Críticos Decretam o Fim Da Poesia Americana — CartaCapital

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15/03/15 12:23 Críticos decretam o fim da poesia americana — CartaCapital Página 1 de 3 http://www.cartacapital.com.br/revista/832/criticos-decretam-o-fim-da-poesia-americana-5456.html Cultura Literatura Críticos decretam o fim da poesia americana Os culpados seriam workshops de escrita criativa e uma geração mais interessada no cultivo do ego que nas questões universais Arte: CartaCapital De tempos em tempos, alguém anuncia o declínio ou o fim da poesia nos Estados Unidos. Segundo o poeta David Lehman, uma pergunta sempre surge: “E o que estão fazendo com o cadáver?” Na atual edição da Poets & Writers, revista bimensal com mais de 60 mil assinantes, Donald Hall, de 86 anos, rememorou com nostalgia gerações anteriores e colegas como Frank O’Hara e Robert Bly. Hall costuma lamentar a incapacidade dos autores contemporâneos de produzirem obras tão relevantes quanto no passado. Não existiria mais, ele sugere, um autor com talento suficiente para influenciar a imaginação dos americanos como certa vez o fizeram Walt Whitman, Edgar Allan Poe, Ezra Pound, Robert Frost, T.S. Eliot ou Allen Ginsberg. No manifesto Poetry and Ambition, Hall atribui a suposta decadência da poesia do país à falta de “uma ambição séria”, a de “criar palavras que permanecem no tempo”. “Somos a primeira geração de poetas que não estuda latim e não lê Dante em italiano. Daí a insignificância da nossa sintaxe sofrível e do nosso vocabulário limitado”, escreve Hall, poeta laureado entre 2006 e 2007. Embora declare que a publicação de obras poéticas na América aumentou dez vezes entre 1975 e 2005, ele percebe a repetição de uma fórmula. “Muitos desses poemas são com frequência legíveis, charmosos, engraçados, comoventes, até inteligentes. Mas, breves, assemelham-se uns aos outros, não transcendem a si mesmos, não fazem grandes reivindicações, eles associam coisas pequenas a coisas pequenas.” Professor da University of Virginia, Mark Edmundson compartilha o ponto de vista de Hall. Em artigo polêmico, “Poetry slam or the decline of american verse”, Edmundson tachou de “narcisistas”, “dissimulados”, “tímidos”, “triviais” e “alienados” poetas como Sharon Olds, Mary Oliver, Charles Simic, Frank Bidart, Robert Hass e Robert Pinsky. “Eles não matam a sede dos leitores por sentidos que ultrapassem a experiência individual do autor e iluminem o mundo que temos em comum”, sentenciou Edmundson. Apesar da recorrência de guerras, colapsos econômicos e destruição ambiental, “eles escrevem como se as grandes crises públicas houvessem desaparecido e o negócio mais urgente fosse o cultivo do ego e o afastamento do tédio”. Tudo o que importa é a criação de uma “voz singular”. Eles contrariam o que T.S. Eliot pronunciou no ensaio “Tradition and individual talent” (1920): “Quanto mais perfeito o artista, mais completamente separado ele será do homem que sofre e da mente que cria”. por Francisco Quinteiro Pires — publicado 12/01/2015 06:36

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    CulturaLiteratura

    Crticos decretam o fim da poesia americanaOs culpados seriam workshops de escrita criativa e uma gerao mais interessada no cultivo do ego que nasquestes universais

    Arte: CartaCapital

    De tempos em tempos, algum anuncia o declnio ou o

    fim da poesia nos Estados Unidos. Segundo o poeta

    David Lehman, uma pergunta sempre surge: E o que

    esto fazendo com o cadver? Na atual edio da Poets

    & Writers, revista bimensal com mais de 60 mil

    assinantes, Donald Hall, de 86 anos, rememorou com

    nostalgia geraes anteriores e colegas como Frank

    OHara e Robert Bly. Hall costuma lamentar a

    incapacidade dos autores contemporneos de produzirem

    obras to relevantes quanto no passado. No existiria

    mais, ele sugere, um autor com talento suficiente para

    influenciar a imaginao dos americanos como certa vez

    o fizeram Walt Whitman, Edgar Allan Poe, Ezra Pound,

    Robert Frost, T.S. Eliot ou Allen Ginsberg.

    No manifesto Poetry and Ambition, Hall atribui a suposta decadncia da poesia do pas falta de uma ambio sria, a de criar

    palavras que permanecem no tempo. Somos a primeira gerao de poetas que no estuda latim e no l Dante em italiano. Da a

    insignificncia da nossa sintaxe sofrvel e do nosso vocabulrio limitado, escreve Hall, poeta laureado entre 2006 e 2007. Embora

    declare que a publicao de obras poticas na Amrica aumentou dez vezes entre 1975 e 2005, ele percebe a repetio de uma

    frmula. Muitos desses poemas so com frequncia legveis, charmosos, engraados, comoventes, at inteligentes. Mas, breves,

    assemelham-se uns aos outros, no transcendem a si mesmos, no fazem grandes reivindicaes, eles associam coisas pequenas a

    coisas pequenas.

