CULTURA DO CARVÃO EM CRICIÚMA-SC: a história que não se...

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Universidade do Extremo Sul Catarinense Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais CULTURA DO CARVÃO EM CRICIÚMA-SC: a história que não se conta Criciúma 2005

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CULTURA DO CARVÃO EM CRICIÚMA-SC: a história que não se conta

Criciúma 2005

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GERSON LUIS DE BOER PHILOMENA

CULTURA DO CARVÃO EM CRICIÚMA-SC: a história que não se conta

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense para obtenção do Título de Mestre em Ciências Ambientais. Área de Concentração: Ecologia e Gestão de Ambientes Alterados Orientador: Profa. Dra. Teresinha Maria Gonçalves

Criciúma 2005

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P567c Philomena, Gerson Luis de Boer. Cultura do carvão em Criciúma – SC: a história que não se

conta / Gerson Luis de Boer Philomena. -- Criciúma : [s.n.],

2005.

184 p. : il. ; 28 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Extremo Sul Catarinense.

Orientador: Teresinha Maria Gonçalves

1. Carvão – Aspectos sociais – Criciúma (SC). 2. Carvão – Aspectos ambientais – Criciúma (SC). 3. Carvão – História – Criciúma (SC). 4. Criciúma (SC) – História.

I.Gonçalves, Teresinha Maria. II. Título. CDD. 21ª ed. 981.642

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Bibliotecária Carmosélia Luciano Domingos – CRB 678/14ª

Biblioteca Central - ESUCRI

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Comissão Julgadora:

Prof. Dr. Geraldo Milioli

Prof. Dr. José Ivo Follmann

Professora Dra. Teresinha Maria Gonçalves

Orientadora

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RESUMO

Para compreender a realidade sócio-cultural de Criciúma, fez-se necessário um esforço no sentido de recompor a memória social e cultural que o passado vislumbrou e o presente esqueceu. A reconstituição do passado é importante porque ele é marcado por um tempo social que não voltará. Muito se fala sobre o carvão em Criciúma. Entre os prós e os contras, entre história oficial e a fala dos atores, há nexos e desconexos. Este trabalho pretende contribuir com o resgate desse passado, procurando trazer para o presente os fragmentos da “cultura do carvão” não contada oficialmente, mas ainda presente no imaginário de determinados atores sociais. A construção da pesquisa foi a partir dos registros das memórias e forma como estas atuam na determinação da compreensão do passado, presente e futuro. Dessa forma, é analisada a composição de memórias compartilhadas, mas ao mesmo tempo isoladas, considerando-as como representativas da história da região, objeto deste estudo. O objeto da pesquisa é a memória do carvão em Criciúma. A pesquisa é de natureza qualitativa e se constitui em estudo de caso, compondo a amostra de dez atores sociais que viveram intensamente a história do carvão e foi realizada em Criciúma-SC, nos anos de 2003 e 2004. A pesquisa tem como constatação importante, a ambivalência de sentimentos em relação ao carvão: polui, destrói, porém traz o emprego. No entanto, esse emprego se constitui um fetiche, já que os dados concretos apontam para outra direção. Palavras chave: “cultura do carvão”, fetiche, memória social, cultura.

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ABSTRACT

In order to understand Criciúma socio-cultural reality it is necessary an effort to recompose the social memory that the past had a notion and the present forgot. The past reconstitution is important because it is marked by a social time that will not return. They talk a lot about coal in Criciúma and between the pros and cons and the oficial history and the authors’ talks, there are nexus and disconexus. This work intends to contribute to recover that past in order to bring to the present fragments of the “coal culture” that it was not officialy told, but it is still present in the imaginary of some social authors. The search was built from registers of the memories and how those act on to understand the past, present and future. It is anylized the memories composition shared (but at the same time isolated) considering them as representatives of the region history, object of this study. The search is qualitative and it is a case study. Its object is the memory about the coal in Criciúma. It shows ten social authors whose lived the history of coal.It was realized in Criciúma-SC, in 2003 and 2004. The seach has as important evidence the ambibalent feelings in relation to the coal: it pollutes, destroys but it brings employment. On the other hand, that employment contitutes a fetish once the concrete data points to another direction. Key words: “coal culture”, fetish, social memory, culture.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Desenho: O carro de carvão é o caixão................................................

Figura 2: A transfiguração do corpo do mineiro de carvão devido ao trabalho

pesado...................................................................................................................

Figura 3: Acesso à mina de carvão de subsolo localizada em Siderópolis-SC

(Carbonífera Belluno)............................................................................................

Figura 4: Máquina de extração de carvão Marion em plena atividade no

município de Siderópolis – SC no ano de 1968.....................................................

Figura 5: Camiseta do time de futebol de campo Criciúma Esporte Clube...........

Figura 6: Ala infantil do cemitério do distrito de Guatá, município de Lauro

Müller-SC...............................................................................................................

Figura 7: Áreas improdutivas no bairro Sangão no município de Criciúma-SC...

Figura 8: Rio poluído (Rio Maina) em Criciúma – SC...........................................

Figura 9: Santa Bárbara (Santa protetora dos mineiros).......................................

Figura 10: Foto do monumento em homenagem aos mineiros de Criciúma –

SC.........................................................................................................................

Figura 11: Foto de uma das muitas lagoas de mineração localizada no bairro

Sangão no município de Criciúma–SC..................................................................

Figura 12: Desenho do local da infância - feito por Tarciso – 2004......................

Figura 13: Foto de uma família pobre que também pode representar

parcialmente a atual situação dos ex-mineiros da Região Carbonífera

Catarinense.............................................................................................................

Figura 14: Foto dos trilhos de trem ainda remanescentes da Ferrovia Dona

Tereza Cristina no bairro Rio Maina, no município de Criciúma – SC...................

Figura 15: Monumento em homenagem aos mineiros do carvão na Casa da

Cultura localizada no centro do município de Criciúma-SC...................................

Figura 16: Casa típica de operário mineiro localizada na rua do Peixe Frito,

bairro Santo Antônio, no município de Criciúma-SC.............................................

Figura 17: Carbonífera Belluno, localizada no município de Siderópolis-SC........

Figura 18: Cartão do INPS pertencente ao Sr. Lorisval Nunes de Mello..............

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: População na colônia catarinense de Criciúma entre 1880 e 1925....

Tabela 2: Número de trabalhadores na indústria carbonífera catarinense

1940-2000............................................................................................................

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMESC – Associação dos Municípios do Extremo Sul Catarinense

AMREC – Associação dos Municípios da Região Carbonífera

BACEN – Banco Central do Brasil

CBCA – Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá

CECRISA – Cecrisa Revestimentos Cerâmicos S/A

CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem

CENEPI – Centro Nacional de Epidemiologia

CESACA – Cerâmica Santa Catarina

CETEM – Centro de Tecnologia Mineral

CIS – Centro Integrado de 2º Grau Abílio Diniz

COOPERMINAS – Cooperativa da Extração Mineral dos Trabalhadores de

Criciúma Ltda

CSN – Companhia Siderúrgica Nacional

EPI – Equipamento de Proteção Individual

ETE – Estação de Tratamento de Efluentes

EUA – Estados Unidos da América

FATMA – Fundação do Meio Ambiente (de Santa Catarina)

FGV – Fundação Getúlio Vargas

FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos

FNS – Fundação Nacional de Saúde

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEN – Instituto de Energia Nuclear

IPAT – Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas (Criciúma-SC)

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas

SATC – Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão

SIECESC – Sindicato da Indústria da Extração do Carvão do Estado de Santa

Catarina

SIPAT – Semana Interna de Prevenção de Acidentes

SOTELCA – Sociedade Termelétrica de Capivari S/A

UFPR – Universidade Federal do Paraná

UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense

USITESC – Usina Termelétrica do Sul Catarinense

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SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................

ABSTRACT..........................................................................................................

LISTA DE FIGURAS............................................................................................

LISTA DE TABELAS............................................................................................

CAPÍTULO I

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................

1.1 Construção do problema..............................................................................

1.2 Estrutura do trabalho....................................................................................

CAPÍTULO II

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.........................................................................

2.1 Dados sobre a colonização do município de Criciúma.............................

2.2 O topônimo da palavra Criciúma.................................................................

2.3 Modelo histórico-econômico da mineração do carvão..............................

2.4 Utilização da mão-de-obra feminina............................................................

2.5 Efeitos sócio-ambientais do carvão............................................................

2.6 A memória como instrumento de revelação dos silêncios do passado..

2.7 A cultura e a identidade cultural revelando totalidades singulares.........

2.8 Defrontando-se com o espaço e o lugar....................................................

CAPÍTULO III

3 METODOLOGIA................................................................................................

3.1 Natureza da pesquisa....................................................................................

3.2 Localização da pesquisa.............................................................................

3.3 Objetivos........................................................................................................

3.3.1 Objetivo geral.............................................................................................

3.3.2 Objetivos específicos.................................................................................

3.4 Detalhamento metodológico........................................................................

3.4.1 Composição da amostra............................................................................

3.4.2 Justificativa para a escolha dos atores sociais que compõem a

amostra................................................................................................................

3.5 Técnicas de pesquisa...................................................................................

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3.5.1 Técnicas de coleta de dados....................................................................

3.5.2 Entrevista na modalidade informal..........................................................

3.5.3 Entrevista focalizada.................................................................................

3.5.4 Registros etnográficos..............................................................................

3.6 Técnicas de análise de dados......................................................................

CAPÍTULO IV

4 MEMÓRIAS DO CARVÃO................................................................................

4.1 O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a vela..................

4.2 Dos subterrâneos o homem sai extenuado e, à luz do sol, abre-se

uma paisagem não menos sofrida...................................................................

4.3 A morte é apenas uma transmigração.........................................................

4.4 “Clark Kent” na superfície e “super homem” no subsolo.........................

4.5 Tomando banho nas crateras abertas para a exploração das minas.......

4.6 Melhor com o carvão. O carvão é que dá dinheiro. Há várias pessoas

sem emprego em Criciúma...............................................................................

4.7 Produzir para que? Para quem? Prosperar por quê? Crescer como?....

4.8 O carvão deu vida para Criciúma.................................................................

4.9 Em Criciúma a poluição é lógico que acabou............................................

4.10 O mistério da limitação do ser na sua manifestação humana................

CONCLUSÃO.......................................................................................................

REFERÊNCIAS.....................................................................................................

APÊNDICE – ENTREVISTAS...............................................................................

Entrevista 1: Memórias do Carvão – Ademar Silva..........................................

Entrevista 2: Memórias do Carvão – Dirlei Borges..........................................

Entrevista 3: Memórias do Carvão – Geni Bitencourt Daniel.........................

Entrevista 4: Memórias do Carvão – Jairo Viana Júnior.................................

Entrevista 5: Memórias do Carvão – José Carlos Bitencourt.........................

Entrevista 6: Memórias do Carvão – José Severiano......................................

Entrevista 7: Memórias do Carvão – Lorisval Nunes de Mello.......................

Entrevista 8: Memórias do Carvão – Neusa Geremias....................................

Entrevista 9: Memórias do Carvão – Otávio Tomás.........................................

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Entrevista 10: Memórias do Carvão – Tarciso Pereira.....................................

ANEXO 1 – AUTORIZAÇÃO PARA PUBLICAÇÃO DE FOTO...........................

ANEXO 2 – AUTORIZAÇÕES PARA PUBLICAÇÕES DE

INFORMAÇÕES...................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Construção do problema

O município de Criciúma, inserido na Região Carbonífera no sul do

estado de Santa Catarina, obteve o seu desenvolvimento econômico, social e

cultural, em parte, mediante a exploração do carvão mineral1.

Desde então, houve diversas fases com modelos distintos, que

impulsionaram a criação de um mercado do carvão nacional.

Naquela época, as companhias carboníferas tinham a concessão da

maioria das terras por parte do Governo Federal, eram donas do abastecimento da

água e luz, dos serviços da saúde, dos cinemas, dos armazéns, dos campos de

futebol, dentre outros. Mesmo os que não trabalhavam na atividade carbonífera

dependiam da benevolência e dos favores dos proprietários e gerentes das minas.

Em 1991 ocorreu um processo de desativação desse parque industrial e

das estruturas conexas, devido à retirada dos subsídios ao carvão nacional pelo

Governo Federal.

Na produção teórica sobre o carvão na região sul do Brasil tem-se dado

ênfase aos agravos que essa atividade fez à natureza, ao meio ambiente e ao

questionável progresso trazido por esta atividade. O carvão visto meramente como

um fator econômico, nega a sua própria história, no sentido de um mundo social,

cultural e simbólico produzido pelo mesmo. O carvão, como um fetiche2, traz para o

sul de Santa Catarina um modelo de sociedade que nos lembra os tempos dos

feudos, pois se estabelece uma relação do servo e senhor entre os atores sociais

envolvidos no processo.

Essa paisagem ficava clara, quando dos passeios de motocicleta que

fazia nos finais de semana por trilhas da região carbonífera. A partir daí é que tomei

conhecimento da devastação provocada pela mineração no sul do Estado de Santa

Catarina.

1 Na região carbonífera, o carvão foi descoberto em Lauro Müller, no ano de 1841, por tropeiros que percorriam o trajeto entre Curitiba e os campos de Lages (CRPM, 2003). 2 Fetiche é um objeto natural ou artificial, ao qual são atribuídas propriedades mágicas ou o qual se venera como sobrenatural (DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1992, p. 195).

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Tomado por um impulso de registrar essas cenas degradantes, que se

apresentava aos meus olhos com crateras lunares, fui realizando séries de

fotografias e essas imagens fotográficas vieram a se constituir categorias de análise

dos dados da pesquisa.

A escolha da região se deu após várias saídas a campo. A

sensibilização ocorreu através de alguns fatos, como por exemplo: o que poderia

ser mais marcante do que nascerem 248 crianças e morrerem 240 no ano de 1948

no Distrito de Guatá, município de Lauro Muller - SC? E ainda hoje podermos

observar vários túmulos e cujos enterros ocorriam em série?

A grande inspiração durante a dissertação foi a professora Teresinha M.

Gonçalves, informante qualificada e autora da dissertação “Estereotipia da relação

profissional/paciente e inibição do processo terapêutico”, principalmente onde

descreve sua trajetória enquanto ator dessa história, onde “deus e o diabo”

habitavam diuturnamente o cotidiano de sua infância e juventude, no cenário

terrífico da indústria do carvão.

As seqüelas daquele período ainda marcam a vida econômica social e

política de Criciúma e de cidades vizinhas, bem como de diversos atores sociais

que viveram o auge da atividade carbonífera, o que irremediavelmente remete à

questão da memória. Acompanhar essa trilha é visitar, com esses figurantes, uma

história que não consta no registro oficial.

A trilha foi constituída com o intento de resgatar os registros das

memórias e a forma como estas atuam na determinação da compreensão do

passado, do presente e do futuro. Sendo assim, o acesso à cultura nos remete ao

direito de memória histórica, ou seja, o acesso aos bens materiais e imateriais que

representam o seu passado, a sua tradição, a sua história.

Desse modo, esta dissertação possui dados para reflexão de como o

processo da indústria extrativa do carvão deixou marcas na cidade, na natureza e

no imaginário das pessoas, resgatando e registrando a memória da mineração a fim

de que a sociedade conheça e interprete o passado para constituir no presente e no

futuro a identidade comunitária com suas igualdades e heterogeneidades,

proporcionando um horizonte mais rico culturalmente, um exercício de cidadania

para a atual e futuras gerações, fortalecendo a consciência da dignidade de um

grupo social, cuja cultura foi fortemente influenciada pelo uso e consumo da

natureza.

O objeto da pesquisa se insere nessa problemática. Quais são os

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principais atores sociais da história não narrada oficialmente? Qual o impacto do

processo da exploração do carvão no imaginário desses atores? Quais os principais

problemas sócio-ambientais detectados por esses atores? Como as constatações

podem auxiliar no entendimento da questão do “fetiche do carvão” e no desejo da

continuidade da exploração do carvão nessa região, já profundamente impactada?

O local da pesquisa é o sul do estado de Santa Catarina, Brasil, região

da AMREC (Associação dos Municípios da Região Carbonífera), porém com maior

centralização em Criciúma, por ser conhecida como a capital do carvão e uma das

cidades mais poluídas do Brasil. A pesquisa se estendeu até o Distrito de Guatá,

Município de Lauro Müller, tendo em vista o grande número de mortes ocorridas no

ano de 1948, quando nasceram 248 crianças e morreram 240. Estes dados se

encontram disponíveis no Plano Plurianual de Saúde do município de Lauro Müller-

1993/1996. Também houve uma entrevista com um ex-morador da localidade de

Santana, município de Urussanga, região altamente degradada e conhecida por

possuir “paisagens lunares”, ocasionadas pela máquina de extração Marion.

Os sujeitos que compõem a amostra são 10 atores sociais envolvidos

na história de exploração do carvão e que são representativos no quadro da cultura

local.

Os componentes são representativos e característicos, como ex-

mineiros, ambientalista, sindicalistas, geólogo, mulheres escolhedeiras de carvão,

ex-mineiro que militou na época do golpe de 1964, ex-morador de uma região

profundamente degradada e um técnico em segurança do trabalho de minas de

carvão.

Sendo assim, o objetivo geral da pesquisa é ajudar a construir a

memória através da narrativa de determinados atores sociais frente a uma história

de degradação sócio-ambiental em uma região carbonífera.

1.2 Estrutura do trabalho

O trabalho é estruturado a partir da construção do problema de

pesquisa, da determinação do seu objeto e da escolha da metodologia. No capítulo

I é colocada a Introdução, sendo que no capítulo II apresenta-se a fundamentação

teórica onde se analisa a colonização do município de Criciúma, o modelo histórico-

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econômico da mineração do carvão, a utilização da mão-de-obra feminina, os

efeitos sócio-ambientais do carvão, memória, cultura e identidade cultural, além do

espaço/lugar. Este referencial terá utilidade na interpretação e análise dos

depoimentos efetuados pelos 10 entrevistados. No capítulo III é colocada a

metodologia de pesquisa. A metodologia foi organizada na perspectiva da pesquisa

qualitativa. No capítulo IV é apresentada a análise dos dados. Em seguida são

colocados a conclusão e as referências bibliográficas. O trabalho ainda contém um

apêndice com as entrevistas dos sujeitos da pesquisa e dois anexos.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Dados sobre a colonização do município de Criciúma

Antes da colonização da região por europeus, já havia a ocupação por

tribos dos Jês e Tupis-Guaranis (BELOLLI et al, 2002, p. 19). Posteriormente, as

terras da região do município foram visitadas por desbravadores de origem

portuguesa e açoriana, quando pertencia ao município de Araranguá.

A fundação e a ocupação efetiva do município deram-se em 6 de janeiro

de 1880, com a chegada de imigrantes italianos, quando 22 famílias, compostas por

129 pessoas, entre homens, mulheres e crianças constituíram a leva inicial

daqueles colonizadores, vindos de Beluno e Treviso, Itália. Hoje Treviso é o nome

de um município próximo a Criciúma.

Aglomerados em barracões, os imigrantes aguardavam a designação

dos lotes para construir suas moradias. Os primeiros italianos, isolados da

civilização, agora rodeados de mata virgem, de animais ferozes e de índios que os

ameaçavam constantemente, é que deram início à colonização.

Com o progresso da colônia, em 02 de setembro de 1892, foi elevada à

categoria de Distrito de Paz, como 6º Distrito de Araranguá. Era presidente da

província de Santa Catarina o tenente Manoel Joaquim Machado, que também

inaugurou a primeira escola mista de instrução primária na colônia de São José de

Criciúma.

Mais tarde vieram os poloneses, alemães, luso-brasileiros e negros,

formando, assim, o leque de cinco etnias, que constitui a população criciumense.

Os poloneses com maior concentração se estabeleceram na zona nordeste da

cidade (Linha Batista); os alemães se encontraram na região sudoeste

(Forquilhinha); os lusos com maior concentração em Rio Maina e os afros, na

região sudeste do município.

No início, a atividade econômica predominante era a agricultura de

subsistência, pois era difícil a comercialização para outras localidades. Como a

região era isolada de centros maiores, a agropecuária praticada não obteve muito

progresso, pois parte da produção era para consumo próprio e os poucos

excedentes econômicos eram comercializados na própria vizinhança.

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Com a utilização econômica do carvão em Criciúma, em 1913, e a partir

de 1919, com a chegada do ramal de estrada de ferro Dona Tereza Cristina, a

atividade carbonífera deu grande impulso à economia do sul do Estado e mais

especificamente a Criciúma (BELOLLI et al, 2002). A cidade cresceu e projetou-se

no cenário nacional. Faziam parte do município de Criciúma as localidades de Nova

Veneza, Içara e Forquilhinha. Em 4 de novembro de 1925, finalmente, foi

sancionada a lei da criação do município de Criciúma (Lei Estadual de nº 1516).

A exemplo de outras regiões do Estado e do País, ocorre em Criciúma o

fenômeno da urbanização galopante, esvaziamento da população rural e

concentração da população na cidade. Observa-se que a população do campo e

das pequenas cidades está migrando para Criciúma, à procura de emprego,

equipamentos sociais, comércio, serviços, habitação e melhores condições de vida.

Criciúma é a cidade sede e pólo da microrregião AMREC (Associação

dos Municípios da Região Carbonífera), composta por 10 municípios. Criciúma

integra o principal centro comercial e industrial de todo o sul de Santa Catarina e,

também, o maior centro urbano, com uma população de 182.785 habitantes (IBGE,

2004), ocupando o 4º lugar no Estado. Com as constantes crises geradas pela

instabilidade da economia carbonífera, Criciúma deu início a um processo de

diversificação, nas décadas de 1970, 1980 e 1990 do século passado. Alguns

ramos tiveram muita prosperidade, como a indústria cerâmica, confecção, plásticos

e metal-mecânico, sendo essas atividades ainda de grande expressividade no

cenário econômico atual.

2.2 O topônimo da palavra Criciúma

O topônimo do município é originário de uma espécie de taquara,

existente em grande quantidade às margens do Rio Criciúma. Em termos

indígenas, o nome Criciúma corresponde à vara lisa e dobrada (uma taquara

pequena). Em consulta realizada em 1955, a Moacyr Campos, jornalista, tupinólogo

e professor, residente em São Paulo, o Jornal A Tribuna Criciumense recebeu a

seguinte resposta sobre as origens da grafia e origens da palavra Criciúma:

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[...] preliminarmente, somos de opinião que temos que nos curvar pelo menos até ordem em contrário à grafia que for estabelecida por quem pode, máxime em se tratando de termos tupis, onde tudo é convencional. Cresciúma, Cressiúma ou Criciúma vêm dar a mesma coisa, pois qualquer deles apenas se aproxima do conjunto de vocabulários enunciados pelo indígena. Para que haja uniformidade, demos como definitiva a grafia Criciúma, a fim de que o assunto, nesta fase de menor importância, não padeça de discussão. Vejamos, agora, quão diferente na forma é a palavra original. É Kyruy-syiuâ, segundo se infere Guasch, ou Quirey-Cy-uá , conforme se deduz das raízes apresentadas pelo mestre indiscutível, que é o padre Ruiz de Montoya. Analisados os termos, assim os traduzimos: Kyruy: Delicado, tenro; Syi: liso; Uâ: a haste, a vara. Portanto, vara lisa e delicada. Nas mesmas condições, serão interpretados os componentes Quirey-cy-uâ. Ora, parece-nos que Criciúma é uma taquara pequena, o que se adapta perfeitamente à explicação dada acima. A propósito, lembramos que o padre Teschauer, em seu “Novo Dicionário Nacional”, diz o seguinte: CRIXIUMA s.f. (bot. Chusquea romossima Lindm.). Taquara que ainda que o nome cresciuma ‘[...]reina uma sombra eterna, especialmente se na mata houver crixiuma, um bambu anão, extraordinariamente ramoso’ [...] (LINDMANN LOFFGREN). Como se vê, mais uma grafia diferente para crixiuma. Finalizando, damos ainda, uma nova versão, baseada no ‘extraordinariamente ramoso’, de Loffren: Quirey-cy-uâ, ou facilitando, quirei-ci-ua, frondes ou grande volume de varas finas. Salvo melhor juízo, isto é que se pode dizer sobre o assunto. Correspondo ao seu cordial aperto de mão, aqui fico às ordens, subscrevendo-me, patrício e admirador (CAMPOS apud COMISSÃO MUNICIPAL DE CULTURA, 1974, p. 11).

2.3 Modelo histórico-econômico da mineração do carvão

A investigação da importância econômica remete a não-dissociação

entre história e economia. Há intercalação e junção de três categorias para analisar

a história econômica de uma determinada região: o modo de produção3, formação

social4 e espaço5.

Conforme Santos (1997, p. 86), “todos os processos que, juntos,

formam o modo de produção são históricos e especialmente determinados num

movimento de conjunto através de uma formação social”, pois toda história não se

escreve fora do espaço.

3 O conceito de modo de produção se refere a uma totalidade social abstrata (capitalista, servil etc, com estrutura econômica, política, ideológica – idéias, costumes). O modo de produção produz bens materiais e relações de produção capitalista, onde o consumo cria a necessidade de nova produção (HARNECKER, 1983). 4 A formação social é a realidade social historicamente determinada, composta de estruturas regionais complexas (econômica, ideológica, jurídico-política) (HARNECKER, 1983). 5 Para Santos (1997), o espaço é construído e resultado de múltiplas determinações naturais, sociais e culturais.

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A ocupação de território compreendido na região carbonífera se

concretizou nas últimas três décadas do século XIX com a fundação de Urussanga

em 1878, a fundação e ocupação de Criciúma em 1880 e a fundação Vila Lauro

Müller (hoje município de Lauro Müller), com o início da extração do carvão em

1885. Entretanto, “durante os 30 primeiros anos, a atividade econômica principal foi

a agricultura” (VOLPATO, 1984, p. 31).

O carvão mineral, abundantemente em solo criciumense, foi descoberto

numa casualidade no ano de 1893, conforme narra Naspolini Filho (2000, p. 71):

Corria a notícia de que os envolvidos na guerra dos Maragatos e Pica-Paus, ali no Rio Grande do Sul, adentrariam o solo catarinense e, ao passar por vilas, como a Cresciúma, confiscaram burros e cavalos para atenderem aos seus soldados. Essa notícia foi ouvida pelo senhor Giácomo Sonego que, com duas boas mulas, fazia serviço de frete (com carroça), transportando produtos hortigranjeiros e tecido [...] perder as mulas: Perguntou-se o Sr. Giácomo Sonego, nem pensar. Abriu uma picada mato a dentro e, a uns duzentos metros, se tanto, de sua casa, preparou o novo habitat para os animais de carga... passada a encrenca toda, o Sr. Giácomo derrubou o mato, inclusive aquela porção na qual escondia suas mulas e, depois de recolhidas as toras e varas mais grossas, ateou fogo na coivara. E daí, senhores, descobria-se o carvão mineral. No dia seguinte à queimada, seu Giácomo foi ver o local e, para sua surpresa havia umas pedras queimando em brasa.

Todos os atuais municípios (Içara, Lauro Müller, Criciúma, Cocal do Sul,

Morro da Fumaça, Urussanga, Forquilhinha, Nova Veneza, Siderópolis e Treviso)

foram fundados e colonizados por agricultores descendentes de europeus,

sobretudo italianos. Por diversos anos, a atividade predominante foi a agricultura e

a pequena pecuária de subsistência. A partir de 1913, com a utilização comercial do

carvão em Criciúma a região passa a dedicar-se à extração do minério, seguindo-

se a instalação da ferrovia (Tubarão), do porto (Imbituba) e do complexo

termelétrico Jorge Lacerda em Capivari de Baixo (GOULARTI FILHO, 2001, p. 3).

Esta extração do carvão mineral acabou sendo a base econômica de

toda a região, possibilitando a diversificação industrial e o crescimento rápido de um

pólo regional carbonífero.

Cabe ressaltar quatro fases bem distintas do modelo histórico da

produção de carvão mineral. Criciúma se insere no primeiro período, o qual teve

aceleração devido à imigração de colonizadores de origem européia, conforme

verifica-se na tabela 1.

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Tabela 1: População na colônia catarinense de Criciúma entre 1880 e 1925.

ANO POPULAÇÃO

1880 141

1890 274

1900 1200

1910 3600

1925 8500

Fonte: IBGE (apud GOULARTI FILHO, 2001- adaptado)

Já o Centro de Assistência Gerencial de Santa Catarina – UFSC –

CEAG/SC (1980, p. 165) relata que “a exploração do carvão começou em 1916, e

em 1918 houve ampliação, com a descoberta das minas de Criciúma e Urussanga”.

Existem, portanto, muitas divergências dentre os autores citados.

De acordo com Goularti Filho (2001), a primeira fase vai do

descobrimento do carvão até a implantação total da ferrovia em 1919; a segunda

fase até a segunda guerra mundial, incluindo usinas de beneficiamento,

termelétricas e produção de gás e coque; a terceira fase entre a segunda guerra e

os anos setenta do século XX, marcada pela mecanização das minas, até os dias

atuais, com o seu auge por volta de 1980, impulsionado pela crise mundial do

petróleo. Desse modo, o carvão surge na pauta de exportação durante a primeira

guerra mundial e mantém-se num ritmo de crescimento até 1927, e o declínio

acontece devido ao carvão importado. A lavra e o beneficiamento do carvão mineral

no sul de Santa Catarina apresentaram-se, desde os seus primórdios, como

atividades econômicas fundamentais ao desenvolvimento de toda a região e, desde

o início de sua exploração econômica, o carvão teve a sua comercialização atrelada

a decisões governamentais. As duas grandes guerras mundiais são consideradas

marcos determinantes para o desenvolvimento da indústria carbonífera brasileira.

No sul de Santa Catarina significaram um tempo de progresso e investimentos no

setor. Durante a I Guerra Mundial, diante do impedimento da importação do carvão

europeu para atender às recém-criadas empresas nacionais de iluminação, gás e

ferrovias, a exploração do carvão brasileiro foi muito incentivada.

