Crítica Literária Conceito e Evolução

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11 Cristina Botelho, Luciana C. Ferreira    TRAVESSIA    ANO XII - LETRAS CRÍTICA LITERÁRIA: CONCEITO E EVOLUÇÃO Cristina Botelho 1   Luciana Cav alcanti Ferre ira 2   Resumo: O presente artigo é o resultado de uma pesquis a bibliográfic a, cuja  finalidade é a discussão dos conceitos de crítica literária, sua evolução e as diversas abordagens críticas, desde o século XIX até o século XX. Trata-se de uma discussão que se propõe a esclarecer as semelhanças e divergências das diversas abordagens críticas, numa perspectiva evolutiva que vai de Sainte-Beuve a Bakhtin. Palavras - chave: crítica, abordagem, evolução. INTRODUÇÃO O estudo da literatura exige um conhecimento dos conceitos de crítica literária e também de suas diferentes abordagens. Em decorrência desse fato, a presente pesquisa torna-se válida, principalmente para os estudiosos das letras, a quem cabe o papel de analisar, criticar e julgar a  produção literária. Por esta razão, neste artigo estão presentes os conceitos de crítica literária e a evolução de suas várias e diferentes abordagens, desde o século XIX até o século XX. Para isso realizamos um levantamento de dados em autores tais como: Massaud Moisés, Rogel Samuel, Jérôme Rogel e Terry Eaglaton . CRÍTICA LITERÁRIA: CONCEITO E EVOLUÇÃO Segundo Massaud Moisés (1967), a palavra “crítica” deriva do grego  Krínein significando julgar. Ao longo de sua evolução enriqueceu-se e tornou-se universalmente usada como sinônimo de interpretação, análise e julgamento da obra de arte ou de qualquer outro objeto, ou ainda como sinônimo de modos de julgamento: crítica 1  A autora é Doutora em Teoria da Literatura, Professora de Teoria da Literatura e das Literaturas de Língua Portuguesa na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda e da Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata da Universidade de Pernam buco. 2  Mestra em Literatura Brasileira, Professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.

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  • 11 Cristina Botelho, Luciana C. Ferreira TRAVESSIA ANO XII - LETRAS

    CRTICA LITERRIA: CONCEITO E EVOLUO Cristina Botelho

    1

    Luciana Cavalcanti Ferreira2

    Resumo: O presente artigo o resultado de uma pesquisa bibliogrfica, cuja

    finalidade a discusso dos conceitos de crtica literria, sua evoluo e as diversas

    abordagens crticas, desde o sculo XIX at o sculo XX. Trata-se de uma discusso

    que se prope a esclarecer as semelhanas e divergncias das diversas abordagens

    crticas, numa perspectiva evolutiva que vai de Sainte-Beuve a Bakhtin.

    Palavras - chave: crtica, abordagem, evoluo.

    INTRODUO

    O estudo da literatura exige um conhecimento dos conceitos de

    crtica literria e tambm de suas diferentes abordagens. Em decorrncia

    desse fato, a presente pesquisa torna-se vlida, principalmente para os

    estudiosos das letras, a quem cabe o papel de analisar, criticar e julgar a

    produo literria. Por esta razo, neste artigo esto presentes os

    conceitos de crtica literria e a evoluo de suas vrias e diferentes

    abordagens, desde o sculo XIX at o sculo XX. Para isso realizamos

    um levantamento de dados em autores tais como: Massaud Moiss,

    Rogel Samuel, Jrme Rogel e Terry Eaglaton .

    CRTICA LITERRIA: CONCEITO E EVOLUO

    Segundo Massaud Moiss (1967), a palavra crtica deriva do grego Krnein significando julgar. Ao longo de sua evoluo

    enriqueceu-se e tornou-se universalmente usada como sinnimo de

    interpretao, anlise e julgamento da obra de arte ou de qualquer outro

    objeto, ou ainda como sinnimo de modos de julgamento: crtica

    1 A autora Doutora em Teoria da Literatura, Professora de Teoria da Literatura e das

    Literaturas de Lngua Portuguesa na Faculdade de Cincias Humanas de Olinda e da Faculdade

    de Formao de Professores de Nazar da Mata da Universidade de Pernambuco.

