Cuba depois de Fider

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Cuba: O que acontecerá depois de Fidel Castro? Seguirá Cuba, inevitavelmente, o caminho da Rússia e do Leste Europeu após o colapso do Muro de Berlim em 1989, com o regresso a um capitalismo virulento? Esta questão é levantada pela recente doença de Fidel Castro que, segundo as informações, sofre com problemas intestinais, e passou temporariamente os seus poderes para seu irmão Raúl Castro em Agosto. por Peter Taaffe, do Secretariado Internacional do Comité por uma Internacional dos Trabalhadores(CIT) Publicado originalmente em inglês em 25 de Setembro de 2006, Traduzido e publicado em Português na Internet no site www.sr-cio.org/ do Socialismo Revolucionário, secção brasileira do CIT Publicado em Portugal pelo Alternativa Socialista, colectivo de militantes do CIT em Portugal [email protected] Apartado 27018 1201-950 LISBOA

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Análise marxista da situação e prespectivas para Cuba

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Cuba: O que acontecerá depois de Fidel Castro?

Seguirá Cuba, inevitavelmente, o caminho da Rússia e do Leste Europeu após o colapso do Muro de Berlim em 1989, com o regresso a um capitalismo virulento? Esta questão é levantada pela recente doença de Fidel Castro que, segundo as informações, sofre com problemas intestinais, e passou temporariamente os seus poderes para seu irmão Raúl Castro em Agosto.

por Peter Taaffe, do Secretariado Internacional do Comité por uma Internacional dos Trabalhadores(CIT)

Publicado originalmente em inglês em 25 de Setembro de 2006, Traduzido e publicado em Português na Internet no site

www.sr-cio.org/ do Socialismo Revolucionário, secção brasileira do CIT

Publicado em Portugal pelo Alternativa Socialista, colectivo de militantes do CIT em Portugal

[email protected]

Apartado 27018 1201-950 LISBOA

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Em Julho um relatório especial da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre do governo Bush reservou 80 milhões de dólares para conseguir este objectivo. Ameaçadoramente, diferentemente de relatórios anteriores, partes dele não foram publicadas “por razões de segurança”, com a clara consequência de uma futura intervenção militar dos EUA em Cuba. A doença de Castro levou a celebrações delirantes entre sectores dos 650.000 cubanos exilados, particularmente a rica elite parasitária que saliva diante da perspectiva de retomar “suas propriedades”, o que esperam, que ocorrera rapidamente após a morte de Fidel Castro.

Diferentemente disto, milhões de trabalhadores e pobres, particularmente no mundo neocolonial e, especialmente, na América Latina esperam que as esperanças das predições do iminente colapso de Cuba mostrem-se equivocadas. A Revolução Cubana, desde o seu começo em Janeiro de 1959 e, por meio da sua economia planificada, mostrou, em parte, que era possível para a humanidade como um todo se a camisa de força do latifúndio e do capitalismo fosse eliminada. Fidel Castro e Che Guevara eram naquele momento, e continuam a ser, figuras heróicas para muitos trabalhadores e jovens por todo o mundo.

Em alguma medida, a reputação de Cuba aumentou diante do cenário de fundo da brutal ofensiva neoliberal do capitalismo por todo o mundo ao longo dos anos 90 e no início deste século. As conquistas nos campos da saúde, da habitação e da educação são espectaculares quando comparadas com os tristes registros do latifúndio e do capitalismo no mundo neocolonial. Mesmo quando a burguesia mundial e seus lacaios procuram usar a doença de Castro como uma desculpa para ridicularizar Cuba e sua Revolução, outros periódicos mais sérios do capitalismo são obrigados a reconhecer as conquistas de Cuba.

Por exemplo, El País, jornal espanhol, destacou recentemente o desempenho impressionante de Cuba em áreas chaves. Existem 200.000 professores numa população de 11,4 milhões. Isto significa que há um professor para cada 57 pessoas, uma das melhores taxas de professores por alunos do mundo, para não dizer do mundo neocolonial. Mais ainda, após o terramoto do