Na primeira fase, as minas eram abertas nas encostas onde aflorava a

camada de carvão, sendo o mesmo retirado por processos rudimentares e

transportados até as proximidades do porto de Laguna, em carros de boi e no

lombo de mulas. Com a ferrovia, surgiram equipamentos mais modernos, tipo

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perfuratrizes e locomotivas, com o mineiro retirando o produto escolhido e

classificando manualmente, para utilização nos vapores e na produção de gás na

capital da República. Com a Segunda Guerra Mundial, o carvão tornou-se

estratégico e o Governo Federal, com a criação da Companhia Siderúrgica

Nacional – CSN (que investiu na região sul), consolidando o porto de Imbituba, a

ferrovia Dona Tereza Cristina, o lavador de Capivari e a primeira termelétrica

estatal, a Sotelca. Esta fase, ainda da produção manual pelo mineiro, também é

marcada pelo primeiro grande depósito de rejeitos de carvão de alto teor de

enxofre, depositado na Estiva dos Pregos no então município de Tubarão. Após os

anos setenta e com fortes subsídios estatais, houve uma aceleração da

mecanização das minas, com aumento da produção e instalação pré-lavadores,

proporcionando o aparecimento dos grandes depósitos de refugos junto às minas.

Também o surgimento e a bancarrota da Indústria Carboquímica Catarinense para

o aproveitamento do enxofre, contido nos rejeitos, podem ser citados (GOULARTI

FILHO, 2001).

A partir de 1986, o esquema que protegia o setor começou a ser

desmantelado, aumentou a importação de carvão metalúrgico, foram retirados os

subsídios dos transportes e as cotas foram extintas, reduzindo, então, o número de

trabalhadores (tabela 2) e ocasionando a crise do carvão (GOULARTI FILHO,

2001).

Tabela 2: Número de trabalhadores na indústria carbonífera catarinense 1940-2000

ANO TRABALHADORES ANO TRABALHADORES

1940 3200 1950 5.500

1960 6700 1980 9.322

1985 10.536 1988 9.129

1990 4.350 1995 3.210

1999 2.500 2000 2.600

Fonte: IBGE (apud GOULARTI FILHO, 2001).

Em 1991, é encerrada a fase de produção do carvão metalúrgico

nacional (catarinense) e iniciado o uso industrial diversificado como o carvão

energético, em regime de livre mercado, e o uso como principal utilização do carvão

mineral. Após 1991, inicia-se um processo de desativação das minas (GOULARTI

FILHO, 2001).

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2.4 Utilização da mão-de-obra feminina

Um fato que nos dias atuais aparece em profundo esquecimento é

utilização das mulheres para os serviços de catação de carvão, além dos serviços

tradicionais do lar. Estas mulheres passaram a ser conhecidas como escolhedeiras

ou catadoras de carvão. Carola (2002, p. 56) destaca alguns elementos sobre este

tema: “Do ponto de vista das famílias mineiras, o trabalho das mulheres nas minas

tinha um papel importante no orçamento doméstico e, em alguns casos, era

fundamental e único, embora fosse sempre considerado complementar”, ou ainda

que “muito longe da propagada docilidade e submissão feminina, as trabalhadoras

das minas de Criciúma e região jogavam por terra todos os esteótipos de sua

suposta fragilidade” (CAROLA, 2002, p. 73). O trabalho de escolha também era

pesado, pois as mulheres tinham que erguer e virar as caixas de carvão para

efetuar a escolha. Conforme alguns entrevistados, essas caixas pesavam entre 60

e 100 quilos.

Mais tarde, as mulheres foram excluídas das minas. Isso as remeteu às

atividades domésticas. Cuidavam dos maridos e criavam os filhos. Lavar o dorso do

marido para tirar a poeira de carvão lembra cenas de Zola (1994). Chorar pelo filho

morto era coisa que as mulheres dos mineiros faziam freqüentemente

(GONÇALVES, 1989). Desse modo, “as mulheres foram excluídas das minas e da

história e ‘confinadas’ à privacidade do lar” (CAROLA, 2002, p. 80).

Carola (2002, p. 9) ressalta que “a idéia de que as mulheres começaram

a trabalhar fora do espaço doméstico apenas recentemente não encontra respaldo

na história vivida, e sim na história escrita, pois esta é escrita no masculino”. De

uma forma ou de outra, as mulheres foram ativas fora do lar, mas muitas vezes

reprimidas.

Até os anos 60 do século passado, na atividade da mineração as

mulheres eram utilizadas, conforme Volpato (1984, p. 24), “principalmente nas

décadas de 1940 e 1950, as mulheres constituíam uma força de trabalho

significativa nas minas de carvão da região carbonífera de Santa Catarina”. Isso era

interessante para os proprietários da minas já que pagavam um salário mais baixo

para este tipo de mão-de-obra.

Ainda assim, as famílias numerosas obrigavam que as mulheres

procurassem um emprego e o que havia disponível era na mineração. Neste

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sentido, Volpato (1984, p. 53) conta que “[...] de um lado, havia os donos das

minas, ávidos por obterem lucros fáceis com mão-de-obra barata. De outro, as

famílias pobres que necessitam de emprego, salários, moradias”. Na maioria das

vezes os funcionários não sabiam quem eram os proprietários das companhias

carboníferas. Sabiam que existia um capataz.

2.5 Efeitos sócio-ambientais do carvão

Se por um lado houve o desenvolvimento econômico, por outro, os

danos ambientais assumiram formas variadas e com escalas diferenciadas, tais

como a contaminação dos lençóis freáticos, extinção de nascentes, erosão do solo,

retirada de grande volume das camadas do solo conduzindo ao desaparecimento

de seções inteiras de uma unidade paisagística, desmatamento, formação de pilhas

de estéril, contaminação química dos cursos de água, chuva ácida, dentre outros,

conforme constatações do autor.

Carola (2002, p.147 e 231), também cita que,

[...] a história mundial comprova que, onde existiram minas, existiram morte e destruição. Na região carbonífera de Santa Catarina, esse dilema também ocorreu. Em certos aspectos, a união entre a lógica capitalista, a ganância inconseqüente de proprietários e a submissão das autoridades resultou em fulminante destruição, comparável a uma guerra nuclear. Em nome do progresso, rios, solo, ar e seres humanos foram violentamente dilacerados [...] a mina de carvão é, sem dúvida, um dos ambientes de trabalho mais insalubres e poluídos que se conhece até hoje.

Conforme Kopezinski (2000, p. 21), “todo ato de minerar, tanto a céu

aberto como subterrâneo, modifica o terreno no processo da extração mineral e de

depósitos de rejeitos”, e Loch (1991) aponta uma forte influência da exploração

carbonífera nas atividades agrícolas no município de Criciúma, promovendo

degradação da vegetação nativa, alterações químicas no solo, além de poluição na

rede hidrográfica.

Tentativas de reversão da degradação estão sendo feitas, mas

conforme coloca Santos (2000, p. 105),

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[...] pacotes ecológicos que não tomam por base o fator produtivo e suas implicações regionais e locais são apenas pacotes, embriões de novos fatos territoriais funcionais, cujos desdobramentos [...] levarão à anulação dos resultados porventura obtidos e ao fortalecimento de mazelas estruturais que dizem combater, onde o território continua a ser usado como palco de ações isoladas e no interesse conflitante de atores isolados.

Ainda sobre a questão ambiental e social, Gonçalves (1989, p. 140),

acrescenta que “os mineiros do sul de Santa Catarina e seus filhos morriam por

doenças provocadas pelas más condições de vida e de trabalho, falta de

saneamento básico, água potável, por subnutrição e insalubridade das minas de

carvão”, e Milioli (1995, p. 53) identifica que a população do bairro Sangão de

Criciúma, está ciente de que as doenças de saúde “estão relacionadas em grande

parte à poluição que reveste o ambiente” com “incidência de doenças das vias

respiratórias, pulmonares, cardiovasculares, digestivas, entre outras”. O bairro

Sangão ainda hoje é uma região impactada pela mineração e por um lixão que a

Prefeitura Municipal de Criciúma insiste em denominar de “aterro controlado”.

Apesar de começar a existir um apelo ecológico nas ações do homem,

Santos (2000, p. 47) coloca:

Fala-se em ecologia, mas freqüentemente o discurso que conduz à maior parte das reivindicações se refere a uma ecologia localizada, enraivecida e empobrecida, em lugar de ser o combate por uma ecologia abrangente que retorne os problemas a partir de suas próprias raízes. Estas se confundem com o modelo produtivo adotado e que, por definição, é desrespeitador dos valores desde os sons da natureza até a vida dos homens.

Isso leva as atuais gerações a uma confusão ideológica, pois já nascem

com a poluição que já está incorporada à definição dos espaços urbanos e rurais, o

que era fortemente sentido nas vilas formadas pelos trabalhadores da indústria do

carvão, onde havia sujeira e falta de saneamento básico, dentre outros.

2.6 A memória como instrumento de revelação dos silêncios do

passado

Para Ferreira (1996), a etimologia da memória expressa tanto o fato da

recordação, lembranças, reminiscências, como o ato de narrar, referir, relatar. A

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memória é a memória e seu avesso. Ela não é apenas a lembrança, uma faculdade

psíquica, ela é, a um só tempo, a lembrança e seu relato, a narrativa do que é

memorado.

Os depoimentos, baseados na memória, nos oferecem a percepção de

fatos que parecem operar em superposição com os marcos gerais registrados na

história oficial, embora não levados em consideração por essa história.

De acordo com o Bosi (2003), recompor a memória social e cultural é

devolver o que o passado vislumbrou e o presente esqueceu. A memória vinga os

vencidos, pois memória é a primeira e mais fundamental experiência do tempo.

Representa a capacidade humana de reter e guardar o tempo que se foi, salvando-

o da perda total.

Chauí (1994b, p. 125), propõe a importância do resgate no sentido de

que “mediante o resgate, no tempo presente, de referências situadas no tempo

passado se pode relembrar, memorar [...]”.

Connerton (1997), refletindo sobre memória social, afirma que as

imagens do passado geralmente legitimam uma ordem social presente, o que leva

o autor a considerar e pressupor a existência de uma memória partilhada entre os

participantes de qualquer ordem social. Esse raciocínio qualifica a memória como

elemento poderoso na conformação das práticas sociais.

Floriani (2000, p. 1) tem sua concepção sobre o resgate do passado

através da memória:

Resgatar o passado, no atual contexto de profundas operantes mudanças podem significar muitas coisas: por um lado, lamentar um mundo perdido, por meio de uma visão nostálgica e idealizada sobre o elo perdido. Por outro, pode significar ter que fazer concessões a outros saberes, permeados de outras racionalidades, diferente da científica. Seria, então, o caso de se considerar a necessidade de um diálogo entre essas diferentes expressões de saberes.

Pode-se citar o caso do entrevistado Lorisval Nunes de Mello, que

relembrou a existência do grupo dos onze, que existiu também nessa região.

A reconstituição do passado é importante, pois dessa forma é “marcado

por uma causa de um tempo especial, que não existe e que não voltará“

(MONTENEGRO, 2001, p. 137). Assim, “a memória, como propriedade de

conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de

funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou

informações passadas, ou que representa como passadas” (LE GOFF, 2003, p.

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419). A apreensão da memória depende do ambiente social e político, sendo de

certo modo uma apropriação do tempo. A memória é um fenômeno individual e

psicológico.

Le Goff (2003, p. 471) afirma que “a memória, na qual cresce a história,

que por sua vez o alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e o

futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e

não para a servidão dos homens”. Isso nos remete as recordações da família, dos

colegas de trabalho, as recordações pessoais, num vasto complexo de

conhecimentos não oficiais.

A memória pode ser individual ou coletiva. Para Le Goff (2003, p. 469),

“a memória é um elemento essencial que se costuma chamar ‘identidade’,

individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos

e das sociedades de hoje, na febre e na angústia!”. A memória não oficial pode ser,

então, fonte de um instrumento para compreender fatos passados.

Para Benjamin (1992), as historiografias oficiais tendem a evocar o

passado, fazendo despertar recordações dominadas por uma temporalidade

ordenada e linear alinhando, desse modo, os acontecimentos de uma forma

particular, uma forma que apenas permite que as pessoas se lembrem de uma

sucessão distorcida e pré-determinada de eventos passados. A história oficial,

segundo Benjamin, não é mais que ficção, uma montagem seletiva de

acontecimentos passados num encadeamento linear significante.

Os silêncios da história são, neste sentido, reveladores dos

mecanismos e dispositivos de construção social do passado e, portanto, de

manipulação da memória coletiva; o esquecimento constitui uma vala comum onde

repousam atores e personagens anônimos e episódios e ações marginais,

suprimidos e eliminados pelas narrativas históricas convencionais. E se a memória

histórica do passado influencia o presente, o controle sobre essa memória histórica

torna-se um sólido instrumento de dominação.

Estas reflexões sobre memória fazem valorizar o depoimento, a

narrativa, a entrevista, enfim, a fala de um determinado grupo pesquisado, como

um material imprescindível, principalmente em pesquisas que se propõem a

resgatar lembranças a partir do imaginário coletivo, isso porque, conforme Darnton

(1987), ao se cruzar informações e acontecimentos, através das falas de

entrevistados, compreende-se que a notícia não é o que aconteceu no passado

imediato, e sim, o relato de alguém sobre o que aconteceu, levando-se em conta

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que esse alguém que relata, o faz a partir de um ponto de vista que, não é apenas

seu porque é individual, mas porque é formulado a partir de experiências

particulares que formaram uma trajetória única e irrepetível.

Assim, é possível inferir que, juntamente com a história, narrativas e

memórias oficiais, coabitam outras histórias, contra-narrativas e contra-memórias

que não devem ser esquecidas sob o risco de desperdiçar a compreensão histórica

de determinadas figuras, grupos, sociedades, eventos ou períodos.

De acordo com Bosi (2003), mesmo os silêncios que freqüentemente

formam hiatos no decorrer das narrativas, podem expressar a memória de fatos e

acontecimentos marcantes e muitas vezes dolorosos, que mobilizam

emocionalmente o informante, ou que de tão carregados de sentimento estão

guardados nos espaços mais escondidos da memória, como forma de proteção

frente ao sofrimento causado pelas lembranças.

É essencial conservar as experiências que narram, os episódios que

descrevem, as historietas que relatam, encontrando uma possibilidade de

salvaguardar do esquecimento, a história e a cultura desses atores que

representam o grupo de dominados, perante a história carbonífera local.

2.7 A cultura e a identidade cultural revelando totalidades singulares

Sobre a origem da palavra cultura, Chauí (1994a, p. 11) coloca que a

mesma é “[...] vinda do verbo latino ‘colere’. Cultura era o cultivo de plantas e

animais. [...] Era também o cuidado com os Deuses, os ancestrais e seus

monumentos, ligando-se à memória e, por ser o cuidado com a educação, referia-

se ao cultivo do espírito”.

Para Telles (1977, p. 9) cultura “é toda a criação do homem que alcança

autonomia em relação ao seu criador”.

Claval (2001, p. 63) coloca que cultura é mediação entre os homens e a

natureza; é herança e resulta no jogo da comunicação; é construção e permite aos

indivíduos e aos grupos se projetarem no futuro; é, em grande medida, feita de

palavras e articula-se no discurso e realiza-se na representação; é um fator

essencial de diferenciação social; e a paisagem carrega a marca da cultura e serve-

lhe de matriz: objeto privilegiado dos trabalhos de geografia cultural. E continua: “a

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cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos

conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e,

em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte”.

Em outra direção, marcada pelas relações com a história, “a cultura se

torna o conjunto articulado dos modos de vida de uma sociedade determinada”

(CHAUÍ, 1994a, p. 13).

A “cultura popular”, criada pelo povo, pode ser denominada de cultura

global. Os demais sistemas específicos são a “cultura erudita” e “cultura de massa”

que teria como um objetivo a substituição de valores “populares autênticos”

(AYALA, 2002, p. 40-41).

Para Floriani (2000, p. 2), “A cultura deve ser considerada como um

princípio ativo, afirmador de identidades, não apenas como reflexo de uma história

que passou” , devendo ser preservada pelos meios disponíveis.

Cuche (1999, p. 175), diz que “há desejo de se ver cultura em tudo, de

encontrar identidade para todos” e acrescenta que “a cultura depende em grande

parte de processos inconscientes. Já a identidade remete a uma norma de

vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas”.

Para Tylor (apud CUCHE, 1999, p. 35), “a cultura é a expressão da

totalidade de vida social do homem” e “é adquirida e não dependente de

hereditariedade biológica”.

Frans Boas, antropólogo citado por Cuche (1999, p. 45), assinala que

“cada cultura representa uma totalidade singular“.

O conceito de identidade cultural “aponta para um sistema de

representação (elementos de simbolização) [...] das relações entre os indivíduos e

os grupos e entre estes e seu território de reprodução e produção, seu meio, seu

espaço, seu tempo” (COELHO, 1997, p. 201). Sendo assim, é a soma de

conhecimentos adquiridos pelo homem ao longo de sua existência.

2.8 Defrontando-se com o espaço e o lugar

A noção de espaço é complexa. A geografia, a arquitetura, a filosofia o

vêem de forma diferente. Quando falamos de espaço, não estamos falando tão

somente do espaço geográfico e arquitetônico. Para Claval (2001), espaço é onde a

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pessoa significa. Para Gonçalves (2002, p. 51), “a noção de espaço abarca o

cósmico, o físico natural, o histórico-cultural e o psicológico”.

De acordo com Santos (1997), o espaço é o resultado das ações dos

homens sobre o próprio espaço. Para Gonçalves (2002), o valor simbólico do

espaço traz as significações produzidas pelas ações humanas. O espaço não é

paisagem. Conforme Santos (1997, p. 72), “a paisagem é a materialização de um

instante da sociedade”.

A noção de espaço que prioritariamente interessa a este trabalho refere-

se ao espaço cultural. Isso também implica em compreender o mundo simbólico no

imaginário das pessoas que viveram a história do carvão. Segundo Gonçalves

(2002) e Santos (1997), o espaço é diferente de lugar. Para esses autores, o

espaço é cheio de lugares. “O lugar é específico, concreto, conhecido, familiar,

delimitado: o ponto de práticas sociais específicas que nos moldaram e nos

formaram, com as quais nossas identidades estão estreitamente ligadas”

(GONÇALVES, 2002, p. 52).

A paisagem não é espaço, pois não existe paisagem parada. “A

paisagem é materialidade, formada por objetos materiais e não materiais”

(SANTOS, 1997, p. 71).

Segundo Figueiró (1998), a paisagem não é a simples adição de

elementos geográficos dispersos. É, numa certa porção do espaço, o resultado da

combinação dinâmica e, portanto, instável de elementos físicos, biológicos e

antrópicos, que, reagindo dialeticamente uns em relação aos outros, fazem da

paisagem um conjunto único e indissociável em perpétua evolução. O sistema

depende das inter-relações do homem-ambiente e evolui em função delas.

Portanto, não é viável estudar o ambiente em separado.

Enquanto espaço ainda está sendo encarado de forma abstrata, o lugar

passa também a ter um papel preponderante na análise. Para Del Rio e Oliveira

(1999, p. 174),

[...] espaço e lugar são elementos do meio ambiente, profundamente relacionados, indicando experiências comuns. Os seres humanos necessitam de ambos, porque suas vidas se processam num movimento dialético de refúgio e aventura, dependência e liberdade. Assim, podemos pensar no espaço como algo que permite deslocamentos, e cada pausa no movimento faz com que a localização se transforme em lugar.

Para Santos (2000, p. 61), “quando o homem se defronta com um

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espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é

estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação”. Constatação esta

contestável em nossa região, tendo em vista que os principais sobrenomes

“famosos” que “construíram” a cidade não têm a mínima consideração, já que não

poderiam ser alienados à pobreza, à poluição, à falta de humanização dos espaços

públicos etc. Não ocorrendo, então, o que bem coloca Santos (2000, p. 61), que “o

entorno vivido é lugar de uma troca, matriz de um processo intelectual”. O processo

intelectual existiu, entretanto, pelo que parece não ocorreu o processo racional. Ou

foi somente racionalmente econômico para o lado dos detentores do poder.

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3 METOLOGIA

3.1 Natureza da pesquisa

Esta pesquisa se define como qualitativa do tipo exploratória, sendo seu

método principal o estudo de caso.

Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e c) análise de exemplos que estimulem a compreensão (SELLTIZ apud GIL, 1989, p. 45).

Contar uma história pelos seus fragmentos não é tarefa fácil, porém

importante, pois de uma certa forma esses fragmentos irão recompô-la, e

esclarecer pontos não elucidados, trazendo à tona fatos inusitados, atípicos e que

caminharam de forma marginal pelas bordas da história. Esses fatos estão na

memória coletiva dos atores que a viveram.

Esses atores são os informantes qualificados. Essa qualificação é

aferida pela vivência do problema e pelos conteúdos que o mesmo deixou em suas

memórias. Aqui não trabalhamos com categoria de indivíduos, mas de atores

sociais.

Na abordagem qualitativa, não se pretende numerar e nem medir, mas

analisar fatos e conteúdos escolhidos.

Assim, consideramos que a pesquisa exploratória é adequada ao tema

estudado e ao objeto de estudo escolhido.

Para Montenegro (2001, p. 74), “muitos períodos da história oficial

parecem passar despercebidos de uma grande parcela da população”. Assim, o

registro das lembranças da população pode-se tornar um foco de memória.

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3.2 Localização da pesquisa

A pesquisa de campo se deu no município de Criciúma-SC, embora

tenha se estendido ao município de Lauro Müller-SC, devido a um fato relevante,

que foi a elevada mortalidade de crianças ocorridas no ano de 1948, ocasionada

pela poluição ambiental, gerada pela extração do carvão. A escolha da localização

da pesquisa se deu após várias saídas de campo, realizadas pelo pesquisador, em

toda a região carbonífera, as quais foram devidamente registradas em seu diário de

campo.

3.3 Objetivos

3.3.1 Objetivo geral

Resgatar parte da “cultura do carvão” através da memória de

determinados atores sociais que viveram a história do carvão em Criciúma – SC.

3.3.2 Objetivos específicos

Os objetivos específicos ficam sendo os seguintes:

• registrar a história da “cultura do carvão” por meio de seus

fragmentos;

• avaliar o impacto desse processo no imaginário de determinados

atores sociais;

• contribuir para a preservação da memória cultural da região

carbonífera de Santa Catarina.

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3.4 Detalhamento metodológico

3.4.1 Composição da amostra

A amostra é composta por 10 atores sociais envolvidos na atividade de

exploração do carvão e cujas histórias vividas ficaram excluídas da história oficial.

Julgou-se que esses entrevistados compõem um segmento sobre o qual

evidenciam-se semelhanças quanto à classe social de origem e ao tipo de

participação na história dessa atividade econômica. Assim, fundamenta-se o

entendimento que esses entrevistados integram um grupo e, nesse sentido, estão

relacionados por laços emocionais que se interligam como uma rede e que dão

suporte à memória coletiva. De acordo com Chauí (1994), as lembranças grupais

se apóiam uma às outras, formando um sistema que subsiste enquanto puder

sobreviver a memória grupal.

Esse tipo de seleção levou em conta os critérios da chamada “amostra

intencional”, que, de acordo com Rauen (2002, p. 123), “são escolhidos casos que

representem o bom julgamento e relato sobre determinado aspecto”. Além disso, de

acordo com Quivy et al (1992, p. 164), para compor a população a ser estudada,

pode-se optar por “componentes não estritamente representativos, mas

características da população”.

A representatividade da amostra difere daquela estatística. Como se

está trabalhando com memória e história oral, a qualificação dos informantes, a

profundidade de análise e o rigor metodológico é que dão o grau de cientificidade à

pesquisa (GONÇALVES, 2004a).

Dessa forma, a amostra é composta por:

1) 01 mineiro aposentado da década de 1970;

2) 01 geólogo que residiu na Europa e é conhecedor da atividade carbonífera do

sul de Santa Catarina;

3) 01 ambientalista, militante do Partido Verde e fiscal da FATMA;

4) 01 escolhedeira de carvão da década de 1930;

5) 01 escolhedeira de carvão da década de 1960;

6) 01 morador ex-mineiro, aposentado, residente em Lauro Müller-SC, Distrito de

Guatá;

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7) 01 ex-sindicalista do sindicato dos mineiros e mineiro aposentado;

8) 01 ex-morador da localidade de Santana, município de Urussanga-SC;

9) 01 ex-mineiro, sindicalista e técnico de segurança do trabalho;

10) 01 mineiro aposentado e ativista político.

3.4.2 Justificativa para a escolha dos atores sociais que compõem a

amostra

As escolhedeiras de carvão: Faziam a seleção do carvão separando o

carvão dos rejeitos, tais como xisto e outras formações rochosas, que não

possuíam valor comercial. Elas efetuam um trabalho árduo e foram personagens

ativos e ao mesmo tempo discriminados. Uma escolhedeira atuou na década de

1930 e outra na década de 1960. Estas diferenças de período se justificam para

relatar as possíveis diferenças no trabalho de escolha do carvão.

O sindicalista: Para que o mesmo relatasse a história da luta dos

mineiros, segundo suas memórias.

O mineiro residente no distrito de Guatá, município de Lauro Müller -

SC: Este ex-mineiro, atualmente aposentado, morador do distrito do Guatá, está

relacionado à presença da morte no processo da exploração do carvão. Sofreu um

grave acidente na mina e hoje cuida do cemitério de Guatá.

O ambientalista: Que sempre conviveu com os problemas da poluição

em Santa Catarina e em especial na região carbonífera sul catarinense. Hoje é

funcionário (fiscal) da FATMA e militante do Partido Verde de Criciúma.

O geólogo: Como os demais são de origem humilde, entretanto pelo seu

esforço conseguiu efetuar faculdade de Geologia, indo para a Europa trabalhar em

atividades ligadas à extração do carvão e reside há vários anos em Criciúma. É

uma pessoa que forneceu um comparativo entre os problemas ambientais da região

carbonífera de Santa Catarina, com os problemas encontrados na Europa, EUA e

Canadá, países e regiões que agrediram ou ainda agridem o meio ambiente com

impactos negativos.

O mineiro aposentado da década de 1970: Apesar da idade avançada,

começou a trabalhar na mina em subsolo na década de 1940, permanecendo nesta

atividade por 30 anos, quando a aposentadoria do mineiro (no seu caso) era com

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15 anos. Além disso, ele continuou a trabalhar em várias atividades por mais de 20

anos depois de estar aposentado como mineiro de frente de serviço. Segundo

pesquisa feita pelo autor no Sindicato dos Mineiros de Criciúma a aposentadoria

nas frentes de extração do carvão atualmente é de 15 anos. Do acesso externo das

minas até às frentes de trabalho é aos 20 anos e no trabalho externo das minas a

aposentadoria é aos 25 anos.

O ex-morador de Santana, município de Urussanga-SC: Por ser uma

das regiões mais destruídas pela mineração, com a existência ainda de “paisagens

lunares” devido à exploração do carvão a céu aberto (mineração de superfície),

com a presença da máquina Marion que arrasou a natureza da região.

O ex-mineiro e atualmente técnico em segurança do trabalho: Que

reflete sobre a segurança nas minas e cuidados que se deve ter com os

trabalhadores e a qualidade de vida.

O mineiro aposentado e ativista político: Para relatar problemas

familiares, sociais, econômicos, ambientais e políticos ocorridos na região

carbonífera, no auge da exploração do carvão.

Todos os entrevistados fizeram questão que seus nomes aparecessem

no trabalho, portanto, autorizaram sua divulgação. Não autorizaram o uso de

pseudônimo porque não quiseram ficar no anonimato. Quiseram assumir suas

declinações sobre o assunto.

3.5 Técnicas de pesquisa

3.5.1 Técnicas de coleta de dados

A coleta de dados foi em forma de pesquisa de campo com entrevistas

na modalidade informal e focalizada.

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3.5.2 Entrevista na modalidade informal

Essa modalidade, conforme Gil (1989, p. 115), caracteriza-se “o menos

estruturada possível e só se distingue da simples conversação, porque tem como

objetivo básico a coleta de dados”, onde se obtém uma visão geral do problema e

procura captar aspectos subjetivos, como por exemplo, os sentimentos.

3.5.3 Entrevista focalizada

Essa modalidade de entrevista não é tão livre como a anterior, no

entanto, ela enfoca um tema específico. O que se pretende com esse tipo de

entrevista é explorar a fundo algumas experiências vividas em condições

singulares.

As entrevistas se traduzem em narrativas que foram gravadas e

transcritas. Nesta perspectiva, Cunha (1991, p. 12) elucida que “os sujeitos do

conhecimento devem se juntar a sujeitos de história”. Estas narrativas procuram

trazer à tona a memória dos entrevistados.

Conforme Lopes (1998, p. 111), “os depoimentos orais traduzem não

somente indicativos de diferentes elementos componentes da paisagem, mas como

estes são vistos e vivenciados pela população local, o que nos remete à

intangibilidade do patrimônio cultural”.

Louzada et al (1992, p. 14), reconhece a “tradição oral como fonte

válida”.

Voldmann (apud FERREIRA e AMADO, 1996, p. 248 e 249) utiliza a

expressão “história oral” como sendo o método que consiste em utilizar palavras

gravadas, e, “testemunho” no sentido de indício.

3.5.4 Registros etnográficos

Para a realização desses registros, o principal método utilizado foram as

fotografias e o desenho.

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Através da fotografia se pode efetuar o registro da dor, da alegria, da fé,

da esperança buscados no passado, vividos no presente e projetados para o futuro

por grupos sociais. Para Hall (2001, p. 70), “todo meio de representação – escrita,

pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos sistemas de

telecomunicação deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais”.

Podemos assim, ver novas relações de espaço-tempo sendo definidas e

reimaginadas, ligando o passado ao presente, conectando pessoas à história.

A escolha dos registros foi direcionada pela capacidade dos mesmos de

sensibilizar o pesquisador, transportando-o a uma história vivida, ou seja, a história

do carvão. A inserção desses registros ocorre na análise das entrevistas.

3.6 Técnicas de análise de dados

Na análise dos entrevistados foi utilizada a técnica de análise de

conteúdo que, segundo Bardin (1979), insere-se na análise qualitativa e organiza-se

em formas de categorias.

A categoria é uma forma de conceito, uma forma de pensamento. As categorias são reflexos da realidade, sendo sínteses em determinado momento. Por isso, se modificam constantemente assim como a realidade. Na análise de conteúdo, as categorias são rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos (unidades de registro) em razão de características comuns (FERREIRA, 2000, p. 15).

