Crítica Da Faculdade Do Juízo - Immanuel Kant

download Crítica Da Faculdade Do Juízo - Immanuel Kant

If you can't read please download the document

description

Obra obrigatória . Kant reflete sobre o homem e sua forma de pensar

Transcript of Crítica Da Faculdade Do Juízo - Immanuel Kant

Crtica da Faculdade do Juzo

deImmanuel Kant

Introduo de Antnio Marques Traduo e notas de Antnio Marques e Valrio Rohden

Publicao em 10 volumes

S. C. da Misericrdia do Porto_c_p_a_c - Edies BrailleR. do Instituto de S.Manuel4050 __porto

1997

Primeiro Volume

Immanuel Kant

Crtica da Faculdadedo Juzo

Introduo de Antnio Marques

Traduo e notas de Antnio Marques e Valrio Rohden

Imprensa Nacional -- Casada Moeda

Estudos Gerais Srie Universitria - Clssicos de Filosofia

Composto e impressopara Imprensa Nacional-- Casa da Moedapor Tipografia Lousa-nense, Lda., Louscom uma tiragem de doismil exemplares

Capa de Armando Alves

Acabou de imprimir-se emMaro de mil novecentos enoventa e dois

_e_d. 21.100.666__cod. 215.032.000

Dep. Legal n.o 40984/98

__isnb 972-27-0506-7

PREFCIO

:__a terceira crtica como culminaoda filosofia transcendental __kantiana

A terceira Crtica de Kant faz parte de um todo a que ele chamou "sistema crtico" e explicitamente representar o derradeiro esforo na constituio daquela parte da Filosofia em que os limites e perfil definitivos da nossa faculdade de conhecer devero ficar definitivamente marcados. Mas se os domnios em que a reflexo racional se exerce so claramente dois, o terico e o prtico-moral e se simultaneamente os respectivos usos, terico e prtico, da razo j haviam sido convenientemente criticados, como justificar ainda uma outra e terceira obra crtica? Ter Kant deixado problemas em aberto nas duas anteriores grandes obras, de que s mais tarde se ter apercebido?

Pode parecer estranho falar-se em problemas deixados em aberto por obras que lanaram de forma bastante radical novos fundamentos da experincia, quer de um ponto de vista estritamente terico, quer do ponto de vista da teoria moral. Na verdade, tanto a *_crtica da Razo Pura* (*_c_r_p*), como a *_crtica da Razo Prtica* (**_c_r_pr**) representam, cada uma a seu modo, uma nova definio dos limites em que o saber terico ou o prtico se podem e devem desenvolver e dessa perspectiva o programa crtico pareceria ter chegado ao seu fim. Por outro lado aquilo a que a *_c_r_p* no poderia responder, isto o conhecimento objectivo das coisas consideradas em si mesmas, foi alcanado pela *_c_r_p*r, ainda que no por uma via estritamente terica. primeira vista o chamado programa crtico estaria pois completo.

No entanto e talvez porque, como lembra Gerhard Lehmann, "para o filosofar de Kant no existe praticamente um trao to :, caracterstico como a tendncia para a sistematizao" (1), permaneceram aos seus olhos algumas lacunas essenciais que no tero tanto a ver com a completude de cada uma das anteriores Crticas, tomadas cada uma *per si*, mas mais precisamente com a completude do sistema a que aquelas pertencem (2), A situao a que Kant chegou no fim das duas crticas da razo (a terica e a prtica), e que se caracterizava por um dualismo no que respeita legislao e aos respectivos domnios da razo, s no ofereceria dificuldades a uma filosofia fortemente monista que assumisse um princpio de que se pudessem deduzir todos os outros. Mas para um filsofo como Kant, sempre preocupado com a relativa autonomia das faculdades e dos diferentes tipos de experincia que se lhes associam, a introduo de um princpio de unidade de tal maneira forte s poderia realizar-se dogmaticamente.

Assim e pouco antes da primeira edio da *_c_r_p*r, Kant anuncia numa carta a Carl Leonhard Reinhold de 28-31 de Dezembro de 1787 que se ocupa de uma "crtica do gosto" e justifica esse novo trabalho com a necessidade de encontrar os princpios que regem aquela parte do animo (*_gemuet*) que precisamente se situa entre as duas outras grandes faculdades j estudadas nas anteriores Crticas, isto as faculdades do conhecimento (*_erkenntnisvermoegen*) na *_c_r_p* e as faculdades de apetio (*_begehrunsvermoegen*) na *_c_r_p*r. A essa terceira faculdade mediadora chama ele *sentimento de prazer e desprazer* (*_gefuehl der Lust und Unlust*) e reserva-lhe desde logo um significado sistemtico bvio. Nessa carta Kant explica alis como foi o prprio impulso para a sistematizao que o conduziu, agora como noutras ocasies, descoberta desta estrutura mediadora: "Na verdade as faculdades do animo so trs: a faculdade do conhecimento, sentimento de prazer e desprazer e faculdade de apetio. Para a primeira encontrei princpios a prior) na Crtica da Razo Pura (terica), para a terceira na Crtica da Razo Prtica. Procurei-os tambm para o segundo e, ainda que na verdade considerasse impossvel encontrar princpios desse tipo, o elemento sistemtico (*das Systemathische*) -- o qual me tinha permitido descobrir, no animo humano, a decomposio das faculdades anteriormente consideradas e que me h-de fornecer ainda matria suficiente de admirao e porventura de investigao para o resto :, da minha vida -- trouxe-me para este caminho, de modo que eu agora reconheo trs partes da filosofia, das quais cada uma possui os seus princpios *a prior*" (3).

Ora esta preocupao pelo carcter sistemtico desse "conhecimento racional por conceitos" (4) que para Kant a filosofia desembocaria num artificialismo no caso de se limitar a descobrir, de forma mais ou menos *ad hoc*, elementos mediadores para esconder os efeitos de uma pulso dualista que atravessa claramente o seu pensamento, como as clebres divises entre entendimento e sensibilidade, entre entendimento e razo, entre razo prtica e razo terica, etc. A verdade que foi sempre sua convico que no basta invocar uma s razo para resolver os problemas deixados por um dualismo que em si pode no ser inquietante, mas que comea a s-lo quando se pensa por exemplo que entre aquele domnio em que se exerce a razo terica e aquele sobre que se exerce a razo prtica parece no se vislumbrar nenhuma ponte, qualquer tipo de continuidade. A questo, colocada a este nvel parece demasiado abstracta e no entanto ela exprime j um interesse muito real da razo humana: a natureza (entendida aqui num sentido muito amplo) no deve encontrar-se irremediavelmente afastada da forma como o homem exerce a sua liberdade, quer do ponto de vista da sua organizao, quer do ponto de vista da sua capacidade prpria, enquanto natureza, para nele despertar certas ideias e sentimentos de qualidade superior. Ser precisamente isto que Kant tem em mente ao referir na Crtica da Faculdade do Juzo (*_c_f_j*), parg. 42, que "visto que razo tambm interessa que as ideias (pelas quais ela produz um interesse imediato no sentimento moral) tenham por sua vez realidade objectiva, isto que a natureza pelo menos mostre um vestgio ou nos avise que ela contm em si algum fundamento [...]" (5). Parece pois que a temtica donde arranca toda a *_c_f_j* tem a ver com esta espcie de *adequao* da natureza razo humana em funo daquilo que a ela sobretudo lhe interessa, isto a liberdade e os princpios racionais que esta determinam. Verifica-se pois que o problema da aproximao entre os domnios da natureza e da liberdade traduz-se num *interesse renovado pela prpria natureza* e particularmente este vai ter a ver desde logo com a situao herdada da primeira Crtica. :,

Pode dizer-se pois que a exigncia experimentada pelo Kant da *_c_f_j*, no sentido de renovar a imagem da natureza resultante da primeira Crtica, que vai ter um significado primordial na economia de toda a obra e permanecer como um modelo de inteligibilidade da natureza radicalmente diferente que hoje se pode contrapor com maior credibilidade quele que pode ser designado como simplesmente mecanicista. Trata-se no fundo da distino entre duas formas bsicas de explicao fundamentais, distino que aparece explorada na segunda parte da *_c_f_j*, sobre o juzo teleolgico. Esta natureza tornada adequada s exigncias racionais de um sujeito, que procura ver nela muito mais do que um mero agregado de formas ou um amontoado de leis particulares que explicam este ou aquele fenmeno isoladamente, ter que ser julgada de uma outra perspectiva substancialmente diferente daquela que correspondia ao uso das categorias (que era afinal uma aplicao destas ao mltiplo emprico) prprio da *_c_r_p* (6).

Na verdade aparece como muito clara aos olhos do Kant da terceira Critica uma situao que insuportvel para quem no desistira de procurar conexes entre a natureza e a liberdade (7). Como j se referiu essa conexo passa sobretudo pela descoberta de um princpio ou regra pelo qual os nossos juzos sobre a natureza no se confinem a uma espcie de subsuno automtica dos casos particulares nos nossos conceitos mais gerais (as categorias como a causalidade, a substancia, a possibilidade e necessidade, etc.). Pelo contrrio possvel, at tendo em conta que entre os numerosos produtos da natureza "podemos esperar que sejam possveis alguns contendo formas especficas como se afinal estivessem dispostas para a nossa faculdade do juzo" (8), desenvolver formas de *avaliar* ou *ajuizar* (o verbo empregue por Kant para esta espcie de juzo *beurteilen*, supondo-se que a diferena relativamente ao mero *urteilen*, julgar, consista na introduo de um elemento de ponderao ou avaliao) as coisas da natureza bastante diferentes. Sobretudo de exigir que no se proceda a uma absoro imediata dos particulares nos conceitos que de antemo possumos. Esta fuga a um automatismo no juzo outro motivo maior da *_c_f_j* e pressente-se facilmente que Kant ter aqui realizado um trabalho sobre a sua estrutura que complexifica substancialmente as suas prprias anteriores concepes de :, sujeito transcendental. Existe por isso justificao, como veremos melhor a seguir, para falar na *_c_f_j* de um alargamento da clebre "revoluo copernicana".

Esta reviso da faculdade do juzo tem como consequncia bvia uma maior liberdade na avaliao dos objectos (ou de certos objectos), mas tal liberdade deve exercer-se segundo parmetros que no ponham em causa o perfil geral do sujeito construdo anteriormente. Pode efectivamente falar-se em relao terceira Crtica do "preenchimento" por parte de um sujeito transcendental demasiadamente formalista ou esquemtico, pois tanto as categorias deduzidas na *_c_r_p*, como a lei moral deduzida na *_c_r_p*r, configuravam um sujeito ainda muito afastado da dinmica da vida sensvel e afectiva. De facto assim . No entanto a terceira Crtica, reconhecendo esse facto no faz quaisquer concesses a uma filosofia do sentimento ou da afectividade fora do alcance dos pressupostos crticos j adquiridos. A este propsito deve dizer-se que uma das operaes geniais de Kant foi a de ter aumentado os factores de produo de inteligibilidade do sujeito transcendental, mediante a introduo de componentes afectivo/vivenciais, sem cair num subjectivismo a-conceptual e redutor. Foi sobretudo volta de uma teoria do *_gemuet* (traduzido por ns por animo, tendo em conta o equivalente latino invocado algumas vezes pelo prprio Kant) (9) que surgiu a oportunidade para articular a faculdade do juzo com as grandes faculdades que constituem aquele e a que j fizemos referncia. sintomtico que a faculdade do juzo agora descoberta, que recusa o automatismo ou a simples operao de absoro do caso particular na generalidade dos conceitos, aparea nesse novo quadro do animo como o instrumento do sentimento de prazer e desprazer e que adquira um valor mediador central, bastando observar a tabela introduzida por Kant no fim da Introduo *_c_f_j*.

na natureza e forma de actuao desta nova faculdade do juzo, por um lado espcie de instrumento conceptual do sentimento e por outro faculdade cognitiva sistematizadora, que se vai decidir a soluo para o problema das conexes entre natureza e liberdade, problema maior da terceira Crtica. A faculdade do juzo passa a ter um comportamento reflexivo e no simplesmente determinante, para usar a terminologia de Kant. Isto , segundo este ltimo modo de actuar "a lei :, -lhe indicada *a prior*) e por isso no sente necessidade de pensar uma lei para si mesma, de modo a poder subordinar o particular na natureza ao universal. S que existem tantas formas mltiplas da natureza, como se fossem outras tantas modificaes dos conceitos da natureza universais e transcendentais, que sero deixadas indeterminadas por aquelas leis dadas a prior) pelo entendimento puro" (10). Ora a nova forma de *ajuizar sente necessidade de pensar uma lei para si mesma* e esta talvez tenha sido na ltima Crtica a decisiva e mais inovadora opo de Kant: criar para essa capacidade de avaliao um espao prprio, de tal modo que como se ela possusse a exemplo das faculdades especificamente intelectuais (razo, entendimento) um conjunto de regras ou uma regra que s a ela pertence e s ela poderia exercer.