    2 Mestra em Literatura Brasileira, Professora de Lngua Portuguesa e Literatura Brasileira.

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    histrica, crtica oral, crtica de processos penais. A palavra crtica foi ainda corrompida pelo uso corrente, sendo empregada vulgarmente com

    sentido negativo e por vezes pejorativo.

    Com o passar dos sculos, este vocbulo acabou por adquirir um

    sentido polissmico, pois, atualmente, apresenta uma configurao

    semntica muito elstica, e envolve atividades diferenciadas desde o

    artigo de jornal, incluindo a resenha, at a tese universitria, passando

    pelas monografias, ensaios, artigos de revistas, conferncias, enfim,

    tudo isso recebe indistintamente o nome de crtica. A crtica literria,

    especificamente, tem a misso de apreciar o valor esttico de uma obra

    em todas as fases de sua realizao, julgando, inclusive, sua

    literariedade, sua excelncia e a hierarquia do seu valor.

    O histrico da crtica literria est longe de ser uma reta e de ser

    composto por uma sucesso de obras escritas segundo um mesmo

    padro intelectual. Ao contrrio, sua progresso acontece de forma

    irregular, como um ziguezague, absorvendo o mximo possvel de reas

    intelectuais ao longo de sua evoluo. Devido a essa irregularidade no

    h um nico mtodo para a abordagem de um texto literrio e no h

    mtodos que possam servir para todos os textos. A obra que determina

    o mtodo a ser empregado e este deve ser ainda, se necessrio, adaptado

    obra, para no exigirmos que ela se acomode artificialmente a um

    esquema predeterminado. Caber ao crtico observar o que predomina

    ou o que importante em cada caso, aplicando o mtodo correspondente

    ou a adaptao desse mtodo.

    O crtico literrio tem como objeto constante de estudo e

    avaliao a obra literria. Essa relao, segundo Enrique Anderson

    Imbert (1971), gera uma mtua dependncia entre o escritor e o crtico,

    j que ao escritor interessa, em muitos casos, a divulgao e o alcance

    proporcionado pela anlise de sua obra, e ao crtico interessa a obra

    propriamente dita. Mas a crtica, apesar de depender da obra de arte,

    tambm a criao de uma nova obra que prolonga e completa a obra

    criticada, alm de analis-la e avali-la. O crtico cria uma obra

    dependente da outra, j que no existiria sem ela, mas ao mesmo tempo

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    autnoma, bastando por si prpria e regida por leis especficas diversas

    das que comandam a obra de arte. Por isso que a crtica tambm arte,

    j que lida com dados subjetivos e imaginativos e o crtico, como o

    artista, cria uma obra, embora com outra qualidade, essncia e funo.

    A crtica, segundo Massaud Moises (1967), pode ser dividida de

    acordo com o seu objetivo restrito, em dois tipos: a crtica descritiva ou

    analtica, que seria a fase de pesquisa e anlise do texto literrio, com

    enfoque em sua compreenso; a crtica avaliativa ou justificativa, que

    pretende erguer juzo de valor. Um dos ideais da crtica literria seria a

    juno dessas duas formas de aproximao do texto: o julgamento

    erguido sobre dados fornecidos pela anlise.

    Assim, a crtica literria tem a funo de caracterizar a obra, uma

    atividade de investigao, atravs dos elementos que a compem,

    identificando suas diferenas. Sempre atenta aos processos

    estruturadores da obra e articulada com a histria e a literatura, ela seria

    o lugar de encontro entre o texto e o pblico, em pocas e espaos

    diferentes. Conjuga o modo de ser da obra com o modo de ver do

    crtico, ambos envolvidos pela historicidade. As abordagens crticas, por

    terem trajetrias irregulares, apresentam diferentes comportamentos ao

    longo do tempo e priorizam diferentes aspectos (contexto

    social/histrico, autor, obra e pblico) em seus vrios momentos,

    conforme diviso de Rogel (1997).