Paquistão em 2005, Cuba mandou 2.660 médicos e técnicos de saúde para ajudar nas piores áreas. Durante seis meses no Paquistão, trataram 1.700.00 pacientes – 73% daqueles afectados por doença – e realizaram 14.500 operações. Além disso, eles ofereceram 1.000 cursos de medicina para jovens das áreas mais atingidas estudarem em Cuba. Trinta e dois hospitais temporários foram deixados pelo governo cubano para ser usado pelo povo paquistanês para combater doenças sérias. Naturalmente, isto aumentou o apoio a Cuba no Paquistão. Na Indonésia, logo após o terramoto de Maio de 2006, 135 trabalhadores de saúde cubanos atenderam 100.000 pacientes. Dois hospitais foram construídos e deixados pelos cubanos quando a expedição médica deixou o país. Trinta e seis mil profissionais e técnicos cubanos estão a trabalhar em 107 países do Terceiro Mundo. Junto com isto, Venezuela e Cuba anunciaram um projecto – Operação Milagre – para oferecer a seis milhões de latino-americanos cirurgias grátis se eles não puderem pagar nos próximos 10 anos. Cuba também ofereceu 100.000 vagas nas universidades cubanas para formar gratuitamente médicos latino-americanos.

As classes proprietárias por todo o mundo temem que este exemplo (o produto de uma economia planificada, ainda que não gerida ou controlada pela classe trabalhadora, mas por uma burocracia) torne-se ainda mais atractivo para as massas famintas de pobres no caso de um colapso no capitalismo mundial. Porém, apesar de todas estas conquistas, a manutenção de uma economia planificada, infelizmente, não está totalmente garantida sobre a base actual, particularmente no caso da morte de Fidel Castro. A sua figura, ao lado da imagem do herói martirizado da Revolução, Che Guevara, combinados com as sólidas conquistas sociais da revolução prejudicaram as tentativas anteriores de contra-revolução, mesmo nas difíceis circunstâncias do “período especial” dos anos 90.

Suspenso por um fio

Depois da restauração do capitalismo na Rússia, a antiga burocracia estalinista, a qual estava num processo de transição ao capitalismo, causou um dano económico colossal a Cuba. Castro comentou sobre este período: “Em nenhuma época histórica algum país encontrou-se na situação que o nosso encontrou, quando o campo socialista

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colapsou e permanecemos sob o duro bloqueio dos EUA. Ninguém imaginou que algo tão certo e estável quanto o sol poderia desaparecer um dia, tal como aconteceu com a União Soviética” (Fidel Castro: A Biography, Volker Skierka, p. 282). Mais adiante ele declarou: “Nós defenderemo-nos a partir de nós próprios, cercados por um oceano de capitalismo neste ‘período especial’” (ibidem, p.283). Um autor comentou recentemente: “O racionamento de comida foi introduzido, mas virtualmente não havia manteiga, leite apenas para crianças pequenas, idosos e aqueles com necessidades especiais; a permissão de pão era de 250 gramas por dia. Sabão, detergente, papel higiénico e fósforos não eram vistos frequentemente”.

A economia caiu 2,9% em 1990, 10% em 1991, 11,6% em 1992 e 14,9% em 1993. A desnutrição, desconhecida desde o triunfo da Revolução, generalizou-se. As conquistas históricas de educação e atenção médica gratuitas foram preservadas, mas um programa de brutal austeridade foi infligido para a grande massa da população. Uma das economias mais importantes foi o corte de consumo de energia em 50%. Tal como um comentarista afirmou: “A sociedade cubana quase que, literalmente, parou de se mover – até que o comandante [Castro] teve a ideia salvadora de que a população deveria trazer de volta para o futuro as carroças de cavalo e as bicicletas”. Fazendo da necessidade uma virtude, Fidel Castro declarou: “O período especial também tem lados positivos – tal como o fato de que agora estamos entrando na era da bicicleta. De certa forma, isto também é uma Revolução”.

Sem dúvida alguma, andar de bicicleta foi bom para a saúde cubana, assim como foi a ausência de McDonalds e outras junk food (alimento com baixo valor nutricional) dos EUA, mas este programa de austeridade em si mesmo não é suficiente para satisfazer a fome de jovens e trabalhadores por acesso à tecnologia moderna, bens modernos, padrões de vida crescentes e liberdade. Obrigada a contar com seus próprios recursos, Cuba também foi capaz de fazer uso da engenhosidade da população, como por exemplo, com o desenvolvimento espectacular de biotecnologia que levou Cuba, no início dos anos 90, a tornar-se “a maior exportadora do mundo de tais produtos, tendo como procura particularmente alta no campo de

regeneração de pele e imunização contra meningite, hepatite B e outras doenças”. Com a oposição das multinacionais dos EUA e da Europa, Cuba já lucrava em 1991 e compete agressivamente enquanto fornecedora de produtos baratos, especialmente para países do terceiro mundo. Todavia, este sector de sucesso da produção cubana soma apenas uma participação de 3 a 5% do total de exportações.

