Cronicas

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Ah, o que é ser atleticano? – Roberto Drummond É uma doença? Doidivana paixão? Uma religião pagã? Bênção dos céus? É a sorte grande? O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e amar o Galo sobre todas as coisas. Daí, que a bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo. Cheira ao suor da mulher amada. Cheira a lágrimas. Cheira a grito de gol. Cheira a dor. Cheira a festa e a alegria. Cheira até mesmo perfume francês. Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú, tremula ao vento. A gente muda de tudo na vida. Muda de cidade. Muda de roupa. Muda de partido político. Muda de religião. Muda de costumes. Até de amor a gente muda. A gente só não muda de time, quando ele é uma tatuagem com a iniciais CAM., do Clube Atlético Mineiro, gravada no coração. É um amor cego e têm a cegueira da paixão. Já vi o atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados. Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar: - Nunca mais torço pelo Galo! Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os amantes fazer com o retrato da amada. Que mistério tem o Atlético que, às vezes, parece que ele é gente? Que a gente associa às pessoas da família (pai, mãe, irmão, tio, prima)? Que a gente o confunde com a alegria que vem da mulher amada?

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Ah, o que é ser atleticano? – Roberto Drummond

É uma doença? Doidivana paixão? Uma religião pagã?Bênção dos céus? É a sorte grande? O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e amar o Galo sobre todas as coisas. Daí, que a bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo.Cheira ao suor da mulher amada.Cheira a lágrimas. Cheira a grito de gol.Cheira a dor. Cheira a festa e a alegria. Cheira até mesmo perfume francês. Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú, tremula ao vento.A gente muda de tudo na vida. Muda de cidade. Muda de roupa. Muda de partido político. Muda de religião. Muda de costumes. Até de amor a gente muda. A gente só não muda de time, quando ele é uma tatuagem com a iniciais CAM., do Clube Atlético Mineiro, gravada no coração.É um amor cego e têm a cegueira da paixão. Já vi o atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados. Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar: - Nunca mais torço pelo Galo! Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os amantes fazer com o retrato da amada.Que mistério tem o Atlético que, às vezes, parece que ele é gente?Que a gente associa às pessoas da família (pai, mãe, irmão, tio, prima)?Que a gente o confunde com a alegria que vem da mulher amada? Que mistério tem o Atlético que a gente confunde com uma religião?Que a gente sente vontade de rezar "Ave Atlético, cheio de graça?" Que a gente o invoca como só invoca um santo de fé? Que mistério tem o Atlético que, à simples presença de sua camisa branca e preta,um milagre se opera?Que se tudo se transfigura num mar branco e preto? Ser atleticano é um querer bem. É uma ideologia. Não me perguntem se eu sou de esquerda ou de direita. Acima de tudo, sou atleticano e, nesse amor, pertenço ao maior partido político que existe: o Partido do Clube Atlético Mineiro, o PCAM, onde cabem homens, mulheres, jovens, crianças. Diante do Atlético todos são iguais: o bancário pode tanto quanto o banqueiro, o operário vale tanto quanto o industrial. Toda manhã, quando acordo, eu rezo: obrigado, Senhor, por me ter dado a sorte de torcer pelo Atlético."

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Não digam que eu sou branco. Que eu sou negro. Que eu sou amarelo. Que eu sou vermelho. Branca e preta é a minha pele e o Atlético é o sonho meu. Se eu procurar o amor e disserem que o amor morreu. Se tentar cantar e souber que a canção acabou. Se for trabalhar e falarem que eu não tenho mais trabalho. Se eu procurar meu pai e informarem que meu pai morreu. Se procurar pela mãe e falarem: sua mãe morreu. Se chamar pela moça amada e for em vão minha procura. Se sentir sede e não houver mais água. Se tudo for assim, mesmo sem uma canção, ainda assim cantarei e gritarei: Galo. O Atlético é como o pai da gente. É água na hora da sede. É o ombro amigo onde você pode desabafar suas mágoas. Se me mandarem para uma ilha deserta, ainda assim eu não estarei só, porque o Atlético vai comigo. Se eu for pra China. Se for pra Conchinchina, Coréia ou Japão. Em lugar algum, cercado de estrangeiros, eu me sentirei só porque o Atlético vai comigo. O Atlético me ensinou a amar o mundo. Viva o Campeão do Gelo. Viva o Atlético de todos os times. Viva o time de Kafunga, Murilo e Ramos (depois Osvaldo), viva o grande Mexicano, um viva pra Zé do Monte, e Silva (que morreu tuberculoso), viva Carango, depois Afonso Bandejão. Com Lucas, que fazia gols ao apagar das luzes, escrevo esta crônica. Prossigo com Lauro, que ainda vive, com o meu herói e amigo Carlaile e seus gols de bicicleta, com Lero (depois Alvinho) e Nívio, que era de Santa Luzia, eu sigo em frente. Não sou do PT, nem do PSDB, nem do PPS ou PC do B. Do PFL eu não sou. Eu amanheço Lula e anoiteço Serra. Fico indeciso em quem votar. Só o Atlético é minha verdade. Amo a moça loura. Amo a morena. A moça negra eu amo. Mas a moça alvinegra é que mora no meu coração. Já mudei de tudo neste mundo. Mudei de cidade. Mudei de partido político. Mudei de religião e ao catolicismo voltei. Já fui ateu e acreditava em Deus. Coisa de mineiro. Mudei de casa. Mudei de amor (e a uma mulher morena voltei). Eu só não mudei de time: faça sol ou faça chuva, anoiteça ou amanheça, na alegria e na dor, eu só não mudei de time. O Atlético é meu café da manhã. É o cigarro que não fumo. É o sono que eu não durmo. É minha insônia e minha canção. É meu primeiro e meu último amor. Eu sou como o atleticano. Se houver uma camisa branca e preta pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento.