    Nas primeiras dcadas do sculo XIX, a crtica literria passa a

    processar-se sistematicamente, destacando-se o crtico francs Sainte-

    Beuve e seu mtodo biogrfico, que seria um processo de descrio que

    procurava explicar elementos da obra fazendo uma abordagem da

    biografia do autor. Com o desenvolvimento da teoria literria ficou

    comprovado que essa anlise era frgil e at contraditria, tanto que

    Sainte-Beuve tenta dar mais consistncia ao seu sistema e formula a

    teoria de tipos psicolgicos, que d incio ao que posteriormente seria

    conhecida como a histria da literatura: o estudo em conjunto de

    escritores de uma poca, assinalando as diferenas entre eles e

    formando grupos de estilos parecidos. Essa abordagem crtica prioriza o

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    autor, j que a partir da sua biografia poderamos entender melhor os

    elementos de sua obra.

    Nascida em oposio ao idealismo romntico e inspirado pelo

    extraordinrio avano das cincias da natureza durante a segunda

    metade do sculo XIX e pelo positivismo de Auguste Conte, surge a

    crtica determinista, destacando-se Hippolyte Taine, apontado como um

    percussor da sociologia da literatura, pelo relacionamento que realiza,

    no estudo da obra, entre o homem e o meio. Relaciona a produo

    literria com as condies sociais, mostrando, nessa abordagem, a

    valorizao do contexto social na anlise dos elementos literrios. Taine

    achava que o crtico deveria buscar a faculdade matriz de cada escritor, como se pretendesse chegar fonte psicolgica de onde parte o

    talento e a inspirao. Essa abordagem crtica tambm caracterizada

    pelo cientificismo, que aplica mtodos cientficos s cincias do

    esprito, incluindo a literatura.

    No final do sculo XIX, em oposio postura cientifica e

    objetiva do determinismo, desenvolveu-se uma tendncia crtica

    centrada na subjetividade do leitor, que seria o aspecto predominante da

    Crtica Impressionista, segundo a qual, cabia ao leitor transmitir as

    impresses que mais marcaram a sua sensibilidade. O crtico poderia

    agir livremente, sem limitaes metodolgicas, seguindo os impulsos de

    suas descobertas pessoais. Com isso a obra acabava ficando em segundo

    plano, servindo apenas como um cenrio para essas descobertas. Do

    impressionismo crtico resultam textos antolgicos, tendo-se em conta

    que seus cultores mais notveis foram tambm grandes escritores, como

    Anatole France e Virginia Woolf. Teve como mais importante seguidor

    Benedito Croce.

    Opondo-se s tendncias anteriores, pois recusa qualquer tipo de

    elementos extratextuais, surge, no incio do sculo XX, a Crtica

    Formalista ou o Formalismo Russo, entendendo que a investigao

    literria deve se fixar na prpria obra. Para Terry Eagleton (2001)

    caberia a essa crtica dissociar arte e mistrio e preocupar-se com a

    maneira pela qual os textos literrios funcionavam na prtica. Para eles

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    a literatura no era uma pseudo-religio, psicologia ou sociologia, mas

    uma organizao particular de linguagem. A obra literria no era um

    veculo de idias, nem uma reflexo sobre a realidade social, nem

    encarnao de uma verdade transcendental: era um fato material, cujo

    funcionamento podia ser analisado mais ou menos como se examina

    uma mquina. Com essas idias, essa abordagem concentra-se apenas

    na obra literria e tem como principais representantes Cheloveskg,

    Tomachevski, Vladimir Propp, O. Brik, Eikhenbaum e Tynianov. Por

    volta de 1924 e 1925, intelectuais marxistas exercem forte oposio aos

    formalistas, que julgavam desligar-se do processo histrico e do

    momento poltico na Rssia, decorrente da revoluo de 1917. Por volta

    de 1930 o Formalismo Russo se desintegra, deixando uma herana

    terica que seria logo mais revisada e aproveitada pelos estruturalistas.

