Crônicas de Blackwell - Rocco · tão cedo. Ele sentiu um espasmo no músculo da perna e se...

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Crônicas de Blackwell

Tradução EDMO SUASSUNA

K.L. Armstrong & M.A. Marr

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M.A.: A DylanEste é para você e por causa de você

(e, sim, haverá cabras).

K.L.: A Alex e MarcusCaso eu os submeta a quaisquer horrores

parentais durante a adolescência, nunca os farei lutar contra uma serpente gigante.

Eu prometo.

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UM

MATT

“CONFRONTO”

M att atravessou o centro de Blackwell com a bol-sa de ginástica em uma das mãos e o casaco pendurado no ombro. Já havia escurecido, e um

vento gélido vinha do norte, soprando seus cabelos suados para trás, e o frio dava uma sensação prazerosa. Após duas horas de treino de boxe, ele sentiu vontade de se desviar do caminho e mergulhar no rio Norrström, mesmo depois de ter visto gelo na água, pela manhã. Gelo em setembro. Es-quisito. Mesmo na Dakota do Sul, o inverno nunca chegava tão cedo.

Ele sentiu um espasmo no músculo da perna e se encolheu ao parar para esfregá-la. Apesar de o campeonato vindouro ser beneficente – para ajudar as vítimas do tsunami no Havaí –, o técnico, Forde, ainda assim exigia de Matt o mesmo esforço que dedicava ao disputar o cinturão.

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Matt voltou a andar, mancando de leve. Por mais que quisesse pedir uma carona, sabia que seria uma péssima ideia. Cometera esse erro no inverno passado, quando o téc-nico avisou que uma tempestade de neve estava chegando. Matt conseguiu carona... e também um sermão sobre como seus irmãos jamais precisaram de uma, mesmo quando caía uma tempestade de verdade. Matt também não podia pe-gar uma carona com os amigos; seria pior ainda, pois daria um mau exemplo. Se os filhos do xerife Thorsen não andavam à noite por Blackwell em segurança, então quem poderia?

Matt estava se abaixando para esfregar a perna de novo quando alguma coisa se moveu na praça. Ele ergueu a cabeça, estreitando os olhos. Em frente ao centro de recreação, dois garotos subiam no velho navio viking. Havia escudos distri-buídos pelos dois costados, como se guerreiros invisíveis re-massem a antiga nau de madeira, com a proteção sempre ao alcance. Um dragão esculpido se erguia do casco.

Os garotos provavelmente estavam armando uma pe-gadinha, tentando superar a que Matt fizera com o amigo Cody em Sigrblot, o festival de primavera. O desfile havia chegado ao navio e se deparado com a embarcação coberta por lona... e fazendo barulho de buzina. Sob a cobertura, eles encontraram uma revoada de gansos usando pequenos capacetes viking.

Melhor pegadinha da história foi o que todos disseram. Infe-lizmente, Matt teve que fingir não ter nada a ver com o ocorrido. Se seus pais descobrissem... bem, eles não o deixariam de cas-tigo nem nada assim. Eles apenas teriam “a conversa”. Diriam que estavam desapontados e muito envergonhados. Diriam que os irmãos eram muito mais responsáveis. Sinceramente, Matt preferia ficar de castigo.

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Alguns passos depois, Matt viu que um dos garotos tinha cabelos castanhos desgrenhados, precisando de um corte, e roupas sujas. Ele estava com uma garota. As roupas dela não estavam tão mal, mas os cabelos loiros também precisavam muito de um corte.

Fen e Laurie Brekke. Maravilha. Os primos sempre se metiam em confusão. Mesmo assim, Matt disse a si mesmo que eles talvez estivessem só armando uma pegadinha... até que viu Fen puxando um dos escudos.

Havia muitas coisas que Fen poderia fazer para as quais Matt faria vista grossa, resmungando que não era problema dele, embora nem sempre fosse fácil. Por ser filho do xerife, ele já escutava sermões sobre vandalismo desde quando ti-nha idade suficiente para entalhar o próprio nome no banco do parque. Mas aquilo não era o banco do parque. Era um navio viking de verdade, um grande motivo de orgulho para o povo de Blackwell. E lá estava Fen, arrancando pedaços e dando chutes.

Como Matt se irritou, o amuleto se inflamou junto. Ele tocou o pingente de prata. Tinha a forma de um martelo de cabeça para baixo e era quase tão velho quanto o navio. O Martelo de Thor. Todos na família de Matt tinham um. Thor-sen, “filho de Thor”, não era um simples sobrenome. Eles real-mente eram descendentes do deus nórdico.

Quando Matt olhou para Fen e Laurie novamente, o amuleto queimou com mais força. Estava prestes a gritar, po-rém se deteve e respirou fundo, inspirando o ar frio.