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Feliz daquele – Roberto Drummond

Feliz daquele que teve um dia na vida a oportunidade de torcer nas arquibancadas do Mineirão para o Clube Atlético Mineiro!!! Feliz daquele que teve um dia na vida a oportunidade de ouvir a narração de um gol do Galo na rádio Itatiaia pelo Willy Gonser ****até mesmo pelo Alberto Rodrigues**** Feliz daquele que desde criança sabe que sempre após um barulho de fogos de artifício, sempre se ouvirá algum apaixonado a gritar GALO!!! Feliz daquele que sabe que um dos grandes poetas e escritores mineiros,Roberto Drumond, traduz sua paixão pelo futebol e porque não pela vida em sentimentos que milhões se orgulham de carregar no peito, o coração alvi-negro das Alterosas!!! Feliz daquele que tem amigos que manda essas mensagens sobre o Galo prá quem tá longe e há mais de 1 ano não sabe o que é pisar no Mineirão, cantar o hino, pular feito louco, saborear um tropeiro e beber uma cerveja semi-gelada, só para ver o Galo jogar!!! Isso é que é torcer para um time!!! Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento. Ah, o que é ser atelticano? É uma doença? Doidivanas paixão? Uma religião pagã? Benção dos Céus? É a sorte grande? O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e amar o Galo sobre todas as coisas. Daí, que a bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo. Cheira ao suor da mulher amada. Cheira a lágrimas. Cheira a grito de gol. Cheira a dor. Cheira a festa e à alegria. Cheira até mesmo a perfume francês. Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú, tremula ao vento. A gente muda de tudo na vida. Muda de cidade. Muda de roupa. Muda de partido político. Muda de religião. Muda de costumes. Até de amor a gente muda. A gente só não muda de time, quando ele é uma tatuagem com as iniciais CAM., do Clube Atlético Mineiro , gravada no coração. É um amor cego e têm a cegueira da paixão. Já vi atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados. Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar: - Nunca mais torço pelo Galo. Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os amantes fazem com o retrato da amada. Que mistério tem o Atlético que, às vezes, parece que ele é gente? Que a gente o associa às pessoas da família ****pai, mãe, irmão, tio, prima****? Que mistério tem o Atlético que a gente o confunde com uma religião? Que a gente sente vontade de rezar ****Ave Atlético, cheio de graça?**** Que a gente o invoca como só invoca um santo de fé? Que mistério tem o Atlético que, à simples presença de sua camisa preta e branca, um milagre se opera? Que tudo se alegra à passagem de sua bandeira? Que tudo se transfigura num mar preto e branco? Ser Atleticano é um querer bem. É uma ideologia. Não me perguntem se eu sou de esquerda ou de direita. Acima de tudo, sou atleticano, e nesse amor, pertenço ao maior de partido político que existe: O Partido do Clube Atlético Mineiro, o PCAM, onde cabem homens, mulheres, jovens, crianças. Diante do Atlético todos são iguais: o bancário pode tanto quanto o banqueiro, o operário vale tanto quanto o industrial. Toda manhã, quando acordo, eu rezo: obrigado, Senhor, por ter me dado a sorte de torcer pelo Atlético. Saudações atleticanas!

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A Vida de um Atleticano

A gente não ganha muito ultimamente, mas se diverte pra caramba.O Galo não é um time de vitórias épicas, campeonatos ganhos no último minuto, essas coisas irrelevantes. Para o atleticano, basta um foguete, somente um estouro de um foguete... Aí alguém grita Gaaaaalôôôôô. Pronto...Você ouve, tira o chinelo, desiste das cobertas, esquece os problemas. Coloca a bandeira em cima do carro, põe o hino para tocar, tocar trinta vezes.Encontra com um amigo, com dois, com cinco, com milhares. Galo! Galo! Galo! Todo mundo sabe que as cordas vocais do atleticano começam na aorta.A gente canta o hino,canta sem parar. Canta o hino no começo, no meio, no fim... ...quando o Taffarel dá uma volta no campo depois de ganhar uma decisão nos pênaltis, quando é eliminado pelo Palmeiras reforçado por um juiz, quando é rebaixado, quando sobe, quando ganha das Marias, quando o Dadá dá a cabeçada desengonçada mais bonita do mundo. A gente canta! Quer sinal maior de alegria?E vai nessa toada até o Willy Gonzer gritar gol. Nessa hora, não tem garganta, copo de cerveja ou prato de tropeiro que fique inteiro.Atleticano de verdade comemora gol até na reprise. E chega em casa empurrando o carro, feliz, porque a bateria acabou de tanto buzinar.Tá bom. Muitas vezes o enredo é bem outro. O atacante não acerta, o juiz não colabora, o outro time não perdoa. A gente faz pressão, tenta ganhar no grito, fica com torcicolo de virar o rosto a cada gol errado. E a virada não vem. Aí a gente diz e promete:Nunca mais torço pra esse time! Até estourar o próximo foguete...a diversão recomeça, ou melhor, nunca acaba... Para ser atleticano não é só querer ser... O atleticano já nasce ATLETICANO.