A habilidade de Cuba na competição do mercado farmacêutico estava ligada com a manutenção do esplêndido sector de saúde, um produto directo da economia planificada. Ele continuou a empregar 340.000 trabalhadores do sector de saúde pessoas e 64.000 médicos durante os anos do período especial. Actualmente existem 70.000 médicos, uma taxa de um médico por 193 habitantes, que podem ser comparados com a taxa de um para 313 na Alemanha. Castro foi capaz de contrastar a expectativa de vida em Cuba com a da ex-União Soviética, que caiu drasticamente após o retorno ao capitalismo: “A expectativa de vida na parte da URSS que hoje é a Rússia é, actualmente, de 56 anos, 20 anos a menos do que em Cuba, 20 anos!”. Apesar disto, por causa de seu isolamento, Cuba ainda vive sérios cortes mesmo no campo da medicina.

Mais ainda, o desemprego – até então um fenómeno sem precedentes – começou a crescer, com uma cifra de 8% de desempregados numa força de trabalho total de 4 milhões. Um instituto espanhol na época estimou que “em Maio de 1999 cerca de um terço dos trabalhadores cubanos estavam desempregados ou subempregados”. Em 1999 a Comissão Económica para a América Latina (CEPAL) estimou “que em 1999 a Revolução Cubana alcançou o ponto em que estava 40 anos antes, em 1959”. No início dos anos 90, a Revolução estava suspensa por fio e, pela primeira vez desde a invasão da Baía dos Porcos, a ameaça da contra-revolução, o retorno de ex-latifundiários e capitalistas com base em Miami e a dominação imperialista dos EUA aproximava-se.

Consequentemente, Castro foi forçado a fazer concessões pró “mercado”, isto é, para o capitalismo. Por meio da “dolarização”, uma economia paralela desenvolveu-se, o que resultou em privilégios relativos para aqueles envolvidos em turismo que eram

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pagos em dólares e em sectores que envolviam “empreendimentos conjuntos” (joint ventures). Paradoxalmente, aqueles que permaneceram apoiantes firmes da economia planificada, tal como os médicos, os professores e etc. continuaram a ser pagos em pesos e sofreram com isso. Richard Gott, um conhecido autor de esquerda sobre Cuba, escreveu que “o monopólio do estado sobre o comércio exterior foi abolido em 1992 e a constituição foi modificada para permitir a transferência da propriedade estatal para empreendimentos conjuntos com parceiros estrangeiros”. Isto implicava que Cuba estava no caminho de retorno ao capitalismo, isto se já não tivesse chegado a este ponto.

É verdade que uma emenda legal de 1995 à constituição cubana introduziu a possibilidade de que o capital estrangeiro poderia adquirir 100% de participação nas companhias, ainda que isto na prática raramente ocorreu. O próprio Castro declarou: “Não há prescrições rígidas. Nós estamos prontos para considerar qualquer tipo de proposição”. Porém, apesar de todas as dificuldades, Cuba continuou, essencialmente, uma economia planificada. Operações de importação e exportação eram realizadas por empresas cubanas e outras “entidades registradas no Registro Nacional de Importadores e Exportadores vinculadas com a Câmara de Comércio” que eram debilmente autorizadas (Relatório oficial da Câmara de Comércio Cubana). As empresas estrangeiras requeriam autorização do Ministério de Comércio para realizar suas operações.

Descontentamento em ebulição

Uma relativa descentralização ocorreu. Aproximadamente 350 empresas foram autorizadas a importar e exportar sob sua própria autoridade. Sem dúvida, este era um vazio por meio do qual o capital estrangeiro e seus apoiantes cubanos poderiam encontrar uma base. Mas Cuba continuou a manter significativas barreiras não-tarifárias e o governo inspeccionou e aprovou boa parte das importações. Castro deixou claro em 2000 os limites de tais concessões ao capitalismo. Ele destacou para o director da UNESCO, Frederico Mayor Zaragoza: “Como um princípio geral, nada do que é adequado para [a nação], e, portanto, que pode ser mantido sob propriedade pela nação ou por um colectivo dos trabalhadores, será privatizado. A nossa ideologia e a nossa

preferência é a de que o socialismo não deveria ter qualquer semelhança com o egocentrismo, os privilégios e as desigualdades da sociedade capitalista. Em nosso país, nada termina enquanto uma propriedade de um oficial de alto escalão e nada é dado para cúmplices ou amigos. Nada que pode ser usado eficientemente e com grandes benefícios para nossa sociedade terminará nas mãos de indivíduos privados, sejam cubanos ou estrangeiros”.