Se pensarmos ns prprios em exemplos que Kant fornece, ao analisar este trabalho mais "livre" da nova faculdade do juzo, so mltiplas as modalidades segundo as quais se pode passar a abordar a natureza: como se ela possusse uma *tcnica* que a diferencie, nos seus produtos, em gneros e espcies, como se possusse princpios de unidade nas suas mltiplas leis adequadas s faculdades do sujeito, como se algumas das suas formas possussem qualidades tais que nos provocam um sentimento de prazer (esttico), etc. Mas esta diversidade de modos de situar a natureza, introduzidas todas elas com a preveno ficcional do *como se*, so ainda modos de ajuizar que indiciam uma regra ou princpio no cerne da faculdade do juzo. Trata-se precisamente do princpio da "especificao da natureza" a favor da nossa faculdade de ajuizar. Este princpio a que Kant d um valor transcendental e no meramente lgico algo que a faculdade do juzo d a si prpria. No entanto parecer que este princpio no mais do que a repetio de um uso lgico-hipottico de regras sistematizadoras da racionalidade no que respeita natureza, teoria que Kant j havia desenvolvido na *_c_r_p*, nomeadamente no *_apndice Dialctica Transcendental*. Ai j vem mencionado que esse uso lgico "no teria sentido nem aplicao se no se fundasse sobre uma lei transcendental da especificao" (11). Tero pois que ser dados a este princpio da faculdade de ajuizar uma qualidade ou estatuto tais que tornem possvel uma diferena e que salvaguardem uma certa autonomia da prpria faculdade. Se provavelmente :, a descoberta maior da *_c_f_j* a autonomizao de um espao em aquela faculdade *evolui* pelas novas relaes construdas, pela unio do que parecia estranho e pela separao do que aparentava ser familiar, preciso encontrar um claro princpio transcendental que no se confunda minimamente nem com as categorias do entendimento, nem com a lei moral da razo prtica. Alguns comentadores encontraram precisamente neste ponto da argumentao de Kant uma dificuldade incontornvel: para alm destes princpios transcendentais no existiriam mais nenhuns luz da filosofia de Kant (12). Como admitir agora um outro, ou outros princpios, para alm das categorias do entendimento e da lei moral da razo prtica?

Uma forma de contornar esta eventual aporia tomar a srio o tal fio sistemtico a que Kant se refere na j citada carta a Reinhold e procurar pela via aberta por essa estrutura que surge cada vez com maior importncia no ltimo Kant que o *sentimento de prazer e desprazer*. Por a -se conduzido a uma nova associao de que Kant no suspeitara ou que pelo menos no tinha ainda tematizado: a do *prazer com o prprio juzo*. Na verdade certos juzos, certas formas de ajuizar ou avaliar algumas formas de objectos encontram-se de tal modo ligados a um sentimento de prazer que parece at que no seriam possveis sem este. Concretamente naqueles juzos em que a regra (lei, categoria ou princpio) que vai subsumir o particular tem de ser descoberta -- e a que Kant chamou *reflexivos* (*reflektierend*) por oposio queles em que a regra j est dada partida, isto os *determinantes* -- que intervm o elemento do prazer. Verifica-se ainda que esse sentimento conceptualizvel: Kant define-o como uma *conformidade a fins* (*_zweckmaessigkeit*) da natureza. Este ser pois o princpio ou a regra que faltava ao quadro dos princpios transcendentais da filosofia de Kant, aquela regra que de algum modo completa a topologia fundamental do sujeito transcendental.

Mas Kant, pensador de diferenas dentro de uma inteno sistemtica sempre presente, consegue ainda no interior desse ponto de vista geral que a conformidade a fins realizar uma distino essencial, consoante essa conformidade possua ou no um interesse cognitivo. E assim que possvel falar ainda de uma conformidade a fins, tanto de um ponto de vista esttico, como de um ponto de vista teleolgico, ou noutros termos de :, uma *conformidade a fins subjectiva* e de uma *conformidade a fins objectiva*. Muitas vezes, ao estabelecer a distino entre as duas espcies de conformidade, Kant recusa a interveno do elemento de prazer na ltima. Com isso pretender ele vincar a natureza autnoma e meramente reflexiva da faculdade de ajuizar, a qual no deve estar ao servio de interesses cognitivos estritos. Este "desinteresse" s se exprime, em toda a sua pureza no ajuizar esttico e por isso que "numa crtica da faculdade de juzo a parte que contm a faculdade do juzo esttica aquela que lhe essencial, porque apenas esta contm um princpio inteiramente a prior) na sua reflexo sobre a natureza [... ]" (13).

No entanto essa nova ligao to fundamental, agora descoberta na terceira Crtica, entre o sentimento de prazer e desprazer e a conformidade a fins da natureza revela-se de tal modo um pressuposto de todo o julgamento reflexivo (no automtico ou categoria! no sentido da *_c_r_p*) que mesmo no juzo teleolgico ele faz a sua interveno. Com a *introduo do elemento do prazer*, no somente na experincia esttica, mas tambm na experincia propriamente cognitiva da construo teleolgica da natureza, Kant quis certamente dar uma unidade maior s modalidades do ajuizar reflexivo sobre aquela, aproximando a experincia esttica da teleolgica na base de um mesmo sentimento de prazer. Se numa primeira Introduo escrita para a *_c_f_j* as duas modalidades de juzo aparecem ainda demasiado desligadas, sublinhando Kant a ausncia de prazer no julgamento teleolgico da natureza, dados os seus interesses eminentemente objectivistas, j numa segunda Introduo -- afinal aquela que foi publicada -- preocupa-se explicitamente com o papel essencial do prazer, at mesmo no caso daquela ltima forma de juzo. Num pargrafo (VI) totalmente novo do ponto de vista temtico relativamente a essa primeira Introduo, intitulado *_da ligao do sentimento de prazer com o conceito de conformidade a fins da natureza*, o elemento do prazer extensvel experincia teleolgica. um facto que "no encontramos em ns o mnimo efeito sobre o sentimento de prazer, resultante do encontro das percepes com as leis, segundo conceitos da natureza universais (as categorias) e no podemos encontrar, porque o entendimento procede nesse caso sem inteno e necessariamente" (14). :, No entanto se abandonarmos este ponto de vista da aplicao automtica das categorias, como era explicado na primeira Crtica, e actuarmos *intencionalmente*, tal como prprio da experincia teleolgica, ento a "descoberta da possibilidade de unio de duas ou de vrias leis da natureza empricas, sob um princpio que integre a ambas, razo para um prazer digno de nota, muitas vezes at de uma admirao sem fim, ainda que o objecto desta nos seja bastante familiar" (15). O que nos "seria completamente desagradvel" era uma "representao da natureza, na qual antecipadamente nos dissessem que na mnima das investigaes da natureza, para l da experincia mais comum, ns haveramos de deparar com uma heterogeneidade das suas leis, que tornaria impossvel para o nosso entendimento a unio das suas leis especficas sob leis empricas universais" (16).

A *_c_f_j* determina pois o princpio que exprime conceptualmente essa faculdade do animo mediadora que o sentimento de prazer e desprazer e que o princpio de uma *conformidade* a fins da natureza. Kant entende-o no como uma outra categoria do entendimento (*_verstand*) que aplicamos "sem inteno" multiplicidade da intuio sensvel, mas sim como uma *regra de reflexo* sobre certas formas da natureza (as belas formas e os seres orgnicos). por isso que a "faculdade de juzo esttica uma faculdade particular de ajuizar as coisas segundo uma regra, mas no segundo conceitos" (17). Nesse novo tipo de reflexo e de experincia, esttica e tambm cognitiva (18), v ele a nica mediao possvel entre os domnios j delimitados: *a liberdade e a natureza*. de supor, e esse parece-nos ser uma das fundamentais hipteses da *_c_f_j*, que essa actividade reflexiva no se esgota numa funo mediadora *strictu sensu*. At que ponto a moralidade, isto para Kant o exerccio da liberdade como autonomia, estar dependente na sua concretizao das formas de liberdade que por exemplo a experincia esttica contm? A resposta parece s poder ser negativa, na medida em que Kant salvaguarda sempre a plena autonomia do reino dos fins morais e no condiciona a sua realizao a no ser ao exerccio da razo prtica. Ainda nas ltimas pginas da *_c_f_j* ele lembrava isso mesmo: " possvel pensar que seres racionais se vissem rodeados por uma tal natureza que no mostrasse qualquer trao claro de :, organizao, mas efeitos de um simples mecanismo da matria bruta e de tal modo que, por ocasio da mudana de algumas formas e relaes conformes a fins simplesmente contingentes, no parea existir qualquer fundamento para inferir um autor do mundo inteligente. No haveria nesse caso qualquer oportunidade para uma teologia fsica e mesmo assim a razo -- que no recebe neste caso qualquer orientao atravs de conceitos da natureza -- encontraria, na liberdade e nas ideias morais que nela se fundam, um fundamento prtico suficiente para postular o conceito de ser original a si adequado [...]" (19).

No entanto esta parece ser uma hiptese hiperblica, uma espcie de *_gedankenexperiment* com o objectivo simplesmente de sublinhar a qualidade perfeitamente autnoma e *a prior* do primeiro princpio da razo prtica, a liberdade. A necessidade de outro *_gedankenexperiment* poderia aqui ser invocada: como realizariam os homens a liberdade numa natureza "que no mostrasse qualquer trao claro de organizao"? A verdade que sem pretender conhecer objectivamente qualquer inteno final da natureza, dever-se- reconhecer nela uma certa "apetncia conforme a fins (*ein zweckmaessiges Streben*) que nos torna receptivos para uma formao que nos pode fornecer fins mais elevados do que a prpria natureza" (20). Naquilo que do domnio do natural sempre se encontra uma *ambiguidade*, pois tanto se pode verificar um simples trabalho mecnico e cego, como a fctica presena de qualidades e processos que indiciam uma espcie de *astcia da natureza* tantas vezes e to desvairadamente interpretada pelos filsofos. A proposta de Kant vai ser a de adequar *de forma racional* os princpios estruturadores da razo a uma natureza que variados indcios mostra de "colaborao" ou "apoio" a tais princpios.