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Roberto Drummond, antes da final de 77Estado de Minas, 3 de março de 1978 Publicada dois dias antes do Atlético perder o título que mais mereceu ganhar em toda a sua história.

Lembro-me de que, antes de dormir, fiquei escutando aqueles foguetes, parecendo entrada de Ano Novo, e caí nos braços de Morfeu, como falavam os cronistas de antanho, ouvindo os gritos de alegria daquela festa na rua que foi até às 3 da madrugada. Então, era para eu sonhar com alguma felicidade, qualquer que fosse, e não ter um pesadelo, como eu tive. Em geral, a gente não conta os pesadelos, nem os sonhos, mas é que eu tive um pesadelo ligado à sorte do Atlético na final de domingo com o São Paulo. O cenário era o estádio Magalhães Pinto e, antes de o Atlético entrar, houve tanto foguete no sonho (que virou um pesadelo), que parecia um fog, misturado com smog, em Londres. Aí, no meio do fog, saiu o jogador holandês Cruyff, e eu perguntei a ele:― Você por aqui, Cruyff? Veio assistir ao jogo?― Não, respondeu Cruyff ― eu vim torcer pelo Atlético.― Mas torcer pelo Atlético, Cruyff? É incrível...― Sabe o que é? ― foi falando Cruyff ― Eu acho que o Atlético tem muita semelhança na maneira de jogar com a seleção da Holanda de 1974. O Atlético é um time europeu à holandesa, concorda? ― Olhe, Cruyff, concordo. E concordo porque eu acho que nós, brasileiros, somos um povo europeu que vive nos trópicos. Nós viemos dos portugueses e dos holandeses, temos o sangue negro (o sangue índio é pequeno), e esse sangue negro nos ajuda não só na música, ajuda também no futebol, onde a contribuição do jogador negro sempre foi maravilhosa, mesmo antes de Pelé. Então eu concordo que o Atlético seja, de certa maneira, um time europeu, na medida em que nós, brasileiros, somos europeus...― Mas sabe o que vim fazer aqui, além de torcer pelo Atlético, que é muito melhor do que o São Paulo? ― perguntou Cruyff. ― Eu vim tentar evitar um desastre.Nesse ponto, como era um pesadelo, sem compromisso com a ordem das coisas, como quando estamos acordados, começou o jogo, com Cruyff no lugar de Reinaldo, com a camisa número 9 do Atlético: foi ele, Cruyff, quem fez o primeiro gol para o Atlético. Mas, daí em diante, o São Paulo começou a reagir e aconteceu tudo que aconteceu à seleção da Holanda no jogo em que a seleção da Alemanha Ocidental ganhou a Copa do Mundo de 1974.Quando aquilo acabou, com o São Paulo campeão do Brasil, vi a torcida desesperada rasgando suas bandeiras, e a multidão chorava, chorava tanto que nasceu um rio navegável nas margens da Pampulha. Num barco que navegava como em Amsterdam, eu, de volta para a cidade, encontrei Cruyff, e ele me disse:― Está vendo só? O que eu temia aconteceu...― Mas como foi isso, Cruyff? ― eu falei.― Não basta ser o melhor ― desabafou Cruyff. ― Como o Atlético é melhor do que o São Paulo, nós também éramos melhores do que os alemães. E perdemos.― O que vem a ser tudo isso, Cruyff? ― insisti.― Ouça bem: isto é um aviso para o Atlético ― falou Cruyff. ― O Atlético tem pontos muito vulneráveis na defesa...― Caso das bolas altas, Cruyff? ― perguntei.― O caso das bolas altas, nas quais a defesa do Atlético é fraca, e eoutras ingenuidades ― falou Cruyff. ― Além disso, como a Holanda, o Atlético é excessivamente autoconfiante: acha que pode levar gols, que fará outros gols, e tudo bem...― Exato, Cruyff. Então fica o aviso ― eu disse.

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― Fica o aviso ― falou Cruyff ―, o Atlético tem que examinar seus defeitos e ficar atento a eles no domingo...

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Roberto Drummond. Estado de Minas, 7 de março de 1978 Invicto e com dez pontos de frente sobre o São Paulo, o Atlético perde o título brasileiro para o Tricolor, em pleno Mineirão. O jogo termina empatado em 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação, nos pênaltis os paulistas vencem por 3 a 2.

