CRISTIANO PACHECO DE DEUS MUNDIM - Domínio Público · Atualmente, devido a uma alteração...

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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO CRISTIANO PACHECO DE DEUS MUNDIM FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE: RESERVA LEGAL E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COMO ELEMENTOS LIMITADORES DO DIREITO DE PROPRIEDADE RIBEIRÃO PRETO 2009

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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO

CRISTIANO PACHECO DE DEUS MUNDIM

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE: RESERVA LEGAL E

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COMO ELEMENTOS

LIMITADORES DO DIREITO DE PROPRIEDADE

RIBEIRÃO PRETO

2009

CRISTIANO PACHECO DE DEUS MUNDIM

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE: RESERVA

LEGAL E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COMO

ELEMENTOS LIMITADORES DO DIREITO DE PROPRIEDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação

em Direito da Faculdade de Ribeirão Preto, como

requisito parcial à obtenção do título de mestre.

Área de concentração: direitos coletivos

Orientador: Professor Dr. Lucas de Souza Lehfeld.

Ribeirão Preto

2009

Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento Técnico

da Biblioteca Central da UNAERP

- Universidade de Ribeirão Preto -

Mundim, Cristiano Pacheco de Deus, 1979-

M965f Função socioambiental da propriedade: reserva legal e

área de preservação permanente como elementos limitadores

do direito de propriedade / Cristiano Pacheco de Deus Mundim.

- - Ribeirão Preto, 2009.

104 f.: il. color.

Orientadora: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld.

Dissertação (mestrado) - Universidade de Ribeirão

Preto, UNAERP, Direito, área de concentração: Direitos

Coletivos e Função Social do Direito. Ribeirão Preto, 2009.

1. Direito. 2. Propriedade – Meio ambiente. 3.

Propriedade

socioambiental. 4. Limitadores ambientais. I. Título.

CDD: 341.347

CRISTIANO PACHECO DE DEUS MUNDIM

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE: RESERVA LEGAL E ÁREA DE

PRESERVAÇÃO PERMANENTE COMO ELEMENTOS LIMITADORES DO DIREITO

DE PROPRIEDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Direito da Faculdade de

Ribeirão Preto, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre.

Área de concentração: direitos coletivos

Ribeirão Preto, 04 de dezembro de 2009.

Resultado

BANCA EXAMINADORA

Presidente e Orientador: Dr. Lucas de Souza Lefeld

Prof. da Universidade de Ribeirão Preto

Membro Titular: Dr. Juvêncio Borges da Silva

Prof. da Universidade de Ribeirão Preto

Membro Titular: Dr. Juventino de Castro Aguado

Prof. da Universidade de Ribeirão Preto

A minha esposa Lorena

Pereira Tolentino Piau

Mundim por tudo.

AGRADECIMENTOS

Ao meu eterno companheiro de estrada, Alberto de Magalhães Franco Filho.

Ao meu orientador Professor Dr. Lucas de Souza Lehfeld pela paciência e

compreensão.

A Deus e meus pais por minha existência.

“Queda decretado que, a partir de este instante,

habrá girasoles en todas las ventanas, que los

girasoles tendrán derecho a abrirse dentro de la

sombra; y que las ventanas deben permanecer

el día entero abiertas para el verde donde crece

la esperanza.”

(THIAGO DE MELLO, 2001)

RESUMO

O direito está em constante modificação buscando atender os anseios da

sociedade. O que era o certo para as pessoas no passado, hoje já não é o mais adequado. O

direito de propriedade que era “sagrado”, hoje sofre interferências externas, tais como o meio

ambiente. A propriedade antes intocável, sujeita a vontade única e exclusiva de seu dono, não

mais persiste no mundo jurídico. As questões sociais, ambientais e econômicas refletem

diretamente no poder em que o proprietário exerce sobre seus bens. Isso, não que dizer que a

propriedade deixou de ser um direito real, oponível contra todos, pelo contrário, ela mantêm-

se absoluta, desde que, esteja imbuída das funções socioeconômica e socioambiental. Esta

função existirá em uma propriedade quando forem respeitados os espaços territoriais

protegidos - a reserva legal e as áreas de preservação permanente que são elementos

ambientais limitadores do direito de propriedade. Contudo não basta a existência desses

limitadores, é preciso que eles sejam efetivamente aplicados na vida prática.

Palavras-chave: limitadores ambientais; propriedade e meio ambiente; propriedade

socioambiental.

RESUMEN

Las leyes están constantemente buscando la modificación de satisfacer las

aspiraciones de la sociedad. Lo que era correcto para las personas en el pasado, hoy ya no es

el más adecuado. El derecho a la propiedad que era "sagrado", en la actualidad sufre de

interferencias externas, tales como el medio ambiente. La propiedad, una vez intocable, sujeto

a la voluntad del propietario único y exclusivo, ya no persiste en el mundo jurídico. El poder

social, ambiental y económico reflejan directamente en donde el propietario tiene en su

propiedad. Esto no quiere decir que la propiedad ya no es un derecho, oponible a todos, sino

que siguen siendo absoluta, ya que está imbuida de funciones socio-económico y socio-

ambiental. Esta función existe en una propiedad cuando se respete la territorial de áreas

protegidas - la reserva legal y áreas de preservación permanente, que son los factores

ambientales que limitan el derecho a la propiedad. Pero no sólo la existencia de estas

limitaciones, es necesario que se apliquen efectivamente en la vida práctica

Palabras-cllave: limitadores ambientales; propriedad y medio ambiente; propriedad socio-

ambiental.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 09

2 DO DIREITO DAS COISAS 11

2.1 DOS DIREITOS REAIS 12

2.2 DA PROPRIEDADE 20

2.3 PROPRIEDADE NA CONCEPÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA 26

2.4 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL E SOCIOECONÔMICA DA PROPRIEDADE 33

2.5 DOS LIMITADORES DO DIREITO DE PROPRIEDADE 42

2.5.1 Limitadores em espécie 46

3 DO MEIO AMBIENTE 51

3.1 TEORIA GERAL DOS PRINCÍPIOS 53

3.1.1 Princípios aplicáveis ao meio ambiente 55

3.2 CLASSIFICAÇÃO DO MEIO AMBIENTE 61

3.3 ATRIBUIÇÕES ADMINISTRATIVA E LEGISLATIVA DAS

COMPETÊNCIAS AMBIENTAIS 64

3.4 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE 67

3.5 PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE 72

4 A RESERVA LEGAL E A ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 78

4.1 RESERVA LEGAL 78

4.1.2 Características da reserva legal 80

4.1.3 Áreas desprovidas de vegetação natural 81

4.2 ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 86

4.3 RESERVA LEGAL E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

COMO LIMITADORES AMBIENTAIS 90

5 CONCLUSÃO 99

REFERÊNCIA 101

1 INTRODUÇÃO

O direito é uma ciência que se divide em diversos ramos, cada um com sua

autonomia e aplicabilidade prática. Dentro deste trabalho, far-se-á uso de dois direitos, a

propriedade e o meio ambiente, que apesar de serem aparentemente independentes entre si,

estão interligados quando aplicados ao mundo prático.

Inicia-se o estudo com a tradicional classificação do Direito das Coisas, separando

a relação direta do homem com o objeto da relação do homem com seu semelhante através de

um vínculo obrigacional. Apresentam-se os direitos reais, explicando suas características e

sua diferença com direitos obrigacionais, chegando à concepção do direito real pleno, a

propriedade.

Numa concepção histórico-jurídica apresentam-se as diversas fases por que

passou o direito de propriedade: Era Romana, Idade Média, Iluminismo (Revolução Francesa)

e a ascensão do capitalismo. Relacionam-se também as teorias de fundamento jurídico da

propriedade: teoria da ocupação, da lei, da especificação, da natureza humana etc. Faz-se uma

abordagem comparada dos direitos alienígenas, apresentando a concepção moderna de

propriedade vista sobre o prisma socioambiental e socioeconômico.

No segundo capítulo, o meio ambiente é estudado inicialmente dentro dos direitos

transindividuais - bem compartilhado por grupos, classes ou categorias de pessoas. Logo em

seguida, faz-se uma abordagem principiológica, apresentando os princípios básicos

ambientais diretos e indiretos, sem deixar de lado, é claro, alguns comentários sobre as

Declarações Ambientais das Nações Unidas, em especial, a Conferência das Nações Unidas

sediada no Rio de Janeiro – ECO/92.

Apresenta-se a classificação básica do meio ambiente em: trabalho, natural,

artificial e cultural. Atribuem-se à União, Estados, Distrito Federal e Municípios as

competências ambientais administrativas e legislativas, que podem ser classificadas, quanto à

natureza, em: competência executiva; competência administrativa; competência legislativa e,

quanto à extensão, em: competência exclusiva; competência privativa; competência comum;

competência concorrente; competência suplementar. Por fim, faz-se uma classificação jurídica

constitucional e infraconstitucional sobre o meio ambiente.

Aborda-se a evolução constitucional do meio ambiente, passando pelo Brasil

Colônia, Império, Pré-república e República, até chegar à Constituição Federal de 1988. De

forma infraconstitucional, apresentam-se as principais leis que foram marcos ambientais, por

exemplo, o Código Florestal, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei de Crimes

Ambientais.

Após a conceituação e classificação do meio ambiente foi introduzido um capítulo

a parte, para tratar de dois temas ambientais importantes - a reserva legal e área de

preservação permanente. Estes institutos são pontos centrais deste trabalho, eles são

classificados como espaços territoriais protegidos e têm a função de preservar a

biodiversidade existente em nosso planeta. Podem-se destacar, ainda, como espaços

territoriais protegidos as seguintes áreas: a) áreas de proteção especial - áreas encerradas

dentro do espaço urbano, que devem ser preservadas quando do parcelamento do solo urbano

(lei 6.766/79 Parcelamento do Solo Urbano); b) áreas de preservação permanente -

regulamentadas pelos artigos 2° e 3° do Código Florestal; c) reserva legal - preservada pelo

artigo 16 do Código Florestal; d) unidades de conservação - regulamentada pela Lei do

SNUC, n° 9.985/2000.

Foi proposital esta separação tendo em vista a problematização do tema proposto

para esta dissertação: “Função socioambiental da propriedade: reserva legal (RL) e área de

preservação permanente (APP) como elementos limitadores do direito de propriedade”.

Através da conceituação da RL e APP, atinge-se o ponto central do trabalho, que é interligar

os conceitos de propriedade, meio ambiente, reserva legal e área de preservação, para defini-

los como limitadores do direito de propriedade.

2 DO DIREITO DAS COISAS

O Direito das Coisas veio regular a relação do homem com os bens susceptíveis

de valorização econômica. No dizer de Maria Helena Diniz: “o direito das coisas visa

regulamentar as relações entre os homens e as coisas, traçando normas tanto para a aquisição,

exercício, conservação e perda de poder dos homens sobre esses bens como para os meios de

sua utilização econômica”1.

Clovis Beviláqua assim o define: “Direito das coisas, na terminologia do Direito

Civil, é o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes ás susceptíveis de

apropriação pelo homem”2.

Lafayette apresenta também seu conceito do Direito das Coisas

Tomando nos seus lineamentos fundamentais, o Direito das Coisas se resume nisso:

Em definir o poder do homem, no aspecto jurídico, sobre a natureza física, nas suas

variadas manifestações; e em regular a aquisição (por título singular), o exercício, a

conservação, a reivindicação e a perda daquele poder, à luz dos princípios

consagrados nas leis positivas3.

Nem todos os bens, sejam eles móveis ou imóveis4, são objetos do direito das

coisas, mas apenas aqueles que são úteis ao homem e, como tal, podem ser adquiridos por ele.

“O direito das coisas abrange o conjunto das normas que regulam as relações jurídicas

referentes às coisas suscetíveis de apropriação [...]”5. A noção psicológica de bens

apropriáveis surgiu com o homem primitivo, a partir do momento em que ele passou a

apropriar-se de animais, de utensílios pessoais e a constituir cavernas de morada. Os bens

comuns, tais como o ar e a água em seus estados naturais, não estão sujeitos ao domínio do

homem.

Carlos Gonçalves melhor define este entendimento:

Bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm

valor econômico. Somente interessam ao direito coisas suscetíveis de apropriação

exclusiva pelo homem, sobre as quais possa existir um vínculo jurídico, que é o

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

v. 4. p. 03. 2 BEVILÁQUA, Clovis. Direito das Coisas. Obra Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2003. v. I, p. 9.

3 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas. 6ª ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos S/A, 1956, p.

11/12. 4 “Art. 79 - São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente; Art. 82 - São

móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância

ou da destinação econômica social”. (Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF:

Congresso Nacional, 2002.) 5 WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1.

domínio. As que existem em abundância no universo, como o ar atmosférico e a

água dos oceanos, por exemplo, deixam de ser bens em sentido jurídico6.

Atualmente, devido a uma alteração didática, o direito das coisas passou a ser

apresentado, no Código Civil de 2002, logo após o direito das obrigações e se encontra no

Livro III da Parte Especial deste Código. Maria Helena Diniz classifica o direito das coisas

em três aspectos.

O direito das coisas tem sido apreciado e estudado sob três aspectos diferentes:

direito das coisas clássico, direito das coisas científico e direito das coisas legal.

Direito das coisas clássico é o que herdamos do direito romano, compreendendo o

estudo do domínio, das servidões, da superfície, da enfiteuse, do penhor e da

hipoteca. O simples enunciado das matérias bem ressalta quão deficiente e atrasado

era o seu âmbito, em contraste com a amplitude hoje alcançada. Direito das coisas

científico é o mesmo direito das coisas clássico, porém trabalhado e alargado pela

doutrina. Finalmente, direito das coisas legal é o determinado pela situação jurídica

da propriedade, em determinada época e lugar; é o direito das coisas tal como vem

regulado pela legislação. (DINIZ, 2007, p. 05)

O presente trabalho ateve-se a classificar o direito das coisas legal, uma vez que o

direito de propriedade não é mais visto de forma individualista, e sim, de forma

socioambiental. A sociedade evolui e com ela surgem novas leis, que devem ser estudadas

para ser devidamente aplicadas.

Quanto à terminologia Direito das Coisas ou Direitos Reais, o Código Civil

Brasileiro preferiu adotar a primeira, seguindo assim o Código Civil Alemão. Marco de Melo,

concordando com Miguel Lopes, afirma que “tanto a expressão Direitos Reais como a de

Direito das Coisas possuem ambas um conceito idêntico, como idênticos são os seu objetivos

e a matéria jurídica que a compõe”7.

2.1 DOS DIREITOS REAIS8

Os direitos reais são institutos antagônicos dos direitos pessoais9. Enquanto

àqueles se situam no direito das coisas, estes estão inseridos no direito das obrigações.

Enquanto que estes buscam satisfazer o interesse pessoal e individual dos sujeitos, aquele tem

uma função mais ampla: “os direitos reais buscam o aperfeiçoamento dos estágios políticos,

6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2007, v. V,

p. 1. 7 MELO, Marco Aurélio Bezerra. Direito das Coisas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 1.

8 “O Direito real é o que afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos, e a segue em

poder de quem quer que a detenha”. (PEREIRA, 1956, p. 19) 9 “O direito pessoal, por sua vez, consiste numa relação jurídica pela qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito

passivo determinada prestação. Constitui uma relação de pessoa a pessoa e tem, como elementos, o sujeito

ativo, o sujeito passivo e a prestação”. (GONÇALVES, op. cit., p. 8).

sociais e econômicos, procurando não apenas satisfazer às necessidades individuais, mas

também principalmente a coletiva”10

. Para distinguir um direito de outro, surgiram teorias,

dentre elas a Teoria Realista (também chamada clássica) e a Personalista.

Orlando Gomes, em sua obra atualizada por Luiz Fachin, assim as classifica:

Os adeptos da teoria realista caracterizam o direito real como o poder imediato da

pessoa sobre a coisa, que se exerce erga omnes. O direito pessoal, ao contrário,

opõe-se unicamente a uma pessoa, de quem se exige determinado comportamento11

.

O direito real pode, destarte, ser conceituado como a relação jurídica em virtude da

qual o titular pode retirar da coisa, de modo exclusivo e contra todos, as utilidades

que ela é capaz de produzir. O direito pessoa, por seu turno, conceitua-se como

relação jurídica mercê da qual ao sujeito ativo assiste o poder de exigir do sujeito

passivo determinada prestação, positiva ou negativa12

.

Ainda sobre estas duas teorias Caio Mário relata:

Para a doutrina realista, o direito real significa o poder da pessoa sobre a coisa,

numa relação que se estabelece diretamente e sem intermediário, enquanto o direito

de crédito requer sempre a interposição de um sujeito passivo, devedor da prestação,

independentemente de consistir esta na entrega de uma coisa, na realização de um

fato, ou numa abstenção.

Em posição à teoria realista, também chamada tradicional ou clássica, ergueu-se a

personalista. [...] não é de ser aceita a instituição de uma relação jurídica diretamente

entre a pessoa do sujeito e a própria coisa, uma vez que todo direito, correlato

obrigatório de um dever, é necessariamente uma relação entre pessoas. [...]

Enquanto no direito de crédito há um sujeito passivo, contra o qual o titular da

relação jurídica pode individualmente opor a facultas agendi, no direito real fica-lhe

reconhecido o poder de opô-lo indiscriminadamente a toda a sociedade. O direito

pessoal ou de crédito tem um sujeito passivo determinado; no direito real, ao sujeito

ativo conhecido opõe-se o que se denomina sujeito passivo universal13

.

Marco de Melo, além da teoria realista, chamada por ele impersonalista, e da

teoria personalista, apresenta uma terceira corrente ligada à situação jurídica:

Emprestando ao conceito uma perspectiva funcional e reconhecendo o acerta a teoria

da situação jurídica, conceituamos o direito das coisas como sendo o ramo do direito

civil regente da situação jurídica gerada pela norma de direito que confere ao

indivíduo o poder de titularidade sobre os bens apropriáveis apontando sua extensão

e limites, fundados primordialmente na função social e na boa fé. (MELO, 2008, p.

2)

A busca em determinar um sujeito passivo nas relações entre os direitos reais, que

não seja um sujeito passivo universal, leva vários autores a adotar a teoria personalista.

Contudo, se verá que tanto esta teoria quanto à clássica possuem adeptos e opositores.

10

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 5, p. 24. 11

GOMES, Orlando. Direitos Reais. Atualizador Luiz Edson Fachin. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

p.11. 12

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das coisas. Revista e atualizada por

Carlos Alberto Dabus Maluf. 38ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 12. 13

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeio: Forense, 2007. v. IV, p.

2/3.

Impressionados com a sustentada inexistência de uma relação jurídica entre pessoa e

coisa, muitos autores adotaram a teoria personalista, segundo a qual os direitos reais

também são relações jurídicas entre pessoas, como os direitos pessoais. A diferença

está no sujeito passivo. Enquanto no direito pessoal, esse sujeito passivo – o devedor

– é pessoa certa e determinada, no direito real, seria indeterminada, havendo, neste

caso, uma obrigação passiva universal, a de respeitar o direito – obrigação que se

concretiza toda vez que alguém o viola. (GOMES, 2007,p.12)

O precursor da teoria personalista foi Windscheid. Buscando encontrar um sujeito

passivo nas relações jurídicas, ele definiu o direito real como obrigação passiva universal,

elevando a categoria de pessoais todos os demais direitos. Afirmam os defensores desta teoria

que o conteúdo da obrigação universal é negativo, o que nem sempre é verdade, pois “a

afirmação não pode ser generalizada porque há direitos reais, como as rendas constituídas

sobre imóveis, alguns ônus da mesma natureza e obrigações ambulatórias que acarretam, para

o sujeito passivo, uma obrigação positiva”. (GOMES, 2007, loc.cit.)

[...] As teorias personalistas se diferenciam basicamente por enxergarem a distinção

entre direitos reais e obrigacionais, ora em função do sujeito passivo, ora em função

do objeto, ora em função do vínculo. Como veremos, todas estas corretas.

A primeira delas é a de Windscheid, Roguin e Planiol. Para eles é tudo a mesma

coisa, pois tanto os direitos reais quanto os de crédito decorrem de relações

obrigacionais entre pessoas. A diferença encontra-se apenas no sujeito passivo, que

nos direitos reais é universal, toda a sociedade, todos os não titulares e, nos direitos

de crédito, uma ou várias pessoas determinadas, ou os devedores.

A segunda teoria personalista atribui-se a Michas e Querú. De acordo com eles, a

diferença existe, mas basicamente, não é em função do sujeito passivo, e sim em

função do objeto. Os direitos reais teriam, como objeto um bem; os direitos

creditícios, uma prestação de dar, fazer ou não fazer.

A terceira é de Démogue, que nega importância a qualquer dessas diferenças, pois

que só existem direitos fortes (reais) e fracos (creditícios). A diferença mais

importante residiria na intensidade do vínculo jurídico e não nos sujeitos ou no

objeto14

.

Maria Helena Diniz, embasada nos ensinamentos de Kant, ( DINIZ, 2007, p. 11)

apresenta três elementos constitutivos do direito real, sob o foco da teoria personalista: sujeito

ativo, que é o proprietário; sujeito passivo, que é a coletividade, sujeita a uma obrigação de

conteúdo negativo; e o objeto, que é a coisa sobre a qual recai o direito. Sob o prisma da

mesma autora, porém, com base na teoria clássica (realista) já acolhida em nosso direito

positivo, ela apresenta também três elementos: “o sujeito ativo, a coisa e a inflexão imediata

do sujeito ativo sobre a coisa e o direito pessoa, como uma relação entre pessoas, abrangendo

tanto o sujeito ativo como o passivo e a prestação que ao primeiro deve o segundo”. (Ibid., p.

13)

14

FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 11ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 742.

Há objeções para as duas teorias, clássica e personalista. Os contrários à teoria

realista defendem que não pode haver relação jurídica, senão entre pessoas, e que a

oponibilidade erga omnes não é exclusividade dos direitos reais, mas característica de todos

os direitos absolutos. Os opositores à teoria personalista alegam ser as obrigações passivas

universais uma mera regra de conduta, e a aceitação desta teoria levaria à supressão dos

direitos reais e reduziria os direitos a vínculos obrigacionais.

Os autores modernos, buscando harmonizar esta disputa, interpretam o direito real

em sua estrutura interna, sendo o modo de exercício do direito real a grande distinção do

direito pessoal.

De Page traça, com nitidez, a distinção à luz desse critério. A característica do

direito real será sempre o fato de se exercer diretamente, sem interposição de quem

quer que seja, enquanto o direito pessoal supõe necessariamente a intervenção de

outro sujeito de direito. Assim, o proprietário, titular do máximo direito real, o

exerce, utilizando a coisa sem ser preciso qualquer intermediário. Sua ação é direta e

imediata. Já o comodatário, para que possa utilizar a coisa emprestada, necessita da

intervenção do comodante; precisa que, mediante o contrato de comodato, o

proprietário da coisa, nele figurando como comodante, lha entregue, assegurando-

lhe o direito de usá-la com a obrigação de restituí-la após o decurso de certo tempo.

(GOMES, 2007, p.15)

Resumindo e condensando as diferenciações entre os direitos reais e pessoais

acima apresentadas, será feito um paralelo entre esses dois direitos, que pode ser assim

apresentado: a) em relação ao sujeito de direito - no direito pessoal, o sujeito ativo e o passivo

são identificados no nascimento da relação jurídica, existindo uma dualidade de sujeitos

(credor e devedor); nos direitos reais, existe apenas o sujeito ativo, sendo o sujeito passivo

identificável no momento da violação do direito. A pluralidade de sujeitos com o mesmo

direito sobre a mesma coisa não é aceito nos direitos reais; b) quanto à ação - o direito pessoal

se dirige apenas contra o sujeito passivo identificado no início da relação jurídica; o direito

real é dirigido, indistintamente, contra quem detiver coisa, é o que se chama oponibilidade

erga ommes deste direito; c) quanto ao objeto - o objeto do direito pessoal é sempre uma

prestação, uma obrigação positiva ou negativa; o direito real não cria obrigação para terceiros,

seu objeto é sempre uma coisa. O objeto do direito real é sempre determinado, já o do direito

pessoal basta ser determinável; d) em relação ao limite - o direito pessoal segue o princípio

dos numerus apertus, ou seja, são ilimitados podendo ser criados pela convenção entre as

partes, por exemplo, os contratos nominados e inominados; o direito real é limitado pela lei,

são numerus clausus, não podem ser criados a não ser por lei; e) quanto ao modo de gozar os

direitos - para que se utilize do direito pessoal, será sempre preciso presença de um

intermediário, além do que, este direito será transitório; no direito real o titular exerce seu

direito direto sobre a coisa sem intermediário, basta que esta esteja a sua disposição, e o

direito de gozo é permanente; f) quanto ao abandono - é característica exclusiva do direito

real. Seu titular poderá abandonar a coisa, caso não queira mais arcar com os ônus desse

direito. “P. ex.: quando o exercício de uma servidão exigir realização de obras necessárias ao

seu uso e conservação, o dono do prédio serviente poderá exonerar-se dessa incumbência,

abandonando a propriedade ao dono dominante” (DINIZ, 2007, p. 16); g) quanto à extinção -

“os direitos de creditórios extinguem-se pela inércia do sujeito: os reais conservam-se até que

se constitua uma situação contrária em proveito de outro titular” (DINIZ, 2007, loc. cit.); h)

em relação ao direito de sequela - perseguir ou acompanhar o bem onde quer que ele se

encontre é uma prerrogativa do direito real e não do direito pessoal; i) quanto ao usucapião - é

um modo de aquisição da propriedade exclusivo do direito real, não admitida pelo direito

pessoal, independente do tempo em que o indivíduo possua o bem; j) em relação à posse - por

ser a exterioridade do domínio, é suscetível apenas ao direito real; k) quanto ao direito de

preferência - “[...] este é restrito aos direitos reais de garantia, consistindo no privilégio de

obter o pagamento de uma dívida com o valor de bem aplicado exclusivamente à sua

satisfação [...]”(Ibid., p. 17). O titular do direito real gravado com garantia tem o direito de

recebê-lo de forma privilegiada, nos casos de falência ou concurso de credores.

Além das classificações acima apresentadas, Arnold Wald apresenta mais uma,

dizendo serem os direitos reais absolutos – por terem um sujeito passivo indeterminado – e, os

pessoais relativos – pois já nascem com o sujeito passivo indeterminado.

A dogmática moderna conceitua o direito absoluto com aquele cujo sujeito passivo é

indeterminado. Neste caso, o dever jurídico consiste, numa ação ou omissão que

recai sobre todos os membros da coletividade ou de qualquer um deles que vier a se

encontrar em determinada posição jurídica em relação a certo objeto (v.g. o

proprietário do prédio serviente ou hipotecado).

O direito é relativo quando o sujeito passivo é determinado, sendo pessoa certa da

qual o titular do direito pode exigir a prestação devida. (WALD, 2002, p. 27)

Ainda para esse autor, os direitos absolutos, acima apresentados, se subdividem

em: direitos da personalidade ligados à própria pessoa do seu titular, por exemplo, direito à

vida, saúde liberdade; direitos reais voltados para questões exteriores à pessoa de seu titular.

O direito real classifica-se e divide-se em: direito na coisa própria - propriedade15

- e direito na coisa alheia - direitos limitados16

. Este direito surge através do desmembramento

15

“O domínio - direito de propriedade no sentido estrito - é o direito real em toda a sua compreensão, ou antes é

a síntese de todos os direitos reais; manifesta-se por todos os atos que o homem pode praticar sobre a coisa

corpórea; é a plena potestas, o império exclusivo e absoluto da nossa vontade sobre a coisa”. (PEREIRA,

1956, p. 21).

dos diversos poderes jurídicos contidos na propriedade, direito de uso, de gozo e demais.

Entretanto, o direito de propriedade não está se destruindo ou fracionando, mas apenas sendo

limitado, tendo em vista a constituição de um outro direito real sobre a mesma coisa. Esta

limitação ao direito de propriedade é transitória e anormal. Busca sempre voltar ao direito de

propriedade em sua plenitude. José Serpa chama esta característica de elasticidade da

propriedade17

.

Jus in re propria é a propriedade com todos os seus direitos elementares. Jus in re

aliena, o direito real que tem por objeto a propriedade limitada. Assim, de acordo

com esse ensinamento, a propriedade é a soma de todos os direitos possíveis que

pertencem ao proprietário sobe a sua coisa, quais os da posse, uso, gozo e livre

disposição; os outros direitos reais são parcelas daquela soma, são os próprios

direitos constitutivos do domínio, são poderes que sobre a coisa se atribuem a outras

pessoas. (GOMES, 2007, p. 26)

Os direitos reais limitados abrangem alguns dos poderes desmembrados do direito

de propriedade, exercidos parcial ou totalmente pelos seus titulares. [...] A existência

de um direito real limitado vem restringir os poderes do proprietário, passando um

ou alguns destes a serem exercidos parcial ou total, exclusiva ou simultaneamente

pelo titular do direito real limitado. A propriedade que subsiste nas mãos do

proprietário não tem então a plenitude que normalmente a caracteriza, sendo

denominada propriedade limitada, menos plena ou onerada. (WALD, 2002, p. 38)

Caio Mário subdivide o direito sobre coisa alheia18

em: direito de fruição ou gozo,

direito de garantia e direito real de aquisição.

