Cristo Minha Esperança

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1 CRISTO, MINHA ESPERANÇA Reflexões para o Tempo da Páscoa Por Francisco Faus ------------------------------------------------------------ INTRODUÇÃO: QUANDO OS SORRISOS SE REÚNEM - Dize, dize-nos, Maria [Madalena], que viste no caminho? - Vi o sepulcro de Cristo que está vivo, e a sua glória de ressuscitado; vi as testemunhas angélicas, o sudário e as vestes. Cristo ressuscitou, minha esperança!... (Seqüência da Missa do Domingo de Páscoa) Alguns dos leitores que acabam de abrir este livro já têm idéia de que os Sorrisos – isto é, os Corações Sorridentes – gostam de reunir-se pelo Natal (coisa lógica, porque o Natal é o Sorriso de Deus que está vindo até os homens), e até já fizeram, juntamente com esses Sorrisos, a sua reflexão natalina 1 . Mas é bom saber que é sobretudo na Páscoa que os Sorrisos chegam ao cume da sua alegria e desejam reunir-se para partilhá-la. “Feliz Páscoa!” – dizem uns aos outros esses Corações cheios de fé. “Feliz Páscoa!” – vão respondendo todos, abrindo de par em par seus Sorrisos radiantes. Mas não pense que o seu cumprimento é, como às vezes o nosso, uma mera formalidade, uma saudação superficial com cheiro de chocolate. Eles sabem muito bem o que aconteceu na Páscoa, no dia da Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. Eles sabem melhor do que ninguém que, na Páscoa, todos os Sorrisos alegres (porque há sorrisos amargos, céticos e depreciativos) ganharam a imortalidade, e os 1 Ver Francisco Faus: Natal: reunião dos sorrisos. Novena de Natal, Ed. Quadrante, 2001

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    CRISTO, MINHA ESPERANA

    Reflexes para o Tempo da Pscoa

    Por Francisco Faus

    ------------------------------------------------------------

    INTRODUO: QUANDO OS SORRISOS SE RENEM

    - Dize, dize-nos, Maria [Madalena], que viste no caminho?

    - Vi o sepulcro de Cristo que est vivo, e a sua glria de ressuscitado;

    vi as testemunhas anglicas, o sudrio e as vestes. Cristo ressuscitou, minha esperana!...

    (Seqncia da Missa do Domingo de Pscoa)

    Alguns dos leitores que acabam de abrir este livro j tm idia de que os Sorrisos

    isto , os Coraes Sorridentes gostam de reunir-se pelo Natal (coisa lgica, porque o

    Natal o Sorriso de Deus que est vindo at os homens), e at j fizeram, juntamente com

    esses Sorrisos, a sua reflexo natalina1.

    Mas bom saber que sobretudo na Pscoa que os Sorrisos chegam ao cume da sua

    alegria e desejam reunir-se para partilh-la. Feliz Pscoa! dizem uns aos outros esses

    Coraes cheios de f. Feliz Pscoa! vo respondendo todos, abrindo de par em par

    seus Sorrisos radiantes. Mas no pense que o seu cumprimento , como s vezes o nosso,

    uma mera formalidade, uma saudao superficial com cheiro de chocolate.

    Eles sabem muito bem o que aconteceu na Pscoa, no dia da Ressurreio de nosso

    Senhor Jesus Cristo. Eles sabem melhor do que ningum que, na Pscoa, todos os Sorrisos

    alegres (porque h sorrisos amargos, cticos e depreciativos) ganharam a imortalidade, e os

    1 Ver Francisco Faus: Natal: reunio dos sorrisos. Novena de Natal, Ed. Quadrante, 2001

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    Coraes de onde eles brotaram j nada tm a temer. O prprio Jesus assim o prometeu na

    ltima Ceia, e assim o cumpriu: Voltarei a vs e ningum vos tirar a vossa alegria.

    Na manh da Pscoa, Jesus levantou-se vivo do sepulcro, depois de ter expiado os

    nossos pecados com o Sacrifcio da Cruz. Ergueu-se - Deus e Homem verdadeiro - como

    Vencedor definitivo do mal, do demnio, da dor e da morte. E quis entregar-nos a sua

    vitria, para que fosse nossa. Ressuscitastes com Cristo! - escreve So Paulo no auge da

    alegria. Isso quer dizer que tudo mudou! Agora tudo pode ser vitria, porque no dia da

    Pscoa juntamente com Jesus ressuscitado, foi-nos dada a esperana.

    ***

    Esta reunio dos Coraes sorridentes foi pensada para o Tempo pascal (esses

    cinqenta dias que vo do Domingo da Ressurreio ao Domingo de Pentecostes), e tem

    como finalidade ajudar-nos a meditar, mediante a clssica forma dos "dilogos" no caso,

    dilogos entre alguns Coraes Sorridentes --, sobre a Pscoa e a esperana.

    Os Coraes Sorridentes esto to contentes, que querem saborear devagar como

    se saboreia um velho vinho do Porto as cenas da Ressurreio de Cristo nas quais se v,

    com o encanto de quem contempla uma magnfica alvorada, a esperana a nascer nos

    coraes dos discpulos de Jesus, aqueles homens e mulheres que a tinham perdido no

    entardecer da Sexta-feira santa. Querem ver nascer a esperana no corao angustiado de

    Madalena, no corao desiludido dos discpulos de Emas, nos coraes amedrontados,

    abalados e desnorteados de todos os Apstolos, no corao cptico de Tom, no corao

    humilhado de Pedro pecador, no corao exasperado e violento de Paulo... E vo saborear

    essas cenas reunidos calmamente, em vrias noitadas, que vo ser como os antigos seres,

    aqueles que aparecem em quase todos os contos e romances de Machado de Assis e que

    algum dicionrio ainda define assim: "Reunio familiar, noite, em que algumas pessoas

    fazem servios leves e outras conversam ou discutem algum assunto".

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    Cada meditao cada um dos seres de que consta esta obra - tem a forma de um

    dilogo entre quatro Coraes Sorridentes que, para facilitar as coisas, chamaremos com

    os nomes de Moderador, Leitor pensativo, Leitor feliz e Leitor compassivo.

    A referncia a tais Leitores j d a entender que esses seres foram pensados de

    modo a propiciar, aos que assim o desejarem, meditaes feitas em comum (em grupos

    de orao, reunies de casais, encontros, etc.), pelo sistema do teatro lido. Os participantes,

    neste caso, assumem o papel de um ou vrios dos quatro interlocutores de cada sero, e

    cada um l o seu texto em voz alta. Se o nmero de participantes for inferior ou superior a

    quatro, aquele que assuma o papel de Moderador poder atribuir vontade dois papis a um

    s leitor, ou dividir o script entre mais de quatro pessoas. Tambm podem resolver, de

    comum acordo, utilizar s alguns desses seres, e deixar os restantes para outras ocasies.

    Convir, porm, que esses leitores, como participantes ativos dos seres, faam de

    vez em quando uma pausa e acrescentem, espontaneamente, as suas prprias

    consideraes. Afinal so mais um no dilogo da noitada! E nada impede que, se esto

    muito animados na conversa, cada sero seja dividido de comum acordo - em duas, trs

    ou mais sesses, pois o nmero nove, nesta obra, no limitativo, mas corresponde apenas

    ao nmero de passagens evanglicas escolhidas para meditar...

    .

    E no caso de acontecer que algum no possa, ou no queira, meditar em grupo e

    prefira ler e refletir individualmente? Poder faz-lo tranqilamente e com o mesmo

    proveito. Enquanto estas pginas estavam sendo escritas, teve-se sempre o cuidado de

    prever que cada uma das reflexes pudesse oferecer idias e sugestes apropriadas tambm

    para fazer meditao pessoal, a ss com Deus. E a forma dialogada no tem por que

    dificultar isso, uma vez que, desde o tempo dos antigos gregos e antes mesmo deles -, at

    aos nossos dias, tem sido um recurso literrio e pedaggico fartamente utilizado para ajudar

    a refletir individualmente (a crianas, jovens e ancios) sobre questes filosficas, morais,

    polticas ou religiosas. Se, no caso, este recurso adequado, o leitor dever julgar. Se no o

    for, desde j lhe peo desculpas.

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    O importante que as consideraes espirituais que aqui se oferecem aos leitores

    quer as pronunciem em voz alta, quer no - possam ajud-los a descobrir, junto de Cristo e

    dos amigos de Cristo, por que perdem s vezes a esperana, por que so to frgeis as suas

    alegrias, e como poderiam chegar a possuir, unidos a Cristo, uma esperana crist cheia de

    imortalidade.

    Talvez seja interessante advertir, ainda, que estas meditaes esto especialmente

    pensadas para adultos, uma vez que os adultos e os velhos costumam precisar mais da

    esperana do que os adolescentes. A idade madura j carrega um fardo de passado em que,

    ao lado de belas alegrias e de recordaes inesquecveis, pesam tambm as desiluses, os

    desenganos e os fracassos.... Em todo o caso, to freqente hoje, infelizmente, que

    tambm os adolescentes e jovens conheam prematuramente o sabor amargo da decepo,

    do vazio e do desencanto, que estou para corrigir o anterior e dizer simplesmente que todos,

    de todas as idades, temos necessidade da esperana, e estas pginas quereriam ajudar os

    que as lerem a compreender que Jesus ressuscitado lhes diz, como a Nicodemos, que

    podem nascer de novo, que podem tornar-se como crianas e acender uns olhos redondos e

    brilhantes, alumiados pelo fulgor da esperana.

    . E, com isto, basta de palavras introdutrias, e passemos aos seres pascais, pedindo

    antes, com So Paulo, que o Deus da esperana vos encha de toda a alegria e de toda a

    paz na vossa f, para que pela virtude do Esprito Santo transbordeis de esperana

    (Rom 15,13).

    ====================

    PRIMEIRO SERO: MARIA MADALENA

    (Joo, 20, 1-18)

    Do vazio esperana

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    MODERADOR.- Quando o Domingo de Pscoa comeava a clarear, um grande silncio

    envolvia o descampado onde se encontrava o tmulo de Jesus. S duas coisas poderiam

    chamar ali a ateno de um passante solitrio: uma grande pedra circular - que servira para

    fechar verticalmente a entrada do sepulcro - fora rolada e estava posta a um lado; e perto da

    entrada escancarada, uma mulher, em p, soluava baixinho, com um leve estremecer de

    ombros, de modo que os primeiros raios de sol faziam cintilar as lgrimas que lhe

    escorriam pelas faces. Era Maria Madalena. A apario de Jesus a Santa Maria Madalena

    a primeira que contam os Evangelhos. Por isso, neste nosso primeiro sero, vamos

    contempl-la com calma, ao mesmo tempo em que pedimos a Deus a graa de tirar desta

    meditao uma primeira lio de esperana. Vejamos ento o que nos dizem os Santos

    Evangelhos.

    LEITOR COMPASSIVO.- Entretanto escreve So Joo , Maria conservava-se do lado

    de fora, perto do sepulcro, e chorava. Era a segunda vez, naquele amanhecer de domingo,

    que Maria ia at ao sepulcro de Jesus, incansvel no seu empenho por prestar uma ltima

    homenagem a nosso Senhor. Ajudada por outras santas mulheres, queria ungir-lhe o corpo

    que na sexta-feira santa s tinham podido ungir s pressas e de modo incompleto com

    os aromas que haviam preparado.