    Queria que você não se esquecessem do goleiro João Leite agarrando aqueles dois pênaltis.     Queria que, para onde vocês fossem, a lembrança do goleiro João Leite agarrando aqueles dois pênaltis seguisse com vocês, queria que, quando vocês vacilassem, que quando vocês tivessem vontade de voltar atrás, a lembrança do goleiro João Leite agarrando aqueles dois pênaltis fizesse vocês seguirem caminhando, sempre caminhando.    Queria que vocês não se esquecessem dos vinte e oito gols de Reinaldo.    Queria que, quando vocês achassem que tudo está escuro, os vinte e oito gols de Reinaldo fossem um clarão dentro de vocês, queria que vocês se lembrassem da alegria de cada um dos vinte e oito gols de Reinaldo e que vocês sentissem que nada pode apagar os vinte e oito gols de Reinaldo, que hão de seguir cantando dentro de vocês, soltando foguete dentro de vocês, porque os gols cantam e soltam foguete.    Queria que vocês não se esquecessem que no peito de Cerezo bate o coração do mundo.    Queria que vocês não se esquecessem dos dribles dentro da palma da mão que Cerezo dá, queria que vocês não se esquecessem da incessante conta de multiplicar que é Cerezo, ele, o grande Cerezo, se multiplicando por dois, por três, por dez, queria que, se vocês acharem que o coração de vocês está fraquejando, vocês se lembrem de Cerezo e sintam que o coração do mundo é também de vocês e que isso torna vocês invencíveis.    Queria que vocês não se esquecessem de um herói sujo de lama a quem chamamos de Ângelo.    Queria que a lembrança de Ângelo, molhando-se na chuva, sujando-se na lama, seguisse vocês com a insistência das abelhas à procura de alguma coisa doce na vida ou com a insistência dos pássaros famintos procurando alguma coisa que alimente na vida, queria que, quando vocês sentissem vontade de se esconder da chuva, vontade de fugir da lama, a lembrança de Ângelo ficasse diante de vocês, gritando como um osso partido e que, então, vocês se sentissem fortes para se molha em todas as chuvas e se sujar em todas as lamas e que nada permitisse que houvesse uma ruptura da ligação entre vocês e o que vocês mais amam.    Queria que vocês não se esquecessem do ponta-esquerda Ziza correndo para a linha de fundo.    Queria que vocês nunca se esquecessem, quando acharem que estão cercados, sem saída e sem caminho, que sempre há um jeito de chegar à linha de fundo e cruzar a bola, como faz o ponta-esquerda Ziza, ele, Ziza, que não está ali jogando só por ele, está jogando pelas recordações do pai, por isso não se espantem se a bola que Ziza cruza se transformar numa garça voando na lembrança de Pinga, ponta de lança e pai de Ziza, queria que, se vocês sentirem vontade de chorar a chuva que está caindo no Brasil, vocês não chorassem não, vocês ficassem esperando a garça, porque um dia a garça vem e fica com vocês.

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[PRAZER] Meu nome é ATLÉTICO

Fui o 1° clube profissional de futebol do meu estado. Fui fundado no dia 25 de Março de 1908 na cidade de Belo Horizonte (Até então com apenas 11 anos de fundação). O nosso clube foi criado através de jovens migrantes do interior de minas que fizeram daquele momento, um dos dias mais importantes da história do esporte Nacional e MUNDIAL!

Somos o maior campeão do nosso estado! 1° Campeão Nacional, 2x Campeão Sul-Americano (COPA CONMEBOL), Copa Centenária de BH (Com participação de MILAN E BENFICA) e vários outros títulos que vieram com craques como: Cerezo, Reinaldo, Kafunga, DADÁ MARAVILHA e tantos outros que fizeram história no futebol.

Temos a maior torcida do nosso estado, prova disso é que o GALO é o clube que mais colocou torcedores em um estádio de futebol em todos os mais de 580mil km² das Minas Gerais. Fonte: http://ademg.mg.gov.br/site/

Somos conhecidos nacionalmente como uma torcida fanática e que ama o clube verdadeiramente, tendo colocado mais de um (1.000.000) milhão de torcedores a mais que o 2° colocado no estado.

Rivalidades:As principais são com o América-MG e o (Yale, Palestra, Cruzeiro SÃO TANTOS NOMES QUE ESSE TREM JA TEVE QUE EU NÃO SEI QUAL O USAR) Mas para os conhecidos, nos utilizamos o termo MARIA! As marias costumam cagar nas calças e ganhar algumas peladas. Como a libertadores (Tendo vencido timassos como a Associação Comunitária de Buenos Aires, Sporting Cristal, Real Potosí, Arsenal do Uruguay, Universad Católica da Bolívia e tantos outros clubes grandes do mundo) Elas também tem a fama de ser BI-VICE CAMPEÃS DO MUNDO, méritos que so as Marias carregam no estado. Mas o grande problema das MARIAS é o GALO ! SIM ! O mesmo GALO que ja ganhou de 9 x 2 ! O mesmo GALO que tem mais de 30 vitórias a mais em todos os clássicos! Não costuma chamar isso de rivalidade e sim freguesia ! PRAZER ! MEU NOME É ATLÉTICO ! O MAIOR CLUBE E A MAIOR TORCIDA DE MINAS GERAIS

