saturno). Assim como entre os Essênios, os iniciados de grau inferior (os
aprendizes: Corax e Nymphus) tinham que servir os iniciados de nível
superior: os companheiros (Miles e Leo), os mestres (Perses e
Heliodromos) e o venerando Padre.
O mitraísmo que entrou no Império Romano era uma mistura de mitraísmo
persa, astrologia babilônica e mistérios gregos. Os primeiros contatos
entre o mundo romano e mitraístas persas datam do I século antes de
Cristo, como atesta uma epígrafe de Antíoco I de Comagene (69-34 a.C.)
encontrada na Ásia Menor. Sabe-se, também, que adoradores de Mitra já
existiam em Roma na época de Pompeu (67 a.C.) quando, de acordo com
o historiador Plutarco, tropas desse triúnviro descobriram os "rituais
secretos" de prisioneiros capturados na Cilícia (a terra de São Paulo).
Entretanto os restos mais antigos do culto de Mitra no território do
Império Romano foram encontrados na cidade de Carnuntum (próxima do
Rio Danúbio).
Uma legião romana, a XV Apollinaris, foi enviada de Carnuntum à Ásia para
combater contra Judeus e Persas e, quando regressou, construiu um
templo consagrado a Mitra.
Em Roma surgiram mais de 700 templos dedicados a esse novo deus e mais
ainda foram construídos na cidade de Óstia. Todavia o culto foi
oficialmente aceito no Império só a partir do fim do segundo século e
alcançou o apogeu de sua popularidade no terceiro século da nossa era.
Como para os cristãos, entre os fâmulos de Mitra não havia discriminação
social mas, enquanto os primeiros pertenciam principalmente à pequena
burguesia urbana, o mitraísmo essencialmente mostrava-se difuso entre
três classes: os mercantes, os escravos e os militares. Sendo os soldados
destacados ao longo das compridas fronteiras imperiais, restos desse
antigo culto foram encontrados em abundância onde existiam guarnições e
fortes romanos.
O culto de Mitra era uma religião misteriosa e simbólica; as mulheres
ficavam excluídas das formas exteriores e regulares da liturgia. Muitos
elementos de sua organização lembram os da moderna Maçonaria. Os
templos subterrâneos reproduziam o firmamento enquanto a arte mitraísta
insistia na representação de corpos celestes (o zodíaco, os planetas, o
sol, a lua e as estrelas) como também da serpente, do cão, do corvo, do
escorpião (todas constelações do hemisfério boreal) e da árvore. Sempre
foi uma religião privada que jamais recebeu verbas
públicas, sendo os templos de Mitra singelos e despidos daquela
ostentação que caracterizava as basílicas paleo-cristãs. Se por um lado
esse culto, devido sua grande tolerância em relação aos outros credos,
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resultante de persecuções recorrentes.
A história de Mitra principia com o Demiurgo (Ahriman) oprimindo a
humanidade. Apiedado, Mitra encarnou-se no dia 25 de dezembro, data
que na antiguidade correspondia ao solstício de inverno. Ele nasceu de
uma rocha e pregou numa caverna (também Jesus veio ao mundo numa
gruta) porém, segundo a mitologia persa, Mitra fora generado por uma
virgem denominada "Mãe de Deus". Durante sua vida terrena Mitra
manteve-se casto, pregou a irmandade universal e operou inúmeros
milagres. Outrossim, o acontecimento mais marcante foi a luta simbólica
de Mitra contra o touro sagrado (ou touro equinocial) que ele derrotou e
sacrificou (tauroctonia) em prol da humanidade. Todavia, como nos
antigos textos persas o próprio Mitra era o touro, a tauroctonia adquire o
dúplice significado de vitória sobre o mundo terreno e de auto-sacrifício da
divindade a fim de redimir o gênero humano de seus pecados.
Em época romana o touro podia ser trocado por um carneiro, sendo assim
este animal o objeto do sacrifício, conforme à tradição judaica e cristã. O
apologista cristão Tertuliano afirma que os sequazes de Mitra eram
batizados com borrifos de sangue do touro (ou do carneiro) e, finalmente,
purificados com água.
No sétimo século a Igreja católica tentou, sem êxito, de suprimir a
representação de Cristo como carneiro, justamente por ser esta uma
imagem de origem pagã.
São Justino Mártir atesta que existia uma eucaristia de Mitra onde os fiéis
compartilhavam pequenos pães redondos e água consagrada simbolizando,
respectivamente, a carne e o sangue do deus encarnado. Este ritual, que
ocorria aos domingos (dia da semana consagrado ao Sol), era chamado
Myazda e correspondia exatamente à missa dos cristãos.
Mitra não morria fisicamente, mas apenas simbolicamente e, como
divindade solar, ressuscitava todo ano. Cumprida a missão terrena, ele
jantava pela derradeira vez com seus discípulos e subia ao Céu. Seus
adeptos tinham que jejuar freqüentemente e, após terem recebido um
marco na testa (no nível Miles, soldados), passavam a ser chamados
"Soldados de Mitra".