Porém, não é verdade, tal como Fidel Castro argumentou, que as desigualdades não existem em Cuba. As denúncias periódicas e as campanhas contra corrupção, desvios e privilégios que o próprio Castro conduziu são indicativas da situação real. De fato, a dolarização da economia foi um golpe severo no orgulho revolucionário e abriu divisões na sociedade cubana, levando a um crescimento adicional de uma elite privilegiada. Uma mudança na lei garantiu a actividade de pequenos negócios e teve um efeito significante na criação de uma pequena burguesia relativamente próspera nas áreas urbanas. Tal como muitas reformas similares introduzidas pelos regimes estalinistas anteriores ao colapso de 1989 no Leste Europeu, na antiga União Soviética ou na China isto levou a um florescente sector capitalista. O período austero inevitavelmente gerou descontentamento e a liberação do controle sobre o dólar foi uma resposta do regime cubano às pressões da população dentro do país.

Mas isto não foi suficiente, visto que a falta de abastecimento persistiu. O descontentamento crescente resultou em um protesto de milhares de pessoas no centro de Havana em Agosto de 1994. A maior parte dos jovens moveu-se por toda a cidade jogando pedras nas janelas dos hotéis. Pela primeira vez bandeiras anti-Castro podiam ser escutadas: “Já é o suficiente! Queremos liberdade! Abaixo Fidel!”. Eles encontraram 300 policiais disparando tiros de advertência para o ar e uma grande confrontação se anunciava até que “repentinamente, o próprio líder máximo [Castro] apareceu na cena e lançou-se à discussão com os jovens. O público imediatamente se acalmou, o escutou e se dispersou”. Este é um exemplo impressionante da autoridade colossal que Castro e a Revolução tinham e provavelmente continuam a ter hoje. Nesta ocasião, isto foi suficiente para prevenir que o protesto se espalhasse e envolvesse um

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movimento mais amplo. O descontentamento continuava a existir, mas foi levado mais uma vez para o subterrâneo.

Medidas drásticas contra a corrupção

Ainda que a economia cubana tenha se recuperado, um resultado parcial da assistência económica da Venezuela de Hugo Chávez, de tratados comerciais com a China e etc., a falta de bens combinada com a corrupção continua a existir e foi claramente reconhecido por Castro nas vésperas de sua doença. Apoiando-se em 30.000 jovens, os trabalhadores sociais, Castro lançou uma “batalha de ideias” para manter o presente sistema em Cuba e, em particular, a mobilização de vigilantes contra a corrupção. Esta força, simpatizante de Castro e da Revolução, é similar à mobilização dos Guardas Vermelhos de Mao Zedong na Revolução Cultural de 1966. Antes de sua doença, entusiasmado com os benefícios económicos do turismo, assim como a benevolência do regime venezuelano, Castro esteve envolvido no processo de recentralização e redução das concessões pró-capitalistas feitas nos anos 90. Ele também estava consciente das consequências para Cuba, caso ele já não estivesse em cena. Em particular, preocupava-se com a corrupção que inevitavelmente brotava do sistema económico cubano de dois níveis. Portanto também ele envolveu-se em uma versão cubana da Revolução Cultural de Mao, ainda que não na mesma escala ou com os mesmos métodos brutais.

Cinco das 14 províncias viram os principais dirigentes do Partido Comunista substituídos. Assim como nos Ministérios de Indústria Ligeira, Educação Superior e Auditoria e Controle. Alguns dos 21 membros do Politburo foram destituídos abruptamente por “erros” que incluem “abuso de autoridade” e “ostentação”. Num discurso para a Universidade de Havana, Castro descreveu um retrato em que há subornos generalizados por todo o sistema sob controle estatal. Ele disse que isto ameaçava o sistema “comunista”: “Nós podemo-nos destruir a nós mesmos e isto será nossa culpa”. Os “trabalhadores sociais” estudantes vestidos em t-shirts pretas ou vermelhas, foram, por exemplo, mobilizados para postos de abastecimento de combustíveis para controlar a venda de recursos petrolíferos escassos. Este exercício revelou que, antes

disso, quase metade de todo o combustível vendido não era contabilizado.