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Marques - – Roberto Drummond

Lá vai Marques com a bola. Vai sozinho, só ele e Deus. Vai franzino. Vai quase um menino. Vai como um sino tocando; quando Marques pega a bola, é preciso ter fé. É preciso acreditar na festa do gol, é preciso libertar este grito de gol, em seguida ao drible traiçoeiro.Ah, qual é o mistério de Marques?Acaso é um guerrilheiro?É um mágico?É um anjo de chuteiras?É um feiticeiro?Tristes do meu país: alegrai-vos que Marques está com a bola e, quando Marques está com a bola, o milagre acontece.O que é feio fica bonito.O que é triste fica alegre.O que é sem amor ganha um amor.O que é sem esperança ganha fé.Quando Marques pega a bola e parte com ela, com a decisão de um craque, os laterais direitos e os zagueiros tremem.O que você está esperando, lateral-direito?Espera o drible pela esquerda? Espera o drible pela direita? Espera um nó cego? Espera uma mágica de Marques? O que impressiona em Marques é o amor e o respeito com que trata a bola.É como se a bola não fosse uma bola, mas uma flor. Como se, mais do que uma flor, a bola fosse gente. Como se mais do que gente, a bola fosse uma mulher. Como se, mais do que uma mulher, a bola fosse a amada.Uns chutam a bola com força. Uns chutam com raiva. Chutam com rancor. Chutam sem dó nem piedade. Marques não. Parece que Marques está dizendo aos incrédulos do mundo: numa bola a gente não bate nem com uma flor. O toque da chuteira de Marques tocando a bola é como uma flor tocando.Marques joga um futebol irmão. Toda a magia feiticeira que põe no drible, correndo pela esquerda como um guerrilheiro de Deus, é em função da solidariedade no futebol.Não, Marques não tem fome de gols.Não, Marques não é um fominha.Ele dribla pelos companheiros de time. Quando cruza a bola, é como se quisesse ensinar a todos nós e aos brasileiros em geral: é preciso ser irmão.Desesperados do meu país: calai vosso desespero que Marques está com a bola nos pés. Vale viver para ver. Adiai vossos gestos tresloucados que, quando Marques corre com a bola, dá uma vontade de viver, uma vontade de ser bom, uma vontade de fazer o bem sem olhar a quem.Marques é como um operário jogado, tijolo por tijolo, drible por drible.Lá vai Marques com a bola. Vai sozinho. Vai como uma locomotiva passando: senhores passageiros do trem da alegria, queiram tomar vossos lugares.

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E o atleticano...

Ele vibra diferente.Ele torce de forma diferente.Enfim... Ele se manifesta de forma diferente.Por quê? Será por quê?Será que todo atleticano já conseguiu se perguntar exatamente porque que ele se manifesta dessa forma?Pra refletirmos um pouquinho eu acho que teríamos que voltar na história do clube.O apelo popular quando esse clube foi fundado.De repente, um sobrado, na Rua Goiás, as pessoas fazendo vaquinha, se esforçando... E o Atlético tinha o seu primeiro uniforme, com muito esforço.Pouco tempo depois, outra vaquinha, outro esforço e conseguimos a bola, artefato que naquela época praticamente não existia. O futebol estava aparecendo, o futebol estava sendo descoberto.Pouco tempo depois tínhamos o primeiro campo. Não era um campo, era um lote vago, próximo a Rua Goiás, doado por um vizinho do Clube Atlético Mineiro, que estava nascendo.Mas não tínhamos as traves!!! Traves estas então que foram doadas pela prefeitura, de postes que não eram utilizados, que não seriam utilizados. Postes de madeira. O Atlético tinha as suas seis hastes. As suas duas primeiras traves.A partir daí os quarteirões, o bairro, o centro da cidade se movimentava, crescia em prol da ajuda de construir o que era o “Clube dos Meninos”. Aqueles que queriam enfrentar aqueles que tinham dinheiro em BH. Gente da elite que praticava o tão falado futebol, esporte coletivo que estava aparecendo.De repente os meninos começaram a vencer aqueles que tinham realmente força, aqueles da elite.Os primeiros torcedores do Clube Atlético Mineiro não eram torcedores, eles eram o próprio clube. Eles se sentiam o próprio alicerce do clube. Porque através deles a instituição, o clube conseguiu existir.É assim, fazendo uma reflexão, que a gente pode entender como é o perfil psicológico da torcida do Atlético. Algo inexplicável. Algo que é passado de pai para filho.O porquê que você atleticano torce diferente?Porque você aprendeu a torcer diferente!Porque você aprendeu a ser diferente!

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A Massa - Armando Nogueira

Torcidas, haverá as mais numerosas (Flamengo) ou mais conhecidas por sua grandeza (Corinthians), mas nenhum séqüito futebolístico brasileiro se compara ao do Clube Atlético Mineiro em mística apaixonada, em anedotário heróico, em poesia acumulada ao longo dos anos.