No início do IV século o imperador Constantino apoiou-se às religiões
emergentes: o cristianismo e os cultos solares, ou seja o de Apolo
(popular entre os Celtas) e o de Mitra, extremamente difuso na parte
Ocidental do Império onde, ao contrário, os cristãos ainda eram minora. De
forma alguma Constantino pode ser considerado um soberano cristão pois,
como os demais imperadores, nunca renunciou ao título de pontifex
maximus. Ademais, ele privilegiou os pagãos nos cargos administrativos e a
casa da moeda romana continuou a cunhar moedas mostrando símbolos
pagãos.
O mitraísmo sumiu oficialmente em 377 d.C., data em que o imperador
cristão Teodósio proibiu todas as religiões diferentes do cristianismo.
Pequenos grupos de adeptos continuaram secretamente a prática do culto
até o V século quando os bispos desencadearam ásperas perseguições
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contra os cultos solares.
Surpreendentemente a própria Igreja cristã incorporou boa parte das
práticas mitraístas como a liturgia do batismo, da crisma, da eucaristia, da
páscoa, e a utilização do incenso, das velas, dos sinos, etc. Até as
vestimentas usadas pelo clero católico eram extremamente parecidas com
as dos sacerdotes de Mitra, como a tiara e a mitra, barretes usados pelos
antigos persas. Se não tivesse sido por uma extravagância do destino,
observam divertidos os escritores Knight e Lomas, as modernas famílias
devotas iriam para a missa dominical tendo os vidros de seus carros
enfeitados por adesivos com a escrita "Mitra te ama".
Em síntese, quando o cristianismo começou a ganhar popularidade,
difundindo-se na Europa e em todas as partes do Império, os primitivos
cristãos incorporaram à sua religião os cultos anteriores bem-sucedidos,
como, por exemplo, o da deusa Ísis, tomando deliberadamente imagens do
mundo pagão.
A expressão cristã "Príncipe das Trevas" já fora usada tanto pelos
Essênios quanto pelos adoradores de Mitra. Santo Agostino chegou a
admitir algum tipo de fusão entre as duas religiões quando reconheceu que
os sacerdotes de Mitra adoravam o mesmo Deus em que ele acreditava.
Em outras palavras, para ele Mitra e Jesus eram a mesma pessoa!
Os cristãos sempre afirmaram que os adeptos de Mitra copiaram seus
ritos, mas já vimos que, na verdade, esse culto solar chegou em Roma
pelo menos um século antes dos primeiros apóstolos. Ademais, a imagem
da tauroctonia é bem mais antiga que Cristo pois o patrimônio figurativo
da glíptica do Império de Akkad (2370-2120 a.C.) documenta cenas de
luta entre um deus solar e um touro. No milênio sucessivo, durante o
reinado de Shuppiluliuma (cerca 1500 a.C.), num tratado com um soberano
hitita é invocada a proteção de duas divindades solares: Mitra e Varuna.
Com efeito, somente entre os anos 4000-2000 a.C. o sol nascia, aos
equinócios, na constelação do Touro e só naquela época as constelações
do Cão Menor, da Hidra (a serpente), do Corvo e do Escorpião se
encontravam no Equador celeste.
Ocasionalmente um leão e uma taça apareciam na tauroctonia:
simbolicamente representavam as constelações do Leão e do Aquário que
só se achavam em conjunção com o Sol durante os solstícios na Idade do
Touro.
Os antigos astrônomos da Babilónia fizeram precisas observações
astronômicas chegando a descobrir que, ano após ano, o sol não
despontava sempre no mesmo canto mas o plano equinocial se deslocava
lentamente com a "velocidade" de uma constelação em cada 2160 anos.
Conseqüentemente o plano equinocial percorre todo
o zodíaco em 25.900 anos, um movimento cíclico conhecido como
precessão dos equinócios.
Nesse sentido a cena de Mitra (representado pela constelação de Perseu)
que mata o touro pode ser interpretada como a rotação da abóbada
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Sobre o autor
celeste em direção da constelação de Áries, sucessiva à constelação do
Touro. Mitra, o sol espiritual que se encontra além da esfera das estrelas
fixas, seria portanto a força cósmica capaz de governar o ciclo das
estações: a eterna seqüência de outono-primavera, de luz-obscuridão, na
espera da vitória final da Luz sobre as trevas, da Vida sobre a morte.
Bibliografia
Cumont F. "The Mysteries of Mithra", Dover Pubns, ISBN: 0486203239,
(2001).
Rittatore Vonwiller F. et al. " Preistoria e Vicino Oriente Antico", UTET,
Torino (1969).
Ulansey D. "The Origins of the Mithraic Mysteries: Cosmology and
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Brown P. "The World of the Late Antiquity", Thames & Hudson Ltd.,
London (1971).
Levi M.A. "L' Impero Romano", UTET, Torino (1971)
Lavigny S. "Decadenza dell' Impero Pagano", Ferni Editore, Ginevra (1973).
Knight C. & Lomas R. "The Hiram Key", ISBN: 8804421436, (1996).
PRÍNCIPE DA SOLEDADE
Enviado por PRÍNCIPE DA SOLEDADE em 22/04/2008Reeditado em 11/01/2011Código do texto: T956885 Classificação de conteúdo: seguro
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