Mas, naturalmente, a pergunta que surge é: Como é que na Cuba socialista “democrática” – onde, em teoria, o poder provém das massas e de suas organizações – pode a corrupção em tal escala ser revelada subitamente? Seguindo a isto, a nova “guarda vermelha” cubana foi “mobilizada” em “missões” de auditoria de companhias estatais, onde descobriram “furtos excessivos”. Sectores das forças armadas também foram pressionados para “deveres contra o suborno”. Actualmente o exército está a gerir o porto de Havana, onde foram descobertos contentores inteiros desaparecidos quanto os civis eram responsáveis. Castro está claramente assombrado com o exemplo do colapso da União Soviética e espera desenvolver um sistema que possa impedir Cuba de seguir um trajecto similar.

Porém, o áspero instrumento das brigadas estudantis e de choque não resolverão o problema. As questões de corrupção, suborno e burocracia não são questões pequenas ou meros desvios de conduta. O carácter da sociedade cubana – onde o poder está concentrado nas mãos da estrutura dirigente do Estado, do Exército e do Partido Comunista Cubano – inevitavelmente leva ao abuso. No início dos anos 90, diante da situação económica catastrófica, a direcção cubana liderada por Fidel Castro abriu uma discussão sobre a constituição e emendas constitucionais na Assembleia Nacional, incluindo uma forma de eleições direitas. Porém, isto ainda foi no contexto de somente um candidato para cada cadeira no parlamento. Tal candidato deveria ser leal ao partido e deveria ter passado a “pente fino”. No melhor dos casos, isto era uma forma de “democracia” que permitia os eleitores escolher um candidato de uma lista de apenas um partido. Ao mesmo tempo, os membros do Comité Central, do Politburo e do Conselho de Estado estavam sujeitos à vontade e ao veto, caso necessário, de Fidel Castro.

Este exercício resultou num corte da burocracia – por exemplo, os membros do partido foram reduzidos em dois terços, o número de secretarias do Comité Central diminuíram de 19 para nove – mas isto não resolveu fundamentalmente o problema do poder estar concentrado nas mãos de uma

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elite burocrática – muitos dos quais desfrutavam uma existência privilegiada em comparação com a massa da população. O próprio Castro, apesar das recentes afirmações absurdas da revista Forbes de que era um dos homens mais ricos do planeta, não é pessoalmente corrupto e não leva uma existência abertamente privilegiada. No entanto, o problema não é apenas um homem ou um pequeno grupo de homens e mulheres devotados a manter a economia planificada, mas sim o facto de que o poder verdadeiro está nas mãos de uma elite de cima para baixo. A grande maioria dos trabalhadores é deixada de lado, no máximo “consultada”, mas sem poder, controle ou gestão reais partindo deles.

Democracia dos trabalhadores

Setenta anos atrás, em “A revolução Traída”, em relação à União Soviética, Leon Trotsky colocou a pergunta: “A burocracia devorará o Estado Operário ou a classe operária livrar-se-á da burocracia?... os operários temem abrir o caminho à restauração capitalista”. Para amplos sectores da população, isto provavelmente sintetiza o estado de ânimo em Cuba actualmente. Mas o descontentamento a crescer, particularmente entre a nova geração; 73% da população de Cuba cresceu após o triunfo da Revolução em 1959. Esta alienação da nova geração pode levar, tal como um comentarista afirmou, a longo prazo a uma “Revolução sem herdeiros”. Castro parece não reconhecer o problema e nem ele ou o grupo à sua volta são capazes de implementar medidas para garantir os ganhos da Revolução. Ele declarou: “Eu não acredito que é realmente necessário ter mais do que um partido... Como nosso país poderia ter permanecido firme se tivesse sido dividido em dez pedaços? (…)Penso que a exploração do homem pelo homem necessita de desaparecer antes de se ter a democracia real”.