    LEITOR PENSATIVO. O que aconteceu foi o seguinte. Primeiro, Maria Madalena chegou

    ao tmulo juntamente com Maria, me de Tiago e Salom, suas amigas. Estas ltimas

    fugiram, trmulas e amedrontadas, ao verem que o sepulcro estava vazio. Maria, porm, foi

    correndo procura de Pedro e Joo, para lhes dizer, quase sem flego: Tiraram o Senhor do

    sepulcro, e no sabemos onde o puseram. Espanto geral! Os dois Apstolos saem em

    disparada e ela vai atrs. Quando chegam ao tmulo, entram, e ficam perplexos ao ver que,

    alm de estar vazio, os panos que tinham envolvido o cadver de Jesus permaneciam

    intactos, com o mesmo formato que tinham quando envolviam o corpo de Cristo, s que

    agora aplanados, como se o corpo do Senhor os tivesse atravessado, esvaziando-os sem

    nem mesmo toc-los; e que o sudrio que lhe cobrira a cabea estava cuidadosamente

    enrolado, tambm intacto, a um lado. Pedro e Joo, emocionados e perplexos, sentiram as

    pernas tremer e o corao rebentar, e voltaram correndo ao Cenculo para avisar os outros.

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    Maria, porm, no arredou p de l. No queria ir-se embora. Queria encontrar Jesus,

    queria honr-lo com carinho, mesmo que fosse apenas um pobre cadver dilacerado. Por

    isso estacou ali, imvel, e ali ns a contemplamos chorando.

    LEITOR COMPASSIVO.- As suas lgrimas eram a expresso do seu amor...

    LEITOR FELIZ.- So Gregrio Magno, o grande Papa do sculo sexto, tem um

    comentrio muito bonito a este respeito: "E ns temos que pensar diz ele na fora to

    grande do amor que inflamava a alma daquela mulher, que no se afastava do sepulcro do

    Senhor, mesmo quando os apstolos dele j voltavam. Buscava a quem no encontrava;

    chorava procurando-o e, consumindo-se no fogo do seu amor, ardia no desejo de encontrar

    aquele que imaginava roubado. E assim aconteceu que s ela o viu, a nica que ficou

    procurando... Comeou a buscar, e no o encontrou; perseverou no seu querer, e achou-o;

    de tal forma cresceram os seus desejos, e tanto se dilataram, que acabaram alcanando o

    que buscavam".

    MODERADOR.- Acho que a vida de Maria Madalena poderia ser definida assim: o Amor

    com maiscula, ou seja, o Amor de Deus, procurou-a e salvou-a; ela correspondeu a esse

    Amor e no se cansou, por sua vez, de procur-lo, de modo que toda a sua vida foi uma

    busca ardente e um aprofundamento nesse Amor, como o foi a vida de muitos grandes

    santos... Mas tem havido tantas confuses, tantas mentiras e interpretaes esquisitas sobre

    o amor de Maria Madalena, que vale a pena lembrar a sua verdadeira histria. Poderia

    fazer-nos um breve resumo, Leitor pensativo...?

    LEITOR PENSATIVO.- Com prazer, pois vale a pena, tendo em conta que a confuso - na

    maior boa f, alis - dura h sculos. Para comear, muito importante lembrar quem no

    era Maria Madalena. Os melhores comentaristas do Evangelho, j desde os tempos de

    Santo Agostinho, alertam-nos para que no a confundamos com outras duas mulheres do

    Evangelho. Uma aquela pecadora pblica que certa vez banhou os ps de Jesus com

    lgrimas de arrependimento e os ungiu com blsamo; e a outra Maria de Betnia, a irm

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    menor pura e singela - de Marta e Lzaro, que tambm derramou perfume sobre a cabea

    e os ps de Jesus pouco antes da Paixo, num gesto de fina cortesia, muito oriental.

    MODERADOR.- Alm disso, acho interessante frisar que o Evangelho nunca disse que

    Maria Madalena fosse uma prostituta ou que tivesse uma vida leviana. Alis, afirma algo

    muito pior. Diz que, dela, Jesus tinha expulsado sete demnios. Isto muito srio. Bem

    sabemos que o nmero sete na linguagem bblica significa muitos, uma multido. Pois

    isso que dela nos dizem So Marcos e So Lucas.

    LEITOR COMPASSIVO.- O que algo terrvel. Causa arrepios. S o podemos

    compreender se tivermos conscincia de que o demnio como ensina a Bblia - , acima

    de tudo, o pai da mentira, do orgulho e do dio. Como deve ter sido espantosa a vida dessa

    pobre mulher! Um poo de dio, de raiva, de desconfiana, de mentira, de rancor... Pode

    haver sofrimento maior? Um verdadeiro inferno! Uma mulher incapaz de amar, incapaz de

    alegrar-se, incapaz de vibrar com a verdade, de admirar a beleza e de saborear o bem;

    incapaz de perdoar, incapaz de sorrir com carinho para os outros...!

    LEITOR PENSATIVO. - Voc falou certo. Um corao afastado de Deus e entregue ao

    diabo ao pecado - como um poo escuro e fundo. L no pode penetrar um raio de luz

    divina. A pessoa chega a tornar-se incapaz de acreditar que o amor, a beleza e a bondade

    existam. S conhece as trevas em que se afunda.... Faz-me lembrar aquele personagem

    estarrecedor do famoso romance de Joseph Conrad, "O Corao das trevas", que morre

    dizendo: "O horror! O horror!"...

    MODERADOR.- Ser que, de certa maneira, voc no acaba de pintar com traos

    ampliados o retrato da tristeza que h hoje em dia em muitos coraes? Coraes

    eternamente insatisfeitos. Pessoas que podem cantar, gritar, possuir, experimentar, danar,

    agitar-se, embriagar-se de lcool, sexo, drogas e emoes radicais, mas que por dentro

    esto sombriamente vazias. Vivem instaladas no "corao das trevas"... E, mesmo sem o

    saberem, procuram, procuram.... Percebem que lhes falta o essencial, algo que passaram a

    vida buscando sem encontrar. Sentem-se como algum que se esfalfou tentando apanhar a

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    gua da fonte com uma escumadeira... Atormenta-as, ento, uma nsia de infinito que as

    queima por dentro, mas que nenhum tesouro do mundo e nenhuma loucura do mundo e

    nenhum prazer do mundo conseguem satisfazer... Eu diria que esto torturadas por uma

    esperana distorcida, por um infinito desejo de felicidade, que corre expectante atrs do

    vazio... lgico que essa esperana distorcida termine no desespero. O fundo do fundo da

    vida delas a ausncia..., o vazio..., e morrem sem saber por qu...

    LEITOR FELIZ.- claro como o sol que sofrem da ausncia de Deus! Essas pessoas

    como Madalena antes de encontrar Jesus no sabem que o seu msero corao est

    gritando aquelas palavras de um poema de Tagore: "Tenho necessidade de Ti, s de Ti!

    Deixa que o meu corao o repita sem cansar-se. Os outros desejos que dia e noite me

    envolvem, no fundo, so falsos e vazios. Assim como a noite esconde em sua escurido a

    splica da luz, na escurido da minha inconscincia ressoa este grito: Tenho necessidade

    de Ti, s de Ti!. Assim como a tempestade est procurando a paz, mesmo quando golpeia

    a paz com toda a sua fora, assim a minha revolta bate contra o teu amor e grita: Tenho

    necessidade s de Ti!"

    LEITOR PENSATIVO.- Assim estava Maria Madalena, quando um belo dia de surpresa

    Jesus foi busc-la. No conhecemos os detalhes. S sabemos que Jesus teve compaixo

    dela, e dela expulsou sete demnios, como recordvamos acima. Agora eu convido-os a

    pensar. J imaginaram o que deve ter sentido aquela alma, ao encontrar-se livre do Maligno

    e inundada pelo dom da graa, conduzida por Jesus descoberta deslumbrante de Deus?

    Que deve ter sentido quando experimentou qui pela primeira vez na vida a pureza e a

    grandeza do Amor (pois Deus Amor...)?

    LEITOR COMPASSIVO.- Eu imagino Maria como uma mulher que, de repente, "respira",

    absorve Deus at ao fundo da alma, como uma aragem do Cu que a cria de novo; uma

    mulher que, pela primeira vez, se apercebe de como bela a criao, todas as criaturas,

    transfiguradas pela presena do Salvador. Vejo o seu corao como uma brasa

    incandescente deixem-me fazer poesia! -, inflamada pelo amor que se derrama do Cu

    sobre o mundo atravs do Corao de Jesus.

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    LEITOR FELIZ.- natural que, a partir do dia em que o antigo corao das trevas foi

    inundado pela f, pela esperana e pelo amor, comeasse a seguir Jesus e a servi-lo, com

    uma dedicao abnegada e total, como conta o Evangelho, juntamente com outras santas

    mulheres. Seguir Cristo tornou-se, a partir daquele momento, a razo toda a razo - da sua

    existncia. Servir Jesus passou a ser para ela um puro amor, que cumulava de plenitude e

    sentido o seu pensar, sonhar e viver.

    LEITOR PENSATIVO.- Por isso, quando a avalanche de brutalidades da Paixo, o dio

    implacvel dos inimigos, desabou sobre Cristo e o reduziu a um cadver ensangentado na

    Cruz, Maria Madalena grudada Me do Salvador agarrou-se Cruz como quem se

    agarra vida. Viver sem Jesus era para ela como para todos os coraes que encontraram

    Cristo de verdade a vertigem de um vazio de morte. Essa a Madalena que hoje vemos

    chorar junto do sepulcro do Senhor. Essa a razo de que s pense em buscar o meu

    Senhor...

    MODERADOR.- E assim aconteceu que...

    LEITOR PENSATIVO.- Aconteceu, sim, algo comovente..., e que faz aflorar o sorriso aos

    lbios. Recordemos o Evangelho: Chorando, inclinou-se para olhar dentro do sepulcro.

    Viu dois anjos vestidos de branco... Eles perguntaram-lhe: "Mulher, por que choras?" Ela

    respondeu: "Porque levaram o meu Senhor, e no sei onde o puseram"

    LEITOR FELIZ.- Vocs vem? Madalena toda "procura". Encarnava aquelas palavras de

    Isaas: A minha alma desejou-Te, meu Deus, durante a noite e, dentro de mim, o meu

    esprito procurava-Te. Assim buscava Jesus...

    LEITOR PENSATIVO.- O Evangelho continua, e agora vem o melhor: Ditas estas

    palavras, voltou-se para trs e viu Jesus em p, mas no o reconheceu. Perguntou-lhe

    Jesus: "Mulher, por que choras? Quem procuras?"

  • pasc 10

    LEITOR FELIZ.- Eu vibro ao ver Jesus indo ao encontro daquela pobre criatura, como o

    pai que desfruta por dentro ao pensar na surpresa maravilhosa que preparou para o filho. Ao

    longo destes seres, vamos ver constantemente algo muito sugestivo, e que se pode

    exprimir assim: depois da ressurreio, Jesus mais humano ainda, se possvel, do que

    quando andava com os seus pelos caminhos da Galilia e da Judia... Torna-se mais

    prximo, afetuoso, acessvel... E atentem para isso! - aparece com uma nova carga de

    alegria: diverte-se alegrando os seus amigos com atitudes cheias de "bom humor", de um

    divino e delicioso bom humor.

    LEITOR PENSATIVO.- Como a que agora presenciaremos. Quem procuras? - pergunta

    Jesus Madalena -, e ela, supondo que fosse o jardineiro, respondeu: "Senhor, se tu o

    tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o irei buscar". Jesus no quer prolongar mais a

    aflio, e manifesta-se abertamente: Disse-lhe Jesus: "Maria!" O Evangelho aqui balbucia,

    s sabe repetir a exclamao que saiu daquela Maria estremecida de gozo, com os olhos

    arregalados e o corao prestes a explodir: Voltando-se ela, exclamou em hebraico:

    Rabni!", que quer dizer "Mestre!"... Nesse exato momento, Jesus a olha com ternura e a

    "nomeia" sua primeira mensageira da alegria da Pscoa: No me retenhas...Vai aos meus

    irmos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, mau Deus e vosso Deus. Maria

    Madalena correu (nesse dia, realmente, no parou de correr...) para anunciar aos

    discpulos que tinha visto o Senhor e contou o que Ele lhe tinha falado.