O mtodo no pode consistir para Kant em antropomorfizar aquilo que afinal funciona perfeitamente segundo as simples leis mecnicas da Fsica (o que foi alis uma irresistvel tendncia de alguns sistemas filosficos ps-kantianos), mas sim em escolher os melhores indcios ou formas naturais, assim como os tipos de experincia mais marcantes e situados nesse espao de charneira entre o que pertence objectivamente pura conformidade a fins, a moralidade, e o que do domnio da sensibilidade. Ora um facto que a natureza apresenta um sem nmero de formas que legitimam aproximaes desse teor :, e a extenso de uma legislao supra-sensvel ao seu domnio. Convm no entanto esclarecer a que que concretamente essas formas "obrigam" o sujeito. Elas (as belas formas e as formas orgnicas) exercem, diramos, uma *presso para a reflexo*. Por outras palavras obrigam escolha de pontos de vista que implicam da parte do sujeito *um alargamento das perspectivas* fundamentais herdadas da primeira Crtica, isto do sistema ou tpica das categorias. assim que possvel para alguns falar da continuao da "viragem copernicana" comeada na *_c_r_p* (21).

A terceira Crtica poder pois ser vista como um prolongamento e at mesmo um aprofundamento da famosa "viragem copernicana" operada pela *_c_r_p*. O que quer isto dizer? Se nos lembrarmos da conhecida passagem do Prefcio 2.a edio dessa obra, verificamos que Kant prope uma mudana radical no mtodo at ento usado pela metafsica: fazer depender o conhecimento dos objectos das condies do nosso prprio conhecimento e no pretender por isso regular o conhecimento destes por aquilo que eles seriam considerados em si mesmos. "Trata-se aqui de uma semelhana com a primeira ideia de Coprnico; no podendo prosseguir na explicao dos movimentos celestes enquanto admitia que toda a multido de estrelas se movia em torno do espectador, tentou se no daria melhor resultado fazer antes girar o espectador e deixar os astros imveis. Ora, na metafsica, pode-se tentar o mesmo, no que diz respeito *intuio* dos objectos. Se a intuio tivesse de se guiar pela natureza dos objectos, no vejo como deles se poderia conhecer algo *a prior*; se, pelo contrrio, o objecto (enquanto objecto dos sentidos) se guiar pela natureza da nossa faculdade de intuio, posso perfeitamente representar essa possibilidade" (22). A primeira vista Kant prope aqui um mtodo que mais parecer uma "regresso" a um modelo pr-copernicano, j que quando muito substitui um centro fixo por um outro, ou seja onde estava um objecto fixo, com as suas qualidades, passa a estar o sujeito tambm com as sua capacidades bem pr-determinadas (23).

Do ponto de vista do mtodo e dos procedimentos tcnicos pode dizer-se que a *_c_r_p* consuma de uma vez por todas a viragem copernicana em filosofia. O essencial do programa crtico- -transcendental consistir em demonstrar quais so os :, lugares mais determinantes desse espao inter-perspectivista que o sujeito comeou a delinear ao comear o seu movimento. Nesse sentido poder dizer-se que de um ponto de vista esttico e esquemtico aquela demonstrao gera uma *tpica* como alis o prprio Kant designa o sistema das categorias do entendimento (24). Mas para alm da descrio dessa tpica de pontos de vista fundamentais, Kant preocupou-se tambm com o seu uso, isto , no s com o *lugar* a partir donde conhecemos os objectos (cada categoria um desses pontos de vista supramos), mas tambm com a *forma geral* como cada um deles determina os objectos, dando-lhes uma *posio, um aspecto*. Este um ponto decisivo para compreendermos os limites do espao ou da tpica perspectivista que interessaram ao Kant da primeira Crtica. Insisto na importncia deste especfico uso das categorias que mais no do que a *forma geral*, a qual determina o aspecto com que o objecto determinado desse ou daquele ponto de vista categoria!. Na terminologia de Kant, *os objectos s so determinados como objectos quando subsumidos neste ou naquele ponto de vista, adquirindo ento apenas o aspecto que partida essa perspectiva lhe impe*. Precisamente porque os pontos de vista a que neste contexto nos referimos, as categorias, so formas sumamente gerais de encarar o objecto, qualquer que ele seja, acontece que a sua integrao nesse ponto de vista no obedece a qualquer interesse ou lgica imanente ao objecto ou *natura naturans* que o produz. Pelo contrrio pode-se dizer que a perspectiva categorial da *_c_r_p* se desinteresse pela *particularidade do particular*, sendo a principal causa desse desinteresse um outro interesse concorrencial, isto , o de *definir apenas os lugares essenciais de uma tpica geral e completa do entendimento*.

Essa geografia do entendimento que a experincia copernicana do sujeito em movimento permitiu descobrir tem as caractersticas de uma tpica fundamental, mas no deixa de ser relativamente pobre, se pensarmos nos infinitos pontos de vista que uma maior e mais rica informao sobre os objectos como particulares nos poderia fornecer. Intimamente associado com estas caractersticas encontra-se outro facto relevante. Para que cada categoria pudesse determinar ou subsumir na sua suprema perspectiva o objecto, Kant reservou a uma faculdade especfica do animo, faculdade da *imaginao*, a tarefa de :, por assim dizer "desenhar" em funo do significado de cada categoria uma espcie de figura do tempo a que Kant num captulo decisivo da *_c_r_p* chamou o *esquema* da categoria, sem o qual nenhum objecto nela poder ser subsumido. A funo dessa faculdade na primeira Crtica, restringe-se a desenhar o aspecto geral sob que cada objecto conhecido como objecto. Sobre a *particularidade* deste nada lhe cabe mostrar ou sequer sugerir.

pois fcil perceber que a constituio da "tpica sistemtica" que o movimento livre do sujeito permitiu, cria *duas situaes* que a nosso ver so a problemtica principal que estimulam a *_c_f_j*, isto uma distancia sem mediaes entre a singularidade dos particulares e o interesse dos pontos de vista categoriais, por um lado, e, por outro, a actividade de uma imaginao cuja actividade se esgota nas operaes de subsuno do particular no geral.

Por exemplo, decido determinar o objecto *a* do ponto de vista da causalidade e vou relacion-lo no tempo a outro, *b*, segundo uma regra, ou seja a *forma geral* que esse prprio ponto de vista. Ora no relativamente a tal forma que o objecto *a* realmente determinado na sua particularidade, ainda que s seja pela *aplicao deste que ele adquire uma posio efectiva*, a qual possibilite a relao com um objecto *b* em geral. Assim dito a aplicao da regra de causalidade *c* a *a* no especifica directamente contedos de *a* = (a1, a2, a3, etc.), mas permite-o *indirectamente*, atravs da descoberta de relaes empricas possveis com contedos de *b* = (b1, b2, b3, etc.). Tomado em si mesmo o ponto de vista da determinao causal permanece sumamente formal e no contm, nem poderia conter, qualquer princpio de determinao sistemtica de contedos(25). Isso significa que estes, como posies ou determinaes sempre particulares, possuem sempre um grau de *contingncia irredutvel* face ao ponto de vista categoria!.

No parg. 77 da *_c_f_j*, Kant explora o sentido desta *contingncia* como um problema maior da filosofia transcendental (lembremo-nos que, na *_c_r_p*, na seco da "Analtica dos Princpios" sobre "Os Postulados do Pensamento Emprico em Geral" que Kant desenvolve de forma mais autnoma o seu pensamento sobre as categorias de contingncia, possibilidade :, e necessidade), problema que *necessitar ser resolvido com os prprios meios dessa mesma filosofia*. Voltaremos a este ponto, mas agora ser til lembrar como o prprio Kant exprime essa nova conscincia da *_c_f_j*, na sua peculiar linguagem filosfica. "Nomeadamente encontramos certamente nos princpios da possibilidade de uma experincia, em primeiro lugar, algo de necessrio, isto , as leis universais, sem as quais a natureza em geral (como objecto dos sentidos) no pode ser pensada; e estas assentam em categorias, aplicadas s condies formais de toda a nossa intuio possvel, na medida em que esta de igual modo dada *a prior*. Sob estas leis a faculdade de julgar determinante, pois esta nada mais faz do que subsumir em leis dadas. Por exemplo o entendimento diz: toda a mudana tem a sua causa (lei da natureza universal); a faculdade de julgar transcendental no tem mais que fazer ento do que indicar *a prior* a condio da subsuno no conceito do entendimento apresentado [...]. Porm os objectos do conhecimento emprico so ainda determinados de muitos modos, fora daquela condio do tempo formal, ou [...] susceptveis de ser determinados" (26). Ora aquilo que vai permitir romper com esse horizonte muito geral e at redutor que o da perspectiva categorial (a quantidade, a qualidade, a relao, a modalidade) vai ser sem dvida uma outra disposio e operacionalidade das faculdades cognitivas em particular e uma mais ampla concepo do animo em geral. O que sejam essas novas disposio e operacionalidade est contido certamente no conceito de *reflexo* prprio da faculdade de *juzo reflexiva* (*reflektierende Urteilskraft*) (27).

No se pense que na *_c_f_j* se est perante um conceito unvoco de reflexo. verdade que a forma como Kant a explica no parg. IV da Introduo (: Da faculdade do juzo como uma faculdade legisladora *a prior*) parece obedecer a uma estrutura nica, por oposio faculdade de *juzo determinante*. De facto enquanto nesta modalidade de juzo, a regra, a lei ou categoria est dada de antemo e todo o julgamento se reduz a um acto mais ou menos automtico de "subsumir" o particular nessa regra dada, o julgamento de reflexo ter de a procurar, sem porventura ter qualquer pista ou indcio que a oriente, a no ser o prprio particular. Mas ao Kant da terceira Crtica interessam os processos de reflexo que conduzam :, a operaes de sistematizao segundo o princpio orientador de uma "tcnica da natureza" e os que conduzam a uma experincia esttica expressa em primeiro lugar num sentimento a que chamou *_wohlgefallen*, comprazimento (28).

No nos vamos agora ocupar com a especificidade de cada um destes processos de reflexo que correspondem ao julgamento esttico e ao teleolgico e que so alis os temas das duas partes em que se divide a obra. Sem anular pois a particularidade de cada um dos processos e tambm sem entrar numa anlise demasiado tcnica (29), possvel defender que o cerne da teoria da reflexo na terceira Crtica se encontra numa diferente mobilidade dada *faculdade de imaginao* (*_einbildungskraft*) no conjunto das outras faculdades. J foi referida a actividade da imaginao na produo dos esquemas para as categorias do entendimento, um dos principais captulos da *_c_r_p*.

Trata-se agora de compreender, percorrendo os grandes temas da *_c_f_j*, como essa faculdade passa a actuar noutro tipo de relaes. Note-se desde j que seria totalmente errneo apontar aqui para uma actuao plenamente livre do imaginar, como se o julgamento reflexivo praticamente se lhe reduzisse. "Todavia o facto que a *faculdade da imaginao seja livre e apesar disso por si mesma conforme a leis*, isto que ela contenha uma autonomia, uma contradio. Unicamente o entendimento fornece a lei" (30), lembra Kant. O que sucede que a imaginao entra, segundo as palavras do prprio Kant, num jogo com as outras faculdades intelectuais, isto , a razo e o entendimento, situao que at aqui no fora tematizada (31).

