Crítica

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Crítica "A aventura de Jesus revista por Saramago, não é diferente da aventura de Blimunda, de Ricardo Reis ou de Mogueime. O lugar de Jesus no cristianismo, que é a matriz da cultura ocidental, fará do Evangelho segundo Jesus Cristo um objecto de debate apaixonante e o escritor Saramago não se tem eximido a deitar achas para a fogueira (que não será a da Inquisição). Os «desvios» relativamente à iconografia oficial de Cristo podem servir para entrevistas, comentários escandalizados ou laudatórios nos media, mas têm pouco a ver com literatura. Talvez façam vender o livro, mas pouco contribuirão para a sua fruição como obra artística. E é pena." Linda Santos Costa, Público, 29 de Novembro de 1991 "Resulta exemplar, pela sua funcionalidade, a recriação da figura de S. José. Na fábula de Saramago surge um personagem marcado pelo sentimento de culpa de não ter alertado os pais dos Santos Inocentes sobre o fim que aguardava as crianças. Tal recriação cristaliza-se numa criatura atormentada, cujo final será trágico, e que transmite ao filho (que é também filho de Deus) esse sentimento de culpa, numa relação traçada de modo magistral." Miguel Garcia-Posada, El País, Madrid, 31 de Maio de 92 "Convém fazer desde logo fazer alguns esclarecimentos úteis. Primeiro: aos 69 anos, José Saramago é o melhor escritor vivo de língua portuguesa. Segundo: desde Guimarães Roa, não há nada de mais original, belo e consistente, na ficção em língua portuguesa, do que o conjunto de romances que vêm sendo criados por esse português do Ribatejo, autor de obras-primas como o Memorial do Convento (1982), festejado, lido e traduzido pelo mundo afora, e O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984). Terceiro ponto: este Evangelho segundo Jesus Cristo é um livro deslumbrante. Quarto: pelo menos desde as traduções de Mateus, Marcos, Lucas e João, os evangelistas oficiais da Igreja, que ainda e sempre têm a oferecer aos leitores, religiosos ou não, seu sabor antigo e primordial, não há no idioma português história de Jesus mais bem escrita." Roberto Pompeu de Toledo, Veja, S. Paulo, 6 de Novembro de 1991 "Bendito sejas Deus, que nos dás belos livros para ler! Bem-aventurado é José Saramago, que sabe contar histórias com elegância e graça, e lembrar-nos, a cada texto novo, a maravilha que é a língua portuguesa, quando o escrevente sabe dançar todos os ritmos da sua rica sintaxe e saborear todos os sabores do seu suculento léxico. Raramente Saramago esteve tão iluminado, com a visão tão certa e o ouvido mais afinado. Os advogados de Deus poderiam dizer que, apesar de advogado do Diabo, ele está neste livro, em estado de graça. A narrativa flui com aquela simplicidade que só os clássicos conseguem fazer fácil. Se Saramago escreveu um evangelho, foi talvez menos pelas questões ali contidas do que por afinidade prévia (e agora demonstrada) entre o seu estilo e o dos evangelistas, a singeleza, a oralidade, a comunicação, o gosto pelos apólogos e parábolas, as imagens que ganham intensidade e universalidade por serem colhidas no real mais concreto, modesto e quotidiano." Leyla Perrone-Moisés, Folha de S. Paulo, 18 de Janeiro de 1992

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seleção de comentários críticos sobre "O Evangelho Segundo Jesus Cristo"

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"A aventura de Jesus revista por Saramago, no diferente da aventura de Blimunda, de Ricardo Reis ou de Mogueime. O lugar de Jesus no cristianismo, que a matriz da cultura ocidental, far do Evangelho segundo Jesus Cristo um objecto de debate apaixonante e o escritor Saramago no se tem eximido a deitar achas para a fogueira (que no ser a da Inquisio).

Os desvios relativamente iconografia oficial de Cristo podem servir para entrevistas, comentrios escandalizados ou laudatrios nos media, mas tm pouco a ver com literatura. Talvez faam vender o livro, mas pouco contribuiro para a sua fruio como obra artstica. E pena."

Linda Santos Costa, Pblico, 29 de Novembro de 1991

"Resulta exemplar, pela sua funcionalidade, a recriao da figura de S. Jos. Na fbula de Saramago surge um personagem marcado pelo sentimento de culpa de no ter alertado os pais dos Santos Inocentes sobre o fim que aguardava as crianas. Tal recriao cristaliza-se numa criatura atormentada, cujo final ser trgico, e que transmite ao filho (que tambm filho de Deus) esse sentimento de culpa, numa relao traada de modo magistral."

Miguel Garcia-Posada, El Pas, Madrid, 31 de Maio de 92

"Convm fazer desde logo fazer alguns esclarecimentos teis. Primeiro: aos 69 anos, Jos Saramago o melhor escritor vivo de lngua portuguesa. Segundo: desde Guimares Roa, no h nada de mais original, belo e consistente, na fico em lngua portuguesa, do que o conjunto de romances que vm sendo criados por esse portugus do Ribatejo, autor de obras-primas como o Memorial do Convento (1982), festejado, lido e traduzido pelo mundo afora, e O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984). Terceiro ponto: este Evangelho segundo Jesus Cristo um livro deslumbrante. Quarto: pelo menos desde as tradues de Mateus, Marcos, Lucas e Joo, os evangelistas oficiais da Igreja, que ainda e sempre tm a oferecer aos leitores, religiosos ou no, seu sabor antigo e primordial, no h no idioma portugus histria de Jesus mais bem escrita."