    Professor da University of Virginia, Mark Edmundson compartilha o ponto de vista de Hall. Em artigo polmico, Poetry slam or the

    decline of american verse, Edmundson tachou de narcisistas, dissimulados, tmidos, triviais e alienados poetas como Sharon

    Olds, Mary Oliver, Charles Simic, Frank Bidart, Robert Hass e Robert Pinsky. Eles no matam a sede dos leitores por sentidos que

    ultrapassem a experincia individual do autor e iluminem o mundo que temos em comum, sentenciou Edmundson. Apesar da

    recorrncia de guerras, colapsos econmicos e destruio ambiental, eles escrevem como se as grandes crises pblicas houvessem

    desaparecido e o negcio mais urgente fosse o cultivo do ego e o afastamento do tdio. Tudo o que importa a criao de uma voz

    singular. Eles contrariam o que T.S. Eliot pronunciou no ensaio Tradition and individual talent (1920): Quanto mais perfeito o artista,

    mais completamente separado ele ser do homem que sofre e da mente que cria.

    por Francisco Quinteiro Pires publicado 12/01/2015 06:36

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    Hall e Edmundson responsabilizam os mestrados de escrita criativa pelas caractersticas repetitivas da poesia contempornea.

    Fenmeno consolidado depois da Segunda Guerra Mundial, a escrita criativa tem como o centro da sua prtica os workshops, oficinas

    em que os aspirantes a poeta expem s crticas dos colegas versos redigidos em um curto prazo. Autor de The Program Era: Postwar

    fiction and the rise of creative writing (Harvard University Press), Mark McGurl classifica esse tipo de curso de o evento mais

    importante da histria da literatura norte-americana do ps-Guerra. A lista de orientadores extensa e inclui estilos diversos: John

    Cheever, Raymond Carver, Kurt Vonnegut, Philip Roth, Donald Barthelme, Joyce Carol Oates, John Ashbery, William Kennedy,

    Jonathan Franzen, Zadie Smith. Dezessete prmios Pulitzer foram concedidos a escritores que ensinaram ou estudaram no Iowa

    Writers Workshop, o mais antigo e consagrador dos EUA.

    Por consider-los massificados, Hall deu aos versos concebidos nas universidades o ttulo de McPoems, poemas to instantneos

    quanto um p de caf ou uma mistura de sopa de cebola. De acordo com Seth Abramson, poeta formado pelo Iowa Writers

    Workshop, ao menos 250 programas de ps-graduao em escrita criativa formam perto de 22 mil poetas a cada dcada. Nos anos

    1980, apesar da popularidade crescente, eram apenas 25 programas. Um grupo reduzido de poetas e crticos na academia coordena

    hoje a nossa cena bomia e vanguardista, diz Abramson, editor do recm-lanado Best American Experimental Writing (Omnidawn).

    Os mais jovens no sero nacionalmente reconhecidos sem receber primeiro o carimbo desses professores. Boa parte da energia

    criativa, segundo Abramson, gasta com os relacionamentos profissionais e no a busca de novidades. O aumento da comunidade

    de poetas no reflete o seu ecletismo. Em vez de florescer um novo perodo de dinamismo, vemos obras avessas ao risco

    contempladas por premiaes cobiadas como o Pulitzer e o National Book Awards.

    A poeta Mary Jo Salter apresenta o investimento decrescente nas cincias humanas como a principal explicao para o estudo

    reduzido das obras poticas do passado. Recentemente, a University of California, Los Angeles (Ucla), encerrou um curso dedicado

    aos poemas de Chaucer, Shakespeare e Milton para oferecer uma ps-graduao sobre gnero, sexualidade, raa e classe. A

    filosofia, a literatura e a histria tm perdido importncia diante da nfase em disciplinas mais teis para conseguir um emprego, diz

    Salter, professora de escrita criativa na Johns Hopkins University e editora da prestigiosa The Norton Anthology of Poetry.

    Salter afirma que a poesia da identidade, de carter confessional e autorreferencial, extremamente comum nos EUA. Hoje em dia,

    os poemas tendem mais a abordar raa, etnia e gnero do que em meados do sculo XX, quando os poetas confessionalistas Robert

    Lowell, John Berryman, W.D. Snodgrass, Anne Sexton e Sylvia Plath escreveram sobre as suas lutas pessoais com a sexualidade, o

    divrcio ou a loucura, opina. A poesia lrica sempre teve a ver com a vida interior, mas triste perceber que os poemas se tornaram

    previsveis por flertarem com a mesmice. Contudo, onde Salter v homogeneidade, David Lehman enxerga diversidade: A

    demografia dos Estados Unidos mudou. Muito mais mulheres, alm de pessoas de diferentes cores, com ascendncias diversas

    (africana, hispnica, indgena, asitica), esto atualmente voltadas para a produo e publicao de poesia.

    Se a escrita criativa cortou os laos com o passado, deu voz a setores silenciados. Temas considerados proibidos, como as

    experincias sexual e social desses poetas, so tratados com uma franqueza indita e em formas experimentais antes desprezadas,

    como o poema em prosa, afirma Lehman, o criador da srie The Best American Poetry (Scribner) e professor de escrita criativa da The

    New School (Nova York). Nada mais um tabu. Os autores tm agora um canal imediato de divulgao. Um poema postado em um

    blog pode se tornar viral e estimular grande reao em mdias sociais como o Twitter.

    Tanto Salter quanto Abramson veem na internet a possibilidade de propagar um poema sujeito rejeio dos editores ou universitrios.

    Mas Abramson acredita que as mdias sociais tm envenenado a potica dos EUA. Ele diz que, como prescrio para o sucesso,

    muitos poetas se viciaram em trs elementos das comunidades literrias virtuais: A associao de capital cultural a indivduos com

    personalidade carismtica, apesar da qualidade da sua escrita, o isolamento de poetas cuja obra pode surpreender ou ofender demais

    os leitores e a celebrao da conquista de prmios, bolsas de estudo e cargos de professor. O crtico entende que hora de desafiar

    a poesia institucional com o engajamento da arte ao cotidiano. Chegamos ao momento em que os poetas vo reivindicar a sua

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    relevncia social, histrica e cultural, ainda que essa atitude signifique um afastamento dos seus pares, afirma. O primeiro passo

    sair das mdias sociais. Elas aniquilam a iconoclastia.