Os direitos reais classificam-se, em duas categorias: sobre coisa própria e sobre

coisa alheia. No primeiro plano está a propriedade, direito real por excelência, ou

dirieto real pleno. No segundo situam-se os direitos reais limitados de fruição ou

gozo (enfiteuse, servidão, uso, usufruto, habitação, renda constituída sobre imóvel e

direito de superfície); e os garantia (hipoteca, anticrese, penhor, propriedade

fiduciária), além da posse, que ocupa lugar destacado; e num derradeiro plano surge

novo direito real, gerado pelas exigências da vida moderna, ocupando lugar

destacado: direito real de aquisição - promessa irrevogável de venda -. (PEREIRA,

Caio, 2007, p. 6)

Ainda dentro dessa classificação, os direitos reais podem ser caracterizados pelo

direito de sequela e preferência. Aquele é o direito que o titular de um bem tem de perseguir o

bem ou reavê-lo de quem o injustamente o possua. Já o direito de preferência está ligado aos

direitos reais de garantia, privilégio de um credor em afastar os demais em relação a um

crédito junto ao devedor.

Afetar o objeto da propriedade sem consideração a pessoa alguma, segui-lo

incessantemente em poder de todo e qualquer possuidor, eis o efeito constante do

16

“O domínio é suscetível de se dividir em tantos direitos elementares quantas são as formas por que se

manifesta a atividade do homem sobre as coisas corpóreas. E cada um dos direitos elementares do domínio

constitui em si um direito real: tais são o direito de usufruto, o de uso, o de servidão”. (PEREIRA, 1956, p. 22). 17

MARIA, José Serpa de Santa. Direitos Reais Limitados. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1993, p. 20. 18

Cf. FIUZA, 2008, p. 744.

direito real, eis seu caráter distintivo. Este caráter é oposto ao do direito pessoal que

não adere ao objeto da propriedade, não o segue, mas prende-se exclusivamente à

pessoa obrigada e jus ossibus adhaeret ut lepra cuti19

.

Conforme Arnoldo Wald (2002, p. 33), Marco de Melo (2008, p. 3 et. seq.) e

Carlos Gonçalves (2007, p. 12 et. seq.) os direitos reais são assim reconhecidos: a) são de

natureza erga omnes – é oposto contra todos e possui um sujeito passivo indeterminado; b)

aderência ou inerência - “Os direitos reais submetem a coisa ao titular, caminhando com ele,

independentemente da observância de uma conduta de alguém” (Idid., p. 4). Essa

característica se subdivide em ambulatoriedade e sequela; c) ambulatoriedade o bem adere ao

seu titular e com ele fica até a sua extinção (destruição); d) sequela é o ius persequendi o

titular pode perseguir a coisa a onde ela estiver e contra quem a detiver injustamente; e)

publicidade é um atributo da oponibilidade contra todos - “Significa o princípio da ampla

divulgação de todos os atos concernentes à constituição e à transferência dos direitos reais, de

molde a que todos possam conhecer a relação jurídica a que estão adstritos a respeitar” (Idid.,

p. 5); f) princípio da taxatividade20

ou dos números clausus - os direitos reais são aqueles

instituídos por lei, qualquer limitação ao direito de propriedade instituída fora da lei terá

natureza obrigacional. O Código Civil argentino21

e o Código Civil português22

adotam este

mesmo entendimento; g) princípio da tipicidade: é um complemento da taxatividade. Se há

direitos reais, apenas os criados por lei, há também a necessidade de um catálogo sendo

enumerado e tipificado cada direito real; h) princípio da perpetuidade: apesar de não ser uma

perpetuidade absoluta, pois a propriedade extingue-se em casos excepcionais, os direitos reais

possuem mais estabilidade do que os direitos obrigacionais. “A propriedade é um direito

perpétuo, pois não se perde pelo não uso, mas somente pelos meios e formas legais:

desapropriação, usucapião, renúncia, abandono etc.” (GONÇALVES, 2007, p. 18); i)

princípio da exclusividade23

: a lei da física ensina que dois corpos não podem ocupar o

19

FREITAS, Teixeira de apud WALD, Arnoldo. Direito das Coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 31. 20

“Por fim, quando se diz que não há direito real senão quando a lei o declara, não se afirma que só sejam

direitos reais os que estão discriminados no Código, porém que estão instituídos em outras leis. O que se não

admite é a criação arbitrária de novos tipos, ou a ressurreição de velhas espécies rejeitadas pelo legislador”

(GOMES, 2007, p.22). 21

“[...] o Código Civil argentino, cujo art. 2502 dispõe: „Os direitos reais só podem ser criados pela lei. Todo o

contrato ou disposição de última vontade que constituir outros direitos reais, ou modificar os que ete Código se

reconhecem, só valerá como constituição de direitos pessoais, se como tal puder valer‟”. (Ibid., p. 16.) 22

“[...] o art. 1306 do Código Civil português de 1966: „Não é permitida a constituição, com caráter geral, de

restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda

a restrição resultante de negócios jurídicos, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional‟”.

(Ibid., p. 17). 23

“É certo que, nos direitos reais sobre coisas alheias, há dois sujeitos: o dono e o titular do direito real. Mas, em

razão do desmembramento da propriedade, cada um deles exerce, direta e imediatamente, sobre a coisa,

direitos distintos, vale dizer, sem a intermediação do outro” (ibid., p. 19).

mesmo lugar no espaço. No direito, duas pessoas não podem ocupar o mesmo espaço jurídico.

Não pode haver dois direitos reais idênticos sobre o mesmo bem; j) princípio do

desmembramento: é o desmembramento dos diversos poderes jurídicos contidos na

propriedade, direito de uso, de gozo e demais. Contudo, este desmembramento tende a ser

transitório devido ao fenômeno da consolidação, voltando a propriedade a ser plena.

Contudo, após essa ampla diferenciação dos direitos reais e direitos pessoais, é

bom lembrar o ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa:

De toda essa diferenciação, recordemos mais uma vez que não existem

compartimentos estanques no Direito. Como foi dito, direitos reais e direitos

pessoais interpretam-se e complementam-se para formar o universo harmônico da

ciência jurídica. Há institutos, como as obrigações com eficácia real e as obrigações

propter rem, [...] que se situam em zona transitória entre um e outro compartimento.

Há direitos reais que servem precipuamente para garantir direitos obrigacionais,

como ocorre com o penhor e a hipoteca. (VENOSA, 2007, p. 9)

As obrigações propter rem situam-se entre o direito pessoal e o real, possuindo

características de ambas. É uma obrigação que adere a coisa e segue seu titular, exemplo:

dívida condominial, servidão predial, pagamento de IPVA, IPTU etc. Nelson Rosenvald,

citado por Marco de Melo, assim define: “trata-se de obrigações em que a pessoa do devedor

individualiza-se não em razão de um ato de autonomia privada, mas em função da titularidade

de um direito real”. (MELO, 2008, p. 10)

2.2 DA PROPRIEDADE

Várias são as teorias que discutem sobre a origem jurídica da propriedade, dentre

elas podem-se citar (MONTEIRO, 2007, p. 77 et. seq.):

Numerosas são as teorias relativamente ao fundamento jurídico da propriedade.

Dentre elas destacam-se as que vão encontra-las no “Direito Natural”, “na Lei”, no

“Contrato Social”, na “Utilidade Social”e no “Trabalho”. Muitos outros pensadores

julgaram necessário justificar, explicar ou modificar o fato universal da propriedade

e formularam numerosas teorias, que, segundo o conceito basilar da cada uma delas,

podem ser designadas assim: a) teoria da ocupação; b) teoria do trabalho; c) teoria

da criação legal; d) teoria da convenção tácita; e) teoria da função social; f) teoria da

vontade divina; g) teoria do assentimento universal; h) teoria da liberdade; i) teoria

da utilidade social; j) teorias socialistas da expoliação e do confisco de vencidos e

proletários; k) teoria a instituição; l) teoria da lei da natureza; m) teoria da

imprescindível condição da vida e da liberdade24

.

I – Teoria da ocupação: a propriedade tem seu fundamento na ocupação das coisas

pelo homem com o intuito de satisfazer sua necessidade, entretanto, nos dias de hoje, não

24

INOCÊNCIO, Antônio Ferreira. Divisão de Terras. 3. ed. São Paulo: Jalovi, 1983, p. 21.

existem mais propriedades dessa natureza. Esta teoria serve apenas para constatar um fato,

mas não criar uma doutrina.

II – Teoria da lei: esta teoria tem como padrinho Montesquieu, que afirma ter sido

a propriedade instituída e garantida por lei. Contudo, não pode ser esta a única base da

propriedade, pois ela não pode ficar à mercê da vontade humana; pois, caso assim fosse, o

legislador poderia tanto criar como extinguir o direito de propriedade.

“A propósito, frisava Taine que não foi a sociedade que criou a propriedade, mas

a propriedade que criou a sociedade, pela reunião dos proprietários, unidos para defendê-la”

(MONTEIRO, 2007, p. 78).

III – Teoria da especificação: a propriedade é fruto do trabalho e não da

apropriação. Contudo Planiol combate esta teoria, pois a recompensa pelo trabalho é o salário

e não a própria coisa produzida.

Segundo essa concepção, não é simples apropriação da coisa ou do objeto da

natureza que os submete ao domínio do homem, mas sua transformação por meio da

forma dada à matéria bruta pelo trabalho humano; portanto, só o trabalho, criador

único de bens, constitui título legítimo para a propriedade. (MONTEIRO, 2007 loc.

cit.)

A teoria individualista da propriedade de Locke defendia que a propriedade se

baseava no trabalho e o limite desta propriedade era a capacidade de trabalho do ser humano,

porém, mais tarde, com o advento do dinheiro, a propriedade passou a ser ilimitada, fundada

na acumulação possibilitada por esse dinheiro.

[...] cada homem tem uma „propriedade‟ em sua própria „pessoa‟; a esta ninguém

tem qualquer direito senão ele mesmo. Podemos dizer que o „trabalho‟ do seu corpo

e a „obra‟ das suas mãos são propriamente seus. [...] Desde que esse „trabalho‟é

propriedade indiscutível do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao

que foi por ele incorporado [...]25

.

IV – Teoria da natureza humana: traz à concepção que a propriedade é inerente à

natureza humana. Os bens suscetíveis de valoração econômica são para servir o homem. Esta

é a teoria adotada pelo catolicismo, conforme encíclica Quadragéssimo Ano do Pio XI e a

encíclica Mater et Magistra de João XXII.

A teoria da ocupação poderia justificar a propriedade primitiva, antes do

ordenamento do Estado. Com o advento do Estado, é este quem determina e

organiza a propriedade. Unicamente, o Direito protege os direitos subjetivos. Desse

modo, não só a propriedade, como também qualquer outro instituto jurídico têm

como denominador a lei. Todavia, não é apenas a lei, como se pretendeu no passado,

25

WEFFORT, Francisco C. (org). Os Clássicos da Política: John Locke e o Individualismo Liberal. 13. ed. São

Paulo: Ática, 2001. v. 1. p. 94.

que cria a propriedade. Esta decorre da própria natureza humana. (VENOSA, 2007,

p. 151)

Fiuza apresenta mais duas teorias: teoria da dignidade humana - a propriedade é

um instrumento de promoção homem, faz parte de sua dignidade. É através da propriedade

que o homem se realiza e torna-se parte da coletividade -; teoria eclética - é a mistura da

teoria da ocupação com a da especificação.

Direito de propriedade, em sentido amplo, são todos os nossos patrimônios que

possuem valor econômico. Em uma concepção mais restrita, é o direito que tem por objeto

direto e imediato as coisas corpóreas. É o que chamamos de domínio26

.

O ordenamento jurídico brasileiro não conceitua a propriedade, restringe-se a

apresentar seus elementos constitutivos. “Art. 1228 CC – O proprietário tem a faculdade de

usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente

a possua ou detenha”.

O direito de usar (jus utendi) não é apenas fazer bom uso da coisa ou extrair dela

suas vantagens, mas é também ter a coisa em codições de servir.

O direito de gozar ou usufruir (jus fruendi) é a percepção dos frutos, seja natural

ou frutos civis.

Direito de dispor da coisa (jus abutendi) é o direito de consumir, gravar ou alienar

a coisa, condicionado ao bem estar social.

Direito de reaver a coisa (rei vindicatio) é aquele em que o proprietário tem o

direito de ir buscar a coisa da mão do possuidor ou detentor que esteja com ela

indevidamente.

Contudo, César Fiuza alerta que a propriedade não pode ficar adstrita apenas a

estes atributos. A propriedade possui um caráter dinâmico que se transforma no tempo e no

espaço. Além de direitos, atribui deveres ao seu titular, bem como institui uma obrigação

deste com a coletividade.

Clóvis Beviláqua apresenta alguns conceitos de propriedade em ordenamentos

estrangeiros:

O Código Civil suisso define-o, indiretamente, nos termos seguintes: „o proprietário

de uma coisa tem o direito de dispor dela livremente, nos limites da lei. Pode

reivindica-la contra quem quer que a detenha sem direito e repelir toda usurpação‟.

A definição do novo Código Civil peruano é a seguinte: „Ao proprietário de um bem

compete o direito de possuí-lo, perceber-lhe os frutos, reivindicá-lo e dispor dele,

dentro dos limites da lei‟.

26

“Domínio é o direito real que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de nossa vontade a coisa

corpórea, na substância, acidentes e acessórios”. (PEREIRA, 1956, p. 78).

O chileno, art. 582, achega-se mais á noção romana, dizendo: „é o direito real sobre

uma coisa corpórea para gozar e dispor dela, arbitrariamente, não sendo contra lei ou

contra direito alheio‟.

O Código Civil da Rússia soviética distingue a propriedade em pública, cooperativa

e privada. (BEVILÁQUA, 2003, p. 135 et. seq.)

O direito de propriedade faz parte dos direitos reais, que por sua vez estão

contidos no Direito das Coisas, que regula a relação dos homens sobre os bens e sua

utilização, diferente dos direitos pessoais, que estão contidos no Direito das Obrigações. O

direito de propriedade “é espécie de direito patrimonial, que serve às necessidades da pessoa,

sem correspondência de dever moral dela”27

. Para os adeptos da Teoria Realista, o direito real

é um poder imediato da pessoa sobre a coisa, exercida contra todos; já o direito pessoal é

imposto contra uma única pessoa, exigindo-se certo comportamento. Os adeptos da Teoria

Personalista interpretam o direito real como sendo também relação jurídica entre pessoas, e

não só pessoas coisas, tendo como diferença o sujeito passivo.28

Se não metemos a posse no rol dos direitos reais, temos de criar, ao lado desses, o

“direito das coisas” não-real, que seria a posse. Tal direito das coisas não-real seria

distinto dos direitos reais (propriamente ditos). Seria sem grande alcance, embora

devido à denominação “Direito das Coisas”, que se dá ao Livro II da Parte Especial

do Código Civil, pareça que foi preferida pelo legislador a distinção entre direito

reais e posse, dentro da classe “direito das coisas”29

.

O direito das coisas se opõe imediatamente a propriedade, que, como indica o seu

nome, é o direito na própria coisa, é o jura in re aliena, os direitos em coisas dos

outros.30

.

Em relação ao direito das coisas, a legislação brasileira afastou-se do sistema

franco-italiano para adotar o sistema alemão (BGB – Código Civil Alemão), como exemplo,

ao realizar a transferência de um bem imóvel, o código francês e italiano admitem um simples

contrato, já a legislação alemã exige a transcrição do bem. É bom lembrar que na legislação

brasileira, o direito das coisas não está adstrito apenas ao Código Civil, mas também às leis

esparsas.

Complementando o que foi tratado no capítulo anterior, é importante esclarecer

que o objeto do direito real deverá ser uma coisa determinada; sua violação será sempre um

fato positivo. Ele possui um caráter de perpetuidade, podendo ser adquirido por usucapião e o

27

ALVES, Vilson Rodrigues. Uso Nocivo da Propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 67. 28

“Enquanto no direito pessoal, esse sujeito passivo – o devedor – é pessoa certa e determinada, no direito real,

seria indeterminada havendo, neste caso, uma obrigação passiva universal, a de respeitar o direito – obrigação

que se concretiza toda vez que alguém o viola”. (GOMES, 2001, p. 3). 29

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. Rio de Janeiro: Borsai, 1955. v. XI, p.

56. 30

Em el Derecho de cosas se opone inmediatamente la propriedad, que, como indica ya su nombre, es el derecho

em la própria cosa,y los jura in re aliena, los derechos em cosas de otros. (HEDEMANN, J. W. Derechos

Reales. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1955, v. II, p. 31, tradução nossa).

sujeito passivo só existirá no momento em que ocorrer a violação. Já o objeto do direito

pessoal pode ser determinável, não necessariamente será um fato positivo. O direito pessoal é

transitório e desde o seu nascimento, dirige-se a uma pessoa determinada. Os direitos reais

possuem como características o direito de seqüela, podendo o titular perseguir a coisa contra

quem injustamente a possua e o direito de preferência, que é restrito aos direitos reais de

garantia.

A propriedade é o mais amplo dos direitos reais, abrangendo a coisa em todos os

seus aspectos. É o direito perpétuo de usar, gozar e dispor de determinado bem,

excluindo todos os terceiros de qualquer ingerência neste. Essa plenitude do direito

de propriedade distingue-o dos outros direitos reais, denominados direitos reais

limitados. (WALD, 2002, p. 104)

[...] o § 903 BGB. atribui ao proprietário a faculdade de fazer da coisa << o que lhe

diz seu arbítrio>> e de <<excluir qualquer ação alheia>> na coisa; mas impõe em

seguida: <<contudo que não se oponha a lei e os direitos de terceiros>>31

.

O direito de propriedade é o principal e mais amplo dos direitos reais. Conforme

Orlando Gomes, o direito de propriedade pode ser conceituado sob três critérios: sintético, a

submissão da coisa em relação à pessoa; analítico, direito sobre a coisa, de usar (não só o

direito de usar, mas o direito de ter a coisa em condição de lhe servir, mesmo que não use),

dispor (ato verdadeiramente de dono), fruir e reivindicar (ter o direito de ação); descritivo,

direito perpétuo pelo qual a coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, dentro dos limites

da lei.

A propriedade é um direito complexo, se bem que unitário, consistindo num feixe de

direitos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa

que lhe serve de objeto.

Direito absoluto também é porque confere ao titular o poder de decidir se deve usar

a coisa, abandona-la, aliená-la, destruí-la, e, ainda, se lhe convém limitá-lo,

constituindo, por desmembramento, outros direitos reais em favor de terceiros. Em

outro sentido, diz-se, igualmente, que é absoluto, porque oponível a todos. Mas a

oponibilidade erga omnes não é peculiar ao direito de propriedade. O que lhe é

próprio é esse poder jurídico de dominação da coisa, que fica ileso em sua

substancialidade ainda sofre certas limitações.

Por último, seu caráter de direito absoluto se manifesta mais nitidamente no aspecto

real de poder direto sobre a coisa com o qual se distingue das outras relações

jurídicas.

O direito de propriedade é perpétuo. Incluindo a perpetuidade entre seus caracteres,

significa-se que tem duração ilimitada, e não se extingue pelo não-uso. (GOMES,

2001, p. 97)

31

[...] el § 903 BGB. atribuye al propietario la facultad de hacer de la cosa <<lo que le dicte su albedrío>> y de

<<excluir cuaquier acción ajena>> em la cosa; pero agrega em seguida: <<em tanto que no se opongan la Ley

o los derechos de terceros>> (HEDEMANN, 1955, p. 35, tradução nossa).

Esse caráter de direito absoluto da propriedade deve ser visto com certa restrição,

pois, apesar de ser garantido pela Constituição e pelo Código Civil, o direito à propriedade se

vê limitado pela finalidade econômica e social.

Muitos interpretam, de maneira equivocada, o direito do jus abutendi do direito

romano, defendendo que o proprietário tem o direito de abusar do bem, de usá-lo de maneira

antissocial. Contudo, este não foi o significado atribuído pelos romanos, para eles o jus

abutendi era o poder de alienar, consumir e dispor da propriedade.

Colin y Capitant definem assim o direito de propriedade: “A propriedade pode ser

definida: o poder de usar de uma coisa e aproveitar toda a utilidade que é possível de ter de

um modo exclusivo e perpétuo”32

.

A definição de propriedade pelo Código Espanhol é semelhante à do Código

Brasileiro. Assim, conforme o artigo 544 da legislação espanhola, a propriedade é o direito de

gozar e dispor da coisa do modo mais absoluto, desde que não faça dela um uso proibido pela

lei e pelos regulamentos33

.

Orlando Gomes, em sua obra Direitos Reais, apresenta as seguintes modalidades

de propriedade:

I – propriedade plena: quando todos os elementos inerentes à formação da

propriedade estão reunidos na pessoa do proprietário. Ela é caracterizada pela exclusividade,

ilimitação, perpetuidade e elasticidade.

A propriedade é exclusiva quando há apenas uma pessoa exercendo o direito

sobre ela. Mesmo existindo propriedade em condomínio, trata-se de uma propriedade

exclusiva, pois cada condômino terá poder sobre sua fração ideal e não sobre o todo.

Entretanto, a propriedade vem sofrendo diversas limitações, seja administrativa ou voluntária,

todavia, estas restrições não retiram do direito de propriedade seu caráter erga omnes.

“A característica da perpetuidade significa que o domínio é permanente em relação

à coisa, não importando quem exerça esse direito”34

.

“A propriedade, enfim, é elástica, significando tal qualidade que, quando perde a

sua plenitude, tende a recuperá-la com a extinção dos direitos reais limitados existentes sobre

o objeto”. (WALD, 2002, p. 108)

32

La propiedad puede ser definida: el poder de usar de una cosa y de aprovechar toda la utilidad que es

susceptible de procurar de un modo exclusivo y perpetuo (COLIN, A; CAPITANT, H. Curso Elemental de

Derecho Civil. Madri: Instituto Editorial Reus, 1961, v. II, p. 109, tradução nossa). 33

Art. 544. La propiedad es el derecho de gozar y disponer de las cosas del modo más absoluto com tal de que

no se haga de ellas un uso prohibido por la ley o por los reglamentos (COLIN, A; CAPITANT, H., 1961, loc.

cit, tradução nossa). 34

GAMA, Ricardo Rodrigo. Direitos Reais. São Paulo: Editora de Direito, 1996, p. 64.

Há quem assevere que a propriedade não constitua uma soma de direitos separáveis,

mas direito único, com a faculdade de comprimir-se ou de reduzir-se a um mínimo

de poderes, permanecendo, todavia, potencialmente unida, ante a possibilidade, que

lhe é imanente, de volver à sua máxima e normal compreensão, logo que se

eliminem ou se renovam os pesos e restrições que a comprimam. É o que se chama

de princípio da elasticidade do domínio, mercê do qual, como verdadeira mola,

retoma a propriedade, automaticamente, sua primitiva extensão, tão logo venha a

cessar a compressão do direito menor que sobre ela estava a incidir. (MONTEIRO,

2007, p. 88)

II – propriedade restrita ou limitada: quando um ou alguns dos elementos

inerentes à formação da propriedade estão na mão de outrem, é o que chamamos de direitos

reais na coisa alheia. Esses direitos se materializam através de três restrições impostas à

propriedade: inalienabilidade – o bem fica impossibilitado de ser alienado, gravado pelo seu

proprietário; impenhorabilidade – o bem não pode ser objeto de penhora por parte dos

credores; incomunicabilidade – caso o titular de um bem venha casar-se, este bem não fará

parte do patrimônio comum do casal.

São cláusulas autônomas, assim em razão de seu interesse social como dos seus

efeitos. A de inalienabilidade tem em vista pôr fora de comércio o bem por ato do

adquirente. A de impenhorabilidade visa a subtrair o bem à sua qualidade de

garantia dos credores. Uma tem por efeito negar ao titular a faculdade de dispor;

outra recusa aos credores a sua apreensão judicial para a satisfação de obrigações.

(PEREIRA, Caio, 2007, 108)

III – propriedade perpétua e resolúvel: toda propriedade nasce para se prolongar

no tempo, a perpetuidade é um caractere da propriedade, como o é para a soberania35

.

Excepcionalmente, aceitam-se condições resolutivas para a propriedade, por exemplo, a

retrovenda. No próprio título de constituição da propriedade, as partes pactuam esta condição

resolutiva.

2.3 PROPRIEDADE NA CONCEPÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA

Será apresentada de forma evolutiva a concepção da propriedade, partindo da

Terra mãe, local de onde os homens tiravam o sustento necessário a suas vidas, passando pela

individualização da terra, proporcionada pela agricultura, pela domesticação e submissão dos

animais e plantas à vontade humana, para, ao final, transformar esta terra individualizada em

um bem de uso comum do povo, imbuído de uma função socioambiental. “O estudo jurídico

da propriedade pressupõe o conhecimento de sua evolução histórica” (GOMES, 2007, p.115).

A concepção atual de propriedade tem sua origem no direito Romano, em que a propriedade

35

Fazemos uma pequena alusão à soberania, pois não existe País com meia soberania ou soberania com tempo

marcado. Do mesmo modo a propriedade, ou você a tem ou não.

era plena e absoluta. Com a chegada da Idade Média, houve uma repartição desta plenitude,

sendo a propriedade dividida entre os senhores feudais e seus vassalos. Com a Revolução

Francesa, a ascensão do Iluminismo e a fixação do capitalismo, a concepção una e plena de

propriedade retornou a suas raízes romanas.

[...] o conceito de propriedade que veio a prevalecer entre os romanos, após longo

processo de individualização, é o que modernamente se qualifica como

individualista. [...] A propriedade medieval caracteriza-se pela quebra desse conceito

unitário. [...] A dissociação revela-se através do binômio domínio eminente +

domínio útil. [...] No regime capitalista, o conceito unitário da propriedade é

restaurado e os poderes que ele confere são exagerados, a princípio, exaltando-se a

concepção individualista. (GOMES, 2007, loc.cit.)

Vindick Nóbrega relata que o instituto da propriedade remonta antes de Roma,

uma época em que não se tinha um conceito individual de propriedade.

Anteriormente aos romanos, a noção de propriedade existiu em vários povos da

antiguidade, embora sob modalidades diversas. Na Mesopotâmia distinguimos três

fases: a) a sumeriana do ano 4000 a 2350 a.C., quando a terra pertencia aos deuses

da cidade; b) uma fase de transição súmero-acadiana (de 2350 a 1955 a.C.), quando

apareceu o Código Ur-Nammu (2080 a.C.) e uma propriedade individual com certa

influência da propriedade familial; c) a fase babilônica (de 1955 –a.C.), época das

dinastias de Isin e de Larsa, que formaram os Príncipes da I dinastia da Babilônia em

cujo período se situa o Código de Bilalama (1930 a.C.) bem como o Código de

Hammurabi, ou Hammurapi, em cuja época se podia dispor livremente de seus bens

móveis e imóveis36

.

Clóvis Beviláqua apresenta a evolução da propriedade através das legislações dos

povos antigos (BEVILÁQUA, 2003, 117). O código de leis mais antigo que se tem notícia

remonta a quinhentos anos antes de Moisés, na época do reinado babilônio de Hammurabi.

“Regula esse velho corpo de leis, com muita minúcia, o arrendamento de casas e vergeis e

terreno de cultura” (BEVILÁQUA, 2003, loc. cit.) Os egípcios transferiam seus bens através

de um acordo, em que o vendedor entregava a coisa ao comprador e este pagava o preço pelo

título da propriedade. Entre os hebreus, existia o jubileu, as terras eram redistribuídas de

cinquenta em cinquenta anos. Para os muçulmanos a propriedade era coletiva. No Peru, na

época do império incaico, as terras eram divididas entre os cultos religiosos, o imperador e o

povo.

Apesar da propriedade ter surgida antes do Direito Romano, será apresentada sua

evolução a partir deste Direito. Contudo, antes de se entender às diversas fazes por que passou

36

NÓBREGA, Vindick Londres da. Compêndio de Direito Romano. 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas

Bastos, 1971. v. II, p. 15.

a propriedade dentro do Direito Romano, primeiramente será preciso entender a origem da

Era romana, que se dividia em quatro fases37

:

a) Das Origens, época do direito não escrito em que as leis eram os costumes.

Compreende a fundação de Roma (754 A.C.) até a implantação da República por Junius

Brutos (509 A.C.)

b) Direito Antigo, surge o primeiro direito escrito a Lei das XII Tábuas.

Compreende a República (509 A.C.) até o tempo de Gracos (130 A.C.);

c) Direito Clássico, é período de ouro, o direito sofre grandes modificações e

aparece a figura dos jurisconsultis (Papiniano, Ulpiano, Caio, Paulo etc). Compreende os

Gracos (130 A.C.) até o fim de Roma (476 D.C);

d) Baixo Império ou também conhecido como Império do Oriente. Compreende a

divisão do Império até a tomada de Constantinopla pelos Turcos.