Assim sendo, as categorias podem se apresentar em forma de palavras,

frases, símbolos.

Categorias utilizadas para a análise, segundo a técnica de análise de

conteúdo:

“O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a vela”. O

entrevistado é o Sr. Otávio Tomás que trabalhou 30 anos na mineração, passou por

várias experiências traumáticas, onde a morte esteve sempre presente. Aos 12

anos de idade já estava na labuta.

“Dos subterrâneos o homem sai extenuado e, à luz do sol abre-se uma

paisagem não menos sofrida”. O entrevistado é o Sr. José Carlos Bitencourt. Um

mineiro, sindicalista e técnico de segurança do trabalho, que presenciou a

destruição da natureza pela máquina Marion no município de Siderópolis-SC, onde

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nasceu. Hoje, ele tem em sua luta diária o dever de preservar a vida dos mineiros.

“A morte é apenas uma transmigração”, onde o entrevistado é o Sr.

Ademar da Silva. Ele é uma testemunha das mortes ocorridas no distrito de Guatá,

município de Lauro Müller, onde no ano de 1948 nasceram 248 crianças e

morreram 240. Os enterros eram tantos que ocorriam em série.

“‘Clark Kent’ na superfície e ‘super homem’ no subsolo”. Este capítulo

resgata os motivos que levavam as pessoas a buscarem trabalho mesmo sendo um

local dos mais insalubres e perigosos que existem, numa época em que o sonho da

maioria dos trabalhadores da região era trabalhar na mina.

“Tomando banho nas crateras abertas para a exploração das minas”. É

um relato do entrevistado Sr. Tarciso que viveu a sua infância em uma área

extremamente degradada pela mineração, a localidade de Santana, município de

Urussanga-SC, onde a máquina Marion arrasou completamente o solo com toda a

vegetação existente deixando um rastro de “deserto lunar”.

“Melhor com o carvão. O carvão é que dá dinheiro. Há várias pessoas

sem emprego em Criciúma”. Dona Neusa Geremias conta que com 8 ou 9 anos de

idade já estava na escolha do carvão. Ela defende a indústria do carvão, pois o que

importa é ter dinheiro para alimentar os filhos. Hoje o bairro no qual ela reside

existem muitas pessoas desempregadas. Para ela paisagem é tudo que é bonito.

Hoje praticamente os problemas ambientais não são sentidos, na sua concepção.

Ela defende trabalho e emprego.

“Produzir para que? Para quem? Prosperar por quê? Crescer como?”.

Aí é discorrido toda a problemática capital x trabalho, a degradação ambiental e o

aspecto da “normose” conforme coloca o entrevistado Jairo Viana Júnior. Para ele o

conceito de “normose” é quando a sujeira, a contaminação, a degradação são

aspectos normais aos morados da região carbonífera.

“O carvão deu vida para Criciúma”. Dona Geni Bitencourt Daniel, que

nasceu em 1918, vivenciou as várias fases de auge e queda da indústria

carbonífera. Ela foi uma escolhedeira de carvão que começou a trabalhar aos 15

anos de idade. Ela tem boas lembranças da época de seu trabalho na minas. Era

um trabalho de superfície, já que a escolha do carvão se dava sobre o solo. Nesta

entrevista se põe em cheque a suposta fragilidade feminina. A miséria está

presente em suas memórias. Ter emprego era considerado um ato de bondade

pelos “coronéis do carvão”.

“Em Criciúma, a poluição, é lógico que acabou!”, traz os relatos de um

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geólogo que já morou na Europa e é a favor da continuidade da exploração do

carvão mineral. Aí suas idéias são contestadas pelo autor desta dissertação, devido

aos problemas sócio-ambientais que essa indústria proporciona, onde o

crescimento econômico não beneficia a todos, já que temos graves problemas com

a distribuição de renda, tornando esse crescimento inadequado entre homem e

natureza. A prioridade ao carvão pode significar uma ameaça à qualidade de vida e

à vida.

“O mistério da limitação do ser na sua manifestação humana”. O Sr.

Lorisval Nunes de Mello, expõe aí toda a sua luta pela sobrevivência e quando

chega na velhice conclui que não viveu. Só trabalhou. Ele é bem enfático em dizer

que o trabalho na mineração, enriquece o minerador e não o mineiro. É consciente

dos problemas ambientais ocasionados pela mineração. Coloca de uma maneira

muito triste todas as condições de trabalho. Hoje ele está muito doente, devido ao

trabalho insalubre que a mineração ocasionou e não tem mais vontade de viver.

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4 MEMÓRIAS DO CARVÃO (RESULTADOS E DISCUSSÃO)

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O CARRO É O CAIXÃO, A PICARETA É A CRUZ E A

LAMPARINA É A VELA

Fonte: Desenho: Movimento Pela Vida (MPV) – Organizações Não Governamentais Ambientais e Sociais da Região Sul de Santa Catarina (2004). Figura 1: Desenho: o carro de carvão é o caixão

O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a

vela (MPV, 2004).

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4.1 O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a vela

Seu Otávio, nascido no município de Orleans, desde muito cedo

começou a trabalhar. Aos 12 anos de idade já estava na mineração. Carola (2002,

p. 45), apontou esse fato da seguinte forma: “pelos registros das Companhias

Mineradoras, pelas entrevistas realizadas e pelas fotografias, percebe-se que,

muitas mulheres, assim como os homens, iniciavam uma vida de ‘pequeno/a

trabalhador/a’ bem antes dos 10 anos de idade”.

O primeiro trabalho que ele prestou foi o serviço de “pocha”6, ou

“carregar água e enchê e descarregá o carro” como seu Otávio7 explica. Este tipo

de trabalho não encontra registro no livro de Volpato (1984, p. 41-52), onde ela

descreve o “trabalho nas minas de carvão”. Esta autora escreve que na época

existiam 11 companhias carboníferas (denominação usual para a Indústria Extrativa

do Carvão), sendo 9 de capital privado e 2 estatais (subsidiárias da Companhia

Siderúrgica Nacional), e o trabalho de mecanização das minas começou somente

em 1975. Antes a lavra era manual. Essa mecanização possuiu a função técnica de

aumentar a produtividade do trabalho e ao mesmo tempo a função de destituir a

massa de trabalhadores de seu controle sobre o próprio trabalho. Descreve ainda

que existiam várias operações nas minas manuais, como o escoramento do teto,

furação de frente, detonação, limpeza das frentes, e para as já mecanizadas havia

o corte, furação, desmonte, carregamento e transporte, operador do alimentador

quebrador e escoramento. Não será abordado o detalhamento técnico de cada

atividade, pois não é a finalidade deste trabalho e há farto material sobre este

assunto.

Seu Otávio inicia sua narrativa já afirmando que a “mina não é muito

boa não”, referindo-se ao trabalho dos mineiros, que realmente é duro, exaustivo e

perigoso, além de psicologicamente agressivo, já que o medo é uma constante.

Volpato (1984, p. 63), comenta sobre a situação de trabalho do mineiro:

Este clima de tensão o acompanha desde que embarca na gaiola e com ela despenca poço abaixo, daí para as frentes de serviço com as possibilidades de desabamento, perigos de detonação, perigo com as máquinas e equipamentos, com o sistema de instalação elétrica, até nos

6 A maneira de retirar água das minas na época era manual, sem bombeamento. Este serviço era efetuado enchendo os carros de água e transportando a água para fora das minas de subsolo. 7 Sr. Otávio Tomás foi entrevistado em 21/06/2004.

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inconvenientes da fumaça, pó, lama, ventilação, muitas vezes precária. Na concepção de Hacking (2000, p. 201), as “ocorrências e

experiências traumáticas são choques psicológicos, ferimentos do espírito”. O

trabalho na mineração proporcionou essas experiências negativas aos

trabalhadores.

A despeito das péssimas condições de saúde, o Sr. Otávio cita que

ficava “até um meis pingando as gotera na cabeça”, e como conseqüência da

elevada umidade, a qual era uma constante, mostra a perna e diz: “estou com uma

dor aqui agora né”, e tem “uma tremura braba”. Concluiu dizendo que “hoje a gente

tá tudo arrebentado. A coluna, o pulmão, perna, joelho, os osso, os nervo e aqui

tem um ossinho que sai fora”.

Sobre essas doenças dos mineiros existem vários registros, em um

deles, Volpato (1984, p. 96-102) cita que:

Esta condição coloca o trabalhador num clima de ansiedade e apreensão, marcando-o psicologicamente. As conseqüências, não raramente, se manifestam gerando problemas de saúde [...] o operário enfrenta também minas úmidas, diferenças de temperatura e ventilação na passagem de uma a outra galeria; os problemas de saúde que por esta razão ocorrem são os resfriados, bronquites, asma e reumatismos. [...] problemas de coluna [...] dermatites [...] pneumoconiose [...] trabalhadores precocemente envelhecidos e cansados, que constituem o preço humano do desenvolvimento econômico gerado pela mineração do carvão.

A pneumoconiose é uma doença muito conhecida da região

carbonífera, devido ao alto grau de incidência entre os trabalhadores das minas de

carvão. É uma doença em que ocorrem lesões nos alvéolos pulmonares devido ao

ar poluído de partículas muito finas do carvão (poeira). Segundo Volpato (1984, p.

97), “Nas partículas mais finas, o organismo, na tentativa de expeli-las forma lesões

nos alvéolos pulmonares, os quais aumentam e limitam a capacidade respiratória”.

O Sr. Otávio, além das doenças, ainda ficou traumatizado8 pelo barulho

das explosões e desabamentos ocorridos nas minas nas quais ele trabalhou.

“Levava muito susto né”. Zola (1987, p. 466) também registra que Etienne “a partir

do seu acidente, tinha um pavor de fundo nervoso, pela mina“.

O medo da morte era uma constante. Seu Otávio conta que “nem

8 Trauma em psicanálise é qualquer experiência dominada pelo emprego de defesas. O trauma produz ansiedade, à qual se segue uma recuperação espontânea ou o desenvolvimento de uma psiconeurose (RYCROF, 1975, p. 243). Também pode ser grande abalo físico, mental ou moral (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985).

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chorava mais. Já tinha costumado a vê gente morrê [...] vi um monte de amigo

morrê”.

O próprio Sr. Otávio escapou diversas vezes da morte por conhecer os

“sinais” que a mina emitia antes do desabamento: “ela pingava pedra”. Semelhante

a Zola (2002, p. 15), onde havia o Boa Morte, apelido de Montsou que como diziam

seus colegas “se recusava a morrer“. Os mineiros exploravam os sinais das minas

para poderem sobreviver. A interpretação destes sinais era uma forma dos mineiros

interagirem com a mina.

O Sr. Otávio continua refletindo se morrer é destino e se conforma com

a morte dos colegas. A fala de Otávio nos remete a Wittel ao comentar um

desabafo de Freud:

[...] em tudo que é vivo, existe, além do princípio do prazer, o qual, desde os dias de cultura helênica, tem sido chamado de eros, um outro princípio: o que vive quer morrer de novo. Originando-se do pó, quer ser pó novamente. Há nos seres não só a pulsão de vida, mas também a “pulsão de morte” (WITTEL apud GAY, 1989, p. 362-363).

Hoje, seu Otávio apresenta reação fóbica9 ao barulho devido à sua vida

ter sido em grande parte do tempo no subsolo, na presença constante de

detonações de dinamite.

Quando o Sr. Otávio descrevia que tinha que trabalhar na mina e

naquelas situações insalubres e para patrões que nem conhecia, detentores do

poder e do capital, é comparável ao Germinal de Zola (2002, p. 140) onde se refere

“quem era o idiota que punha a felicidade do mundo na distribuição da riqueza?”.

A rudeza do trabalho era comparado a Zola (2002, p. 182):

“trabalhamos como burros de carga, sempre aumentando a fortuna dos ricos [...],

mas quando a gente não tem esperança, perde o prazer de viver”.

Este “desabafo” reflete a indignação do Sr. Otávio com o sistema, onde

por mais que os mineiros trabalhassem com afinco, já sabiam de antemão que não

conseguiriam ter uma condição de qualidade e vida no mesmo nível dos

proprietários das minas.

A transfiguração dos corpos (figura 2) é uma referência indireta ao nível

de esforço físico, enfrentado na mineração do carvão. Apesar da foto sugerir um

trabalhador com corpo musculoso, na realidade eles tinham os músculos bem

9 A reação fóbica refere-se ao medo excessivo e infundado, específico e anormal em relação a algum objeto, condição, situação ou ato [...] (RYCROF, 1975, p. 204).

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definidos, mas não volumosos, face ao tipo de trabalho atribuído aos grupos

musculares. Pode ser traduzido como um corpo robusto e sacrificado pelo esforço

da labuta diária.

Autor: Leonardo Hansel, 1995 (Carvão sobre papel machê) Fonte: A obra acima foi inspirada na crônica de Gonçalves (1995), sobre os mineiros de carvão do distrito de Guatá, município de Lauro Müller - SC. Foto: Gerson Philomena (2003). Figura 2: A transfiguração do corpo do mineiro de carvão devido ao trabalho pesado

O homem passa a ser uma máquina a serviço do capital. Para Vasquez

(1985, p. 105), o homem “é uma simples peça de um mecanismo ou de um sistema

econômico”.

Apesar de inexperiente, analfabeto sem qualificação profissional, o

trabalho na mineração era a única saída para Otávio, “tem que se contentá com

tudo né”, relata.

Minarelli (1995) relata que os mineiros tinham emprego, mas não tinham

empregabilidade. A empregabilidade é a condição de ser empregável, isto é, de dar

ou conseguir emprego para os seus conhecimentos, habilidades e atitudes,

agregando-se a isso as novas necessidades do mercado de trabalho.

A maioria dos mineiros executavam somente o trabalho pesado das

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minas. Este tipo de trabalho consumia as energias do corpo e a jornada de trabalho

era extensa, muitas vezes, antes do sol nascer até altas ora da noite, o que

dificultava a realização de estudos.

Seu Otávio reclama hoje do salário e das comissões que eram pagas:

“eles cortaram muita coisa. Tinha avançamentos, tinha 35, tinha 40 cruzero o carro

de carvão, depois foram cortando, cortando“, como em Zola (1987, p. 135): “Se o

salário cai muito, os operários morrem e a procura de novos homens faz com que

ele suba. Se sobe muito alto, o excesso de oferta faz com que baixe. É o equilíbrio

das barrigas vazias, a condenação perpétua à escravidão da fome”.

Assim, Sr. Otávio, com idade avançada, várias doenças, vai “levando a

vida”, depois de trabalhar 30 anos na mineração, e 22 em outras atividades.

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DOS SUBTERRÂNEOS O HOMEM SAI EXTENUADO E, À LUZ

DO SOL ABRE-SE UMA PAISAGEM NÃO MENOS SOFRIDA

Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 3: Acesso à mina de carvão do subsolo localizada em Siderópolis-SC (Carbonífera Belluno)

“Daí passei a trabalhar de baixo da mina, uma área crítica

né. Tem que lutar no sentido de preservar a vida do

pessoal. O bem maior é a vida né” (José Carlos Bitencourt).

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4.2 Dos subterrâneos o homem sai extenuado e, à luz do sol abre-se

uma paisagem não menos sofrida

Sr. José Carlos, ex-mineiro, atual sindicalista e técnico de segurança do

trabalho, nasceu no Município de Siderópolis em Santa Catarina, uma região que

sofreu profundas alterações no ambiente natural, através de uma máquina

denominada Marion, que extraía, além do carvão, terra, solo, pedras e vegetação.

Este ex-mineiro regata a história da máquina Marion (Figura 4), um

verdadeiro demônio, com seus tridentes arrasando a natureza na região carbonífera

do sul de Santa Catarina. O ex-mineiro lembra, com muita propriedade, as

paisagens aonde esta máquina da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) vinha

sem dó nem piedade mais parecendo uma onda gigante.

Fonte: Foto cedida por Maura Regina Mendonça (2004) Figura 4: Máquina de extração de carvão Marion em plena atividade no município de Siderópolis – SC no ano de 1968

A máquina Marion arrasou uma mata atlântica riquíssima, de uma

biodiversidade rica e intensa. Alguns até poderiam considerar bonito na época a

retirada de árvores frondosas inteiras. Retirava a natureza, para retirar o carvão.

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Foi um desastre ecológico imenso, por que além da perda das terras e o

desalojamento das pessoas que se dedicavam à agricultura houve uma série de

outras implicações ambientais.

Sobre os problemas ambientais ocasionados pela máquina, o Sr. José

Carlos10 relata que:

A verdade é que prejudicava aquela região ali, eles acabaram com os rios, na época todo mundo ganhou dinheiro, não se tinha a preocupação que tem hoje, de preservação ambiental [...] não havia ou houve negligência, ou houve não sei o que, enfim.

Foram áreas paradisíacas e de muita mata atlântica, um dos

ecossistemas mundiais que correm maior perigo e onde se encontra grande

número de espécies endêmicas (que só ali são encontradas), e que após a

presença desta máquina de extrair carvão a céu aberto, deixou uma “paisagem

lunar” em Siderópolis-SC, com várias crateras e amontoados de rejeito de carvão,

sendo que esses rejeitos em contato com o ar e umidade provocam uma reação

química que exala um forte cheiro de enxofre.

A paisagem é agressiva e nos repassa uma sensação de destruição da

vida que antes existia e se multiplicava exuberante.

O crescimento econômico desordenado e a necessidade de gerar

energia pelo carvão mineral, o qual por sua vez traria prosperidade e melhor

qualidade de vida, acabou por configurar um quadro de degradação contínua do

meio ambiente, com a contaminação do ar, solo, água, desmatamentos, dentre

outros e essa degradação dos recursos assumiu dimensões trágicas, devido à

exploração da natureza para garantir a renda dos ricos, sacrificando o futuro para

assegurar uma vida precária no presente.

Apesar do descaso das companhias mineradoras, José Carlos é um

defensor da exploração de carvão, porém de forma racional e com os devidos

“cuidados ambientais”. Para ele, o emprego é algo muito importante e como

coloca, era orgulho ser mineiro: “a mineração me proporcionou um meio para eu

voltar a estudar, uma vida melhor, tinha um salário razoável, [...] e eu me

identifiquei muito com os mineiros, vem do meu pai, do meu tio, todo mundo era

mineiro”.

10 José Carlos Bitencourt, entrevistado em 18/06/2004.

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Nesse sentido, há uma certa semelhança com Keynes (1982, p. 25),

onde “o salário real de uma pessoa empregada é exatamente suficiente (na opinião

das próprias pessoas empregadas) para ocasionar o volume de mão-de-obra

efetivamente ocupado”.

Ocorrem, portanto dois fatores: a acomodação perante um salário

considerado suficiente e a auto realização, a auto purificação, a redenção por poder

estar trabalhando e sendo útil e reconhecido de acordo com os padrões vigentes

desta época e no modelo concebido pela atual sociedade capitalista.

Gonçalves (2002, p. 191), acrescenta que “o sentimento de identidade é

absolutamente fundamental para o ser humano. Ser reconhecido como pessoa faz

parte de seus anseios básicos”. O reconhecimento de José Carlos ocorre através

do trabalho executado que hoje é técnico de segurança do trabalho, onde os

colegas depositam confiança em uma pessoa que possui conhecimentos que

podem salvar vidas, ao contrário de muitos mineiros que até se mutilavam para

ganhar os benefícios de acidentado do trabalho, como por exemplo colocar o dedo

nos trilhos e mandar os colegas empurrarem o trole para que o dedo fosse

arrancado ou mesmo dando uma marretada. É algo meio suicida, em que o instinto

de morte estava sempre presente na vida dos mineiros.

Ao contrário dessas histórias, de desejos de automutilação, o que José

Carlos desejava era preservar a vida, entrando em conflito com um dualismo

instintivo, as duas pulsões primárias – de vida e morte.

Sobre o dualismo das pulsões, Garcia-Rosa, (1988) e Garcia-Rosa

(1995), coloca que pulsão de morte é a tendência a todo o ser vivo de retornar ao

estado inorgânico e que o objetivo dessas pulsões é a satisfação, e é entendida

como uma pulsão de autodestruição. Em contraponto existe a pulsão de vida que

tem o objetivo de evitar que a morte ocorra de uma forma não-natural.

“Essas pulsões são também apresentadas por Freud como modalidades

de defesa” (FREUD apud GARCIA-ROSA, 1988, p. 126).

Sobre o instinto de vida Rycroft (1975), escreve que este instinto inclui

tanto o instinto sexual como o autopreservativo (da biologia). Quem quer viver com

plenitude, não irá se mutilar.

José Carlos trabalhou em diversos setores em empresas de mineração

e em 1992 efetuou um curso de Técnico de Segurança do trabalho, onde coloca

que é “uma experiência interessante a área de segurança debaixo da mina, uma

área crítica né. Tem que atuar no sentido de preservar a vida do pessoal”.

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Segundo Minas (1988), nas companhias mineradoras ocorreu um

avanço tecnológico, entretanto esse avanço não foi na mesma proporção do

ocorrido na área da segurança do trabalho, além do que esse avanço melhorou o

lucro das empresas, o qual não atingiu os salários. Acrescenta ainda, que as

situações problemáticas na mineração sempre foram a falta de tubos de oxigênio,

máscaras, vestimenta especial, treinamento de pessoal que não atingiram índices

que se possa classificar de satisfatórios. Perto de 70% das ações ajuizadas na

junta de Conciliação e Julgamento de Criciúma foram “acidentárias”, devido a

pneumoconiose e outros acidentes de trabalho, como caimento de pedras do teto e

choques elétricos, bastante comuns no subsolo. As perfuratrizes com esguicho de

água para reduzir a poeira do carvão também provocaram o aumento de casos de

bronquite e resfriado. A segurança do trabalho nas minas é extremamente

importante e só atinge cerca de 2% da receita. Os próprios engenheiros de mina

reconhecem que os padrões de segurança na região carbonífera deixam muito a

desejar e no entanto as minas funcionam normalmente.

Apesar de todos esses problemas, os mineiros estavam mais

preocupados com a garantia de emprego e a melhoria salarial e não com um

problema que faz parte já de uma etapa mais avançada da luta sindical. Outro fator

é que os operários não gostavam de usar os EPI (Equipamentos de Proteção

Individual), tais como óculos protetores, luvas, protetor auricular e máscaras contra

suspensões particuladas. Ocorria também a falta de metanômetros (que indicam

que as concentrações de metano11 não podem ser superiores que 1% na corrente

de ar), anemômetros (que servem para registrar a velocidade do ar que deve ficar

entre 0,5 a 5 metros por segundo), ventiladores e exaustores (Minas, 1988).

Como se pode notar, a atividade, além de degradante para corpo e

alma, também é extremamente perigosa por natureza e ainda mais agravada pelos

fatores acima descritos.

Apesar desses problemas, muitos mineiros estavam mais preocupados

com a garantia de emprego e a melhoria salarial.

Mudanças ocorreram na estrutura funcional das empresas mineradoras,

onde o supervisor de segurança que depois passou a ser chamado de técnico de

segurança e hoje “é mais respeitado pelo empregador, que exige dele total

exclusividade para a tarefa de evitar acidentes” (LODETTI apud MINAS, 1988, p.

11 Metano: Protocarboneto de hidrogênio (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985). Gás existente no interior das minas. “Forma com ar uma mistura de alto teor explosivo” (BARSA, 2001, p. 143).

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67). Esta exclusividade não existia, pois os técnicos executavam várias tarefas

solicitadas pelos cargos superiores. Outra alteração foi que “eles elaboram para as

empresas um relatório diário, inclusive com a medição de metano, e enviam uma

cópia para o Ministério do Trabalho”, complementa Minas.

Hoje como técnico em segurança do trabalho, José Carlos trabalha

“debaixo da mina, a 120 metros de profundidade, de escuridão, fumaça”. Ele

trabalha nesta atividade por que “o bem maior é a vida”. Além de ser Técnico em

Segurança, exerce funções no sindicato dos Mineiros de Criciúma. Diferente de há

alguns anos, quando o “peleguismo” reinava, hoje o sindicato constitui “condição

para conseguirmos um regime autenticamente democrático” (FREIRE, 1977, p. 93).

As funções de José Carlos, como técnico, são de relatar condições de

risco nos ambientes de trabalho e solicitar medidas para reduzir e até eliminar

riscos existentes e/ou neutralizar os mesmos, além de orientar os trabalhadores

quanto à prevenção de acidentes, investigar e participar da investigação de causas,

circunstâncias e conseqüências de acidentes e das doenças ocupacionais,

acompanhando a execução de medidas corretivas. Outras atribuições dos técnicos

são de realizar a semana SIPAT (Semana Interna de Prevenção de Acidentes),

realizar campanhas para melhorar o desempenho dos empregados quanto à

segurança, efetuar mapa de risco, estimular empregados a adotar comportamento

preventivo durante o trabalho, enfim, zelar pelas normas de segurança e promover

a divulgação dos regulamentos e instrumentos de serviço, emitidos pelo

empregador.

Lógico que está melhor do que antes do início da mineração. Mas o

surgimento da USITESC no município de Treviso - SC é mais uma ameaça ao meio

ambiente.

Diz-se que a termelétrica não é poluidora, porém, ela necessitará de

muita água para resfriamento do vapor quente resultante da queima do carvão, do

carvão novo para ser misturado ao rejeito, de novos ramais da estrada de ferro para

o transporte do carvão até a usina e dos subprodutos como o sulfeto de amônia até

o porto de Imbituba - SC. São produtos tóxicos. Tudo isso impactará o meio

ambiente já altamente degradado por essa atividade (GONÇALVES, 2004b).

Por outro lado há na região carbonífera, toda uma estratégia montada

por empresários e por “mineiros” em potencial para a volta da mineração. A

ideologia do carvão é fomentada pela SATC, hoje popularmente conhecida como a

“Universidade do Carvão” e pelo SIECESC. Esse grupo tem, como tinham os

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antigos mineradores, apoio de órgãos federais como o Departamento Nacional de

Produção Mineral, hoje ligado ao ministério de Minas e Energia. Sebastião Neto

Campos, um dos principais técnicos e administrador de uma indústria carbonífera

de Criciúma, em entrevista a Gonçalves (2002, p. 117 e 119), assim se refere a

esse grupo:

Eu vivi isso e inclusive nessa condição aqui tinha um grupo que se reunia, uma espécie de estado maior que era o presidente do sindicato dos mineradores, os empresários [...] e outras autoridades [...]. Estive com todos os Presidentes da República, desde Getúlio Vargas, lutando, defendendo o carvão. Debatia no Congresso como minerador.

Dessa forma, percebe-se no presente e no passado que os empresários

do carvão sempre tiveram apoio do Governo Federal.

Com isso conseguem recursos para levar adiante a propaganda do

carvão. O marketing foi até o time Criciúma Esporte Clube, um dos principais times

de futebol do estado de Santa Catarina. Como patrocinadores, o SIECESC

estampou no peito dos jogadores a propaganda do carvão.

Fonte: Gerson Philomena (2005) Figura 5: Camiseta do time de futebol de campo Criciúma Esporte Clube

Fica, então, sempre aquela contradição, o carvão trouxe Progresso ou

pseudoprogresso? Trouxe salário. Trouxe diversos direitos sociais, mas provoca

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enormes impactos ambientais negativos.

A MORTE É APENAS UMA TRANSMIGRAÇÃO

Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 6: Ala infantil do cemitério do distrito de Guatá, município de Lauro Müller-SC

Cemitério

Este pó foram damas, cavalheiros,

Rapazes e meninas;

Foi riso, foi espírito e suspiro,

Vestidos, tranças finas.

Este lugar foram jardins que abelhas

E flores alegraram.

Findo o verão, findava o seu destino...

E como eles, passaram.

(DIKSON apud CHIAVENATO, 1998, p. 50).

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4.3 A morte é apenas uma transmigração

O Sr. Ademar é uma testemunha ainda viva da catástrofe ambiental da

região carbonífera. A memória dele contém também informações de seus

antepassados, que já se foram, de pessoas com idade bem mais avançada ou “as

pessoa mais idosa”12, conta ele.

Morador do distrito de Guatá, Município de Lauro Müller - SC, o Sr.

Ademar possui incrustado em sua memória e em sua pele as marcas da destruição,

da transformação das paisagens e da presença constante da morte.

Seu Ademar, como mineiro de subsolo, presenciou a morte de muitas

pessoas, seus amigos e colegas.

Sua narrativa faz parte do patrimônio cultural de sua comunidade, ou

seja, o distrito de Guatá. Como coloca Abreu (2003, p. 81), é um “tesouro humano

vivo”, pois valoriza a esta fonte essencial de identidade cultural. Coelho (1997, p.

201), conceitua identidade cultural como “um sistema de representação [...] das

relações entre os indivíduos e os grupos e entre estes e seu território de

reprodução e produção, seu meio, seu espaço, seu tempo“.

Seu Ademar refere-se ao tempo das “minas perigosas” de instalações

elétricas precárias. Muitos mineiros morreram eletrocutados ao se encontrarem com

fios elétricos desencapados.

Ele mesmo foi uma das vítimas. Como perfurador, abria buracos nas

pedras para colocar a dinamite. Em um acidente perdeu um olho e a explosão foi

tão forte que pequenas pedras granuladas se alojaram sob sua pele e estão lá há

mais de 20 anos. No imaginário de seu Ademar e outras pessoas do Guatá, as

minas eram, antes de tudo, um lugar perigoso, lugar onde a morte “gostava” de

ficar.

Na produção e reprodução da “cultura do carvão”, na região carbonífera

de Santa Catarina, a morte é um personagem muito presente.

Na entrevista concedida, conta que “tinham nascido 248 e morrido 240

criança, no ano de 1948”. Esta informação encontra respaldo no Plano Plurianual

de Saúde da Prefeitura Municipal de Lauro Müller, 1993-1996.

Este fato foi atribuído às péssimas condições de higiene e falta de água

12 Ademar da Silva foi entrevistado em 25/11/2003.

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potável. O motivo da baixa qualidade das águas foi a drenagem ácida13 das minas

(a céu aberto e subsolo) e os efluentes14 das usinas de beneficiamento do carvão.