Porém, sem uma real democracia dos trabalhadores – o fim do monopólio do partido único, eleições justas para autênticos conselhos dos trabalhadores com o direito de todos (inclusive os trotskistas) participar das eleições, controle estrito sobre os lucros e com o direito de revogação sobre todos os representantes eleitos – a Revolução Cubana está em perigo, especialmente se Fidel Castro sair de cena. Cuba não é um estado “socialista”. Mesmo um Estado Operário

saudável, com democracia dos trabalhadores, em apenas um país ou alguns países, seria uma transição entre o Capitalismo e começo do Socialismo.

Cuba não é um Estado Operário saudável tal como era entendido por Lenine e Trotsky ou aceite, em geral, por marxistas que vieram depois deles. Também não é um “Estado Operário com deformações burocráticas”, tal como alguns recentemente apontaram. Tal regime existiu no primeiro momento depois da Revolução Russa entre 1917-1923. Os bolcheviques, nas palavras de Lenine, por causa do atraso cultural da Rússia, foram forçados a tomar a “velha máquina estatal czarista com uma leve aparência de socialismo”. Este problema só poderia ser superado na arena mundial, espalhando a Revolução Russa. Mesmo no estado que existiu depois de 1923, Trotsky e a Oposição de Esquerda lutaram por “reformas”, medidas que reduziriam as “deformações burocráticas”. Porém, a consolidação da elite burocrática, personificada pela ascensão de Estaline, colocou não mais a questão da “reforma”, mas da eliminação do estado estalinista e da burocracia para a Rússia pudesse avançar para o socialismo.

Cuba e sua Revolução tiveram muitas características diferentes da Revolução Russa e Castro não é Estaline, tal como explicamos noutros artigos (ver Socialism Today, nº 89 e o livro Cuba: Socialismo e Democracia). Mas a existência de uma casta definida, uma burocracia com interesses próprios – agora contrapostos à manutenção da Revolução Cubana e o seu futuro avanço – é confirmada pela preocupação de Castro com o futuro e pelas medidas que ele iniciou contra a burocracia antes de ficar doente.

Cuba é o que Trotsky chamou de um “Estado Operário deformado”, uma economia planificada, mas com o poder nas mãos de uma casta privilegiada de burocratas. A partir da caracterização de Cuba como meramente um “Estado Operário com deformações burocráticas” alguns argumentam que o que é necessário são “reformas” e não uma “revolução política”. Mas a experiência histórica demonstrou que a camada da sociedade privilegiada e governante, seja ela capitalista ou elite burocrática, é consciente de seu poder e lutará para mantê-lo, algumas vezes fazendo uso dos meios mais duros.

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A necessidade de uma revolução política na Rússia, levantada por Trotsky, era uma descrição científica do que era necessário para libertar a economia planifica das mãos de uma burocracia gananciosa e dispendiosa. Não era um programa quotidiano de acção com “trotskistas” na Rússia pressionados para sair às ruas e proclamarem a “revolução política”. Eles argumentavam pela “democracia dos trabalhadores”.

O ponto de partida para o socialismo seria um nível superior de produção e da técnica do que o maior nível alcançado pelo capitalismo até hoje. Isto significa que o início do socialismo implicaria em um nível da técnica e dos padrões de vida maior que os existentes nos EUA – o que é possível somente por meio de um plano mundial de produção controlado pela classe trabalhadora. Porém, com a inexistência da democracia dos trabalhadores, a transição para o socialismo num país ou em alguns países é impossível e pode levar, tal como o exemplo da União Soviética mostra, não para o socialismo mas para uma degeneração e, em última instância, para um colapso de volta ao capitalismo. O perigo real para um Estado Operário isolado, tal como Trotsky comentou, não está tanto numa invasão militar, mas nas “mercadorias baratas na bagagem de trem do imperialismo”. Um grande ingresso de turistas, particularmente milhões provenientes dos EUA com dólares nas carteiras, colocaria grandes problemas para Cuba e fortaleceria os elementos de capitalismo que já existem.