    Ainda na primeira metade do sculo XX, sofrendo influncias

    dos estudos de Charles Bally, discpulo de Saussure, aparece no cenrio

    da crtica literria a Estilstica, inicialmente no voltada para os aspectos

    da lngua literria. Jules Marouzeu foi quem props uma estilstica

    voltada para a literatura, mas ainda muito ligada lingstica de Bally.

    Durante sua evoluo, a estilstica se mostra como uma abordagem que

    analisa a obra literria a partir do autor e da prpria obra, pois, ao

    mesmo tempo em que prope um estudo voltado para a lingstica, sofre

    influncia das teorias freudianas quanto criao literria ligada ao

    psiquismo do autor, apreendendo-a como expresso de uma

    personalidade. Esse dado psicolgico at rejeitado por Leo Spitzer no

    andamento da crtica, prevalecendo a viso da obra como organismos

    poticos em si. Mas Carlos Bousono, assim como Spitzer, tambm

    procura fugir apreenso somente sincrnica da obra literria e prope,

    a partir da interpretao do eu individual e do eu social do escritor, a

    incluso de elementos epocais, com o que procurou dar crtica uma

    dimenso diacrnica e ideolgica.

    Marcando, no contexto mundial, a passagem da crtica literria

    para o meio universitrio, caracterizando uma abordagem mais

    cientfica ou metodolgica temos a Nova Crtica que supera a

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    impressionista ou intuitiva. A Nova Crtica no se preocupa com a

    hermenutica, a ontologia, a filologia e com o perfil biogrfico do texto

    literrio, mas sim com uma leitura microscpica da obra que, assim

    como a Crtica Formalista e, em parte, a Estilstica, teria autonomia. O

    testemunho do autor seria a prpria obra e no um contexto histrico,

    biogrfico, psicolgico ligado a ele. Essa nova abordagem deixa claro

    que fixa a anlise dos elementos a partir do prprio texto, quando busca

    os significados denotativos e conotativos das palavras, ambigidades e

    tenses de vocbulos e sintagmas, imagens, metforas e smbolos

    dominantes ou recorrentes, processos retricos na composio de cada

    gnero a partir do enredo, personagens, atmosfera, temas principais e

    secundrios. Assim, o objetivo dessa forma de abordagem aproximar o

    crtico do texto potico, afastando-o de outras especulaes que

    extrapolam os limites do texto. A Nova Crtica tem como principais

    nomes John Crowe Ransom, Allen Tate, Cleanth Brooks e Robert Penn

    Warren, alm de R. P. Blackmur e Kenneth Burke. Essa abordagem

    crtica acontece concomitantente Formalista e Estilstica, j que

    todas ocorrem na primeira metade do sculo XX, confirmando a

    progresso irregular da histria da crtica literria.

    A nova Crtica havia desempenhado satisfatoriamente seu papel,

    mas era, num certo sentido, demasiadamente modesta e particularista

    para atingir a condio de uma disciplina acadmica rgida, pois deixava

    de lado aspectos mais estruturais da literatura. Para suprir essas lacunas

    surge o estruturalismo literrio que floresceu por volta do final da

    primeira metade do sculo XX, com a tentativa de aplicar literatura os

    mtodos e interpretaes do fundador da lingstica estrutural moderna,

    Ferdinand Saussure. O estruturalismo, como disse Frediric Jameson,

    uma tentativa de repensar tudo em termos lingsticos. mais um sintoma de que a linguagem, com seus problemas, mistrios e

    implicaes, se tornou tanto um paradigma como uma obsesso para os

    intelectuais do sculo XX. Com a herana do Formalismo Russo,

    tambm focado na anlise do texto literrio, o estruturalismo guiado

    pelo reconhecimento da obra como estrutura, pelos princpios da

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    funcionalidade e da generalizao, buscando o que as obras literrias do

    mesmo gnero tinham em comum, numa postura descritiva, objetiva e

    cientfica. Tem como principal nome Roman Jakobson, lder do Crculo

    Lingstico de Moscou, grupo formalista fundado em 1915. Jakobson

    emigrou para Praga em 1920, tornando-se um dos principais tericos do

    estruturalismo tcheco. Houve ainda outros importantes estruturalistas

    como Jean Cohen, Claude Lvi-Strauss, Tzvetan Todorov, dentre

    outros.