Segundo Gonçalves (2002, p. 109), essas águas e efluentes se tornam ácidos em

função da oxidação da pirita. O ácido resultante (H2SO4) solubiliza os metais

presentes no minério e nos rejeitos associados, possibilitando a contaminação dos

recursos hídricos.

Hoje, ainda são encontradas áreas totalmente estéreis para fins

produtivos.

Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 7: Áreas improdutivas no bairro Sangão no município de Criciúma-SC

Os danos ambientais assumiram formas variadas e com escalas

diferenciadas, tais como a contaminação dos lençóis freáticos, extinção de

nascentes, erosão do solo, retirada de grande volume de camadas do solo,

conduzindo ao desaparecimento de seções inteiras de unidade paisagísticas,

13 Drenagem é a retirada da água superficial ou subterrânea de uma determinada área por bombeamento ou gravidade (VEROCAI, 2002). Esta drenagem é ácida devido ao pH (potencial de Hidrogênio) que é igual ou abaixo de 7.0. A escala do pH é formada por 14 unidades, assim classificadas: 1 a 7 acidez; 7- neutralidade; 7 a 14 alcalinidade (MINTER, 1990, p. 79). 14 Efluente é a descarga de poluentes no meio ambiente, ou água residuária lançada na rede de esgotos ou nas águas receptoras ou corpo de água (VEROCAI, 2002).

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desmatamento, redução da flora e fauna, lesões nos vegetais, formação de pilhas

de estéril, contaminação química dos cursos de água, chuva ácida, efeitos irritantes

no trato respiratório, conjuntivas oculares e mucosas, dentre outros, conforme

constatações do autor.

Milioli (1995, p. 53), se refere que no bairro Sangão em Criciúma - SC, a

população está ciente de que as doenças de saúde, tais como “incidência de

doenças das vias respiratórias, pulmonares, cardiovasculares, digestivas, dentre

outras” são causadas pelo carvão. A comparação entre o Distrito de Guatá e o

Bairro Sangão é pertinente, devido às semelhanças da degradação sócio-ambiental

ocorrida.

Ainda abordando a questão, Milioli (apud GONÇALVES, 2002, p. 107)

considera que os problemas sócio-ambientais decorrem “do modelo extrativista que

privilegiou apenas o lucro fácil e imediato, não considerando a perspectiva dos

custos sociais e ambientais [...]”. Este modelo de exploração afeta em larga escala

as nascentes e demais corpos d’água da região.

O Sr. Ademar narra que a mortalidade das pessoas era “devido à água,

água poluída, que deu essas doenças nessas crianças, do tipo diarréia e vômito”.

Abaixo foto de um rio na região carbonífera.

Autor: Gerson Philomena (2003) Figura 8: Rio poluído (Rio Maina) em Criciúma-SC

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Gonçalves (1989, p. 140), ainda acrescenta que “os mineiros do sul de

Santa Catarina e seus filhos, morriam por doenças provocadas pelas más

condições de vida e de trabalho, falta de saneamento básico, água potável, por

subnutrição (grifo nosso) e insalubridade das minas de carvão”.

Zola (1987, p. 88) coloca que havia “crianças esquálidas, suas

carnações linfáticas, seus cabelos descoloridos, a degenerescência que até as

fazia mirrar, roídas de anemia [...]“.

As crianças do Guatá morreram de meningite15, desidratação, diarréias

infecciosas, causas atribuídas pelas autoridades da saúde à falta de saúde, à falta

absoluta de saneamento básico. As minas da região poluíam as águas potáveis e

as famílias utilizavam estas águas para consumo humano.

Em suas atividades diárias, no cemitério que administra, Ademar diz

que “agente ajunta os ossos né, quando tem, já que muitos nem tem mais osso,

então coloca num depósito que o cemitério tem aqui né”.

Narra ainda, que não gostaria que “o cemitério fosse destruído, pois é

uma lembrança que tá ficando pro povo daquela época, dos acontecimentos que

aconteceu em nossa comunidade”.

Semelhança também em Zola (1987, p. 470), onde Etiene “começou a

falar com toda a tranqüilidade dos seus mortos [...] houve um momento em que era

capaz de acabar contigo, depois de todas aquelas mortes. Mas refleti e acabei

dando-me conta de que, afinal ninguém tem culpa [...] não tens culpa, a culpa é de

todos”.

Prosseguindo em sua narrativa, Ademar mostra os túmulos de adultos

no cemitério de Guatá e aponta e diz que homens jovens morreram nas minas:

“matou na hora esse rapaiz”, e “aqui em cima também tem um rapaiz que morreu”,

ainda “foram só juntando os pedaços dele”, ou “uma espuleta detonou e jogou o

rapaiz mais ou menos uns 40 metros longe, num monte”, ou “esse rapaiz aqui

morreu ele e outro”, e assim por diante...

Como diz Benjamin (1992), é fundamental preservar a memória

daqueles que não têm lugar nos manuais de história; salvaguardar seus

testemunhos e depoimentos.

Gonçalves (2003a, p. 8) sobre tal assunto escreve que a morte era

“normal” na região, ou seja, banalizada. As criancinhas (menor de um ano) eram

15 Inflamação das membranas delgadas que revestem o cérebro e a medula espinhal, causadas por bactérias e bacilos (O LIVRO DA SAÚDE, 1976, p. 684).

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consideradas como o “anjinho que Deus chamou ao céu”. Gonçalves (1989, p.

141), conta ainda que a instituição Igreja justificava e explicava essas ocorrências

da seguinte maneira: “Deus leva as criancinhas porque gosta delas”. As mortes

eram tantas que havia enterros em série.

O processo de “banalização da morte” embrutece os sentimentos. O

sofrimento é tanto que embota qualquer expressão de dor. A conseqüência é que

leva a uma acomodação, à falta de motivação de lutar por melhores condições.

Como coloca Minas (1988, p. 22), “se a mina cobra o seu preço, destruindo a saúde

e às vezes matando, em troca oferece alguma segurança e um salário razoável”.

A constatação é que o mineiro acredita no perigo, e reza para Santa

Bárbara (santa dos mineiros) protegê-lo, antes de “baixar a mina” (ir trabalhar na

mineração de subsolo).

Apesar de “banalizada”, a morte também era temida; os mineiros faziam

o sinal da cruz antes de “baixar a mina” e são devotos de Santa Bárbara. Há duas

grandes festas na região carbonífera em homenagem a Santa Bárbara, sendo uma

no bairro Santa Bárbara em Criciúma e outra no distrito de Barro Branco em Lauro

Müller. O dia quatro de dezembro é feriado nestes dois municípios por que é o dia

da Santa. Ainda hoje é comum ver nas casas de mineiros ou ex-mineiros um

quadro de Santa Bárbara na parede.

Fonte: Foto cedida por Déborah Vargas Bauer (2005) Figura 9: Santa Bárbara (Santa protetora dos mineiros)

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Ser mineiro é estar sujeito a condições rudes de trabalho, tendo no

cotidiano das minas o convívio com a morte.

Assim, o homem parece ser descartável como uma laranja, em que o

bagaço é jogado fora.

Hoje seu Ademar vive no distrito de Guatá, está aposentado, mas cuida

do cemitério e gostaria que houvesse uma lei para o tombamento do mesmo, já que

grande parte da história do carvão está ali, enterrada.

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“CLARK KENT” NA SUPERFÍCIE E “SUPER HOMEM” NO

SUBSOLO

Fonte: Guia Médico Saúde São José (2004). A estátua do mineiro de carvão que se encontra no centro da foto está localizada na praça Nereu Ramos, centro de Criciúma-SC, já a composição paisagística vegetal localiza-se no bairro Próspera, Criciúma-SC. Esta foto foi montada para o encarte do Guia Médico do Plano de Saúde São José (Hospital São José). Figura 10: Foto do monumento em homenagem aos mineiros de Criciúma-SC

“Eu sempre dizia que eu queria trabalhá na mina, o meu

sonho era trabalhá na mina” (Dirlei Borges).

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4.4 “Clark Kent” na superfície e “super homem” no subsolo

Vermelho (Dirlei Borges), nasceu na Linha Batista, interior do município

de Criciúma, uma região que sofreu graves agressões ambientais, devido à

extração do carvão, e hoje ainda existe uma luta por parte da comunidade no

sentido de que não haja a instalação de uma indústria de lixo industrial, luta esta

justificada, tendo em vista que o sofrimento pela poluição remonta de vários anos.

Apesar de que sua mãe ter sido contra o trabalho nas minas de carvão,

por motivos óbvios, Ademar foi mineiro de carvão.

Ademar Borges prefere ser chamado de Vermelho.

Vermelho foi um apelido que lhe deram na mina. Lá todos são

apelidados e só se conhecem pelo apelido. Os apelidos variam de nomes de

animais até obscenidades, como as descritas por Jorge Feliciano em seu livro

Memórias de um Comunista Casual.

Os apelidos são considerados pelos mineiros como um rito necessário,

para identificá-los no interior da esfera de trabalho e como uma forma de

perceberem o outro e a si mesmo, de uma maneira diferente do cotidiano.

O apelido serve para confirmar ainda mais as diferenças entre o mundo

do subsolo e a dura realidade da superfície. Na mina os mineiros esquecem por um

período, a “vida limitada” aqui de cima. Lá ele é respeitado e tem a sua auto-estima

alimentada. Possuem uma vida dupla, ou seja, a da superfície e a do subsolo.

O trabalho nas minas pode ser considerado pela maioria como duro e

insalubre, mas a vida “lá em cima”, também é difícil, devido a todas as influências

positivas e negativas do ambiente.

Entretanto, na entrevista concedida, o Sr. Vermelho, em nenhum

momento relata as dificuldades de uma forma negativa. Todas as dificuldades

foram um processo natural de seu trabalho e de sua opção de vida. Sempre foi em

forma de aprendizado, crescimento e auxílio e defesa aos colegas da mesma

categoria e classe social de origem. Como ele mesmo coloca: “eu fui preso

também, por que eu defendia o trabalhador, sempre vou defender, não mudei

nada”.

Vermelho sempre teve esta forte motivação em defesa dos

trabalhadores. Vindo de uma família pobre, esta defesa tem sua fundamentação no

princípio de não concordar com que ele e os seus semelhantes tenham suas

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necessidade básicas não resolvidas ou não atendidas, como alimentação, moradia

e salário justo.

O trabalho tem sua raiz latina associada a atividades nobres. “Labor”

em latim16, que deu “lavoro” em italiano, “labour” em inglês, e que, em português

aparece apenas na forma mais aristocrática de labor, laborioso. Neste sentido, o

trabalho é percebido como uma atividade que transfigura (e degrada) a natureza,

colocando-a a seu serviço (e ao homem como o centro do universo).

Para o cristianismo, o dever de trabalhar tem uma dupla vocação que o

homem recebe de Deus. A primeira que é a de completar e prolongar, pelo

trabalho, a obra criadora e segundo, a vocação de realizar a sua própria plenitude,

pelo desenvolvimento de suas energias físicas e espirituais.

Além disso, toda a tradição bíblica cristã, não esquece que todo

trabalho é penoso, e ela assume esta pena, dando-lhe um valor de purificação, de

reparação e de redenção, como na célebre frase: “comerás o pão com o suor de

teu rosto”, ou “quem não trabalha não merece comer”.

Além dessa conotação simbólica, para o Sr. Vermelho, o trabalho o

transporta para um mundo recriado no subsolo onde o cenário e o personagem se

modificam. Embaixo é um ator social reposicionado e é nesse papel que vermelho

se sente valorizado, com um certo poder e liderança. Não chega a ser um líder

como Mateu em Germinal (ZOLA, 1987, p. 156), que busca a conscientização

política dos colegas.

Ao mesmo tempo em que o trabalho é um dever, para ele passa a ser

um direito.

O Sr. Vermelho não é como a maioria das pessoas, pois apesar de

aposentado, decidiu continuar a trabalhar. Um trabalho na Prefeitura Municipal de

Criciúma, na área financeira e outro em uma farmácia de sua propriedade que aos

poucos está estruturando. Muitas pessoas param e não sabem o que fazer com a

vida de aposentado, o que as leva à depressão. São como descritos por Minarelli

(1995, p. 22), “são como aves nascidas livres e criadas em cativeiro que, diante da

gaiola aberta e da imensidão do espaço à frente, não sabem alçar vôo”.

Vermelho relembra que “na mina é assim mesmo oh: é um trabalho de

companheiro, todo mundo brinca, todo mundo é batizado, tem seu apelido, igual eu

tenho o meu, mas olha, não existe lugar melhor prá trabalhar, de companheirismo,

16 Os povos imperiais, italianos, ou não dominados conservaram a raiz latina associada a atividades nobres (PEQUENA ENCICLOPÉDIA DE MORAL E CIVISMO, 1972).

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de tudo”.

Essa integração social teve utilidade 16 anos depois, quando Vermelho

assumiu funções no Sindicato dos Mineiros de Criciúma.

Mas um dos fatores que o levou a assumir essas funções foi quando se

deparou com o peleguismo17. Coloca que: “naquele tempo o sindicato era muito

atrelado ao patrão. Quem era o ex-presidente daqui era um tal de Janga, [...] que

vendia a data base”.

O Sr. Vermelho sempre foi contra essas “habilidades especiais” em

transformar situações em oportunidades favoráveis aos próprios interesses, sem

levar em conta as exigências de coerência consigo mesmo e com os próprios

princípios morais.

O oportunista muda, ou pode mudar de convicções ao sabor dos

acontecimentos, procurando sempre tirar vantagem pessoal por uma adesão

imediata àqueles que estão na posição de comando.

Sua posição foi de defesa ao trabalhador, o que lhe rendeu uma prisão:

“eu fui preso também, porque eu defendia o trabalhador”.

Através dessa agitada vida no subsolo e depois na superfície, Vermelho

foi um defensor da liberdade substantiva. Na perspectiva de SEN (2000), as

liberdades substantivas estão ligadas aos direitos básicos (saneamento, moradia,

saúde, educação). O Sr. Vermelho sempre lutou e ainda luta pelos direitos,

principalmente os direitos políticos.

Durante a entrevista a posição do Sr. Vermelho sempre foi defendendo o

trabalho e a mineração, sem citar ou comentar sobre os problemas sócio-

ambientais. Indagado sobre este assunto, o mesmo falou que “hoje não existe

poluição [...] a consciência dos empresários e a turma do meio ambiente de 1996

prá cá estão cuidando muito”.

Podemos observar dois aspectos: um é que para ele, enquanto estava

na ativa, nas atividades do sindicato ou mineração, os problemas sócio-ambientais

da atividade simplesmente não existiam. Existia sim o medo de perder o emprego,

dele e dos companheiros. Em segundo lugar, ele se refere aos empresários que

estão mais conscientes, entretanto o que ocorre é que a população também está

mais consciente e fazendo se valer de seus direitos, os quais inclusive fazem parte

17 PELEGO: na gíria política, denomina-se pelego o chefe sindical oportunista, que entra em conclavos políticos para obter vantagens pessoais. Os pelegos azuis faziam o jogo dos líderes patronais (PEQUENA ENCICLOPEDIA DE MORAL E CIVISMO, 1972).

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do Capítulo VI, artigo 225 da Constituição Federal18. Quando se refere à turma do

meio ambiente seria principalmente a FATMA (Fundação do Meio Ambiente),

presente em Criciúma.

Entretanto, “mesmo com a turma do meio ambiente cuidando muito”,

conforme cita o entrevistado, os problemas sócio-ambientais ainda estão presentes

na região carbonífera. Os problemas administrativos são enormes na FATMA, como

falta de funcionários, veículos e verba para viagens. Na percepção do Sr. Dirlei

Borges, somente a conscientização ambiental poderá reduzir a degradação

ambiental na região carbonífera de Santa Catarina.

18 ART. 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1999, p. 122), “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

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TOMANDO BANHO NAS CRATERAS ABERTAS PARA A

EXPLORAÇÃO DAS MINAS

Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 11: Foto de uma das muitas lagoas de mineração localizada no bairro Sangão no município de Criciúma–SC

“Íamos tomá banho nos poço de mineração, aquela água

bonita, verde, às vezes azul, e se tomava banho naquela

água” (Tarciso Pereira).

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4.5 Tomando banho nas crateras abertas para a exploração das minas

O Sr. Tarciso,19 nasceu na localidade de Santana, município de

Urussanga-SC. Hoje, aos 49 anos de idade, relembra fatos que marcaram sua

infância, principalmente entre os 7 e 12 anos. Conta que ainda hoje 80% dos seus

sonhos são povoados pelos fatos deste período, que ao mesmo tempo era de um

contato em condições das mais adversas em termos de poluição e contaminação.

As suas caminhadas pelas matas com os amigos ainda estão fortemente presentes

em sua memória. Apresenta-se um forte contraste entre degradação e preservação.

Descreve ainda que seu pai, após vários anos, conseguiu ser

promovido a mineiro. Conta que havia “os ajudante de minero, tinha os minero e

tinha os capatazes”. Volpato (1984, p. 78), descreve que “os trabalhadores em sua

maioria, 70%, aspiram a uma promoção profissional na empresa”, ao relatar sobre a

mobilidade de emprego como ascensão ou descida na hierarquia profissional no

trabalho dos mineiros.

A respeito dos cargos e trabalhos desenvolvidos nas minas de carvão

de Criciúma e região, Volpato (1984, p. 50-61), estabelece que haviam os

“madereiros” que tinham a função de garantir a segurança do teto, os “furadores de

frente” que perfuravam furos de até 2,5 metros de profundidade, os “queimadores”

que carregavam os furos com dinamite e estopim, os “puxadores” que enchiam as

vagonetes e limpavam as frentes de trabalho, além dos encarregados, capatazes,

chefes de divisão, engenheiros, bombeiros, técnicos de minas, ajudantes,

construtores de trilhos, eletricistas, fiscais, supervisores de produção e mais tarde

operadores de máquinas e técnicos de segurança do trabalho.

Nesse sentido, o pai do Sr. Tarciso se enquadrava como mineiro

profissional da extração do carvão, que eram aquelas pessoas que detinham o

conhecimento, além de exercer o controle sobre ele mesmo.

Uma das atividades não citadas por Volpato (1984), nos capítulos sobre

os cargos e trabalhos das minas é o de escolhedeiras, entretanto, o Sr. Tarciso

coloca que “tinha muitas mulheres que trabalhavam como escolhedeiras”, no local

de sua infância.

Carola (2002), aponta que em todas as minas no período por ele

pesquisado (1937-1964), a força de trabalho feminina estava presente. O trabalho

19 Tarciso Pereira foi entrevistado em 23/06/2004.

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era peneirar o carvão graúdo para separar o fino (moinha). Antes de efetuar esta

separação, o carvão era colocado sobre uma mesa de escolha com uma pá. As

escolhedeiras utilizavam uma pequena picareta para separar ou arrancar as pedras

que vinham com o carvão. Havia um caixote para colocar o carvão escolhido. A

tarefa básica era retirar o folhelho20 e a pirita do carvão bruto.

O Sr. Tarciso também relembra que “o cheiro da pirita a gente sentia na

Santana intera, por que a mina era dentro da comunidade. Aquele cherinho gostoso

de pirita”. Ao utilizar essa linguagem simbólica, essas recordações lhe trazem as

boas lembranças de sua infância. Entretanto, estes anidridos de enxofre (SOx),

ocasionados pela queima de enxofre, refletem em problemas respiratórios, irritação

dos olhos, corrosão de metais, afetando também o desenvolvimento de vegetais

além de provocar a chuva ácida, presente na região. Conforme Gralla (2004), a

chuva ácida ocorre com pH entre 5 e 2,2 e tem efeito corrosivo, causa problemas

de saúde, reduz a fertilidade dos solos, morte de florestas e desfaz a base da

cadeia alimentar, dentre outros.

O Sr. Tarciso, conta ainda que “íamos tomá banho nos poço de

mineração [...], aquela água bonita, verde, às vezes azul [...] e se tomava banho

naquelas águas”. A água a que ele se refere é proveniente de drenagem ácida de

mina, é a água contaminada que escoa das minas e atingindo muitas vezes os

corpos d’água, e se mantém retida em forma de açudes na superfície.

Os açudes formados pela drenagem ácida21 têm caráter nocivo e quase

que totalmente desprovidos de vida, podendo alcançar os lençóis freáticos,

comprometendo os mananciais. Essa poluição resultante de uma ação antrópica

ainda não possui uma solução eficaz para a neutralização desse passivo ambiental.

Conforme CARVALHO e FERREIRA (2004), o fenômeno da drenagem

ácida ocorre pela colocação ao ar livre de rejeitos sólidos, provenientes de

atividades de mineração (ganga). Os minerais ricos em enxofre (na forma de

sulfetos), sofrem um processo de oxidação natural e em contato com água ou

umidade produz ácido sulfúrico no local. As águas contaminadas são acumuladas

nas bacias de efluentes (crateras abertas durante a exploração da mina).

Sobre este assunto, Gebhart (apud GUTBERLET, 1996, p. 129),

acrescenta que “dependendo da toxicidade do metal ou de seus compostos, as

20 Folhelho: “rocha sedimentar constituída com predominância de argila compacta e que tem a tendência a dividir-se em folhas. Apresenta cores variadas, de acordo com os componentes acessórios presentes em sua composição” (BARSA, 2001, p. 449). 21 A drenagem ácida de mina é a retirada de água das minas (VEROCAI, 2002).

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conseqüências alcançam desde leves disfunções até efeitos mutagênicos,

cancerígenos e teratogênicos22”.

O mesmo autor ainda elucida que a absorção se dá pelo intestino,

pulmão e pele e os íons ou compostos metálicos distribuem-se através do sangue,

acumulando-se nos órgãos e tecidos.

Sobre a preocupação dos pais no futuro dos filhos (da região de

Santana), o pensamento era: “vão prá cidade que lá eles vão aprende a sê

mecânico [...], ajudante de eletricista”. Segundo Volpato (1984, p. 79), a ocupação

profissional que os mineiros aspiravam para os seus filhos apresentava a seguinte

distribuição: nível superior 48%; operário com profissão 19%; trabalhador de

escritório 14%; ocupação independente 8%; mineiro 4%, operário de indústria

1,55% e sem resposta 5,5%.

Por mais que se diga que o carvão é bom, na realidade é apenas uma

fatalidade. Prova disso é que apenas 4% dos mineiros entrevistados gostariam que

essa profissão fosse para seus filhos e que também somente 4% estariam

satisfeitos com o trabalho nas minas. As maiores razões para que os mineiros

continuassem na atividade era a aposentadoria aos 15 anos de trabalho e o nível

salarial que não conseguiriam em outras atividades, já que não possuíam um nível

educacional.

Outro aspecto relatado pelo Sr. Tarciso é a falta de cuidados com a

higiene, quando diz que “agente brincava naquela água de boero. Não tinha nem

noção de leptospirose23, e tinha rato prá diabo lá, era tudo normal“. Sobre este

assunto, o IPT/CEMPRE (2000, p. 245) (Instituto de Pesquisas

Tecnológicas/Compromisso Empresarial para Reciclagem), esclarece que:

[...] o lançamento de esgoto sanitário de efluentes líquidos ou pastosos é considerado especialmente perigoso e representam riscos à saúde pública e à qualidade ambiental [...] e proporciona poluição e contaminação de corpos de água, possibilita a proliferação de doenças veiculadas por diversos vetores. Ocorre proliferação de mosca doméstica, mosquitos, baratas, roedores. Estes servem de hospedeiros para os agentes transmissores de doenças. A mosca doméstica é responsável pela transmissão de doenças veiculadas por bactérias, vírus, protozoários e helmintos, ultrapassando 100 sp. patogênicas. A amebíase é transmitida aos humanos pela barata, os roedores

22 Produção de monstruosidades (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985). 23 Leptospirose é uma doença infecciosa que ataca roedores, cães, o gado lanígeno, vacum, suíno e outros animais e pode ser transmitida ao homem através das excreções dos animais infectados. A leptospirose é provocada por várias espécies de espiroquetas que podem penetrar no organismo com os alimentos ingeridos ou através dos pulmões e dos olhos, ou ainda de um ferimento ou de uma abrasão. É contra indicado tomar banho em charcos e locais freqüentados por animais (O LIVRO DA SAÚDE, 1976, p. 667-668).

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leptospirose e salmonelose e o mosquito a febre amarela e a dengue. Embora fosse possível dispor os esgotos sem grandes gastos e de

maneira que o perigo de transmissão de moléstias por poluição não só dos cursos

de água superficiais, como também do solo, de animais domésticos, de insetos

vetores, seja eliminado ou reduzido ao mínimo, essas práticas não eram usuais e

se tornavam foco de permanente disseminação de doenças.

A falta de saneamento básico era uma premissa nas vilas operárias da

região carbonífera. Não havia, como diz Campos (apud GONÇALVES, 2002),

nenhuma preocupação com o meio ambiente tanto natural como ao meio ambiente

urbano. Por isso a grande mortalidade infantil nas décadas de 1940-1950

(CAROLA, 2002; GONÇALVES, 2002).

O desenho efetuado pelo Sr. Tarciso o remete às memórias de sua

infância.

Fonte: Desenho a mão livre do Sr. Tarciso Pereira Figura 12: Desenho do local da infância - feito por Tarciso (2004)

A contradição se expressa concretamente no desenho, ou seja,

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natureza e degradação. A vegetação nativa da mata atlântica que foi substituída por

reflorestamento de eucalipto representa para ele a natureza. Também trouxe para

sua paisagem o Jerivá (Syagrus romanzoffiana), coqueiro típico da mata nativa da

região. Hoje essa árvore enfeita a principal avenida de Criciúma (av. Centenário). A

igreja católica, hegemônica na região carbonífera também é representativo. O lazer

é o “campinho” de futebol e o banco onde ele e seus amigos sentavam para

conversar. Relembra ainda a presença das samambaias.

Essa vegetação é típica de solos desgastados pelo sobre uso. São

solos pobres em nutrientes químicos e vida. São solos ácidos (GUIA RURAL

ABRIL, 1986).

Hoje o Sr. Tarciso reside em Criciúma, mas suas memórias em relação

à infância são fortes e presentes. Apesar de todos os problemas ambientais e

poucos recursos financeiros, ele guarda boas lembranças de sua infância.

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MELHOR COM O CARVÃO. O CARVÃO É QUE DÁ DINHEIRO.

HÁ VÁRIAS PESSOAS SEM EMPREGO EM CRICIÚMA

Fonte: Foto: GARÇONI e PRIMO, (22/12/2004), p. 41. Figura 13: Foto de uma família pobre que também pode representar parcialmente a atual situação dos ex-mineiros da região carbonífera catarinense

“O desemprego, prá quem tem filho é fatal né, qualquer tipo

de emprego é bom [...], tem muita gente desempregada,

tem muita gente passando fome [...]. Então, continua assim”

(Neusa Geremias).

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4.6 Melhor com o carvão. O carvão é que dá dinheiro. Há várias

pessoas sem emprego em criciúma

Dona Neusa, hoje aos 60 anos, é natural de Lauro Müller - SC e não

possui lembranças das brincadeiras normais de crianças durante sua infância.

Iniciou sua narrativa já descrevendo os trabalhos duros da escolha do

carvão e de quando era fiscal das escolhedeiras, o que denota uma lacuna, entre a

infância, adolescência e o casamento. Na infância escolhendo e separando o

carvão, na adolescência como fiscal de 54 moças e aos 16 ou 17 anos casou, indo

ao “confinamento” do lar, período este no qual nada registrou de lembranças

durante a entrevista.

“Comecei a trabalhar bem nova, bem nova mesmo. Acho que com uns 8

ou 9 anos24”.

Ela iniciou a trabalhar por volta do ano de 1951, em um período que as

companhias mineradoras, teoricamente só admitiam funcionários (as) com idade

superior a 14 anos.

Sobre os estudos comenta que “eu quase nem estudei nada”. Neste

período, na região carbonífera, quando o papel útil era o trabalho sem qualificação,

as pessoas não encontravam finalidades úteis para o ensino.

O importante era auxiliar na renda familiar para sustentar a ela e mais 6

irmãos.

Dona Neusa lembra que trabalhava em uma empresa de extração de

carvão, mas não sabia o nome da empresa.

Ela complementa que “não era em uma mina, era na escolha [...] eu não

era mineira, eu era coletora naquela época”.

A criança-mulher se submeteu ao trabalho para garantir a subsistência,

sem se importar para quem trabalhava e, portanto, sem perspectivas de lutar por

melhores salários ou condições de trabalho e também alheia aos acontecimentos

do “mundo exterior”.

Segundo Saffioti (1979, p. 306), a mulher é vista como “defensora da

organização familial e da ordem moral, nas quais a criança deve aprender ser um

adulto”.

24 Dona Neusa Geremias foi entrevistada em 16/06/2004.

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Dessa forma, com o passar dos anos, não muitos, aos 14-15 anos,

Dona Neusa já era fiscal, em um nível de ascensão máximo para as mulheres da

época, nessas companhias de mineração. A dificuldade do trabalho, a necessidade

de trabalhar desde tenra idade, o trabalho árduo, a responsabilidade que passou

quando era fiscal de 54 mulheres, ocasionou um enrijecimento25 dos sentimentos, o

que se transformou num componente nuclear de sua personalidade. Este

enrijecimento também pode ser sentido ao se conversar com a entrevistada.

Relembra que quando casou aos 16 ou 17 anos, o esposo não a deixou

continuar trabalhando. Nesta época, o trabalho para ela já poderia ser considerado

como uma afirmação individual, pois possibilitava renda e convívio social.

Na concepção de Neusa, o trabalho de escolhedeira era indicado para o

sexo feminino, tendo em vista que elas “tinha mais facilidade, porque os homem

ficava nas mina e arrancava carvão, e as mulhé eram mais sensível”.

Para Souza-Lobo (1991, p. 19), “habilidade, destreza, comportamento

minucioso, são qualidades próprias da mão-de-obra feminina”, possuindo assim,

neste caso, mais perspicácia e sensibilidade para a separação do carvão.

Dona Neusa havia sido escolhedeira, fazendo a separação do carvão e

depois fiscal das escolhedeiras. Sobre as particularidades desse trabalho, ela

esclarece que:

[...] era uma caixa grande que tinha, aí era separado o

carvão do metal, da pedra, do xistro26, daí saia o carvão

limpinho; aí agente separava o metal para um lado, a pedra

para um lado, o xistro para outro lado [...] se o carvão

tivesse sujo, voltava para tráis, agente tinha que escolher

de novo aquele carvão, ver o que tinha de pedra, de xistro e

separar tudo de novo.