    MODERADOR.- Agora, para Madalena, a vida voltava a ser Vida, com maiscula. O

    futuro era radiante: o reencontro com Jesus encheu de novo o vazio da alma com a luz

    clida e inextinguvel da esperana. E eu diria: "Pensemos nos nossos vazios. Ser que a

    lio da Madalena no nos diz nada?" Todo o vazio, toda a amargura, uma ausncia, a

    ausncia de Deus. Pode ser a terrvel ausncia provocada pelo pecado, pelos sete demnios,

    mas pode ser tambm a ausncia de uma alma boa que perde Deus de vista, fica morna na

    f, e acha ento inexplicveis muitas tristezas que a atormentam e que tm uma perfeita

    explicao: so a ausncia do "amor" de Deus na alma, so a frieza de quem tem Jesus ao

    lado (sempre est ao nosso lado, sempre nos procura, como fez com Madalena) e no o

    enxerga, so a amargura esquizofrnica de quem se queixa de Deus, justamente na hora em

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    que Deus mais a ajuda... Como Madalena, que pensava que Jesus (aquele Jesus que no

    reconheceu) lhe tinha roubado Jesus... No acontece algo disto conosco?

    LEITOR PENSATIVO.- Sim, diante de muitas dificuldades, lutas ou cruzes que Deus nos

    envia para o nosso bem, pensamos tolamente que Deus nos abandonou ou se afastou de

    ns. Que retirou a sua mo e no nos ajuda com a sua graa. E quando est mais prximo.

    MODERADOR.- Acho que hoje podemos terminar o nosso sero com este pensamento,

    que para guardar bem guardado e ruminar bem ruminado: "Toda a tristeza, toda a

    amargura, toda a revolta, no fundo, uma ausncia de Deus (maligna ou benigna, mas

    nunca boa)". Por isso, decidamo-nos a procurar Deus, a procurar Jesus com toda a nossa

    alma, como Madalena: com a mesma determinao com que ela o procurou. "Onde est?"

    diremos a ns mesmos - e responderemos com a deciso de aumentar o nosso

    aprofundamento na f, a nossa leitura e meditao do Evangelho e das riquezas da doutrina

    crist... E, se nos perguntarmos: - "Como ach-lo?", deveremos responder: - "Como

    Madalena, que busca, pergunta, procura e no pra at achar", ou seja, como Jesus nos

    ensinou: rezando, pedindo, orando sem cessar, pois a sua promessa no falha: Eu vos digo:

    Pedi e dar-se-vos-; buscai e achareis; batei e vos abriro.

    =======================

    SEGUNDO SERO: OS DISCPULOS DE EMAS

    (Lucas 24,13-35)

    Da decepo esperana

    MODERADOR.- Hoje vamos contemplar dois homens decepcionados: os discpulos de

    Emas. Aparecem voltando para casa, na tarde do prprio domingo de Pscoa. Nesse

    mesmo dia diz o Evangelho de so Lucas -, dois discpulos caminhavam para uma aldeia,

    chamada Emas, distante de Jerusalm sessenta estdios [cerca de doze quilmetros]. Iam

    falando um com o outro sobre tudo o que se tinha passado. E o que se tinha passado era,

  • pasc 12

    nada mais nada menos, a paixo e a morte de Jesus, a "derrota" estrondosa de Cristo s

    mos dos seus inimigos, a rejeio de Jesus por parte das mesmas multides que cinco dias

    antes, no domingo de Ramos, o haviam aclamado entusiasmadas. Podemos imaginar, por

    isso, qual era o seu nimo. Cabisbaixos, deprimidos, desnorteados, conversavam como

    quem no acaba de acreditar que fosse possvel aquele afundamento dos seus sonhos.

    LEITOR FELIZ.- So Josemara Escriv oferece-nos uma descrio simples e tocante da

    apario de Jesus ressuscitado a esses dois discpulos: "Caminhavam aqueles dois

    discpulos escreve em direo a Emas. Andavam a passo normal, como tantos outros

    que transitavam por aquelas paragens. E ali, com naturalidade, aparece-lhes Jesus e

    caminha com eles, numa conversa que diminui a fadiga. Imagino a cena, bem ao cair da

    tarde. Sopra uma brisa suave. Em redor, campos semeados de trigo j crescido, e as

    oliveiras velhas, com os ramos prateados luz tbia". Com essa descrio, logo nos

    sentimos metidos no ambiente, participando "como mais um personagem"...

    LEITOR PENSATIVO.- E o Evangelho diz que Jesus comeou a caminhar junto dos dois,

    mas comenta So Lucas os olhos deles estavam como vendados e no o reconheceram.

    Perguntou-lhes ento: "De que vnheis falando pelo caminho, e por que estais tristes?"... O

    dilogo que se travou ento digno de ser meditado. Primeiro, como pessoas desiludidas e

    frustradas, os discpulos responderam com mau humor, num tom rspido: Um deles,

    chamado Clofas, respondeu-lhe: "s tu acaso o nico forasteiro em Jerusalm que no

    sabe o que nela aconteceu estes dias?"... como se dissesse, meio admirado e meio

    irritado: "Todo o mundo sabe. Onde que voc vive? S voc est por fora?..."

    LEITOR FELIZ.- Que ironia! Dirigem-se rudemente a Jesus, lanando-lhe em rosto a sua

    ignorncia a respeito da tragdia do prprio Jesus! Tudo isso chegaria a ser cmico, se no

    fosse dramtico. Mas nosso Senhor, como em todas as cenas da ressurreio, mostra-se

    especialmente afvel e bem-humorado com eles. at divertido. Fazendo-se de ingnuo,

    pergunta-lhes "Que foi? Que houve?..." Com isso, quer ajuda-los a abrir o corao, como,

    alis, deseja fazer conosco sempre que nos v desanimados ou tristes: Eu estou aqui diz-

    nos -. Fala comigo.

  • 13

    LEITOR PENSATIVO.- E eles abriram mesmo o corao. Despejaram o vinagre da sua

    decepo. Falaram ao caminhante desconhecido sobre um tal Jesus de Nazar, profeta

    poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo, comentando os

    acontecimentos trgicos da quinta e da sexta-feira santas, e contaram-lhe como tinha

    acabado morrendo na Cruz. Depois, confessaram a sua tremenda frustrao: Ns

    espervamos que fosse ele quem havia de restaurar Israel, e agora, alm de tudo isso, j

    o terceiro dia que estas coisas aconteceram.

    LEITOR COMPASSIVO.- Esse, exatamente esse, era o mal que lhes corroa a alma: Ns

    espervamos. Tinham colocado toda a sua esperana no Senhor. Tinham apostado nele. Por

    isso o haviam seguido, por isso tinham abandonado os seus planos pessoais, o aconchego

    do lar..., tudo, jogando a vida numa s carta, numa s esperana: a de que Jesus fosse o

    poderoso Rei-Messias anunciado pelos Profetas, que triunfaria sobre todos os inimigos e se

    assentaria no trono do Reino de Israel, restabelecendo-o para sempre. Ningum lhes tinha

    contado ainda que, na Paixo, Jesus declarara inequivocamente a Pilatos: O meu Reino no

    deste mundo...

    LEITOR PENSATIVO.- Porm, eles, quase com certeza, j lhe tinham ouvido dizer: O

    Reino de Deus est dentro de vs... E tambm tinham escutado muitas das parbolas do

    Reino, que falavam, por meio de belos simbolismos, de um Reino de graa, de paz e de

    amor que cresce nos coraes, nas famlias, nas sociedades, como o trigo que germina de

    noite e de dia; como o gro de mostarda que pequenino e se torna rvore alta; como o

    fermento invisvel que a mulher pe na massa de farinha e acaba fermentando-a toda... Ou

    como um Pai que perdoa o filho fugitivo, e um Pastor que procura a ovelha perdida e que

    , ao mesmo tempo, o Rei-Deus que nos convida a participar do seu banquete de amor

    eterno...

    MODERADOR.- Poderamos definir o engano dos discpulos de Emas igual ao de

    muitos dos atuais discpulos de Cristo como "um erro de esperana". A esteve a sua

    falha. Tinham esperana, mas era uma "esperana errada", no era a virtude crist da

  • pasc 14

    esperana. Em conseqncia, estavam irremediavelmente fadados decepo e ao fracasso,

    como quem aponta uma flecha para o alvo equivocado, ou dirige um veculo fora da

    estrada, que, quanto mais rpido vai, mais perto est do desastre... Assim so muitas

    mulheres e muitos homens de hoje. O seu mal a viso deturpada da esperana: esperam o

    que no devem, e esperam mal. Os exemplos so inmeros...

    LEITOR COMPASSIVO.- Infelizmente, so incontveis: falsas esperanas amorosas,

    falsas esperanas profissionais, falsas esperanas de glria e triunfo, falsa confiana nas

    riquezas....

    LEITOR PENSATIVO.- Na realidade, o problema simples. Espera mal quem espera

    qualquer coisa diferente da Vontade de Deus, qualquer coisa por grande e empolgante

    que seja que esteja fora dos planos que Deus preparou para ele. Ento, acontece a essas

    pessoas o que Jesus dizia aos fariseus: Frustraram o desgnio de Deus a seu respeito. A

    vida deles foi um plano divino frustrado, que Deus no pode reconhecer como seu, e tem

    que lhes dizer: No vos conheo, como Jesus dizia s virgens nscias.

    MODERADOR.- Reparemos bem. As pessoas no ficam frustradas "principalmente" por

    no terem alcanado os seus desejos, os seus sonhos. Talvez as piores frustraes sejam as

    dos que os alcanaram ("J estou na faculdade, j tenho emprego, j me casei") e depois

    percebem que nada disso os preenche, no lhes traz felicidade. As pessoas ficam frustradas

    "principalmente" porque sem sequer darem por isso - no atingem o ideal para o qual

    foram criadas por Deus, ou seja, porque no foram fiis sua vocao de santidade, e por

    isso desculpem a expresso rude a vida delas, em vez de ser desenvolvimento e

    maturidade de um filho de Deus, foi um aborto. Fora do que Deus espera de ns, tudo

    aborto!

    LEITOR COMPASSIVO.- triste, mas realmente assim! Pensemos nos casamentos

    fracassados. A maioria deles afundou-se porque marido e mulher "esperaram mal". O que

    que espera a maioria dos noivos, quando vo para o casamento?

  • 15

    LEITOR FELIZ.- Ser felizes!

    LEITOR COMPASSIVO.- Certo, mas felizes como? Muitos deles s pensam em

    receber do outro muito carinho, pacincia, compreenso, todo o aconchego para se

    "sentirem bem" realizando os seus prprios sonhos, gostos e caprichos, os seus prazeres, e

    at as suas manias ... Poucos pensam em dar e dar-se generosamente para o bem do outro e

    dos filhos, em construir uma famlia com abnegao generosa e desprendimento alegre de

    si mesmos, felizes por fazer felizes os demais. Mas chega a hora da verdade, aparecem as

    dificuldades inevitveis...

    LEITOR PENSATIVO.- E ento no compreendem que essas dificuldades so apelos para

    se darem mais, para amarem mais, para dialogarem mais, e no para ms caras,

    resmungos e gritos; que a hora da compreenso, e no a da imposio; que a hora de

    escutar com humildade, e no de ter razo.... Infelizmente, no entendem nada disso. E,

    ento, tudo vai por gua abaixo. No foram ao casamento preparados para o verdadeiro

    amor, mas para "consumir" satisfaes (como "consomem" os outros caprichos e prazeres

    da vida). natural que acabem dizendo, como os discpulos de Emas: "Ns espervamos

    outra coisa"...

    LEITOR FELIZ.- A vida no uma laranja para chupar e cuspir! Os outros no so cana de

    acar para tirar o caldo e jogar fora o bagao! Deus no um seguro protetor de

    egosmos, e os outros no so bens desfrutveis! Viver e ser feliz coisa infinitamente

    maior do que "usufruir"!