"A Massa", como é simplesmente conhecida em Minas Gerais , compartilha com a torcida corinthiana ("A Fiel") a honra de deixar-se conhecer com um substantivo ou adjetivo comum transformado em nome próprio, inconfundível.

A Fiel, A Massa: poucas outras torcidas terão realizado tal operação de mutação de um nome comum em nome próprio.

Muito distintas são, no entanto, as torcidas dos alvi-negros paulistano e belo-horizontino: quem já vestiu a camisa do time do Parque de São Jorge sabe que a Fiel é fiel em sua paixão, não em seu apoio. Na derrota, a Fiel é implacável; não desaparece, como a torcida do Cruzeiro. Está sempre lá.

Mas é capaz de crucificar com um pequeno manifestar-se de sua raiva. Na vitória, cobra cada vez mais, e reinstala aí sua insatisfação, cuja raiz quiçá esteja no mal-resolvido trauma dos 23 anos sem título, e do grande pesadelo de duas décadas chamado Pelé. A Fiel é fiel, e sempre o foi, mas sua fidelidade se nutre de um descompasso entre a alma do torcedor e a alma do time.

No caso do atleticano, a alma do time não é senão a alma da torcida. Toda a mística da camisa, das vitórias sobre times tecnicamente superiores (e

também das derrotas trágicas e traumáticas), emana da épica, das legendárias histórias que nutre sua apaixonada torcida: nem o Urubu, nem o Porco, nem o Peixe, nem a Raposa, nem o Leão, nem nenhum animal mascote se confunde com o nome do time, com sua identidade, com sua alma mesma, como o Galo com o Atlético Mineiro. E Galo é o nome da torcida (GA-LO), bissílabo cantável e entoável como grito de guerra que ela eternizou ao encarnar em si o espírito do animal. Nenhum outro time é conhecido por tantas vitórias improváveis só conquistadas porque a massa empurrou.

"Quem possui uma torcida como esta, é praticamente impossível de ser derrotado em casa" (Telê Santana).

Pelos idos de 69 ou 70, o timaço do Cruzeiro já tetra ou pentacampeão entrava em campo mais uma vez e parecia que de novo ia humilhar o Atlético, que já amargava o quinto aniversário do Mineirão sem nenhum título estadual. A superioridade técnica de Tostão, Dirceu Lopes, Natal, Raul, Piazza e cia. era simplesmente incontestável. Mesmo naquele clássico durante vacas tão magras, a massa atleticana era, como sempre foi, maioria no Mineirão. Impotente, ela viu Dirceu Lopes abrir o placar e o time do Cruzeiro massacrar o Galo durante 45 minutos. No intervalo, a Massa que cantava o hino do Atlético foi inflamada por um recado de Dadá Maravilha pelo rádio: "Carro não anda sem combustível".

A fanática multidão encheu-se de brios, fez barulho como nunca, entoou o grito de guerra como nunca, encurralou sonoramente a torcida cruzeirense, e o time do Atlético infinitamente inferior, liderado pelo artilheiro Dario e pelo seu grande goleiro (como é da tradição atleticana) Mazurkiewcz - virou o placar para 2 x 1 sobre o escrete azul, e abriu caminho para a reconquista da hegemonia em Minas, selada com o título estadual de 70 e o Brasileiro de 71. Nenhum dos jogadores atleticanos presentes nessa vitória jamais se esqueceu da energia que emanava das arquibancadas, e que literalmente ganhou o jogo.

Também as derrotas tradicionalmente contribuíram para a mística e paixão atleticana: como em 1998, quando o visitante Corinthians trouxe ao Mineirão sua

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máquina que se preparava para ser bicampeã brasileira e campeã mundial. O Galo se recuperava no Campeonato Brasileiro, vinha de uma vitória sobre o Grêmio no Olímpico, e a Massa mais uma vez lotou o estádio. Com seu toque de bola, o Corinthians envolveu o time atleticano, e no meio do segundo tempo já aplicava impiedosos 5 x 0, enquanto tocava a bola, colocava os atleticanos na roda e esperava o fim do jogo. Vendo seu time humilhado por um adversário superior dentro de seu próprio terreiro, massa se levantou, e cantou durante mais de 10 minutos o belo hino, mais alto e com mais amor que nunca. Nenhum jogador presente se esqueceu, e um ano depois o Galo devolveria ao Corinthians os 5 x 1 do Mineirão, com sonoros 4 x 0 no Maracanã.

Como no silêncio sepulcral que envolveu o Mineirão em março de 1977, quando a grande equipe atleticana de Cerezo, Reinaldo, Paulo Isidoro, João Leite e Marcelo perdeu nos pênaltis o título que todos já consideravam seu, incluindo-se, às vezes parece, os próprios adversários são-paulinos. O time do Atlético, mesmo jogando sem Reinaldo, injustamente suspenso, foi empurrado pela torcida, mostrou-se muito superior ao do São Paulo, como havia feito durante todo o campeonato em que acumulou 17 vitórias, 4 empates e nenhuma derrota, encurralou o adversário durante 120 minutos, mas o gol não saiu. O título é perdido nos pênaltis, mesmo depois de duas grandes defesas de João Leite em cobranças são-paulinas. Ângelo, um dos craques do jovem time atleticano, deixou a partida pisoteado por Chicão, e nunca mais seria o mesmo.