Por exemplo, quando Kant se defronta com o problema da comunicabilidade dos juzos estticos, nesse livre jogo entre faculdade de imaginao e entendimento supostamente existente em todos os sujeitos que ele vai procurar a soluo mais adequada. "A comunicabilidade universal subjectiva do modo de representao num juzo de gosto, visto que ela deve ocorrer sem pressupor um conceito determinado, no pode ser outra coisa seno o estado de animo no jogo livre da faculdade de imaginao e do entendimento [...]" (32). Importante aqui notar que tanto a comunicao, como a validade universal do juzo de gosto pressupem o facto decisivo de um :, "distanciamento" daquele que julga relativamente a todas as determinaes (pelo menos num sentido de uma primazia) de tipo puramente intelectuais. Este distanciamento pura e simplesmente significa que do ponto de vista da motivao e at da estrutura do juzo o objectivo cognitivo deixa de ser o mais relevante. O conceito de *jogo* passa a estar na primeira linha (33), sublinhando certamente a presena do anmico, do inventivo e at do inesperado que caracteriza afinal a experincia esttica.

A este propsito Kant fala de uma "vivicao" (*_belebung) das prprias faculdades produzida por tal jogo, no qual fcil perceber um contnuo e recproco estmulo, assim como uma permuta incessante de representaes, quer do foro da sensibilidade, quer do do intelecto. Tal teoria conduz Kant na *_c_f_j* a valorizar aspectos que primeira vista tinham sido esquecidos nas anteriores Crticas. Concretamente as referncias vivicao das foras ou faculdades do animo recobrem explicitamente o conceito de *vida* -- "porque o animo por si s inteiramente vida (o prprio princpio de vida)" (34), o mesmo acontecendo com o conceito de "sade" (*_gesundheit*) tambm provocado por esse sentimento de um jogo a ocorrer entre as foras do animo (35).

Parece termos vindo s a referir-nos a um conceito de jogo e de actividade da imaginao apenas nos limites da experincia esttica. verdade que nesse mbito que a imaginao encontra o seu espao mais genuno de liberdade e permuta com as representaes claramente intelectuais. No entanto em todo o processo reflexivo dos juzos sobre a natureza, quer se trate das belas formas, quer se trate dos sistemas orgnicos naturais, possvel olhar para um certo jogo das faculdades, com destaque para a imaginao. O facto que o julgamento reflexivo um juzo de liberdade por oposio ao juzo *determinante*, onde nada mais h a fazer do que "aplicar" a categoria.

Este um aspecto decisivo que coloca aquilo que na terceira Crtica se entende por *reflexo* como um sensvel reforo do perfil do sujeito, ao permitir-lhe, como j acima foi referido, escolher outros pontos de vista que no s6 os correspondentes s categorias supremas do entendimento. Se pensarmos que em princpio toda a relao possvel com a natureza :, e toda a forma de compreenso que a pretendessemos introduzir poderia ser formulada atravs das categorias do entendimento, torna-se ainda mais claro que novos pontos de vista, *para l* da explicao categorial, s podem resultar de uma autonomia do sujeito, de uma seleco dentro dos seus interesses.

Voltemos ao *papel preponderante da imaginao*. No *jogo* em que entra com qualquer das faculdades intelectuais (o entendimento ou a razo) de facto a faculdade da imaginao que marca a especificidade do jogo. Deve-se aqui ter em conta que o jogo esttico (que para Kant se processa paradigmaticamente entre entendimento e imaginao, por ocasio do julgamento de uma forma bela) no designa uma figura especfica ou uma ordenao particular dos objectos considerados. Designa sim a forma sempre mutvel de figuras e de sensaes que a imaginao sugere ao entendimento e reciprocamente. E assim que "toda a forma dos objectos dos sentidos (dos externos assim como mediatamente do interno) ou *figura* ou *jogo*" (36). Por outro lado a primazia do jogo sobre eventuais qualidades intrnsecas dos objectos estticos -- como a perfeio geomtrica, certo tipo de disposio das partes ou ainda o seu carcter atractivo -- uma afirmao sempre reiterada pelo Kant da terceira Crtica. O que significa que numa esttica coincidente com as teses defendidas na *_c_f_j* no haver lugar para uma teoria de supostas qualidades estticas *objectivas*. Por isso "onde somente deve ser entretido um jogo livre das faculdades de representao (contudo sob a condio de que o entendimento no sofra a nenhuma afronta), em parques, decorao de aposentos, toda a espcie de utenslios de bom gosto, etc., a conformidade a regras, que se enuncia como coero (*als Zwang*), tanto quanto possvel evitada" (37). Mas o que parece ser decisivo na concepo da experincia esttica como *jogo* a *liberdade* irredutvel de uma imaginao movida por mais nada que no seja um determinado tipo de prazer. *_fora anmica, sade e desejo de comunicar so outras tantas formas de referir essa irredutibilidade*.

A experincia esttica do sublime ser porventura a que corresponde ao jogo entre faculdades onde mais claramente se verifica o trabalho em primeiro plano da imaginao. Ou pelo menos aquele tipo de jogo em que a imaginao se surpreende :, numa v tentativa, por assim dizer no legal, de afrontar os limites do entendimento e da sensibilidade. Nesse caso o objecto esttico por ser "absolutamente grande" no exprimvel em qualquer figura, ele por definio *informe* (*formlos*). Tal situao obriga a faculdade de imaginar a um esforo inglrio no sentido de conseguir representar uma efectiva figura para a ideia que a razo lhe apresenta. No que respeita ao sublime falamos de uma grandeza "que s idntica a si mesma", para a qual no possvel apresentar um critrio de medida e por isso mesmo "no h que procurar nas coisas da natureza, mas sim somente nas nossas ideias" (38). Ora nesta circunstncia a imaginao como que cai numa contradio: toma penosamente conscincia das suas drsticas limitaes e ao mesmo tempo alarga-se a si mesma como lugar prprio da experincia do sublime, (nota: B 83). Este no mais na esttica kantiana do que outra *posio* da faculdade da imaginao na economia do jogo que sempre entretece com as faculdades intelectuais. Estamos mesmo em presena, atravs deste alargamento da imaginao, de um conceito de experincia esttica invulgarmente amplo, sobretudo se pensarmos no contexto de um sc. XVIII. As referncias que Kant faz, a propsito do sublime, a uma imaginao que se dilacera: [ela pretende "alcanar o seu mximo e nesse esforo para se estender, mergulha em si mesma" (N 88)], a um abismo (*_abgrund*) em que imerge na prpria apreenso do sublime: ("O excessivo para a faculdade de imaginao -- at ao qual ela impelida na apreenso da intuio -- por assim dizer um abismo, no qual ela prpria teme perder-se") (39), constituem claramente uma via de acesso a uma *esttica que no se confina a uma mera teoria do belo*, entendido este quase sempre como o objecto de uma esttica do apolneo e da harmonia entre formas e entre estas e o sujeito. Agora de algum modo o prazer visto como *desprazer*, o belo como o assustador ou pelo menos 0 que no racionalmente concebvel. E no entanto a experincia continua a ser por excelncia *esttica* e a ser ainda representvel, nas palavras de Kant como uma "conformidade a fins sem fim" (*_zweckmaessigkeit ohne Zweck*). Ou na formulao aparentemente contraditbria de Kant aquilo que esteticamente sublime " assumido como sublime com um prazer que somente possvel atravs de um desprazer" (40). :,

Assim a teoria do sublime da primeira parte da *_c_f_j*, qual Kant dedica uma Analtica com a mesma importncia na economia da obra da Analtica do juzo reflexivo do belo, confere fundamentao da esttica um alcance por assim dizer prospectivo. As mudanas profundas ocorridas a partir da segunda metade do sc. XIX sobre o prprio conceito de *esttico* encontram uma antecipao (e justificao) importante.

pois perfeitamente legtimo o renascer do interesse que a filosofia sobre a esttica das ltimas dcadas tem dedicado teoria kantiana do sublime da terceira Crtica. Em Adorno o seu conceito de *negativo*, ou seja a fora crtica que habita a obra de arte no desmascaramento das formas de domnio impostas no real, uma herana do conceito de *sublime* da *_c_f_j*. Para Adorno o "sublime, que Kant reservava natureza, tornou-se depois dele constituinte histrico da prpria arte. O sublime traa a linha de demarcao em relao ao que mais tarde se chamou artesanato" (41). No entanto Adorno v no sublime da arte contempornea mais um sucedneo de categorias tradicionais como o mesquinho e o cmico e nessa orientao que ele realiza o seu poder de negatividade. que se na verso kantiana o animo, no sentido tcnico do *_gemuet* " reduzido sua dimenso natural, o aniquilamento do indivduo deixa de ser nele positivamente suprimido. Mediante o triunfo do inteligvel no indivduo que resiste espiritualmente morte, este empertiga-se como se, portador do esprito, fosse apesar de tudo absoluto. Fica assim entregue ao cmico" (42). Assim embora a categoria de sublime contenha partida uma enorme carga de negatividade, pois na verdade nessa experincia a finitude absoluta confronta-se com poderes absolutos, o facto que na perspectiva de Adorno ela no representa uma nova e autntica categoria de uma teoria esttica que pretende dar conta da insero da arte no nosso mundo onde imperam as foras da dominao. Mas mais recentemente Jean-Franois Lyotard que tem uma concepo mais positiva do sublime, desde logo no sentido em que este revelar virtualidades imprescindveis para a compreenso das novas formas de produo esttica englobveis no conceito de vanguarda. Num texto de 1984, reproduzido num nmero da revista *_merkur* do mesmo ano, com o ttulo *_das Erhabene und afie Avantgarde* (*_o Sublime e a Vanguarda)*, Lyotard coloca no centro da moderna :, experincia esttica a categoria de *acontecimento* (*venement, Ereignis*). O sublime caracteriza to bem as estticas do nosso mundo porque nele, no o elemento da inteligncia ou o conceptual que detm a primazia. O elemento ameaador contido no sublime -- a que Kant se refere numa passagem do fundamental parg. 29 (43) -- o sinal mais apropriado que o sujeito est perante um objecto que lhe "ocorre", como um *pathos* que na verdade lhe acontece sem que tenha sido previsto ou pretendido. No sublime algo ocorre e irrompe onde a inteligncia j no domina. *_o sublime acontece neste momento*... (*_das Erhabene geschiet nun* ...): "Que aqui e agora este quadro exista, e nada mais do que isso, o sublime. A incapacidade da inteligncia, que procura apreender, em apreender, o seu desarme, o reconhecimento que isto, esta ocorrncia da pintura no era necessria, nem sequer era previsvel; a sua nudez (*_bloesse*) perante o *acontece*, a proteco do que ocorre "perante" toda a defesa, toda a ilustrao, todo o comentrio, a proteco face a todo o olhar sob a gide do *_now*, tal o *rigueur* do que vai frente, da vanguarda" (44). Lyotard est sobretudo interessado em sublinhar o carcter incontrolvel, "imprevisvel" de uma categoria esttica que foge por completo lgica da planificao/dominao. Neste aspecto as suas anlises encontram-se com as de Adorno: "Est fora de dvida que a esttica do sublime era e continuar a ser uma reaco contra o positivismo e o clculo realista do mercado" (45). No entanto, para o filsofo francs, a vanguarda que incorpora esta categoria, no s nega, mas tambm exprime o tipo de domnio que o capitalismo e desse modo vive no seu seio de uma forma no simplesmente negativa. De facto "existe algo de sublime na economia capitalista. Ela no acadmica, no fisiocrata, ela no admite qualquer espcie de natureza" (46). A relao do sublime com o tempo, ou melhor a temporalidade , por sua vez, singular: modifica-lhe completamente o regime, ao introduzir a dimenso do acontecimento e do agora. O novo regime de temporalidade que a categoria de sublime inaugura no o de um *suceder*, nem sequer o de um *inovar*, mas sim o do *acontecer*, Lyotard no deixa de ter razo ao escolher como maximamente relevante este carcter temporal do sublime. No entanto resta ver se esta suspenso dos outros regimes de temporalidade no ser uma qualidade da experincia esttica :, globalmente considerada, sem que especifique o sublime por si s. 0 prprio conceito de uma *conformidade a fins sem fim* (*_zweckmaessigkeit ohne Zweck*) que para Kant singulariza o esttico poder incluir j por si essa referncia a um *agora* que tem no seu prprio acontecer o seu *telos*. Por outro lado se certo que o sublime irrompe como uma potncia ameaadora e no limite destrutiva do sujeito, tambm verdade que *na globalidade da experincia esttica o que irredutvel a conscincia que se est sempre face a uma experimentao com a imaginao*. O mesmo dizer que encontramos no esttico como sua prpria condio de possibilidade (por isso *a prior*) uma *componente perspectivista* que se reconhece precisamente nessa incontornvel experincia da liberdade da imaginao nas suas relaes com a ordem do conceptual. De tal modo que "o comprazimento (*das Wohlgefallen*) no objecto depende da relao na qual queremos colocar a faculdade de imaginao, desde que ela entretenha por si prpria o animo em livre ocupao" (47). O sublime, no sentido da terceira Crtica, no dever certamente deixar de ser valorizado como categoria esttica que, tal como Adorno e Lyotard bem lembram, marca o imaginrio artstico contemporneo. No s do ponto de vista de uma funo hermenutica, como do agente criador. No que os grandes criadores deste sculo tenham lido a obra de Kant ou particularmente a sua "Analtica do Sublime". O que acontece que nesta, Kant descobre (para o que fundamental ter em conta a sua leitura da obra de Burke, *_philosophical Enquiry into the Origin of our Ideas of the Sublime and Beautiful*, 1757) uma relao substancialmente nova do sujeito com a natureza ou com a materialidade exterior de uma forma geral conversvel em objecto esttico. Nomeadamente uma forma de insero que o carcter esttico revelado no *belo* no indiciava, j que este fortalecia o sentimento de pertena, os vnculos familiares. A esttica do sublime vai abrir pela primeira vez no pensamento ocidental a possibilidade de conceber uma outra relao com a referida materialidade, assente na ruptura, na estranheza e no desprazer. No entanto, paradoxalmente, no se abandona o domnio do esttico, pelo contrrio este sair at reforado e alargado.