Finalmente, o período do Baixo Império ou Império do Oriente (capital,

Constantinopla ou Bizâncio) vai da divisão do Império Romano entre os filhos do

Imperador Teodósio – Honório e Arcádio (395 D.C.), até a tomada de

Constantinopla pelos turcos em 1453. Nesse período é que ocorre a sistematização

do velho Direito Romano pelo Imperador Justiniano (século VI D.C.); o direito

justinianeu forma, no seu conjunto, o Corpus Juris Civilis que compreende: a)

compilação das leis ou Código; b) compilação do Direito ou doutrina; é o Digesto;

c)compêndio para estudo ou Institutas; d) Novelas ou conjunto de leis posteriores ao

Código. (Ibid., p. 35)

O direito de propriedade nasceu com um caráter absoluto, não sujeito a limitações

ou restrições, tendo o senhor autoridade plena e exclusiva sobre a terra. Os romanos eram

quem defendiam este absolutismo, não mais aceito na modernidade.

A propriedade romana deve ser considerada como uma propriedade da gens. É uma

propriedade de caráter absoluto, porque fica inteiramente submetida ao domínio do

paterfamilias, que dele dispunha soberanamente. Os demais membros da família

nenhuma restrição podiam opor à vontade soberana do partefamilias quanto à

disposição dos seus bens. Além disso, a propriedade romana era perpétua, o que vem

demonstrar o seu caráter absoluto. (NOBREGA, 1971, p. 56)

[...] os romanos haviam destacado três elementos no direito de propriedade: os usos,

os frutos e os abusos: os usos, o jus utendi, é dizer, o direito de usar a coisa, de

servi-se dela para todos os usos que puder prestar e que não estão proibidos pela lei;

os frutos o jus fruendi, é dizer, o direito de aproveitar todos os frutos que a coisa

pode produzir, seja diretamente, cultivando o dono por si mesmo, seja

indiretamente, arrendando a um terceiro que pague periodicamente o aluguel

combinado; por último, o jus abutendi, é dizer, a faculdade de dispor da coisa, seja

consumindo-a ou destruindo-a, ou, por último, gravando-a com direitos reais que

constituem desmembramento da propriedade38

.

37

CASTRO, Adauto de Souza; CROCHÍQUIA Edson. ABC do Direito Romano. São Paulo: Sugestões

Literárias S/A, 1969, p. 34 et seq. 38

[...] los romanos hablan discernido tres elementos en el derecho de propiedad: el usus, el fructus y el abusus: el

usus o jus utendi, es decir, el derecho de usar la cosa, de servise de ella para todos los usos a que pude prestarse y

O direito brasileiro de propriedade remonta aos tempos romanos, em que apenas o

cidadão39

romano podia possuir propriedades. A propriedade, entre os romanos, passou por

várias fases, de coletiva para a individual absoluta e ilimitada. Entretanto, com a invasão dos

Germanos ao Império Romano, o conceito de propriedade foi alterado, pois para os bárbaros

inicialmente, a propriedade do solo era coletiva, vindo posteriormente a tornar-se coletiva

familiar. Desta união, surgiram os feudos, onde o proprietário cedia a exploração de suas

terras a outrem.

No direito romano, primitivamente, a única forma de propriedade reconhecida e

adotada de garantia eficaz era a quiritaria, que pressupunha o concurso de vários

requisitos, como capacidade pessoal (só o cidadão romano tinha essa capacidade),

idoneidade da coisa (res mancipi) e modo de adquirir conforme o jus civile.

(MONTEIRO, 2007, p. 78 et seq)

A propriedade privada surgiu em Roma com doações de lotes com áreas de meio

hectare (heredium) aos chefes de família patrícios. Com a Lei das XII Tábuas, a propriedade

destas terras foi estendida aos plebeus.

A propriedade romana variava de acordo com o status do indivíduo em sua

sociedade. Destacam-se as seguintes espécies de propriedade romana (CASTRO, 1969, p.

209 et seq):

I – Propriedade Quiritária: era extremamente restrita, as propriedades não

ultrapassavam o território das cidades, as terras que os romanos não dominavam eram

ignoradas a título de propriedade imobiliária. As propriedades só eram adquiridas através de

uma cerimônia solene ou por meio do usucapião.

“A propriedade quiritária era a verdadeira propriedade, de acordo com a

concepção dos romanos; era o dominium ex iure Quiritium e somente ela era reconhecida pelo

ius civile” ( NÓBREGA, 1971, p. 65) .

II – Propriedade Pretoriana: foi instituída pelo pretor para proteger os adquirentes

de terras, por “atos solenes” (res mancipi) contra quem não a tinha transferido mediante o ato

formal.

que no están prohibidos por la ley; el fructus o jus fruendi, es decir, el derecho de aprovechar todos los frutos que

la cosa pueda producir, ya directamente, cultivándola el dueño por si mismo, ya indirectamente, arrendándola a

un tercero que pague periódicamente el alquiler convenido; por último, el jus abutendi, es decir, la facultad de

disponer de la cosa, ya consumiéndola o destruyéndola, o, por último, gravándola con derechos reales que

constituyen desmembraciones de la propiedad. (COLIN, 1961, p. 110, tradução nossa) 39

No direito romano nem todos os Homens eram consideradas pessoas, os escravos não passavam de coisas

(res). A capacidade das pessoas variava conforme seu status na sociedade (status civitatis). O indivíduo podia

ser cidadão (cives), latinos (laini), ou peregrino (peregrini). Somente os cidadãos têm gozo dos direitos que

assegura o jus civile romanorum. (CASTRO, 1969, p. 124).

Certas pessoas que não tinham direito à propriedade quiritária receberam, no fim da

República, consideração especial do pretor, que lhe permitiu conservar uma coisa no

seu patrimônio, isto é, in bonis,ou simplesmente como propriedade pretoriana. Se

um cidadão romano comprasse uma coisa qualificada como res mancipi sem

observar o formalismo da mancipatio ou da in iure cessio, não se tornaria

imediatamente proprietário ex iure Quiritium, embora tivesse pago o preço ao

vendedor. (CASTRO, 1969, p. 124)

III – Propriedade do “Jus Gentium”: baseava-se na tradição e ocupação, veio para

harmonizar as propriedades entre os romanos e os peregrinos oriundos das guerras vencidas

por aqueles. Foi graças ao Jus Gentium que os peregrinos (homens livres não romanos)

puderam adquirir a propriedade.

Ao lado da propriedade quiritária, que foi perdendo sua importância, surgiu e se

firmou a propriedade bonitária, ou do jus gentium, em que faltavam alguns dos

mencionados requisitos. Apesar disso, começou esta a ser amparada pelo pretor, de

tal sorte que, afinal, Justianiano fundiu numa só as duas modalidades, pondo assim

termo às confusões existentes e sancionando, destarte, ordem de coisa já consagrada

pelo tempo. (MONTEIRO, 2007, p. 81)

Já na Era Romana, por volta do século V e através de São Basílio, a Igreja já

reinterpretava as Escrituras Sagradas para defender a propriedade. “Os primeiros pensadores

católicos se insurgem contra a injustiça da propriedade romana, por seu caráter já

excludente”40

. Por volta do século XII, São Tomas de Aquino posiciona-se em favor da

propriedade, mas não aceita que esta seja considerada um direito natural que pudesse opor-se

à necessidade alheia. O direito de usar da propriedade era uma faculdade de todos os homens,

era um direito natural, já a prerrogativa de dispor consistia na “faculdade do proprietário

escolher como entregar aos necessitados o que lhe sobejava”. (Ibid., p. 21)

“Caberia à Idade Média abandonar o conceito unitário da propriedade para

consagrar uma superposição de direitos sobre o mesmo bem, dando a cada um deles a mesma

natureza, mas uma densidade diferente”41

.

A invasão bárbara, que culminou com a queda do Império Romano do Ocidente,

causou tal instabilidade, que os pequenos proprietários se viram forçados a entregar

suas terras aos grandes senhores, em troca de proteção. Tornavam-se, assim,

vassalos, vinculados eternamente aos grandes feudos. Podiam, entretanto, continuar

fruindo da terra, o que já era melhor que nada. (FIUZA, 2008, p. 748)

Com a decadência de Roma, as regiões da Europa que eram governadas pelos

romanos ficaram a mercê da insegurança, propiciando, assim, o surgimento do sistema

senhorial, ou seja, o domínio eminente da propriedade ficava nas mãos do senhor feudal e o

domínio útil da propriedade nas mãos dos vasalos. Ocorreu uma divisão do direito de

40

MARÉS, Carlos Frederico. A Função Social da Terra. Porto Alegre. Ed. Fabris, 2003., p. 20. 41

MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 18.

propriedade sobre o mesmo bem, a mesma terra tinham vários proprietários: soberano,

suserano e vassalo.

A Idade Média elaborou um conceito distinto de propriedade. Rejeitando o

exclusivismo dos romanistas e introduzindo na técnica privatista uma hierarquia

oriunda do direito público, admitiu o mundo feudal uma superposição de domínios

de densidades diferentes que se mantinham paralelos uns aos outros. (WALD, 2002,

p. 111)

A relação existente entre o vassalo, possuidor da terra, e o senhor, proprietário da

terra, era pessoal e vitalícia. As famílias não podiam vender ou dispor da terra, nem mesmo

transmiti-la por herança. O vassalo cultivava a terra sob as ordens e subordinação do senhor

(susserano), e em troca recebia proteção deste.

Denomina-se feudalismo o regime social e político de quase toda a Europa na Idade

Média, particularmente do século IX ao século XII. [...] O feudalismo parece ter-se

originado na Germânia, passando à Gália com os Francos. Os reis bárbaros

dispondo, depois da invasão, de vastos territórios, recompensavam os guerreiros

mais ilustres concedendo-lhes grandes extensões de terras. Tais domínios

chamavam-se benefícios ou feudos. A princípio vitalícios, tornaram-se hereditários

do século IX em diante. (CASTRO, 1969, p. 391)

Durante todo este período feudal (século XIII até o XIX), a Igreja manteve-se

silenciosa a respeito da propriedade, como que de forma a abençoar a propriedade feudal.

Somente depois que a teoria política e as leis passaram a tratar a propriedade como

um direito natural, no século XVIII, às portas da constitucionalização do Estado e de

construção ou invenção da propriedade privada tal como a conhecemos hoje, é que a

Igreja católica a reconheceu como direito natural, oponível a todos os outros direitos

criados pela sociedade. (MARÉS, 2003, p. 22)

A partir da tomada do poder pela burguesia e a Constituição dos Estados

Nacionais, a Igreja Católica passou a defender oficialmente a propriedade privada. No século

XVIII, com a Independência Americana e a Revolução Francesa, o sistema feudal foi

dissolvido e se deu início a um novo tempo: o Capitalismo e o Liberalismo. Na Revolução

Francesa os ideais de propriedade eram outros. Não mais se concebia a propriedade de forma

fracionada, entre uns que detinham o domínio direto e outros que detinham o domínio útil,

pagando àqueles certas indenizações. Foram abolidos os privilégios da nobreza voltando a

propriedade a ter um único titular. A propriedade não mais era vista como pagadora de

impostos mas sim como fonte econômica e o seu titular com amplos poderes. Foi dentro deste

contexto que a Igreja Católica publicou a Rerum Novarum fazendo críticas ao liberalismo,

contudo a Igreja ainda defendia a propriedade privada contra o socialismo que propunha sua

abolição.

John Locke foi o grande pensador da propriedade contemporânea, instituiu a

teoria da propriedade através do trabalho humano, modernizou a idéia de Santo Tomás ao

permitir o acumulo de bens não deterioráveis. “Locke, assim, admite que o excedente, desde

que não seja corruptível, deteriorável, pode ser acumulado” (MARÉS, 2003, p. 22). Com a

constitucionalização do direito, a idéia de Locke de bens perecíveis é deixada para traz e a

propriedade passa a ser vista não mais como uma fonte produtora de alimentos, mas sim como

produtoras de riquezas. “Os Estados constitucionais reconheceram na propriedade a base de

todos os direitos e mais do que isso, o fundamento do próprio Direito”. (Ibid., p. 28)

Recentemente a Igreja Católica mudou sua posição em relação a propriedade e

está retomando as idéias cristãs de São Basílio de Santo Tomás.

Muito recentemente a Igreja, oficialmente, passou a ter posição mais contundente

em relação à propriedade da terra, especialmente quando o Papa João Paulo II, em

1979, no discurso inaugural do Seminário palafoxiano de Puebla de los Angeles,

México disse: „sobre toda propriedade pesa uma hipoteca social‟, aliás muito

parecido com que já tinha dito, em 1917, a Constituição mexicana, nascida da

revolução de 1910. (Ibid., p. 22)

Na atualidade, o grande responsável por transformar o conceito individualista de

propriedade em um conceito social foi Leon Duguit. Nas palavras de Aldemiro Dantas.

O motivo de tal transformação conceitual, como bem elucidou Duguit, é que o

instituto jurídico da propriedade surgiu para atender a uma necessidade econômica e,

desde que as necessidades econômicas sofreram mudanças, logicamente também o

instituto da propriedade precisou mudar, por isso que foi abandonado o

individualismo acentuado e passou a ser destacada a idéia de atendimento a uma

finalidade social do instituto, a conviver com o traço individualista, que não seria – e

nem poderia ser – eliminado42

.

A propriedade, apesar de ser individual, deve buscar atender aos anseios sociais,

não mais se admitindo um direito absoluto, sem restrições ou limitações. Sempre que se

estiver diante de um interesse coletivo frente a um interesse individual, dever-se-á buscar

àquele antes desse.

Apresenta Hedemann a evolução do direito absoluto de propriedade para o direito

social de propriedade:

Já expusemos em nossa anterior referência as estas questões, como a duplicidade de

aspectos nas fórmulas legais ia acompanhada de uma análoga contraposição no

mundo doutrinal. De um lado, os pacíficos partidários da posição do senhorio da

propriedade, do seu poder de disposição em princípio limitado (Planck, Sohm; supra

§ 2 III b); de outro, historiadores de vários lugares, como Otto von Gierke, os

espíritos fogosos, como Rudolf Ihering, que propuseram a vinculação da

propriedade privada às exigências sociais, e previram profeticamente os marcos da

42

DANTAS JR, Aldemiro Rezende. O Direito de Vizinhança. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 24.

revolução ulterior (supra § 3 IV). Finalmente, também os modernos textos

constitucionais, com suas declarações de <<direitos gerais dos homens>> o

<<direitos fundamentais>>, há consignado, na concepção da propriedade, ambos

aspectos: de uma parte, salvaguarda, garantia da propriedade privada; de outra, sua

vinculação a um dever. A duplicidade de caras do Direito civil, que serve de base à

exposição seguinte, descansa assim sobre um fundamento digno43

.

A concepção social do direito de propriedade seguiu outros rumos dentro do

ordenamento jurídico dos países soviéticos. Foi abolido o direito de propriedade do solo,

subsolo e recursos naturais, sendo estes pertencentes ao Estado. O indivíduo passou a ter o

direito à propriedade de seus utensílios pessoais e sua casa de morada. Os bens de produção, o

terreno onde fora edificada a casa, as empresas e indústrias pertenciam ao Estado.

Em um conceito mais moderno de propriedade em busca da função social, não

bastam as atividades negativas do proprietário, como a de não causar dano a terceiros. É

preciso que o proprietário tenha um comportamento positivo, de maneira a explorar sua

propriedade corretamente; caso ele não o faça, um terceiro poderá fazer por ele, ou seja, uma

utilização compulsória.

2.4 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL E SOCIOECONÔMICA DA PROPRIEDADE

A Terra, até então vista como fonte produtora de alimentos necessários à

sobrevivência humana, foi transformada em propriedade privada e colocada como

instrumento para o desenvolvimento do capitalismo. O individualismo da propriedade seguia

desenfreado sem nenhum controle. As classes sociais eram subjugadas e exploradas para o

bem do capitalismo. Foi quando surgiram os movimentos sociais e a reformulação dos

Estados, marcado pela primeira grande guerra mundial (1914 – 1918), momento em que

aparece o Estado Interventor. “A produtividade haveria de ser medida pelo resultado social e

não pela rentabilidade financeira do empreendimento” (MARÉS, 2003, p. 84). Em 1919, com

a promulgação da Constituição de Weimar, o Estado passou a intervir na ordem econômica e

43

Ya expusimos em nuestra anterior referencia a estas cuestiones cómo esta duplicidad de aspectos en las

fórmulas legales iba acompañada de una análoga contraposición en el mundo doctrinal. De un lado, los

pacíficos partidarios de la posición de señorío del propietario, de su poder de disposición en principio limitado

(Planck, Sohm; supra § 2 III b); de otro, historiadores de amplias miras, como Otto von Gierke, o espíritus

fogosos, como Rudolf Ihering, que propugnaron la vinculación de la propiedad privada a las exigencias

sociales, y previeron proféticamente los rasgos de la evolución ulterior (supra § 3 IV). Finalmente, también los

modernos textos constitucionales, con sus declaraciones de <<derechos generales del hombre>> o <<derechos

fundamentales>>, han consignado, en su concepción de la propiedad, ambos aspectos: de una parte,

salvaguardia, garantía de la propiedad privada; de otra, su vinculación a un deber. La duplicidad de caras del

Derecho civil, que sirve de base a la exposición que sigue, descansa así sobre un fundamento digno

(HEDEMANN, 1955, p 141, tradução nossa).

na propriedade privada, instituindo limites e criando direitos, propiciando a criação de

sindicados e fortalecendo os movimentos sociais.

O Estado do Bem Estar, portanto, foi marcado pelo nacionalismo e pelas garantias

de condições de vida da população nacional, por isso tem um forte sentido de

fortalecimento da previdência social e intervenção do Estado na iniciativa privada,

seja nos investimentos econômicos, seja na propriedade da terra. (MARÉS, 2003, p.

95)

Com o surgimento do Estado do Bem Estar Social intervindo na ordem

econômica, as propriedades privadas passaram a ser vistas como bem de produção e foram

altamente modernizadas. Insurgiram os movimentos sociais principalmente voltados para a

reforma agrária; contudo, o conceito individualista e capitalista da propriedade defendido

pelos grandes latifundiários, abafaram estes movimentos que ainda lutam por uma justa

reforma social da propriedade.

Os movimentos sociais brasileiros foram marcados com sangue, quem defendia

que a terra era para todos era intitulado de bandido, jagunço, fanático e era fortemente

retalhado pelo Estado. Apenas a elite tinha o direito de possuir terras, que eram legitimadas

pelos títulos públicos de terras devolutas. “Os títulos eram emitidos sobre terras ocupadas por

camponeses, negros libertos, índios, mestiços que mantinham uma economia de subsistência”

(Ibid., p 104). As emissões de títulos sobre terras já ocupadas, acarretaram grandes lutas

camponesas 44.

Surgiram novos líderes politizados e organizados com ideais definidos, buscando

uma reforma agrária, os verdadeiros movimentos dos sem-terra. Para acalmar esses

movimentos de massa, o Brasil editava novas Leis. O Estatuto da Terra, introduzido pela Lei

4.503/64, foi uma das grandes jogadas do Golpe Militar. Tal estatuto, de certa maneira,

contribuiu para preservação do meio ambiente e o firmamento do conceito de função social da

propriedade. É evidente que o intuito dos militares não era este, mas sim diminuir o poderio

do coronelismo, donos de grandes latifúndios, e acalmar as lutas de classes, especialmente os

camponeses que brigavam pela Reforma Agrária.

De acordo com Guilherme Figueiredo45

, que adota o art. 2°, § 1° do Estatuto da

Terra, a função social da propriedade está subordinada a quatro exigências legais: a)

favorecimento do bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nelas labutam, assim

44

“As guerras camponesas nada mais foram do que a reação a esta violência. Pequenas lutas quando os

camponeses eram surpreendidos desorganizados, e longas guerras quando conseguiram união e organização,

como Contestado e Canudos”. (Ibid., p. 105). 45

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. A Propriedade no Direito Ambiental. 3. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008, p. 244.

como de suas famílias; b) manutenção de níveis satisfatórios de produtividade do imóvel; c)

conservação dos recursos naturais; d) observância das disposições legais que regulam as

justas relações de trabalho entre os que possuem e cultivam.

O Poder Público tem o dever de zelar para que a propriedade da terra desempenhe

sua fusão social. Para tal, deverá apresentar planos e incentivos para que o trabalhador rural

utilize, de maneira racional, produtiva e em prol do bem-estar coletivo, suas propriedades. As

terras que não tiverem seu uso condicionado ao bem-estar coletivo e que contrariem a função

social terão sua ocupação gradativamente extinta, sendo direcionadas para a Reforma Agrária.

As propriedades que não desempenharem sua função social sofrerão uma das

limitações mais drásticas do nosso direito, a desapropriação, que terá por fim conduzir a terra

à sua função social, promover uma distribuição justa desta propriedade para que ela seja

explorada de maneira racional, incentivar as pesquisas, fomentar a economia regional e a

criação de áreas de preservação ambiental. Contudo, esta desapropriação não está imbuída de

caráter sansão, pelo contrário, é mais uma premiação para o proprietário que não cumpre com

a função social da propriedade. Deste modo, o Poder Público não faz cumprir a função social

da propriedade, mas sim perpetua a injustiça e reafirma a plenitude do direito individual da

propriedade. Resta ao Poder Público brasileiro o direito de comprar a terra que não

desempenha seu papel social, diferente do que ocorre no México e na Bolívia. “A terra que

não estivesse cumprido a determinação legal, no México e na Bolívia, não gerava ao titular do

direito de propriedade qualquer proteção legal [...]” (MARÉS, 2003, p. 109)

Apesar do caráter protetor que algumas leis brasileiras ainda insistem em dar à

propriedade individual, os Tribunais vêm, de forma tímida, mudando este entendimento e

interpretando a função social como um instituto inerente à propriedade, sem o qual esta não

existiria.

Aliás, recentemente o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão inédita

manteve uma negativa de liminar de reintegração de posse porque a fazenda não

cumpria sua função social. A decisão revela surpresa ao cunho nitidamente político

do fazendeiro, que ameaça o Juízo com violência e conflito caso a liminar seja

negada. Uma verdadeira coerção judicial, denuncia. Essas decisões, cujo fato é

recorrente, têm sido raras nos Tribunais brasileiros, por enquanto. (Ibid., p. 110)

Para atender esse anseio social foi promulgada pela Assembléia Constituinte, a

Constituição de 1988, grande marco para a redemocratização do Brasil. Esta Carta está repleta

de novos direitos, dentre eles o artigo 186 que traz quatro condições para o preenchimento da

função social da propriedade rural.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos

seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação

do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

O aproveitamento racional da propriedade ocorre quando atende aos ditames da

Lei 8.629/93 (reforma agrária), conforme seu artigo. 6°, §§1° a 7°.

Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e

racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência

na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual

ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área

efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.

§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100%

(cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:

I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos

respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder

Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA)

do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder

Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida

pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de

eficiência na exploração.

§ 3º Considera-se efetivamente utilizadas:

I - as áreas plantadas com produtos vegetais;

II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona

de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;

III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices de

rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada

Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;

IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração

e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente;

V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de

culturas permanentes (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 4º No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se efetivamente

utilizada a área total do consórcio ou intercalação.

§ 5º No caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais produtos, no mesmo

espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área usada no ano considerado.

§ 6º Para os produtos que não tenham índices de rendimentos fixados, adotar-se-á a

área utilizada com esses produtos, com resultado do cálculo previsto no inciso I do §

2º deste artigo.

§ 7º Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões

de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida,

devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano

respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.

Os recursos naturais serão utilizados de maneira adequada quando respeitado o

pendor natural da terra e mantido seu potencial produtivo.

Em relação à função social da propriedade, devem ser observados a relação de

trabalho e o bem estar do proprietário e trabalhadores rurais, que fazem parte do meio

ambiente do trabalho. Os conflitos sociais entre os trabalhadores rurais devem ser evitados,

buscando sempre a interação entre a tecnologia e a oferta de emprego.

Sob forte influência do positivismo, Leon Duguit apresenta uma nova visão da

propriedade. O ser humano, enquanto indivíduo, possui uma função a desempenhar na

sociedade. Não se concebe mais a propriedade de forma individualista, em que o proprietário

tem a liberdade de usá-la ou não. Os donos de terras têm a obrigação de usá-las de maneira

produtiva, de forma a cumprir sua função social, caso contrário, sofrerão interferência do

Estado.

Contudo, o direito de propriedade não mais se reveste do caráter absoluto e

intangível, de que outrora se impregnava. Está ele sujeito, na atualidade, a

numerosas limitações, impostas pelo interesse público e privado, inclusive pelos

princípios de justiça e do bem comum. (MALUF, 1997, p. 1)

A Constituição da República vigente é enfática ao garantir o direito de

propriedade no art. 5°, XXIII. Entretanto, logo em seguida, ela diz que: “a propriedade

atenderá a sua função social”, deixando claro que a propriedade não mais é um direito

absoluto. O título VII – Da Ordem Econômica e Financeira da Carta Magna, - por sua vez,

reafirma que para uma existência digna de todos, deverão ser asseguradas a propriedade

privada e sua função social.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

III – função social da propriedade;

[...]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme

impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação.

A Constituição Federal privilegia a livre concorrência e a livre iniciativa, porém,

não como forma absoluta, mas, sobretudo, de maneira a proporcionar uma economia

socialmente sustentável. A economia aqui trabalhada está pautada na transformação dos

recursos naturais, que são finitos, em bens de consumo para atender as necessidades humanas,

que são infinitas.

Os dois princípios acima apresentados - função social e defesa do meio ambiente -

a princípio, soam como restrições à atividade econômica, instrumentos que podem prejudicar

o desenvolvimento sócio e ambiental da empresa. Contudo, após a Conferência das Nações

Unidas, Rio de Janeiro, 1992 – ECO/92, esses dois princípios deixaram de ser vistos como

limitadores e passaram a ser vistos como normas inerentes à atividade econômica.

O reflexo disso são as certificações ambientais que, deixaram de serem vistas

como limitadores e, passaram a serem agregadores de valor. Após a ECO 92, o mercado

econômico foi invadido pelos “produtos verdes”, - os produtos passaram a incorporar valores

ambientais através de produções sustentáveis e tecnologias ambientais. Surgiam os

mecanismos de certificação ambiental (ISO 14000). O empresário passou a se preocupar com

uma gestão ambiental, não apenas por causa da legislação ambiental, mas, devido o mercado,

a concorrência e os consumidores que buscam um produto ecologicamente correto.

A gestão será ambiental, quando levar em consideração o impacto de suas atividades

sobre o meio ambiente, buscando, tanto na „tomada de decisões‟ quanto no seu

„processo produtivo‟, uma melhoria no seu desempenho, eliminando ou

minimizando os efeitos desses impactos46

.

Outra questão de grande relevância social que está ligada à propriedade e,

principalmente, à preservação ambiental é o reconhecimento organizacional social dos índios,

garantido pela Constituição Federal no Capítulo VIII, art. 231.

Os índios foram desprezados e afastados do direito à propriedade. Foram expulsos

de suas terras e passaram a ocupar os parques e unidades de conservação. Eles perderam o

direito à propriedade privada. Portugal desconsiderou a ocupação indígena e legitimou a

propriedade não pela ocupação originária, mas através de títulos concedidos pela própria

Coroa. Na década de 80, com o processo histórico de redemocratização do país, os povos

indígenas e as populações tradicionais amparadas por aliados nacionais e internacionais,

articularam propostas em defesa da Floresta Amazônica. As propostas eram de cunho

socioambiental e combatiam a devastação da Amazônia provocada pela abertura das grandes

rodovias e o avanço dos produtores rurais sobre a floresta. Os índios aliados aos seringueiros

e liderados por Chico Mendes propunham a criação de reservas extrativistas que

possibilitassem a conservação ambiental e a reforma agrária.

As reservas extrativistas se baseavam essencialmente na idéia de que a reforma

agrária na Amazônia deveria seguir um modelo que levasse em consideração a

enorme diversidade cultural e biológica da região, já que o modelo tradicional de

assentamento do Incra era inadequado47

.

46

D‟ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Direito Ambiental Econômico e A ISO 14000: Análise jurídica do

modelo de gestão ambiental e certificação ISO 14001. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. 47

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: Proteção jurídica à diversidade biológica e

cultural. São Paulo: Ed. IEB e ISA, 2005. p. 33.

Foi com base na inclusão das comunidades regionais nos planos de política

pública que o socioambientalismo foi construído. Era preciso trabalhar a inclusão e erradicar

as desigualdades sociais para se promover um meio ambiente sustentável. “O novo paradigma

de desenvolvimento preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a

diversidade cultural e a consolidação do processo democrático no país, com ampla

participação social na gestão ambiental” (SANTILLI, 2005, p.34). Assim, através do Decreto

98.897/90, revogado pela atual Lei 9.985/2000, foram criadas as primeiras reservas

extrativistas no país. Esses movimentos sociais conseguiram frear, por enquanto, as

construções de hidrelétricas na Amazônia (complexo hidrelétrico do Xingu), ou pelo menos

passaram a exigir dos empreendedores a elaboração de estudos de impacto ambiental, antes da

instalação de seus empreendimentos.

Orlando Gomes, citando Rodotá, conceitua a expressão função social sob tríplice

aspecto: a privação, a criação e a obrigação (GOMES, 2007, p.125). Privação de certas

faculdades do proprietário; a criação de direitos para que o proprietário exerça seus poderes; a

obrigação do proprietário de exercer certos direitos e faculdades, como a fiscalização de sua

propriedade.