O Galo, base da seleção brasileira de Osvaldo Brandão, sai de campo vice-campeão invicto, com os 11 jogadores abraçados, 10 pontos à frente do campeão, e a Massa recebe aí sua grande tarefa dos próximos anos: realizar o luto pelo enorme trauma. Começou a tarefa no domingo seguinte às 10 da manhã, levando legiões de bandeiras para uma amarga partida contra o Bahia no Mineirão.

Nenhuma outra derrota de um favorito no Brasileirão se revestiria de tanta mística apaixonada. A partir daí essa Massa acumularia 10 títulos mineiros em 12 anos, e uma seqüência de campanhas sensacionais no Brasileirão (o Atlético Mineiro é o time que mais pontos conquistou nos Campeonatos Brasileiros), interrompidas na final ou semifinal, em jogos fatídicos (Flamengo-80, Santos-83, Coritiba-85, Guarani-86, Flamengo-87, Corinthians-88).

A magia atleticana se encarnaria no seu torcedor mais famoso, Sempre, cujo nome real não se conhece, tal é força do apelido. Durante décadas, Sempre ocupou as arquibancadas do Independência e do Mineirão, com sua bandeira e seus ditos legendários. Nunca deixou de comparecer e nunca vaiou o time, embora chorasse nas derrotas. Foi dos primeiros a entoar o hino composto por Vicente Motta em 1969, e depois aprendido por milhões em todo o Brasil. Abria e fechava o clube diariamente, e participou de epopéias memoráveis da massa atleticana, como quando a multidão carregou no colo o artilheiro Ubaldo, pentacampeão mineiro de 1956, de sunga, ao longo dos 5,5 quilômetros que separam o estádio Independência da Praça Sete, ou como quando 20.000 atleticanos invadiram o Maracanã e empurraram o time à conquista do Primeiro Campeonato Brasileiro, em 1971, sobre o Botafogo de Jairzinho.

O Furacão de 70 sentiu seu peso de novo cinco anos mais tarde, na decisão do Mineiro de 76, quando a Massa, mesmo tendo comemorado só 1 dos últimos 11 campeonatos mineiros, tomou conta do Mineirão para empurrar uma turma de meninos de 18-21 anos (de nomes Reinaldo, Cerezo, Paulo Isidoro, Danival, Marcelo) a vitórias contundentes sobre o campeão da Libertadores.

Estava aberto o caminho para o hexacampeonato de 78-83. "Se houver uma camisa alvi-negra pendurada no varal num dia de tempestade, o

atleticano torce contra o vento". O achado do cronista Roberto Drummond resume a

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mitologia do Galo: contra fenômenos naturais, contra todas as possibilidades, contra forças maiores, a torcida atleticana passa por radical metamorfose e se supera. Superou-se tantas vezes que já não duvida de nada, e cada superação reforça ainda mais a mística, como uma bola de neve da paixão futebolística.

Nenhum atleticano hesitaria em apostar na capacidade da Massa de transformar o impossível em possível a qualquer momento, de fazer parar aquela tempestade que açoita o pavilhão alvi-negro deixado solitário no varal.

Não surpreende, então, o sucesso que tiveram os jogadores uruguaios que atuaram no Atlético Mineiro, do grande Mazurkiewcz ao maior lateral-esquerdo da história do clube, Cincunegui. Se há uma mística de garra e amor à camisa que se compara à atleticana, é a da celeste, não mineira, mas uruguaia. Só à seleção uruguaia a pura paixão por um nome e um símbolo levou a tantas vitórias inacreditáveis, improváveis, espíritas, ou puramente heróicas. Em 1966, as duas camisas legendárias se encontraram, e o Galo derrotou o Uruguai duas vezes (26/04/66 - Atlético 3 x 2 Uruguai, 18/05/66 - Atlético 1 x 0 Uruguai).

Ao contrário das torcidas conhecidas por sua origem étnica (Palmeiras, Cruzeiro, Vasco), por sua origem social (Flamengo, Fluminense, Grêmio, São Paulo), ou por seu crescimento a partir de uma grande fase do time (Santos), qualquer menção da torcida do Atlético Mineiro evoca, invariavelmente, substância mesma que constitui o torcer. O amor ao time na vitória e na derrota, o apoio incondicional, a garra, a crença de que sempre é possível virar um resultado, o hino entoado unissonamente: a legião fanática que ama o Galo acima de tudo sabe que ser atleticano é unir-se num estado de espírito, compartilhar uma memória, e fazer da esperança uma permanente iminência.

A massa atleticana é a prova maior de que, mesmo em época de profissionalização total do futebol, e do negócio futebol, para o povo brasileiro este é acima de tudo paixão por uma cor, um nome, um símbolo, a memória de um instante que pode ser um gol, um campeonato, um abraço ou um beijo. Galo é o nome que mais radical e verdadeiramente expressa, para tantos milhões de brasileiros, o inexplicável dessa paixão.

