Cuidar

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CUIDAR Conta uma fábula-mito que “certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe a forma de uma criatura. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu a Júpiter que soprasse espírito na criatura que ele havia esculpido. O que Júpiter fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura, Júpiter o proibiu. Exigiu que o seu nome fosse dado à criatura. Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra que também quis dar o seu nome à criatura, pois afinal, tinha sido feita de barro, material do corpo da Terra. Começou então uma discussão generalizada. Como não chegavam a um consenso, decidiram de comum acordo pedir a Saturno que funcionasse como árbitro. Saturno tomou a seguinte decisão que pareceu justa: Você, Júpiter, deu o espírito à criatura; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da sua morte. Você, Terra, deu-lhe o corpo: receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer. Mas como você, Cuidado, foi quem moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver. E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil.” Observem, o cuidado é tão essencial que é anterior ao espírito infundido por Júpiter e ao corpo fornecido pela Terra. Ele está na origem da existência humana, nos dá a dimensão humana e estabelece nosso modo de ser no mundo. Pelo cuidado não vemos como objetos a natureza e tudo que nela existe. Vemos os seres como sujeitos e escutamos a voz da natureza. Neste caso, a relação não é de domínio, mas de convivência, não existe intervenção, mas interação. Estar no mundo na forma de cuidado nos permite experimentar o valor real das coisas. A partir do exercício do cuidado virão: o amor, a ternura, a cordialidade, a compaixão, entre outras. A fábula foi reproduzida a partir do livro de Leonardo Boff, cujo título é: Saber Cuidar.

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CUIDAR

Conta uma fábula-mito que “certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco do barro e começou a dar-lhe a forma de uma criatura. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu a Júpiter que soprasse espírito na criatura que ele havia esculpido. O que Júpiter fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura, Júpiter o proibiu. Exigiu que o seu nome fosse dado à criatura. Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra que também quis dar o seu nome à criatura, pois afinal, tinha sido feita de barro, material do corpo da Terra. Começou então uma discussão generalizada. Como não chegavam a um consenso, decidiram de comum acordo pedir a Saturno que funcionasse como árbitro. Saturno tomou a seguinte decisão que pareceu justa: Você, Júpiter, deu o espírito à criatura; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da sua morte. Você, Terra, deu-lhe o corpo: receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer. Mas como você, Cuidado, foi quem moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver. E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil.” Observem, o cuidado é tão essencial que é anterior ao espírito infundido por Júpiter e ao corpo fornecido pela Terra. Ele está na origem da existência humana, nos dá a dimensão humana e estabelece nosso modo de ser no mundo. Pelo cuidado não vemos como objetos a natureza e tudo que nela existe. Vemos os seres como sujeitos e escutamos a voz da natureza. Neste caso, a relação não é de domínio, mas de convivência, não existe intervenção, mas interação. Estar no mundo na forma de cuidado nos permite experimentar o valor real das coisas. A partir do exercício do cuidado virão: o amor, a ternura, a cordialidade, a compaixão, entre outras.

A fábula foi reproduzida a partir do livro de Leonardo Boff, cujo título é: Saber Cuidar.