A descrição do serviço de fiscal, na narrativa acima, começa quando

cita que se o carvão estivesse sujo, teria que retornar para trás, isto é, teria que ser

25 Esse enrijecimento de sentimentos constitui um mecanismo de defesa do ego. As defesas surgem “para descrever a luta do ego contra idéias ou afetos dolorosos ou insuportáveis” (FREUD, 1983, p. 36). Sobre este assunto, Friedman (2004, p. 80), diz que os mecanismos de defesa são processos que distorcem a realidade para “proteger o ego contra as pulsões dolorosas ou ameaçadoras que vem do id”. 26 Xisto: “Designação genérica de rochas metamórficas de estrutura de granulação média a grossa, de estrutura folheada que tende a separar-se em placas finas e irregulares” (BARSA, 2001, p. 573).

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novamente escolhido, até que não tivesse mais as impurezas que pudessem

comprometer a comercialização do mesmo.

Na semelhança com outra entrevistada, Dona Geni, a carreira de Neusa

como fiscal das escolhedeiras se encerrou ao casar, “e ainda não fiquei trabalhando

por que meu esposo não deixou”. A funcionária que ficou no lugar de Neusa não

sabia realizar o trabalho corretamente e então a companhia solicitou o seu retorno,

“mas o meu esposo não deixô, pagavam mais prá mim ficar, mas ele não deixô,

então continua assim né”.

Segundo Saffioti (1979, p. 181), “no meio urbano, a mulher chega

mesmo a perder com o casamento algumas de suas liberdades”, ao se referir das

diferenças entre o trabalho nas cidades, em empresas e no meio rural.

Na época, o comportamento e até atitudes inocentes poderiam ser

prejudiciais à mulher casada.

Além do casamento, a ausência de qualificação e de estudo eram

fatores para restringir as mulheres, quando em busca das aspirações de ascensão

profissional.

No aspecto ambiental, Neusa fez uma observação sobre paisagem,

sendo que o que é bonito é a paisagem e o feio para ela, ou degradado, não tem

denominação. Quando relembra da localidade de Barro Branco, Município de Lauro

Müller - SC, observa que “as minas ficavam para outro lado e as paisagem ficavam

para cá”. O que é “feio“ não é paisagem e ela reforça seu pensamento dizendo que

atualmente, “tá mais feio do que há 40 anos atrais, desmatamento, água com

ferrugem vermelha”.

Há 30 anos, reside na rua Jaguaruna no Bairro Maria Céu, em uma das

periferias pobres de Criciúma - SC.

Ela defende a mineração e a abertura de novas minas, pois a falta de

emprego e a fome estão presentes no cotidiano de seu bairro que também é

habitado por vários ex-mineiros.

Diz que “tem muita gente desempregada, tem muita gente passando

fome”, em seu bairro.

Na época do auge do carvão, o trabalho na mineração era o sonho

almejado por diversas pessoas, frente a uma vida limitada em recursos financeiros.

O sonho de autonomia27 era o sonho de trabalhar na mina. Ali é que

27 Para SEN (2000), a pessoa autônoma é aquela que tem liberdade substantiva. E liberdade substantiva significa ter acesso aos direitos sociais.

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seria a libertação pelo trabalho e pelo dinheiro que esse trabalho proporcionaria,

melhorando o padrão de vida de famílias que eram quase sempre numerosas.

Além do mais, na mina havia o companheirismo, que na vida da

superfície muitas vezes não era encontrado.

No caso da entrevista concedida por Dona Geni Bitencourt Daniel, o

companheirismo era durante o processo da escolha, quando elas tinham liberdade

para conversar e cantar.

Portanto, o “sagrado” era o emprego. E tudo era minimizado em função

do emprego, que era idolatrado, pois trazia o dinheiro que a encantava e

solucionava vários problemas.

O desemprego é a fonte de graves prejuízos econômico-sociais,

espirituais e morais, conforme discorreu em sua entrevista Dona Neusa.

A narrativa de Dona Neusa nos remete a Damergian (2001), ao falar do

migrante nordestino que habita a periferia de São Paulo. Segundo Damergian, o

trabalho penoso, as regiões áridas do sertão nordestino, a incompetência ou a

carência do estado na administração dos problemas sociais leva à insensibilidade

dos políticos e administradores, que com essa atitude contribui para a promoção da

miséria, das desigualdades, do sofrimento e da morte dos seus semelhantes.

Essa atitude de conformismo frente a situações adversas tem um efeito

devastador no plano simbólico. As pessoas perdem a esperança e têm consciência

da inviabilidade de realizar seus projetos de vida desejados. Assim, segundo Gans

(apud DAMERGIAN, 2001, p. 99), deixa claro essas questões:

A derrota política dos pobres é tão acachapante nas sociedades pós-industriais que eles próprios acabam se convencendo de que são um peso para a comunidade e não merecem mesmo que os mais favorecidos se sacrifiquem por eles [...] Evidências como essas me levam a acreditar que uma guerra contra os pobres está conseguindo, pela primeira vez neste século, matar o espírito e rebaixar o moral dos perdedores da guerra econômica [...] Tem de haver comprometimento a longo prazo para quebrar o ciclo que perpetua a pobreza e seus problemas. Pobre tem professor pobre, advogado pobre, médico pobre. Eu insisto em que é preciso quebrar o ciclo da pobreza, não apenas remediá-lo eternamente.

Podemos corroborar essa citação de Damergian (apud GANS, 2001),

lembrando que vários estudos na região carbonífera, como os de Carola (2002),

Volpato (1984), Gonçalves (2002), que colocam que há no imaginário coletivo da

população dessa região, a necessidade de ter alguém que decida, que proteja.

A população parece reproduzir àquela relação servo-senhor da idade

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média.

No passado os mineradores eram os donos das terras, das minas, da

água, dos armazéns, do trem, das escolas e influenciavam arbitrariamente a igreja

católica. Até para fazer uma casa era necessário solicitar autorização à Companhia

Carbonífera. A conta da luz era paga nos escritórios das Companhias.

Essa relação de dependência fez com que grande parte da população

da classe trabalhadora se sentisse um nada.

Assim, segundo Damergian (apud GANS, 2001), cria-se a ideologia dos

vencedores, visão social do Darwinismo, como resultante da vitória dos mais aptos

e a introdução de um modelo de fracasso por parte dos perdedores (os pobres).

Hoje a Dona Neusa somente relembra o passado, em sua casa,

morando sozinha e critica a situação econômica de Criciúma e do Brasil já que ela

presencia no dia a dia os problemas ocasionados pela falta de emprego.

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PRODUZIR PARA QUE? PARA QUEM? PROSPERAR POR

QUÊ? CRESCER COMO?

Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 14: Foto dos trilhos de trem ainda remanescentes da Ferrovia Dona Tereza Cristina no bairro Rio Maina, no município de Criciúma - SC

“Morava ali perto do campo do Criciúma, ainda tinha cerca

de madera, e daí desse trajeto a gente passava pela

estrada de ferro [...] eu me lembro da pirita exposta, os

trens passando e toda aquela situação de degradação, e

ninguém se importava com isso né, ninguém se importava

com isso” (Jairo Viana Júnior).

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4.7 Produzir para que? Para quem? Prosperar por quê? Crescer como?

O Sr. Jairo28 nasceu em Laguna - SC, que teoricamente não faz parte

da região carbonífera, entretanto como a poluição não tem fronteiras, deveria estar

incluída, já que a lagoa Santo Antônio dos Anjos que banha Laguna, recebe os

efluentes dos municípios de Tubarão, Braço do Norte, Orleans, Lauro Müller que

são poluídas devido à exploração do carvão e aos dejetos suínos.

O marco da infância de Jairo em Criciúma foi de uma cidade suja e com

mau cheiro, devido ao carvão mineral e à pirita29. Como ele conta que tinha “rejeito

exposto em tudo quanto era lugar, e a pirita queimando direto assim [...], eu me

lembro assim, tenho uma imagem muito negativa”.

Relembra Jairo, que em 1990, vários locais, onde era lixão e depósito

de pirita, foram ocupados por humanos: “toda ela ocupada onde era as mina de

depósito [...] todas elas foram ocupadas pelos mineros e famílias dos mineros, de

forma desordenada”.

Sobre esse assunto, Gonçalves (2002, p. 48) coloca que:

[...] a cidade, assentada sobre os rejeitos de carvão, exala odores de enxofre, fumegando nos dias úmidos como se fossem pequenos vulcões. A cidade cortada pela linha férrea que transporta o carvão. A cidade dos excluídos, não intitulados, dos homens sem liberdade dirigidos por outros; a cidade do lixão que hoje é bairro; a cidade de barracos que hoje são casas, a cidade encontro de diferenças e de contradições. A cidade onde o sujeito vive e produz sua subjetividade, interage com outras subjetividades. Lugar onde expõe seu corpo põe sua marca, produz a cultura. A cidade produzida e consumida. A cidade de fruição e frenesi onde o ser humano pode viver ou sobreviver, lugar ao mesmo tempo desejado e temido. A cidade é um lugar do espaço.

A cidade de Criciúma foi construída de forma desordenada em todos os

sentidos, tanto no planejamento como nos cuidados com o meio ambiente. Toda a

região carbonífera, ainda sofre os impactos negativos, principalmente sócio-

ambientais da exploração do carvão.

Jairo, em sua narrativa faz uma retrospectiva dos acontecimentos sócio-

ambientais do final do século passado. Nessa análise ocorre uma dissociação entre

homem e natureza, não por parte dele, mas pelos acontecimentos proporcionados

28 O Sr. Jairo Viana Júnior foi entrevistado em 23/06/2004. 29 Pirita é o sulfeto de ferro, que tem a propriedade de inflamar-se em dadas circunstâncias. (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985). “Mineral opaco, de brilho semelhante a ouro, porém frágil” (BARSA, 2001, p. 288).

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pelo capital, pelos detentores do poder ou os “coronéis do carvão”, como ele

coloca.

As colocações de Jairo acerca do lucro desenfreado, sem as

preocupações ambientais, onde ele se pergunta: ”produzir prá que? Prá quem?

Prosperar por quê? Crescer como?”, encontram embasamento nas considerações

de Montibeller, onde a natureza é vista como recurso ilimitado. É uma visão do

capitalismo, que “tem como finalidade última da produção, a autovalorização do

capital“ (MONTIBELLER FILHO, 2001, p. 35).

Nas visões teológicas do mundo Montibeller Filho (2001, p. 35), escreve

que na Idade média, a natureza sendo “considerada obra divina, seria inconcebível

que a ação do homem pudesse prejudicar a natureza; este não poderia produzir

danos irreparáveis na obra de Deus”. Parece que esse conceito ainda é percebido

até aos dias atuais.

Parece existir uma separação entre uma natureza humana e outra não

humana. Sobre esse assunto, Müller (apud MONTIBELLER FILHO, 2001, p. 32)

ressalta que:

[...] o idealismo transcendental de Kant e Fichte marcará o ponto final desse desenvolvimento, que priva a natureza de toda dignidade em si e a transforma no domínio exclusivo da causalidade mecânica. Com isso, está preparado o terreno para o desenvolvimento de suas idéias construtivas, para uma teoria do experimento científico, e, finalmente, para a radical oposição entre sujeito e objeto, que terá no dualismo cartesiano a sua expressão metafísica mais clara e será um dos pressuposto mais amplos da ciência moderna.

Enquanto a natureza for vista somente como recurso econômico, como

pregam as teorias neoliberais a degradação irá continuar e o ser humano

continuará na busca da felicidade.

Por outro lado, o entrevistado defende as premissas: poderá esta

cultura30 da sustentabilidade ou cultura do materialismo ser capaz de capaz de

garantir a sobrevivência na Terra?

Magalhães (apud LAYRARGUES, 1998, p. 43), é cético, e coloca que ”o

homem conquistará cada metro quadrado útil do planeta e depois irá para o

espaço. Em nossa escala, para minimizar os efeitos depressivos do capitalismo, é

preciso ser antiecológico”. Para esse autor (Magalhães), só existe a racionalidade

30 Para Krischle (2000, p. 29), na Conferência Mundial sobre política cultural, México 1985 “a [cultura] é o conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e emocionais, que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Inclui, além das artes e da literatura, modos de vida, direitos humanos, sistemas de valores, crenças e tradições”.

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econômica. Entretanto, essa atitude por certo leva à degradação desenfreada.

Nesta citação, continua ainda dizendo que “inclusive é preciso exaurir todas as

reservas de energia conhecidas o mais rápido possível, pois só assim serão

gerados recursos para [...] nossa expansão”. Esta frase cabe muito bem para

nossa região.

A exploração desordenada do carvão foi realizada em parte pelo próprio

Governo Federal, onde Jairo reflete: “prá que se explora carvão? Por que se

explora carvão nessa região ainda?”.

Sobre esta visão materialista e individualista, indiferente aos problemas

coletivos, Krischle (2000, p. 13), reflete que:

[...] em nosso contexto cultural parece hoje ‘natural’ que cada indivíduo e cada país atue, de forma competitiva ante os demais, buscando satisfazer a qualquer custo os seus próprios interesses materiais imediatos, independente dos efeitos de longo prazo, de suas ações e do ônus social para a humanidade, que certamente essas ações vem sempre acarretar.

O Sr. Jairo sempre teve consciência ambiental, e desde 1985, quando

ingressou na FATMA (Fundação do Meio Ambiente), esteve em “contato com as

questões ambientais, com questão de defesa do meio ambiente”, como ele coloca.

Ao mesmo tempo em que o homem aparece dissociado da natureza,

também aparece dissociado do meio ambiente, na visão da maioria das pessoas.

“O pessoal tá acostumado a viver na imundície, na sujeira”.

A lei nº 5.793, de 15 de outubro de 1980, em seu artigo 2º, inciso I,

(Santa Catarina, Estado, 2002, p. 51), conceitua meio ambiente como sendo a

“interação de fatores físicos, químicos e biológicos que condicionam a existência de

seres vivos e de recursos naturais e culturais”.

Para o Ministério do Meio Ambiente, meio ambiente significa: o ar, o

solo, a água; as plantas e os animais, inclusive o homem; as influências

econômicas e sociais que influenciam a vida do homem e da comunidade; qualquer

construção, estrutura ou objeto e coisas feitas pelo homem; qualquer sólido, líquido,

gás, odor, calor ou radiação resultante direta ou indiretamente das atividades do

homem; qualquer parte ou correlações anteriores e as inter-relações de quaisquer

dois ou mais deles (DICIONÁRIO DE MEIO AMBIENTE, 2002).

Independente de legislação, meio ambiente é a vida como nós a

conhecemos, inclusive sob o ponto de vista ético e a própria espiritualidade.

Estes conceitos foram inseridos para nortear a colocação do Sr. Jairo

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que “teve contato com questões ambientais, com questões de defesa do meio

ambiente”.

O Sr. Jairo continua na luta diária pela preservação do meio ambiente,

frente ao seu cargo de fiscal da FATMA em Criciúma.

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O CARVÃO DEU VIDA PARA CRICIÚMA

Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 15: Monumento em homenagem aos mineiros do carvão na Casa da Cultura localizada no centro do município de Criciúma-SC

“Dentro da mina era só homem, [...] trazia o carvão prá

fora, [...] os vagonete de madeira, [...] era sacrificoso, por

que até os trilho era de madeira; um vagonete grande;

enchia de carvão lá dentro e trazia prá fora prá escolha, daí

as moça, mulher, escolhia o carvão, tirava as pedras do

xistro” (Geni Bitencourt Daniel).

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4.8 O carvão deu vida para Criciúma

Dona Geni31 nasceu no município de Tubarão, estado de Santa

Catarina, no ano de 1918. De todos os entrevistados é o que possui idade mais

avançada.

Infelizmente ela não possui nenhuma fotografia para auxiliar no resgate

do passado e hoje não consegue mais segurar um lápis ou caneta devido aos

problemas de saúde.

Ela relembra da Mina Progresso - hoje rua João Pessoa em Criciúma -

SC, onde trabalhou a partir dos 15 anos de idade e conta que “dentro da mina era

só homem”, diferente de Zola (1987), onde as mulheres trabalhavam embaixo das

minas.

O serviço de Geni era no exterior da mina, reservado para as mulheres,

escolhedeiras32 de carvão. Ela relembra que:

[...] as moça, mulher, escolhia o carvão, tirava as pedras, o

xistro, e depois tinha que amontoar em 50 metros de altura

o carvão que era transportado por uma padiola. O morro

era tão alto que tinha uma escadinha de madeira e sarrafo

para não escorregar.

Geni gosta de morar em Criciúma. Sempre gostou e todos os parentes

vieram para cá também, quando ela veio de Tubarão.

De sua adolescência a imagem que guarda é do árduo trabalho nas

companhias mineradoras, onde começou a trabalhar por volta do ano de 1935,

entre os seus 15 e 16 anos de idade.

Possuía 14 irmãos. Hoje nenhum está vivo.

Em sua mocidade, ela conta que gostava de namorar: “Ah! Namorava,

nóis era muito marvada. Tinha uns italianinho muito bonito”. E continua, “ah!”

relembra ela olhando para o chão, nós “brincava, paquerava, inticava com eles,

mas eram muito encabulado, eles não davam bola né!“.

Sobre este assunto, Saffioti (1979, p. 179), escreve que “com a

31 Dona Geni Bitencourt Daniel foi entrevistada em 15/12/2003. 32 Escolhedeiras ou catadoras: faziam a seleção ou escolha manual do carvão (CAROLA, 2002, p. 26).

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urbanização e a industrialização, a vida feminina ganha novas dimensões, [...] em

virtude de se terem alterado profundamente os seus papéis no mundo econômico”.

E devido aos novos papéis da mulher no mundo fora do lar, “o namoro ganha

assim, feições totalmente novas” (IBDEM).

Nesta entrevista, bem como nas outras, não foram registrados casos de

promiscuidade, entretanto Carola (2002), relata que houve o medo da infidelidade

nas famílias mineiras e até havia um meio de transporte dos mineiros que era o

caminhão ou ônibus que recebia o nome de “cata-corno”.

Ao contrário de Zola (1987), que cita várias passagens em seu livro

Germinal sobre este assunto, como Philomène que era solteira e só pensava nas

farras com o amante e Etienne que quando foi morar na casa com Maheu

desabafou: “desde que começara a instruir-se, a promiscuidade da aldeia mineira

chocava-o”, ainda Zola (1987, p. 154), descreve que o amontoamento nas casas

“sempre terminava com homens bêbados e mulheres grávidas”. O excesso de

pessoas nas casas era motivado pela falta de moradia para as populações

mineiras.

Em Criciúma, o aspecto da moradia era diferente. Geni conta que

“morava já numa casa que a companhia mandava fazer”. No princípio as casas

eram cobertas com palha e barro. As repartições eram de barro.

O sistema de cobertura das casas com palha é, relativamente, eficaz e

tem uma durabilidade de 3 anos em média. A partir deste período o melhor é

efetuar a substituição. O material mais utilizado é o capim Santa Fé, abundante nos

banhados da região. Se a moradia for construída em um ambiente úmido e com

pouca luminosidade, a cobertura pode durar mais tempo, devido ao depósito de

folhas e liquens sobre o capim que serve de telhado. Nas paredes, além do teto,

também havia o problema da presença de insetos, principalmente aranhas, devido

à dificuldade de preencher todos os espaços com barro e às pequenas rachaduras.

Entretanto, segundo as memórias de Geni, devido ao irmão dela ter sido

amigo do chefe, ele “mandou fazer uma casa de madeira prá nóis”, semelhante a

casa da foto (figura 16).

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Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 16: Casa típica de operário mineiro localizada na rua do Peixe Frito, bairro Santo Antônio, no município de Criciúma-SC

Esta é uma das últimas casas em Criciúma neste estilo.

As companhias mineradoras efetuavam a construção de casas simples

para atrair trabalhadores para a mineração, junto ao novo eldorado do ouro negro.

Além das casas, todos os principais serviços pertenciam aos coronéis do carvão,

como os clubes de futebol, clubes de dança, as vendas ou armazém (local para

comércio de secos e molhados), as escolas, o que permitiu que esses coronéis

acumulassem riquezas suntuosas, ao contrário dos operários/as das minas

(CAROLA, 2002).

O discurso do novo eldorado do ouro negro encontrou eco,

principalmente devido à dificuldade de produção no setor agropecuário que

amargava perdas (como sempre se registrou em Santa Catarina), por intempéries e

dificuldades de comercialização das safras dos produtores rurais, os quais vieram a

se transformar, então, em mineiros (os homens) e escolhedeiras (as mulheres).

Acrescente-se a isso, que no período em que Geni trabalhou como escolhedeira,

ocorreu a Segunda Guerra Mundial.

Para Souza-Lobo (1991, p. 59), no contexto do trabalho da mulher na

mineração, o “discurso da fragilidade é impossível. O discurso desaparece como no

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caso das ‘guerras mundiais’, quando a mão-de-obra se torna necessária”.

Na discussão sobre a necessidade de aproveitamento do trabalho

feminino, nos momentos de crises, Saffioti (1979, p. 313), complementa que “a

mulher desempenha papéis que, naquele momento, o sistema lhe impunha”,

efetuando assim os trabalhos segundo as conveniências do sistema produtivo.

Neste período, era até quanto o corpo suportasse, já que os

pagamentos eram pelo sistema de comissão: “tinha que virar vinte, vinte e poucas

padiolas para ganhar um pouquinho mais”, relembra ela.

Conta que quando o “Getúlio33 entrou, botou o horário de serviço”, que

passou a ser das 08:00 h às 16:00 h.

O trabalho feminino era necessário, ainda mais que na família de Geni

havia 14 irmãos.

Em suas memórias, tudo era uma pobreza. “Era uma bacia, lavava

louça na bacia, tomava banho na bacia. Não tinha pia, não tinha nada, era uma

pobreza. Naquela época tinha muito mais pobreza do que agora. O que ganhava

não dava prá nada”, como em Zola (1987, p. 404), “o que havia era mais miséria,

isso sim! Miséria à vontade [...]”, quando Etienne escutava essa lamentação de sua

mulher.

Conforme Zylberstajn (1985, p. 96), “ser menor numa família pobre é

correr um grande risco de assumir, precocemente, importantes responsabilidades

econômicas”. O nível de renda das famílias é tão baixo que suas contribuições são

indispensáveis.

Para Zylberstajn (1985, p. 113), “a participação de mulheres na força de

trabalho significa que a família simplesmente se utiliza de todos os fatores

disponíveis para enfrentar a pobreza”. Geni, além de pobre, era mulher e menor de

idade em uma família numerosa. Nesse sentido, a mulher da época da mineração

foi considerada como um bem econômico (SAFFIOTI, 1979).

De acordo com Carola (2002, p. 32), “na mina havia também o cargo de

fiscal do carvão e fiscal de escolha. O primeiro fiscalizava o grau de pureza do

carvão que vinha do subsolo e o segundo o trabalho e o grau de pureza do carvão

escolhido pelas escolhedeiras”.

Mesmo com pouca idade, (em torno de 20 anos), Geni foi ser fiscal.

Pela sua narrativa, ela não era considerada brava, “tinha umas negrona grande,

33 Getúlio Dorneles Vargas: Presidente do Brasil de 1930 a 1945 e 1951-1954 (NOVO ATLAS UNIVERSAL, s/d, p. 6).

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aquelas eram bravas”.

Quanto aos cuidados pessoais, era utilizado o mamão aos finais de

semana, para “afinar e amaciá a mão”. As mãos ficavam sujas e calejadas do

serviço. Carola (2002, p. 150) relata que “utilizavam leite de figueira, leite de folhas

de mamão, cacos de telhas, coque, areia etc”.

Aos 22 anos de idade (em 1940), Geni casou, ficou em casa, foi lavar

roupa para terceiros, a fim de complementar a renda familiar. “Naquela época era

tudo bom”, relembra.

À semelhança de dona Neusa, a Sra. Geni também relembra as

dificuldades e situações de pobreza e conformismo frente à situação de miséria na

época.

Faltava praticamente tudo para que o ser humano desfrutasse a vida

com qualidade, como alimento, moradia adequada, saneamento, luz, água,

educação etc.

O que restava era o sonho frustrado pela dura realidade da pobreza.

Ter um emprego era considerado um ato de bondade proporcionado

pelos “coronéis do carvão”, que também eram os “donos” de seus corpos e suas

almas.

Não lhes restava um sonho para o futuro, a falta de perspectiva reinava,

já que o salário era baixo e a riqueza se concentrava nas mãos dos poucos

proprietários das minas e na maioria das vezes, eram desconhecidos pelos

funcionários.

Apesar de todos esses problemas, ela tem guardado em suas memórias

que naquela época tudo era bom.

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EM CRICIÚMA, A POLUIÇÃO, É LÓGICO QUE ACABOU!

Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 17: Carbonífera Belluno, localizada no município de Siderópolis-SC

“[...] a poluição, não tem nenhuma indústria que não polua,

agora o que nóis precisamos saber é que nóis precisamos

dessa indústria e nóis temos os meios de coibir essa

poluição [...]” (José Severiano).

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4.9 Em Criciúma, a poluição, é lógico que acabou!

Esclarecimentos iniciais: Fizemos questão de inserir o depoimento do

Sr. José34 é paraibano, geólogo e foge um tanto quanto do padrão dos demais

entrevistados (que nasceram na região carbonífera), por se tratar de uma pessoa

que exerceu atividades na área da geologia em diferentes países, mas é uma

testemunha comparativa sobre os problemas sócio-ambientais, enfrentados de

forma globalizada por diferentes tipos de mineração. Uma questão que não mudou

dos demais é a origem humilde e de uma classe social35 com poucos recursos

financeiros.

O Sr. José Severiano, apesar de ter nascido no interior da Paraíba,

distante até então dos problemas sócio-ambientais de Criciúma, é uma pessoa que

desde pequeno trabalhou em um serviço rude, que era a colheita de cana-de-

açúcar, atividade esta considerada por ele semelhante aos mineiros do carvão em

nível de esforço. Como relembra: “Trabalhá em canavial não é fácil. No nível de

esforço físico, quase que se assemelha ao trabalho de mineiro”. Não só em esforço,

mas em contaminação por venenos (defensivos agrícolas), além da queima das

lavouras, causando, muitas vezes, intoxicação por fumaça e poeira do canavial,

além de ser considerado muitas vezes um trabalho escravo, com baixa

remuneração e desprovido de benefícios sociais.

Com muita dedicação conseguiu estudar, concluindo o curso superior,

indo então para Recife, São Paulo e depois para a Rússia, onde se formou em

geologia, tendo conhecimento, portanto, também dos sistemas de lavras na Europa.

Reside em Criciúma desde 1970, período do auge do carvão e da poluição, por

conseqüência.

Conforme Minas (1988), na Europa a mineração é muito mais antiga do

que no Brasil, e lá existe uma tecnologia mais sofisticada e com mais recursos.

No Brasil, a extração em larga escala comercial possui em torno de 90

anos.

Quanto aos problemas ambientais, enfrentados mais especificamente

34 O Sr. José Severiano foi entrevistado em 25/06/2004. 35 “Classe social é um fenômeno que diz respeito às relações de produção de bens e serviços em um contexto histórico-social em que variáveis principais que interferem em sua constituição e dinâmica, assumem feições bastante específicas” (SAFFIOTI, 1979, p. 3). “Grupos em que se divide a maior parte das sociedades civilizadas conhecidas, diferenciadas pelas relações que mantém no processo produtivo e sua respectiva divisão do trabalho” (BARSA, 2001, p. 269).

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em nossa região, na narrativa do Sr. José, ele coloca que “eu acho que na cidade a

poluição, lógico que se acabô”, quando se refere a poluição gerada pelo carvão.

Entretanto, não se deve esquecer que poluição não tem fronteiras e os gases

liberados pelas reações químicas da pirita em Siderópolis, Urussanga, Treviso e

Lauro Müller principalmente, também se fazem presentes no município de Criciúma.

O Sr. José também coloca que “Criciúma tá uma cidade limpa”,

entretanto uma simples caminhada pelo centro e/ou bairros, denuncia uma grande

quantidade de lixo e a falta de infra-estrutura básica, quando o lixo já faz parte da

vida das pessoas, onde tudo parece normal, até a poluição. Várias pessoas

também relatam, que os problemas respiratórios se evidenciam, quando “dobram o

trevo” de acesso a Criciúma (deixando a BR-101).

Para o Sr. José, o carvão foi e é um suporte econômico para Criciúma e

região “porque o carvão traz muitos empregos, diretos e indiretos”. Conforme Beloli

(27/08/04, p. 14), no caderno empreendedorismo ambiental do Jornal da Manhã, a

atividade carbonífera de Santa Catarina, em 2003, gerou 3.000 empregos diretos,

com salário médio de R$1.100,00 e segundo a Fundação Getúlio Vargas, para cada

emprego na mineração são gerados 8,39 empregos na economia da região

carbonífera de Santa Catarina (FGV/SIECESC, 1996). O valor de R$1.100,00 para

o salário dos mineiros também foi comentado pelos entrevistados Vermelho,

Lorisval e Otávio.

Outro ponto importante a ser destacado, segundo o referido jornal, é um

aporte financeiro de cerca de R$ 2 milhões por ano para a manutenção da SATC -

Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão. Este aporte é oriundo das

indústrias do carvão.

O Sr. José foi professor de mineralogia na SATC e este local de ensino

possui cursos técnico e superior, com aproximadamente 5.200 alunos e forma 600

profissionais por ano (IBDEM).

Na concepção do Sr. José, os danos do carvão tiveram relevância no

passado, tendo em vista toda a degradação ocorrida e para ele “a mineração não é

o vilão da história, tudo é carvão, mas o carvão não é toda essa coisa [...] no

passado não se sabia o quanto era danoso, mas hoje a consciência está muito

grande”. O gerenciamento ambiental evoluiu, não podemos negar, como por

exemplo, a implantação da ETE (Estação de Tratamento de Efluentes), da

mineração de carvão pela carbonífera Próspera (com implantação de um SGA -

Sistema de Gestão Ambiental, que mantém programa de treinamento e

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aperfeiçoamento, além de reduzir poluentes), convênios com CETEM (Centro de

Tecnologia Mineral), UFSC (Universidade Federal do Estado de Santa Catarina),

FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), capacitação tecnológica, recuperação

de áreas degradadas etc. A pneumoconiose não tem mais ocorrência há anos nos

trabalhadores em minas de carvão da região carbonífera catarinense (BELOLI,

2004). Hoje a poeira foi quase que totalmente eliminada, devido ao método de

perfuração com água que é expelida pela perfuratriz no momento da operação.