Matt podia ouvir a voz da mãe: Você precisa aprender a se controlar, Matty. Não sei por que você tem tanta dificuldade. Ne-nhum outro Thorsen tem esse problema. Seus irmãos já conseguiam controlar o temperamento quando eram mais novos que você.

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Controlar sua raiva – e o Martelo de Thor – parecia uma tarefa ainda mais árdua com os Brekke por perto. Era como se o amuleto soubesse do parentesco deles com Loki, o deus trapaceiro. Os primos não sabiam disso, ao contrário de Matt, que podia sentir a conexão quando os encarava.

Matt respirou fundo novamente. Sim, ele precisava de-ter Fen e Laurie, mas teria de fazê-lo com tranquilidade. Talvez bastasse apenas passar por perto, fingir que não ti-nha visto, e então eles o veriam e sairiam correndo antes de serem flagrados.

Fen viu Matt, que continuou andando, dando-lhes uma chance de fugir. Foi justo. Seu pai ficaria orgulhoso...

Fen se virou de volta ao navio e deu mais um puxão no escudo.

– Ei! – chamou Matt. Ele não gritou muito alto, e tentou não parecer muito bravo. Só queria deixar claro para os dois que eles tinham sido vistos, dando-lhes tempo para fugir...

– Que foi? – Fen se virou e o encarou, com o queixo er-guido e os ombros recuados. Era mais baixo que Matt. Mais magro também. A única coisa “grande” em Fen era sua atitu-de, o que sempre o metia em brigas com caras maiores... não que ele parecesse se importar.

Laurie parou ao lado do primo. Matt não conseguiu ver seu rosto, mas tinha certeza de que exibia a mesma expressão de Fen. Eles não iriam embora. Matt foi burro ao pensar que eles desistiriam.

– Vocês não deveriam fazer isso. – Enquanto dizia essas palavras, Matt teve vontade de dar um tapa na própria testa. Era exatamente o tipo de coisa que todos esperavam ouvir do filho do xerife. Amanhã de manhã, todo mundo na escola já teria escutado Fen e Laurie imitando Matt com lábios tortos e um rolar de olhos.

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Matt pigarreou.– É um artefato, e é muito importante para a cidade. –

Porque isso sim soou muito melhor.– Muito importante para a sua cidade – respondeu Fen. –

Thorsenópolis.– Olha... para com isso, valeu?– Mas eu não quero parar. E se você quiser vir aqui me

obrigar... – Fen deu um passo à frente, com um sorriso cheio de dentes, e, por um instante, Matt achou ter visto...

Matt balançou a cabeça.– Cara, só estou pedindo...– E a resposta é não. – Fen saltou do navio com um pulo

de causar inveja a um atleta olímpico. – E o que você vai fazer, Thorsen?

O amuleto esquentou de novo. Ele respirou fundo. Fica frio, cara. Fica frio.

Ele se lembrou de algo que o técnico Forde havia dito du-rante o treino. Tentava ensinar Matt a intimidar um oponente. Você é um cara grande, afirmou, use isso a seu favor.

Era difícil lembrar como ele era grande. Em casa, Matt ainda batia na altura dos ombros dos irmãos. Mas ele era o garoto mais alto do nono ano.

– O que eu vou fazer? – Matt endireitou os ombros, fle-xionou os braços e deu um passo à frente. – Eu vou fazer você parar.

Algo relampejou nos olhos de Fen, um brilho frio e sério que fez Matt hesitar, mas só por um segundo. Ele completou o passo, parou diante do outro e se aprumou.

Laurie desceu do navio e ficou ao lado do primo. Ela se inclinou e sussurrou algo. Devia encorajá-lo, Matt tinha certeza.

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Fen a dispensou com um aceno. Quando a prima hesi-tou, ele disse algo tão baixo que mais pareceu um rosnado. Laurie encarou Matt, e em seguida recuou para as sombras do barco.

Fen avançou e provocou:– Você acha que sabe lutar só porque venceu uns caras no

ringue? Aquilo não é luta de verdade. Aposto que você nunca deu um soco sem luvas.

– Sua memória é uma porcaria, porque eu me lembro bem de quando dei uma bela surra em você e Hunter quando vocês atacaram o Cody.

Fen deu uma risada curta, como um latido.– Aquilo foi quando? Primeira série? Aprendi algumas

coisas desde então, Thorsen.Matt deu mais um passo. Estava certo de que Fen recuaria.

Tinha que recuar. Enfrentar Matt seria maluquice. Ele não tinha só “vencido uns caras no ringue”; tinha lutado no cam-peonato estadual.