    Entrando na segunda metade do sculo XX e saindo da anlise

    mais objetiva da obra, aspecto predominante at ento, a Sociologia da

    Literatura volta-se para a crtica determinista que inclusive foi sua

    precursora. Essa forma de crtica foi influenciada por Lukcs que, ao

    estudar o romance, verifica a existncia de um heri problemtico, em

    um mundo inautntico, pois segundo a teoria do romance esse heri

    seria uma espcie de desajustado, cuja busca inautntica de valores

    autnticos, num mundo conformista e convencional, constitui o ncleo

    do gnero literrio romanesco. Essa abordagem tem como premissa que

    toda forma literria nasce da necessidade de exprimir um contedo

    essencial. Na busca dessa essncia, a Sociologia da Literatura prioriza o

    estudo do contexto como forma de analisar a obra; o texto literrio no

    seria um simples reflexo de uma conscincia real e dada, mas a

    conscientizao e concretizao das tendncias de um grupo social. O

    que se passa na sociedade acabaria sendo colocado no romance direta

    ou indiretamente. O romance exprime uma conscincia coletiva,

    elaborada no comportamento global dos indivduos da sociedade.

    Na segunda metade do sculo XX, surge a Semitica abordagem

    em que o literrio seria uma dinmica que elabora a relao existencial

    do homem com o mundo, no nvel do imaginrio, atravs da

    ficcionalidade do espao, do personagem e do acontecimento, podendo

    ser apreendido na sua conveno em discurso lrico, narrativo ou

    dramtico. A Semitica Literria pode ser dividida em dois nveis: no

    primeiro teramos o discurso como instncia fundadora do processo

    literrio, podendo este ter o tempo, o espao ou o acontecimento como

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    lgica estruturante da imagem de mundo ficcional, e no segundo nvel

    teramos o discurso contaminado pelas suas manifestaes. Essa forma

    de abordagem crtica privilegia o estudo dos elementos literrios atravs

    da obra, uma vez que mantm seu foco no estudo da estrutura do

    discurso ou no estudo de suas manifestaes.

    Numa nova tentativa de superar o fechamento do estruturalismo

    e buscando uma maior aproximao entre o leitor e a obra, exposta a

    Esttica da Recepo. Essa crtica foi apresentada pela primeira vez, por

    volta da dcada de 60, por Hans Robert Jauss que enfocava os efeitos

    que a literatura provoca no leitor. Este leitor passa a fazer parte da

    construo do texto atravs da leitura, podendo preencher os espaos que ficaram abertos plurissignificao. A Esttica da Recepo

    privilegia o receptor como aspecto fundamental no momento de analisar

    os elementos da obra literria. Para esta crtica, o leitor seria tambm

    como um co-autor com a possibilidade de ampliar os horizontes da

    imaginao incentivada pela literatura. Um dos problemas dessa

    abordagem crtica o fato desse leitor ser especial, algumas vezes at tratado como leitor ideal, o que torna a sua busca difcil por levantar a dvida: quais os parmetros para a escolha desse leitor? Afinal nem

    todos os leitores so iguais, nem tm a mesma bagagem de experincia

    ou viso de mundo. Assim como houve diversos estruturalistas, tambm

    existiram vrias correntes dentro da Esttica da Recepo representadas

    por Jauss, Lucien Dallenbach, Hs Ulrich Gumbrecht, entre outros.