Já o adjetivo que qualifica a função tem significado mais ambíguo. Desaprovando a

fórmula negativa de que social é equivalente a não-individualístico, aplaude o

emprego, para defini-lo, como critério de avaliação de situações jurídicas ligadas ao

desenvolvimento de determinadas atividades econômicas, para maior integração do

indivíduo na coletividade. (id., 2001, p. 108)

Leon Duguit, citado por Orlando Gomes, assim explica a função social da

propriedade:

A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a

função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica

para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da

riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma

certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a

propriedade não é de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito

em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais

deve responder. (id., 2007, p.126)

A Constituição no art. 5º, XXIII, como já dito, garante o direito à propriedade,

porém, exige do proprietário o dever de explorar, mas não degradar. Aplica-se a substituição

definitiva do regime de explorabilidade plena e incondicionada, pelo regime de

explorabilidade limitada e condicionada. A exploração, que antes era feita apenas pela busca

da produção e do enriquecimento, é subordinada hoje a condições, limitações e até proibições.

Não há mais a vontade isolada do indivíduo, tampouco o interesse discricionário do ente

público. Consolidou-se um dever de ordem pública, que deverá ser respeitado sob pena de

sanções legais.

É determinação Constitucional que a propriedade atenderá a sua função social48

.

Não haverá mais o direito do proprietário destruir ou abusar de sua propriedade. Deverá ele

buscar a função social de sua propriedade e não mais a vontade particular.

“O regime da propriedade passa do direito pleno de explorar, respeitado o direito

dos vizinhos, para o direito de explorar, só e quando respeitados a saúde humana e os

processos e funções ecológicas essências”.49

As Constituições modernas não tratam o meio ambiente como um direito

qualquer. Elas elevam a tutela ambiental à categoria de direito fundamental. As normas, que

antes eram desprezadas e às vezes ignoradas, vêm agora como um direito indisponível,

intransferível e imutável dentro da concepção ambiental.

Em busca da manutenção e recuperação dos processos ecológicos essenciais, o

Estado, amparado por leis ambientais (Código de Minas, Código Florestal, Unidades de

Conservação), interfere de forma positiva, negativa e afirmativa. Prega o não fazer (non

facere) aplicado pelo princípio da precaução. O proprietário, às vezes, vê-se proibido de

explorar sua propriedade, tendo que se abster de certos atos em prol de um bem comum. O

Estado através de uma atitude positiva, combate os riscos ambientais e promove a

recuperação ambiental.

Contudo, essa interferência do Estado nas propriedades particulares deve ser feita

conforme os ditames legais, buscando sempre aplicar a norma menos gravosa ao meio

ambiente. Cada vez mais, as normas promulgadas limitam o poder discricionário da

Administração Pública, permitindo ao cidadão a possibilidade de questionar as ações de seus

governantes. A administração pública está vinculada, intrinsecamente, às normas legais, uma

vez que lhe é permitido fazer apenas o que está descrito em lei. O que não está normatizado

não existe no mundo da Administração Pública.

O legislador vem buscando instrumentos processuais e meios administrativos para

possibilitar a ampliação da participação pública. Mecanismos que servirão como forma de

controle e de desenvolvimento do meio ambiente.

Todos devem fazer uso da propriedade de maneira a não causar dano ao meio

ambiente. Não basta obter dos órgãos ambientais licenças e autorizações se o exercício do

48

Art. 5º, XXIII (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF: Senado Federal, 1988) 49

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental

Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72.

direito de propriedade vier a lesar o meio ambiente. O proprietário estará agindo de maneira

ilegal ou nociva à propriedade. Não há que se levantar a culpa do agente. A responsabilidade

nesses casos é objetiva, bastando apenas a existência do nexo causal. Atualmente é irrelevante

a concepção psicológica do agente, ou seja, a subjetividade da ação (dolo ou culpa)50

.

Buscando um conceito completo de função social da propriedade, apresentamos

aqui a concepção socialista da propriedade, sob o prisma de René David51

. Os soviéticos

recriam completamente o conceito de propriedade, que não é aceitável ou é, no mínimo,

utópico para os países capitalistas. A unicidade da propriedade nestes países é contraposta

pela variedade de regimes no direito soviético. Dentro desta concepção a propriedade pode ser

apresentada sob três regimes:

I – Propriedade Pessoal: o titular pode dispor da propriedade e usá-la, a única

proibição é que ele a use com o intuito de lucro.

O artigo 13 da Constituição soviética de 1977 estabelece que: “Podem ser de

propriedade pessoal os objetos de uso e de comodidade pessoais, os bens da

economia doméstica auxiliar, uma residência e as economias provenientes do

trabalho [...]”.(ibid., p. 338)

II – Propriedade Cooperativa: a terra em que se cultivam e de onde se retiram os

bens de produção é de propriedade da nação, entretanto os povos (kolkozes) têm o direito

perpétuo de cultivo dessas propriedades.

O Kolkoz é obrigado a cultivar ou explorar, de uma determinada maneira, o solo que

lhe foi concedido; pode ser obrigado a fazer certas prestações ao Estado; é também

obrigado a organizar-se e a gerir-se segundo as regras do direito kolkoziano. (Ibid.,

p. 339)

III – Propriedade Estatal: os titulares desta propriedade são o povo ou a nação e o

seu representante, o Estado.

Os bens cuja propriedade pertence ao Estado, e que estão nas mãos das empresas

industriais estatais, são de categorias diversas. Uns, constituindo o capital básico,

foram atribuídos gratuitamente pelo Estado a essas empresas, em virtude de uma

espécie de concessão, cujos termos podem ser sempre unilateralmente modificados

pelos poderes públicos: a empresa, no que lhe diz respeito, não tem, propriamente,

qualquer direito contra o Estado. Os outros, pelo contrário, constituem o produto do

trabalho daqueles que trabalham na empresa: esta circunstância e o fato de serem

destinados à alienação (em proveito de outra empresa ou do consumidor) impõe

reconhecer-lhes um regime diferente. (Ibid., p. 340)

50

“Para a caracterização, então, do abuso do direito, bastava a intenção ou a consciência da prática de ato

contrário à função mesma do direito exercido, sem o intuito, no agente, de prejudicar imediatamente os

vizinhos”. (ALVES, 1992, p. 339). 51

DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Tradução Hermínio A. Carvalho. São

Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 336/341.

Como visto, este sistema de propriedade criado pelos socialistas não tem guarida

no regime capitalista. Mesmo porque, o Estado interfere fortemente no direito de propriedade,

sub-rogando para si, os direitos de proprietário.

2.5 DOS LIMITADORES DO DIREITO DE PROPRIEDADE

Um dos objetivos da propriedade é atender o anseio de seus titulares. Contudo,

apesar do seu caráter absolutista, a propriedade está sujeita a limitações e restrições. Estas

limitações são de diversas naturezas: voluntárias, legais, administrativas etc. A propriedade,

além de servir seu proprietário, tem que atender a coletividade e desempenhar seu papel de

função social.

Conforme seja a fonte de tais limitações, o proprietário é sacrificado em toda a

extensão do seu domínio, em algumas de suas faculdades, contra a sua vontade ou

voluntariamente, no interesse da coletividade, no próprio ou no de terceiros.

(GOMES, 2007, p.141)

Hedemann prega a limitação do direito de propriedade; pois, caso ela não

existisse, poderia reinar a arbitrariedade do proprietário: “A natureza absoluta dos direitos

reais, o <<senhorio>> que neles se manifesta, poderia degenerar em arbitrariedade. Por isso

há de por limites, alguns dos quais se estabelecem dentro do direito civil”52

.

As limitações provêm do interesse comum em busca de um bem maior, um bem

coletivo, e não individual, com a função social de preservar a existência do direito de

propriedade em sentido amplo53

.

Ricardo Gama, no mesmo sentido de Hedemann, diz que as limitações ao

exercício do direito de propriedade estão voltadas para a socialização desta (GAMA, 1996, p.

70 et seq). Apresenta a seguinte divisão para as restrições ao direito de propriedade: restrições

constitucionais (art. 5°); restrições administrativas; restrições militares; restrições eleitorais

(sujeitar a receber zonas de votação); restrições penais; restrições civis.

As limitações à propriedade remontam às leis dos períodos pré-clássico, clássico e

pós-clássico (MALUF, 1997, p. 15 et seq).

I – Período pré-clássico e clássico: as limitações do período pré-clássico estão

estabelecidas na lei das XII Tábuas e foram mais acentuadas no período clássico. São

52

La naturaleza absoluta de los derechos reales, el <<señorío>> que em ellos se manifiesta, podría degenerar em

arbitrariedad. Por eso hay que ponerle límites, algunos de los cuales se establecen ya dentro del Derecho civil.

(HEDEMANN, 1955, p 35, tradução nossa). 53

“Fosse o contrário, não-limitável, inexistiria o direito de propriedade, em sentido amplo. A limitação é a

condição mesma de sua existência na coletividade, como observou Biagio Brugi”.(ALVES, 1992, p. 180.)

inúmeras as limitações, por exemplo: determinavam limites de altura máxima dos prédios;

passagem forçada nas propriedades; direitos de vizinhanças etc.

II – Período pós-clássico: além das limitações existentes, surgiram as seguintes:

permissão de acesso às propriedades, por terceiros, para escavações de minas; perda da

propriedade por parte de quem não cultivar sua terra; impedimentos de ordem pública etc.

“Uma das formas mais marcantes da intervenção do Estado no direito de

propriedade, tendo como motivo a realização da função social da propriedade, é o instituto da

desapropriação, através da qual se desapossa o proprietário para que ao imóvel seja dada

destinação socialmente mais útil”. (DANTAS JR, 2003, p. 31)

As restrições e limitações da propriedade, chamadas por Aldemiro Dantas Jr. de

delineamento da propriedade (Ibid., p. 10), têm o objetivo de coibir os abusos no exercício

dos direitos do proprietário. A propriedade deve buscar os fins sociais e ambientais, não mais

deve ser vista como individualizada, mas sim de maneira coletiva.

Esse paulatino abandono do enfoque individualista da propriedade, atualmente,

mostra-se como uma tendência irreversível, uma vez que hoje se vê de modo muito

claro que a propriedade, longe de poder ser usada como instrumento de dominação

de uns homens sobre os outros, deve ser vista como um dos instrumentos

indispensáveis à consecução do bem comum, vale dizer, apesar de se caracterizar

como um direito individual, a propriedade também tem uma função a cumprir em

prol da coletividade. (Ibid., p. 12)

Quando se fala em limitação de propriedade, não se está se referindo às limitações

físicas do imóvel, mas a limitação ao exercício do direito do proprietário. Este, seja em

virtude de lei, da administração ou da vontade própria, vê-se impedido de exercer, na sua

plenitude, o direito de proprietário. Como já referido, o proprietário tem o direito de usar,

gozar, dispor e rever a sua propriedade, porém, por algumas das limitações acima expostas,

ele perde a faculdade de exercer alguns daqueles direitos.

Usar, fruir e dispor são os poderes que se contêm no direito de propriedade; mas a

propriedade persiste se o limite ou a restrição (negocial) atinge algum desses

poderes (propriedade menos uso e fruto; ou propriedade menos poder de dispor; ou,

até, propriedade menos, durante certo tempo, uso e fruto, e poder de dispor.

(MIRANDA, 1955, p. 16)

Conforme Orlando Gomes (GOMES, 2007, p. 143 et seq), é possível classificar as limitações

de propriedade levando em conta: a) as fontes: se dividem em legais, - por estarem contidas

em lei ou em regulamentos administrativos, em jurídicas, - decorrentes dos princípios gerais

do direito, em voluntárias, - pela própria vontade do proprietário; b) a extensão: são

limitações que podem atingir o próprio direito em si ou algumas de suas faculdades; c) o

fundamento: limitações fundamentadas, inspiradas no interesse público ou no interesse

privado.

Para Lacerda de Almeida, citado por Carlos Maluf (MALUF, 1997, p. 31), as

limitações de propriedade podem ser divididas em duas espécies: a) restrições de direito

público: onde prevalece o interesse coletivo sobre o individual, como o exemplo já

apresentado da desapropriação; b) restrições de direito privado: poderiam se restringir aos

direitos de vizinhança.

No mesmo entendimento de Lacerda, segue Arnoldo Wald. Ele apresenta duas

grandes divisões às limitações ao direito de propriedade: a) limitações voluntárias, resultantes

de acordo entre as partes interessadas, abrangendo usufruto, servidão, uso, habitação etc; b)

limitações legais, dividem-se em outros dois grupos: I – limitações de ordem privada,

originadas do direito civil e voltadas diretamente ao particular; II – limitações de direito

público, voltadas para a coletividade e de caráter administrativo.

Costuma-se distinguir tais limitações de acordo com a finalidade visada, podendo-se

pois agrupá-las na base desse critério em restrições que visam a proteger: 1)a

segurança e a defesa nacional; 2) a economia nacional; 3) a higiene e a saúde

pública; 4) o interesse urbanístico; 5) a cultura nacional e em particular o patrimônio

histórico e artístico; 6) a ecologia. (WALD, 2002, p. 128)

Louis Josserand, citado por Carlos Maluf, classifica as limitações ao direito de

propriedade como: a) limitações derivadas da função social; b) limitações estabelecidas no

interesse da coletividade; c) limitações ditadas pelo interesse das propriedades vizinhas; d)

limitações impostas pela vontade do homem.

O Código Civil Espanhol apresenta a seguinte divisão à restrição ao direito de

propriedade: “O Código civil, com efeito, divide as servidões em três categorias: as servidões

naturais, é dizer, que se derivam das situações dos lugares; as servidões legais, é dizer,

estabelecidas pela lei; as servidões feitas pelos homens. (artigo 639)”.54.

Entretanto, Colin y Capitant apresentam uma outra divisão às restrições ao direito

de propriedade, como sendo de ordem administrativa, de ordem civil e contratual:

I – Restrições de ordem administrativa, impostas pela lei ao direito de propriedade,

por um interesse público. [...] 1° Motivos de interesses gerais [...] desapropriação

por causa de utilidade pública [...] 2° Motivos de segurança e salubridade pública. –

Colocaram nesta classe as leis de polícia urbana, que impõe aos proprietários

proibições e obrigações relativas a alienação, baixa e alta das construções, e a

restauração e demolição dos edifícios que ameaçam cair, etc.[...] 3° Motivos de

economia social [...] à exploração das minas e jazidas e uso das águas. [...] 4°

54

“El Código civil, em efecto, divide las servidumbres en tres categorías: las servidumbres naturales, es decir,

que se derivan de la situación de los lugares; las servilumbres legales, es decir, establecidas por la ley; las

servidumbres por hecho del hombre. artículo 639”. (COLIN, 1961, p. 152, tradução nossa).

Interesses da defesa nacional. – A esta classe pertencem as servidões militares [...]

5° Interesse fiscal.55

II – Restrições de ordem civil, estabelecidas por lei em razão da vizinhança dos

prédios. [...] As restrições impostas pela lei a liberdade dos proprietários, em

benefício dos prédios vizinhos, podem dividir-se em três classes: uma atitude

puramente passiva; prestações ativas; obrigações de não causar prejuízo a seus

vizinhos.56

.

III – Restrições de ordem contratual, procedentes de uma cláusula de

inalienabilidade imposta ao proprietário por alguém de que haja recebido a coisa.

[...] A lei permite, em certos casos, à vontade das partes imprimir a certos bens um

caráter de inalienabilidade que restringe, ou prive de abusos, o direito de

propriedade dos objetos.57

.

Cabe ao dono fazer uso de suas coisas segundo sua vontade, entretanto, o

exercício de sua atividade não pode ultrapassar a propriedade do seu próximo. O mau uso da

propriedade acaba com a harmonia social.

Há quem acrescente, ainda, a pré-ocupação – verificação de quem chegou primeiro

ao local. Para Demolombe aquele que se instala depois de estabelecido um certo uso

pelo proprietário contíguo não poderá alterar esse estado de coisas. Entretanto não se

pode aceitar, integral e absolutamente, a teoria da pré-ocupação, pois que a

anterioridade de ocupação não tem o condão de paralisar toda propriedade nova,

sujeitando o que chega posteriormente a se conformar com tudo, hipótese em que se

teria uma servidão e não restrição aos jura vicinitatis. Contudo, a pré-ocupação

exerce poderosa influencia sobre a tolerância que se deve ter em relação a um uso

preexistente. (DINIZ, 2007, p. 270)

Apesar dos adeptos da teoria da pré-ocupação; no direito ambiental brasileiro, esta

teoria não tem aplicabilidade, pois deve prevalecer sempre o bem ambiental e não a vontade

particular ou o interesse individual.

Orlando Gomes compara a propriedade moderna à época das propriedades

medievais. Não chega a afirmar a divisão de domínio útil do direto, antigamente existente no

sistema feudal. Contudo, intitula o Estado de Barão dos tempos modernos, já que o Estado

55

“I – Restricciones de ordem administrativo, impuestas por la ley al derecho del proprietario, por un interés

público. [...] 1° Motivos de interés general [...] expropiación por causa de utilidad pública [...] 2° Motivos de

seguridad y de salubridad pública. – Se colocarán en esta clase las leyes y reglamentos de policía urbana, que

imponen a los propietarios prohibiciones u obligaciones relativas a la alineación, rasante y altura de las

construcciones, a la reparación o demolición de los edificios que amenazan ruina, etc.[...] 3° Motivos de

economia social [...] a la explotación de las minas y yacimentos y al uso de las aguas. [...] 4° Intereses de la

defensa naciona. – A esta clase pertencen las servindumbres militares [...] 5° Interés fiscal”. (COLIN, 1961, p.

155, tradução nossa). 56

“II – Restriciones de orden civil, estabelecidas por la ley en razón de la vecindad de los fundos. [...] Las

restricciones impuestas por la ley la libertad de los propietarios, en beneficio de los fundos vecinos, pueden

dividirse en tres clases: una acitud puamente pasiva; prestociones activas; obligación de no causar perjuicio a

sus vecinos”. (ibid., loc. cit., tradução nossa). 57

“III – Restricciones de orden contractual, procedentes de una cláusula de inalienabilidad impuesta al

propietario por aquel de quien ha recibido la cosa. [...] La ley permite, en ciertos casos, a la voluntad de las

partes imprimir a ciertos bienes un carácter de inalienabilidad que restringe, al privarle del abusus, el derecho

de propiedad de estos objetos”. (ibid., loc. cit, tradução nossa).

constantemente interfere no direito de propriedade, seja através dos impostos, seja em busca

da harmonização social. O fato é que o Estado tornou-se “sócio” dos proprietários.

2.5.1 Limitadores em espécie

As limitações referentes à extensão da propriedade imóvel, seja o espaço aéreo, ou

o subsolo, têm o objetivo de impedir que o proprietário venha causar empecilhos perante

terceiros, alegando o direito de propriedade em extensões inúteis ao seu uso. Na Idade Média,

dizia-se que o dono do solo era também dono até o céu e até o inferno - qui dominus est

solidominus est usque ad coelos et usque ad ínferos - ( PEREIRA, Caio, 2007, p. 99). Apesar

dessa concepção ser poética, não é a adotada pelo Código Civil Brasileiro, que preferiu filiar-

se à corrente germânica58

.

[...] Código Civil de 2002 (art. 1299), filiou-se à corrente germânica e instituiu a

extensão do direito de propriedade ao espaço aéreo e ao subsolo em toda altura e em

toda profundidade úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, opor-se o

proprietário a trabalhos que sejam empreendidos até onde não exista o interesse de

impedi-los. Conjugou assim a utilidade e o interesse. (PEREIRA, Caio, 2007, p.

100)

As limitações legais estão esparsas em nosso ordenamento jurídico, podendo ser

divididas em dois grandes grupos: direito administrativo e direito civil.

Pertencem as primeiras ao campo do Direito Administrativo. Nem por isso devem

ser omitidas, uma vez que se integram, obviamente, na estruturação legal da

propriedade como direito privado. Atingem-no em toda a sua extensão ou em

algumas de suas faculdades. Caracterizam-se pela unilateralidade, porque não

estabelecem vínculos recíprocos. Inspirando-se no interesse público, sacrificam

interesses do proprietário sob o fundamento de que se devem subordinar àquele.

Essas limitações estão contidas em leis especiais, proliferando, mais copiosamente,

nos regulamentos administrativos.

As segundas pertencem ao campo do Direito Civil. Segundo alguns, apresentam-se

sob a forma de servidões legais. Para outros não têm essa natureza. São,

verdadeiramente, limitações da propriedade, impostas em razão da finalidade social

de harmonia que a ordem jurídica procura assegurar, coordenando os direitos

privados para que possam coexistir pacificamente. Tais as medidas legais que

regulam os direitos de vizinhança. Atingem, tão-somente, o exercício do direito de

propriedade, não afetando em toda a sua extensão. Ao contrário das restrições de

Direito Administrativo, caracterizam-se pela bilateralidade. (GOMES, 2001, p. 122)

A título de limitações, contidas no Código Civil, pode-se citar ainda a preferência

de compra entre os condôminos perante estranhos; a proibição de doação de todos os bens; a

preservação da legítima; as limitações oriundas das servidões prediais e o direito de

58

“O Direito Alemão pressupõe [...] § 905. 9 (limitação da propriedade) O Direito do proprietário de um prédio

estende-se ao espaço sobre a superfície e aos recursos sob a superfície. O proprietário não pode, todavia, opor-

se a trabalhos que sejam empreendidos a tal altura ou profundidade, que não tenha ele interesse algum em

impedi-los” (FIUZA, 2008, p. 757).

vizinhança. Entretanto, existem outras limitações esparsas em Leis Especiais como: a lei do

condomínio; lei do parcelamento do solo urbano; lei do inquilinato; o Estatuto da Terra;

Decreto-lei da desapropriação; o Decreto-lei da alienação fiduciária em garantia e limitações

impostas pelo Código de Defesa do Consumidor.

As limitações de direito administrativo são mais pesadas e radicais, sendo

inúmeras as limitações existentes, as mais enérgicas são a desapropriação59

e a requisição. Os

fundamentos para essas limitações podem variar de (Ibid., p. 146): segurança pública através

do controle de funcionamento de estabelecimentos perigosos; saúde pública; prosperidade

pública; economia popular pelo tabelamento ou racionamento de produto; cultura,

preservação de monumentos históricos; higiene; funcionamento dos serviços públicos através

de instalação de redes elétricas sobre terrenos; urbanismo pela ocupação ordenada do solo;

defesa nacional, edificações em torno de estabelecimentos militares. Essas limitações variam

da proteção do patrimônio histórico (Dec. Lei 25/37) à de zonas de aeroportos. A restrição da

propriedade através do decreto lei de tombamento foi um grande marco, pois, através dela, foi

possível preservar as culturas regionais e também monumentos naturais, sítios arqueológicos

e paisagens naturais.

As restrições consistem na intervenção do Poder Público sobre a vontade do

particular. Essa intervenção é feita de maneira compulsória por parte daquele sobre este. A

limitação administrativa é classificada em quatro tipos, conforme leciona Guilherme Purvin,

ao citar Odete Medauar.

As características principais das limitações (ou restrições) administrativas são as

seguintes: a) Generalidade: aplicam-se a todos os proprietários ou bens sujeitos a

uma situação determinada; b) Unilateralidade: são impostas por lei e independem da

aquiescência do proprietário; c) Imperatividade: devem ser obrigatoriamente

cumpridas; d) Não-confiscatoriedade: não podem implicar em perda da propriedade.

(Odete Medauar aput. FIGUEIREDO, 2008, p. 106)

As limitações administrativas não podem coibir, de maneira arbitrária, o exercício

do direito de propriedade. Elas proibição, apesar de às vezes serem discricionárias, jamais

poderão pautar-se por interesses particulares ou obscuros, pelo contrário, as limitações

deverão decorrer de um poder de polícia administrativo voltado para o bem-estar, interesses

coletivos e sociais.

“As atribuições de polícia administrativa referem-se à ordem pública, de modo

que a Administração, no limitar, dela não se poderá afastar” (ALVES, 1992, p. 193).

59

“A desapropriação é o ato pelo qual o Estado, por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, se

substitui ao particular no domínio de certa coisa, mediante o pagamento da competente indenização”.

(GOMES, 2007, p. 147).

As limitações jurídicas nascem do princípio do uso inadequado da propriedade. O

proprietário não mais usa a propriedade para se beneficiar dela, pelo contrário, ocorre um

abuso neste uso, exerce seu direito com intenções obscuras, como: levantar um muro de

elevada altura apenas para prejudicar seu visinho, sem nenhuma aplicabilidade prática. A

Constituição apresenta algumas restrições firmadas no interesse social: art. 5°, XXIV –

desapropriação por utilidade pública e interesse social; art. 182 – aproveitamento de solo

urbano inutilizado sob pena de parcelamento; art. 176 – as jazidas são propriedades distintas

do solo pertencentes à União; art. 243 – confisco de terras onde se cultivem ilegalmente

plantas psicotrópicas60

.

O Código de Minas, o Código Florestal, o Código de Caça e o Código de Pesca, por

sua vez, introduziram sensíveis limitações ao direito de propriedade. O Código de

Mineração, por exemplo, dispõe a respeito da ocupação dos terrenos vizinhos às

jazidas e da constituição compulsória das servidões (Dec-lei n. 277, de 28-2-1967,

art. 27 e 59, com a redação dada pelo Dec.-lei n. 318, de 14-3-1967). O Código

Florestal faculta a declaração de que florestas particulares sejam havidas como de

interesse do patrimônio florestal, sujeitas assim a várias restrições. Certas árvores,

devido ao seu porte, ou à sua beleza, podem ficar imunes ao corte; diversas outras

proibições são impostas aos proprietários. Idênticas restrições se deparam no Código

de Caça e no Código de Pesca. (MONTEIRO, 2007, p. 94)

O Código Civil traz em seu artigo 1228, §1°, que a propriedade deverá atender seu

fim econômico e social, preservando a fauna, flora, as belezas naturais e o equilíbrio

ecológico. A propriedade, além de produzir frutos, rendas, o que é um de seus principais

objetivos, deverá seguir as normas ambientais, para que se obtenha um meio ambiente

sustentável, econômica, social e ambientalmente.

Por sua vez, as limitações voluntárias têm como origem a própria vontade do

proprietário, ele terá seu direito de propriedade limitado, total ou parcialmente, por livre e

espontânea vontade, é um ato unilateral. As limitações poderão ser diversas: testamento

instituindo cláusulas de inalienabilidade de bens; doação com encargos; contrato de compra e

venda instituindo cláusula de retrovenda; constituição de renda.

As restrições à propriedade também podem ser assim apresentadas (DINIZ, 2007,

p.254 et seq):

I – restrições constitucionais, elas se encontram esparsas na Constituição Federal,

a exemplo do artigo: 5°, XXV - o direito de requisição da propriedade pelo Estado em caso de

eminente perigo; art. 170 - restrições de ordem econômica; art. 184 - desapropriação, para fins

de interesse social, de terras para reforma agrária; art. 182 § 2°, - edificação compulsória do

60

O confisco não é permitido por lei, contudo o art. 243 da Constituição Federal instituiu a desapropriação

sanção para estes casos.

solo urbano, sob pena de imposto progressivo; art. 216 - proteção do patrimônio histórico

cultural; art. 243 - confisco de terras que cultivem ilegalmente plantas psicotrópicas.

II – restrições administrativas são legislações infraconstitucionais, que tratam

sobre diversos ramos da administração pública ligado à propriedade e ao meio ambiente, e

podem ser assim apresentadas: lei de proteção aos monumentos históricos (Dec. Lei 25 de

1937), ocorre o tombamento do bem, sem contudo, transferir o domínio. O proprietário lesado

poderá pleitear indenização; normativas que regulam as atividades econômicas - lavoura de

cana (Decreto lei 3855/41); interesse da economia popular; interesse da saúde pública –

indústrias perigosas (Dec. lei 4238/42); código de mineração; código florestal; zona de

proteção a aeroportos; edificações em terrenos marginais de rodovia; Sistema Nacional de

Unidades de Conservação da Natureza (lei 9985/2000); etc.

III – limitações ao direito de propriedade rural, a principal legislação é o Estatuto

da Terra, introduzido pela Lei 4.503/64: esta limitação tem como objetivo atender a função

social da propriedade, condicionado ao favorecimento do bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores que trabalham juntamente com seus familiares em suas propriedades. Atingir

níveis satisfatórios de produtividade do imóvel. Conservar os recursos naturais. Observar as

disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e

cultivam.

IV – limitações de natureza militar, elas podem se dar através de: requisição de

imóveis para as forças armadas (Dec. lei 4812/42); controle das transações imobiliárias em

áreas situadas a menos de 150 km ao longo das fronteiras nacionais (Lei 6634/79); edificações

em torno de áreas militares (Dec. lei 3437/41); transporte aéreo; zonas de defesa do país.

V – restrições em razão da lei eleitoral: durante as eleições, o código eleitoral

institui a obrigatoriedade de cessão de espaço (propriedade) para a instalação das urnas de

votação.

VI – limitações em virtude do direito de vizinhança: têm como função conciliar o

exercício do direito de propriedade entre as propriedades confinantes.