    MODERADOR.- Erro de esperana, dizamos. Sim. A verdadeira esperana, para falar em

    sntese, a de alcanar Deus aqui na terra no modo de viver todas as coisas da terra - e

    eternamente no Cu. Tudo o que conduz a isso bom. Tudo o que afasta disso mau. Tudo

    o que conduz a isso acaba em felicidade j na terra -, e tudo o que afasta disso acaba em

    tristeza, em frustrao e Deus no o permita em tormento eterno. muito bonito o que

    diz o Catecismo da Igreja Catlica sobre a esperana. Ouamos: "A esperana a virtude

    teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Cus e a Vida Eterna,

  • pasc 16

    pondo a nossa confiana nas promessas de Cristo e apoiando-nos no em nossas foras

    prprias, mas no socorro da graa do Esprito Santo... A virtude da esperana responde

    aspirao de felicidade colocada por Deus no corao de todos os homens; assume as

    esperanas que inspiram as atividades dos homens; purifica-as para orden-las ao Reino dos

    Cus; protege contra o desnimo; d alento em todo o esmorecimento; dilata o corao na

    expectativa da bem-aventurana eterna. O impulso da esperana preserva do egosmo e

    conduz felicidade do amor". um texto fantstico, que daria para meditar durante horas e

    horas... Mas j deixamos os discpulos de Emas to longe, que precisamos voltar a eles.

    O que fez Cristo quando eles "confessaram" a sua falsa esperana?

    LEITOR PENSATIVO.- A, sim, Jesus ficou srio e falou sem rebuos. Comeou por

    dizer-lhes algo que tambm ns, muitas vezes, precisaramos ouvir: " gente insensata e

    lenta de corao para acreditar em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura no

    era necessrio que Cristo sofresse estas coisas e assim entrasse na sua glria?" E

    comeando por Moiss, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava

    dito em todas as Escrituras". Ou seja, Jesus desvendou-lhes lucidamente o plano de Deus

    sobre a salvao do mundo, por meio do mximo ato de Amor, que foi a entrega de Cristo

    na Cruz para a redeno dos nossos pecados.

    LEITOR COMPASSIVO.- Deus Jesus, Deus e homem verdadeiro atingiu os limites

    mximos do Amor ao dar-se na Cruz por ns sem se poupar em nada, e com esse amor

    gratuito, ilimitado e fantstico, purificou e compensou todos os desamores os pecados -

    dos homens, derramou a graa do Esprito Santo, que Amor substancial e fonte de alegria

    e de paz para as almas, e abriu de par em par as portas da felicidade eterna no Cu. Quer

    dizer que o que Clofas e o companheiro lamentavam como uma desgraa (a paixo e

    morte de Cristo), era, na realidade, a maior maravilha de toda a histria da humanidade, o

    maior bem da histria, o maior motivo de alegria de todos os sculos! Insensatos!, sim, os

    que no vem isso e vo atrs de sombras e aparncias mais falsas que o diabo!

    MODERADOR.- Jesus ia falando pelo caminho, e os coraes iam mudando. Um calor

    novo os invadia, uma fasca de esperana se acendia. Aproximaram-se da aldeia para onde

  • 17

    iam, e Jesus fez como se quisesse passar adiante. Mas eles foraram-no a parar: "Fica

    conosco, j tarde e o dia declina"..

    LEITOR FELIZ.- Que orao bonita, para ns a fazermos, quando comearmos a sentir a

    proximidade de Jesus: "Fica conosco! No nos deixes, queremos estar contigo, queremos

    ter-te como amigo, queremos abrir-te a alma. Fica! E, alm do mais, bem que percebemos

    que j se nos faz tarde, que a vida passa, que a vida acaba, sim, j tarde e o dia declina.

    Olha, Senhor, que gastamos boa parte deste "dia" que a vida entre falsas esperanas e

    verdadeiras frustraes. Precisamos de Ti. Por favor, fica, que s em Ti se acha a

    esperana....

    MODERADOR.- Ento, entrou com eles, e aconteceu que, estando sentados mesa, ele

    tomou o po, abenoou-o, partiu-o e serviu-lho. Ento se lhes abriram os olhos e o

    reconheceram..., mas ele desapareceu. Diziam ento um ao outro: "No verdade que o

    nosso corao ardia dentro de ns enquanto ele nos falava pelo caminho e nos explicava

    as Escrituras?"...

    LEITOR COMPASSIVO.- Que maravilha! Que modelo para ns! Como dizia So

    Josemara Escriv: "Caminho de Emas, caminho da vida"... Quando nos entristecer a falta

    de sentido de tantas coisas, e sobretudo, quando nos acabrunharem as decepes que

    parecem amontoar-se e afogar a esperana, faamos como os discpulos de Emas:

    Primeiro, abramos a alma a Deus (s vezes, a melhor maneira de abri-la fazer uma

    confisso muito sincera).

    Depois, escutemos as suas palavras, meditemos a Sagrada Bblia e especialmente

    os Evangelhos - com calma, com carinho, deixando que a Palavra de Deus penetre na alma

    como a chuva na terra. Elas nos mostraro que o que nos parece ruim muitas vezes bom,

    que a Cruz que julgamos ser uma porta que se nos fecha e nos deixa num beco sem sada

    na realidade uma porta que se abre, para que entremos num mundo melhor, de mais

    amor, de mais bondade, de mais pureza, de mais virtude.

    Em terceiro lugar, acolhamos Jesus em casa, na casa da nossa alma, recebendo-o

    sempre na Eucaristia, na Comunho, que a unio com Deus mais ntima que a criatura

  • pasc 18

    humana pode ter nesta terra: Jesus em ns, Jesus alimento nosso, Jesus sangue do nosso

    sangue e vida da nossa vida!

    E por fim, a alegria. O corao desanimado, que estiolava e murchava, agora arde

    dentro de ns, e inflama-nos com uma nova esperana. Vemos um novo sentido para a

    vida, iluminado pela f e o amor de Cristo, e temos necessidade de correr ao encontro dos

    outros, para contagi-los com a nossa esperana, como fizeram os discpulos de Emas

    depois que Jesus os deixou.

    MODERADOR.- Talvez j tenham lido as palavras com que Mons. Escriv comeava uma

    homilia sobre a esperana. Seja como for, vale a pena l-las de novo, no final deste sero:

    "H j bastantes anos, com a fora de uma convico que crescia de dia para dia, escrevi:

    Espera tudo de Jesus; tu nada tens, nada vales, nada podes. Ele agir, se nele te

    abandonares. Passou o tempo, e essa minha convico tornou-se ainda mais vigorosa, mais

    funda. Tenho visto, em muitas vidas, que a esperana em Deus acende maravilhosas

    fogueiras de amor, com um fogo que mantm palpitante o corao, sem desnimos, sem

    decaimentos, embora ao longo do caminho se sofra, e s vezes se sofra deveras". Isto o

    que aconteceu com os discpulos de Emas. Com o corao inflamado pela esperana,

    desfazem o caminho dos desertores, voltam a reunir-se com os Apstolos e as santas

    mulheres no Cenculo e participam da alegria que - no meio ainda de sombras e hesitaes

    - comea a alastrar-se entre eles e que anuncia, mesmo que muitos ainda no o percebam e

    estejam dominados pelo temor, um futuro de esperana pelos sculos dos sculos, at ao

    fim do mundo: "O Senhor ressuscitou verdadeiramente!..." Esta a grande verdade! A

    esperana crist acabava de nascer com a ressurreio de Cristo, e j no morreria nunca

    mais.

    ===================

    TERCEIRO SERO: OS APSTOLOS NO CENCULO

    (Lucas 24,36-49 e Joo 20,19-23)

  • 19

    Do medo esperana

    MODERADOR.- Na ltima reunio, deixvamos os discpulos de Emas j reunidos com

    os Apstolos e as santas mulheres no Cenculo, e comentando-lhes o encontro com Cristo

    que acabavam de ter. Os Apstolos (todos, menos Judas, j morto, e Tom, que andava

    ausente), e mais alguns discpulos mulheres e homens -, acolheram-nos agitados, alegres

    e, paradoxalmente, ainda perplexos. J eram vrios os que falavam de que Cristo vivia

    Ressuscitou, diziam, e apareceu a Simo! -; j se lhes ia acendendo no corao, como uma

    chama vacilante, a esperana, mas o sentimento dominante da maioria ainda era o medo. E

    sobre este medo que vamos meditar no nosso terceiro sero.Pode dar-nos luzes boas, a

    ns que tambm conhecemos esta chama vacilante que oscila entre o medo e a esperana.

    Poderamos relembrar o que diz o Evangelho?

    LEITOR PENSATIVO.- So Joo, falando desse fim de tarde do Domingo da Pscoa,

    comea por dizer que, ao anoitecer do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os

    discpulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Esta

    a primeira coisa que diz, para nos situar no ambiente: estavam trancados no Cenculo,

    naquele quarto de cima onde Jesus institura a Eucaristia, porque tinham medo: temiam, e

    com razo, que os mesmos que tinham acabado com Jesus quisessem acabar com eles, seus

    discpulos.

    LEITOR COMPASSIVO.- Quem no teria medo de sofrer, de ser preso, torturado e morto?

    LEITOR PENSATIVO.- natural. Ns sentiramos a mesma coisa. Mas penso que, por

    mais que compreendamos e desculpemos os discpulos, no devemos esquecer que esse

    medo surgiu e cresceu sobre um vcuo de esperana que no deveria ter existido, e que

    desagradou a Deus. Se no fosse assim, Jesus teria sido injusto ao recriminar, primeiro aos

    de Emas e depois a todos eles, o fato de terem sido obtusos e lentos em crer no que Ele

    prprio lhes dissera pelo menos trs vezes, bem claramente: que era necessrio que o Filho

    do Homem padecesse muitas coisas... Era necessrio que fosse levado morte e que

    ressuscitasse ao terceiro dia. E a mesma coisa haviam anunciado os antigos Profetas.

  • pasc 20

    Quero dizer com isto que, nas razes desse medo, havia uma certa culpa, uma certa falta

    contra a esperana. (Esclareo que digo isto s para que, depois, possamos tirar mais

    proveito ao meditar a cena; no para censurar os Apstolos. Ns teramos falhado cem

    vezes pior!).

    MODERADOR.- Continuemos ento com a cena evanglica, pois h bastante coisa para

    meditar...

    LEITOR PENSATIVO.- So Lucas diz que, enquanto os de Emas ainda falavam com as

    portas bem trancadas -, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: A paz esteja

    convosco!. Perturbados e atemorizados [vejam que o medo continua], pensaram estar

    vendo um esprito [to longe estavam de ter certeza da Ressurreio]. Mas Ele disse-lhes:

    Por que estais perturbados e por que surgem tais dvidas nos vossos coraes?...

    LEITOR COMPASSIVO.- Os pobres Apstolos ficaram atordoados pela surpresa de ver

    Jesus no meio deles... Era algo to fantstico, que lhes parecia impossvel, e tremiam de

    medo de que no fosse verdade, e de que os seus sonhos tornassem a cair pelo cho,

    despedaados, como lhes acontecera nas horas trgicas da Paixo...

    MODERADOR.- Por isso, Jesus, cheio de carinho e de compaixo por aquelas crianas-

    grandes, meio perdidas, deu-lhes provas arrasadoras de qualquer dvida, para que vissem

    que tudo era verdade e explodissem de felicidade (e ns, cheios de f, tambm) ... Por que

    surgem disse-lhes - tais dvidas nos vossos coraes? Vede as minhas mos e os meus

    ps: sou Eu mesmo. Apalpai e vede, que um esprito no tem carne nem ossos, como

    verificais que Eu tenho. Dizendo isto, mostrou-lhes as mos e os ps.