    A crtica literria envereda novamente pelos caminhos que

    partem da interpretao do texto literrio, mas agora se encaminha para

    uma maior reflexo sobre a essncia humana, pois a Hermenutica

    prope uma linguagem com o texto e no sobre o texto. Essa tarefa se

    processa como um trabalho de criao, que ultrapassa os limites do dito

    e penetra pelas entrelinhas, indagando, no silncio, o sentido que

    ultrapassa as possibilidades denotativas e conotativas do cdigo

    lingstico. O texto potico seria sempre um entretexto resultante da

    tenso texto/pr-texto. A hermenutica buscaria a verdade existencial

    atravs da prpria obra, deixando que o poema fale por si, pois a

  • 19 Cristina Botelho, Luciana C. Ferreira TRAVESSIA ANO XII - LETRAS

    imagem potica, como lembrou Octavio Paz, no pode ser explicada

    com outras palavras, seno pelas da prpria imagem, que, enquanto

    imagem, j deixara de ser simplesmente palavras. Essa abordagem

    crtica, presente no sculo XX, busca alicerces filosficos que partem de

    Wilhelm Dilthey, Martin Heidegger e Hans-Georg Gamdamer.

    J na Hermenutica atual, desenvolvida nas idias de Heidegger,

    Ricoeur e Freud, e com isso mais filosfica e psicolgica, acontece

    tambm a reflexo sobre a essncia humana, mas a busca no seria mais

    na obra e sim no prprio ser humano. Nessa abordagem a obra seria um

    veculo para que o homem pudesse se autodescobrir, ele seria atuante na

    disposio do pensamento. Atravs da interpretao do texto literrio o

    homem poderia compreender-se e interpretar-se. Nessa crtica o aspecto

    predominante o leitor, assim como na Crtica Literria e na

    Psicanlise, que absorvem ainda mais as influncias de Freud quando

    comparam a obra a um espelho. Nela o homem poderia se olhar e

    refletir sobre sua existncia. A obra cumpriria o papel de um analista e o

    que dela se l nada mais que fala do analisando. A Crtica Literria e a

    Psicanlise melhoram o conceito da psicologia dentro da anlise do

    texto literrio, j que no incio da evoluo crtica o mtodo psicolgico

    foi empregado por Sainte-Beuve, analisando o autor com o intuito de

    explicar o texto. Diante das dificuldades dessa anlise, at um pouco

    esquecida no percurso evolutivo, I. A. Richards assegura que a

    psicologia do ato de ler est mais prxima da crtica do que a psicologia

    do ato de escrever. Tal posio levou Richards a investigar uma

    psicologia do leitor em pleno sculo XX.

    Outra forma de dividir a crtica literria seria a de Jrme Roger

    (2002). Para ele o papel da crtica no s o de julgar a obra literria,

    mas tambm o de se preocupar com os critrios desses julgamentos, fato

    que acarreta uma busca intermitente das verdades especficas a cada

    obra escolhida. Sendo assim, haveria diferentes planos referentes

    natureza e a pertinncia das questes a serem levantadas, os quais

    resultariam em mtodos especficos para cada uma delas. Jrme Roger

    divide a crtica literria em: Crtica da Criao, Crtica Temtica, Crtica

  • 20 Cristina Botelho, Luciana C. Ferreira TRAVESSIA ANO XII - LETRAS

    e Psicanlise, Crtica e Sociologia, Crtica e Lingstica e a Crtica dos

    Autores.

    A Crtica da Criao, representada inicialmente por Sainte-

    Beuve, tentava ressaltar a importncia da personalidade do autor na

    construo do texto literrio. Como vimos anteriormente, com o nome

    de crtica biogrfica Sainte-Beuve pregava um ato descritivo da

    linguagem literria, uma vez que esta teria uma viva e fiel ligao com o

    seu criador, sendo um meio onde o autor expressaria seu retrato. Com essa ligao autor-obra, Sainte-Beuve recebeu crticas como as de

    Proust no livro Contre Saint-Beuve.