As ETEs permitem o tratamento de efluentes para que depois possam

ser dirigidos aos corpos de água de acordo com a “legislação vigente”. (Santa

Catarina (estado), Leis, decretos, 2002, p. 57).

Conforme nossa observação, nas saídas a campo durante o período do

mestrado em Siderópolis, Treviso, Forquilhinha, Lauro Müller, Criciúma, Nova

Veneza, Içara, Cocal do Sul, Moro da Fumaça Urussanga, as áreas expostas estão

bem menores e sendo recuperadas e cobertas com vegetação, o que reduz o nível

de poluentes no ar. Entretanto, a redução dos passivos ambientais é um trabalho

lento e de custo elevado.

Em sua estada na Sibéria, região dos Montes Urais, no ano de 1986,

para nossa surpresa o Sr. José constatou que “não tinha naquela época os

cuidados que tem aqui. Aqui nóis somos mais cuidadosos até com o meio

ambiente. Naquela época nóis tratava o meio ambiente com muito mais atenção do

que era na própria União Soviética”.

O problema, no nosso modo de ver, não se resume apenas a

implementação de Sistemas de Gestão Ambiental nas mineradoras. O passivo

ambiental, de longa data, deixado por elas se constitui um grande problema. Os

seus rios poluídos por produtos químicos, um deles, o Mãe Luzia que abastecia

Criciúma permanecem poluídos e não se vê nenhum movimento voltado para a

solução desta questão. Criciúma, uma cidade de 182.785 habitantes (IBGE, 2004),

continua sem rede de esgoto. O rio Criciúma canalizado por baixo da cidade

continua como o grande receptor de esgoto, e também não se percebe nenhum

esforço por parte dos mineradores e autoridades para a solução do problema.

Efetuando uma comparação entre os tipos de poluição, o Sr. José

reflete que “você quer ver mais impactante do que o lixão? Esse monte de ônibus

passando na Centenário? Tudo queimando óleo e expelindo o monóxido de

carbono?” Referiu-se ainda que em países de legislação rígida como França,

Inglaterra, EUA, Alemanha e Canadá, continuam a minerar o solo e se: “todos os

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países [...] estão aproveitando seus recursos, por que não podemos aproveitar?”.

No entanto, contradizendo a argumentação do entrevistado, Gonçalves

(2003b, p. 261) comenta que Jacques Maletzieux da Universidade de Paris XII, em

palestra na UFPR (Universidade Federal do Paraná) em 2001, afirma que na

Europa e, principalmente a França, estão reduzindo drasticamente a mineração do

carvão. Segundo Maletzieux, a França usa em grande escala a energia nuclear e

está investindo em energias alternativas. A Alemanha é o país da Europa com

maior militância ecológica e é o país onde o Partido Verde é mais forte e atuante no

controle ambiental. Os EUA é, segundo informações da mídia, um dos maiores

poluidores do ar e onde a mineração do carvão é extensiva e se recusa assinar o

protocolo de Quioto36. No entanto, o entrevistado tem razão no que se refere aos

EUA, aonde grande parte da energia vem dos combustíveis fósseis e entre eles o

carvão.

Ainda hoje, em Criciúma, existem problemas de saúde provocados por

impactos ambientais negativos, “como a poluição do ar, da água e do solo pelo

carvão e agrotóxicos” (GONÇALVES, 2003a, p. 5).

A conclusão do Sr. José é que deve haver bons projetos e fiscalização

eficiente, ações essas desenvolvidas pelas mineradoras e órgãos ambientais, pois

se deixar por conta da influência dos mineradores o processo será menos eficiente,

pois tudo continua como antigamente, ou seja, no Brasil o emprego é mais sagrado

do que a segurança. Na Europa a população procura emprego com segurança no

setor de mineração (MINAS, 1988, p. 124, em entrevista concedida pela socióloga

Terezinha G. Volpato).

Para o Sr. José, em termos de exploração de novas minas, “nóis temos

bons projetos” ambientais. O que falta é “uma fiscalização serrada, por que o

minerador, ninguém quer gastar, se puder não fazer, não fazem“. A população local

é, assim, alvo de praticamente todos os efeitos poluentes e nocivos, causados pela

degradação do meio ambiente.

Num estudo efetuado no bairro Sangão, município de Criciúma, no

início dos anos 90, Milioli (1995), demonstra um quadro de efeitos ambientais

provocados pelas atividades mineradoras do carvão, dentre eles efeitos no ar, no

36 Conforme a Grande Enciclopédia Barsa (2004, p. 283), “em dezembro de 1997, realizou-se em Quioto no Japão, a Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas para negociar a redução dos gases causadores do efeito estufa. Os países mais industrializados se comprometeram a fazer pequenas reduções (de 6 a 8%) de seus poluentes, mas os EUA, responsáveis por ¼ desses gases, acabaram não assinando o acordo”.

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solo, nas águas subterrâneas, efeitos sonoros, sobre a fauna e flora terrestre e

aquática, no subsolo, sobre o ambiente sócio-econômico (saúde), sobre as águas

da superfície, além dos visuais e paisagísticos. Este bairro possuía uma população

calculada em dois mil habitantes e tinha uma indústria mineradora. Neste bairro,

sentindo os efeitos de uma riqueza “ingrata”, ante a devastadora poluição que a

mineração vinha acarretando, a população local criou em 1990 uma associação de

moradores, efetuando manifestações públicas, em face a gravidade dos problemas

ambientais vividos pela comunidade.

Além dos problemas já citados, os movimentos reivindicatórios ainda

denunciavam problemas subsidiência37, transporte inadequado gerando poluição

atmosférica pelos finos38 de carvão, autocombustão de componentes tóxicos como

enxofre, ozônio, óxido de nitrogênio e ferro total, dentre outros.

Este tipo de poluição ainda impedia o desenvolvimento econômico do

bairro, através da criação de novos pontos de comércio.

Conforme sua pesquisa, Milioli (1995, p. 57) relata que poucas pessoas

optariam por viver num local tão afetado pela poluição e uns dos moradores em tom

de desabafo e indignação, refere que “não tem quem compre a casa e se não ficar

onde estou não tenho para onde ir, já que a casa vale pouco“, e ainda “não consigo

vender a casa, caso contrário já teria mudado definitivamente, pois a poluição está

chegando na porta”.

Ainda sobre o assunto, Volpato (1984, p. 63), ressalta que “o alto índice

de poluição ambiental - do ar, solo e água - marca profundamente a relação da

população com o meio ambiente, em toda a região”.

Efetuando uma análise regional, constata-se que a mineração a céu

aberto tornou estéreis grandes áreas de terra na região. A poluição, causada pela

mineração, atingiu quase todo o sistema hídrico da região carbonífera,

comprometendo seriamente o abastecimento humano, das indústrias e o uso na

agropecuária, tanto que uma das soluções foi a construção da barragem no Rio

São Bento, no município de Siderópolis, a fim de abastecer a região de Criciúma, e

Içara, em princípio.

O impacto ambiental em todas as áreas de mineração, principalmente

na região dos municípios de Araranguá-SC e Laguna-SC afetou a vida aquática.

Isso compromete a pesca e a manutenção de famílias pobres que dependem da 37 Desabamento das galerias das minas devido à retirada dos pilares que sustentam as mesmas. 38 Pequenas partículas de poeira quando ocorre a perfuração nas minas de subsolo e que causam doenças.

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pesca artesanal. Já no caso do arroz irrigado, cultura implantada em larga escala

na região do rio Araranguá e que depende de grande quantidade de água de boa

qualidade para a produção, o excesso de enxofre ou a forma que o mesmo se

encontra disponível no solo (gás sulfídrico) pode interferir na respiração e

capacidade de oxidação das raízes, retardando a absorção de vários nutrientes e,

se absorvido nesta forma, causa distúrbios metabólicos na planta (RAMOS, 1981).

Outros problemas nestas lavouras são a fitotoxidez, o aumento de acidez, o que

impede a absorção de nutrientes do solo, devido ao aumento do pH e desequilíbrio

de nutrientes.

A partir de 1984, houve o desenvolvimento de um projeto da Empresa

Luzomar, localizada em Hercílio Luz, município de Maracajá, na margem esquerda

próximo à foz do rio Araranguá, que previa a implantação de 60 hectares de

tanques para a criação de camarão, com água proveniente do rio Araranguá. Esse

foi o primeiro projeto financiado na região, no ano de 1985. Após a conclusão da

obra, houve aumento de poluição, o que gerou a inviabilidade econômica do

projeto, pois a água era proveniente de um rio que se tornou poluído devido à

mineração da região (a bacia do rio Araranguá recebe a poluição de toda a região),

e o camarão é altamente sensível a agentes poluentes para o seu desenvolvimento.

Inclusive este projeto foi financiado com dinheiro público, com taxas subsidiadas

(Recursos Obrigatórios ou Controlados do Banco Central do Brasil - BACEN). Após

as tentativas frustradas com o camarão, o projeto foi revisto por volta de 1996,

partindo então para a piscicultura, a fim de aproveitar a infra-estrutura já implantada

como galpões, maquinaria e tanques, mas foi detectada a cegueira de alguns

peixes, como a tainha, tainhota e bagre. Então este segundo projeto também foi

abandonado.

Estas pequenas constatações, descritas acima, servem para ilustrar os

problemas ambientais gerados pela mineração do carvão.

A legislação brasileira é uma das mais bem elaboradas do mundo e a

melhor da América Latina (BATALHA, 1999, p. 14), entretanto, ela é muito mais

para privilegiar a conscientização da comunidade do que a realizar ações efetivas

de defesa da fauna e flora.

Ainda conforme o mesmo autor (1999, p. 12), ele acrescenta que “para

que os objetivos de proteção da qualidade ambiental e da biodiversidade tenham

êxito, é imperativo promover a sustentação da atividade ambiental através de

normas, de pesquisa, de tecnologia e da educação ambiental da comunidade”.

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O cumprimento da legislação carece de estrutura operacional, já que a

simples existência não é garantia de preservação ambiental.

Na perspectiva do Sr. Severiano, é a partir do conhecimento da situação

crítica atual do meio ambiente carbonífero e da preocupação com os futuros

impactos ambientais, aliado às perspectivas de desenvolvimento econômico, é que

se devem traçar metas para continuar com a atividade da mineração do carvão.

Mas não se deve esquecer que não foram tomados cuidados com os

aspectos ambientais, sendo que hoje se está pagando um alto preço por falta de

providências.

A prioridade ao carvão não poderia significar a destruição de outros

setores e ameaça à vida.

Quanto ao futuro, fica a colocação de que o crescimento econômico não

beneficia a todos, pois temos graves problemas com a distribuição de renda,

tornando, portanto, esse crescimento inadequado para homem e natureza.

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O MISTÉRIO DA LIMITAÇÃO DO SER NA SUA

MANIFESTAÇÃO HUMANA

Foto: Lorisval N. De Mello – 2004 (O cartão acima se refere ao documento do INPS que era indispensável para que o mineiro das frentes de serviço se aposentasse aos 15 anos de trabalho). Obs: A publicação da foto está autorizada pelo entrevistado. Figura 18: Cartão do INPS pertencente ao Sr. Lorisval Nunes de Mello

“Eu lutava para fazer a aposentadoria especial e não dava”

(Lorisval Nunes de Mello).

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4.10 O mistério da limitação do ser na sua manifestação humana

O senhor Lorisval39, ou Loro como ele prefere ser chamado, coloca de

uma maneira triste todas as condições de trabalho, o que nos remete ao período de

desenvolvimento do capitalismo industrial, quando as pessoas tinham muitas horas

de atividade em seus empregos.

Na visão de Gonçalves & Wysc (1997, p. 23), “o capitalismo é o sistema

socioeconômico centrado na propriedade dos meios de produção [...] e a produção

está organizada entre aqueles que detém o capital [...] e os que em troca de salário,

empregam sua força de trabalho para impulsionar a produção”.

Sobre este tema, Dejours (1992) esclarece que nesta fase do

desenvolvimento do capitalismo industrial, alguns elementos marcantes foram o

emprego de crianças de até 3 anos para trabalhar, duração do trabalho com até 16

horas, salários muito baixos, moradias de baixo padrão, períodos de emprego

alternados com períodos de desemprego ameaçando o bem estar da família,

esgotamento físico, acidentes de trabalho, a luta pela saúde, onde o viver para o

operário era não morrer, acidentes dramáticos por gravidade e número. Algumas

conquistas sociais foram conseguidas então na França, como em 1898 a lei sobre

os acidentes de trabalho e sua indenização e em 1905, a aposentadoria dos

mineiros.

Sobre o excesso da jornada de trabalho, Loro enfatiza que “aí o

sindicato virou a lutar para nós fazê seis horas, por que nós baixava de manhã, no

clarear do dia, chegava em casa tarde da noite”, às vezes trabalhando até à meia

noite.

Neste sentido, Marx (1996, p. 307), diz “que o estabelecimento de uma

jornada de trabalho normal é o resultado de uma luta multissecular entre o

capitalista e o trabalhador”.

Quando refletimos sobre a degradação física, mental e morte

prematura, ocasionada pelo trabalho em excesso, Marx (1996, p. 306), coloca que

os capitalistas possuem o pensamento de “por que nos atormentarmos com esses

sofrimentos, se aumentam os lucros?”.

Essa falta de tempo para a família levou o Sr. Loro a ter um filho

pequeno, que não reconhecia o pai, “não queria eu né”.

39 Lorisval Nunes de Mello foi entrevistado em 29/06/2004.

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E nos lembra também e muito bem o Germinal de Zola (1987, p. 155),

onde em um dos trechos do livro relata que os mineiros “aos domingos sucumbiam,

exaustos. Os únicos prazeres eram embriagar-se e fazer filhos na mulher. E ainda

por cima, a cerveja fazia crescer a barriga, e os filhos, mais tarde, renegavam os

pais não, não a vida não tinha graça nenhuma” e o autor (1987, p. 51) continua

ainda a fazer referência ao trabalho dos mineiros, o qual era “um trabalho escravo,

no fundo dessas trevas horrendas”. Essas passagens se referem à mineração de

subsolo.

De Masi (2000, p. 240-241), vai mais além e argumenta que a empresa

proporciona salário, status, convívio social, mas se paga um preço por isso, como

renúncias e neuroses e após ter sido sugado e iludido, considerado indispensável e

insubstituível, é aposentado e condenado à inutilidade.

Ainda o mesmo autor (2000, p. 238), considera a empresa como uma

prisão-hospício, pois “suga as inteligências, manipula as emoções e os afetos. É o

coletivo que prevalece sobre o individual”. Na mineração da época a dedicação era

exclusiva ao trabalho. Praticamente não havia tempo para lazer.

Sr. Loro sempre foi pobre e se conforma com isso, e em seu discurso

coloca que “eu era como eu te digo, era pobre demais, ninguém dava nada por mim

né. Toda a vida fui pobre desse jeito que tu tá vendo aí oh”, apesar de ter adquirido

24 hectares de terras agricultáveis, no município de Içara-SC.

É uma derrota política dos pobres. O pobre se conforma, ele aceita que

é pobre, e a maior derrota é perder a esperança. É perder a consciência que ele

pode reverter a situação.

Uma pessoa que sempre teve uma vida triste e aos 11 anos perdeu a

mãe e foi criado com mais oito irmãos, que não teve lazer, que só trabalhou e como

ele disse diversas vezes: “eu não vivi” e, “agora Deus é que me guenta em pé“. No

final de sua vida reflete sobre esse tempo que parece não ter passado, e que nem

só de trabalho vive o homem, o que nos lembra o grupo musical Titãs:

Bebida é água.

Comida é pasto.

Você tem sede de quê?

Você tem fome de quê?

A gente não quer só comida,

A gente quer comida, diversão e arte.

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A gente não quer só comida,

A gente quer saída para qualquer parte.

A gente não quer só comida,

A gente quer bebida, diversão, balé.

A gente não quer só comida,

A gente quer a vida como a vida quer.

Bebida é água...

A gente não quer só comer,

A gente quer comer e quer fazer amor.

A gente não quer só comer,

A gente quer prazer pra aliviar a dor.

A gente não quer só dinheiro,

A gente quer dinheiro e felicidade.

A gente não quer só dinheiro,

A gente quer inteiro e não pela metade.

(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto. In Titãs. Jesus não tem dentes no país dos banguelas. 1988).

Em sua narrativa, Loro denuncia um advogado do sindicato dos

trabalhadores, mas que na realidade estava mais para o lado do patrão do que dos

mineiros. “E nós tinha uma orientação do sindicato, que nós não podia dá prejuízo

para o patrão de maneira nenhuma”. Eles eram obrigados a permanecer

trabalhando até que terminassem a tarefa. Uma frase ele sempre repete é “os

mineiros morrem trabalhando e o minerador fica rico!“. Mesmo assim ele conta que

se esforçavam ao máximo para não proporcionar prejuízo à empresa.

Em outra passagem de sua narrativa, descreve a evolução da

tecnologia na mineração, só que quando as condições de trabalho ficaram

melhores, ele já estava com os pulmões em péssimas condições, tanto que hoje

aos 78 anos ele somente espera a morte chegar. E comenta: “eu saí da mina muito

mal né“.

Nesta fase da produção, havia uma independência relativa dos

trabalhadores, pois eles detinham o conhecimento do processo e das ferramentas.

“Quando eu cheguei, nós recebemos 64 picareta e um carrinho”. Neste período o

trabalhador dominava os elementos da produção, tinha o controle dos instrumentos

manipulados num tempo social por ele determinado, entretanto ainda havia uma

limitação para o aumento da produtividade (ARRUDA, 1984).

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O que se constata é um indivíduo que controla os meios de produção,

mesmo sem ter sua propriedade, determinando o curso do ciclo produtivo, onde os

limites naturais da força humana impõem limites à produção.

A readequação entre as relações sociais de produção e o nível de

desenvolvimento dos fatores produtivos se dará com a introdução de maquinaria

sem ação humana ou animal, definindo-se a subordinação real do produtor ao

domínio do capital (ARRUDA, 1984). Entretanto, este processo de modernização

das minas somente ocorre no seu local de trabalho, quando o Sr. Loro já estava

quase se aposentando.

Na discussão sobre nível salarial, Arruda (1984), coloca que se o

trabalhador tinha a custódia da mão-de-obra, a única forma disponível para o

empregador contratá-lo, seria pagar-lhe o mínimo indispensável à sua subsistência.

Se remunerasse acima deste limite, haveria redução do desempenho, caindo o

nível de produtividade. Muito semelhante ao nível de remuneração em o Germinal

de Zola (1987, p. 135), onde “se o salário cai muito baixo, os operários morrem e a

procura de novos homens faz com que ele suba. Se sobe muito alto, o excesso de

oferta faz com que ele baixe”. Os operários sempre queriam aumento do salário. Os

operários de o Germinal se revoltavam dizendo: “o salário está fixado em lei na

menor soma possível, para comer pão seco e fabricar filhos” (ZOLA, 1987, p. 135).

Já na região carbonífera a situação era diferente. O Sr. Loro registra em

sua narrativa que havia uma boa remuneração. “Naquele tempo era bom. No tempo

que eu trabalhei, o salário da mina era o maior que tinha”. Algo contraditório para

quem diz que sempre foi pobre. Em certos momentos o problema maior era a falta

de emprego. Lógico que greves por segurança do trabalho e aumento da

remuneração também ocorreram.

Na época muitas greves eram fomentadas pelos próprios mineradores

para impressionar o Governo Federal, porque o governo é que ditava o preço para

a tonelada do carvão, e era o governo que fornecia o subsídio; então buscavam

mais subsídios e aumento do preço da tonelada do carvão.

Apesar de que ele próprio fazia parte da manipulação, que é um tipo de

corrupção, ele tinha consciência de que não estavam corretas estas ocorrências,

mas ou entra no sistema ou sai da atividade e, era cada vez mais evidente para ele

que a perspectiva da perda do emprego era um drama, onde a sensação de ser

facilmente descartável o afetava profundamente.

Na visão de Carmo (1992, p. 12), “para muitos, o trabalho é a chave

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para superar os infortúnios e o parâmetro para medir a acumulação de capital,

evidenciando a habilidade de vencer na vida”, o que divide a sociedade entre

ganhadores ou perdedores.

Então, a “cultura do carvão” era isso, no início eles viviam embaixo das

minas, que provocavam conseqüências nas famílias, pois muitas mulheres traíam

seus maridos e eles tinham muito medo dessa traição. Comenta Loro que “me casei

com medo de vivê com a mulher né [...] graças a Deus me casei com uma mulher

de acordo”, isto é, não houve problemas com a traição que rondava.

O Sr. Loro diz que nunca morou em casa da companhia carbonífera,

mas fica indignado ao lembrar que os engenheiros das minas moravam em ótimas

casas e recebiam aumento três vezes maior. “Cada engenheiro tinha uma mansão

rapaiz”, ressalta.

O sindicato era pelego e era cooptado pelos mineradores. Então, quem

é que estava a favor do trabalhador? Como eles poderiam sobreviver se havia tanta

gente contra eles? Por que na época quem era para estar a favor do sindicato,

estava contra. O mineiro sempre esteve envolvido nos movimentos de luta que eles

eram cooptados, então eram chamados de pelegos. Muitas vezes os movimentos

eram conduzidos pelos próprios mineradores que usavam os trabalhadores para

obter maiores subsídios do governo para ao carvão. Na época da ditadura, devido

ao temor das intervenções por parte do governo, as greves diminuíram.

Tem-se o registro de que até 1970 os governos militares fizeram 536

intervenções em sindicatos, destituindo presidentes e diretores e substituindo-os

por interventores (CHIAVENATO, 1994, p. 96).

Na visão de Druker (1993, p. 73), “os sindicatos somente têm sucesso

quando usam sua força para defender a causa do trabalhador, isto é,

desempenham a função correta”. O que se constatava dos sindicatos, era

parcialmente a defesa do trabalhador e em grande parte das empresas

mineradoras.

Percebe-se que Loro é uma pessoa que tem uma certa consciência

política ao relembrar o Golpe de 1964, o Grupo dos Onze, os partidos políticos, o

governo de Getúlio Vargas, as perseguições políticas, as torturas do período da

ditadura militar no Brasil.

Conta que em seu referencial teórico sobre a militância política havia a

Encíclica do Papa João XXIII: “Eu tinha a encíclica que foi soltada pelo Papa [...] a

encíclica Mater etri Magistra. Então a encíclica dizia para nós direitinho como é que

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nós deveria se comportar no sindicato”. Conforme Mater et Magistra (2004), a Carta

Encíclica de João XXIII , a “mater et magistra”, trazia a evolução da questão social

à luz da doutrina cristã, e “trata-se da doutrina da Igreja Católica, Apostólica, mãe e

mestra de todas as gentes, cuja luz ilumina e abrasa; cuja voz, ao ensinar cheia de

sabedoria celestial, pertence a todos os tempos [...]”, sendo que os ensinamentos

ali contidos possuem remédios que são “[...] suscetíveis de trazerem solução para

as crescentes necessidades dos homens, para as angústias e aflições desta vida”.

Há nesta Encíclica, capítulos referentes à socialização, presença dos

trabalhadores em todos os níveis, ajustamento entre o progresso econômico e o

progresso social, as exigências da justiça quanto às estruturas produtivas, a

propriedade privada, incrementos demográficos e desenvolvimento econômico,

Deus, verdadeiro fundamento da ordem moral, santificação das festas, educação,

instrução, perene atualidade da doutrina social da igreja, respeito pelas leis da vida,

desequilíbrio entre a população e os meio de subsistência, os agricultores, a

remuneração do trabalho, dentre vários outros.

A encíclica sobre o trabalho registra que:

Com relação ao regime de salários, nega a tese que o declara injusto por natureza; mas reprova ao mesmo tempo as formas inumanas e injustas que, não poucas vezes, se praticou; inculca e desenvolve os critérios em que se deve inspirar e as condições a que é preciso satisfazer para não se lesar a justiça nem a equidade (MATER ET MAGISTRA, 2004).

Percebemos uma atitude dúbia em relação ao tema trabalho, por parte

da igreja, expressada neste documento. Se o salário não é injusto, por natureza,

como se expressa de forma inumana? A igreja católica, em sua história e na sua

doutrina, na nossa percepção, sempre quis evitar conflitos. Percebe-se isso,

claramente, quando a Encíclica recomenda “suavizar” o contrato de trabalho.

Nesta matéria, o nosso predecessor indica claramente ser vantajoso, nas condições atuais, suavizar o contrato de trabalho com elementos tomados do contrato de sociedade, de modo que ‘os operários se tornem participantes ou na propriedade ou na gestão, ou, em certa medida, nos lucros obtidos’ (MATER ET MAGISTRA, 2004).

O Sr. Loro demonstra em toda sua narrativa, ter sido uma pessoa

engajada nos movimentos operários. Porém, a orientação política que recebia,

vinha de duas fontes aparentemente opostas: uma da igreja católica e outra de

políticos que faziam parcerias com integrantes do partido comunista, neste caso o

Sr. Leonel Brizola.

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Possuía contado com Leonel de Moura Brizola que estava organizando

o Grupo dos Onze na região de Criciúma: “era um grupo nacionalista. Era nós se

preparando para ver se o militar [...] não dava o golpe. Nós mesmo organizamos o

grupo a pedido do Brizola”, relata o Sr. Loro.

A este respeito, acrescente-se que “em 27/08/1961, Brizola já anuncia

resistência e mobiliza o povo gaúcho” (CHIAVENATO, 1994, p. 48).

Em 1961, Brizola teve a iniciativa de mobilizar o povo gaúcho, com

repercussão em todo o Brasil, para resistir aos ministros militares de então. O

Grupo dos Onze tinha uma feição paramilitar e foi constituído como uma forma de

resistência a um possível golpe militar (PASSARINHO, 2004; AZAMBUJA, 2004).

No entanto, o próprio Brizola, em entrevista ao jornalista Dênis de

Moraes em fevereiro de 1981, assim se refere ao Grupo dos Onze:

[...] o ‘grupo dos onze’ foi uma tentava desesperada de desenvolver a organização popular para a resistência ao golpe. Embora tenha sido uma iniciativa só posta em prática poucos meses antes do golpe, atingiu o nível bem razoável de organização: tínhamos, em todo o país, 24.000 ‘grupo dos onze’. Não tinham caráter paramilitar. Convocávamos as pessoas através do rádio. Eram o que se poderia chamar de clubes de resistência democrática, ou de comunidades de defesa da democracia. Mais tarde, o próprio regime militar verificou que não eram organismos paramilitares (MORAES, 1989, p. 253).

Para Carvalho (1988, p. 96), “a ameaça golpista surge sempre que o

povo manifesta em atos o descontentamento e a insatisfação que traz na

consciência”. Foi o que ocorria nesta época, com a ameaça golpista.

Mas, somente após 1984, o país voltou à democracia.

O grande valor de seu Loro é que ele foi um líder político, quando

estruturou o Grupo dos Onze que era forte em Criciúma (segundo relato de

pessoas que viveram naquela época).

No entanto, não existem em Criciúma documentos e pesquisas que

contem ou analisem o assunto. Essa é uma das histórias não faladas de Criciúma e

da região carbonífera que, modestamente, procuramos, se não resgatar, pelo

menos mencionar neste trabalho.

O Sr. Loro é uma pessoa com consciência política e que descreve todo

o esquema para que se defender da repressão. As relações pessoais de então

eram importantes, mesmo o delegado “estando do outro lado” ainda o avisava

quando deveria se proteger da polícia.

Sempre fica, no imaginário coletivo e no inconsciente coletivo da

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população a lembrança das lutas política e social. Houve muitas greves ao longo do

século passado, principalmente dos mineiros. Então a região se politizou, tanto que

o manifesto comunista foi enviado de trem por um do Grupo dos Onze a um grupo

de jovens de Lauro Müller em 1962 (GONÇALVES, 2004b).

Conta ainda a mesma informante, que em 1967, no município de Lauro

Müller, havia um capataz que era da Alemanha. Ele tratava os mineiros de forma

rígida. Como os mineiros não conseguiam produzir a meta, ou seja, determinada

quantidade de carvão por dia, respondiam com rebeldia às imposições do capataz.

Um certo dia ele prendeu por mais de 6 horas em um depósito de pólvora mais de

50 mineiros. O então Correio do Povo, um jornal de Porto alegre (RS), descobriu e

realizou uma reportagem. Então o capataz chamou a polícia. Os jornalistas, para

salvar os filmes, colocaram os mesmos nas solas dos sapatos, outros danificaram

os filmes porque tiveram que atravessar um rio. Esta é somente uma, mas foram

feitos diversas atrocidades com mineiros da região. Eram atitudes medievais,

porém ocorreram entre as décadas de 1950 e 1970.

O Sr. Loro tem muita consciência sobre os atuais acontecimentos, e já

está criticando a saída das pessoas da região para Boston, nos EUA, pois aqui não

há mais emprego suficiente: “eles são obrigado a corrê tudo para os Estados

Unidos”. Estamos vivendo socialmente a situação dos retirantes, semelhante às

regiões do norte e nordeste brasileiro, quando os homens saem à procura de

emprego no sudeste, principalmente em São Paulo, permanecendo no local as

mulheres com seus filhos.

O Sr. Loro fala do trabalho nas minas e em certos momentos ele se

torna contraditório, em afirmar que é perigoso e não é, quando eu lhe pergunto: – O

senhor viu muitas mortes nas minas? Ele responde:

Vi, vi. Mas para o serviço perigoso que era e é hoje ainda,

não morre ninguém, morre muito mais hoje carregando

carga para esses bandido. Morre muito mais gente nessa

federal, do que morria na mina [...] por que na mina só se

desse um incêndio né [...] é mais perigoso a construção civil

[...], então, uma mina é um serviço que por sinal até que

não é muito perigoso não.