Apresentado os diversos limitadores ao direito de propriedade e, em especial, as

limitações ambientais, falta ainda ressaltar os posicionamentos dos tribunais. Em uma decisão

mais recente, em que se discutia a função social da propriedade e a preservação ambiental, o

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no Agravo de Instrumento 99.016324-5 em

05/10/200, decidiu-se pela proteção ambiental e ordenou “a demolição de um muro de pedras

edificado pela agravada em área de preservação permanente na praia de Jurerê Internacional,

na cidade de Florianópolis, ficou clara a supremacia da proteção ambiental sobre o interesse

econômico”61

.

Outro julgamento penalizou o proprietário que fazia mau uso de sua propriedade e

com base no artigo 1277 do Código Civil, condenou-o a indenizar, moralmente e

materialmente, os prejudicados por esta ação degradadora. “A propósito o TJRS reconheceu o

mau uso da propriedade e determinou a reparação de danos materiais e morais em julgado de

11/05/2006. (Ap.Civ 70012779773)”62

.

Os tribunais vêm surpreendendo com os julgados relativos à proteção ambiental,

contudo, quando tratam da desapropriação de propriedades que não desempenham a função

social, esses tribunais restringem suas decisões ao quanto indenizatório que deverá ser

repassado ao proprietário do bem desapropriado.

61

LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. Direito Ambiental: Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 2.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 153. 62

LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. Meio Ambiente e Responsabilidade Civil do Proprietário: Análise do

Nexo Causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 48.

3 DO MEIO AMBIENTE

Para entender o que é o meio ambiente, primeiro é preciso saber qual o bem,

juridicamente, tutelado pela ordem jurídica. Muitos pensam que o bem ambiental é um direito

público, pois vai além do interesse individual, estando a propriedade privada à mercê do

controle estatal. Entretanto, ver-se-á que o meio ambiente foge à esfera privada e não chega à

esfera pública. Até a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90),

vivia-se a divisão entre bem público e privado, não se admitindo o bem difuso. Surge um

novo bem que não pertence nem ao particular nem à pessoa pública, pelo contrário, é um bem

transindividual, direito de todos, de uso comum do povo. É um bem de natureza indivisível,

de titularidade indeterminada, não podendo ser repartido, sem afetar sua substância e é

protetor de um bem maior, a vida. “Assim, ao definir o s bens difusos, o Código de Defesa do

Consumidor pôs fim à dicotomia entre bens públicos e privados, acrescentando ao nosso

ordenamento jurídico uma terceira categoria de bem: o bem difuso”. (D‟ISEP, 2009, p. 96)

Surge um novo bem, situado entre o direito público e o direito privado. Refere-se

ao direito compartilhado por grupos, classes ou categorias de pessoas. São interesses que

excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir

interesse público.

O direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado já é reconhecido em

convenções e documentos internacionais e é considerado como um direito humano

de „terceira geração‟, em virtude de sua natureza coletiva, de forma que seja

diferenciado dos direitos humanos de „primeira geração‟, que são os direitos civis e

políticos, de natureza individual e vinculada à liberdade, à igualdade e à

propriedade, e dos direitos humanos de „segunda geração‟, que são os direitos

sociais, econômicos e culturais, associados ao trabalho, saúde, educação, etc.

(SANTILLI, 2005, p. 59)

Esses direitos são apresentados pelo Código de Defesa do Consumidor como

sendo63

: a) interesses individuais homogêneos - é o interesse ligado por um grupo

determinável de pessoas, por um objeto, um dano divisível e pela mesma origem comum

(pode ser relação de fato ou relação jurídica), mesmo dano. Ex: consumidores que adquirem

produtos fabricados em série com o mesmo defeito; b) interesses coletivos em sentido estrito -

é o interesse ligado por um grupo determinável de pessoas, por um objeto, um dano

indivisível que deverá ser resolvido de maneira uniforme e pela mesma relação jurídica. Ex:

mesmos consumidores que se submetem a mesma cláusula ilegal de um contrato; c) interesses

63

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: Meio ambiente, Consumidor,

Patrimônio cultural, Patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 48 et seq.

difusos - é o interesse ligado por um grupo indeterminável de pessoas, por um objeto, um

dano indivisível e pela mesma situação de fato. Ex: Assistentes de uma propaganda enganosa.

É um direito tão abrangente que chega a coincidir com o interesse público, porém é um

interesse de um grupo e não um interesse geral. Ex: interesse de contribuintes.

Vislumbra-se que o bem ambiental está inserido na classe dos interesses

transindividuais ou metaindividuais, podendo ser assim classificado:

O bem ambiental, por essa razão, não pode ser classificado como bem público nem

como bem privado. Trata-se de uma terceira categoria, denominando-se bem difuso.

Esse bem pertence a cada uma e, ao mesmo tempo, a todos. Não há como identificar

o seu titular, e o seu objeto é insuscetível de divisão64

.

O bem ambiental está revestido de um caráter público diferente; pois, apesar da

propriedade estar individualizada no direito público ou privado, toda a coletividade terá

direito a exercer seu interesse sobre esse bem. “O bem como que se divide em um lado

material, físico, que pode ser aproveitado pelo exercício de um direito individual, e outro,

imaterial, que é apropriado por toda a coletividade, de forma difusa, que passa a ter direitos ou

no mínimo interesse sobre ela”65

.

O meio ambiente é um bem difuso, não podendo ser classificado como uma

subespécie do interesse público, apesar de, às vezes, o interesse de um grupo poder coincidir

com o interesse do Estado. Um dano ambiental ocasionado em uma determinada região

atingirá um grupo indeterminável de pessoas, podendo estas serem pessoas presentes ou

gerações futuras, por consequência, a indenização de tal dano não terá como ser dividida entre

os lesados.

A partir de 1985, com o advento da Lei de Ação Civil Pública – LACP (Lei

7347/85), os interesses difusos obtiveram uma defesa processual adequada. Qualquer grupo,

classe ou categoria de pessoas determinadas ou não, desde que ligadas por uma relação de

fato ou jurídica, passaram a ser tutelados pela LACP. Esta Lei veio disciplinar a ação civil

pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e

direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico66.

Para facilitar ainda mais a compreensão do bem ambiental, serão apresentados, no

próximo capítulo, os princípios ambientais. Eles poderão ser explícitos, descritos nos textos

64

SIRVINSKAS, Luiz Paulo. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 49. 65

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e sua Proteção Jurídica. 3. ed. Curitiba: Juruá,

2005, p. 23. 66

“Art. 1° - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade

por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente”. (BRASIL. Lei n° 7.347 de 24 de julho de

1985. Lei de Ação Civil Pública. Brasília, DF: Congresso Nacional, 1985).

legais e na Constituição, ou implícitos, que, apesar de não estarem escritos nas leis nem na

Constituição, são extraídos dos comportamentos éticos das relações entre os seres humanos.

3.1 TEORIA GERAL DOS PRINCÍPIOS

Princípio veio do latim pricipium, que quer dizer início, começo, origem. Para

este estudo, atribui-se à expressão princípio o significado de lei. Wellington Pacheco Barros

assim conceitua princípio:

Penso que princípio é o norte, e ademais disposições são os caminhos que conduzem

a ele. Os princípios não se atritam ou se subsumem uns nos outros, apenas se

limitam ou se restringem. Como o princípio é norma emoldural, sofre limitações

impostas pela própria lei. Não há conflito entre o princípio e a lei. Esta explicita

aquele. No plural, significa as normas elementares ou os requisitos primordiais

instituídos como base, como alicerces de alguma coisa. E, neste diapasão, os

princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de

norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em

qualquer operação jurídica67

.

George Marlmelstein, citado por Pacheco Barros, diz:

Em outras palavras, as regras descrevem uma situação jurídica, vinculam fatos

hipotéticos específicos, que, preenchidos os pressupostos por ela descritos, exigem,

proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção. Os

princípios, por sua vez, expressam um valor ou uma diretriz, sem descrever situação

jurídica, nem se reportar a um fato particular, exigindo, porém, a realização de algo,

da melhor maneira possível, observadas as possibilidades fáticas e jurídicas. (Ibid.,

p. 59)

Os princípios não são regras que ditam comportamentos jurídicos, são apenas

expressões de valor, são diretrizes complementares. Possuem uma função orientadora,

servindo como norte para a criação e aplicação da lei. Têm uma função supletiva, atuando nas

lacunas ou insuficiências da norma jurídica. “Serve também o princípio como limite da

atuação do jurista. [...] Tem como função limitar a vontade subjetiva do aplicador do direito,

pois estabelece balizamentos dentro dos quais o jurista exercitará sua criatividade” (Ibid., p.

62). Os princípios, além de serem limitadores da ação do juiz, são fontes de legitimação de

suas decisões, pois uma decisão será legitima, se seus princípios forem eficazes.

Pacheco Barros atribui mais duas funções aos princípios:

A função vinculante disciplina que todas as regras do sistema jurídico estão presas

aos princípios constitucionais que as inspiraram. São parâmetros aos juízos de

constitucionalidade das regras jurídicas e de legalidade das decisões administrativas

delas originadas.

67

BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 56.

A função interpretativa, atualizada com os valores éticos, sociais e políticos, deve

respeitar a harmonia entre o conteúdo das regras jurídicas e os princípios.

(BARROS, 2008, p. 61)

Como bem leciona Luiz Sirvinskas, os princípios têm função integradora, ao

preencher as lacunas do direito; interpretativa, ao orientar o intérprete na aplicação da norma;

delimitadora, pois limitam a atuação da lei; e fundante, porque fundamentam o ordenamento

jurídico.

Zulmira Baptista apresenta vários princípios voltados principalmente para o

direito público, que podem ser assim apresentados: a) da primazia do interesse público: o

Estado busca a defesa do bem coletivo e não a vontade individual de cada cidadão. O Estado

deve preterir a vontade particular de cada cidadão ou de seu governante, em benefício do

interesse público; b) da indisponibilidade do interesse público: o titular do interesse público é

o Estado. Só ele pode dispô-lo, a administração não; c) da legalidade administrativa: a

administração pública somente pode fazer o que está na lei, o que não estiver no mundo

jurídico é vedado aos agentes públicos; d) da especialidade administrativa: é aderido ao

princípio da competência. “A especialidade é „uma finalidade de adere às coletividades ou

instituições personalizadas ou patrimonializadas, qualidade constituída pela competência

desta coletividade ou instituição, quanto às suas atribuições‟”68

; e) da igualdade

administrativa: todos são iguais perante a lei. A administração só pode tratar diferente um

cidadão em relação a outro, tendo em vista a sua desigualdade; f) do poder dever do

administrador público: “Os „órgãos das pessoas jurídicas públicas, em determinadas

condições, têm o poder-dever de tomar providências, editando atos, sempre que estejam em

jogo interesses públicos ou direitos subjetivos públicos dos administrados‟” (BAPTISTA,

2005, loc. cit.); g) da liberdade do cidadão: este tem direito a ampla defesa e ou contraditório,

só podendo ser condenado mediante um processo regular; h) da finalidade administrativa:

toda a atividade do Estado só se justifica se for dirigida ao atendimento de um interesse

público qualificado; i) da proporcionalidade dos meios aos fins: o Estado, exercendo seu

poder de polícia, não pode sobrepor os direitos à liberdade e dignidade da pessoa humana, de

maneira que excedam nos meios para atingir o fim; j) da impessoalidade, moralidade e

publicidade: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte”. Esses princípios

foram instituídos pelo artigo 37 da Constituição.

68

BAPTISTA, Zulmira M. de Castro. Direito Ambiental Internacional: política e consequências. São Paulo:

Pillares, 2005, p. 71.

3.1.1 Princípios aplicáveis ao meio ambiente

Por ser o meio ambiente uma questão universal, não se restringindo a fronteiras ou

soberanias dos Estados, serão apresentados resumidamente alguns dos 27 princípios da

ECO/92, que veio afirmar a declaração da conferencia de Estocolmo. A ECO/92, teve, como

precursora, a reunião mundial das associações de direito ambiental realizada na França

(Limoges) em 15 e 16 de novembro de 1990, que ficou conhecida como Declaração de

Limoges. (BAPTISTA, 2005, p. 37)

A Declaração de Limoges foi a responsável pela apresentação de doze

recomendações sobre meio ambiente, que vieram a ser a base da ECO/RIO 92 e de vários

outros eventos.

A Declaração de Limoges indicou os temas para futuras recomendações, tendo em

vista a Conferência Mundial de 1992, no Brasil, tais como o dano ecológico, as

normas técnicas ambientais, o papel dos direitos constumeiros locais e regionais, o

direito de patentes e a proteção ambiental, o comércio internacional e a proteção

ambiental, o papel das subvenções e dos incentivos fiscais, os aspectos financeiros e

econômicos da proteção ambiental internacional, o exame do projeto de convenção

relativo ao clima, projeto de instituições para proteção global da atmosfera, exame

de projeto de convenção para a conservação e valorização das florestas, preparação

de projeto de convenção internacional sobre zonas áridas desérticas. (Ibid., p. 38)

As Nações Unidas buscavam através da Conferência realizada no Rio de Janeiro,

no ano de 1992, alcançar acordos internacionais em que se respeitassem os interesses de todos

e se protegesse a integridade do sistema ambiental e de desenvolvimento mundial,

reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra. Tal conferênica instituiu, entre

seus princípios, o desenvolvimento sustentável para as presentes e futuras gerações; a

erradicação da pobreza; a participação dos Estados na proteção e restauração da saúde e da

integridade do ecossistema terrestre; a participação dos cidadãos nas questões ambientais;

adoção de legislação ambiental eficaz; o princípio da precaução e a implantação de estudos

sobre impactos ambientais.

Os dois princípios básicos descritos de maneira geral pelo artigo 225 da

Constituição Federal, princípio da preservação e da cooperação, podem ser assim trabalhados.

Princípio da Preservação: a preservação do meio ambiente foi um dos grandes

pontos defendidos por nosso legislador, ao instituir o art. 2° da Lei 6.938 de 1981 (Lei da

Política Nacional do Meio Ambiente), que, juntamente com o princípio do poluidor pagador e

da responsabilidade objetiva do poluidor, cria a obrigação de indenizar e/ou reparar o meio

ambiente independentemente da existência de culpa por parte do infrator.

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,

melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,

no País, condições ao desenvolvimento sócio econômico, aos interesses da

segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os

seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio

ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e

protegido, tendo em vista o uso coletivo;

II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;

VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional

e a proteção dos recursos ambientais;

VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;

VIII - recuperação de áreas degradadas;

IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;

X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da

comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio

ambiente.

Essa lei instituiu diversos princípios para a melhoria e recuperação do meio

ambiente, que são instrumentos de preservação do meio ambiente.

Princípio da Cooperação: é a defesa do meio ambiente através da interação do

Estado e da sociedade – coletividade – que, através dos seus representantes eleitos ou através

dos grupos sociais ou associações, tem o direito e dever de defender o meio ambiente para as

presentes e futuras gerações. Não pode esquecer a representatividade direta por meio da

iniciativa popular:

Em plano federal: art. 61, § 2° - iniciativa popular pode ser exercida pela

apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por,no mínimo, 1%

do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de

0,3% dos eleitores de cada um deles.

Em plano estadual: art. 27, § 4° - a lei disporá sobre a iniciativa popular no processo

legislativo estadual.

Em plano municipal: art. 29, inc. X – a Lei Orgânica atende, dentre outros preceitos,

aos seguintes: cooperação das associações representativas no planejamento

municipal; iniciativa popular de projetos de leis de interesse específico do

município, da cidade ou de bairros, através da manifestação de, pelo menos, 5% do

eleitorado. (BAPTISTA, 2005, p. 81 et seq)

O princípio da cooperação decorre do princípio democrático que assegura a

participação plena do cidadão nas elaborações das políticas públicas ambientais. A

materialização deste princípio se vê através dos seguintes instrumentos: a) na esfera

legislativa, por meio do art. 14 da Constituição, o cidadão poderá fazer uso da iniciativa

popular, plebiscito e referendo; b) na esfera administrativa, há o direito à informação,

assegurado pelo hábeas datas; o direito de petição, garantido pelo art. 5°, XXIV da

Constituição e o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, determinado no art. 225, § 1°, IV da

Constituição Federal; c) quanto às medidas judiciais cabíveis, há a Ação Popular e a Ação

Civil Pública.

Além desses dois princípios acima apresentados, há outros princípios ligados

diretamente ao meio ambiente, com aplicação imediata no direito ambiental. Esses, por não

integrarem outros ramos do direito, contribuem para a autonomia do direito ambiental.

Pacheco Barros assim apresenta os referidos princípios (BARROS, 2008, p. 63 et

seq):

I – princípio da universalidade: vem do latim universalitas que quer dizer

generalidade, totalidade, reunião de várias coisas congregadas para que cumpram certos

objetivos. A universalidade consiste na preservação do meio ambiente para as presentes e

futuras gerações. Quer dizer, também, universalidade de elementos: água, solo, flora, fauna e

outros. “O princípio da universalidade é também conhecido como princípio do direito

humano, princípio do direito humano fundamental e princípio do ambiente ecologicamente

equilibrado”. (ibid., p. 64)

II – princípio da tutela estatal e coletiva – princípio da participação: o meio

ambiente é um direito de todos, competindo ao Poder Público e à coletividade defendê-lo e

preservá-lo. O Estado exerce esse direito dever através do poder de polícia, que deve ser

temperado pelo princípio do devido processo legal. A coletividade pode fazer uso das ações

populares ou ação civil.

Princípio da Participação: ao se falar em participação, tem-se em vista a conduta

de tomar parte em alguma coisa, agir em conjunto. Entretanto, apesar da custódia do meio

ambiente ficar a cargo do Poder Público, não ilide o dever de o povo atuar na conservação e

preservação do ambiente. Participar requer duas coisas:

a) informação – Conforme § 1° do art. 225 da Constituição. “Para assegurar a

efetividade deste direito, incumbe ao Poder Público, VI – promover a educação ambiental em

todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

b) educação ambiental – educar ambientalmente significa reduzir os custos

ambientais; efetivar o princípio da prevenção; conscientização ecológica; efetivar o princípio

da solidariedade e da participação (Lei 9795/99 – Educação Ambiental).

III – princípio da educação ambiental: como acima citado, este princípio já foi

contemplado pela nossa Carta Maior. O meio ambiente deve servir como estrutura de

educação de um povo. A disciplina ambiental deve fazer parte desde a mais tenra turma à

mais madura. Esse princípio está consagrado na Declaração de Estocolmo de 1972, por meio

do princípio 19.

Princípio 19 – É indispensável um trabalho de educação em questões ambientais,

visando tanto às gerações jovens como aos adultos, dispensando a devida atenção ao

setor das populações menos privilegiadas, para assentar as bases de uma opinião

pública, bem informada e deuma conduta responsável dos indivíduos, das empresas

e das comunidades, inspirada no sentido se sua responsabilidade, relativamente à

proteção e melhoramento do meio ambiente, em toda a sua dimensão humana.

IV – princípio do desenvolvimento sustentável: consagra-se no uso limitado dos

recursos não renováveis. Este princípio surgiu na década de 70 com o Relatório de

Brundtland, que procurava conciliar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento

socioeconômico para a melhoria da qualidade de vida do homem. Em nosso ordenamento

jurídico esse princípio é contemplado no artigo 170, inciso VI da Constituição, ao tratar da

ordem econômica, e também no art. 186, que fala da função social da propriedade rural.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme

o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos

seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização

adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III –

observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração

que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Dentro da Conferência das Nações Unidas ocorrida no Rio de Janeiro em 1992,

este princípio pode ser assim resumido:

a) os seres humanos de cada país estão no centro das preocupações com o

desenvolvimento sustentável porque eles têm direito a uma vida saudável e

produtiva, em harmonia com a natureza;

b) mas, desde que isso seja resguardado, tem o país o direito soberano de explorar

seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e

desenvolvimento desde que assumam a responsabilidade de assegurar que atividades

sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros

Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional. (BARROS, 2008, p. 66)

O desenvolvimento sustentável visa dar maior qualidade de vida ao homem.

Assim, a primeira degradação a se combater é a pobreza, a desigualdade social. “Isso nos

permite afirmar que, aos olhos desta sociedade, a poluição maior é a pobreza”. (D‟ISEP,

2009, p. 48)

V – princípio da cooperação internacional: de forma implícita, pode-se retirar do

artigo 4°, inciso IX da Constituição este princípio. O Brasil rege-se pelo princípio da

“cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”.

Esse também é o princípio 24 da Declaração de Estocolmo em 1972.

Princípio 24 – Todos os países, grandes ou pequenos, devem empenhar-se com

espírito de cooperação e em pé de igualdade na solução das questões internacionais

relativas à proteção e melhoria do meio. É indispensável cooperar mediante acordos

multilaterais e bilaterais e por outros meios apropriados, a fim de evitar, eliminar ou

reduzir, e controlar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se

realizam em qualquer esfera posam acarretar para o meio, levando na devida conta a

soberania e os interesses de todos os Estados. (BARROS, 2008, p. 67)

VI – princípio da precaução e princípio da prevenção: estes princípios serão

estudados em conjunto, pois a prevenção pode ser vista como um desdobramento da

precaução. Esse princípio é anterior à constatação de perigo; já a prevenção surge em

“decorrência da constatação de que há evidências de perigo de dano ambiental efetivo que

deve ser eliminado preventivamente”. (ibid., p. 71)

É o princípio nº 15 da Conferência do Rio/92.

Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar

amplamente o critério de precaução de acordo com suas capacidades. Quando

houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza cientificamente

absoluta não deverá ser utilizada como razão para postergar a adoção de medidas

eficazes, em função dos custos, para impedir a degradação do meio ambiente. (ibid.,

p. 68)

Este princípio não deve ser usado de forma extremada que possa ir contra o

princípio do desenvolvimento sustentável. No Brasil esse princípio está contemplado na Lei

da Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6938/81) em seu artigo 10 e também no artigo

225, § 1°, inciso IV da Carta Magna.

Lei 6938/81, art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de

estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados

efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes sob qualquer forma, de

causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão

estadual competente, integrante da SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças

exigíveis.

C.F. Art. 225, § 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder

Público: IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade

potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo

prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. (BARROS, 2008, p. 70)

VII – princípio do usuário-pagador e do poluidor-pagador: quem fizer uso do bem

ambiental tem que pagar uma contraprestação, um valor que será determinado por lei. Não

quer dizer que basta pagar para poluir, Este princípio é interpretado sob dois aspectos:

a) evitar a ocorrência de danos ambientais – o poluidor tem o dever de arcar com

as despesas de prevenção dos danos ambientais, tem o ônus de utilizar instrumentos

necessários à prevenção do dano.

b) ocorrendo o dano em razão da atividade desenvolvida pelo poluidor, este terá

que reparar o dano. (Art. 225, §º3 da Constituição Federal69

).

Qualquer um que tiver ligação com o dano, mesmo que indiretamente, será

responsabilizado, tendo em vista a responsabilidade objetiva ambiental. Observe-se o que diz

o artigo 14, § 1°, da lei 6938/81:

Art. 14 [...] § 1°. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o

poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar

os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Ainda dentro dos princípios ambientais elaborados pela Conferência Nacional do

Meio Ambiente do Rio de Janeiro no ano de 1992 tem-se:

I - princípio do direito humano: instituído na Conferencia das Nações Unidas

sediada no Rio de Janeiro – ECO/92, descrita pelo princípio n° 1, assim definido: “Os seres

humanos estão no centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável.

Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente”.

II - princípio democrático: é a participação do povo na decisão e preservação

ambiental, participação esta que pode se dar em três esferas: legislativa, através do plebiscito;

administrativa, por meio do direito de informação e o direito de petição; processual, utilizando

os remédios legais como ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo etc.

III - princípio do equilíbrio: deve-se levar em conta todas as consequências

provenientes da intervenção no meio ambiente, nenhum aspecto deve sobrepor ao outro, seja

econômico, ambiental ou social.

IV - princípio do limite: é a competência dada ao Poder Público de estabelecer

limites e diretrizes para serem tomados como padrões ambientais, com o intuído de evitar

problemas futuros à humanidade e ao meio ambiente. Os padrões máximos e mínimos de

poluentes que podem ser lançados no meio ambiente devem ser estabelecidos pela

Administração Pública.

V - princípio da responsabilidade social: está consagrado expressamente na

Constituição Federal no artigo 225, § 3°. É a política ecologicamente correta. As empresas,

instituições de ensino, instituições financeiras e profissionais adotam este principio para

serem reconhecidas como entidades socialmente corretas, que se preocupam com o futuro

ambiental de nosso planeta. Com isso, seu trabalho terá maior aceitação e reconhecimento, as

linhas de créditos serão facilitadas e terão maiores benefícios.

69

“Art. 225 [...]. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,

pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os

danos causados” (BRASIL. Constituição, 1988).

Princípio da responsabilidade é o princípio pelo qual o poluidor deve responder por

suas ações ou omissões em prejuízo do meio ambiente, de maneira a mais ampla

possível, de forma que se possa repristinar a situação ambiental degradada e que a

penalização aplicada tenha efeitos pedagógicos e impedindo-se que os custos

recaiam sobre a sociedade.70

Por fim há os princípios subsidiários ou indiretos, que também são aplicados a

vários outros ramos do direito, mas que, de maneira subsidiária, pode ser aplicado ao direito

ambiental. São eles os princípios da legalidade administrativa, da igualdade administrativa, da

impessoalidade, moralidade etc.

3.2 CLASSIFICAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

O Meio ambiente sempre existiu; mas, só a partir do momento em que o homem

buscou a industrialização de forma descontrolada e passou a causar grandes prejuízos a

natureza e a si próprio é que surgiram as preocupações em proteger e preservar o meio

ambiente.

Após a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente nos anos 60, começa-se a

tomar uma consciência prática da finitude dos recursos naturais, de forma concreta.

Matérias-primas, energia e água, entre outros bens proporcionados pela Natureza,

tornam-se mais raros e mais caros. Os processos e degradação ambiental, sob várias

modalidades, vão-se alastrando. Novas crises, mais sérias e globais, desenham-se no

horizonte para uma sociedade que, sem embargo, insiste em fechar olhos e ouvidos

para a realidade. Nuvens pesadas encastelam-se sobre os destinos do Planeta. Há um

limite para o crescimento, como há um limite para a inconsciência. Foi então que o

brado e a luz de Estocolmo se fizeram presentes, para valer. A partir de então, a

consciência ambiental vem se estendendo e se robustece71

.

Foi em meio a uma onda de destruição que o meio ambiente passou a ser palco de

debates das grandes nações e em reuniões da ONU. O vazamento de mercúrio na Bacia de

Minamata no Japão entre os anos de 1953 à 1997, a emissão de agente laranja em Seveso

perto de Milão na Itália no ano de 1976, o vazamento de isocianato em Bhopal na Índia no

ano de 1984, as constantes mudanças no meio ambiente em nível mundial: chuva ácida, efeito

estufa e o buraco na camada de ozônio fizeram com que o mundo voltasse os olhos para a

natureza e, no ano de 1972, mais especificamente nos dias 5 a 16 de junho em Estocolmo,

ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Surgia assim a nova

concepção e classificação do meio ambiente a qual mudaria, para sempre, o modo como a

natureza seria vista.

70

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 40 et seg. 71

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência e glossário. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005, p. 152.

Numa concepção jurídica, meio ambiente é “o conjunto de condições, leis,

influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida

em todas as sua formas”72

.

Entretanto, esse conceito legal está incompleto, pois se restringe apenas ao

conceito de meio ambiente natural. É preciso agregar a este conceito os elementos artificiais,

culturais e do trabalho ligado aos seres vivos. “O conceito de meio ambiente é mais amplo.

Inclui urbanismo, aspectos históricos, paisagísticos e outros tantos essenciais, atualmente, à

sobrevivência sadia do homem na Terra”. (FREITAS, 2002, p. 15)

Por ser esse um conceito amplo, será analisada a sua abrangência. Em primeiro

lugar, deve-se analisar qual é a vida que é protegida pelo meio ambiente. Se buscar uma visão

antropocêntrica73

, o homem será visto como o centro de tudo e, como tal, os recursos naturais

não terão outra função a não ser de serví-lo. Entretanto, se o objeto do direito ambiental for a

tutela de toda e qualquer vida, poder-se-á coadunar com o entendimento de Diogo de Freitas

do Amaral, aqui citado por Celso Pacheco:

[...] já não é mais possível considerar a proteção da natureza como um objetivo

decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natureza tem

que ser protegida também em função dela mesma, como valor em si, e não apenas

como um objeto útil ao homem. [...] A natureza carece de uma proteção pelos

valores que ela representa em si mesma, proteção que, muitas vezes, terá de ser

dirigida contra o próprio homem74

.

Do mesmo modo que não se pode conceber o abuso do homem sobre o meio

ambiente, também é incorreto adotar uma visão estritamente biocêntrica, naturalista ao

extremo, ou adotar uma visão puramente economicista. É preciso buscar um meio termo, que

é possível através da aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável amparado pelo

tripé do desenvolvimento econômico, preservação ambiental e desenvolvimento social.

É partindo desse conceito amplo sobre o meio ambiente, que se poderá classificá-

lo tomando por base suas diversas manifestações – meio ambiente natural, artificial, cultural e

do trabalho.