tendo tudo isto em conta, e particularmente o lugar da "Analtica do Sublime" na economia da globalidade da *_c_f_j*, :, que se pode dizer que esta inclui os seguintes elementos decisivos para a compreenso contempornea do esttico:

1 -- a abertura ao belo como familiaridade e pertena, assim como ao sublime como estranho e incontrolvel, aquilo que em grande parte corresponde ao conceito freudiano de *unheimlich*;2 -- a abertura representatibilidade do sem-forma, quer atravs do simblico, quer pela persistncia no elemento da ausncia de forma;

3 -- a abertura ao artefactual e ao ficcional como materiais preponderantes de uma esttica que em grande parte abandona o desejo de *mimsis* para explorar os domnios do acontecimento sem referncia objectivante.

neste sentido que Lyotard diz do artista de vanguarda que ele "experimenta combinaes que permitem o acontecimento" (48).Convir desfazer neste ponto um outro equvoco bastante divulgado acerca da terceira Crtica e que tem a ver com a sua ligao ao romantismo. O que acabamos de verificar parece fazer alinhar a *_c_f_j* com as teses dos fundadores do romantismo. Ora parece indesmentvel que se nomeadamente teorias como as do sublime e do gnio parecem aproximar as duas filosofias, sempre a j referida conscincia *perspectivista* que afasta as duas concepes. Para o romantismo o elemento do sublime, entendido como dominao transcendente ou simplesmente como *outro*, adquire uma autonomia tal que acaba por aniquilar qualquer posio com carcter transcendental (isto de um sujeito que encontre nele prprio as regras). Ora sempre mxima preocupao de Kant no deixar que a primazia do sujeito transcendental seja posto em causa. Neste sentido no que respeita *esttica* a *_c_f_j* qualificar como dogmtica toda a tentativa de fundar o juzo esttico em supostas caractersticas objectivas (por ex. qualidades da forma como a simetria, ou outras que envolvam certas concepes de harmonia, perfeio, etc.) do objecto. Tese fundamental de Kant que a *conformidade a fins* deve ser entendida sempre num sentido idealista e no realista (ver a este respeito sobretudo o parg. 58), apesar de ser notrio que as "belas formaes no reino da natureza organizada intervm muito favoravelmente ao realismo da conformidade a fins esttica da natureza". Mais :, precisamente gostaramos de "admitir que na gerao do belo se tenha colocado como fundamento uma ideia do mesmo na causa produtora e favorecendo nomeadamente a nossa faculdade de imaginao" (49). Na *_aesthetica* (1750-1758) de Baumgarten podia Kant encontrar bvios exemplos desse realismo dos fins que a tradio leibniziano-wolffiana estabelecera. No parg. 14 daquela obra define Baumgarten como objectivo da Esttica "a perfeio do conhecimento sensvel (*perfectio cognitionis sensitivae*) como tal; porm com isto significa-se a beleza" (50). assim tambm que, como esclarecido pelo mesmo Baumgarten (parg. 19), "A beleza universal do conhecimento (*_pulchritudo cognitionis sensitivae universalis*) -- j que no existe nenhuma perfeio sem ordem -- o consenso da ordem, em que meditamos as coisas belas pensadas, consigo mesma e com as coisas, na medida em que essa ordem aparece como fenmeno, isto enquanto beleza da ordem e da disposio" (51). A revoluo copernicana extensvel esttica tem certamente como consequncia maior e imediata a erradicao de todo o critrio realista apoiado no uso de categorias (a de perfeio apenas um exemplo, ainda que pertinente aos olhos de Kant, dado o peso da escola wolffiana) que conduzir inevitavelmente dialctica do juzo esttico. Neste ponto ser imprescindvel ver como Kant representa, no parg. 56, a *antinomia do gosto* e qual a soluo que no pargrafo seguinte encontra para esta.

A inequvoca posio transcendental que estabelece um limite firme ao julgamento esttico ter pois que respeitar antes de mais aquilo a que Kant chama um "princpio da *idealidade* da conformidade a fins". As referncias exteriores, no sentido das qualidades objectivas que inequivocamente se oferecem a qualquer sujeito ou comunidade cultural como especificamente estticas, desaparecem. Mas a verdade que se neste como noutros domnios no quisermos dogmatizar, devemos considerar que estamos sempre perante um "princpio que ns mesmos sempre pomos no fundamento do juzo esttico, e que no nos permite utilizar nenhum realismo de um fim da natureza" (52).

A *_c_f_j* uma obra surpreendente e inesgotvel, no s para aqueles que a estudem no contexto da filosofia kantiana, mas tambm para os que o faam com a preocupao de a aplicar :, s perplexidades da nossa experincia contempornea. A forma irresistvel como a terceira Crtica projectou para as pocas futuras temas que so elementos indestrutveis dessa experincia, tais como a relao entre vida e arte, entre esttica e moral, a especificidade do esttico e o valor da sua mltipla expresso nas artes, a historicidade destas ou a crtica s teleologias dogmticas, no tem paralelo nas obras filosficas que fundam a nossa modernidade.

Antnio Marques

BIBLIOGRAFIA

Ernst CASSIRER, *_kants Leben und Lehre*, Darmstadt, 1977.

H. W. CASSIRER, *_a Commentary on Kant's Critique of Judgement*, New York/London, 1970.

Howard CAYGILL, *_art of Judgement*, Oxford, 1989 (espec. cap. 5 da 2.a parte).

O. CHDIN, *_sur l'_esthtique de Kant -- et la thorie critique de la reprsentation*, Paris, 1982.

Nelson GOODMAN, *_languages of Art*, Indianapolis, 1976. -- *_ways of Worldmaking*, Indianapolis, 1978.

Louis GUILLERMIT, *_la Critique de la Raison Practique et les deux autres Critiques in Actes du Congrs d'Ottawa sur Kant dans des Traditions Anglo-Amricaine et Continentale tenu du 10 au 14 octobre, 1974, Ottawa*, 1976.

Paul GUYER, _*kant and the Claims of Taste, Harvard*, 1979.

Friedrich KAULBACH, *_das Prinzip Handlung in der Philosophie Kants*, Berlin, 1978.

-- *_immanuel Kant*, Berlin, 1982.-- *_aesthetische Welterkenntnis bei Kant*, Wuerzburg, 1984.-- *_philosophie des Perspektivismus*, Tuebingen, 1990 (espec. cap. I).

Norman KEMP SMITH, *_a Commentary to Kant's "Critique of Pure Reason*", London, 1979 (espec. cap. __iii do Apndice A).

Jens KULENKAMPFF, *_kants Logik des aesthetischen Urteils*, Frankfurt a. Main, 1976.

Ingeborg HEIDEMANN, *_der Begriff des Spieles*, Berlin, 1968 (espec. 1.o cap. do 2.o livro: "O Conceito de Jogo em Kant").

Rolf-_peter HORSTMANN, *_why Must Be a Transcendental Deduction in Kant's Critique of Judgement*? in *_kant's Transcendental Dedutions -- The Three Critiques and the "Opus Postumum*", Stanford, 1989.

Grard LEBRUN, *_kant et la Fin de la Mtaphysique*, Paris, 1970.

Gerhard LEHMANN, *_beitraege zur Geschichte und Interpretation Kants*, Berlin, 1969.

Jean-Franois LYOTARD, *_leons sur l'Analytique du Sublime*, Paris, 1991.

Rudolf A. MAKKREEL, *_imagination and Interpretation in Kant -- The Hermeneutical Import of the Critique of Judgement*, Chicago, 1990.-- *_materiallen zu Kants "Kants Kritik der Urteilskraft*", ed. J. Kulenkampff, Frankfurt a. Main, 1974.

Antnio MARQUES, *_organismo e Sistema em Kant* -- *_ensaio sobre o Sistema Crtico Kantiano*, Lisboa, 1987.

Vittorio MATHIEU, *_kants Opus Postumum*, Berlin, 1989 (espec. cap. __ii). :,

Alexis PHILONENKO, *_tudes Kantiennes*, Paris, 1982.

Nicholas RESCHER, *_kant's Theory of Knowledge and Reality* -- *_a Group of Essays*, Washington, D. C., 1983 (espec. cap. VI).

:__evue internationale de __philosopnie, *_kant: Critique du jugement* (1790-1990), 2 vols., Paris, _p_u_f, 1990.

Hans VAIHINGER, *_die Philosophie des Als Ob -- System der theoretischen, praktischen und religioesen Fiitionen der Menschheit auf Grund eines idealistischen Positivismus. Mit Anhang ueber Kant und Nietzsche*, Berlin, 1911.

H. J. de VLEESCHAUWER, *_le Sns de la Mthode dans le Discours de Descartes et la Critique de Kant* in *_studien zur Kants philosophischer Entuoicklung*, Hildesheim, 1967, pp. 167-183.

Eric WEIL, *_problmes Kantiens*, Paris, 1970 (espec. cap. __ii).

C. ZUMBACH, *_the Transcendent Science: Kant's Conception of Biological Methodology*; The Hague, 1984.

NOTAS DO PREFCIO

(1) G. Lehmann, *_system und Geschichte in Kants Philosophie in Beitraege zur Geschichte und Interpretation Kants*, Berlin, 1969, pp. 152 e segs.