    LEITOR FELIZ.- E eles, vendo-o, tiveram uma reao to humana! Foi como a da me,

    que recupera o filho que julgava perdido, e, de to feliz, nem consegue acreditar que aquilo

    seja verdade; custa-lhe crer que possa haver neste mundo uma alegria to grande! Diz o

    Evangelho: E, como, na sua alegria, no queriam acreditar, de to assombrados que

    estavam, Ele perguntou-lhes: Tendes a alguma coisa que se coma? Ento, ofereceram-

  • 21

    lhe um pedao de peixe assado; e, tomando-o, comeu diante deles. No acham fantstica

    esta cena? Cristo glorioso comendo um pedao de peixe assado! (Deveria escrever-se um

    poema dedicado a este peixe). No h aqui uma ponta daquele humor maravilhoso de que

    falvamos nos dias anteriores? At parece que vemos Jesus sorrir, com malcia divina,

    enquanto apanha o peixe, e o morde dos dois lados, e deixa a espinha no prato. Como Jesus

    humano! E como divino, na grandeza do seu Amor!

    MODERADOR.- E como bom este momento para aprofundarmos ainda mais no tema de

    hoje: o medo e a esperana. Vocs sabem, com certeza, que Jesus falou vrias vezes aos

    Apstolos sobre o medo. Vamos lembrar-nos de algumas dessas passagens...

    LEITOR PENSATIVO.- Penso que a mais interessante aquela em que Jesus deu aos

    Apstolos uma lio clarssima, para que aprendessem a temer direito, a temer bem, coisa

    que no nada fcil. Porque se pode ter um medo bom ou um medo mau, um medo certo ou

    um medo errado. Essa lio, deu-a Jesus certa vez em que estava falando da Providncia de

    Deus nosso Pai. Explicou-lhes, ento, com carinho: Digo-vos a vs, meus amigos: no

    tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois disso nada mais podem fazer. Eu vos

    mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem o poder de lanar

    no inferno; sim, eu vo-lo digo: temei a este.

    LEITOR COMPASSIVO.- E, a seguir, os tranqilizou, dando-lhes a certeza de que podiam

    esperar tudo da bondade de Deus, de tal modo que a esperana vencesse sempre o temor:

    No se vendem cinco pardais por dois vintns? E, entretanto, nem um s deles passa

    despercebido diante de Deus. At os cabelos da vossa cabea esto todos contados. No

    temais, pois. Vs valeis mais do que muitos pssaros.

    LEITOR PENSATIVO.- importante no perder de vista os "dois medos" de que fala

    Jesus. H uma coisa comum a todos os medos e consiste no receio de perder algo que

    amamos. So Toms de Aquino, com muita acuidade, diz que todo o temor nasce do

    amor. E Santo Agostinho, mais potico, diz que o medo o amor em fuga (o amor que

    quer fugir daquilo que lhe pode roubar o seu bem, ou seja, aquilo que ama). Assim, quem

  • pasc 22

    ama o dinheiro e acha que o maior bem da sua vida, tem pavor de perder o dinheiro.

    Quem ama muito a esposa ou o marido e os filhos seu maior bem na terra -, treme de

    medo de perd-los. E quem ama a Deus sobre todas as coisas teme mais do que tudo perd-

    lo eternamente ( o chamado santo temor de Deus).

    LEITOR FELIZ.- Quer dizer que os nossos medos so como que a sombra dos nossos

    amores. Se eu descubro o que que mais temo perder, perceberei o que mais amo na vida.

    Isto faz-me lembrar aquele encantador brao-de-ferro entre So Lus, rei da Frana, e o

    chefe do seu exrcito, Joinville, senescal da Champagne, contado por este ltimo na sua

    biografia sobre o santo rei. So Luis disse certa vez a Joinville que preferia cem vezes mais

    ficar leproso a cometer um s pecado mortal. Joinville, muito franco e desbocado, retrucou

    dizendo que preferia cometer cem pecados mortais a ficar leproso. E So Luis ficou to

    aflito que no dormiu e, no dia seguinte, chamou Joinville e, muito mansamente, lhe fez ver

    que a lepra acaba quando morre o corpo, mas que o pecado mortal pode acompanhar a alma

    no inferno por toda a eternidade.

    MODERADOR.- E neste sentido que Jesus nos diz que no temamos o que nos pode

    fazer perder os bens efmeros, e, pelo contrrio, temamos o que nos pode fazer perder os

    bens eternos.

    LEITOR PENSATIVO.- Normalmente, ns fazemos o contrrio. Horroriza-nos perder a

    sade corporal, mas no nos horroriza perder a sade espiritual (o pecado mortal, que

    preocupava So Lus da Frana). Os pais, com freqncia, fazem como Joinville; pensam

    que, para o filho, mil vezes pior o risco de no entrar na faculdade do que o risco de no

    entrar no Cu. Por isso, acham importantssimo que estudem horas e horas, mas no ligam

    se os filhos no dedicam a Deus sequer a hora semanal da Missa, e no se confessam nem

    uma vez por ano.

    MODERADOR.- E, no entanto, os bens efmeros sempre nos deixam o corao

    angustiado, porque, mesmo quando parecem mais seguros, inquieta-nos o medo de perd-

    los. Porque todos eles so bens que mudam ou podem mudar (por exemplo, a fortuna ou a

  • 23

    amizade), que morrem ou podem morrer (amigos, parentes, ns mesmos), que enganam ou

    podem enganar (qualquer ser humano, pecador como ns, pode iludir-nos), que frustram ou

    podem frustrar (como muito sonhos conquistados que depois nos decepcionam)... loucura

    pr neles todas as esperanas da vida!

    LEITOR FELIZ.- A doena, o desemprego, a falncia, a perseguio, a morte..., todas as

    contrariedades e desgraas podem roubar-nos esses bens. Mas ningum a no ser ns

    mesmos - pode roubar-nos os bens eternos, se procuramos viver no amor de Deus. Quem

    nos separar do amor de Cristo? dizia So Paulo, num santo desafio. - A tribulao? A

    perseguio? A fome? A nudez? O perigo? A espada? [...] Mas, em todas essas coisas

    somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou. E conclui dizendo que no

    existe poder nem fora nos cus, na terra e nos abismos que nos possa separar do amor de

    Deus em Cristo Jesus Senhor nosso. S o nosso pecado! um grande cntico esperana!

    Foi o que entoaram os mrtires, espoliadas e desenganados de tudo na terra, mas que

    caminhavam para a morte cantando, com a esperana de receberem o abrao eterno de

    Deus.

    MODERADOR.- maravilhoso. Mas vamos pensar um pouco mais, e veremos que tudo

    mais fantstico ainda do que consideramos at agora. Vejamos: quais so os bens eternos?

    LEITOR PENSATIVO.- A rigor, a Vida eterna, o Cu, que a viso e a posse amorosa de

    Deus supremo Bem e soma de todos os bens - para sempre. So tambm as coisas que nos

    santificam e nos encaminham para o Cu, como as virtudes, a orao, as Confisses e

    Comunhes bem feitas, os sacrifcios e penitncias oferecidos a Deus com devoo e

    amor.... Mas...

    MODERADOR.- Gostei desse mas, porque h mesmo um mas... Continue, por favor.

    LEITOR PENSATIVO.- Mas, se ficssemos s nisso, no entenderamos bem o que Cristo

    nos ensinou. Acho muito esclarecedoras as seguintes palavras de Jesus: No ajunteis para

    vs tesouros na terra, onde a ferrugem e a traa corroem, onde os ladres furam e roubam.

  • pasc 24

    Ajuntai para vs tesouros no Cu, onde nem a traa nem a ferrugem os consomem, e os

    ladres no furam nem roubam. Cristo fala-nos de ir juntando, ao longo da vida, muitos

    tesouros no cu, que jamais nos sero roubados, que no sero efmeros, mas eternos. E,

    quais so esses tesouros? Todos os nossos pensamentos, palavras, aes, iniciativas,

    empreendimentos, trabalhos, divertimentos, conversas, alegrias, etc, etc, que praticados

    em estado de graa estiverem de acordo com a vontade de Deus, e forem marcados pela

    retido e, sobretudo, pelo amor a Deus e ao prximo. Lembram-se do copo dgua?

    LEITOR FELIZ.- Sim, aquilo que Jesus dizia: Todo aquele que der ainda que seja

    somente um copo de gua fresca a um destes pequeninos, por ser meu discpulo, em

    verdade vos digo, no perder a sua recompensa. Quer dizer que tudo o que for bom e

    reto, tudo o que no for egosta, por pequeno que seja, se vivido com amor (a Deus e aos

    nossos irmos) passa a ser um bem eterno, que a morte no poder levar. Jesus frisa

    especialmente as boas obras, as obras de misericrdia feitas em favor dos necessitados: Tive

    fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber [...] Todas as vezes que o fizestes

    a um destes meus irmos mais pequeninos, a mim o fizestes. bonito viver assim, agindo

    retamente, com corao grande, e tornando eterno pelo amor tudo o que fazemos!

    LEITOR PENSATIVO.- mesmo. Pensemos bem: se vivssemos assim, que medo

    poderamos ter? Eu acho inevitvel termos o medo psicolgico instintivo (pura reao

    emocional), que nos acomete diante de um perigo, um assalto, uma doena grave, uma

    incerteza... Mas o cristo pode superar tudo isso graas virtude da esperana, coisa que o

    pago no pode fazer. Pode superar, porque a esperana crist (virtude teologal) nos

    garante, com absoluta certeza, duas coisas. Primeira, que Deus to bom que faz concorrer

    tudo para o bem daqueles que o amam, absolutamente tudo. Segunda: que, se lhe formos

    fiis, o sorriso de Cristo estar aguardando-nos, por assim dizer, junto porta escancarada

    da casa do Pai, para nos oferecer uma felicidade indestrutvel, eterna, no Amor sem fundo e

    sem fim. Eu vou preparar-vos um lugar... Quero que onde estou, estejais vs comigo...

    Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos est preparado desde a criao

    do mundo.

  • 25

    LEITOR FELIZ.- Acontea o que acontecer, pois, se tivermos f, esperana e amor (ou

    seja, se formos cristos), perceberemos que Jesus est sempre ao nosso lado e sempre nos

    diz: A paz esteja convosco; sou Eu, no tenhais medo.

    MODERADOR.- Creio que pouco mais podemos acrescentar. Agradeamos a Cristo que

    nos conquistou, com a sua Ressurreio, a vitria sobre o medo, que substituiu o medo pela

    esperana, essa belssima virtude, que o perfume e o incentivo da alma dos que ainda

    caminhamos na terra rumo Casa do Pai.

    ================

    QUARTO SERO: TOM

    (Joo, 20, 24-29)

    Do pessimismo esperana

    MODERADOR.- Neste quarto sero, vamos focalizar uma figura que costuma ser

    apresentada como smbolo do ceticismo: a figura do Apstolo Tom. J h at uma frase

    feita: Ver para crer, como Tom. E, no entanto, eu acho Tom um dos personagens mais

    comoventes do Evangelho. Parece-me que, na opinio comum que pouco conhece dele ,

    Tom um injustiado. Por isso, vale a pena, primeiro, ver como era mesmo Tom. Que

    nos diz dele o Evangelho?

    LEITOR PENSATIVO.- Para comear, sabemos uma coisa certa, e que ele foi um dos

    idealistas que, deixando todas as coisas, seguiram Jesus. Portanto, confiava em Jesus,

    acreditava nele seno, no teria largado tudo e apostado nele - ; alm disso, tinha-lhe

    amor (ningum se entrega nas mos de uma pessoa que lhe indiferente), e era generoso.

    LEITOR COMPASSIVO.- O que no pouca coisa. Lgico que era humano, e tinha

    fraquezas como todos os Astolos, como todos ns. Mas, antes da Paixo de Jesus, o

    Evangelho mais nos mostra nele fortaleza que fraqueza. Refiro-me queles momentos

    crticos pouco antes da Paixo - , em que Jesus j era perseguido de morte em Jerusalm e

  • pasc 26

    teve de retirar-se para alm do Jordo, juntamente com os Apstolos, porque ainda no

    tinha chegado a sua hora. O que l aconteceu tocante...