O meio ambiente natural é o meio ambiental natural ou físico é constituído pela

atmosfera, pelos elementos da biosfera, pelas águas, pelo solo, pelo subsolo, pela fauna e

72

Art. 3°, inciso I (BRASIL. Lei 6938 de 31 de agosto de 1981. Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) 73

“Antropocêntrico coloca o homem no centro das preocupações ambientais, colocando-o no centro do universo.

Ecocentrismo, ao revés, se posiciona no extremo oposto, colocando a ecologia no centro do universo.

Biocentrismo, por sua vez, procura conciliar as duas posições extremas, colocando todas as formas de vida no

centro do universo”. (SIRVINSKAS, 2008, p. 11.) 74

Diogo de Freitas Amaral apud FIORILLO, Celson Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro.

3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 20.

flora. Esse Direito é defendido pelo caput do artigo 225 e §1°, incisos I, III e VII75

, da

Constituição Federal.

O meio ambiente artificial é formado pelas áreas urbanas construídas, podendo ser

espaço urbano fechado formado pelas edificações, ou espaço urbano aberto formado pelos

equipamentos públicos como ruas, áreas verdes e praças. Esse Direito é protegido

constitucionalmente pelos art. 21 e 182 da CF/88 ao tratar da política urbana e, mais

especificamente, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).

Na preservação do meio ambiente artificial, o Estatuto da Cidade, em seu artigo

2°, dispõe várias diretrizes voltadas para a política urbana e o desenvolvimento das funções

sociais da cidade. Essas diretrizes visam à ordenação do controle do uso do solo, evitando a

poluição e degradação ambiental, buscando a preservação e recuperação do meio ambiente

natural, artificial, cultural e outros.

O meio ambiente cultural está previsto no artigo 216 da Constituição Federal, que

o delimita da seguinte forma:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e

imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às

manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

É um patrimônio que representa a história de uma sociedade, sua cultura, seu

povo, seus costumes e sua própria existência. José Afonso, citado por Celso Pacheco, diz:

“O Meio Ambiente Cultural é integrado pelo patrimônio histórico, artístico,

arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem,

difere do anterior pelo sentido de valor especial”. (José Afonso apud FIORILLO, 2007, p. 24)

75

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao

poder público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das

espécies e ecossistemas; [...] III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de

lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; [...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função

ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. [...]”. (BRASIL.

Constituição, 1988)

O meio ambiente do trabalho é composto pelo local de trabalho das pessoas, local

onde elas exercem suas atividades, esse ambiente compreende a salubridade e a

periculosidade ligadas ao ambiente do trabalho. É protegido constitucionalmente pelos artigos

7º, XXIII e 220, VIII da Constituição Federal de 198876

.

3.3 REPARTIÇÃO ADMINISTRATIVA E LEGISLATIVA DAS COMPETÊNCIAS

AMBIENTAIS

A Constituição é responsável por dividir os direitos, deveres e poderes entre os

três entes da Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Na busca de um

equilíbrio federativo, enumera os poderes e competências de cada um deles, atuações em

comum, prerrogativas concorrentes e atribuições suplementares.

Ensina Canotilho, que em matéria ambiental, a Constituição classifica as

competências levando-se em conta a natureza e a extensão.

I – quanto à natureza às competências ambientais podem ser: a) competência

executiva – “reserva a determinada esfera do poder o direito de estabelecer e executar

diretrizes, estratégias e políticas relacionadas ao meio ambiente” (CANOTILHO, 2007, p.

205); b) competência administrativa – “traz consigo o sentido de implementação e

fiscalização, ou seja, remete ao exercício do poder de polícia pelas entidades federativas com

o propósito de proteger e preservar o meio ambiente” (Ibid., p. 205 et. seq); c) competência

legislativa – “refere-se a capacidade outorgada a um ente da Federação para legislar sobre

questões referentes à temática ambiental”. (Ibid, p. 2006)

II – quanto à extensão as competências podem ser classificadas em: a)

competência exclusiva, usada por um ente da federação e excluídos os demais; b)

competência privativa, pertencente especificamente a um ente, porém, passível de delegação;

c) competência comum, exercida de forma igualitária por todos os entes da federação; d)

competência concorrente, pode ser usada por todos os entes, porém, sem ferir a supremacia da

União, quanto a normas gerais; e) competência suplementar, são normas que vão

pormenorizar as normas gerais ou supri-las quando da sua ausência. .

Essa competência administrativa e legislativa do direito ambiental é assim

dividida entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

76

“Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição

social. XXIII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII – colaborar na

proteção do meio ambiente, nele compreendido o trabalho”. (BRASIL. Constituição, 1988)

Cabe à União a competência executiva exclusiva que é tratada pelo art. 21 da

Constituição, que traz de forma implícita aspectos ambientais, naturais e urbanísticos. A título

de exemplos, há os incisos IX, XVIII, XIX, XX E XXIII77

. Pertence a União também, à

competência legislativa privativa78

, descrita no art. 22 da Lei Maior. A União é competente

para legislar sobre águas e energia; jazidas, minas e outros recursos minerais; e atividade

nucleares de qualquer natureza.79

Entretanto, esta competência pode ser delegada, através de

Lei Complementar, como bem trata o parágrafo único do referido artigo. Lembrando, sempre,

que não é porque os demais entes federados não possuem direito de legislar que não terão o

dever de fiscalizar.

É atribuída ao Estado a competência executiva exclusiva que, está determinada no

art. 25, §2°, §3°, competindo explorar os serviços de gás canalizado e instituir regiões

metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de

municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções

publicadas de interesse comum.

Além da competência exclusiva, a Constituição, em seu art. 25, §1°, de forma

explícita, dá ao Estado o direito à competência residual, toda matéria que não for competência

Federal ou Municipal será do Estado (caberá ao Estado legislar de forma remanescente).

Os Municípios serão atribuídas três competências: a) competência executiva

exclusiva, cabendo aos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento

territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo

urbano, e promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e

a ação fiscalizadora federal e estadual80

; b) competência legislativa exclusiva - como bem

expressa o art. 30, I da CF, tudo que for de interesse local será competência exclusiva do

Município -. A questão está em saber até que ponto um assunto é unicamente de interesse

local ou locais. “Interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais

diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no

77

Elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico

social; planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas especialmente as secas e as

inundações; instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de

direitos de seu uso; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico

e transportes urbanos; explorar os serviços de instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio

estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de

minérios nucleares e seus derivados, atendidos os princípios e condições da Constituição. 78

A diferença que se faz entre competência exclusiva e privativa é que esta pode ser delegável e aquela não

pode. 79

“Art. 22, IV, XII E XXVI.” (BRASIL. Constituição, 1988) 80

“Art. 30, VIII e IX.” (Ibid.)

interesse regional (Estado) ou geral (União)”81

; c) competência legislativa suplementar82

-

diante da preexistência de uma norma Federal ou Estadual, a competência suplementar se

apresentará de forma supletiva (o Município suprindo lacunas nas leis federais ou estaduais),

ou complementar (o Município limita-se a detalhar as normas federais e estaduais). “Os

Municípios possuem competência suplementar não para editar legislação concorrente, mas

sim para editar legislação decorrente”. (CANOTILHO, 2007, p. 213)

Será visto, que existem competências administrativas e legislativas que estão na

ceara de um ou mais entes da Federação, como é o caso da competência concorrente (União,

Estados e Distrito Federal). Conforme art. 24, VI, VII e VIII, compete a eles legislarem

concorrentemente sobre: a) florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do

solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; b) proteção ao

patrimônio, histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; c) responsabilidade por dano

ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico.

Contudo, à União terá a competência geral e os Estados e o Distrito Federal

competência suplementar. Cabendo a estes dois, caso não haja norma federal, a função

legislativa plena e editar normas gerais. Caso, futuramente, a União venha legislar sobre o

mesmo assunto, de forma diferente a já legislada pelo Estado, a norma deste será suspensa e

não revogada, até que porventura possa vir a ser restabelecida.

Já a competência administrativa comum (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios), estabelecida pelo art. 23, incisos III, IV, VI e XI da Constituição Federal,

determina ser comum o dever de: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor

histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios

arqueológicos; impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de

outros bens de valor histórico, artístico e cultural; proteger o meio ambiente e combater a

poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas e a flora; e registrar, acompanhar

e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais

em seus territórios.

“A competência comum portanto, é uma imposição constitucional para que os

diversos integrantes da Federação atuem em cooperação administrativa recíproca, visando a

resguardar os bens ambientais”. (ANTUNES, 2005, p. 88)

81

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 308. 82

“Art. 30, II – Compete ao Município suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.” (BRASIL.

Constituição, 1988)

O parágrafo único do art. 23 determina que serão expedidas normas de cooperação

entre os entes da federação, através de lei complementar, entretanto tais normas ainda não

saíram do papel.

3.4 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

Apenas os países que elaboraram seus textos constitucionais a partir da década de

1970 – mais precisamente do ano de 1972, quando ocorreu a Conferência de Estocolmo –

puderam assegurar tutela eficaz para o meio ambiente (MILARÉ, 2005, p. 180). Não só o

Brasil, como diversos outros países dedicaram artigos específicos sobre o meio ambiente em

suas leis fundamentais. Destaquem-se alguns exemplos apresentados por Édis Milaré: (Ibid.,

p. 180 et seg)

A Constituição do Chile, de 1972, assegura a todas as pessoas um ambiente livre de

contaminação, impondo ao Estado o dever de velar para que esse direito não seja

transgredido.

A Constituição do Panamá, de 1972, estabelece como dever fundamental do Estado

propiciar um meio ambiente sadio e combater a poluição.

A Carta da Iugoslávia, de 1974, determina que: “O homem tem direito a um

ambiente de vida sadio. A comunidade social assegura as condições necessárias ao

exercício desse direito”.

Em Portugal a Constituição de 1976 estabelece: “Todos têm direito a um ambiente

de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de defender”.

A Carta chinesa, de 1978, afirma serem propriedade de todo o povo as jazidas

minerais, as águas, as florestas, as terras incultas (art. 6°), e que “o Estado protege o

meio ambiente e os recursos naturais, tomando medidas preventivas e lutando contra

a poluição e outros males comuns”.

A Carta do Peru, de 1980, dispõe que todos têm o direito de viver em um ambiente

saudável, ecologicamente equilibrado e adequado para o desenvolvimento da vida e

a preservação da paisagem e da natureza, sendo dever do Estado prevenir e controlar

a poluição ambiental.

Nota-se que, na maioria das Cartas apresentadas, o dever de preservar o meio

ambiente não é apenas do Estado, mas de toda a coletividade; pois, ao final, é esta a

beneficiária do meio ambiente sadio, equilibrado e adequado ao desenvolvimento da vida

humana.

As constituições anteriores a de 1988 jamais se preocuparam com proteção do

meio ambiente de forma específica, nem mesmo existiam expressões como “meio ambiente”.

A constituição do Império (1824), por meio do art. 179, apenas proibia indústria contrária à

saúde do cidadão. Quanto ao direito de propriedade, este era pleno, limitado apenas pela

desapropriação pelo bem público. A constituição da República (1891), em seu artigo 34, n°29,

atribuiu competência legislativa à União para legislar sobre minas e terras.

A constituição de 1934, em seu artigo 5°, inciso XIX, “j”, concedeu à União

competência sobre riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e sua

exploração. O direito de propriedade passou a ser limitado pelo interesse social ou coletivo.

Protegeu as belezas naturais (art. 10, III) e o patrimônio histórico, artístico e cultural (art.

148). A Carta de 1937 preocupou com a proteção de monumentos históricos, artísticos e

culturais. Seu artigo 147 condicionava o uso da propriedade ao bem estar social. As Cartas de

1946, 1967 e a de 1969, emenda outorgada pela Junta Militar a Constituição de 1967,

mantiveram a defesa ao patrimônio e a competência da União em legislar sobre subsolo. “A

Emenda Constitucional de 1969, outorgada pela Junta Militar, dispôs, em seu art. 172 que a

lei, mediante prévio levantamento ecológico, regulará o aproveitamento agrícola de terras

sujeitas a intempéries e calamidades, e que o mau uso da terra impediria o proprietário de

receber incentivos e auxílios do Governo”. (LEMOS, 2008, p. 45)

A Constituição de 1988 inovou ao apresentar, de forma explícita, a preocupação

com o meio ambiente, destinando um capítulo específico para este fim e também trazendo

regras gerais espalhadas por toda a Carta. A defesa do meio ambiente e a função social83

da

propriedade foram elevadas ao rol dos princípios constitucionais. De maneira brilhante, o

texto constitucional coibiu a especulação imobiliária, punindo o proprietário por sua inércia

em explorar a propriedade, seja através do instituto do usucapião, seja através do imposto

progressivo.

Dentro de um conceito constitucional, pode-se relatar que a reforma constitucional

de 1926 sobre a constituição de 1891 foi marcada por uma forte centralização do poder e

intervenção da União sobre os Estados (LENZA, 2007, p. 79). Em relação ao meio ambiente,

preocupou-se em tratar da exploração das minas e jazidas. A Carta de 1934 voltou-se para o

caráter social da propriedade. A de 1937 deixou para as legislações ordinárias a

regulamentação dos limites ao direito de propriedade. As cartas de 1946 e 1967 garantiram a

intervenção do Estado através da desapropriação mediante indenização. Por fim, a

Constituição de 1988 introduziu a necessidade de utilidade pública ou interesse social para a

realização das desapropriações.

“A Carta Magna também prima pela salvaguarda dos recursos naturais, amparada

por princípios fundamentais a ação comunitária; precaução e ação preventiva; correção

prioritariamente na fonte dos danos causados ao meio ambiente e pelo princípio do poluidor

pagador”. (MORAIS, 2007, p. 798)

83

A expressão “função social da propriedade” é apresentada em várias passagens: art. 5°, XXIII; art. 170, III; art.

173, § 1°, I; art. 182, § 2°; art. 186 da Constituição.

Em busca de uma maior proteção constitucional ao meio ambiente, a Constituição

Federal de 1988 previu quatro grandes regras:

I – regra de garantia: qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular

em proteção ao meio ambiente84

;

II – regras de competência: institui competência administrativa comum e

competência legislativa concorrente;

III – regras gerais: dispersas pela Constituição. Exemplo: a proteção do meio

ambiente como princípio da ordem econômica, conforme art. 170, VI; 173, §5º; 174, §3º; 18,

II; 200, VIII; 216, V; 231, §1º).

IV – regras específicas: descritas em um capítulo especialmente reservado na

constituição. Exemplo: artigo 225 e seguintes.

Além de um capítulo próprio destinado ao meio ambiente, encontram-se

espalhados na Constituição diversos artigos que, ao tratarem de normas processuais, penais,

econômica, sanitária e administrativa, contemplam também a proteção ambiental.

Em sede Constitucional, são encontráveis os seguintes pontos dedicados ao meio

ambiente ou a este vinculados direta ou indiretamente: art. 5°, XXIII, LXXI,

LXXIII; art. 20, I, II, III, IV, V, VI, VII, IX, X, XI e §§ 1° e 2°; art. 21, XIX, XX,

XXIII, alínea “a”, “b” e “c”, XXV; art. 22, IV, XII, XXVI; art. 23, I, III, IV, VI, VII,

IX, XI; art. 24, VI, VII, VIII; art. 43, § 2°, IV e § 3°; art. 49, XIV, XVI; art. 91, § 1°,

III; art. 129, III; art. 170, VI; art. 174, §§ 3° e 4°; art. 176 e §§; art. 182 e §§; art.

186; art. 200, VII, VIII; art. 216, V e §§ 1°, 3° e 4°; art. 225; art. 231; art. 232 e no

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os artigos 43 e 44 e §§.

(ANTUNES, 2005, p. 63 et seg)

A Constituição, sem trilhar caminhos desconhecidos, passa por uma

transformação. Não mais é vista apenas como um instrumento de organização da vida

econômica, subjugada pela administração dos grupos dominantes. Muda-se o rumo e é dada

uma proteção jurídica autônoma para o meio ambiente.

“Na verdade, saltou-se do estágio da miserabilidade ecológico-constitucional,

própria das Constituições liberais anteriores, para um outro que, de modo adequado, pode ser

apelidado de opulência ecológico-constitucional”. (CANOTILHO, 2007, p. 86)

Em um capítulo próprio, especificamente destinado ao meio ambiente, a

Constituição apresenta o artigo 225 juntamente com seus parágrafos e incisos, que podem ser

assim estudados:

84

Art. 5º, LXXIII. (BRASIL. Constituição, 1988)

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se a Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.

Este artigo é o núcleo principal da proteção do meio ambiente e, ao lado das

demais normas constitucionais, sejam elas deveres genéricos (primeira parte do art. 225,

caput), deveres especiais (art. 225, §1º), princípios específicos e explícitos (poluidor

pagador), instrumentos constitucionais (ação civil pública), ou valoração de biomas especiais,

encaminham para o mesmo objetivo: a proteção e regularização das atividades humanas

capazes de afetar o meio ambiente.

Apresenta-se um direito de terceira geração, alicerçado em conceitos como a

fraternidade e a solidariedade. É um direito que se destina à proteção do ser humano, sem se

preocupar, especificamente, com o individuo isolado ou em um determinado grupo. É um

bem exercido pela coletividade, mas também protegido na forma individual.

O caput do artigo 225 pode ser assim dividido:

I – bem de todos: cabe aqui determinar quem são os beneficiados por este direito.

Numa visão restritiva, poderiam ser considerados os brasileiros e estrangeiros residentes no

Brasil e sujeitos às nossas leis. Em uma visão holística e universalista do meio ambiente, esta

proteção se estenderia além da cidadania brasileira. Ainda mais, em uma concepção externa

ao próprio homem, o conceito de “todos” estaria estendido a todos os seres viventes, sejam

eles humanos ou não.

II – meio ambiente ecologicamente equilibrado: baseia-se na ideia de que todos os

organismos vivos estão de algum modo inter-relacionados no meio ambiente. O equilíbrio

aqui proposto não é de tornar estático, imutável o meio ambiente, mas sim, de proporcionar

aos fenômenos naturais seguir seu próprio curso, sem maiores interferências do ser humano.

III – sadia qualidade de vida: esta qualidade de vida não se restringe ao homem,

ela deve ser aplicada, de forma ampla, na busca da manutenção do meio ambiente,

propiciando seu desenvolvimento pleno.

Assim, temos que o art. 225 estabelece quatro concepções fundamentais no âmbito

do direito ambiental: a) de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado; b) de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado diz

respeito à existência de um bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, criando em nosso ordenamento o bem ambiental; c) de que a

Carta Maior determina tanto ao Poder Público como à coletividade o dever de

defender o bem ambiental, assim como o dever de preservá-lo; d) de que a defesa e a

preservação do bem ambiental estão vinculadas não só às presentes como também às

futuras gerações. (FIORILLO, 2007, p. 16)

Canotilho, em sua obra Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, ao fazer um

estudo mais aprofundado do art. 225 da Constituição, relata que a proteção do meio ambiente,

na esfera constitucional, não segue um único padrão normativo. O legislador utiliza-se de

técnicas de proteção ambiental que podem ser assim definidas:

I – direitos fundamentais: os direitos fundamentais são aqueles que atribuem ao

indivíduo uma garantia subjetiva ou pessoal. A doutrina atual reconhece a existência de um

direito fundamental ao meio ambiente, que é incluído no plano mais elevado dos direitos

reconhecidos aos cidadãos.

Esse direitos são garantias fundamentais de aplicação imediata,

independentemente da produção de qualquer norma legislativa ou administrativa. Eles

também não estão sujeitos às vontades de seus usuários, são revestidos das seguintes

garantias: a) irrenunciabilidade, “não admite que o infrator alegue direito de degradar por

omissão ou até mesmo aceitação, expressa ou implícita dos prejudicados” (CANOTILHO,

2007, p. 99); b) inalienabilidade, estes direitos são indelegáveis, intransferíveis e inegociáveis;

c) imprescritível

II – deveres fundamentais: estes deveres constitucionais são para a proteção dos

próprios cidadãos e da natureza, seja presente ou futura. A Carta de 1988 traz um conjunto de

encargos dirigido ao Estado e ao particular, obrigações as vezes positivas de mitigar e reparar

a degradação eventualmente ocorrida (dever de fazer) e negativas de não degradar (dever de

abster-se de fazer). Da Constituição, podem ser tiradas quatro categorias de deveres: a)

obrigação explícita, genérica, substantiva e positiva de defesa e preservação do meio

ambiente; b) obrigação genérica, substantiva, negativa e implícita de não degradar o meio

ambiente; c) deveres explícitos especiais do Poder Público que impõem ao Legislador a

obrigação de fazer novas leis e aperfeiçoar as existentes, e do Poder Judiciário de aplicá-las de

forma rápida e eficaz; d) deveres explícitos especiais exigíveis de particulares ou do Estado, já

que ambos ocupam a posição de degradadores potenciais ou reais.

III – princípio: é usado pelas constituições modernas em todos seus campos, de

forma a auxiliar a compreensão dos institutos, não só ambientais, mas em todos ordenamentos

esparsos pela Constituição Federal. Esta gama de princípios (poluidor pagador, prevenção etc)

se apresenta de forma expressa ou implícita, geral ou específica, substantiva ou

procedimental.

Há outras técnicas, como a função ecológica da propriedade, que se contrapõem

ao direito de propriedade: a transparência e acessibilidade jurídica ambiental aliadas à

participação popular; o controle de constitucionalidade ambiental e a proteção de biomas

especiais.

3.5 PROTEÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

Antes de se falar em leis ambientais brasileiras, é preciso lembrar os primeiros

habitantes deste continente, os índios. Eles tinham um direito consuetudinário em que as

terras eram bens comuns; sendo bem familiar as cabanas. Portugal veio ao Brasil e não se

preocupou, de forma efetiva, em preservar a cultura local ou garantir aos índios seus direitos

básicos, pelo contrário, o Brasil colônia sempre trabalhou a terra de forma predatória e

antissocial, era o “celeiro” de Portugal, pois produzia pau-brasil, açúcar, tabaco, ouro e

diamantes.

Na época do descobrimento, no Brasil colônia, vigoravam as leis de Portugal. No

reinado de Dom Afonso V, vigiam as Ordenações Afonsinas, estas foram substituídas, em

1521, pelas Ordenações Manuelinas, posteriormente, revogadas, em 1580, pela Ordenações

Filipinas. Estas ordenações traziam conceitos avançados para a época, exemplo: conceito de

poluição; proibição de pesca em determinados locais e períodos.

No período pré-republicano, a primeira Lei de proteção às florestas, em especial o

pau-brasil, foi o Regimento do Pau-Brasil de 12 de dezembro de 1605. Foram editadas mais

tarde leis que restringiam a liberdade dos proprietários de terras em benefício da coletividade,

porém, essas leis não foram postas em prática. Em 09 de outubro de 1826, foi editada a Lei

422 prevendo a intervenção na propriedade privada, através da desapropriação, por

necessidade pública e utilidade pública.

O Brasil republicano, até o final da década de 60, antes da grande revolução

provocada pela Conferência de Estocolmo, editou diversas regras ambientais, tais como:

Regulamento da Saúde Pública (Dec. 16.300/1923); Código Florestal (Dec. 23.793/1934);

Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal (Dec. 24.114/1934); Código de Águas (Dec.

24.643/1934); Patrimônio Cultural: organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico

nacional (Dec. - lei 25/1937); Código de Pesca (Dec. – lei 794/1938); Código de Minas (Dec.

– lei 1.985/1940); Código Penal (Dec. – Lei 2.848/1940). Entretanto, foi na década de 1960,

com a emergência do movimento ecológico, que foram editados os mais importantes textos de

proteção ambiental. Destacam-se: Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964); Código Florestal (Lei

4.771/1965); Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967); Código de Pesca (Dec. – lei 221/1967);

Código de Mineração (Dec. – lei 227/1967); Política Nacional de Saneamento Básico (Dec. –

lei 248/1967); Criação do Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental (Dec. – lei

303/1967); Política Nacional de Saneamento (Lei 5.318/1967, a qual revogou os dois decretos

supra – Dec.-lei 248/67 e 303/67);

O Direito Ambiental, no Brasil, teve seu início de forma esparsa na década de 30,

ganhando maiores adeptos nos anos 60, com a promulgação do Código Florestal, e se

consolidando nos anos 80 e 90. Em 1981, com a promulgação da Lei da Política Nacional do

Meio Ambiente, foi o momento em que se deu o primeiro passo para se obter um meio

ambiente, juridicamente econômico. Após esse grande passo, surgiu a lei de ação civil pública

(lei 7.347/85), instrumento que possibilitou a defesa do meio ambiente através de instrumento

processual. Esta lei veio disciplinar a ação civil pública de responsabilidade por danos

causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico.

“Todavia, dentro do espírito contemporâneo, podemos afirmar, sem medo de

errar, que somente a partir da década de 1980 é que a legislação sobre a matéria (meio

ambiente) passou a desenvolver-se com maior consistência e celeridade”. (MILARÉ, 2005, p.

141)

Essa nova fase ambiental foi sacramentada por quatro grandes marcos da

legislação brasileira, a saber: a) Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81),

que trouxe o conceito jurídico de meio ambiente, instituiu o SISNAMA, órgão governamental

responsável pela política nacional do meio ambiente, além de traçar objetivos e diretrizes

ambientais; b) Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), a qual instituiu o instrumento

processual específico para defender o meio ambiente e outros direitos difusos e coletivos; c)

Constituição Federal de 1988, dedicou um capítulo específico para o meio ambiente o que foi

imitado pelas Constituições Estaduais e pelas Leis Orgânicas dos Municípios; d) Lei de

Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que além de dispor sobre as sanções penais e

administrativas, incluiu a pessoa jurídica como passível de ser sujeito ativo do crime

ambiental.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as aspirações individuais e sociais

ganham uma nova conotação. O individualismo é substituído pelo coletivismo. O conceito de

“eu-contra-o-Estado” passa a ser substituído por “nós-todos-em-favor-do-planeta”. O Meio

ambiente passa a ser visto como de uso comum do povo, seja das gerações presentes ou

futuras, e deve conciliar os interesses constitucionais com os internacionais, de forma que,

para a tutela do meio ambiente, não existem fronteiras.

Estoura uma crise mundial de riscos ambientais. As águas, o ar, os alimentos

começam a ser contaminados. Os problemas do planeta não podem ser mais vistos de forma

isolada por parte de uma nação e, muito menos como um direito não constitucional. Em

meados dos anos 70, os sistemas constitucionais começaram a reconhecer o ambiente como

valor merecedor da tutela maior. Antes, porém, no Brasil, a Constituição de 1967 trazia de

forma tímida, em seu artigo 172 alusão ao meio ambiente, prevendo o levantamento ecológico

de terras sujeitas a intempéries e calamidades.

Dessa forma, chega-se a uma evolução acelerada de constitucionalização

ambiental influenciada por três períodos: com a Declaração de Estocolmo em 1972, surgiram

as novas Constituições dos países europeus (ex: Grécia, Portugal e Espanha); posteriormente,

também com base em Estocolmo, vieram as Constituições dos países como o Brasil; em um

terceiro período, influenciado pelo Rio 92, surgiram as Constituições promulgadas ou

reformadas, como a da França.

Ainda sem uma legislação ambiental definida, começam a surgir no país os

primeiros julgados ambientais. “No ano de 1973 deu entrada no Fórum da Comarca de

Itanhaém SP aquela que certamente terá sido a primeira ação de natureza ambiental no

Brasil”85

. Tratava-se de ação popular contra o Poder Municipal, que pleiteava a construção de

prédios na orla marítima, sem se preocupar com o tratamento e suporte das redes de esgotos,

que iriam desaguar no mar. O magistrado proferiu sentença procedente alegando a

preservação da vida, da saúde e do lazer; contudo, a decisão foi reformada pela Terceira

Câmara Civil do Tribunal de Justiça paulista (Apl. Cível 237.209 em 07/11/79)

Outro grande avanço da legislação brasileira se deu com a promulgação do

Código Florestal Brasileiro. O primeiro código florestal brasileiro foi o de 1934 e tinha como

base o princípio da função social da propriedade. Em 1965, foi editado o Novo Código

Florestal, Lei 4.771, a propriedade também deverá atender a função social, e ainda mais, o

direito de propriedade deverá ser exercido com certas limitações legais. O Código instituiu os

espaços protegidos: Reserva Legal e Área de Preservação Permanente.

Já, em seu artigo 1°, o Código Florestal de 65 vem apresentar o que mais tarde

seria confirmado pela Carta Magna - as florestas e demais formas de vegetação (meio

ambiente) são bens de interesse comum dos habitantes do País (bem comum do povo). Além

de apresentar vários conceitos e instituir as referidas áreas de preservação, o Código de 65

85

FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. 3. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p 20.

impõe restrições ao direito de propriedade, bem como sanções a quem descumprir as normas

ambientais.

Superada essa fase de descaso para com o meio ambiente, o legislador implantou

a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente marco na história das legislações ambientais.

Como visto acima, o aplicador do direito tinha que fazer “malabarismo” para proteger a

natureza, lançando mão de leis não ambientais para defender o ambiente de forma paralela.