Entretanto, em outras lembranças, ele afirma que há perigo, como: “é

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perigoso é que a gente cheira fumaça [...] os mineiros morrem trabalhando [...]

Deus é que me guenta em pé [...] a vida de mineiro é uma vida desastrada [...] eu

tenho uma tosse que é uma barbaridade”.Importante ressaltar que a tosse é

proveniente dos finos do carvão (partículas de pó muito fino), que provocam a

morte dos tecidos pulmonares.

É um trabalho que acaba com a saúde, com os pulmões. O que vem a

ratificar esta afirmação, é que a aposentadoria é aos 15 anos de trabalho e ao final

deste período saem praticamente mortos. Coimbra (1996, p. 22), descreve que “o

ar era tão viciado que não tinha oxigênio suficiente para que se riscasse um

fósforo”. As galerias por onde trabalhavam eram muito estreitas e baixas, “o que

lhes traria sérios problemas de coluna para o futuro” (IBDEM).

Segundo Coimbra (1996, p. 37), “desde o início dos anos 40 os mineiros

tentavam organizar um sindicato [...], mas as reuniões eram proibidas”. A finalidade

dessa tentativa de organização era para que através de um sindicato, houvesse

uma maior representatividade perante aos proprietários das minas, afim de que

houvesse melhores condições de trabalho.

A baixa auto-estima faz com que ele se ache pior do que Jorge

Feliciano40 porque não era tão ilustrado quanto os outros. Achava que a ditadura só

matava quem pudesse reproduzir a informação, tais como jornalistas e

universitários, segundo ele. Mas depois começa a minimizar, quanto começa a

atualizar a sua visão. Na época não havia uma BR-101 que fosse tão perigosa

como hoje, não havia o tráfico de drogas nos atuais níveis. Ele está atualizando e

comparando a situação de hoje (em 2004) com a situação que ele vivia, com os

perigos das minas, já que hoje existem outros perigos, como o trânsito, as drogas, a

emigração de brasileiros (pela falta de emprego).

Mas por outro lado, esse trabalho lhe deu o mínimo de qualidade de

vida, porque ele fala que com o dinheiro pode comprar a terra onde mora. A mina 40 Jorge Feliciano foi um mineiro de carvão, nasceu em 27/07/1929, foi preso em 07/11/1975 pela Polícia Rodoviária Federal na BR-101 e era acusado de ser comunista devido a suas idéias revolucionárias entre os mineiros da região carbonífera. Foi encaminhado ao quartel de Tubarão. Ficou vários meses preso em Criciúma-SC e Curitiba-PR, onde foi torturado pelos representantes do regime militar em Curitiba. Dentre as formas de massacrar os presos políticos, havia o espancamento, deixar uma lâmpada acesa na cela ligando-a e desligando-a, comida era salgadíssima, lhes davam pouca água, arrancavam as unhas, choque nos testículos, colocavam a cabeça em um tonel com fezes, dentre outros. Jorge também foi presidente do Sindicato dos Mineiros, criado em 30 de maio de 1945 (COIMBRA, 1996). Nesta época a diretoria do sindicato era indicada pelas empresas. Coimbra (1996, p. 40), comenta que somente “em 15/12/1957 houve o fim do peleguimo no sindicato”. O que irritou alguns de seus seguidores, é que ele chegou a adquirir uma mina de carvão em sociedade com Salvaro, a carbonífera Pérola e foi integrante da Prefeitura Municipal de Criciúma (COIMBRA, 1996, p.112-113). O Sr. Loro comenta que não acreditava muito em Jorge Feliciano por que ele estava sempre em cima do muro, ao lado dos mineiros e dos mineradores.

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era um salário que eles tinham. Antes não se tinha salário trabalhando,

principalmente quanto era no setor agropecuário, já que não havia um modo de

comercialização eficiente. Então, tudo é meio contraditório. É bom, é ruim, mas é

contraditório!

Ele termina a narrativa saindo da análise política, quando ele critica o

PDT e relata sobre a poluição que foi um dos aspectos que mais marcou a sua

vida: “a terra ficou poluída e não deu mais nada. Tá toda cheia de buraco, cheia de

água, e agora só prá lixo”. Próximo de onde ele reside hoje houve uma severa

agressão ao ambiente natural provocado pela mineração.

Enfim, o Sr. Loro é uma pessoa lúcida aos 78 anos de idade e tem

bastante consciência de que a mina enriquece os proprietários das minas e não o

mineiro. Para se ter um salário (já que a agricultura não proporcionava), tinham que

trabalhar numa atividade com muita insalubridade. O trabalho penoso trouxe muitas

seqüelas físicas, morais e psicológicas, não só ao Sr. Lorisval, mas a vários

trabalhadores da indústria carbonífera.

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CONCLUSÃO

As principais identificações e constatações foram os efeitos sócio-

ambientais com impacto negativo, existentes ao longo da história da extração do

carvão mineral na região carbonífera sul catarinense, a relação do “fetiche” que o

carvão exerce sobre as pessoas, devido ao emprego e ao salário que o mesmo

proporciona, o coleguismo e ambiente alegre no trabalho em subsolo, a presença

constante da morte devido ao elevado risco da atividade, os problemas de saúde

devido a este trabalho altamente insalubre, a pobreza que é presente na região,

apesar de toda a riqueza que já foi gerada por todos (os trabalhadores da minas de

carvão) e apropriada por uma minoria, ficando a interrogação, se ainda é viável

utilizar esse tipo de energia para suprir as demandas impostas pelo crescimento

econômico.

O principal explorador do carvão mineral, de forma desordenada, foi o

Governo Federal, buscando satisfazer a qualquer custo os interesses materiais

imediatos. Com as concessões de solo e subsolo por parte do Governo Federal

foram abertas várias minas, onde os proprietários continuaram repetindo as

mesmas práticas de exploração desordenada.

Esta região é uma área crítica em termos de poluição e não se

vislumbra nada que possa reverter o atual quadro. O potencial poluidor da região

ainda é enorme, onde drenagens ácidas continuam contaminando os corpos

d’água. Tudo é destruído em prol do desenvolvimento econômico.

A mineração é uma atividade extremamente insalubre. É degradante

para o corpo e a alma. Várias doenças ocorriam, como a pneumoconiose.

Acidentes por caimento de pedras e choques elétricos, são bastante comuns no

subsolo.

A bronquite, os resfriados, rinite, artrite, reumatismos também eram e

são uma constante, devido às precárias condições de trabalho com a presença

fumaça, pó, lama, umidade elevada, pouca ventilação, numa vida “confinada” nos

subterrâneos escuros. No trabalho nas minas até a década de 1960, a luz do sol

era pouco vista, já que a jornada de trabalho iniciava antes do dia nascer e ia

muitas vezes até altas horas da noite.

Outro agravante era a falta de tubos de oxigênio, máscaras,

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vestimentas especiais e treinamento para as possíveis emergências.

O trabalho era duro, exaustivo e perigoso, conforme relembra seu

Otávio, hoje aos 71 anos de idade “a gente tá tudo arrebentado”, ao se referir à sua

coluna vertebral, pulmões, articulações das pernas, inflamação dos tendões e os

traumas que ficaram pelas mortes dos seus colegas e amigos, além do barulho das

constantes detonações de dinamite. A mina é um local onde a morte está sempre

presente.

A necessidade de preservação do emprego, devido ao salário que o

mesmo proporciona, está acima do pavor pela morte. Apesar deste temor, os

mineiros rezavam para Santa Bárbara, a santa protetora dos mineiros, antes de

“baixar” a mina.

A convivência diária com a morte parece deixá-los entre “embrutecidos”

e são freqüentes os comentários de automutilação. Os mineiros se automutilavam

para conseguir aposentadoria por invalidez e se verem livres daquele ambiente

inóspito. Essa mutilação ocorria, cortando partes dos dedos. Muitas vezes eram

auxiliados pelos colegas para a realização de tal ato. Algo meio suicida sempre

estava presente.

Os mineiros tinham uma maneira especial de perceber o trabalho.

A percepção de mundo ocorre de duas formas. O mundo da superfície e

a vida no subsolo. Na superfície havia os problemas do cotidiano ou uma “vida

limitada” que muitas pessoas possuem. No subsolo, aparentemente, os problemas

são esquecidos. No subsolo o mineiro tem sua auto-estima alimentada. Ele é

respeitado. Utilizam-se até de apelidos para marcar essa separação de mundos.

Hoje, apesar de toda a degradação ambiental ocorrida, gerando

problemas sócio-ambientais, a maioria dos entrevistados, ainda é a favor da

indústria do carvão. O importante é ter emprego, independente da destruição que

esse emprego possa trazer. Essa herança vem dos tempos do auge do carvão,

quando o trabalho na mineração era um sonho almejado pelos trabalhadores frente

a uma “vida limitada”.

Para um dos entrevistados, o Sr. Vermelho (Dirlei Borges), na

mineração “não existe lugar melhor prá trabalhar, de companheirismo, de tudo”,

entretanto, a mineração é uma atividade que agride a natureza, colocando-a a seu

serviço e em conseqüência ao homem como o centro do universo.

Para “baixar a mina” existe um “batismo”, recebem um outro nome.O

caso de Vermelho, por exemplo, deixa bem clara esta questão. Além do salário, o

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que também os atraia para as minas, era o companheirismo existente no trabalho

de subsolo, o que inexistia muitas vezes na vida de superfície. Eram colocados

apelidos, o que também era uma diferença. No trabalho só eram conhecidos por

apelidos. Havia os “batismos” para que os apelidos fossem colocados. O apelido de

Vermelho surgiu quando ele começou a bater muito com o martelo em um prego,

deixando a “cabeça” do prego, vermelha de tanto bater. Entretanto, com o passar

do tempo, a Polícia Federal veio a Criciúma atrás de um “tal Vermelho”, comunista

ou pertencente ao Comando Vermelho do Rio de Janeiro. Queriam prender o Sr.

Dirlei Borges, mas o mal entendido foi desfeito depois de alguns dias de

averiguação.

A mina era uma forma de libertação pelo trabalho, o que proporcionava

uma vida melhor, um padrão de vida um pouco melhor, em famílias que quase

sempre eram numerosas.

Então, tudo era minimizado em função do emprego, do trabalho. Havia

a idolatria do trabalho nas minas, porque trazia dinheiro, prestígio, reconhecimento

naquele grupo social. É o caso de Tarciso, a fila de meninos para tomar suco feito

no liquidificador, a geladeira e o chuveiro elétrico. Essas novidades, na época, são

coisas que hoje nos parecem tão óbvias, mas que naquele tempo eram objetos

muito desejados.

Se por um lado a mineração destrói os recursos naturais e ocasiona

vários problemas de saúde nos humanos, o desemprego é fonte de graves

prejuízos econômico-sociais, espirituais e morais.

Por um lado havia os mineradores necessitando da mão-de-obra e de

outro os mineiros necessitando de trabalho. No fundo do aparente altruísmo da

camada dominante escondia-se uma necessidade vital dos trabalhadores.

A revolta pelo atual sistema é expresso numa frase do entrevistado Loro

ou Sr. Lorisval Nunes de Mello: “os mineiros morrem trabalhando e o minerador fica

rico [...] eu tenho raiva dessa corja”. Para ele, o homem é uma máquina a serviço

do capital. Uma simples peça de um mecanismo ou sistema econômico.

Caso a humanidade não transforme os padrões de crescimento da

população e do consumo, a vida no planeta poderá estar ameaçada. Isso nos

remete ao desenvolvimento sustentável que deveria preservar para garantir um

padrão de vida para as futuras gerações. Entretanto, o que vemos estar sustentado

até o momento, é o lucro para poucos, em detrimento do esforço de muitos.

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A história do carvão em Criciúma é marcada por um conflito sócio-

ambiental presente principalmente, no imaginário das pessoas com idade

avançada, ou seja, que viveram o auge do carvão. Hoje ele se faz presente

fortalecido pela ideologia do emprego e da tecnologia (mecanização das minas e

tratamento dos efluentes ácidos).

Caracterizada por um trabalho extremamente penoso e de alto risco, a

atividade carbonífera divide opiniões e põe em pauta princípios e valores

relacionados à vida, à dignidade e à natureza humana.

O trabalho das minas subterrâneas tem toda uma simbologia, desde os

descritos por Émile Zola em seu romance Germinal, até às reflexões de vários

autores. Em Criciúma, Gonçalves (1989; 2002) e Carola (2002) falam desse mundo

simbólico, pouco explorado pelos historiadores e “críticos do carvão”. O descer às

entranhas, a mina como um ventre rasgado que nos reporta a Moscovici (apud SÁ,

1993), quando fala da representação social.

O subsolo se constitui, para os entrevistados desta pesquisa, um mundo

singular de desafios e sofrimentos, onde se brinca com a vida e com a morte o

tempo todo. Por outro lado, é do subsolo que o mineiro retira o melhor salário para

o sustento familiar. Da umidade das minas, da sujeira da poeira do carvão, do corpo

dolorido, da pele agredida pelas alergias, ele desponta na superfície com a certeza

que terá alimento na sua mesa. Está posto aí a grande contradição. O que é viver?

O que é morrer? Talvez esteja aí o ”fetiche do carvão”. Vive-se e morre-se com o

carvão.

Enfim, as memórias do carvão das 10 pessoas entrevistadas

contribuíram para a compreensão que o “fetiche do carvão” exerce na população da

região carbonífera sul catarinense.

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_________. Germinal. Direção: Claude Berri. Produção: Patrick Bordier, da obra de Émile Zola. Roteiro: Claude Berri e Arlete Largmann. Intérpretes: Gerald Depardieu, Jean Carmet, Judith Henry, Jean-Roger Milo, Laurent Terzieff, Jean Pierre Bisson e Jacques Dacqmine. [S.L.]: Cannes Home Vídeo – Videolar, 1994. 1 filme (155min.) son., color., 35mm.

_________. Germinal. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, 253p.

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APÊNDICE - ENTREVISTAS

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1ª ENTREVISTA

Data: 25 de novembro de 2003

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais.

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: Ademar da Silva

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60.

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local da Gravação: Cemitério Municipal do Distrito de Guatá, Município de Lauro

Müller/SC

1ª ENTREVISTA - ADEMAR DA SILVA

Nome: Ademar da Silva

Idade: 56 anos

Estado civil: casado

Profissão: mineiro

Profissão atual: aposentado

Local de nascimento: distrito de Guatá, Lauro Müller/SC

Locais em que trabalhou: minas de carvão.

Cemitério Municipal do distrito de Guatá no município de

Lauro Müller (obs: ainda trabalha neste local)

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1ª Entrevista

Legenda

Gerson: G

Ademar: A

Gerson: Sr. Ademar gostaria que o senhor contasse para nós, todos os

acontecimentos que o senhor recorda sobre os problemas que ocorreram com o

carvão aqui em Guatá.

Ademar: O que aconteceu em nossa comunidade, essa mortalidade de criança, que

tinha aqui, tinha nascido 248 e morrido 240 criança, devido à água, água poluída,

que deu essas doenças nessas criança, do tipo diarréia e vômito, essa água ela

vinha bombeada por bomba, canos de ferro, continha muita ferrugem, então tudo

aquilo ajudou essa mortalidade que teve aqui na nossa comunidade do Guatá. Hoje

a nossa água é diferente daquela, hoje ela vem em cano de plástico, vem da nossa

serra, mantida pela Prefeitura. E naquela época, quem cedia essa água para nóis,

prá nossa comunidade, era a Barro Branco. Era uma empresa que ela cedia

energia e as bomba quando estragava era tudo com ela, prá fornecê essa água prá

nóis. Então, a maior parte dessas crianças que estão aqui hoje - foi tirada um pouco

-, que não estão todas aqui, foi levada daí prá outras comunidade, e a outra parte

está em terra, que não dava conta de fazer tumba, então eles enterrava na terra.

Em vala, pelo que se viu falá, porque naquela época, agente fala hoje aqui, o que

aconteceu daquela época pelas pessoas mais velha, porque eu também naquela

época eu era pequeno, tenho pouca coisa prá contá. O que a gente conta é o que

as pessoa mais idosa, né, daquela época que falou prá nóis. E temos mais

acontecimento em nosso cemitério, com acidente de mineração tem 7 ou 8 pessoas

aqui que conheceu esses acidente, então já fáis 11 anos que nóis cuidemo aqui do

cemitério e nesse 11 anos foi enterrado umas duas, treis criança só, mas foi por

problema, não foi por problema d’água, foi por problema de meningite e outras

doença. É isso que eu tenho a declarar prá voceis”.

G: Por que os túmulos não são mais bem cuidados?

A: Tem uma parte de túmulo que tá bem velho assim, é porque as pessoas foram

embora e aí tem pai que até faleceram já, né. Então os irmãos também não sabe

aonde é que é e não vem procurar. Então, o que agente tá fazendo: se eles estão

se destruindo, agente ajunta os ossos, né, quando tem, já que muitos nem tem

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mais osso, então agente coloca num depósito que o cemitério tem aqui né, um

depósito próprio prá colocá esses ossos, e aí agente vai deixando como tá, indo

assim, porque isso aí tá indo em jornal e tudo né, uma lembrança que tá ficando pro

povo daquela época dos acontecimentos que aconteceu em nossa comunidade.

G: Estavam com idéia de tirar os túmulos?

A: É, eles estavam com idéia de tirar mais já voltaram atrás.

G: E a poluição da água?

A: Depois que entrou a FATMA e o IBAMA, entrou aqui, áh! Melhorou muito prá

nóis, por causa que... ou seja, numa época abafada igual hoje como tá aqui, áh!

aquela época se é hoje não dava prá respirá por causa do mau cheiro da pirita. Por

que queimava muita pirita né, hoje não, hoje a pirita onde eles fazem o depósito, ela

é tapada com terra né. É prá não dar mais problema de poluição.

Esse aqui, ele estava trabalhando, quase na hora de ir embora, caiu uma pedra, na

mesma mina que eu trabalhava e matou na hora esse rapais. Esse aqui também.

Esse rapais aqui, caiu mais ou menos 30 tonelada de pedra em cima dele. Foram

obrigado a arrebentar as pedra a marreta. Aqui em cima também tem um rapais,

que morreu. O primeiro poço de mineração que deu aqui, ele deu com 71 metros de

fundura. Eles estavam trocando a madeira do assoalho da gaiola e não avisaram

ele que a gaiola tava subindo sem a proteção. O rapais caiu de 71 metros de altura.

Foram só juntando os pedaços dele. Então você vê, foi um descuidado dele, tanto

quanto da empresa. Esse aqui, o encarregado dele foi meu pai. Foi um caso de

detonação.

Ele tava carregando os fogos para ir detonar a mina né, e atrás dele ele colocou o

lampião a carbureto e pegou fogo numa espuleta41.

Detonou, jogou o rapais mais ou menos uns 40 metros longe, num monte.

Esse rapais aqui morreu ele e outro. O outro acho que é lá de Lauro Müller.

Eles tavam assim oh... levando a calha do carvão. O carvão era calha com

correia né. Tavam mudando e ele encostou as costa dele na outra região com

energia elétrica”.

41 NOTA DO AUTOR: Provavelmente se tratava de um acessório de explosivo com espoleta simples, que é um acessório de detonação para iniciar isoladamente cargas explosivas, por meio de chispa ou agulha emitida por um estopim. Este tipo de espoleta é instantânea. A composição é à base de Nitropenta e Aziola. Medeiros apud (SILVA, 1985, 50p.).

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2ª ENTREVISTA

Data: 17 de junho de 2004

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: Dirlei Borges

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local de gravação: Rua Pascoal Meller, nº 73, Centro, Criciúma/SC

2ª ENTREVISTA – DIRLEI BORGES

Nome: Dirlei Borges

Apelido: Vermelho

Idade: 48 anos

Naturalidade: Criciúma/SC

Estado civil: casado

Profissão: aposentado

Trabalhos já efetuados: mineiro, sindicalista.

Ainda está na ativa como proprietário de farmácia e na Prefeitura Municipal de

Criciúma-SC.

Tempo em que reside em Criciúma: 48 anos.

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2ª ENTREVISTA

Legenda

Gerson: G

Dirlei: D

Gerson: Bom Vermelho, tu ficas à vontade para relatar o teu envolvimento com as

questões ambientais, do sindicato, tua luta pelo trabalho etc...

Dirlei: Quando eu era pequeno, eu estudava num coleginho na escola que ia para a

Linha Batista e eu sempre via o caminhão da mina passá e sempre dizia que eu

queria trabalhá na mina. O meu sonho era trabalhá na mina e a minha mãe era

contra. Depois com 17 anos eu fui morá em Joinville, arrumá um serviço por lá.

Trabalhei 3 anos e quando fiz 21 anos eu voltei e peguei na mina. Meu sonho era

só a mina, não tinha outra coisa. Eu era obcecado pela mina. Aí me fichei na mina

em 1980, e aí dali sai aposentado. Trabalhei 16 anos e 6 meses, me aposentei,

mas pra mim foi o melhor trabalho que eu já tive. Na mina é assim oh: é um

trabalho de companheiro, todo mundo é amigo, todo mundo brinca, todo mundo é

batizado, tem seu apelido, igual eu tenho o meu, mas olha, não existe lugar melhor

pra trabalhá de companheirismo, de tudo. Mas também vi muitas mortes, pessoas

que foram degoladas na mina, acidentes de trabalho, ajudei a tirar vários

companheiro que morreram, mas graças a Deus nunca tive problema, eu me

aposentei, nunca tive problema de pó no pulmão, tive sempre saúde, nunca tive um

acidente. Eu fui um cara que como se diz, acertei na loteria. Fui pra mina me

aposentei. Tô trabalhando fora hoje. Trabalho na prefeitura, no orçamento da

prefeitura, mas eu sou um home feliz, contente, mas se um dia dissesse assim –

pode voltar a trabalhá na mina eu voltaria de novo. Agora que tô aposentado não

posso mais né.

Eu faço parte da diretoria do sindicato desde 1986. Em 86 eu entrei no sindicato

quando teve as maiores greves, nos estávamos junto, trabalhando junto, por que

naquele tempo o sindicato era muito atrelado ao patrão. Quem era o ex-presidente

daqui era um tal de Janga. Eu não sei o nome dele certinho. Que vendia a data

base. Quando era tempo de negociar, a nossa data base era Janeiro e aí na

primeira data base que nós tivemos com eles, em 85, ele pegou, no dia da primeira

assembléia ele não veio, estava na praia e aí nós entremo de greve de noite, ai nóis

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se rebelemo. Fizemos uma greve sozinho, já que o presidente não vai nós vamo.

Sem o sindicato. Ai fomo vendo que o sindicato estava mal coordenado, mal

dirigido. Daí em 86 nós fizemo uma chapa que o nosso candidato a presidente era

o José Serafim, que ganhou. Nossa chapa era oposição e nós ganhamos a eleição

deles. Daí prá cá nóis ficamo no sindicato toda a vida. Aí foi aonde que em 88 nós

fizemo uma assembléia que foi lá no ginásio municipal. Foi a assembléia que mais

deu gente, deu 12 mil mineiro. Ficamo tudo naquele ginásio lá. Não coube todo

mundo ali, aí nós já tava na diretoria e conseguimos abranger todos os sindicato.

Todos os mineiros. Lotemo ônibus, era a coisa mais linda do mundo. Mas já

tivemos prisões de companheiros, eu fui preso também, por que eu defendia o

trabalhador, sempre vou defender, não mudei nada. Eu fui preso injustamente, por

que eu tava anunciando no carro de som na cidade, chamando os minero pra uma

assembléia, lá no trilho, já era 5 anos depois que nóis tava defendendo a CBCA,

que hoje é a Cooperminas, por que o Bastião largou a empresa, ali tinha 600

mineiros passando fome, o sindicato teve que tomar uma posição, e fomo trabalhá

prá levantá aquela empresa. Passamo muito trabalho, tivemo em Brasília, lotemo 5

– 6 ônibus prá ir pra lá, olha, deu um rolo dos diabo. Foi a empresa que mais deu

trabalho. Hoje ela tá bem na foto, é uma empresa nota 10, ela saiu do zero.

Imagina que nóis tinha um companhero, o Tetinha, que nós tinha ganhado do

governo do estado naquele tempo, uma cesta básica, e na cesta básica veio aquele

tal de “Bôzo”, nem nóis não sabia o que era aquilo. Ele levou um pacote daquilo e

botou numa panela, deixou cozinhando, achou que era um arroiz. Quando ele viu a

tampa tava um palmo prá cima, começou a inchar e subiu prá cima. O Bôzo era um

arroiz que o governo do estado dava naquele tempo. Ele inchava assim oh!

Colocava um pouquinho de água e ficava uma pilha. Subiu prá cima. Nóis ria que

se matava, e nóis apelidamo aquele arroiz do governo de Bôzo. Mas matou muita

da fome de muita gente.

Tu imagina a pessoa trabalhar 10-12 anos numa empresa e o patrão chega assim e

diz: a partir de hoje não tem mais férias, não tem mais nada, aí nóis decidimos:

vamos tocá essa empresa. A partir de hoje ninguém vai tirar mais nada e nóis

vamos toca essa empresa. Que era a mina aqui de cima, a mina do cachorro, a

mina do porco, mina do mato por ali. Naquele tempo tinha uns 700 mineiro. Tu

imagina trabalhando já é difícil. Imagina sem receber. Nóis fomo conversá com o

dono, o Sebastião Neto Campos e ele disse: eu não quero nem saber. E ele estava

tirando o dinheiro de lá prá leva lá prá China prá investi numa mina de cobre. E aí

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foi a hora que nóis tivemo que agir, de imediato. Proibimo ele de tirar as coisa dali,

ninguém mais tirava, tinha que passá no comando, o comando é que ia decidi se

podia tirar ou não, pois que senão tchau e benção. Se aquela mina, a CBCA, hoje

tá trabalhando que é a Coperminas hoje, graças ao sindicato, por que o Paulo foi

um presidente que foi arrojado prá isso, não tinha medo, e nóis pegava tudo junto,

por que nóis defendemo é o emprego.

Tudo que nóis fizemo eu não me arrependo, se pudesse voltá tudo de novo eu

voltaria novamente a fazê.

Eu entrei no sindicato em 1986, e naquele tempo só fazia parte da eleição do

sindicato quem trabalhasse na ativa, e aí nóis mudemo o estatuto e fizemo assim

oh: nóis vamo fazer uma secretaria pros aposentado. Aí nóis temo direito como

aposentado de fazer parte do sindicato. A minha parte que eu tinha que fazer no

sindicato eu acho que eu já fiz. Tem que deixar o resto da turma. Meu dever já

cumpri. Que venham outras liderança.

G: Comente mais sobre sua atuação nas greves do sindicato.

D: Na época que eu fui preso eu estava num carro de som do sindicato, chamando

a minerada pruma assembléia naquela briga do trilho, que nóis achava uma

injustiça. Nóis lá, com 200 minero tentando a reverte o emprego da turma da CBCA

e aí a polícia foi lá e botou 1000 home lá, prá tirar o pessoal na mão grande. Foi

aonde deu aquele rolo todo.

Tu imagina, por causa do meu apelido de Vermelho a Polícia Federal veio de

Brasília, prá prender eu, por causa do apelido, apelido da mina, por que quando eu

baixei a mina, vi um cara cortando um parafuso e o parafuso ficou vermelho. Daí eu

disse – olha que vermelho que tá oh! Daí pegou o apelido. Daí, por causa do

movimento de greve eu fui intimado pra ir na delegacia ali. Aí eu peguei e fui lá, e

cheguei lá e tinha uma delegada da Polícia Federal. Ela veio prá interrogá eu.

Trouxeram um comando da Polícia Federal, carro da Polícia Federal, tudo, e aí

quando eu entrei eu disse, mas que diabo! Que tanto carro diferente! Daí ela disse

que tinha me chamado aqui por que eu fazia parte do Comando Vermelho do Rio

de Janeiro. E nóis queremo sabe se você ta fazendo uma sede aqui, disse ela. Daí

eu disse: a senhora podia me dizer o que é isso? Eu não sabia mesmo o que era

comando vermelho. Daí ela assim – quantas vezes tu já foi no Rio? Mas eu nunca

fui no Rio de Janeiro. Eu nasci nesta cidade eu me criei aqui, os único trêis ano que

eu tive fora eu morei em Joinville. Tá aqui a minha carteira que foi quando eu me

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filiei na Consul, e depois só trabalhei aqui. Mas eu pedi reforço, pedi tudo prá te

entrevistá, tu é um home perigoso, disse ela. Daí eu falei: mas eu sou um

trabalhador, eu estou sendo injustiçado. Vamo lá na mina ou em qualquer outro

lugar, todo mundo vai que saber quem é eu. Daí eu perguntei prá ela se vermelho

era um bicho e ela me disse: não te faz de bobo! Daí um dos policiais que estavam

com ela disse: não te faz de lingüiça não! Porque que tu é vermelho? Daí ela falou

assim: acho que estamos entrevistando o cara errado. Isso foi em 1987.

G: Você acha que o salário pago era recompensador?

D: Acho que sim. Tu não sabe de nada, mal assinar teu nome, daí tu pega numa

mina ganhando 1.300 reais, e não trabalha nem sábado. Daí tu pensa assim, se eu

fosse trabalhá noutro lugar eu ia ganha no máximo 400 pila. E trabalho só 6 hora.

Hoje na mina tá no céu. Em 1986, esses FDP do Realdo, que já faleceu, na mina

dele trabalhavam assim: iam prá frente e depois tiravam os pilares, isso aqui ficava

limpinho assim, caia tudo e virava num diabo. De 90 prá cá com o movimento das

greve, porque as mina matava muita gente, os empresários até que tão mais

educado. Eles vão lá hoje, fazem a frente de serviço, não pode tirar pilar. A

Cooperminas que está trabalhando no Verdinho, tem um lago de peixe encima, que

deve dar uns 50 por 100 de quadrado encima, cheio de peixe. Faz 10 anos que já

passou a mina ali e tá ali os peixe. Tão trabalhando com cuidado, agora se

deixasse como antes...

Quando eu peguei na mina eu passei muito medo. Quando era pra tirar pilar

ninguém queria. Todo mundo tinha medo. E era a hora que a empresa mais

ganhava dinheiro. Que aí não gastava nada. Depois caia tudo.

G: O que mais te marcou no período que estavas na ativa no sindicato?