(2) *_sistem*a e *arquitectnica* so conceitos reversveis em Kant e cuja teorizao aparece j bastante desenvolvida na *_c_r_p*, precisamente na terceira seco da sua segunda parte, *_doutrina Transcendental do Mtodo*, intitulada: *_a Arquitectnica da Razo Pura*, B 860 e segs. Ser de notar que o conceito de *arquitectnica* transfere para o de *sistema* um sinal de abertura e incompletude permanentes.

Apesar de Kant a explicar que "ao esboar simplesmente a arquitectnica de todo o conhecimento proveniente da *razo pura*", vai comear "a partir do ponto em que se divide a raiz comum da nossa faculdade de conhecer, para formar dois ramos, um dos quais a *razo*" B 863 (as citaes da *_c_r_p* sero sempre a partir da traduo portuguesa de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujo, Lisboa, 1985), a verdade que vo permanecer como problemticos os prprios conceitos de unidade, de tronco comum ou o prprio conceito de actividade da razo que a metafrica da rvore do saber afinal ajuda a encobrir. O principal motivo que fica com consequncias para a terceira Crtica vem j claramente referido no texto da *_arquitectnica*: as diferentes e aparentemente incomunicveis legislaes da razo e os seus dois objectos, a *natureza* e a *liberdade* (conf. B 868).

(3) Kant, *_carta a C. L. Reinhold*, 28-31.12.1787 in Immanuel Kant, Briefwechsel, Hamburg, 1986, pp. 333-336.

(4) Forma como Kant define em vrias ocasies o conhecimento filosfico. Por exemplo na *_c_r_p*, em B 741: "O conhecimento *filosfico o conhecimento racional de conceitos*". Acrescentar-se- que estes devem ser considerados como possuindo um valor *a prior*.

(5) *_c_f_j*, B 169. J quase no fim da *_c_f_j* Kant repete esta ideia de que a liberdade e as exigncias da razo prtica em geral sero melhor "confirmadas" por uma natureza contendo ela prpria determinados traos de inteligncia e que por isso se mostre "adequada" aos fins do homem: "o facto de haver, no mundo efectivo, para os seres racionais uma rica matria para a teleologia fsica (o que no seria at necessrio), serve ao argumento moral para a confirmao desejada, na medida em que a natureza pode apresentar algo de anlogo s ideias (morais) da razo" (*_c_f_j*), B 474.

(6) Acerca da gnese no sistema crtico kantiano desta nova imagem da natureza, que no entanto no se pode confundir com a metafsica da natureza mais tarde teorizada pelos principais autores do idealismo e do :, romantismo alemes, ver nosso *_organismo e Sistema*, Lisboa, 1987, espec. 1.a e 4.a Seces.

(7) O problema da mediao entre os dois domnios heterogneos o grande problema sistemtico da ltima Crtica e que tinha ficado em aberto. "Ainda que na verdade susbsista um abismo intransponvel entre o domnio do conceito de natureza, enquanto sensvel, e o do conceito de liberdade, como supra-sensvel, de tal modo que nenhuma passagem possvel do primeiro para o segundo (por isso mediante o uso terico da razo), como se se tratassem de outros tantos mundos diferentes, em que o primeiro no deve poder ter qualquer influncia no segundo, contudo este ltimo deve ter uma influncia sobre aquele, isto o conceito de liberdade deve tornar efectivo no mundo dos sentidos o fim colocado pelas suas leis e a natureza tem em consequncia que ser pensada de tal modo que a conformidade a leis da sua forma concorde pelo menos com a possibilidade dos fins que nela actuam segundo leis da liberdade" (*_c_f_j*, B __xxix-__xx).

(8) *_c_f_j*, B 267.

(9) Por exemplo na Antropologia: "Der Affekt ist Ueberraschung durch Empfindung, wodurch afie Fassung des Gemuets (*animus sui compos*) aufgehoben wird", (B 203/_a 204) e no *_opus Postumum*/, Ak. Ausg. XXII, 484: "Erfahrung wovon haben ist ein Akt des Gemuets (*animus ohne anima zu heissen*) wo empirische Vorstellung eines Objekts, d. i. Wahrnehmung nach einem Gewissen Prinzip aggregirt wird".

(10) *_c_f_j*, B XXVI.

(11) *_c_r_p*, B 684. Que Kant tenha dado claramente um valor transcendental ao seu hipottico e regulativo da razo na primeira Crtica a nosso ver inquestionvel.

(12) Conf. por exemplo o ensaio de Rolf-_peter Horstmann, *_why Must There Be a Transcendental Deduction in Kant's Critique of Judgement*? in *_kant's Transcendental Deductions*, ed. E. Foerster, Stanford, 1989, pp. 157-176.

(13) *_c_f_j*, B L.

(14) *_c_f_j*, B XL.

(15) *_c_f_j*, B XL.

(16) *_c_f_j*, B XLI.

(17) *_c_f_j*, B LII.

(18) No nos parecer desajustado defender que na *_c_f_j* de um certo modo, e apesar das frequentes passagens em que Kant mantm uma :, dicotomia estrita, tanto o julgamento esttico, como o teleolgico (sobre conformidade a fins objectiva nos seres orgnicos) envolvem processos de reflexo em que o elemento cognitivo e o do prazer sempre interagem. De algum modo o juzo esttico cognitivo, assim como o teleo gico conter em parte prazer. Ver a este propsito Frisdrich Kaulbach, *_aesthetische Welterkenutnis bei Kant*, Wuerzburg, 1984. Para Kaulbach a perspectiva da conformidade a fins (*_zweckmaessigkeit*) em que o sujeito se coloca equivale sempre a uma determinao de uma *verdade de sentido* (Sinnwahrheit). At na experincia esttica "aparece" essa verdade. "Esteticamente, isto no sentimento reflexivo reconhecida a verdade de sentido da perspectiva do mundo prpria da conformidade a fins, na medida em que se revela a sua aptido para o preenchimento do nosso interesse na liberdade esttica" (p. 121). Obra importante para se compreender a articulao do esttico e do cognitivo na *_c_f_j* a de O. Chdin, *_sur L'_esthtique de Kant* -- et la thorie critique de la reprsentation* (Vrin, Paris, 1982). Para este autor a reflexo esttica revela, no acordo e jogo das faculdades do conhecimento que lhe especfico, uma antecedncia em relao aos procedimentos cognitivos, mostrando simultaneamente na sua actividade, por assim dizer, indeterminada aquelas faculdades no seu estado mais puro: "Enquanto que uma *_crtica da razo pura* se esfora por estabelecer uma "constituio" doa poderes de conhecer. Uma Crtica do juzo* esttico descobre que estes poderes tiveram que ser capazes de se "auto-constituir" antes de toda a instituio", O. Chdin, op. cit., p 122.

(19) *_c_f_j*, B 473.

(20) *_c_f_j*, B 394.

(21) Desde logo a mencionada "viragem" bastante ntida quando comparamos os modos como Kant e filsofos de uma linha leibniziana e wolfiana, por exemplo Baumgarten, encaram o juzo esttico. Este para Kant tem de assentar forosamente, como dito no incio do parg. __vii da Introduo, naquilo "que na representao esttica de um objecto meramente subjectivo", ou seja naquilo "que constitui a sua relao com o sujeito e no com o objecto". Foi sempre um dos maiores cuidados de Kant retirar do registo do objecto (qualidades estticas, forma objectiva, aurola e caractersticas atractivas) o fundamento de determinao da experincia esttica. Em Baumgarten podamos encontrar uma esttica que ainda repousava, por exemplo, em frmulas como a seguinte: "a beleza universal do conhecimento sensvel -- j que nenhuma perfeio existe sem ordem -- o acordo (*consensus*) da ordem, na qual meditamos nas coisas belas" ou ainda "a beleza universal do conhecimento sensvel [...] o acordo dos sinais (meios de expresso) entre si e com a ordem e as coisas", (A. G. Baumgarten, *_theoretische Aesthetik -- Die grundlegenden Abschnitte aus der "Aesthetica*" (1750-1758), Hamburg, 1983, p. 12. Sobre as relaes da esttica kantiana com a da escola de Wolf/_baumgarten ver o recente artigo de Manfred Frank, Kants "*_reflexionen zur Aesthetik" -- Zur Werigeschichte :, der "Kritik der aesthetischen Urteilskraft*" in *_revue Internationale de Philosophie*, 44, 1990, pp. 552-580.

(22) *_c_r_p*, B XVI-__XVII.

(23) Foi assim que Bertrand Russell interpretou a "viragem copernicana" de Kant: "Kant falou de si mesmo como efectuado uma "revoluo copernicana", mas teria sido mais rigoroso se tivesse falado numa "contra-revoluo ptolomaica", a partir do momento em que voltou a colocar o homem no centro donde Coprnico o tinha destronado", *_human Knowlwdge-_its Scope and Limits*, London, 1966, p. 9.

(24) Cf. *_c_r_p*, B 109 onde Kant se refere aos conceitos puros precisamente como lugares de uma "tpica sistemtica": ...numa tpica sistemtica, como a presente, difcil errar a colocao adequada de cada conceito, ao mesmo tempo que facilmente se descobrem os lugares ainda vagos."

(25) Seria um erro considerar o ponto de vista formal da categoria e a procura de um ponto de vista sistemtico relativamente aos contedos como contraditrios. Eles so sobretudo complementares, assim como numa gramtica o ponto de vista sintctico e o ponto de vista semntico tambm o so. Conf. a este propsito: Josef Simon, *_teleologisches Reflektieren und Kausales Bestimmen*, Zeitschrift fuer Philosophisches Forschung, 30, 1976, pp. 380 e segs.

(26) *_c_f_j* XXXII.

(27) Em texto sobre a relao dos conceitos de *deduo* e *reflexo* no mbito de uma problemtica da deduo transcendental, Dieter Henrich expe assim a especificidade desse conceito em Kant: "A teoria kantiana da reflexo (a qual tem um significado completamente diferente do da "reflexo" que se tornou corrente na filosofia ps-kantiana) o seguinte: (a) As nossas capacidades cognitivas encontram-se numa "teia intrincada". Elas no podem ser reduzidas a uma nica forma de operao inteligente fundamental; (b) Cada uma destas capacidades espontaneamente operativa e relaciona-se com o seu domnio apropriado; (c) Para chegar a um conhecimento genuno torna-se necessrio controlar e estabilizar estas operaes e cont-las dentro dos limites dos seus domnios prprios [...]. Com vista a este propsito o animo tem que implicitamente conhecer aquilo que especfico de cada uma das suas actividades particulares. Isto implica, alm disso, que os princpios sobre os quais uma actividade fundada deva ser conhecida por contraste com as outras actividades. A reflexo consiste precisamente neste conhecimento. Sem ele confundiramos, por exemplo, o contar com o calcular, anlise com composio e assim por diante [...]; (d) Assim a reflexo tem sempre lugar" (D. Henrich, *_kant's Notion of a Deduction and the Methodological Background of the First Critique* in *_kant's Transcendental Deductions*, ed. E. Foerster, Stanford, 1989, p. 42. Veja-se tambm sobre o :, conceito de *reflexo* na *_c_r_p* e na *_c_f_j*, o artigo de Jean-Franois Lyotard, *_la Rflexion dans l'_esthtique Kantienne in Reoue Internationale de Philosophie, 44, 1990, Paris, pp. 507-542.