A lei 6.938/81 tem como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da

qualidade ambiental. Para tal, ela busca um desenvolvimento econômico sócioambiental,

estabelece critério e padrões da qualidade ambiental, estimula a pesquisa e a tecnologia

ambiental, primando sempre pela preservação e recuperação dos recursos ambientais. Através

de seus Órgãos fiscalizadores, executores e licenciadores, a Lei de Política Nacional do Meio

Ambiente cria instrumentos de preservação ambiental86

.

Entretanto, a grande polêmica atual situa-se em como proceder com as

propriedades rurais que estão em pleno desenvolvimento econômico e social e não possuem

reserva legal averbada, nem têm como determinar áreas em suas propriedades para proceder a

regeneração vegetal necessária.

A normativa atual do Código Florestal limita a compensação da reserva legal

dentro da mesma microbacia. Os produtores rurais buscam através do projeto 6424/2005, que

tramita no Congresso Nacional, expandir o critério de compensação ambiental. Esse projeto

está assim disposto:

PROJETO DE LEI No 6.424, DE 2005

Altera a Lei n.º 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o novo

CódigoFlorestal, para permitir a reposição florestal e arecomposição da reserva legal

mediante o plantio de palmáceas em áreas alteradas.

O Congresso Nacional decreta:

[...]

86

Art. 9° São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I – o estabelecimento de padrões de

qualidade ambiental; II – o zoneamento ambiental; III – a avaliação de impactos ambientais; IV – o

licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V – os incentivos à produção e

instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade

ambiental; VI – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público Federal, Estadual

e Municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas;

VII – o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII – o Cadastro Técnico Federal de

Atividades e Instrumento de Defesa Ambiental; IX – as penalidades disciplinares ou compensatórias não

cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental; X – a instituição do

Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo IBAMA; XI – a garantia de

prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando

inexistentes; XII – o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos

recursos ambientais. (BRASIL. Lei n° 6.938 de 31 de agosto de 1981. Política Nacional do Meio Ambiente.

Brasília, DF: Congresso Nacional, 1981.)

Art. 3º Ficam acrescidos ao artigo 44, da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965,

com a redação dada pela Medida Provisória n° 2.166-67, de 2001, os seguintes

parágrafos:

“Art. 44 ....................................................................................

§ 7° Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma

microbacia ou da mesma bacia hidrográfica, o órgão ambiental estadual competente

poderá autorizar a compensação em outra bacia desde que no mesmo estado,

considerando:

I – as áreas prioritárias para conservação no Estado;

II – a situação dos ecossistemas frágeis e ameaçados;

§ 8° A compensação de Reserva Legal na mesma bacia hidrográfica, para fins de

recuperação de áreas prioritárias, definidas pelo poder público estadual ou federal,

poderá ser executada em área equivalente a setenta e cinco por cento (75%) do total

devido.

§ 9º. Em imóvel rural situado em área de floresta na Amazônia Legal, onde ainda

não tenha sido aprovado o Zoneamento Ecológico Econômico – ZEE, nos termos do

regulamento federal, e cuja área de reserva legal encontre-se com extensão inferior à

estabelecida no inciso I do caput do art.

16, ressalvado o disposto no seu § 6°, pode ser adotada a seguinte alternativa,

conjuntamente:

I – em no mínimo 50% (cinqüenta por cento) do imóvel rural ou posse, que compõe

a área de reserva legal, deve ser obrigatoriamente observado, isolada ou

conjuntamente, o disposto nos incisos I, II e III deste artigo;

II – em até 30% do imóvel rural ou posse, poderá ser dotado o plantio de espécies

florestais, nativas ou exóticas, inclusive palmáceas, cuja técnica de manejo deve

respeitar critérios técnicos estabelecidos pelo órgão estadual competente.

§ 10. No caso de se utilizarem espécies florestais exóticas, isoladas ou

conjuntamente com nativas, conforme admitido no inciso II do § 9°, o plantio deverá

ser realizado em, no mínimo, 20% (vinte por cento) da área a cada 3 (três) anos.

§ 11. Aprovado o ZEE, nos termos do regulamento federal, a área de que trata o

inciso II do § 9°, deste artigo, que não estiver localizada em zona de consolidação da

ocupação indicada pelo ZEE para redução do percentual de reserva legal deverá ser

compensada nos termos do inciso III do caput e do § 7º deste artigo.

§ 12. Poderá ser oferecido, a título de compensação de reserva legal, nos termos do

artigo 44 C desta Lei, o remanescente florestal nativo que exceder a 50% da área do

imóvel localizado na Amazônia Legal, que possua a reserva legal devidamente

regularizada.”

§ 13. Para a aplicação do disposto no parágrafo anterior, o percentual de reserva

legal nos termos do inciso I do art. 16 será de 50% do imóvel.

§ 14. Na impossibilidade da compensação da Reserva Legal dentro da mesma bacia

hidrográfica, ou no mesmo estado o poder público federal poderá autorizar a

compensação da Reserva Legal em outro estado da federação, desde que em

percentual equivalente ao dobro da área exigida no bioma onde se localiza a

propriedade rural oferecida para compensação.” (NR)

Percebe-se que, com advento da alteração proposta, a compensação de reserva

legal ficará bem mais flexível e não estará mais restrita a limitações geográficas. Para se

compensar uma reserva legal, serão analisados vários critérios ambientais e de interesse

público, ficando a cargo do agente público e das análises técnicas necessárias a nova

demarcação de reserva legal.

Ao mesmo tempo em que se eliminou uma barreira puramente legal, abriu-se

margem à discricionariedade do Poder Público, que, se não aplicada em prol do meio

ambiente, será nada além do que uma lei “ruralista” voltada para o interesse particular.

Feita a alusão ao sistema legislativo ambiental brasileiro, não deixarão de ser

apresentadas as perspectivas do que pode vir a ser ou deveria ser o novo cenário legislativo

ambiental brasileiro.

Vive-se em meio a um emaranhado de leis ambientais, editadas em diversas

épocas e dentro de diversos contextos. Grande parte das leis ambientais foram editadas antes

de entrar em vigor a Constituição de 88, embasadas, portanto, em um sistema constitucional

acanhado, em um sistema que tratava o meio ambiente com descaso. É por isso que

vivenciamos a nova fase do direito ambiental através do “Anteprojeto de Lei de Consolidação

da Legislação Ambiental Brasileira emanado de Grupo de Trabalho constituído pela Mesa

Diretora da Câmara dos Deputados, sob a coordenação do parlamentar Bonifácio de

Andrada”. (MILARÉ, 2005, p. 143 et seg)

Contudo, não basta apenas agregar, reunir em um único corpo legislativo todas as

normas ambientais, é preciso ir além da consolidação, é preciso promover a Codificação e

introduzir algo novo no Direito Ambiental.

4 A RESERVA LEGAL E A ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

Este capítulo abordará as características, prerrogativas e preservação dos espaços

territoriais protegidos, dentre eles, especificamente duas áreas protegidas: a Reserva Legal e a

Área de Preservação Permanente. Será visto como elas são instituídas e qual a importância

delas na conservação do meio ambiente.

Espaços territoriais especialmente protegidos são espaços geográficos, públicos ou

privados, dotados de atributos ambientais relevantes, que, por desempenharem papel

estratégico na proteção da diversidade biológica existente no território nacional,

requerem sua sujeição, pela lei, a um regime de interesse público, através da

limitação ou vedação do uso dos recursos ambientais da natureza pelas atividades

econômicas. (MILARÉ, 2005, p. 358)

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 9°, inciso, VI assim

determinou: “a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público

federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse

ecológico e reservas extrativistas”.

Os principais espaços territoriais protegidos podem ser assim descritos: a) áreas

de proteção especial - áreas encerradas dentro do espaço urbano que devem ser preservadas

quando do parcelamento do solo urbano (é regulado pela lei 6.766/79 - Lei de Parcelamento

do Solo Urbano); b) áreas de preservação permanente - regulamentadas pelos artigos 2° e 3°

do Código Florestal; c) reserva legal - preservada pelo artigo 16 do Código Florestal; d)

unidades de conservação - regulamentada pela Lei do SNUC, n° 9.985/2000.

4.1 RESERVA LEGAL

Reserva Legal (RL) é a preservação de parte de uma área maior de determinada

propriedade particular, com o objetivo da preservação vegetal ali existente. Nos dizeres do art.

1°, §2°, III, do Código Florestal: reserva legal é a “área localizada no interior de uma

propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso

sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à

conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”.

O conceito de reserva legal nem sempre foi o mesmo, a entrada em vigor do

Código Florestal até o advento da lei 7.803/89, a RL era determinada em uma porcentagem

mínima de 20%, ressalvadas as áreas de preservação permanente – APP.

Lei 4771/65, art. 16, alínea “a”: nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste,

esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só

serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de

20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da

autoridade competente.

A lei 7.803/89 e a Medida Provisória n 1956 - 31/98 inovaram ao trazer e manter

o caráter de perpetuidade e averbação da RL.

Art. 16, § 2° A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por

cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à

margens da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente,

sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer

título, ou de desmembramento da área.

Com o advento da Medida Provisória - n 2.080 – 58/00 (sem sofrer alteração da

MP 2.166 – 67/01), as modalidades de reserva legal passaram a ser definidas pelo Código

Florestal como sendo:

I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na

Amazônia Legal87

;

II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado

localizada na Amazônia Legal, sendo, no mínimo, vinte por cento na propriedade e quinze por

cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma

microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras

formas de vegetação nativa localizadas nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em

qualquer região do País.

Vê-se, pois que a reserva legal incide somente sobre a propriedade privada. Já as

áreas de preservação permanente incidem sobre propriedade pública e privada.A

reserva legal é uma limitação ao direito de propriedade consistente em preservar um

dos elementos essenciais do meio ambiente, que é a flora (art. 225, caput, da CF).

(SIRVINSKAS, 2008, p. 404)

O legislador aumentou muito as limitações ao direito de propriedade. Criou novas

faixas de reserva legal, que, de região para região, varia de 20%, 35% e 80% no mínimo.

Lembrando que ainda manteve a ressalva da APP. Inovou também a MP ao instituir o § 4° no

artigo 16 do Código Florestal, “retirou do particular qualquer possibilidade de minimizar o

impacto, pois a localização da reserva legal florestal passou a ser vinculada a instrumentos de

87

“O ecossistema amazônico é constituído principalmente pela floresta equatorial amazônica e pela floresta

tropical, com pequenas extensões de cerrados em Roraima e Amapá sendo que neste último Estado se encontra

uma zona costeira de mangues e praias”.(FIORILLO, 2007, p. 112.)

planejamento ambiental regionais, independentemente de abranger ou não a parcela mais

produtiva da propriedade”88

.

4.1.2 Características da reserva legal

A locação da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental competente,

através de seu técnico, devendo ser considerados, no processo de aprovação, a função social

da propriedade e os seguintes critérios e instrumentos, quando houver89

: I – remanescente

florestal representativo do ecossistema local; II - o plano de bacia hidrográfica; lII - o plano

diretor municipal; IV - o zoneamento ecológico-econômico; V - outras categorias de

zoneamento ambiental; e VI - a proximidade com outra Reserva Legal, Área de Preservação

Permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida. A vegetação da

Reserva Legal não pode ser suprimida, porém, pode ser utilizada sob regime de manejo

florestal sustentável. Ela pode ser instituída em condomínio e deverá ser aprovada pelo órgão

ambiental competente.

A reserva legal é caracterizada através de:

I – sua inalterabilidade: a reforma da legislação florestal feita através da Lei 7.803

de 1989. Ao lado de outras reformas de textos legais ambientais, que se fizeram na mesma

ocasião, veio tardiamente. A reserva florestal era esfacelada ou diminuída por ocasião de

venda, do desmembramento e/ou sucessão da propriedade.

“Efetivamente, a reserva legal é uma característica da propriedade florestal que se

assemelha a um ônus real que recai sobre o imóvel e que obriga o proprietário e todos aqueles

que venham a adquirir tal condição, quaisquer que sejam as circustânias”. (ANTUNES, 2005,

p. 604)

A reforma previu para os tipos de reserva florestal mencionado a vedação de

"alteração de sua destinação nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de

desmembramento da área"90

. A lei visou dar permanência à área florestada do país, não

interessando a qualidade ou a quantidade de proprietários privados. A lei federal determina a

imutabilidade da reserva florestal de domínio privado. Nos casos de transmissão por "ato

entre vivos" (artigo 531 do CC), como também pela acessão, usucapião e pelo direito

88

MORAES, Luíz Carlos Silva de. Código Florestal Comentado. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 318. 89

§ 4° do art. 16 (BRASIL. Lei n° 4.771 de 15 de setembro de 1965. Código Florestal. Brasília, DF: Congresso

Nacional, 1965) 90

Art. 16, § 8° (BRASIL. Lei 4.771, 1965)

hereditário, a área da reserva, a partir da promulgação da Lei 7.803/89, continua com os novos

proprietários numa cadeia infinita. O proprietário pode mudar, mas não muda a destinação da

área da reserva florestal.

II – suas restrições de exploração: a única intervenção que pode ocorre na reserva

legal é o manejo91

florestal sustentável e de acordo com os princípios legais existentes.

III – sua Gratuidade, não sujeita a indenização: por ser a reserva legal uma

obrigação legal, sua demarcação não implicará indenização ao proprietário, nem ônus ao

Poder Público.

IV – sua delimitação e obrigatoriedade de averbação em cartório: o Código

Florestal é enfático ao determinar: “a área de reserva legal deve ser averbada à margem da

inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente”. As demarcações da

reserva legal são orientadas em processo próprio, conduzido pelos órgãos ambientais, os quais

destinaram técnicos habilitados para fazer a vistoria técnica e proceder ou não à averbação

requerida. A Administração Pública irá verificar os atributos ecológicos existentes na área

proposta para reserva legal. Havendo esses atributos, o ato administrativo será vinculado,

consistindo em mera declaração de reconhecimento físico da área preservada.

A área da reserva legal deverá ser medida, demarcada e delimitada. Tal obrigação é

de competência do proprietário. Caso este não realize a medição, a demarcação ou a

delimitação, poderá ser obrigado a faze-lo por meio de ação civil pública.

(SIRVINSKAS, 2008, p. 408)

V – sua isenção tributária: a área destina à reserva legal é isenta de pagamento de

Imposto Territorial Rural – ITR.

4.1.3 Áreas desprovidas de vegetação natural

Quando a propriedade não possui cobertura vegetal nativa, o proprietário deverá

optar por uma das alternativas abaixo:

Lei 4.771/65. Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de

floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa

em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado

o disposto nos seus §§ 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou

conjuntamente.

I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos,

de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies

nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual

91

Manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos

ecossistemas. (BRASIL. Lei n° 9.985 de 18 de julho de 2000. Sistema Nacional de Unidades de

Conservação da Natureza. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2000.

competente. Esta recomposição deverá ser instruído por projeto técnico a ser

aprovado pelo órgão ambiental competente.

II - conduzir a regeneração natural da reserva legal. Sua viabilidade deverá ser

provada por laudo técnico.

III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica

e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma

microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

§ 4º. Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma micro-

bacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual competente aplicar o critério de

maior proximidade possível entre a propriedade desprovida de reserva legal e a área

escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo

Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, e

respeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III.

Caso o proprietário opte por recompor a RL ou deixá-la reconduzir-se

naturalmente, não haverá maiores complicações, pois o procedimento será semelhante à

averbação contida no artigo 16 e seus parágrafos. Contudo, se o titular da terra optar por

compensar a reserva legal, ele deverá atentar para três requisitos:

I – a área a ser compensada deverá ser equivalente em importância ecológica e em

extensão:

II – a área tem que ser do mesmo ecossistema:

III – deve ser localizada na mesma microbacia (sub-bacia) ou bacia hidrográfica:

“Uma bacia hidrográfica ou Bacia de drenagem de um curso de água é o conjunto de terras

que fazem a drenagem da água das precipitações para esse curso de água. É uma área

geográfica e, como tal, mede-se em km²”. (MORAES, 2009, p. 554)

Contudo, este conceito de microbacia hidrográfica não é bem definido em nossa

legislação. A Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos (Lei 9433/97), em seu artigo 37,

define assim: “sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de

tributário desse tributário”. Microbacia (sub-bacia) é um curso de água, afluente direto de um

rio maior (de uma bacia hidrodráfica). As microbacias são “ramificações” das bacias

hidrográficas. Ex: Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, do Rio Grande, do Rio

Paranaíba.

Todavia, é preciso ficar atendo quando da averbação da reserva legal, utilizando

os três requisitos supras citados, pois, a legislação que trata sobre averbação de reserva é

regulamentada pela União, Estados e Distrito Federal, sendo assim, o proprietário rural que

necessitar regularizar as áreas ambientais de sua propriedade deverá ficar atento às normas

federais, principalmente ao Código Florestal, bem como estudar conjuntamente as normas

florestais de seu Estado.

Os Estados membros têm competência ambiental para autorizarem, através de

seus órgãos ambientais, a averbação de reserva legal, entretanto, suas competências não

podem extrapolar os ditames do Código Florestal, o que nem sempre é respeitado e ocasiona a

propositura de demandas judiciais92

.

Abrem-se um parênteses para que seja citado o acórdão do Tribunal de Justiça de

Minas Gerais – TJMG, que declara a inconstitucionalidade de parte da Lei Estadual de Minas

Gerais no que tange a compensação de Reserva Legal.

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 17, incisos, V, VI e VII e parágrafo 6°

da Lei Estadual n° 14.710/2004. Política florestal e de proteção à biodiversidade no

Estado. Artigo 19, incisos V e VII, e parágrafos 6°, do Decreto Estadual n°

43.710/04. Regulamento. Reserva legal. Inconstitucionalidade manifesta.

Extrapolação de competência suplementar. Disciplina contrária à legislação federal

de regência. Ofensa ao artigo 10, inciso V, e parágrafo 1°, I, da Constituição

Estadual. Representação acolhida. Vício declarado. – A recomposição da reserva

legal em imóveis rurais a ser implementada mediante compensação, consoante a

legislação federal de regência, somente é possível se se der por outra área

equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo

ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia. V.V. (1.0000.07.456706-6.

Relator Roney Oliveira. 07/11/2008).

Em Minas Gerais, o órgão ambiental responsável pela parte florestal é o Instituto

Estadual de Florestas - IEF, entidade autárquica do Estado. O IEF segue a normativa estadual

florestal, Lei 14.309/2002 e seu Decreto Estadual regulamentador 43.710/2004.

Essas duas normativas trazem, como mecanismos de compensações ambientais, as

seguintes alternativas:

Art. 17 – O proprietário rural fica obrigado, se necessário, a recompor, em sua

propriedade, a área de reserva legal, podendo optar entre os seguintes

procedimentos:

I – plantio em parcelas anuais ou implantação e manejo de sistemas agroflorestais;

II – isolamento total da área correspondente à complementação da reserva legal e

adoção das técnicas adequadas à condução de sua regeneração;

III – aquisição e incorporação à propriedade rural de gleba contígua, com área

correspondente à da reserva legal a ser recomposta, condicionada a vistoria e

aprovação do órgão competente;

IV – compensação da área de reserva legal por outra área equivalente em

importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja

localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento;

V – aquisição de gleba não contígua, na mesma bacia hidrográfica, e instituição de

Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN –, condicionada a vistoria e

aprovação do órgão competente;

VI – aquisição, em comum com outros proprietários, de gleba não contígua e

instituição de RPPN, cuja área corresponda à área total da reserva legal de todos os

condôminos ou co-proprietários, condicionada a vistoria e aprovação do órgão

competente;

VII - aquisição de cota de Certificado de Recomposição de Reserva Legal - CRRL -

de Reserva Particular de Recomposição Ambiental - RPRA -, em quantidade

correspondente à área de reserva legal a ser reconstituída, mediante autorização do

órgão competente.

92

“Ação Civil Pública 0702.05.256602-4” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Comarca de

Uberlândia, 16 de novembro de 2005)

Análise dos itens da averbação e compensação da RL no Estado de Minas Gerais

I - Regeneração natural através do isolamento total da área correspondente à

complementação da reserva legal e adoção das técnicas adequadas à condução de sua

regeneração. O proprietário deverá no prazo máximo de 12 (doze) meses executar o

isolamento total da área de reserva legal. Essa opção somente é viável nos casos em que haja

boas condições para a regeneração da vegetação nativa já existente na propriedade.

II - Plantio em parcelas anuais ou implantação e manejo de sistemas

agroflorestais. O proprietário deverá apresentar plano técnico, com cronograma de execução,

para análise e aprovação do IEF e terá o prazo de até 36 (trinta e seis) meses, prorrogável por

mais 12 meses, desde que a área total a ser recomposta já esteja isolada. O plantio em questão

deverá ser realizado, preferencialmente, com espécies nativas locais ou regionais.

III - Aquisição de gleba contígua de área correspondente à da reserva legal a ser

recomposta. É a aquisição da propriedade vizinha, limítrofe da propriedade que necessita de

compensação. Contudo, seria mais prático promover a unificação de matrículas vizinhas,

caso o proprietário seja o mesmo.

IV - Compensação da área de reserva legal por outra equivalente em importância

ecológica e extensão, que contenha cobertura florestal nativa, desde que pertença ao mesmo

ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia. São os mesmos critérios do inciso III,

artigo 44 do Código Florestal. É importante lembrar que expressão microbacia é inadequada,

devendo ser substituída pela nomenclatura de sub-bacia.

V - Aquisição de gleba não contígua, na mesma bacia hidrográfica, e instituição

de Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN, condicionada à vistoria e aprovação do

IEF. Estas Reservas Particulares são unidades de conservação instituídas em área privada,

gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. As únicas

explorações permitidas nessas áreas são visitações para fins turísticos, educativos, recreativos

e científicos.

VI - Aquisição, em comum com outros proprietários, de gleba não contígua e

instituição de RPPN, cuja área corresponda à área total da reserva legal de todos os

condôminos ou co-proprietários, condicionada a vistoria e aprovação do órgão competente. A

grande diferença do item anterior vem a ser a exigência de formação de um condomínio ao se

constituir a RPPN, constituindo-se assim uma reserva legal em comum. Esse procedimento se

justifica para a compensação de áreas de grande extensão.

VII - Aquisição de cota de Certificado de Recomposição de Reserva Legal CRRL

de Reserva Particular de Recomposição Ambiental – RPRA – em quantidade correspondente

à área de reserva legal a ser reconstituída, mediante autorização do órgão competente.

O Estado de São Paulo foi mais prático ao tratar sobre o tema de reserva legal. A

Lei 12.927/2008 e o Decreto que a regulamenta sob o n. 50.889/2006 deixaram a cargo da lei

federal as normas de compensação e averbação de RL.

Artigo 1º. A manutenção, recomposição, condução da regeneração natural e

compensação da Área da Reserva Legal das propriedades ou posses rurais no Estado

de São Paulo reger-se-ão pelo disposto nos artigos 16 e 44 da Lei federal nº 4.771,

de 15 de setembro de 1965 - Código Florestal, com a redação dada pela Medida

Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, bem como pelas normas fixadas

neste decreto.

O órgão estadual responsável em fiscalizar e instituir as reservas legais no Estado

de São Paulo é o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN).

Os procedimentos de averbação e compensação de reserva, instituídos pelo Estado

de São Paulo, de acordo com o artigo 4° do Decreto 50.889/2006 são:

Artigo 4º - O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa,

natural, primitiva ou regenerada, ou outra forma de vegetação nativa, em extensão

inferior ao estabelecido no artigo 2º deste decreto, deverá adotar as seguintes

alternativas, isoladas ou conjuntamente:

I - recompor o percentual a ser averbado como Reserva Legal em uma única etapa;

II - conduzir a regeneração natural da Reserva Legal;

III - recompor a Reserva Legal mediante o plantio, a cada três anos, de 1/10 (um

décimo) da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas;

IV - compensar a Reserva Legal por outra área equivalente em importância

ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada

na mesma microbacia.

As áreas de reserva legal do Estado de São Paulo também podem ser constituídas

em forma de condomínio. Caso não haja área suficiente na propriedade rural para averbar

reserva legal, o proprietário do imóvel poderá fazer uso do instituto da compensação. Os

critérios para compensação de reserva legal no Estado de São Paulo de acordo com o artigo 6°

do Decreto 50.889/2006 são:

Artigo 6º - Na aprovação da compensação da Reserva Legal será considerado pelo

DEPRN o seguinte:

I - a inexistência de maciço florestal ou área para recomposição que atenda ao

percentual de 20% (vinte por cento) da área da propriedade;

II - o fato de que a propriedade, em toda a sua extensão, era, em 25 de agosto de

2001, data de publicação da Medida Provisória nº 2.166-67/2001, produtiva.

§ 1º - Para escolha da área de compensação da Reserva Legal serão adotados os

seguintes critérios:

1 - a área apresentada para compensação deverá equivaler em extensão e

importância ecológica à área a ser compensada, pertencer ao mesmo ecossistema e

estar localizada na mesma microbacia hidrográfica onde se localiza o imóvel rural

cuja reserva legal será objeto da compensação;

2 - na impossibilidade de compensação na mesma microbacia hidrográfica, poderão

ser aceitas áreas de compensação localizadas na mesma bacia hidrográfica,

observando-se o critério da maior proximidade possível entre a propriedade

desprovida de reserva legal e a área escolhida para compensação, atendido, quando

houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica;

3 - preferencialmente devem ser escolhidas áreas de compensação que levem à

formação de corredores de fauna ou que formem um contínuo com maciços de

vegetação nativa já existente.

Em uma simples comparação entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais pode-

se notar que aquele, apesar de não ter inovado quanto aos modos de compensação de reserva

legal, não criou nenhum procedimento ilegal ou que fosse contrário à norma federal. Já o

Estado de Minas Gerais inovou com a possibilidade de compensação de reserva legal através

do instituto da RPPN. Criou-se uma mistura de RL e unidades de conservação, que

aparentemente parece restringir mais do que o Código Florestal, porém, tal modalidade de

compensação já foi palco da ação civil pública n. 0702.05.256602-4 movida na Comarca de

Uberlândia – MG.

4.2 ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

Área de Preservação Permanente (APP) é uma área protegida “nos termos dos

arts. 2º e 3º do Código Florestal, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental

de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o

fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações

humanas”93

.

O Código Florestal, em seu artigo 2°, assim define APP:

Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as

florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em

faixa marginal cuja largura mínima seja:

1) de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de

largura;

2) de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50

(cinqüenta) metros de largura;

3) de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200

(duzentos) metros de largura;

4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a

600 (seiscentos) metros de largura;

5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a

600 (seiscentos) metros;

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer

que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de

93

“Art. 1°, inciso II” (BRASIL. Lei 4.771, 1965)

largura;

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º, equivalente a

100% na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em

faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a

vegetação.

i) nas áreas metropolitanas definidas em Lei.

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos

perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e

aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos

respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites

a que se refere este artigo.

O instituto da APP foi criado pelo Código Florestal; contudo, até chegar a essa

concepção atual, essas áreas preservadas passaram por três alterações. A redação original do

Código, vigente de 1965 até 1978, não contemplava o parágrafo único e as metragens da

alínea “a” eram as seguintes:

Lei 4771/65. Art. 2° [...]. a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d‟água, em

faixa marginal cuja largura mínima será:

1 – de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura;

2 – igual à cetade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos)

metros de distância entre as margens;

3 - de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200

(duzentos) metros.

No ano de 1978 foi promulgada a Lei 6.535, que teve vigência até 1986. Esta Lei

incluiu a alínea “i” no art. 2° do Código Florestal, instituindo como área de preservação

permanente as “áreas metropolitanas definidas em lei”. É importante que se veja que as APPs,

situadas dentro das áreas urbanas, até o ano de 1986, ficaram sem amparo legal.

Em 1986, a Lei 7511 alterou as metragens novamente da alínea “a” do art. 2° do

Código Florestal. Esta lei vigorou até o ano de 1989 e assim definia:

Lei 4771/65. Art. 2° [...]. a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d‟água, em

faixa marginal cuja largura mínima será:

1 – de 30 (trinta) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura;

2 – de 50 (cinquenta) metros para os cursos d‟águas que tenham de 10 (dez) a 50

(ciquenta) metros de largura;

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d‟águas que meçam entre 50 (cinquenta) e

100 (cem) metros de largura.

4 – de 150 (cento e cinquenta) metros para os cursos d‟água que possuam entre 100

(cem) e 200 (duzentos) metros de largura; igual à distância entre as margens para os

cursos d‟água com largura superior a 200 (duzentos) metros.

A redação atual do nosso Código Florestal foi introduzida pela Lei 7.803/89 e

trouxe três novas mudanças: substitui o número 4 do art. 2° pelos números 4 e 5; acrescentou

parágrafo único a este artigo; e determinou que a largura mínima estabelecida deverá ser

considerada “desde o nível mais alto em faixa marginal”.

Superada essa fase histórica, observe-se, alínea por alínea do art. 2° da lei

florestal:

I – alínea “a”: o legislador destinou esta alínea para os cursos d‟água com

correnteza, deixando águas paradas para alínea “b”. Isso não se deu por acaso, o que se

buscou foi prevenir a extinção dos cursos d‟águas, evitando deslizamento de barranco,

encostas e assoreamento dos rios. Sem a preservação dos mananciais de água descritos na

alínea “a”, muito provavelmente não existiriam os lagos e lagoas para serem preservados.