    Proust acreditava na distino entre o eu pessoal do poeta e o

    que ele chamava de eu profundo, presente na construo do discurso literrio. Esse eu profundo seria responsvel pela independncia da obra literria a ponto de transform-la em um todo vivo, capaz de

    alcanar o leitor, independentemente dos conhecimentos prvios quanto

    ao universo de seu autor. A partir da Crtica da Criao, as crticas

    contemporneas iro perceber a interseco que h entre a literatura e as

    outras cincias humanas, tais como psicologia, sociologia e lingstica.

    J a Crtica Temtica, segundo Roger, partir da noo de tema, o

    qual corresponderia a um universo sensvel abrigado pela imaginao

    que produz imagens, sons, palavras, signos e sentimentos que na

    linguagem, por vezes, no tem nome. Alguns de seus principais

    representantes so: Gaston Bachelard, cujo trabalho equivale a uma

    transposio da fenomenologia ao estudo da imaginao potica; Jean-

    Pierre Richard, que mostrou como os temas de uma obra sugerem a

    experincia de uma conscincia nica; Jean Starobinski, que elaborou

    um modo de leitura esforando-se em destacar a ordem ou a desordem

    interna dos textos examinados, alm dos smbolos e das idias segundo

    os quais o pensamento do escritor se organiza.

    A partir da relao ambgua entre as teorias de Freud e a

    literatura foram abertos caminhos para uma investigao crtica

    relacionada com a psicanlise. Essa abordagem, Crtica e Psicanlise,

    divide-se em dois momentos: a psicocrtica, de Charles Mauron e a

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    textanlise, de Jean-Belle-min-Nol. A psicocrtica buscava uma psique

    do autor. Para Mauron a obra falaria de uma maneira pessoal,

    intermediada pelos personagens, pelas cenas, pelos versos e estrofes, o

    que formaria o mito pessoal. Para a percepo desse mito, seria necessrio pesquisar sobre a biografia do autor e sobre a histria

    literria. J a textanlise ou o texto fora do autor tinha bases no que hoje chamamos de plurissignificao do texto literrio, pois mostra que

    na obra no h um nico eu e sim vrios observados nas diversas formas

    de interpretao, que so descobertas atravs da entrega do leitor ao

    inconsciente do texto que nunca se contenta com apenas um sentido.

    Ainda envolvida com as cincias humanas, surge uma crtica

    voltada para a relao entre a literatura e a sociologia, desenvolvendo,

    no decorrer do sculo XX, dois momentos distintos: um voltado para a

    leitura da obra como produo social, a Sociocrtica, e o outro voltado

    para as sensaes provocadas nos leitores, a Esttica da Recepo. Para

    a Sociocrtica o texto literrio teria o papel de revelar uma viso de

    mundo atravs das relaes do indivduo com as condies reais de sua

    existncia. Essa abordagem busca inspirao nos pensamentos de

    Auguste Conte e Karl Marx, tendo como fundador o hngaro Georg

    Lukacs, com a tarefa de mostrar que, nas obras literrias, os crticos no

    deveriam buscar manifestaes interiores do autor, mas sim

    caractersticas sociais envoltas na histria e na filosofia. Lucien

    Goldemann continua os trabalhos de Lukacs, ampliando o universo da

    Sociocrtica, antes focado no romance e na epopia, para um conjunto

    de obras. J na Esttica da Recepo, o meio que forma o autor passa a

    ter menos significncia do que o meio que forma o leitor. Segundo Jean-

    Paul Sartre o pblico aparece com a funo de convocar e questionar a

    liberdade do texto literrio.

    Jrme Roger agrupa as abordagens que trouxeram uma viso

    formal literatura sob uma perspectiva lingstica, na nomenclatura

    Crtica e Lingstica.