    LEITOR PENSATIVO.- Certamente. Foi l, na outra banda do rio Jordo, que Jesus

    recebeu o recado de Marta e Maria, pedindo-lhe que fosse de novo a Jerusalm (a Betnia,

    pertssimo de Jerusalm), porque seu irmo Lzaro estava muito doente: Senhor, aquele

    que amas est enfermo. Jesus, no entanto, deixou-se ficar ali ainda dois dias. Mas, de

    repente, disse: Voltemos para a Judia. Isso assustou os discpulos: Mestre disseram - ,

    h pouco os judeus te queriam apedrejar, e voltas para l? Jesus no ligou, e disse-lhes

    abertamente que Lzaro j tinha morrido, mas acrescentou vamos a ele. Todos ficaram

    gelados, pensando que aquilo era pr-se na boca do lobo...

    LEITOR FELIZ. - Todos menos um! Tom! S ele, cheio de coragem, foi capaz de dizer

    aos seus condiscpulos: Vamos tambm ns, e morramos com ele!

    LEITOR COMPASSIVO.- Que bonito! Est disposto a morrer com Jesus, por Jesus. Como

    vemos, no h nada de covardia, nem dvidas, nem vacilaes.

    .MODERADOR.- E ainda h um outro trao do carter de Tom que o Evangelho pe em

    relevo...Tom era um homem que gostava da objetividade, porque era sincero. No era

    daqueles que so objetivos s para pr dificuldades, tirar o corpo e dizer que no d. Ele

    gostava da objetividade para entender melhor as coisas e, assim, poder agir melhor e

    resolver melhor os assuntos. Isso no diminua um pingo a f que tinha em Jesus. Tom

    unia a f ao realismo, um binmio excelente em si mesmo, mas que pode desequilibrar-se,

    e ento se torna perigoso (como hoje veremos). o que fica bem claro na ltima Ceia, no

    verdade?

    LEITOR PENSATIVO.- Fica mesmo. Como no nos lembrarmos daquele momento da

    ltima Ceia, que nos conta so Joo, em que Jesus estava a despedir-se, e consolava com

    infinita ternura os discpulos dizendo-lhes: No se perturbe o vosso corao. Na casa de

    meu Pai h muitas moradas ...; vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um

  • 27

    lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo... E vs conheceis o caminho para onde eu vou. A

    interveio Tom, com uma franqueza um pouco brusca, mas cheia de confiana em Jesus:

    Disse-lhe Tom: Senhor, no sabemos para onde vais. Como podemos saber o caminho?

    Jesus no levou a mal essa pergunta nem a achou indelicada. Ao contrrio, tomou p dela

    para dizer umas palavras que ficaro para sempre gravadas no corao do cristo: Jesus

    respondeu-lhe: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ningum vai ao Pai seno por

    mim.

    MODERADOR.- Muito bem. Agora j temos uma breve radiografia espiritual de Tom.

    Vamos tentar meditar o que aconteceu com ele quando Jesus ressuscitou.

    LEITOR PENSATIVO.- Em primeiro lugar, na tarde do domingo de Pscoa, em que Jesus

    apareceu aos Apstolos no Cenculo, Tom diz o Evangelho no estava com eles. Ou

    seja, no viu Jesus. Provavelmente, chegou bem mais tarde, naquela noite, ou ento s

    voltou casa no dia seguinte. Podemos imaginar que chegou ao Cenculo triste, com

    olheiras de pouco dormir e o ricto amargo na boca de muito sofrer. Pois bem, mal acabava

    de subir a escada at o segundo andar, quando os outros que l estavam se lhe atiraram em

    cima, agitadssimos, dizendo: Vimos o Senhor!

    LEITOR COMPASSIVO.- Pobre Tom! Aquela enxurrada de entusiasmo, totalmente

    inesperada, caiu-lhe como um golpe de malho na cabea. Deixou-o atordoado. Eu o

    imagino de olhos arregalados, assustado com a estranha euforia dos outros, balbuciando:

    Esto loucos! Vocs perderam o juzo? E o bom Tom, o sofrido Tom, o franco Tom,

    de repente embirrou. A sua tendncia para o realismo e a objetividade espanou, extrapolou

    em casmurrice e desequilibrou-se: Mas ele replicou-lhes: Se no vir nas suas mos o sinal

    dos pregos, e no puser o meu dedo no lugar dos pregos, e no introduzir a minha mo no

    seu lado, no acreditarei! Pronto, coitado, emburrou, e no havia modo de faz-lo sair

    dessa.

    LEITOR FELIZ.- Eu acho que era to grande o seu carinho por Jesus, que no agentava

    pensar sequer na possibilidade de que houvesse um engano. No tinha coragem para deixar

  • pasc 28

    que a sua esperana subisse a mil por hora como um foguete, na crena de que Jesus vivia,

    para depois cair vertiginosamente e espatifar-se no cho, na decepo. E se tudo no

    passasse de histeria dos amigos? A alegria d medo! Temos tanto receio de embarcar numa

    alegria que depois nos possa decepcionar! Por isso, quando desejamos muito, muito

    mesmo, uma coisa que nos promete enorme alegria, temos a tendncia instintiva de

    comear a pensar nas coisas negras que podero acontecer: vai surgir um imprevisto, vai

    falhar na ltima hora, no vai dar certo, vai gorar...

    MODERADOR.- Concordo em que era explicvel, muito compreensvel a atitude fechada

    de Tom. Mas, como veremos logo, Jesus teve de corrigi-lo, o que significa que nele houve

    uma falha, um erro, do qual ns temos de aprender.

    LEITOR PENSATIVO.- Sim, parece-me claro que houve uma falha de f e de esperana.

    Tom quis ser to realista para se garantir - , que s ficou vendo o que tinha debaixo dos

    ps e na ponta do nariz. Isto o que acontece com todos os que se chamam a si mesmos

    realistas, gente de p no cho, experientes e conhecedores da vida..., e se

    esquecem de que a coisa mais realista que h no mundo a presena viva de Deus, o seu

    poder e a sua ao amorosa... e muitas vezes inesperada e desconcertante.

    LEITOR FELIZ.- interessante observar que todos os pessimistas se chamam a si mesmos

    realistas e desprezam os sonhadores (assim chamam aos que vivem da f), como se

    fossem ingnuos ou bobos. Felizmente, ns cremos no Deus da esperana, e por isso

    somos necessariamente otimistas.

    MODERADOR.- Jesus quer que vivamos uma vida realista, mas contando com o fator

    mais real de todos, que Ele e a fora assombrosa do seu amor e da sua fidelidade s suas

    promessas. Assim o expressa, de maneira maravilhosa, a Carta aos Hebreus: A f o

    fundamento das coisas que se esperam, uma certeza a respeito do que no se v. Foi ela

    que fez a glria dos nossos antepassados. A falta desta f no amor e nas promessas de Deus

    traz consigo a falta da esperana que a f deveria gerar. Este foi o motivo da bronca

    afetuosa que Jesus deu em Tom. E deu-a com razo, pois Tom no soube pr toda a sua

  • 29

    f nas promessas anteriores de Cristo - voltarei a vs...., ao terceiro dia o Filho do homem

    ressuscitar...; e no deu crdito ao testemunho dos outros Apstolos que, por ser

    unnime, merecia confiana. Vejamos, ento, a divina "bronca"...

    LEITOR PENSATIVO.- Oito dias depois (da apario aos Apstolos no Cenculo),

    estavam os seus discpulos outra vez no mesmo lugar e Tom com eles. Estando trancadas

    as portas, veio Jesus, ps-se no meio deles e disse: A paz esteja convosco...

    LEITOR COMPASSIVO.- Eu imagino a cara de espanto do nosso Tom... E o seu corao

    quase quebrando as costelas, de tanto pular, quando Jesus se dirigiu pessoalmente a ele.

    LEITOR PENSATIVO.- Assim o conta o Evangelho: Depois, Jesus disse a Tom:

    Introduz aqui o teu dedo, e v as minhas mos. Pe a tua mo no meu lado, e no sejas

    incrdulo, mas homem de f! E, apanhando a mo de Tom, fez como estava dizendo.

    LEITOR FELIZ.- A reao de Tom, caindo em lgrimas aos ps de Jesus, foi esplndida:

    Respondeu-lhe Tom: Meu Senhor e meu Deus! Ele, que tinha duvidado, acabou fazendo

    o maior ato de f at ento pronunciado por qualquer dos Apstolos: um ato de f

    absolutamente explcita, luminosa, na divindade de Cristo: Meu Deus! E Jesus encerrou a

    questo, pensando em ns, em vocs, em mim, em todos: Creste porque me viste. Felizes

    aqueles que crem sem terem visto!

    MODERADOR.- Sim, mesmo uma lio que Cristo dirige a todos ns, especialmente

    neste tempo da Pscoa. como se nos perguntasse: Voc cr mesmo em mim? Voc,

    por crer em mim, sabe esperar nas coisas que no se vem, que s se prevem com a f,

    sabe esperar nas coisas que Deus quer, mas que os realistas chamam "impossveis?" Vale

    a pena lembrar o que escreve So Paulo: Porque pela esperana que fomos salvos. Ora,

    ver o objeto da esperana j no esperana; porque o que algum v, como que ainda o

    espera?

  • pasc 30

    LEITOR FELIZ.- bonito! Deus desafia-nos por assim dizer - a viver de esperana, a

    saber esperar do seu amor coisas grandes que no vemos, coisas que nos parecem

    impossveis, mas que Ele nos quer dar. Mesmo diante das maiores dificuldades, todos

    podemos dizer com So Joo: Ns conhecemos o amor de Deus, e acreditamos nele.

    MODERADOR.- O realismo cristo est feito de f, de audcia e de magnanimidade. Eu

    daria esta definio: o nosso realismo a esperana. A est o segredo do otimismo do

    cristo.

    LEITOR FELIZ.- Sim, senhor! Temos que apontar alto! Apontar para coisas grandes

    boas, como lgico (no para grandes ambies ruins, egostas ou vaidosas), e confiar

    plenamente em Deus. A mulher de f, o homem de f, confia sobretudo em dois pilares

    fortssimos sobre os quais se apia a esperana: a obedincia a Deus (fazer o que sabemos

    que Deus nos pede), e a orao (pedir com a f com que um filho pede a um pai de cujo

    amor no duvida). Apoiada na obedincia e na orao, a nossa esperana est segurssima.

    MODERADOR.- H alguns exemplos, no Evangelho, que ilustram isto muito bem. Meu

    caro Leitor pensativo, faa funcionar a memria e lembre-nos um par deles.

    LEITOR PENSATIVO.- Vou tentar, com todo o prazer. Creio que poderamos evocar, por

    exemplo, a primeira pesca milagrosa. Pedro, juntamente com Andr, Tiago e Joo, tinham

    passado uma noite inteira no mar da Galilia tentando pescar, e no tinham conseguido

    apanhar nada. De manh, Jesus chega-se a eles, entra na barca, fala longamente do Reino

    de Deus ao povo que o escuta na praia, e depois, sem mais nem menos, manda a Pedro:

    Entra mar adentro, e lanai as vossas redes para pescar. Pedro fica perplexo, pois

    pescador e sabe que no d. "realista", e por isso diz: Mestre, trabalhamos a noite

    inteira, no melhor horrio para a pesca, e nada apanhamos. Mas, ao mesmo tempo, tem f

    em Jesus, e por isso acrescenta: Mas por causa da tua palavra, lanarei a rede. Pe f na

    palavra de Jesus, obedece...e, que aconteceu? Aconteceu o realismo da esperana, que

    ultrapassa as nossas expectativas: Apanharam peixes em tanta quantidade, que a rede se

    lhes rompia.

  • 31

    LEITOR COMPASSIVO.- Na hora, Pedro caiu aos ps de Jesus, abraou-lhe os joelhos e

    disse-lhe: Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!. Com toda a

    humildade, reconheceu que fora Deus quem fizera o prodgio, e que ele s colaborara

    crendo e obedecendo. Ns diz uma escritora esperamos no por sermos bons, mas

    porque Deus bom. A razo da esperana, como j ensina o pequeno Catecismo (esse que

    todos deveramos saber de cor), o poder de Deus unido sua misericrdia.