A proteção aqui adotada foi a preservação das margens desses leitos d‟água,

variando em porcentagem de leito para leito, tendo uma metragem legal mínima de 30 (trinta)

metros e a máxima de 600 (seiscentos). Não se pode esquecer de que a metragem deve ser

contada a partir “do seu nível mais alto”, ou seja, ao final do término do espelho d‟água na

época da estação chuvosa.

II – alínea “b”: vem tratar da preservação da “água parada”, acumulada em lagoas

ou reservatórios, seja artificial ou natural. A resolução CONAMA94

302/02 conceitua como

sendo “reservatório artificial a acumulação não natural de água destinada a quaisquer de seus

múltiplos usos”. Sendo assim, se a água ali acumulada não puder ser aplicada em seus

diversos usos, esse reservatório não será uma APP, por exemplo, uma “poça d‟água” e um

“bolção” destinados a evitar erosão.

III – alínea “c”: a resolução CONAMA 302/02 define “nascentes ou olho d‟água:

local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea”. Não

se podem confundir nascentes com áreas de recargas, locais onde permanecem, por pouco

tempo, as águas precipitadas da chuva, fazendo transparecer uma falsa sensação de nascente.

IV – alíneas “d” e “e”: serão tratadas em conjunto por entender-se que a APP,

encontrada nas declividades superiores a 45°, englobam a APP geográfica (topo de morro,

montes, montanhas e serras).

[...] independentemente de tamanho ou altura da estrutura geológica (morro, monte,

montanha e serras), se houver declividade acima de 45° (quarenta e cinco graus),

aplica-se a disposição da alínea e já comentada, que é a regra geral sobre APP por

declividade. (MORAES, 2009, p. 75)

V – alínea “f”: não são todos os tipos de restinga que são APPs, mas apenas

aquelas destinadas a fixar dunas ou estabilizar mangues. Restinga é um “depósito de areia

94

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) é um órgão consultivo e deliberativo do Sistema

Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), foi instituído pela Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política

Nacional do Meio Ambiente.

emerso, baixo em forma de língua, fechado ou tendendo a fechar uma reentrância mais ou

menos extensa da costa”. (Leinz V, apud MORAES, 2009, p. 79)

Por essas definições, pode-se identificar “restinga” pela exigência de seus

componentes de formação. Ela é formada por um „depósito de areia‟ que tem de

estar „emerso‟(que emergiu, que saiu debaixo da água onde estava mergulhado).

Também possui forma especial e localização definida na paisagem costeira (forma

de língua, fechando ou tendendo a fechar uma reentrância mais ou menos extensa da

costa). (MORAES, loc. Cit)

Na praia, para se identificar uma restinga, será preciso primeiro reconhecer a

existência de uma duna e/ou um mangue ao seu redor. Não importa se a restinga tenha metros

ou quilômetros, se tiver essas características será uma área de preservação permanente.

VI – alínea “g”: as bordas do tabuleiro ou bordas da chapada aqui preservadas são

as superiores, para as partes baixas da chapada há a regra do declive de 45°.

VII – alínea “h”: a preservação da vegetação encontrada, acima de 1800 metros,

justifica-se devido à fragilidade dessa vegetação.

De forma complementar às APPs do artigo 2°, existem aquelas áreas que podem

ser transformadas pelo Poder Público em novas APPs, que é o caso do artigo 3° do Código

Florestal.

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas

por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural

destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras;

b) a fixar as dunas;

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

§ 1º A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será

admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária

à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse

social.

§ 2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime de

preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei.

Como já dito, o caráter deste artigo é apenas complementar a eventual necessidade

de preservação de uma área importante ao meio ambiente. Essa nova criação de APP, quando

necessário deverá ser feita através de um decreto, que é o ato do poder executivo capaz de

regulamentar as normas administrativas.

As áreas de preservação, instituídas pelo artigo 2° da Lei 4771/65, são

consideradas limitações administrativas ou legais, por serem imposições de ordem pública,

não acarretarão direito a indenização por parte do proprietário. Entretanto, as áreas de

preservação permanente que forem criadas por atos administrativos (art. 3°) ensejarão direito

a indenização, uma vez que, estará sendo imposta uma limitação ao direito de propriedade não

estipulado em lei, ocasionando prejuízo ao proprietário.

Dessarte, a instituição ou a supressão dessas áreas não ensejará qualquer tipo de

indenização por parte do proprietário, pois as limitações legais são de ordem

pública, as quais têm caráter de generalidade, gratuidade e unilateralidade, sendo

conferido ao Poder Público através do poder de polícia administrativo.

(SIRVINSKAS, 2008, p. 401)

A Área de Preservação Permanente é protegida por lei, tendo sua utilização

limitada e seu uso restrito. Diferente da Reserva Legal, a APP não pode ser utilizada

simplesmente através do plano de manejo, é preciso que a área utilizada seja caracterizada

como de Utilidade Pública, ou Interesse Social, ou em último caso, seja a intervenção de

Baixo Impacto, lembrando-se sempre de que deverão ser estudas as alternativas técnicas e

locacional.

4.3 RESERVA LEGAL E ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COMO

LIMITADORES AMBIENTAIS

Uma das primeiras limitações à propriedade, ligadas ao meio ambiente, ou

melhor, aos recursos fornecidos pela natureza, foi a limitação das Minas. No período colonial,

as jazidas tinham sua propriedade pertencente à Coroa. Com a Independência, em 1823, as

minas passaram a pertencer à Nação, com a República, em 1891, as jazidas passaram a ser

consideradas um acessório do solo; com o Código de Minas, de 1940, as jazidas passaram a

ser consideradas distintas do solo, tendo seu proprietário apenas direito a algumas vantagens;

atualmente, com a Constituição de 88, as minas passaram a pertencer à União.

Harmonizando o direito de propriedade privada mas limitando-a em face das

necessidades ambientais em proveito da tutela dos bens de uso comum do povo,

sempre dentro de uma ordem economia capitalista, a Lei 8901/94 estabelece a

participação do proprietário do solo nos resultados da lavra em cinqüenta por cento

do valor total devido aos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da

administração direta da União. (FIORILLO, 2007, p. 336)

O Brasil não foi o único a limitar o direito de propriedade através da exploração

minerária. A Argentina também impôs limites ao direito de propriedade, bem como codificou

as normas de mineração.

O art. 522 dá ao proprietário do solo o direito de fazer todas as escavações que

quiser e de tirar mediante essas escavações todos os produtos que puder obter,

porém deve se remeter as leis e regulamentos relativos as minas [...]. O regimento

das minas dá lugar a uma legislação bastante abundante, e a lei de 26 de maio de

1955 ordenou sua codificação. Esta já foi realizado pelo decreto de 6 de agosto de

1956, com o nome de Código das Minas.95

.

Outra limitação, imposta para preservação do meio ambiente, surgiu com o

Código Florestal Brasileiro - Lei 4771/65, o qual determina espaços nas propriedades

privadas, limitando certas áreas para proteger o bem ambiental pertencente ao povo.

As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação,

reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a

todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as

limitações que a legislação em geral e especialmente esta lei estabelecem. (BRASIL.

Lei n° 4.771, 1965)

O proprietário não se vê privado de sua propriedade, ele poderá fazer uso da terra,

porém, além de cultivá-la de maneira correta, deverá preservar os recursos naturais. Serão

impostas ao proprietário algumas obrigações, como: manter intocada as áreas de preservação

permanente; demarcar áreas de reserva legal; requisitar autorização dos órgão ambientais para

proceder explorações, dentre outras obrigações.

No capítulo quatro deste trabalho definiu-se Área de Preservação Permanente –

APP e Reserva Legal – RL, neste capítulo, verifica-se se esses institutos são realmente

eficazes para a preservação do meio ambiente e se podem ser considerados limitadores da

propriedade. Para tal, será lançada mão do artigo 2° do Código Florestal, que será estudado

parte por parte.

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as

florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d‟água desde o seu nível mais alto em

faixa marginal cuja largura mínima seja:

1) de 30 (trinta) metros para os cursos d‟água de menos de 10 (dez) metros de

largura;

2) de 50 (cinquenta) metros para os cursos d‟água que tenham de 10 (dez) a 50

(cinquenta) metros de largura;

3) de 100 (cem) metros para os cursos d‟água que tenham de 50 (cinquenta) a 200

(duzentos) metros de largura;

4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d‟água que tenham de 200 (duzentos) a

600 (seiscentos) metros de largura;

5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d‟água que tenham largura superior a

600 (seiscentos) metros;

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d‟água naturais ou artificiais;

c) nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d‟água”, qualquer que

seja a sua situação topográfica, um raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;

95

El art. 522 da al propietario del suelo el derecho de hacer todas las excavaciones que desee y de retirar

mediante esas excavaciones todos los productos que puedan obtenerse, pero se remite a las leyes y reglamentos

relativos a las minas[...]. El régimen deminas ha dado lugar a una legislación bastante abundante, y a ley del 26

de mayo de 1955 ha ordenado su codificación. Esta ha sido realizado por el decreto del 6 de agosto de 1956,

con el nombre de Código de Minería.(RIPERT, Georges; BOULANGER, Jean. Tratado de Derecho Civil:

Segun el Tratado de Planiol. Tomo VI. Buenos Aires: La Ley, 1981, p. 223, tradução nossa)

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100%

na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em

faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a

vegetação.

I – alínea “a”: são os cursos de água com correnteza, onde haja deslocamento de

água. O legislador preocupou-se em limitar a APP em relação à metragem (largura) do rio e

córregos. O objetivo desta preservação de APP é manter os cursos d‟água, prevenindo sua

extinção, seu assoreamento através do combate à queda de barrancos e encostas.

O proprietário pode sofrer uma limitação de 30 (trinta) a 600 (seiscentos) metros

em torno de todos os cursos d‟água existentes em sua propriedade. Contudo, não basta a

aplicação dessa norma, é preciso que haja uma real fiscalização dos cumprimentos dela. Essa

APP, além de preservar os recursos hídricos, garante ao seu titular a preservação e

continuidade do meio ambiente em sua propriedade. As chuvas não levarão a terra e seus

minerais para dentro do rio, não haverá quedas de barrancos, e com isso todos sairão

ganhando (a coletividade e o proprietário).

II – alínea “b”: o legislador abriu especificamente um campo para os reservatórios

artificiais e naturais de água. Esta alínea não estipulou metragens para a APP como o fez a

alínea “a”, o que leva a entender o menor grau de risco dessa nova área criada. Por analogia à

alínea “a”, deviam-se aplicar 30 (trinta) metros para as margens de APP, porém, de maneira

incorreta, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA inovou ao editar a Resolução

302/02 e 303/02, ampliando esta área de APP de 31 para 100 metros.

O proprietário tem seu direito de propriedade limitado, além do permitido pelo

Código Florestal.

Na alínea b não há nenhuma metragem especificando a área de preservação,

mas que se deve ser definida “pelo só efeito desta lei”, levando à conclusão que se

deve tomar como correta a de menor metragem presente no artigo, pelos seguintes

motivos:

1) água parada não causa erosão, nem transporta sedimentos;

2) o reservatório não é mantido pela umidade que o circunda e sim pelo nível de

água defluente de cursos d‟água, estes já respeitando as regulamentações do art. 2°,

alínea a, números 1 a 5.

3) [...] deve-se interpretar o presente dispositivo RESTRITAMENTE [...].

(MORAES, 2009, p. 59)

III – alínea “c”: as nascentes ou “olhos d‟água”, mesmo que intermitentes, são

limitadas também por uma largura de 50 (cinquenta) metros. O legislador limita o direito de

propriedade levando em consideração a preservação das águas subterrâneas. Mais uma vez o

CONAMA inova e limita mais ainda o direito de propriedade, ao dar nova interpretação ao

conceito de olhos d‟água. Esta questão é de grande relevância, pois é, através do conceito

técnico de nascente ou “olhos d‟água, que se chegará à ilicitude ou não da conduta.

O maior problema não está nos 50 metros da Resolução CONAMA n. 303/02, mas

no local do início da medida, a qual utiliza vegetação – e que não é o do Código

Florestal, que utiliza “espelho d‟água”. A resolução “troca”o vacábulo legal alagado

pelo vocábulo encharcado, ou seja, terra úmida, molhada, mas que não está

submersa por “espelho d’água”, ainda que intermitente. (MORAES, 2009, p. 69)

IV – alínea “d” e “e”: será feito o comentário em conjunto, pois são

complementares entre si. Não importa a estrutura geológica (morro, monte, montanha e serra),

onde houver declividade acima de 45°, aplica-se o disposto na alínea “e”.

Sua regra é objetiva e na maioria dos casos exclui a aplicação da alínea d. Havendo

declividade superior a 45°, essa superfície e mais medida equivalente (100% na

linha de maior declive) será considerada APP ex lege independentemente da altura

e/ou superfície geográfica. (ibid, p. 73)

Se toda propriedade respeitasse os limites de APP referentes às inclinações de

45°, com certeza, haveria menos deslizes de terras, menos erosões, os proprietários teriam

mais áreas de cultivo e os municípios menos problemas sociais.

V – alínea “f”: preservação das restingas, que têm a função de preservar mangues.

A restinga como APP tem que ter dupla função: uma geológica (dunas) e outra biológica

(manque). Se não for um depósito de areia emerso com a função de estabilizar um mangue,

não será APP. Sua caracterização é de grande importância, pois estas áreas de APP podem

chegar a ter grandes extensões96

, sendo importantes limitadores do direito de propriedade.

VI – alínea “g” e “h”: entende-se que as bordas de tabuleiros e chapadas aqui

mencionadas são as superiores; para as partes baixas da chapada, já há a defesa da alínea “e”.

A preservação da vegetação existente em altas altitudes se justifica devido sua fragilidade.

O art. 3° do Código Florestal possui uma função complementar ao art. 2°, caso

seja necessário uma maior proteção às áreas ambientais.

Art. 3° Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas

por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural

destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras:

b) a fixar as dunas;

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvículas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

96

“A restinga da Marambaia possui 42 km, com largura variando de 120 a 1.800 metros”. (Ibid., p. 81)

§ 2° As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime de

preservação permanente pelo só efeito desta lei.

Primeiramente, é mister explicar qual é o ato do Poder Público capaz de instituir

APP. A “hierarquia” das normas administrativas se divide em: atos administrativos

normativos, que são o decreto, regulamento, regimento, resoluções e deliberações. Estes têm a

função de regulamentar as normas administrativas; atos administrativos ordinários, que são

instrução, circular, aviso, portaria, ordem de serviço, ofício e despacho. Estes explicam e

instruem a administração pública.

O decreto geral é, por sua natureza, ato de que se socorre o Chefe do Executivo para

regulamentar as leis, ou seja, para expedir normas administrativas necessárias a que

a lei posse ser executada97

.

Assim, o ato do poder público capaz de instituir uma APP é o decreto, sendo os

demais atos insuficientes ou inadequados para esta finalidade.

O artigo 3° não é a única normativa legal que complementa o conceito de área de

preservação permanente. No ano de 2000, foi publicada a lei das unidades de conservação,

que completou e até revogou parte deste art. 3°, para tratar de maneira mais ampla e

abrangente as áreas preservadas.

A Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação - SNUC n° 9.985 de

2000 foi promulgada para, entre outras características, contribuir para a preservação e a

restauração da diversidade de ecossistemas naturais, proteger os recursos naturais necessários

à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua

cultura e promovendo-as social e economicamente. Para atingir o seu fim, essa lei fará uso de

diversos institutos limitadores da propriedade, sempre voltados para o bem comum. Com isso,

foram criadas as famosas Unidades de Conservação, que são: espaço territorial e seus recursos

ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,

legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos,

sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

As Unidades de Conservação podem ser:

I - unidades de proteção integral: que têm o objetivo de preservar a natureza,

sendo admitido apenas o uso indireto dos recursos naturais. Não são permitidos o consumo, a

coleta, danos ou destruição dos recursos naturais, exceto se previsto pela categoria de manejo.

97

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12 ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2005, p. 129.

São elas: estação ecológica; reserva biológica; parque nacional; monumento natural e refúgio

da vida silvestre.

II – unidades de uso sustentável: que têm o objetivo de compatibilizar a

conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. São

elas: área de proteção ambiental; área de relevante interesse ecológico; floresta nacional;

reserva extrativista; reserva de fauna; reserva de desenvolvimento sustentável; reserva

particular do patrimônio natural.

O art. 3° tem aplicação limitada a situações pontuais, para preenchimento e não para

a criação de um contexto. É norma que se soma aos cuidados gerais já existentes e

com finalidade de suplementar o ordenamento jurídico para a manutenção do nível

ideal de proteção geral que, por algum aspecto local, não foi possível ao art. 2°

garantir.

Deve-se lembrar de que a Lei da SNUC (9985/00) revogou expressamente e com

vantagens o art. 5° do Código Florestal. Portanto, já havia essa divisão entre o local

(art. 3°) e o regional (art. 5°) desde a redação original do Código Florestal. Alei da

SNUC somente aperfeiçoou essa sistemática.

Resumindo: a probabilidade de aplicação do art. 3° do Código Florestal está

vinculada a situações que ocorram num espaço territorial parcial de uma ou duas

propriedades, complementando o contexto das demais limitações já previstas nesta e

em outras leis. Algo mais abrangente dependerá de estrutura jurídica maior,

vinculada a implantação de zoneamento e consequente criação de uma Unidade de

Conservação [...]. (MORAES, 2009, p. 105)

A lei da SNUC veio revogar não apenas o art. 5° como já referido, mas também

veio suprir as alíneas “e” e “f” do art. 3° do Código Florestal. O “micro” universo que se

pretende formar por meio destas duas alíneas é inviável e ineficaz, pois para se preservar um

sítio de rara beleza, para se preservar a fauna e flora, necessita-se de uma vasta área. Caso se

constitua uma APP desta natureza, levando-se em consideração a área de borda98

, o

proprietário e até seus confrontantes poderão ter suas propriedades inutilizadas para atender o

fim ambiental. Além do que, a finalidade da lei da SNUC é a criação de grandes áreas de

preservação que trarão mais vantagens ao instituir suas unidades de conservação - UC.

Desse modo, compreende-se que as alíneas “e” e “f” não têm mais a função

limitadora do direito de propriedade, pois perderam sua eficácia, sendo meros instrumentos

legais sem aplicabilidade técnica.

Dentro desse novo contexto, as APP não se prestam mais para os fins que o art. 3°, e

e f do Código Florestal, previam. Há lei especial que trata extensamente a matéria

(preservação de sítios importantes por beleza, necessidade científica e garantia da

biodiversidade de fauna e flora), cujo regime jurídico ambiental se externa pelo

“Plano de Manejo”, documento que dado o fim da criaçào da UC, determina os

meios, metas e instrumentos de gestão, ou seja, estatuto mais adequado à obtenção

98

Efeito de bordas são mudanças que ocorrem ao longo das margens de um fragmento, causados pela quebra e

descontinuidade dos ambientes. (FERREIRA, L, M. apud. MORAES, 2009, p. 119)

da eficácia jurídica, comparando-se com o regime jurídico geral de APP.

(MORAES, 2009, p. 120)

Far-se-á, agora a explanação sobre a alínea “g” e o parágrafo 3° do Código

Florestal, para, ao final, tecer alguns comentários sobre a Reserva Legal – RL.

Entende-se que esses dois institutos perderam sua eficácia após a entrada em vigor

do Estatuto do Índio, instituído pela Lei 6001/73. Este estatuto impõe novos instrumentos

para determinar se uma área indígena é ou não APP, por exemplo: levantamento sociológico,

antropológico e zoneamento.

A alínea “g” e o parágrafo segundo não têm mais a função limitadora da

propriedade, pelos mesmos critérios referidos para as alíneas “e” e “f”.

As áreas de Reserva Legal – RL vêm tratadas no Código Florestal em seus artigos

16 e 44. Inicie-se então pelos quatros incisos do artigo 16.

Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em

área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de

utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão,

desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo.

I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na

Amazônia Legal;

II – trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado

localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e

quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja

localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7° deste artigo;

III – vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras

formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em

qualquer região do País.

Diferentemente da APP, que pode existir ou não dentro de uma propriedade, a RL

é uma restrição imposta a todo proprietário de terras rurais, sem exceção. Este limitador adere

a coisa, na mão de quem ela se encontrar. Essa ônus é inerente à coisa e é independente da

APP ou de demais áreas de proteção. Conforme a tipologia ou região em que se encontrar a

propriedade, o seu titular pode ter seu direito limitado de vinte a oitenta por cento.

O legislador optou por uma limitação medida em porcentagem, além do que,

deixou a critério dos órgãos ambientais o direito e dever de escolher, dentro de uma

propriedade particular, qual o melhor local para se constituir a RL. É claro que o agente

público deverá seguir os critérios estabelecidos no § 4° do art. 16 deste Código.

Outro alerta que se faz e que o legislador deu poder aos órgãos ambientais de

ampliar as RL das propriedades e, com isso, restringir o direito de propriedade. O artigo 16

determina que o mínimo de RL é vinte por cento, não estipulando qual o seu máximo.

Contudo, o direito do proprietário não foi plenamente limitado pela RL, pelo

contrário, o § 2° do referido artigo dá direito ao seu titular de fazer o uso de maneira

sustentável dessas áreas averbadas. Já com a APP, isso não ocorre, pois esta área só pode ser

usada de maneira restrita, se forem comprovadas os requisitos de utilidade pública e interesse

social.

§ 2° A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser

utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e

critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as

hipóteses previstas no § 3° deste artigo, sem prejuízo das demais legislações

específicas.

O legislador, buscando maior segurança e perpetuidade da RL, instituiu, no ano de

1989, através da lei 7.803/89, o caráter da inalterabilidade da RL e sua obrigatoriedade de

averbação junto ao registro de imóvel. Hoje este instituto faz parte do artigo 16 e está tratado

pelo § 8°.

§ 8° A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula

do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua

destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de

retificação da área, com as exceções previstas neste Código.

Não param por aqui as restrições impostas ao direito de propriedade. O que fazer

com as propriedades que já não têm mais suas áreas de reserva florestal, o que fazer com as

áreas que já estão completamente antropsadas? Os proprietários dessas terras poderiam se ver

livres da RL e, com isso, ter uma propriedade plena sem limitações? Ver-se-á que não. A RL

além de ter um caráter preservacionista, é antes de tudo um limitador da propriedade.

Observe-se o artigo 44 do Código Florestal.

Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa,

natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão

inferior ao estabelecido nos incisos, I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto

nos seus § § 5° e 6°, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou

conjuntamente:

I – recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos,

de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies

nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental estadual

competente;

II – conduzir a regeneração natural da reserva legal; e

III – compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica

e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma

microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

O proprietário de uma área rural, mesmo que não seja o responsável pela não

existência da RL em sua propriedade, uma vez de posse dessa terra, terá que providenciar o

reflorestamento dessa área e instituir, averbar a Reserva Legal. O titular desse imóvel, além de

ter seu direito de propriedade limitado, terá que arcar com os custos da instituição da nova

RL.

Caso o titular de um imóvel rural não tenha RL e também não queira constituí-la

em sua propriedade através do reflorestamento, terá que adquirir outro imóvel com o intuito

exclusivo de criação de RL para a propriedade desprovida de vegetação nativa.

Neste caso, a primeira propriedade não sofrerá as limitações da RL, porém, a

propriedade que será adquirida poderá chegar a sofrer uma limitação total, ou seja, cem por

cento de sua área poderá ser transformada em RL, ficando seu proprietário apenas com o ônus

de preservar os recursos ambientais, sem poder usufruir dos benefícios que a propriedade lhe

traria.

Como apresentado, as limitações ambientais ao direito de propriedade estão

normatizadas no ordenamento jurídico. É preciso fazer uma correta aplicação dessas normas e

fazer da RL e da APP não apenas fontes de preservação do meio ambiente, mas, antes de

tudo, em limitadores sociais e ambientais do direito de propriedade.

A Reserva Legal e a Área de Preservação Permanente são fontes limitadoras do

direito de propriedade. Como bem estipula o artigo 1228, §1°, do Código Civil, a propriedade

deve atender aos fins econômicos, sociais e ambientais. Assim, esses dois institutos

desempenham, sim, sua função de limitadores da propriedade.

É dever de todo proprietário manter preservadas e intocadas, em sua propriedade,

as áreas de preservação ambiental que no presente caso, são a reserva legal e a área de

preservação permanente.

6 CONCLUSÃO

Vimos que são vastas as teorias que tratam do direito de propriedade. Vimos que a

propriedade é um direito real, sendo plena se constituída sobre coisa própria ou limitada se

constituída sobre coisa alheia. Entretanto, claro ficou que, a propriedade continua sendo um

direito fundamental, respeitado pela sociedade.

Não é porque a propriedade precisa ter um fim socioambiental que, ela deixa de

ser menos absoluta. Não é porque ela sofre limitações que, ela deixa de ser um direito erga

omnes.

O meio ambiente, nas suas múltiplas faces, exerce um papel importante na

limitação da propriedade. Um dos grandes fatores que contribuí, é o Código Florestal,

responsável em instituir os espaços territoriais protegidos: reserva legal e área de preservação

permanente. O Código Florestal de 1965 também foi o responsável em instituir as restrições

ambientais ao direito de propriedade. A Reserva Legal e Área de Preservação Permanente são

espaços de grande importância para a conservação do meio ambiente. As reservas legais são

áreas localizadas no interior das propriedades rurais e são determinadas em porcentagem

previamente instituídas em lei. A APP por sua vez, pode ou não existir em áreas rurais ou

urbanas e sua determinação também é previamente instituída em lei.

A reserva legal é caracterizada pela sua inalterabilidade, pela restrição de

exploração, pela gratuidade, pela sua delimitação e obrigatoriedade de averbação em cartório

e sua isenção tributária, além de ter sua demarcação vinculada a aprovação do órgão

ambiental competente. A área de preservação permanente tem a função ambiental principal de

preservar os recursos hídricos, a paisagem, a fauna e a flora. Estas áreas são instituídas pelo

artigo 2° e 3° do Código Florestal. As áreas de preservação instituídas pelo artigo 2° da Lei

4771/65 são consideradas limitações administrativas ou legais, por serem imposições de

ordem pública não acarretarão direito a indenização por parte do proprietário. Entretanto, as

áreas de preservação permanente que forem criadas por atos administrativos (art. 3°)

ensejarão direito a indenização, uma vez que, estará sendo imposto uma limitação ao direito

de propriedade não estipulado em lei, ocasionando prejuízo ao proprietário.

As limitações ao direito de propriedade têm o objetivo de coibir os abusos nos

exercícios dos direitos do proprietário. A propriedade deve buscar os fins sociais e ambientais,

não mais deve ser vista de forma individualizada, mas sim de maneira coletiva. A limitação

que aqui se refere não é a limitação física do imóvel, mas a limitação ao exercício do direito

do proprietário. Este se vê impedido de exercer na sua plenitude seu direito, pois perde a

faculdade de exercer alguns dos direitos de propriedade tais como: direito de usar, gozar,

dispor e rever a propriedade da mão de quem a injustamente a possua.

São diversos os limitadores ligados ao direito de propriedade, as limitações podem

ser voluntárias, legais, administrativas ou quanto a extensão da propriedade. Contudo a

primeira limitação a propriedade ligada ao meio ambiente foi a limitação das minas, isto ainda

no tempo da Coroa Portuguesa. Atualmente o Código Florestal Brasileiro determinou certas

áreas nas propriedades privadas, para servirem de proteção ao bem ambiental pertencente ao

povo. O proprietário, não se vê privado de sua propriedade, ele poderá fazer uso da terra,

porém, além de cultivá-la de maneira correta, deverá preservar os recursos naturais, será

imposto ao proprietário algumas obrigações como: manter intocada as áreas de preservação

permanente; demarcar áreas de reserva legal; requisitar autorização dos órgão ambientais para

proceder explorações, dentre outras obrigações.

Por fim, temos os limitadores instituídos pelas áreas de preservação permanente e

pelas áreas de reserva legal. Não repetiremos aqui a classificação minuciosa destes institutos

como foi feito no capítulo quinto deste trabalho, deixaremos apenas nossa conclusão final se o

meio ambiente aplicado sobre o direito de propriedade é eficaz ao desempenhar a função

sócio ambiental da propriedade.

A reserva legal e a área de preservação permanente são fontes limitadoras do

direito de propriedade, tendo como objetivo primordial atender os fins sócio-ambientais da

propriedade. O proprietário que não conseguir trabalhar sua propriedade de maneira

sustentável, sem preservar os espaços territoriais protegidos estará sujeito a interferências

drásticas pelo Estado, que poderá desencadear o instituto da desapropriação. Os órgãos

ambientais através de seus agentes públicos desempenham o grande papel de executores e

fiscalizadores das normas ambientais contudo, só através de uma interação entre sociedade e

Governo é que poderemos dar maior validade aos institutos da RL e APP, pois como bem

determina o artigo 225 da Constituição Federal, o meio ambiente é um bem comum do povo e

como tal, deve ser fiscalizado e preservado pelos seus donos.

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