Cuidado aí vem Raulzito!

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Raulzito! Vinte anos sem Raul se passaram e o legado deixado pelo roqueiro está mais vivo do que nunca Cuidado aí vem Felipe Pedrosa e Shirley Pacelli “Não sei onde eu tô indo, mas eu sei que tô no meu caminho”. Quando Raul Seixas cantou esses versos, da música “No fundo do quintal da escola”, não imaginava mesmo até onde iria chegar. E ele foi longe... Depois de vinte anos de sua morte, em 21 de agosto de 1989, ele se tor- nou uma persona sempre presente no inconsciente popular. A figura do Raul é imortal, seja pela melodia, pelos versos nem sem- pre compreendidos ou pelo sonho de fundar a tão esperada “Sociedade Alternativa”, em que o advogado é o não advogado, o médico é o não médico e o jornalista é o não jornalis- ta. O cantor, que conquistou fãs de todas as idades, teve discos massa- crados pela mídia, músicas censura- das pela ditadura e lançou o primeiro álbum produzido por um fã clube. A obra de Raul já foi objeto de estudo na universidade e algumas pessoas dizem que transformaram suas vidas depois de conhecerem as músicas e a maneira outside de viver do “Raulzito”. AS AVENTURAS DE RAUL Na cidade de Thor, Raul se fanta- siou de rato, faturou em cima do inimigo, dormiu de toca e se livrou das pulgas. Até taxado de profeta do apocalipse ele foi! Tudo isso está nas músicas que ele cantou. Nascido na classe média baiana, Raul Santos Seixas nunca foi um aluno exemplar. Chegou a repetir a terceira série três vezes. Mas uma coisa sempre marcou a sua infância e adolescência: a leitura. Desde novo ele mergulhava nos livros. A primeira banda surgiu em 1962, mas só em 1968 nasceu o primeiro filhote de sua carreira: o LP “Rauzito e os Panteras”. Em 1971, o atrevido Raul, que trabalhava na gravadora CBS, desobedeceu as ordens da casa e gravou o álbum Sociedade da Grã Ordem Karvenista. Resultado: foi demitido e o álbum desapareceu do mercado. Mas a teimosia de Raul falava mais alto. Em 1973, uma parceria com o escritor Paulo Coelho gerou o álbum “Krig-Há, Bandadolo”, que não é nada mais que um grito de guerra das HQs do Tarzan que quer dizer: “Cuidado, aí vem o inimigo”. E ele veio com tudo, “pintou e abusou” com as regras da ditadura e da indús- tria fonográfica. Algumas mentiras midiáticas tam- bém contribuíram para o ícone Raul Seixas. Em uma “suposta” visita ao Estados Unidos, o músico teria se encontrado com John Lennon e tira- do uma foto. Isso nunca foi confirma- do pelo músico e a fotografia jamais foi vista. Outra lenda sobre a trajetó- ria do músico surgiu na época da gravação do álbum “Panela do Diabo” (1989), que foi produzido em parce- ria com o vocalista do Camisa de Vênus, Marcelo Nova. Contava-se que eles se reuniam para praticarem rituais satânicos e bruxarias. Mas, segundo Marcelo Nova, eles se senta- vam no sofá com uma garrafa de whisk e tomavam sopa de letrinhas. CONTRA-CARETICE A massa raulseixista já foi intitula- da de seita, religião e credo. Mas o que eles realmente querem é deixar de lado aquela “velha opinião forma- da sobre tudo”. Para os fãs do Raul, as letras do músico servem como autoajuda. Segundo o professor da rede muni- cipal de Belo Horizonte, Roberto Sobreira de Castro, fã há 20 anos, Raul o ajuda a ter coragem. “Escutando as músicas dele eu tive força para enfrentar minha família e trancar a faculdade de engenharia”, revela. Para esse fã, o melhor álbum do músico é o “Eu nasci há dez mil anos atrás” por- que as músicas são engraçadas e têm sempre uma mensagem. “Todo mundo veste a carapuça em uma música do Raul”, assegura. O publicitário Thiago Oliveira, 26 anos, é fã desde os dez anos e chegou a analisar a obra do ídolo na monogra- fia, que mostra a influência das capas de vinis no mundo contemporâneo. “Raul abordava muitos temas presen- tes no nosso dia a dia. O LP ‘Pedra de Gênesis’, por exemplo, traz um con- texto fotográfico místico”, explica. A admiração por Raul, fez com que Roberto e Thiago, ou Beto e Tegreta, como são conhecidos, formassem a banda “Pé na estrada”, que tem o ídolo como principal influência. Outra que estudou a obra de Raul foi Rosana da Câmara. Em sua tese de doutorado em Letras, ela analisou as músicas do cantor censuradas pela ditadura. A tese foi publicada em livro com o nome de “Krig- há, Bandolo! Cuidado, aí vem Raul Seixas”. TOCA RAUL Outros fãs mais abusados fizeram composições satirizando o famoso pedido do público nas apresentações. Zeca Baleiro, Móveis Coloniais de Acaju e Pedra Letícia usaram o tema. E sempre que um “maluco beleza” grita “Toca Raul”, eles tiram o “às da manga” e fazem uma homenagem ao grande músico. O jargão é um dos muitos legados do cantor. E o que não falta são representan- tes de Raul no cenário musical brasi- leiro. Renato Russo, Cássia Eller e Zélia Ducan são alguns dos artistas que já regravaram as canções do músico. Mas, o que realmente move os corações do público é a boa e velha voz do Raulzito entoando seus versos de verdadeiro “Maluco beleza”. Arquivo pessoal Raul Seixas

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Vinte anos sem Raul se passaram e o legado deixado pelo roqueiro está mais vivo do que nunca. (Matéria publica na "revista ágora, do Centro Universitário Newton Paiva)

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Raulzito!