Roberto Pompeu de Toledo, Veja, S. Paulo, 6 de Novembro de 1991

"Bendito sejas Deus, que nos ds belos livros para ler! Bem-aventurado Jos Saramago, que sabe contar histrias com elegncia e graa, e lembrar-nos, a cada texto novo, a maravilha que a lngua portuguesa, quando o escrevente sabe danar todos os ritmos da sua rica sintaxe e saborear todos os sabores do seu suculento lxico.

Raramente Saramago esteve to iluminado, com a viso to certa e o ouvido mais afinado. Os advogados de Deus poderiam dizer que, apesar de advogado do Diabo, ele est neste livro, em estado de graa. A narrativa flui com aquela simplicidade que s os clssicos conseguem fazer fcil. Se Saramago escreveu um evangelho, foi talvez menos pelas questes ali contidas do que por afinidade prvia (e agora demonstrada) entre o seu estilo e o dos evangelistas, a singeleza, a oralidade, a comunicao, o gosto pelos aplogos e parbolas, as imagens que ganham intensidade e universalidade por serem colhidas no real mais concreto, modesto e quotidiano."

Leyla Perrone-Moiss, Folha de S. Paulo, 18 de Janeiro de 1992

"Hoje Jos Saramago um dos narradores mais originais e singulares deste final de sculo no demasiado florescente no que ao romance se refere. O importante deste livro, do ponto de vista literrio, que est escrito dentro de um mundo cristo, e, embora fora do cristianismo, sem de modo nenhum o tentar negar, antes com um evidente desejo de o apropriar, pelo menos naquelas zonas que o autor sente prximas. Neste evangelho prevalece o social, o colectivo, a solidariedade com a dor, a fome e o sofrimento, a luta pela justia - o que a nenhum cristo pode incomodar -, ainda que tambm uma evidente concepo dialctica da religio - a coexistncia entre Deus e o Diabo - da qual Jesus tenta evadir-se sem o conseguir, o que j mais conflitual com a f."

Rafael Conte, ABC, 29 de Maio de 1992

"H que esclarecer que Evangelho segundo Jesus Cristo no um Evangelho, mas um romance. Um romance que parte de determinados acontecimentos histricos fundamentais para uma das principais religies do mundo. Saramago no pretende o escndalo, antes pelo contrrio: que crentes e no crentes voltem a recolocar-se muitas daquelas perguntas que ficaram sem resposta. O Cristianismo, quase desde as suas origens, foi uma religio de dogmas, uma religio que se foi convertendo em algo repetitivo. A proposta que ele faz a de voltar a repensar, a reflectir. E faz esta proposta precisamente num tempo de crise espiritual como nunca houve no mundo. Um mundo ao qual j nem mesmo as heresias interessam.

Saramago escreveu um belssimo livro inquietante, um livro antidogmtico, um livro que no s coloca dvidas sobre as suas fontes, mas que tambm ele prprio um poo profundo de perguntas sem resposta."

Cesar Antnio Molina, Dirio 16, Madrid, 29 de Maio de 1992

"Este seu Evangelho leigo, at se disse blasfemo, em relao a uma fbula cannica, que no suporta sequer a comparao com a terna inflorescncia dos evangelhos apcrifos, nada tem a ver com a tradio renaniana das vidas de Jesus positivas. Aqui, a reger a construo biogrfica de um homem dolorosamente consciente da sua prpria origem divina, est um sopro de impetuosa, de autntica religiosidade, no sentido etimolgico do vocabulrio, capaz de subverter qualquer raciocnio positivo. Est, como sempre, nas obras de um Saramago, de quem se disse que o mais autntico representante europeu daquele realismo fantstico que primeiro floresceu na Amrica do Sul, a dimenso do sobrenatural e do visionrio; ainda que o ponto de partida, o centro da narrao seja sempre o homem, s e sofredor nesta terra, com a sua humanidade e as suas perguntas sem resposta."

Luciana Stegagno-Picchio, La Repblica, Roma, 1 de Maio de 1992

"Considero que a obra tem o seu valor literrio, at interpretativo, que merece ser estudada, e que o lugar prprio para a denncia das suas distores histricas, teolgicas, culturais ou outras o dilogo, a contraposio de opinies, a justificao das posies e das atitudes mentais. E considere-se que, na linha da doutrina dos ltimos Papas, importa denunciar o erro, mas respeitar sempre a pessoa que erra. E nem sempre erro o que os poderes declaram erro.

Nem se estranhe que este assunto seja abordado nestes termos num jornal da Igreja. Compete defender os valores da liberdade de expresso e da liberdade de conscincia.Um jornal de inspirao crist tem que assumir-se como paladino de toda a liberdade criadora."

C.F., Voz Portucalense, 7 de Maio de 1992

"O Evangelho segundo Jesus Cristo contm uma histria que todos conhecemos. E contm cenas e afirmaes que h alguns anos atrs teriam lanado o autor na fogueira, sem direito a sepulcro. O escritor toma para si liberdades que so a substncia da criao, e comporta-se, na inveno do seu mundo, como Deus. Este o evangelho segundo Saramago..."

Clara Ferreira Alves, Expresso, 2 de Novembro de 1991

Crticas apresentadas na contracapa d' Evangelho Segundo Jesus Cristo, 13 ed., Lisboa, Editorial Caminho, 1993