    A proposta de Roman Jakobson era livrar o texto literrio do

    enfoque psicolgico e histrico, trazendo-o para um enfoque mais

  • 22 Cristina Botelho, Luciana C. Ferreira TRAVESSIA ANO XII - LETRAS

    cientfico em relao esttica da linguagem. J Bakhtin revela a idia

    de dialogismo do discurso que seria a marca de uma esttica fundada na

    relao de cada enunciado com os outros enunciados. Ele tentava

    mostrar que o romance um todo, um fenmeno pluriestilstico,

    plurilingual e plurivocal. mile Benveniste, por sua vez, esclarece

    aspectos fundamentais da linguagem como a noo de enunciao,

    referente a um processo de individualizao pelo discurso da obra. J

    Henri Meschonnic relacionou a enunciao com o ritmo, que seria uma

    inscrio do sujeito no conjunto da obra como sistema de valores da

    linguagem, por meio do sentido.

    Atualmente a crtica literria apresenta-se como crtica escritura

    ou crtica dos autores. Essa abordagem contempornea, segundo Roger,

    a reflexo de escritores a respeito da criao literria, nesse caso o

    escritor e o crtico se juntam na mesma condio difcil, diante do

    mesmo objetivo: a linguagem. A crtica escritura faz uma juno entre o

    ato questionador, pertinente crtica, e a busca de uma escrita pessoal,

    trazendo a crtica para o lado da literatura. Dentre os seus principais

    nomes esto Jean-Paul Sartre, Roland Barthes, Maurice Blanchot e

    Julien Graco. Jean-Paul Sartre era bastante ligado aos pressupostos

    tericos das cincias humanas como a psicanlise e a sociologia

    maxista, Sartre fazia inferncias sobre a responsabilidade do autor na

    formao da conscincia dos seus leitores: A funo do escritor fazer com que ningum possa ignorar o mundo e ningum possa se dizer

    inocente.

    Quanto ao estruturalismo aplicado na literatura, Sartre achava

    que tal modalidade s poderia apreend-la externamente. Roland

    Barthes colocou sem subterfgios a questo da crtica como forma de

    literatura, revelando-se tambm um escritor. J para Maurice Blanchot,

    a literatura vivida como um drama antolgico, cujo segredo todo

    escritor tenta decodificar solitariamente. Por fim, Julien Gracq

    distingue-se dos crticos que o precederam por no buscar o apoio das

    cincias humanas, sem, contudo, ignor-las.

  • 23 Cristina Botelho, Luciana C. Ferreira TRAVESSIA ANO XII - LETRAS

    CONSIDERAES FINAIS

    Os resultados ora apresentados est longe de ser conclusivo, pois

    o estudo da crtica literria, de modo sistemtico, antecede o sculo XIX

    e, com certeza, vai alm do sculo XX. A crtica, como vimos, depende

    da produo da arte literria e esta, sendo uma criao humana,

    permanecer como forma de expresso dos sentimentos e das idias do

    homem. Desse modo, as idias aqui expressas sobre o conceito, a

    evoluo e as abordagens crticas, encontram-se inconclusas, pois, como

    a crtica, acompanha a dinmica da produo literria e, como tal, estar

    sempre surpreendendo com novas formas de abordagem, conforme o

    mundo mundo, como afirma Guimares Rosa. Este artigo, tendo como

    objeto a crtica literria, no pode ser conclusivo, em definitivo, mas

    apenas naquilo que se liga ao recorte da evoluo da crtica do sculo

    XIX ao XX.

    REFERNCIAS

    EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introduo. So

    Paulo: Martins Fontes, 1983.

    IMBERT, Enrique Anderson. Mtodos de Crtica Literria. Livraria

    Almedina, 1971.

    MASSAUD, Moiss. A Criao Literria. So Paulo: Edies

    Melhoramentos, 1967.

    ROGEL, Samuel. Manual de Teoria da Literatura. 9 ed. Rio de

    Janeiro: Editora Vozes, 1997.

    ROGER, Jrmer. A Crtica Literria. Coleo Enfoques Letras.

    TADI, Jean-Yves. A crtica Literria no Sculo XX. Rio de Janeiro:

    Bertrand Brasil, 1992.

    TELES, Gilberto Mendona. Vanguarda Europia e Modernismo

    Brasileiro. 14 ed. Rio de Janeiro: 1997.