Mas Fen simplesmente plantou os pés no chão, afastados o bastante para se manter firme, se levasse um soco. Ele queria lutar. Lutar de verdade. Matt deveria ter percebido. A mãe de Fen sempre dizia que era assim que ele se metia em proble-mas: nunca pensava antes de agir.

Se Matt saísse no braço com Fen, o pai iria... Matt respi-rou fundo. Não queria nem pensar no que o pai faria.

O poder do respeito. O poder da autoridade. Eram es-sas qualidades que permitiam que os Thorsen andassem por Blackwell à noite. Não o poder da violência. Se Matt brigasse com Fen Brekke, seu pai o arrastaria até o conselho e deixa-ria que eles cuidassem do filho. A humilhação seria pior que qualquer punição.

– Você realmente quer fazer isso? – perguntou Matt.

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Fen estalou o pescoço, inclinando a cabeça de um lado para outro, e respondeu:

– Quero.– Bem, só lamento. Tenho uma luta importante chegando

e preciso poupar minha força para um oponente de verdade.Matt começou a se virar. Foi então que ele ouviu um ros-

nado e viu Fen atacar, com olhos amarelos cintilantes e dentes à mostra. O calor do amuleto refulgiu numa onda de fúria que deixou o mundo vermelho.

Ele sentiu o poder descendo pelo braço. Ouviu o crepitar. Viu a mão se iluminar e tentou fazer aquela força recuar.

Tarde demais.A bola incandescente disparou da mão dele e explodiu

com um estrondo e uma onda de choque, e Matt foi lançado para trás. Fen foi atirado para longe. Chocou-se fortemente contra a embarcação, a cabeça chicoteando para trás, batendo no casco com um baque. Por fim, o rapaz desmoronou.

Laurie gritou alguma coisa, mas Matt não conseguiu dis-tinguir as palavras. Ela correu até o primo, assim como Matt. Laurie se agachou junto a Fen, segurou-o pelos ombros e o chacoalhou. Fen grunhiu, suas pálpebras estremecendo.

– Ele está bem? – perguntou Matt, ajoelhando-se ao lado dela.

Laurie se levantou, ergueu a bolsa como se fosse bater nele com ela e exclamou:

– Você o nocauteou.– Foi sem querer. Me desculpe. Eu...– Não sei que truque foi esse. Jogando aquela luz para

cegá-lo antes de bater? Você chama isso de jogo limpo? – Ela fez uma careta. – Exatamente o que eu esperaria de um Thorsen.

– Eu não...

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– Dane-se. Cai fora. Fen não tem como roubar nada hoje. – Laurie olhou para Matt. – Ou você quer chamar seu pai pra prender a gente?

– Claro que não. Eu só... – Matt engoliu em seco. – A gente deveria levá-lo a um médico.

– Você acha que ele tem como pagar um médico?– Eu tenho. Eu vou...– A gente não precisa de nada seu. Vai embora – retrucou

Laurie.– Mas e se ele...– Sai. Cai fora.Matt se levantou hesitante, mas Laurie ainda olhava feio

para ele. Fen começava a despertar. Talvez ele não devesse es-tar por perto quando Fen acordasse. Então, murmurou outro pedido de desculpas, recuou e os deixou ali.

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Título original LOKI’S WOLVES

THE BLACKWELL PAGES

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são produtos da imaginação das autoras ou foram usados de forma fictícia.

Qualquer semelhança com acontecimentos reais, localidades, pessoas, vivas ou não, é mera coincidência.

Copyright © 2013 by K.L. Armstrong e M.A. Marr Copyright ilustrações de miolo © 2013 by Vivienne To

Escudo e logo by Eamon O’Donoghue, baseado na obra de Lisseth Key

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma ou

meio eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou sistema de armazenagem e recuperação de informação, sem a permissão escrita do editor.

Copyright da edição brasileira © 2015 by Editora Rocco Ltda.

Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à

EDITORA ROCCO LTDA. Av. Presidente Wilson, 231 – 8º andar

20030-021 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 3525-2000 – Fax: (21) 3525-2001 [email protected] | www.rocco.com.br

Printed in Brazil/Impresso no Brasil

Preparação de originais CAROLINA CAIRES COELHO

O texto deste livro obedece às normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Cip-Brasil. Catalogação na fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Armstrong, K.L.A762L Lobos de Loki / K.L. Armstrong, M.A. Marr; tradução

Edmo Suassuna. – Primeira edição. – Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2015.

(Crônicas de Blackwell; 1)Tradução de: Loki’s wolves: the blackwell pages ISBN 978-85-7980-210-21. Ficção infantojuvenil canadense. I. Marr, M.A. II. Suassuna,

Edmo. III. Título. IV. Série.

14-13668 CDU: 087.5 CDD: 028.5