    LEITOR PENSATIVO.- Lembro-me agora de outra passagem do Evangelho, em que se v

    essa misericrdia de Deus todo-poderoso, agindo ao lado da pequenez humana. a cena da

    primeira multiplicao dos pes e dos peixes. Eu tenho um fraco por aquele menino que

    colaborou com o milagre. Mais de cinco mil pessoas estavam certa vez em um lugar

    afastado, ouvindo Jesus. Passou o tempo e sentiram fome. Percebendo isso, o Senhor disse

    aos Apstolos que lhes dessem de comer. Mas como poderiam faze-lo? No havia nem po

    nem dinheiro para compr-lo. De repente, Andr apareceu trazendo pela mo um garoto,

    que estava, ao mesmo tempo, feliz e meio encabulado: Eu posso dar assim deve ter

    falado o menino a Andr cinco pes de cevada e dois peixes. Ao v-lo, Jesus sorriu,

    pegou os pes e os peixinhos, e deu a entender a todos que tudo estava resolvido. Mandou

    sentar na relva todo o mundo, pediu aos Apstolos que repartissem os cinco pes e os dois

    peixes e ... comeram todos vontade e ainda sobraram doze cestos! Um milagre apoiado

    num impossvel, numa oferenda pequena, mas cheia de amor, de generosidade...

    LEITOR FELIZ.- fantstico! Que mensagem bonita! Cristo com esse milagre diz-nos:

    No desanime se acha que no tem meios para resolver os problemas, para ajudar um filho

    ou um amigo, se acha que no tem capacidade para aliviar as necessidades de tantas

    pessoas que carecem de tudo e sofrem; ou para fazer apostolado; ou que no tem foras

    para sair dos seus piores defeitos. Tenha confiana em mim, e faa da sua parte o que

    puder, ainda que seja pouquinho....; mas que seja tudo o que pode mesmo, como o menino

    que deu tudo o que tinha. O resto acrescenta Jesus comigo.

  • pasc 32

    MODERADOR.- E esta parece-me que pode ser muito bem a concluso da nossa

    meditao de hoje. No nos esqueamos nunca de que o nosso maior e melhor realismo

    ter f e confiana em Deus. As pessoas que agem como se Deus no existisse, ou no

    visse, ou no amasse caem na e mais trgica falsificao da realidade. As pessoas que

    ainda no perceberam que a orao infinitamente mais forte que a energia atmica ou que

    o poder quase ilimitado do dinheiro, esto fora da realidade. As pessoas que no percebem

    que a maior garantia de que recebero os dons de Deus obedecer a Deus obedecendo ao

    seu Evangelho e sua santa Igreja esto fora da objetividade. No nos deixemos dominar

    nunca ainda que a nossa vida atravesse momentos muito difceis por uma viso

    acanhada e mope. Peamos a Tom que nos ajude a ser os realistas da esperana, que

    com certeza ele nos acudir. Tem experincia...

    ===== ============

    QUINTO SERO: LTIMA PESCA

    (Joo 21, 1-14)

    Da rotina esperana

    MODERADOR.- Hoje vai mudar a paisagem. J no estamos mais em Jerusalm, com os

    Apstolos, l no Cenculo. Eles viajaram, conforme Jesus lhes pedira, e voltaram todos

    para o Norte, para a Galilia, a terra deles, onde Jesus os chamara para segui-lo e onde

    haviam andado juntos quase trs anos. Sabemos porque o conta So Lucas no incio dos

    Atos dos Apstolos - que, l na Galilia, Jesus ressuscitado se encontrou com eles um bom

    nmero vezes, durante mais de um ms...

    LEITOR PENSATIVO.- Mas no lhes aparecia todos os dias, no verdade?

    MODERADOR.- verdade. Isso explica que os Apstolos, devendo permanecer um

    perodo longo na terra deles, no ficassem ociosos e procurassem ocupar os dias com o seu

    trabalho habitual. E assim que vamos encontrar hoje um grupo deles, de retorno s suas

    tarefas de pescadores. A cena que meditaremos agora a ltima do Evangelho de So Joo,

  • 33

    que, por sinal, to rica de contedo e to cheia de sugestes, que nos vai dar matria para

    trs seres completos, e poderia dar para um livro inteiro. Vamos ver, como que comea

    esta cena?

    LEITOR PENSATIVO.- Comea apresentando Pedro, Tom, Natanael (chamado tambm

    Bartolomeu), mais os dois irmos inseparveis, Tiago e Joo, e outros dois discpulos de

    quem no se d o nome, todos juntos perto do mar de Tiberades (ou lago de Genesar, ou

    da Galilia, pois o Evangelho lhe d os trs nomes) . Todos eles eram pescadores. Todos,

    naquele perodo, voltaram quela tarefa que lhes ocupara tantos anos, tantos dias e, mais

    ainda, tantas noites - , um trabalho cansativo, muitas vezes ingrato e sempre rotineiro. Vou

    pescar, disse-lhes Pedro. Ns tambm vamos contigo, responderam os outros .Partiram, e

    entraram na barca, mas naquela noite no apanharam nada.

    MODERADOR.- Isso j lhes tinha acontecido outras vezes, como quando bem no incio

    das suas andanas com Jesus, como lembrvamos ontem nosso Senhor ficou pregando ao

    povo de dentro da barca de Pedro (como, alis, o continua a fazer hoje o sucessor de Pedro,

    o Papa, dentro dessa barca que a Igreja), e fez o milagre de uma pesca prodigiosa.

    LEITOR COMPASSIVO.- Bem. O caso que, aps uma noite de esforos inteis lanar

    a rede, recolhe-la vazia! -, estavam voltando para a praia em silncio, com o corao to

    cinzento como a cor das nuvens do ante-amanhecer.

    LEITOR FELIZ.- Essa a cor de muitos coraes, quando sentem o peso da rotina dos

    dias: sempre o mesmo trabalho, sempre os mesmos lugares, sempre as mesmas caras,

    sempre o mesmo trnsito, sempre as mesmas reclamaes da mulher, sempre os mesmos

    mutismos e alheamentos do marido, e os mesmos problemas dos filhos, e a mesma dor de

    coluna, e a mesma falta de dinheiro... E isso, um dia e outro dia, e um ms e outro ms, e

    um ano e outro ano... As pessoas sentem-se envolvidas por essa rotina como por um gs

    asfixiante, e pode chegar um momento muito perigoso, que quando pensam: No

    agento mais, isto no vida.

  • pasc 34

    LEITOR COMPASSIVO.- Muitos acham, ento, que a soluo consiste em mudar

    (mudar de cidade, mudar de mulher ou de marido, mudar de trabalho, mudar de religio,

    mudar os hbitos certos e passar a ter vida desregrada). Ou ento desligam de tudo e de

    todos, e passam a viver num mundo de sonhos, de fantasias, de saudades..., que, por serem

    evases, facilmente desembocam na pior fuga, na alienao completa do lcool e das

    drogas. uma pena terrvel!

    LEITOR PENSATIVO.- Santo Agostinho, o corao inquieto que no se conformava com

    as coisas confusas e medocres, dizia: Eu temia tanto como morte ficar preso pelo hbito

    rotineiro. Mas no resolveu o problema fugindo, e sim arrependendo-se dos seus pecados

    e procurando Deus com toda a sinceridade.

    LEITOR FELIZ.- Todos deveramos ter pavor da rotina asfixiante e da fuga... Mas o

    problema da rotina contrariamente ao que a maioria pensa no est na repetio

    montona das circunstncias externas, mas na falta de renovao do nosso corao, do

    nosso modo de ver e amar as coisas e as pessoas. O mal est exclusivamente dentro de ns,

    gostemos ou no de reconhecer isso...

    LEITOR COMPASSIVO.- Acho que vem a propsito aquela histria que conta Chesterton

    acerca do ingls que se sentia farto de morar sempre na mesma ilha, e por isso foi procura

    de outra terra, a terra dos seus sonhos. Viajou muito. Todos os pases aonde aportava no o

    satisfaziam. J se estava cansando de tanto viajar, quando avistou uma terra que o atraiu

    extraordinariamente. Aproximou-se dela, desembarcou, comeou a internar-se no territrio

    e logo chegou, cheio de entusiasmo, concluso: Esta a terra dos meus sonhos, a que

    sempre andei procurando! Ao perguntar a um dos habitantes onde estava, este respondeu-

    lhe: Na Inglaterra.

    MODERADOR.- Algo de parecido acontece conosco, no certo? No precisamos ir atrs

    de outras ilhas. Basta ficarmos na nossa na nossa vida real - , mas vendo-a e vivendo-a

    com frescor de novidade. Isto o que Jesus nos vai ensinar hoje. Voltemos, ento, nossa

    cena.

  • 35

    LEITOR PENSATIVO.- O Evangelho, aps falar da pesca falha, continua a contar: Ao

    romper o dia, Jesus apresentou-se na margem, mas os discpulos no o reconheceram.

    Jesus disse-lhes ento: Rapazes, tendes alguma coisa que comer. Eu vou parar aqui

    para um comentrio. Vocs no vem? Mais uma vez, Jesus ressuscitado apresenta-se

    humano, afetuoso, familiar, no com uma majestade gloriosa e distante. Fala familiarmente:

    Rapazes! Pergunta se tm algo que se possa comer. J comentamos antes que assim nos

    quer mostrar, depois da ressurreio, que deseja viver junto de ns como um amigo muito

    prximo, compreensivo, humano, inseparvel...

    LEITOR FELIZ.- E o mais divertido permitam-me usar esta expresso que os

    discpulos, mopes como uma toupeira, no perceberam que era Jesus, e continuaram

    soturnos e tristonhos. Eu imagino o tom de aborrecimento com que devem ter respondido,

    incomodados, a Jesus: -No! No temos nada para comer. E acho que nosso Senhor rei

    e senhor de toda a alegria -, mais uma vez se divertiu divinamente, quando lhes disse:

    Lanai a rede ao lado direito da barca e encontrareis. E aconteceu o que j podemos

    imaginar. Uma nova pesca milagrosa.

    LEITOR PENSATIVO.- Exatamente. Aconteceu que lanaram a rede e, devido grande

    quantidade de peixes, j no tinham foras para a arrastar.

    LEITOR COMPASSIVO.- Jesus no faz as coisas pela metade...

    LEITOR PENSATIVO.- No faz mesmo. E agora vem o melhor. Ao ver aquele milagre,

    Joo disse a Pedro: o Senhor! Joo, o discpulo amado, foi o primeiro a ter

    sensibilidade para perceber que aquele desconhecido era Jesus, e avisou o patro da

    barca, Pedro. E o bom Pedro, o Pedro emotivo e impulsivo que todos conhecemos, deu

    uma de Pedro: Simo Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou o cinto da tnica, porque

    estava sem mais roupa, e lanou-se gua. No pde esperar que a barca chegasse terra.

    Lanou-se de cabea gua, ansioso por chegar a Jesus quanto antes! Pouco depois

    chegaram os outros na barca, arrastando a rede cheia.

  • pasc 36

    MODERADOR.- E o que encontraram? Vamos prestar bem ateno. Vocs acham que

    encontraram um Jesus hiertico, sentado numa ctedra de marfim, dizendo-lhes: Vamos

    deixar-nos de coisas banais, materiais, agora que me reconheceram, e vamos falar do que

    importa: de coisas celestiais, de coisas elevadas, s das coisas espirituais, as nicas que

    contam? Vocs acham que foi assim? claro que no! Todos sabemos que foi bem

    diferente. Vejamos o que diz o Evangelho.