O Galo é o único clube a ter vencido a Seleção Brasileira. E não foi qualquer uma. Ela entrou em campo com Felix, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo (Everaldo); Piazza e Gérson (Rivelino); Jairzinho, Tostão Zé Maria), Pelé e Edu (Paulo César).

O Galo venceu com Mussula, Humberto Monteiro, Grapete, Normandes (Zé Horta) e Cincunegui (Vantuir); Oldair e Amauri (Beto); Vaguinho, Laci, Dario e Tião (Caldeira).

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A Massa (Armando Nogueira)

Torcidas, haverá as mais numerosas (Flamengo) ou mais conhecidas por suagrandeza (Corinthians), mas nenhum séqüito futebolístico brasileiro secompara a massa do Clube Atlético Mineiro em mística apaixonada, emanedotário heróico, em poesia acumulada ao longo dos anos. "A Massa", como ésimplesmente conhecida em Minas Gerais, compartilha com a torcida corintiana("A Fiel") a honra de deixar-se conhecer com um substantivo ou adjetivocomum transformado em nome próprio, inconfundível. A Fiel, A Massa: poucasoutras torcidas terão realizado tal operação de mutação de um nome comum emnome próprio. No caso do atleticano, a alma do time não é senão a alma datorcida.

Toda a mística da camisa, das vitórias sobre times tecnicamente superiores(e também das derrotas trágicas e traumáticas), emana da épica, daslegendárias histórias que nutre sua apaixonada torcida: nem o Urubu, nem oPorco, nem o Peixe, nem a Raposa, nem o Leão, nem nenhum animal mascote seconfunde com o nome do time, com sua identidade, com sua alma mesma, como oGalo com o Atlético Mineiro. Nenhum outro time é conhecido por tantasvitórias improváveis só conquistadas porque a massa empurrou. "Quem possuiuma torcida como esta, é praticamente impossível de se derrotado em casa"(Telê Santana). Pelos ídolos de 69 ou 70, o timaço do Cruzeiro já tetra oupentacampeão entrava em campo mais uma vez e parecia que de novo ia humilharo Atlético. Mesmo naquele clássico durante vacas tão magras, a massaatleticana era, como sempre foi, maioria no Mineirão.

Impotente, ela viu Dirceu Lopes abrir o placar e o time do Cruzeiromassacrar o Galo durante 45 minutos. No intervalo, a massa que cantava ohino do Atlético foi inflamada por um recado de Dadá Maravilha pelo rádio:"Carro não anda sem combustível." A fanática multidão encheu-se de brios,fez barulho como nunca, entoou o grito de guerra, encurralou sonoramente atorcida cruzeirense, e o time do Atlético - infinitamente inferior, lideradopelo artilheiro Dario e pelo seu grande goleiro (como é da tradiçãoatleticana) Mazurkiewcz - virou o placar para 2 x 1 sobre o escrete azul, eabriu caminho para a reconquista da hegemonia em Minas, selada com o títuloestadual de 70 e o Brasileiro de 71. Nenhum dos jogadores atleticanospresentes nessa vitória jamais se esqueceu da energia que emanava dasarquibancadas, e que literalmente ganhou o jogo.

Se houver uma camisa alvinegra pendurada no varal num dia de tempestade, oatleticano torce contra o vento." O achado do cronista Roberto Drummondresume a mitologia do Galo : contra fenômenos naturais, contra todas aspossibilidades, contra forças maiores, a torcida atleticana passa porradical metamorfose e se supera. Superou-se tantas vezes que já não duvidade nada, e cada superação reforça ainda mais a mística, como uma bola deneve da paixão futebolística. Nenhum atleticano hesitaria em apostar nacapacidade da Massa de transformar o impossível em possível a qualquermomento, de fazer parar aquela tempestade que açoita o pavilhão alvinegrodeixado solitário no varal.

Não surpreende, então, o sucesso que tiveram os jogadores uruguaios queatuaram no Atlético Mineiro, do grande Mazurkiewcz ao maior lateral-esquerdoda história do clube, Cincunegui. Se há uma mística de garra e amor à camisaque se compara à atleticana, é a da celeste, não mineira, mas uruguaia. Só àseleção uruguaia a pura paixão por um nome e um símbolo levou a tantasvitórias inacreditáveis, improváveis, espíritas, ou puramente heróicas.

Ao contrário das torcidas conhecidas por sua origem étnica (PalmeirasCruzeiro, Vasco), por sua origem social (Flamengo, Fluminense, Grêmio, SãoPaulo), ou por seu crescimento a partir de uma grande fase do time (Santos,Cruzeiro), qualquer menção da torcida do Atlético Mineiro evoca,invariavelmente, a substância mesma que constitui o torcer. O amor ao timena vitória e na derrota, o apoio incondicional, a garra, a crença de que

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sempre é possível virar um resultado.

* Armando Nogueira é jornalista. Ele foi pioneiro na televisão brasileira,ao trabalhar, a partir de 1959, na primeira produtora independente do país,dirigida por Fernando Barbosa Lima, onde escrevia textos para os locutoresCid Moreira e Heron Domingues lerem na antiga TV-Rio. Convidado por WalterClark, foi para a Rede Globo em 1966.