Divisões no regime

Mas, devido à estupidez do imperialismo dos EUA, particularmente nos anos 90 sob a administração de Clinton que introduziu a legislação Helms-Burton, uma Cuba isolada, sitiada poderia não ter sido capaz de se manter e desfrutar a posição que possui hoje. Esta lei descartou a possibilidade de que Cuba poderia endossar, por meios parlamentares, o confisco da indústria e da propriedade dos anos 60, tal como foi feito pelo governo capitalista da Alemanha reunificada. A Alemanha ratificou todas as expropriações de terra pelo estado sobre 100 acres na Alemanha Oriental, que as autoridades soviéticas de ocupação realizaram depois da II Guerra Mundial. Se a lei Helms-Burton fosse implementada à letra, isto seria descartado para uma futura Cuba capitalista, o que significaria “que para o

futuro desenvolvimento de Cuba, um retorno às velhas relações de propriedade, seria tão catastrófico quanto a obrigação de pagar uma compensação aos valores actuais” (Fidel Castro: A Biography, Voler Skierka, p. 313).

Tal como destacou outro comentarista: “A lei Helms-Burton é uma lei dura para a custódia sobre uma Cuba futura: seu propósito não é a democratização do sistema político e de suas instituições, mas a reapropriação da ilha por seus vizinhos do norte. Um retorno de grandes blocos da economia cubana para as corporações privadas dos EUA não significaria apenas restaurar as (mal desejadas) condições existentes antes da Revolução. O povo da ilha teria que suportar o peso dos juros, e dos juros sobre os juros, por diversas gerações, enquanto os verdadeiros beneficiários incluiriam os descendentes daqueles mafiosos que adquiriram suas posses por meio da violência e da repressão, corrupção, roubo, evasão de impostos e o preenchimento de duvidosos títulos de propriedade” (ibid, p. 314). A lei Helms-Burton também tem como efeito reforçar a “rigidez” do sistema cubano, no sentido de que mesmo aqueles burocratas que desejavam ver o desmantelamento da economia planificada “vêem diante deles somente um profundo precipício sem espaço no qual possam implementar uma reforma com dignidade”.

E há divisões dentro da elite burocrática de Cuba. Existe um sector que deseja a “abertura” ao capitalismo de forma “democrática”. Sem dúvida, há outro sector que lutará para manter uma economia planificada. Os Marxistas, como Trotsky defendeu, procurariam um bloco de princípios com esta camada da liderança e burocracia cubana e procurariam mobilizar a resistência das massas cubanas diante de qualquer ameaça de retorno ao capitalismo. Mas por sua própria natureza, este bloco inevitavelmente colocaria a questão de como libertar Cuba das mãos mortas da oficialidade burocrática como um meio de proteger a Revolução. Alguns marxistas apresentaram a questão de abandonar a ideia de revolução política para remover a elite burocrática. No seu lugar apresentam frases sobre a democracia dos trabalhadores. Mas isso é pura demagogia. A ideia de uma Revolução política a de Democracia dos Trabalhadores são a mesmo. Enquanto Trotsky deu apoio crítico a esta ou aquela medida em que a elite burocrática estava preparada para

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defender a economia política para seus próprios fins, isto não significava o abandono da ideia de revolução política. Ele destacou: “A revolução que a burocracia está preparando contra si mesma não será social, tal como a revolução de 1917. Desta vez, não é uma questão de mudar os fundamentos económicos da sociedade, de substituir certas formas de propriedade por

outras formas. A história também sabe que não foram apenas revoluções sociais que substituíram o regime feudal pelo burguês, mas também revoluções políticas que sem destruir as bases económicas da sociedade, varreram uma velha crosta dominante (1830-1848 na França, Fevereiro de 1917, etc.)”.

A substituição de uma casta privilegiada que, sem dúvida alguma, existe em Cuba pela Democracia dos Trabalhadores não tem que ser necessariamente violenta, mas terá que ser profunda, dando controle e gestão reais para as massas em vez do controle vertical exercido pela presente direcção cubana, mesmo quando é implementada por líderes carismáticos. A Democracia dos Trabalhadores em Cuba, poderia estender a mão amiga às massas latino-americanas. Quase que imediatamente, uma verdadeira Confederação Democrática dos Trabalhadores poderia ser formada entre Cuba e Venezuela, especialmente se a Revolução for completada nesta última, e o mesmo vale para a Bolívia. É neste caminho que está a única esperança para a manutenção dos ganhos da Revolução Cubana. Sem uma economia planificada, Cuba será lançada ao retrocesso de décadas e as expectativas de Revolução Socialista na América Latina e por todo o mundo sofrerão um golpe severo. A manutenção desta Revolução não deve ser colocada nas mãos de um homem ou de um grupo de homens e mulheres, mas da classe trabalhadora cubana, estimulada e politicamente consciente.