    LEITOR PENSATIVO.- Diz assim: Ao saltarem em terra, viram umas brasas preparadas

    e um peixe em cima delas, e po. Disse-lhes Jesus: Trazei aqui alguns dos peixes que

    agora apanhastes... E depois : Vinde comer. E pronto! L ficaram sentados em roda, volta

    da fogueirinha que o prprio Jesus acendera, sentindo o cheiro delicioso de peixe fresco

    assado que Jesus j tinha comeado a preparar, muito diligentemente, com as suas

    prprias mos - , e repartindo pedaos de po e comendo como uma alegre turma de amigos

    em piquenique de feriado...

    LEITOR FELIZ.- Jesus fez questo de valorizar, de mostrar como importante o trivial

    cotidiano. Eu tenho um conhecido que at chorava de emoo ao pensar nesta cena: Voc

    dizia - no percebeu como maravilhoso? Cristo farofeiro! O Filho de Deus, farofeiro!

    MODERADOR.- Quer dizer que esse seu amigo se alegrava justamente ao perceber o

    carinho com que Cristo v e valoriza a nossa vida diria, as pequenas coisas da vida, que s

    vezes nos parecem to longe dos grandes ideais, e concretamente to longe do ideal cristo

    de Amor e de santidade...E esquecemos que Jesus passou trinta anos vivendo com amor a

    rotina dos dias, no lar de Maria e Jos, tendo uma vida normal, discreta e simples, de

    famlia, de trabalho..., sendo, como se l no Evangelho, o carpinteiro, o filho do

    carpinteiro... E era a vida do Deus feito homem, cheia, portanto, de grandeza e santidade.

    Com ela nos estava redimindo, nos estava salvando...

    .

    LEITOR PENSATIVO.- Eu penso que esta cena de Cristo que pesca, e prepara o almoo, e

    toma a refeio com os amigos, e conversa com eles beira do lago um smbolo do que

  • 37

    deveria ser cada um dos nossos dias. Tambm ns podemos acordar de manh (pensemos

    na manh da segunda-feira mais cinzenta de todas), e se nos tivermos lembrado de rezar e

    oferecer o nosso dia a Deus - , poderemos ver, com a fora da f, que Jesus est junto de

    ns e nos diz: Vamos comear o dia juntos, vamos trabalhar juntos, vamos tratar bem os

    outros, vamos fazer do trivial cotidiano uma aventura de Amor....

    LEITOR FELIZ.- Ah! Se consegussemos ser cristos que rezam, que se lembram com f

    de Deus durante o dia inteiro! (Bastaria, para isso, s vezes, trazer um crucifixo no bolso,

    ou um tero, e rezar as oraes que amamos, tambm pela rua; e dizer muitas breves

    jaculatrias - do tipo Jesus, eu te amo! Jesus, d-me um corao como o teu!- no trnsito,

    e ao iniciar uma tarefa, e ao morder os lbios para no xingar ou resmungar ou falar mal

    dos outros...). Se consegussemos conversar com Cristo at dos detalhes mais triviais, com

    certeza se acenderia uma luz nova no nosso corao e, com essa luz, veramos de uma

    maneira nova todas as coisas, nunca gastas, pudas, aborrecidas e rotineiras.

    Entenderamos ento por que Jesus nos diz: Eis que eu fao novas todas as coisas. E se

    acenderia na nossa alma a esperana.

    MODERADOR.- H uma doutrina crist maravilhosa, que um santo dos nossos dias, So

    Josemara Escriv, soube proclamar com uma clareza e uma fora to grandes, que ateou

    incndios de alegria e de amor em milhares de pessoas comuns cristos vulgares- em

    todo o mundo. A misso que Deus lhe confiou consistiu em contribuir para que os cristos

    comuns, que vivem no meio do mundo, compreendessem que a sua vida, tal como , pode

    vir a ser ocasio de encontro com Cristo: quer dizer, que um caminho de santidade e de

    apostolado. Cristo est presente em qualquer tarefa humana honesta: a vida de um simples

    cristo que talvez a alguns parea vulgar e acanhada pode e deve ser uma vida santa e

    santificante.

    LEITOR FELIZ.- Maravilha!

    LEITOR PENSATIVO.- E o mais bonito o modo de conseguir isso. Tambm So

    Josemara o ensinava: Fazei tudo por amor dizia -. Assim no h coisas pequenas: tudo

  • pasc 38

    grande. A perseverana nas pequenas coisas, por Amor, herosmo. E aplicava esta

    doutrina que inspirada no Evangelho e em so Paulo (se no tiver amor, nada me

    aproveita...) a todas as coisas cotidianas boas e normais: podemos sorrir, por amor,

    quando no temos vontade mas os outros precisam de caras sorridentes; podemos acabar,

    por amor, um trabalho que gostaramos de interromper por cansao; podemos colocar a

    roupa no seu lugar, oferecendo esse sacrifcio a Deus, em vez de jog-la em cima da cama

    ou no cho; podemos rezar as oraes que nos propusemos, ainda que nos custe concentrar-

    nos, porque no queremos furtar a Deus, com desculpas de cansao (que no teramos para

    um jogo de futebol ou para assistir telenovela) esses momentos que so para Ele...

    MODERADOR.- Mons. Escriv, quando estava nesta terra, ajudava as pessoas e tambm

    agora continua a ajud-las l do cu a converter, com a graa de Deus, todos os momentos

    e circunstncias da vida em ocasio de amar e de servir, com alegria e com simplicidade, e

    iluminar assim os caminhos da terra com o resplendor da f e do amor. Bonito, no ? No

    percebemos que, para os que se propem viver assim, a rotina impossvel? O amor e o

    desejo de servir fazem-nos ver tudo como uma oportunidade nica, indita, de dar (amar

    dar) algo a Deus e aos nossos irmos. Feito com carinho, tudo se faz novo...

    LEITOR FELIZ.- Isto me lembra uma vez que fui comprar figuras de prespio a um

    arteso um artista de verdade -, e lhe pedi uma figura igual a outra que tinha l numa

    prateleira do ateli. Disse-me rotundamente que no. Perguntei: "Mas no conserva o

    molde?" Ao ouvir essas palavras, levantou-se indignado, como se eu o houvesse ofendido,

    e gritou: Molde! ...Molde!.. Eu no tenho molde. Cada figura nica e irrepetvel... Se

    cada dia nosso fosse assim, sem molde...!

    LEITOR PENSATIVO.- neste sentido que Mons. Escriv dizia:

    -No esqueam nunca: h algo de santo, de divino, escondido nas situaes mais

    comuns, algo que a cada um de ns compete descobrir... Deus espera-nos cada dia: no

    laboratrio, na sala de operaes de um hospital, no quartel, na ctedra universitria, na

    fbrica, na oficina, no campo, no seio do lar e em todo o imenso panorama do trabalho.

    A vocao crist consiste em transformar em poesia herica a prosa de cada dia.

  • 39

    LEITOR COMPASSIVO.- E como insistia na santificao do trabalho! Um trabalho

    realizado por amor a Deus e com empenho em servir: trabalho bem feito, acabado,

    caprichado nos detalhes, digno de ser colocado no altar do corao e oferecido juntamente

    com Jesus-Hstia na Santa Missa. Toda a vida do cristo se converteria assim numa Missa!

    MODERADOR.- , tudo isto imensamente sugestivo... Mas, mais uma vez, vou encerrar

    este sero (como gostamos de falar!) sem acrescentar mais nada, porque acho que

    praticamente tudo foi dito, e que todos os que aqui estamos podemos ir para a cama, hoje,

    pensando: - Amanh vai comear outro dia, uma nova etapa da minha rotina diria. Mas

    agora j no vou v-lo suspirando aborrecido e dizendo: mais um. Vou entrar nele com a

    esperana que Jesus ps em nossos coraes, e direi, alegre: Mais uma ocasio de amar e

    de servir. Vamos ver que novidades com a ajuda de Deus o meu amor vai ser capaz de

    introduzir amanh na minha rotina.

    =================

    SEXTO SERO: PEDRO

    (Lucas 22,55-62 e Joo 21, 15-17)

    Da queda esperana

    MODERADOR.- O quadro familiar que meditvamos no ltimo dia, contemplando Jesus

    sentado beira-mar com os Apstolos, todos participando de uma cordial refeio de peixe

    fresco na brasa, prolonga-se numa cena comovente, qual vale a pena dedicar um sero

    inteiro. Como das outras vezes, procuraremos focalizar a cena devagar, imaginando que

    estamos l presentes, olhando e participando de tudo, e tratando de penetrar no corao dos

    protagonistas, que agora so s dois: Jesus e Pedro.

    LEITOR PENSATIVO.- Quer que comecemos a ler o que diz o Evangelho?

    MODERADOR.- Claro! Pode comear, faa o favor.

  • pasc 40

    LEITOR PENSATIVO.- O Evangelho conta que, no fim da refeio praiana, iniciou-se um

    dilogo pessoal, a ss, entre Jesus e Pedro. No sabemos se estavam sentados, olhando para

    o lago, ou se conversavam caminhando (parece que passeavam); mas sabemos como foi a

    conversa. Tendo eles comido diz So Joo -, Jesus perguntou a Simo Pedro: Simo,

    filho de Joo, amas-me mais do que estes? Tambm sabemos que Jesus repetiu trs vezes

    essa mesma pergunta. Podemos imaginar a cara de Pedro. No esperava essas palavras, mas

    entendeu-as perfeitamente, pois mexeram numa ferida muito funda do seu corao e a

    ungiram como com um blsamo...

    LEITOR COMPASSIVO.- A pergunta de Jesus trs pedidos de amor - trouxe-lhe

    memria, de golpe, aqueles momentos amargos da Paixo em que trara a amizade de Jesus

    com trs negaes, trs atos de desamor, trs pecados graves. Como lhe doera na alma ter

    sido to covarde, to egosta, capaz de renegar Jesus e at de falar depreciativamente dele,

    para salvar a pele...

    LEITOR FELIZ.- Aquela foi uma noite muito amarga, l no ptio da casa do sumo

    sacerdote, onde Cristo estava preso, manietado, com as faces roxas de pancadas e sujas de

    escarros e a alma dilacerada por insultos e calnias, e to precisado de carinho, de consolo,

    de amizade.... Justamente nessa noite Pedro o rejeitara, e negara conhec-lo. Mas, ao

    mesmo tempo, foi uma noite muito bonita. Eu me emociono muito quando me lembro de

    que, depois da terceira negao de Pedro, quando o galo j havia cantado como Jesus

    predissera -, diz so Lucas que voltando-se o Senhor, olhou para Pedro. Ento Pedro

    lembrou-se da palavra do Senhor: Hoje, antes que o galo cante, me negars trs vezes.

    E, saindo fora, chorou amargamente.

    LEITOR COMPASSIVO.- Corao machucado do pobre Pedro! Como deve ter sido

    aquele olhar de Jesus sofredor! Nele no houve nada de recriminao, nada de

    ressentimento. S carinho. Apenas estava a dizer a Pedro, com os olhos: Eu te amei com

    predileo e, apesar de tudo o que acabas de fazer, continuo a amar-te, pobre amigo, pobre

    filho meu. Era um olhar de misericrdia, que a expresso mais bela e profunda do amor

    que Deus nos tem, amor mais forte do que a morte diz Joo Paulo II -, mais forte do que

  • 41

    o pecado. E ainda acrescenta: So infinitas a prontido e a fora do perdo de Deus.

    Nenhum pecado humano prevalece sobre esta fora e nem sequer a limita. Ser que

    percebemos bem a enorme fonte de confiana, a inesgotvel fonte de esperana que , para

    o pecador para todos ns, que somos pecadores -, a misericrdia de Deus? to imensa

    que nos desarma...

    MODERADOR.- Foi o que aconteceu, depois daquele olhar de Jesus. O bom Pedro

    lembrou-se ento, com certeza, do momento em que Jesus o escolhera por puro amor,

    confiando totalmente nele, para ser seu Apstolo, o chefe dos Apstolos, a pedra

    fundamental da sua Igreja. Lemb