(28) No parg. 5 da *_c_f_j* Kant distingue trs formas diferentes de *comprazimento* correspondentes quilo que *agradvel*, ao que *belo* e ao que *bom*. "O agradvel, o belo, o bom designam, portanto, trs relaes diversas das representaes ao sentimento de prazer e desprazer, com referncia ao qual distinguimos entre si objectos ou modos de representao. Tambm no so idnticas as expresses que convm a cada um e com as quais se designa a complacncia (Komplazenz) nos mesmos. *_agradvel* para algum aquilo que o *deleita* (vergnuet); *belo*, aquilo que meramente lhe apraz (gefaellt); bom, aquilo que *estimado* (geschaetzt), *aprovado* (gebilligt)" (*_c_f_j*, B 15).

(29) Sobre as diferenas entre a reflexo esttica e a teleolgica ver nosso *_organismo e Sistema em Kant*, ed. cit., espec. pp. 184 e segs.

(30) *_c_f_j*, B 69. A este propsito ver o livro de Paul Crowther, *_the Kantian -- From Morality to Art*, Oxford, 1989, pp. 55 e sege.: "Contudo se Kant sugere que uma imaginao livre esquematiza sem *um* conceito, no quer dizer que ela esquematize sem referncia *faculdade* de conceitos como tal."

(31) assim que Kant pode falar numa "esquematizao sem conceitos", tese primeira vista impossvel no quadro da *_c_r_p*: "...visto que a liberdade da faculdade de imaginao consiste no facto que esta esquematiza sem conceitos, assim o juzo de gosto tem que assentar sobre uma simples sensao das faculdades reciprocamente vivificantes da imaginao na sua *liberdade* e do entendimento com a sua *conformidade a leis* (wechselseitig belebenden Einbildungkraft in ihrer *_freiheit* und des Verstandes mit seiner *_gesetzmaessigheit*)" (B 146).

(32) *_c_f_j*, B 29.

(33) Por exemplo Ingeborg Heidemann no seu *_der Begriff des Spieles* encontra na *_c_f_j* quatro sentidos para o termo jogo: jogo como *aco*, como *forma do sensvel*, como *coordenao* e como *princpio de ordenao de acontecimentos*. assim que nesta obra as relaes entre jogo e belo so investigadas segundo a estes quatro sentidos maiores daquele conceito. Conf. op. cit., Berlin, 1968, pp. 156 e segs.

(34) *_c_f_j*, B 129: "weil das Gemuet fuer sich allein ganz Leben (das Lebensprinzip selbst) ist."

(35) Sobre o conceito de "sade" na *_c_f_j* e a sua relao com o "jogo" ver espec. parg. 54, B 225 e segs. :,

(36) *_c_f_j*, B 42.

(37) *_c_f_j*, B 71. Um pouco mais frente (B 72) afasta toda a estrutura rigidamente-regular (Steif-_regelmaessige) como critrio do belo, sobretudo porque, ao produzir tdio, impede a faculdade de imaginao de poder "jogar naturalmente e de modo conforme a fins. (B 72).

(38) *_c_f_j*, B 84.

(39) *_c_f_j*, B 89.

(40) *_c_f_j*, B 102.

(41) Theodor W. Adorno, *_teoria Esttica*, trad. portuguesa de A. Moro, Lisboa, 1988, p. 222.

(42) Th. Adorno, *_teoria Esttica*, ed. cit., p. 224.

(43) *_c_f_j*, B 119.

(44) J.-_f. Lyotard, art. cit., p. 154.

(45) J.-_f. Lyotard, art. cit., p. 163.

(46) *_ibid*.

(47) *_c_f_j*, B 119.

(48) J.-_f. Lyotard, art. cit., p. 160. Especificamente sobre a temtica do sublime na *_c_f_j*, veja-se o importante estudo deste autor, *_leons sur l'_analytique du Sublime*, Galile, Paris, 1991.

(49) *_c_f_j*, B 247.

(50) A. G. Baumgarten, *_theoretische Aesthetik -- Die grundlegende Abschnitte aus der "Aesthetica", lat./deut., Felix Meiner, Hamburg, 1988.

(51) A. G. Baumgarten, *ibid*.

(52) *_c_f_j*, B 252.

Crtica da Faculdade do Juzo

de Immanuel Kant

Introduo deAntnio Marques

Traduo e notas de

Antnio Marques eValrio Rohden

Publicao em 10 volumes S. C. da Misericrdia do Porto _c_p_a_c -- Edies Braille R. do Instituto de S. Manuel 4050 Porto

1997

Segundo Volume

Immanuel Kant

Crtica da Faculdade do Juzo

Introduo deAntnio Marques

Traduo e notas de Antnio MarqueseValrio Rohden

Imprensa Nacional -- Casa da Moeda

Estudos GeraisSrie Universitria -Clssicos de Filosofia

Composto e impressopara Imprensa Nacional-- Casa da Moedapor Tipografia Lousa-nense, Lda., Louscom uma tiragem de doismil exemplares

Capa de Armando Alves

Acabou de imprimir-se emMaro de mil novecentos enoventa e dois

_e_d.21.100.666 _c_o_d. 215.032.000

Dep. Legal n.o 40984/90

isbn 972-27-0506-7

NOTA DOS TRADUTORES

A *_crtica da Faculdade do Juzo* foi originalmente publicada sob o ttulo de *_critik der rteilskraft von Immanuel Kant*. Berlin und Libau, bey Lagarde und Friedrich 1790. LVIII e 477 pginas. A segunda edio, com o mesmo ttulo, apareceu em Berlin, bey F. T. Lagarde 1793. LX e 482 pginas. A terceira e ltima edio em vida de Kant apareceu em 1799. Sobre as correces introduzidas nesta ltima edio no h informaes de que Kant tenha tomado conhecimento delas. O prprio Kant introduziu diversas correces na segunda edio, ainda que no ao ponto de se justificar que constasse no seu ttulo "segunda edio melhorada", acrescento de que ele discordou, conforme as suas cartas a F. T. Lagarde.

A presente traduo baseou-se no texto da segunda edio de 1793, reeditado no vol. v da *_kants Werke*, Akademie-Textausgabe, Berlin, Walter de Gruyter & Co. 1968, Hrsg. von der Koeniglich Preussischen Akademie der Wissenschaften, Band V, Berlin 1908-1913, S. 165-485. Os nmeros margem (a) trazem a indicao das pginas correspondentes quela segunda edio original, extrada do texto da Academia.

Trouxemos nas notas as principais variantes das trs edies originais, referidas como "A" ( 1.a edio), "B" (2.a edio), "C" (3.a edio). Omitimo-las quando afectavam mais a forma gramatical e a expresso alem do que o contedo, a ponto de na traduo as diferenas se tornarem pouco visveis. O leitor zeloso dessas mincias poder verific-las no prprio texto original. As notas ao p da pgina: a), b), etc., dizem respeito s referidas variantes e aos comentrios dos tradutores. As notas com algarismos rabes, no fim de cada uma das partes principais da obra ("Introduo", "Crtica da Faculdade do Juzo Esttica" e "Crtica da Faculdade do Juzo Teleolgica") so as do prprio Kant. :,

Esta traduo d lugar a duas edies, a que aqui se apresenta e outra brasileira (Editora Forense Universitria, Rio de Janeiro/_so Paulo). As diferenas so sobretudo as ortogrficas e outras que tm a ver com as diferentes sensibilidades do portugus falado e escrito: contraces, lugar das formas e partculas reflexas e pronominais em relao ao verbo, substituio de um ou outro termo cado em desuso para o portugus de Portugal, mas usual no portugus do Brasil, etc. Entretanto o glossrio tcnico o mesmo, a no ser em dois casos em que se achou que a soluo encontrada para a edio brasileira violentava em demasia a prtica e sensibilidade lingusticas do portugus de Portugal: *_wohlgefallen* e *_beurteilung*, isto comprazimento em vez de complacncia e julgamento em vez de ajuizamento.

Uma palavra relativamente aos limites de qualquer traduo. Toda a traduo, face aos frequentes obstculos compreenso de termos e de frases e possvel pluralidade dos seus sentidos, constitui a adopo de uma perspectiva interpretativa. No entanto a componente interpretativa, diramos mais subjectiva, deve entrar sempre em jogo e em tenso com aquilo a que poderamos chamar o sentido prprio do texto, o qual os tradutores devero procurar *como se* este persistisse objectivamente e em si, para l de propostas de interpretao algo pessoais. Ora neste caso seguimos essencialmente uma linha de traduo que nos aproximasse do sentido kantiano do texto. Assim, por exemplo relativamente ao ttulo da obra, preferimos traduzir *_urteilshraft*, de acordo com o constante no alemo, por "faculdade do juzo", evitando o ttulo "Crtica do Juzo", porque nela no se trata primordialmente do juzo, mas sim da sua faculdade. O artifcio de escrever "Juzo" (com letra maiscula), sempre que se trate de *_urteilskraft* e no simplesmente *_urteil* (juzo), favorece a ambiguidade que o texto no tem e uma viso distorcida da obra. Na mesma linha traduzimos o termo tcnico *_eildungskraft* or faculdade da imaginao, como *_enntniskraft*por faculdade do conhecimento. Alis Kant identificou *_uilskraft* e *_uilsuermoegen, Erkenntniskraefte* e *_erkenntnisvermoegen*. A opo pela traduo de termos como *_wohlgefallen* por comprazimento (no sentido de prazer partilhado), *_gemuet* por animo (apesar da nossa tendncia a :,traduzi-lo por mente), *_zweckmaessigkeit* por conformidade a fins, *_beurteilung* por julgamento, *_begehrungsvermoegen* por faculdade de apetio, *_endaweck* por fim terminal, etc., decorreu em grande parte da observncia dos correspondentes termos latinos usados em vrios casos por Kant, mas tambm da opo por uma linguagem mais filosfica, em vez de uma linguagem que s atendesse ao seu uso vigente. Uso a que no entanto se torna por vezes impossvel fugir e que alguns embaraos nos causou. Exemplos so o caso da traduo de *_vorurteil* por preconceito, termo que se imps mas que constitui um empobrecimento do sentido judicativo, tanto do termo alemo como do latino *praeiudicium*, e tambm, mas somente na edio portuguesa, o caso de *_wohlgefallen* por comprazimento, quando o termo complacncia seria a opo mais correcta, dado o correspondente latino indicado por Kant, *complacentia*. No entanto a edio brasileira decidiu-se por complacncia, apesar do seu significado entre ns se ligar actualmente mais a tolerncia.

Em contrapartida a remisso pelo prprio Kant a fontes latinas do seu pensamento animou-nos introduo de um termo novo em portugus, como para *_einsicht*, perspicincia (no sentido complexo de *perspicere* e *scientia*; ver a nota correspondente).

A opo por uma linguagem em parte normativa tanto mais importante em portugus, porque nele uma linguagem filosfica ainda se encontra em vias de constituio. o prprio Kant que no Prlogo *_metafsica dos Costumes* (1797) nos recomenda a proceder deste modo: "O sistema de uma crtica da faculdade da razo, assim como em geral qualquer metafsica formal, jamais se pode tornar popular, apesar dos seus resultados poderem ser tornados claros s razo (de um metafsico que se ignora). Aqui no se pode pensar em nenhuma popularidade (linguagem popular), mas tem que se insistir em *exactido* acadmica, mesmo que ela seja desaprovada pelo seu carcter penoso (pois se trata de uma linguagem acadmica), porque s por ela a razo precipitada pode pela primeira vez ser levada a compreender-se a si prpria face s suas afirmaes dogmticas" (Ak.-_ausg., VI, 206).