Vinte anos sem Raul se passaram e o legado deixado pelo roqueiro está mais vivo do que nunca

Cuidado aí vem

Felipe Pedrosa e Shirley Pacelli

“Não sei onde eu tô indo, mas eu sei que tô no meu caminho”. Quando Raul Seixas cantou esses versos, da música “No fundo do quintal da escola”, não imaginava mesmo até onde iria chegar. E ele foi longe... Depois de vinte anos de sua morte, em 21 de agosto de 1989, ele se tor-nou uma persona sempre presente no inconsciente popular.

A figura do Raul é imortal, seja pela melodia, pelos versos nem sem-pre compreendidos ou pelo sonho de fundar a tão esperada “Sociedade Alternativa”, em que o advogado é o não advogado, o médico é o não médico e o jornalista é o não jornalis-ta. O cantor, que conquistou fãs de todas as idades, teve discos massa-crados pela mídia, músicas censura-das pela ditadura e lançou o primeiro álbum produzido por um fã clube. A obra de Raul já foi objeto de estudo na universidade e algumas pessoas dizem que transformaram suas vidas depois de conhecerem as músicas e a maneira outside de viver do “Raulzito”.

AS AVENTURAS DE RAULNa cidade de Thor, Raul se fanta-

siou de rato, faturou em cima do inimigo, dormiu de toca e se livrou das pulgas. Até taxado de profeta do apocalipse ele foi! Tudo isso está nas músicas que ele cantou.

Nascido na classe média baiana, Raul Santos Seixas nunca foi um aluno exemplar. Chegou a repetir a terceira série três vezes. Mas uma coisa sempre marcou a sua infância e adolescência: a leitura. Desde novo ele mergulhava nos livros.

A primeira banda surgiu em 1962, mas só em 1968 nasceu o primeiro filhote de sua carreira: o LP “Rauzito e os Panteras”. Em 1971, o atrevido Raul, que trabalhava na gravadora

CBS, desobedeceu as ordens da casa e gravou o álbum Sociedade da Grã Ordem Karvenista. Resultado: foi demitido e o álbum desapareceu do mercado.

Mas a teimosia de Raul falava mais alto. Em 1973, uma parceria com o escritor Paulo Coelho gerou o álbum “Krig-Há, Bandadolo”, que não é nada mais que um grito de guerra das HQs do Tarzan que quer dizer: “Cuidado, aí vem o inimigo”. E ele veio com tudo, “pintou e abusou” com as regras da ditadura e da indús-tria fonográfica.

Algumas mentiras midiáticas tam-bém contribuíram para o ícone Raul Seixas. Em uma “suposta” visita ao Estados Unidos, o músico teria se encontrado com John Lennon e tira-do uma foto. Isso nunca foi confirma-do pelo músico e a fotografia jamais foi vista. Outra lenda sobre a trajetó-ria do músico surgiu na época da gravação do álbum “Panela do Diabo” (1989), que foi produzido em parce-ria com o vocalista do Camisa de Vênus, Marcelo Nova. Contava-se que eles se reuniam para praticarem rituais satânicos e bruxarias. Mas, segundo Marcelo Nova, eles se senta-vam no sofá com uma garrafa de whisk e tomavam sopa de letrinhas.

CONTRA-CARETICEA massa raulseixista já foi intitula-

da de seita, religião e credo. Mas o que eles realmente querem é deixar de lado aquela “velha opinião forma-da sobre tudo”. Para os fãs do Raul, as letras do músico servem como autoajuda.

Segundo o professor da rede muni-cipal de Belo Horizonte, Roberto Sobreira de Castro, fã há 20 anos, Raul o ajuda a ter coragem. “Escutando as músicas dele eu tive força para enfrentar minha família e trancar a faculdade de engenharia”, revela. Para

esse fã, o melhor álbum do músico é o “Eu nasci há dez mil anos atrás” por-que as músicas são engraçadas e têm sempre uma mensagem. “Todo mundo veste a carapuça em uma música do Raul”, assegura.

O publicitário Thiago Oliveira, 26 anos, é fã desde os dez anos e chegou a analisar a obra do ídolo na monogra-fia, que mostra a influência das capas de vinis no mundo contemporâneo. “Raul abordava muitos temas presen-tes no nosso dia a dia. O LP ‘Pedra de Gênesis’, por exemplo, traz um con-texto fotográfico místico”, explica. A admiração por Raul, fez com que Roberto e Thiago, ou Beto e Tegreta, como são conhecidos, formassem a banda “Pé na estrada”, que tem o ídolo como principal influência.

Outra que estudou a obra de Raul foi Rosana da Câmara. Em sua tese de doutorado em Letras, ela analisou as músicas do cantor censuradas pela ditadura. A tese foi publicada em livro com o nome de “Krig- há, Bandolo! Cuidado, aí vem Raul Seixas”.

TOCA RAULOutros fãs mais abusados fizeram

composições satirizando o famoso pedido do público nas apresentações. Zeca Baleiro, Móveis Coloniais de Acaju e Pedra Letícia usaram o tema. E sempre que um “maluco beleza” grita “Toca Raul”, eles tiram o “às da manga” e fazem uma homenagem ao grande músico. O jargão é um dos muitos legados do cantor.

E o que não falta são representan-tes de Raul no cenário musical brasi-leiro. Renato Russo, Cássia Eller e Zélia Ducan são alguns dos artistas que já regravaram as canções do músico. Mas, o que realmente move os corações do público é a boa e velha voz do Raulzito entoando seus versos de verdadeiro “Maluco beleza”.

Arquivo pessoal R

aul Seixas