Cabe aqui notar que a j mencionada recuperao desse sentido original do texto, talvez somente uma ideia regulativa :, na acepo kantiana, obrigou-nos a investigar o significado prprio dos termos alemes, no s pela considerao dos termos em si, mas tambm indirectamente, atravs do correspondente latino que frequentemente o prprio Kant indica, quer nesta, quer noutras obras.

Esta traduo a quatro mos consumiu alguns anos de trabalho e pesquisa. A autonomia com que procurmos realiz-la, tomando as tradues existentes nas demais lnguas como outras tantas tentativas de xito neste empreendimento, constituiu para ns uma fonte de satisfao constante. Satisfao semelhante causou-nos ouvir a Pablo Oyarzun Robles (Santiago do Chile) que a sua nova traduo espanhola *_crtica de la facultad de juzgar*, a sair em breve na Venezuela, coincide com a nossa -- sem nenhum anterior conhecimento recproco -- na maioria dos pontos de vista e dos resultados alcanados.

A nossa experincia conjunta Portugal-_brasil constitui a primeira traduo completa da terceira Crtica de Kant em portugus. No inclumos nela a primeira verso da Introduo que Kant abandonou devido sua extenso, mas cujo original remeteu posteriormente a J. S. Beck, conforme carta de 4-12-1792, em virtude da sua maior elucidao do conceito de *_zweckmaessigkeit* (conformidade a fins). No a fornecemos em apndice, at porque j possumos a traduo exemplar de Rubens Rodrigues Torres Filho no "Kant II" da coleco "Os Pensadores" da Abril Cultural.

A inspirao do projecto desta traduo deveu-se ao convite de Roberto Machado que desde logo acolheu com simpatia a ideia deste trabalho. Os nossos mais sinceros agradecimentos a Diogo Pires Aurlio pelo interesse e apoio que sempre nos manifestou no respeitante edio portuguesa. A sua realizao conjunta viabilizou-se graas s bolsas de ps-doutoramento e pesquisa, concedidas simultaneamente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico parte brasileira e pela Alexander von Humboldt Stiftung parte portuguesa, na Universidade de Muenster. Os nossos agradecimentos pelos dilogos l mantidos com vista a esta traduo dirigem-se aos professores Volker Gerhardt, Birgit Recki, Ursula Franke, Georg Meggle, Peter Rohs e seus alunos, ao seu assistente Axel Wustehube e ao doutor Mrio Gonzalez :, Porta. Tambm agradecemos as sugestes dos professores Friedrich Kaulbach, Reinhard Brandt e Konrad Kramer. Uma palavra de reconhecimento a Elisabeth Fernandes pela troca de impresses que connosco manteve em Muenster.

Uma traduo da terceira Crtica de Kant um desafio intelectual to penoso como estimulante e no fim resta a clara conscincia de estarmos perante um trabalho que no pode dispensar a contnua auto-correco e as sugestes do pblico leitor.

Os tradutores

Prlogo

_ Primeira Edio, 1790 (a)

(a) A: Prlogo.

A faculdade do conhecimento a partir de princpios *a priori* pode ser chamada *razo pura*, e a investigao da sua possibilidade e dos seus limites em geral, crtica da razo pura, embora se entenda por essa faculdade somente a razo no seu uso terico, como tambm ocorreu na primeira obra sob aquela denominao, sem querer ainda incluir na investigao a sua faculdade como razo prtica, segundo os seus princpios peculiares. Aquela crtica concerne ento simplesmente nossa faculdade de conhecer *a priori* coisas e ocupa-se portanto s com a *faculdade do conhecimento*, com excluso do sentimento de prazer e desprazer e da faculdade da apetio; e entre as faculdades de conhecimento ocupa-se com o *entendimento* segundo seus princpios *a priori*, com excluso da *faculdade do juzo* e da *razo* (enquanto_o__iv faculdades igualmente pertencentes ao conhecimentoterico), porque se ver a seguir que nenhuma outrafaculdade do conhecimento, alm do entendimento, podefornecer *a priori* princpios de conhecimento constitutivos. Portanto a crtica que examina as faculdades em conjunto, segundo a participao que cada uma das outras, por virtude prpria, poderia pretender ter na posse efectiva do conhecimento, no retm seno o que o *entendimento* prescreve *a priori* como lei para a natureza, enquanto complexo de fenmenos (cuja forma igualmente dada *a priori*); mas relega todos os outros conceitos puros s ideias, que para a nossa faculdade :, de conhecimento terica so transcendentes, os quais nem por isso so inteis ou dispensveis, mas servem (a) como princpios regulativos. F-lo, em parte, para refrear as preocupantes pretenses do entendimento, como se ele (enquanto capaz de indicar *a priori* as condies a possibilidade de todas as coisas que ele pode conhecer) tivesse tambm assim determinado, dentro desses limites, a possibilidade de todas as coisas em geral, em parte para o guiar a ele mesmo na considerao da natureza segundo um princpio de completude, embora _ov jamais possa alcan-la e deste modo promover o objectivo final de todo o conhecimento.

Logo, era propriamente o entendimento -- que possui o seu prprio domnio, e na verdade na *faculdade do conhecimento*, na medida em que ele contm *a priori* princpios de conhecimento constitutivos -- que deveria ser posto em terreno seguro e nico (b) pela em geral chamada Crtica da razo pura contra todos os outros competidores. Do mesmo modo foi determinado *razo*, que no contm *a priori* princpios constitutivos seno com respeito *faculdade da apetio* (c), o seu terreno na Crtica da razo prtica.

Ora, saber se a *faculdade do juzo*, que na ordem das nossas faculdades de conhecimento constitui um termo mdio entre o entendimento e a razo, tambm tem por si princpios *a priori*; se estes so constitutivos ou simplesmente regulativos (e por isso no provam nenhum domnio prprio), e se ela fornece *a priori* a regra ao sentimento de prazer e desprazer enquanto termo mdio entre a faculdade do conhecimento e a :,

(a) "servem" acrescento de B.

(b) De acordo com Windelband; Kant: uma.

(c) A traduo de *_begehrungsvermgen* por faculdade deapetio concorda com a utilizao por Kant da sua correspondenteexpresso latina, muito frequente por exemplo nas *_reflexes* dovol. XV, como alis no texto de Baumgarten a reproduzido. NaReflexo 1015 Kant afirma: *_facultas appetitionis practicae estarbitrium*. Essa denominao permite uma melhor distino entre*_wille* (vontade), *_willkr* (arbtrio) e *_wunsch* (desejo).

faculdade da apetio (do mesmo modo como o entendimento _oVI prescreve *a priori* leis primeira, a razo porm segunda): eis com o que se ocupa a presente crtica da faculdade do juzo.

Uma Crtica da razo pura, isto da nossa faculdade de julgar segundo princpios *a priori*, estaria incompleta se a faculdade do juzo, que por si, enquanto faculdade do conhecimento, tambm a reivindica, no fosse tratada como uma sua parte especial. No obstante, os seus princpios no devem constituir, num sistema da filosofia pura, nenhuma parte especial entre a filosofia terica e a prtica, mas em caso de necessidade devem poder ser ocasionalmente ajustados a cada parte de ambas. Pois se um tal sistema sob o nome geral de Metafsica alguma vez deve realizar-se (cuja execuo completa em todos os sentidos possvel e sumamente importante para o uso da razo pura): ento a crtica tem que ter investigado antes o solo para este edifcio, to profundamente quanto jaz a primeira base da faculdade de princpios independentes da experincia, para que no se afunde em parte alguma, o que _o__vii inevitavelmente acarretaria o desabamento do todo.

Mas pode-se facilmente concluir da natureza da faculdade do juzo (cujo uso correcto to necessrio e universalmente requerido que, por isso, sob o nome de so entendimento no se tem em mente nenhuma outra faculdade seno precisamente essa) que comporta grandes dificuldades descobrir um princpio peculiar dela (pois algum ela ter de conter *a priori*, porque de contrrio ela no se exporia, como uma faculdade de conhecimento especial, mesmo crtica mais comum), que todavia no tem de ser deduzido de conceitos *a priori*; pois estes pertencem ao entendimento e a faculdade do juzo concerne somente sua aplicao. Portanto ela prpria deve indicar um conceito pelo qual propriamente nenhuma coisa conhecida, mas que serve de regra somente a si mesma, no porm como uma regra objectiva qual ela possa ajustar o seu juzo, pois ento se requeriria por sua vez uma outra faculdade para poder distinguir se se trata do caso da regra ou no. :,

Este embarao devido a um princpio (seja ele subjectivo ou objectivo) encontra-se principalmente naqueles julgamentos que se chamam estticos e dizem respeito _o__viii ao belo e ao sublime da natureza ou da arte. E contudo a investigao crtica de um princpio da faculdade do juzo nos mesmos a parte mais importante de uma crtica desta faculdade. Pois embora eles por si s em nada contribuam para o conhecimento das coisas, apesar disso pertencem unicamente faculdade do conhecimento e provam uma referncia imediata dessa faculdade ao sentimento de prazer e desprazer segundo algum princpio *a priori*, sem o misturar com o que pode ser fundamento de determinao da faculdade da apetio, porque esta tem os seus princpios *a priori* em conceitos da razo. -- Mas no que concerne ao julgamento lgico (a) da natureza, l onde a experincia apresenta uma conformidade a leis em coisas para cuja compreenso ou explicao o universal conceito intelectual do sensvel j no basta e a faculdade do juzo pode tirar de si prpria um princpio da referncia da coisa natural ao suprassensvel incognoscvel, tendo que utiliz-lo, para o conhecimento da natureza, somente com vista a si prpria, a na verdade um tal princpio *a priori* pode _o__ix e tem que ser aplicado ao *conhecimento* dos entes mundanos e ao mesmo tempo abre perspectivas que so vantajosas para a razo prtica; mas ele no tem nenhuma referncia imediata ao sentimento de prazer e desprazer, que precisamente o enigmtico no princpio da faculdade do juzo e que torna necessria uma diviso especial na crtica desta faculdade, j que o julgamento lgico segundo conceitos (dos quais jamais pode ser deduzida uma consequncia imediata sobre o sentimento de prazer e desprazer), teria podido, em todo caso, ser atribudo parte terica da filosofia juntamente com uma delimitao crtica dos mesmos.

(a) Rosenkranz: "teleolgico".

Visto que a investigao da faculdade do gosto, enquanto faculdade de juzo esttica, no aqui empreendida para a formao e cultura do gosto (pois esta :, seguir como at agora o seu caminho, mesmo sem todas aquelas perquisies), mas simplesmente com um propsito transcendental, assim me lisonjeio de pensar que ela ser tambm ajuizada com indulgncia a respeito da insuficincia daquele fim. Mas no que concerne ao ltimo objectivo, ela tem que preparar-se para o mais rigoroso exame. Mesmo a, porm, espero que a grande dificuldade em resolver um problema que a natureza _o_x complicou tanto possa servir como desculpa paraalguma obscuridade no inteiramente evitvel na sua soluo, contentoque seja demonstrado de modo suficientemente claro que o princpio foi indicado correctamente; isto na suposio de que o modo de deduzirdele o fenmeno da faculdade do juzo no possua toda a clareza quecom justia se pode exigir algures, a saber, de um conhecimento segundo conceitos que na segunda parte desta obra creio ter tambm alcanado.

Com isto termino, portanto, a minha inteira tarefa crtica. Passarei sem demora doutrinal, a fim de que sempre que possvel, retirar de minha crescente velhice o tempo em certa medida ainda para tanto favorvel. bvio que no haver a nenhuma parte especial para a faculdade do juzo, pois com respeito a ela a crtica toma o lugar da teoria; e que porm, segundo a diviso da Filosofia em terica e prtica e da fil