D: Foi quando nóis tinha 21 companhero preso no presídio numa greve que nóis

fizemo, naquela vêis do fórum, que nóis quebremo o fórum tudo. O juiz errou. A

câmara de vereadores veio ali votar uma coisa que era prá fecha uma mina, e tirar

600 emprego, e aí a minerada se queimaram, os vereadores vagabundo todos

tinham sido comprado, e aí chegou na hora foram lá e votaram, prá fechar a mina.

Tiraram 600 emprego. Aí a turma, eu estava lá dentro do fórum acompanhando a

sessão, a pedra pegou, o vidro começou a descer, vereador apanhô, por que tava

junto com minero e depois chegou na hora e foi lá votá contra. Ganhou dinheiro, se

vendeu-se. Inclusive aquele Albertinho Pacheco que perdeu uma perna. Devia ter

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perdido as duas perna, foi safado, ele se elegeu vereador no meio dos minero e

depois foi lá votar contra. Naquele tempo o Eduardo Moreira era o prefeito, e o

Realdo era o cunhado dele, o Realdo pegou a empresa, não pagou nada, fechou a

mina. Daí ele pegou uns 2-3 vereadores, fizeram um projeto de lei, prá fazer área

de recuperação ambiental na mina. Claro que ele tinha interesse, tinha comprado

uma mina do governo federal. Faz aquela lei e diz: agora não pago! Aí naquela veis

marcou muito. Imagina assim, eu ia todos os dia levá comida prá eles ali no

presídio. Vê aqueles companhero que não tinha robado, não tinham matado, tavam

defendendo o trabalhador, o emprego. Aí depois um dia prá tirá eles de lá eles

tiveram que vir algemado e o juiz olhar pra eles e mandar tirar as algemas.

Humilhação. Aquilo foi a pior coisa na minha vida. Nunca vou esquecê. Outras

prisões que teve não marcou tanto, mas aquela sim. Foi no ano de 1990. Inclusive

o Zé Paulo era o presidente do sindicato, eles bateram tanto nele que quebraram

ele tudo. Levaram o Serafim prô hospital, tirou clavícula fora. Lá no hospital

deixaram ele algemado preso na cama, depois levaram ele tudo quebrado prô

presido, junto com a turma de novo.

G: Na parte ambiental o que você acha da cidade?

D: Hoje não existe poluição. Hoje as mina estão cuidando muito. É tudo tapado com

árvores. Agora eles estão cuidando. A consciência dos empresário e a turma do

meio ambiente de 96 prá cá estão cuidando muito. Estão investindo nisso. Tão

recuperando muitas áreas perdidas.

G: Muito obrigado pela entrevista. Está excelente.

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3ª ENTREVISTA

Data: 15 de dezembro de 2003

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistada: Geni Bitencourt Daniel

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local da Gravação: Rua Santarém, nº 965. Bairro Princesa Isabel, Criciúma/SC.

3ª ENTREVISTA – GENI BITENCOURT DANIEL

Nome: Geni Bitencourt Daniel

Idade: 83 anos

Estado civil: viúva

Profissões: escolhedeira de carvão mineral e doméstica

Profissão atual: aposentada

Lugares que morou: nasceu em Tubarão/SC e após os 16 anos de idade somente

Criciúma/SC

Número de irmãos: 14 nascidos e nenhum vivo

Filhos: cinco

Local de nascimento: Tubarão/SC

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3ª Entrevista

Legenda

Gerson: G

Geni: Ge

Gerson: Dona Geni. A senhora pode ficar bem à vontade e falar sobre a sua vida

nas minas.

Geni: Eu comecei a trabalhá, eu tinha uns 15 a 16 anos né. Então, era mais ou

menos em 1935. Eu nasci em 1918. Eu trabalhei na Mina Progresso, que era ali em

cima, que era do Portela, ali na rua João Pessoa, a mina era ali. Eu trabalhava fora

da mina. Dentro da mina era só homem né. Trabalhava na escolha. Trazia o carvão

prá fora naquela época, os vagonete de madeira, era sacrificoso, por que até os

trilho era de madeira, um vagonete grande, enchia de carvão lá dentro e trazia prá

fora prá escolha né. Daí as moça, mulhé, escolhia o carvão, tirava as pedra, o xisto.

G: Era muito pesado o serviço?

Ge: Era pesado demais, por que naquela época o carvão ainda era puxado a carro

de boi, até ali onde hoje é o terminal do ônibus. Tinha monte de uns 50 metro de

altura de carvão. O carvão quando sujo ele queimava, era tipo um xisto que

queima. O carvão naquela época tinha tipo de um enxofre. Cheirava forte, dava

uma piança, uma fumaça né.

G: E fazia mal para a saúde?

Ge: Dizem que fazia, mas eu trabalhei e graças a Deus nunca me fez mal, né, mas

trabalhando assim era o xisto que queimava, pegava fogo, uma fumaça. E era

pesado e as mulhé carregava a padiola, carregava em duas.

G: O que era padiola?

Ge: Padiola era um caixote de madeira com duas vara, por que era em duas que

carregava, e o morro do carvão era tão alto que tinha escadinha de madeira e

sarrafo para não escorregar. Depois já trabalhei na Mina Naspolini, ali era carro de

boi.

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G: Eram em quantas que trabalhavam?

Ge: Na escolha? áh! Era uma dez.

G: Todas esposas de mineiros?

Ge: Não, não. Tudo particular. Moças, casadas. Quando eu comecei tinha uns 14

anos.

G: Crianças podiam trabalhar?

Ge: Não, não, não, não, assim, 14 para 15 anos podia. Por que a padiola tinha para

mais de 50 quilos. Daí tinha uma picaretinha prá quebrá o carvão, daí era tudo

quebrado; o carvão, e tirado tudo o metal e a pedra.

G: As mulheres eram amigas?

Ge: Cantava, conversava, fazia de tudo, era escolhido no chão, colocava a padiola

para escolher ali, e depois eu era fiscal.

G: Para ser fiscal tinha que ser brava?

Ge: Tinha umas negrona grande, aquelas eram brabas.

G: A roupa que trabalhavam como era?

Ge: Vestido, normal.

G: E por baixo?

Ge: Mas nunca (risos)! Imagina!

G: E depois onde fostes trabalhar?

Ge: Depois fui trabalhar na CBCA.

G: Gostava de trabalhar na escolha?

Ge: Naquela época tudo era bom, né, era uns 200 réis a padiola, tinha que virar

umas 20, vinte e poucas para ganhar um pouquinho mais.

G: A água já era contaminada?

Ge: Onde pegava carvão era. Tinha uma cachoeira grande que vinha lá do mato e

já era bem vermelha. A água que vem do carvão corta tudo.

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G: O carvão foi bom para Criciúma?

Ge: Imagina! Foi o que fez a Criciúma. Não vê que hoje está parado, por que não

tem quase carvão? Carvão foi o que deu vida a Criciúma!

G: Estão falando em voltar a explorar o carvão.

Ge: Tem pouco carvão. Não tem mais carvão. Por aqui não era poço, mas no

Sangão já era mina de poço. Aqui era inclinado. Agora tem muito pouco carvão e

naquela época não tinha usina, não tinha fábrica.

G: A senhora trabalhou até que idade?

Ge: Até os 22 anos. Depois fiquei em casa, lavando roupa para fora, para criar os

filhos. Tive 5 filhos. Um deles trabalhava na mina. A vida era outra né.

G: A senhora gosta de morar em Criciúma?

Ge: Gosto! Viemos tudo.

G: E as mãos?

Ge: Cheia de calo, e no final de semana passava mamão para afinar e amaciá a

mão.

G: As casas que vocês moravam como eram?

Ge: Nóis morava já numa casa de madeira que a companhia mandava fazer. Era

tudo com coberta de palha. Chamava rua da Palha. As casa da companhia era tudo

coberta com palha e barro. Eu parava com meu irmão e o chefe dele gostava muito

dele, gostava demais, então mandô fazer uma casa de madeira para nóis, né.

G: As casas tinham repartição?

Ge: Tinham, tinham, era repartição mesma coisa, era tudo de barro.

G: E o banheiro?

Ge: Não tinha banhero. Era uma bacia, lavava loça na bacia, tomava banho na

bacia. Não tinha pia, não tinha nada, era uma pobreza. Naquela época tinha muito

mais pobreza do que agora. O que ganhava não dava prá nada, só que era tudo

barato também.

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G: E a alimentação de vocês?

Ge: Arroz, feijão, sopa, muita sopa. Na panela, com fogão de barro, nem de lenha

era! E a comida era boa né! Não tinha verdura, só algum repolho.

G: Quando comiam?

Ge: Tomava café antis de saí de casa e depois o almoço era meio dia. Pegava às 8

e saía às 4. Depois que o Getúlio entrou, botou o horário de serviço. Sábado

trabalhava o dia todo, mais domingo não.

G: E namoravam na mina?

Ge: Ah! Namorava. Nóis era muito marvada. Tinha uns italianinho muito bonito. Ah!

Brincava, paquerava, inticava com eles, mas eram muito encabulado, eles não

davam bola né!

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4ª ENTREVISTA

Data: 23 de junho de 2004

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: Jairo Viana Júnior

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local de gravação: escritório regional da FATMA, rua Melvin Jones, nº 123, bairro

Comerciário, Criciúma/SC

4ª ENTREVISTA - JAIRO V. JÚNIOR

Nome: Jairo Viana Junior

Idade: 43 anos

Estado civil: casado

Profissão: Bacharel em Direito

Profissão atual: fiscal da FATMA

Local de nascimento: Laguna/SC

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4ª ENTREVISTA

Legenda

Gerson: G

Jairo: J

Gerson: Jairo gostaria que nessa entrevista você relatasse a sua história de vida na

região carbonífera, a qual sabemos que sempre houve um grande envolvimento

com as questões ambientais, até mesmo por trabalhar numa fundação que é

voltada para isso.

Jairo: Bom, Eu nasci em Laguna. Eu morei até os 4 anos de idade em Laguna. Eu

nasci em 1966. Meu pai era funcionário público federal, fui transferido para São

Francisco do Sul e moramos lá até final de 1969. Em 1970 então viemos aqui para

Criciúma e a primeira visão que eu tive de Criciúma assim, quando eu cheguei aqui

que eu me lembro, naquela época tinha 9 anos, foi uma cidade suja, fumaça com

mau cheiro, eu cheguei bem na época do “boom” do carvão né. Em muitas áreas do

centro da cidade ainda eram expostas com pirita, rejeito exposto em tudo quando

era lugar, e a pirita queimando direto assim, e eu fui uma criança que tive asma, vivi

sempre em cidade do litoral com paz, ar puro, e vim pra cá pra Criciúma e sofri

demais aqui. Eu me lembro assim, tenho uma imagem muito negativa. Então eu

estudei no colégio Lapagesse, morava ali perto do campo do Criciúma, ainda

quando tinha cerca de madera, e daí desse trajeto a gente passava pela estrada de

ferro, ali, onde é o terminal urbano hoje, e me lembro ainda da pirita exposta, os

trens passando e toda aquela situação de degradação, e ninguém se importava

com isso né, ninguém se importava com isso. A partir daí então, estudei no colégio

São Bento, no centro da cidade, e em 1977 fui morar em laguna, em 1979 fui pra

Florianópolis estudá. Sempre levando esta imagem negativa de Criciúma. Daí morei

em Florianópolis e o contato com Criciúma se dava em fim de semana quando

vinha visitá a mãe, irmã e tal. Em 1990 então eu saí de Florianópolis e fui estudá

direito em Tubarão. E por conseqüência disso entrei na FATMA em 1985 como

estagiário, quando tive o primero contato com questões ambientais, com questões

de defesa do meio ambiente. Nessa época também em 1985 eu fazia o curso de

arquitetura, na Universidade Federal de Florianópolis, e lembro que lá tinha uma

matéria, conservação dos recursos naturais, e lembro que foi pedido, como eu era

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do sul, foi pedido que eu fizesse um estudo então, um “paper”, alguma coisa sobre

o carvão, e foi quando eu fiz uma pesquisa e me deparei com a situação caótica da

exploração do carvão daqui da região sul. Em 1990 quando eu vim morar aqui em

Criciúma novamente né, definitivamente, é que eu vi que poca coisa tinha mudado.

Poca coisa tinha mudado porquê? Aquelas áreas onde era lixão, depósito de pirita,

todas elas foram ocupada por assentamento urbano. E a maioria delas de forma

desordenada e inadequada. Como é que você vai botá um sistema de tratamento

de esgoto na pirita né. Eu vi terrenos todo aterrado ali, naquela região da Próspera,

a região do Mina Quatro, a Boa Vista, toda essa região que de área minerada, a

Cidade Minera, toda ela ocupada onde era as áreas de depósito, área de lavadô de

carvão das minas, todas elas foram ocupadas pelos mineiros e famílias dos

mineiros depois né, de forma desordenada, ocupando sempre o espaço territorial

da forma mais desorganizada possível. Tanto que em Criciúma hoje, se tu fores

olhá, a população hoje só tem dois espaços públicos onde se aproveita pra algum

tipo de lazer, que é a Praça do Congresso e a Praça Nereu. Não existe em

Criciúma otro lugar público que tu veja tamanha concentração de pessoas prá lazer

e diversão. Só estes dois pontos. Se agente for olhar ainda a oferta de equipamento

urbano pra esses dois pontos é ridícula. Então dentro dessa situação caótica que

eu encontrei aqui em 1990, ainda mais que eu trabalhava num órgão de proteção

ambiental, agente tem acesso a todos os dados, todas as técnicas utilizadas pra

explorar carvão, tudo que foi feito, tudo que deixou de ser feito, o que tem por fazer

na cidade, na região. Criciúma hoje não explora mais carvão. O que se tem hoje

aqui é garimpagem. Você pega rejeito prá lavá, mesmo assim com potencial

poluidô muito grande, por que você lava rejeito, tem rejeito do rejeito, e às vezes

até o rejeito do rejeito do rejeito, tudo isso exposto aonde? Colocado aonde?

Agente sabe que é largado por aí de forma inadequada. Os aterros de rejeito de

carvão não segue técnica alguma, impermeabilização do solo. Muito pelo contrário,

as áreas utilizadas aqui prá, prá depósito de rejeito era em banhado né. Todas as

áreas de banhado da cidade foram aterradas com pirita. Com rejeito do carvão.

Então o potencial de contaminação prás áreas superficiais e subterrâneas é

medonho. Tu não tem como mensurá o potencial poluidor. Aliás, o grande problema

da região hoje. Não tá só nas minas em atividade.

O grande problema da região tá nos depósitos inadequados de rejeito. Por esse

grande problema, tanto de usar os aqüíferos superficiais e subterrâneos, quanto

depois da ocupação urbana em cima deles. Um exemplo típico que eu via da janela

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do prédio em que eu morava na década de 1970, foi a construção da nossa

rodoviária. Aquela área ali era toda um banhado. Eu me lembro do arrozal que tinha

ali, do banhado que tinha do lado do trilho, e toda aquela área ali foi aterrada com

pirita, com rejeito de carvão. E hoje tem uma ocupação urbana em cima, inclusive a

faculdade onde tu leciona. Então, todo o nosso solo foi ocupado assim. Tanto é que

hoje o rio Criciúma que passa naquele entroncamento da Henrique Laje com a

Centenário, ele sumiu. Se tu fores no pátio hoje da oficina Admol tu vê água

brotando do chão. Era um banhado ali. Ali era uma área de dispersão do rio

Criciúma e foi toda aterrada com rejeito de carvão e ocupada desordenadamente.

Então a questão ambiental de Criciúma está basicamente centrada na exploração

do carvão. E quem fazia a exploração do carvão nessa época? CSN, uma empresa

estatal. Era a própria União que minerava aqui, em Siderópolis, Treviso, hoje, todas

aquelas áreas degradadas pela famosa Marion que ainda funciona hoje no Paraná.

Toda essa área foi feita pela CSN. E muita gente hoje dono de mina, eram eis

funcionários da estatal. Que vem repetindo as mesmas práticas de exploração

desordenada dos anos 70 e 80 que foi o “boom” do carvão aqui. E hoje a gente

pergunta: Prá que se explora carvão? Por que se explora carvão na região ainda?

Por que essa é uma área crítica decretada pelo Governo Federal desde a década

de 80? E Isso é um decreto! É uma área crítica em termos de poluição e não se vê

nada pra reverte esse quadro. Em Cubatão, por exemplo, se tu lembrares na

década de 80 o que era Cubatão e o que é hoje, vai vê que muita coisa melhorô.

Também era uma área crítica nacional e que deixô de sê.

G: O que você acha da recuperação que estão fazendo nas áreas de carvão?

J: Não adianta nada. Se tu pegares profissionais sérios, profissionais que realmente

estejam dispostos a dar uma resposta pra sociedade, prá comunidade, como a

gente tem alguns exemplos aqui em Criciúma, que são até deixados de lado, pela

sociedade criciumense, você vai vê que essas técnicas de recuperação não são

mais nada menus nada que uma simples maquiagem. É a mesma coisa que tu

varrê poeira prá baixo do tapete da tua casa. Não resolve nada. A poeira continua

ali em baixo do tapete, só que tá escondida. Mas o potencial de poluição daquele

rejeito que foi escondido continua o mesmo, pur quê na base dele não foi feito

nada. Não teve um preparo do solo pra recebe esse material. Não existe

impermeabilização desse material. A Mina 3 recentimenti aqui, sob protestus meu,

foi autorizada a colocá rejeitu de carvão dentro de uma cava daquelas que a Marion

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deixô e inundada de água. Por que supostamente, técnicos canadenses ou técnicos

não sei da onde disseram que era melhor a pirita tá submersa. Ora, se a gente

sabe que a pirita é um material reagenti, é considerado pela ABNT um resíduo de

classe 2, ela reage espontaneamente em contato com o ar e a água, ela reage e

entra numa combustão espontânea, como é que tu vai botá isso dentro d’água? Tu

sabe também que potencial isso tem de lixiiviá metais pesados para os recursos

hídricos. Os metais são zinco, chumbo, cadmium, ferro. Se chega a penetrar no

corpo humano, certos metais pesado tem efeito cumulativo. O chumbo entrô no

organismo humano não sai mais. Cromo. O cromo não sai mais. Ele se adere ao

tecido adiposo. Mesma coisa agrotóxico.

O potencial de poluição desses mais de 7.000 ha já poluídos vai prô rio Araranguá,

e acaba no Oceano Atlântico. Ninguém estuda os peixes que se pesca na foz do rio

Araranguá, prá sabe se tão contaminado ou não com metal pesado. O lodo da foz

do rio também não é estudado, então, não se tem uma consciência de preservação

ambiental aqui na região, e também os nossos organismos oficiais também não dão

margem prá que esses estudos sejam feitos. Não se estuda isso que é prá

população não sabê realmente disso. A época que nasceu aqui criança sem

cérebro foi dado continuidade nesse estudo? Alguém sabe do resultado desse

estudo? Alguém sabe se ainda continua nascendo criança sem cérebro aqui na

região? A mesma coisa na parte de câncer também. Sabe-se, até aqui na última

audiência da usina termelétrica de que o maior índice de câncer é Nova Veneza.

Mas Nova Veneza é um município pequeno né. Então vai se perguntá por que Nova

Veneza! Lá não tem carvão, não tem mina de carvão não tem nada. Mas lá tem um

parque industrial voltado pra siderurgia. E tem também o resíduo também industrial,

altamente contaminante que são as areias fenólicas usadas na fundição e as areias

usadas também prá desengraxá e prá limpeza de peças. Essas areias têm um

potencial de poluição medonho. Classe 2 também, e sabe-se que a maioria dos

lotes urbanos ali do Caravágio, muitas áreas em que hoje tem ocupação humana

em cima foram aterradas também com esse rejeito. Tu encontra áreas aterradas na

região de Criciúma com essa areia fenólica. Aqui há uns meses atrás saiu uma

reportagem que uma empresa da região estava colocando esses blocos de areia

fenólica. Em frente do fórum. Prá aterrar aquele banhado que esta o fórum. Outro

exemplo negativo é que o fórum está encima de um curso d’água, encima de um

banhado, que foi aterrado com pirita.

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G: Tu falastes que Laguna apesar de fazer parte da região carbonífera também é

afetada pela poluição...

J: Não só Laguna, mas como Ilhas, Laguna e a Barra do Torneiro que também é

otra comunidade esquecida, são o destino de todo esses esgoto cloacal de todas

essas cidades aqui e mais o rejeito do carvão. Se vê só: Araranguá, Forquilhinha,

Nova Veneza, Criciúma, Turvo, Ermo, Meleiro, em todas, o esgoto cloacal e o

rejeito vão dá na comunidade de Ilhas. Ilhas é o sumidoro e a fossa de toda região

ali.

Nenhuma cidade tem tratamento de esgoto. Na região aqui nenhuma tem. E no

verão se vê o número de banhistas que vão lá prá aquela região de Ilhas tomá

banho! Isso sem fala no problema da agricultura né. A plantação de arroiz. Que eu

entendo que hoje é a atividade que mais degrada e mais polui a região sul. Por

que? A mais porquê? Primero o uso indiscriminado, discontrolado, sem fiscalização

do uso de agrotóxico. E não se dá também possibilidade de pesquisa prá se saber

qual a quantidade de agrotóxico, principalmente na bacia do rio Araranguá. Tubarão

também. Laguna, aquela região do Camacho, isso tudo vai desaguá na lagoa de

Santo Antônio dos Anjos, que banha a cidade de Laguna. Sai ali pelo rio Tubarão,

nos molhes da barra em Laguna. Laguna também é um grande esgoto de Tubarão,

Braço do Norte, Orleans, Lauro Müller, Ipanema, com todo potencial que tem a

criação de suínos né.

Só se dá conta disso quando chove muito, com a destruição da mata ciliar, das

nascentes. São tudo destruída em prol do desenvolvimento econômico, isso vai

pará tudo na fóiz dos rios, e a gente vê embalagem de agrotóxico, refrigerante,

animal morto, sofá, televisão, porco. É só depois de uma enchente tu ir no mar,

para ver o que tu acha na bera da praia.

Prá encerrá, acho que a solução existi, prá tudo tem solução. Em outubro de 2003

nóis tivemo contato com o ministro do meio ambiente da Alemanha, em Brasília. O

mundo qué abolir o uso de energias não renováveis, por que sabe que o petróleo

acaba lá por volta de 2050. O carvão tem um problema de poluição danado, o

nosso carvão aqui da região é um dos piores do mundo, 70% dele são resíduos e

cinza, nosso carvão é muito pobre em poder calorífico. Você pega as coquerias

daqui que produzem carvão prá indústria siderúrgica, você vê que nenhuma delas

tem controle para a poluição atmosférica. É tudo queimado e vai tudo prá

atmosfera, sem controle, sem medição, sem dados estatísticos, sem nada. Não se

sabe nem a qualidade do ar que se tem em Criciúma. Nem a quantidade de metais

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que é lançado na atmosfera por essas coquerias. Não se tem dadus e não se qué.

Os detentores do conhecimento, do ensino, não querem que a população tenha

esses conhecimento. Se tu for colocá todas as técnicas para extração,

beneficiamento, controle, como tem na Europa, vai ver que a exploração do carvão

é anti-econômica, por que vai muito equipamento e tecnologia, dá prejuízo retirá

esse carvão. Sabendo disso é claro que a população vai exigir do poder público um

direcionamento prá utilizá outras fontes de energia, que são as energias

renováveis, utilização da energia eólica, utilização da energia solar, a energia

fotovoltaica né. Você pode economizar quanto num prédiu hoje aquecendo a água

com placas solares! Eu não quero que o Brasil produza mais energia, eu quero que

o Brasil utilize racionalmente a energia que tem. É possível ter crescimento? Claro

que sim. Por que não utilizar biogás, biodiesel. Por que as nossas frotas de ônibus

aqui no centro não utilizam gás veicular? Sabe-se que o mundo tá direcionado pra

utilização do hidrogênio. É uma coisa que a região sul do estado não quer

enchergá. Fica aqui vivendo no passado, como se tudo acontecesse na década de

70... Dispondo lixo e resíduo industrial em qualquer lugar que você acha por aí e as

pessoas acham isso normal... É a chamada “Normose”. Tudo é normal. O pessoal

tá tão acostumado a viver na imundície na sujeira, nem se importa para onde vai o

lixo dele, não pergunta que destino é dado prô lixu. É possível botar o resíduo de

forma adequada? É. Por que não se faz? É caro, muito caro, e o empresário do

carvão qué é lucro. Não qué investi em recuperação ambiental, em educação

ambiental. Eles dizem: ah! Mas nós investimos na UNESC, na SATC. Eu acho até

que este investimento é um pouco equivocado. Eu queria saber quem é que dá

educação ambiental na SATC, o que é que falam pros alunos da SATC sob

recuperação ambiental, quem são os disseminadores de conhecimento, que atinge

essa juventude. É quem eles querem. Eu nunca vou dar aula na SATC. Nunca vou

ser convidado prá dar aula na SATC. Nem na UNESC. Acho que é mais fácil eu dar

aula em Florianópolis, Tubarão, Araranguá, do que na minha cidade de Criciúma,

onde eu vivo, trabalho e crio meus filho. É o jogo do poder né. O trabalho da

FATMA hoje é totalmente controlado pelo poder econômico. É poder econômico

que nomeia diretor, que bota coordenadores, cargos de chefia, muitas vezes entra

em choque com o que pensa até alguns técnico da FATMA. O nosso quadro já não

se renova mais desde 1994. Nossos funcionários não evoluíram, não estudaram,

nunca tiveram direito ambiental ou legislação ambiental nas suas escolas, não vê a

necessidade de defender o coletivo primero, do que defender o interesse

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econômico e individual, não há renovação. O pessoal de engenharia ambiental não

tem espaço na FATMA, Biólogos com outra visão, que estudaram outras coisas. O

IBAMA recentemente feiz uma renovação. O IBAMA tem uma visão pra defender o

interesse coletivo que é o que a constituição manda. O poder público tem o dever

de preservar e defender o meio ambiente prás atuais e futuras gerações. Isto está

na constituição artigo 225.

Muitos colegas foram criados com aquela visão capitalista ao pé da letra: produzir,

crescer, prosperar, ganhar dinheiro. E eu pergunto: produzir prá que? Prá quem?

Prosperar porquê? Crescer como?

É isso que o setor produtivo hoje não qué. É dizê prá nóis o que é que eles querem

com isso. O que é que eles querem com o carvão aqui, o quê que a carbonífera

Criciúma quer comprando aquela usina lá no Rio Grande do Sul. Quer aumentar a

produção do carvão? Quero. Então a sociedade merece atenção também. Nóis

queremos responsabilidade na exploração do carvão. O parque industrial também

precisa ter uma responsabilidade quanto a resíduo industrial, que não tem nenhum.

Uma responsabilidade dos organismo públicos quanto a disposição adequada dos

resíduos sólidos e uma utilização racional desses resíduos.

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5ª ENTREVISTA

Data: 18 de junho de 2004.

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: José Carlos Bitencourt

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local de gravação: Rua Pascoal Meller, nº 73, Centro, Criciúma/SC

5ª ENTREVISTA - JOSÉ CARLOS BITENCOURT

Nome: José Carlos Bitencourt

Idade: 47 anos

Naturalidade: Siderópolis

Estado civil: casado

Profissão: Mineiro e Técnico em Segurança do Trabalho

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5ª ENTREVISTA

Legenda

Gerson: G

José: J

Gerson: Bom Sr. José, não conheço o senhor, mas por trabalhar aqui no sindicato

me disseram que o senhor tem muita vivência nas minas e gostaria que o senhor

me dissesse livremente, sem nada para comprometê-lo, tudo o que senhor quiser

falar sobre a mineração e a questão ambiental.

José: Na verdade eu nasci em Siderópolis, meu pai foi mineiro da CSN, trabalhou

25 anos naquela máquina Marion, uma escavadeira, era uma máquina que ela fazia

extração a céu aberto, ela tirava o rejeito, e deixava só no carvão. Daí vinha outra

máquina, colocava nos caminhão, e levava para lavar na CSN, os lavadô né. Então

era uma extração a céu aberto, que não tinha controle ambiental, não havia

consciência ambiental nenhuma, não sei se não havia ou houve negligência, ou

houve não sei o que, enfim, a verdade é que prejudicava muito aquela região ali.

Eles acabaram com os rios, na época todo mundo ganhou dinheiro, não se tinha

aquela preocupação que tem hoje, de preservação ambiental. Então, a gente se

criou ali, e meu sonho era vir pra Criciúma, a gente veio em 75, veio morar aqui no

Pinheirinho, mas antes estudei na SATC. Daí não consegui me formar na SATC e

fui trabalhar na CECRISA em 76, já morava no Pinheirinho, era solteiro, trabalhei 6

meses na CECRISA e saí. E daí fui trabalhar na CSN, que é uma estatal, né,

Companhia Siderúrgica Nacional, era a mesma de Siderópolis, mas a CSN aqui era

como uma filial. A sede é em Volta Redonda no Rio né, fazia extração a céu aberto

em Siderópolis e aqui era no sub-solo, então eu vim trabalhá nesta empresa, que é

uma sub-sede da CSN do Rio né. Isso foi em 77, trabalhei na carpintaria, então eu

pude estudar à noite. Trabalhava de manhã né. Em 1980 eu casei, daí em 81 eu fui

trabalhá na mina, de apontador. Apontador é o que fazia o ponto do pessoal na

mina né. Daí eu tive vários contatos com os mineiros. Mas antes, em 1980 eu fui

trabalhar embaixo duma mina em Siderópolis. Fui fazê um planilho lá. Então, passei

algum susto por que não conhecia o subsolo da mina. Serviço perigoso lá, serviço

que requer muita atenção embaixo da mina, trabalhei alguns meses lá fazendo

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plano, depois voltei de novo, voltei pra Criciúma e fui trabalhá na mina “A” do

Sangão. Fiquei lá até 1990. Já tinha um sonho de defender os mineiros, os

explorados, os menos favorecidos. Então, assim, a gente tinha orgulho de ser

mineiro. A mineração me proporcionou um meio para eu voltar a estudar. Uma vida

melhor, tinha um salário razoável, salário de mineiro era um salário razoável, né, e

eu me identifiquei muito com os mineiros. Vem do meu pai, do meus tio, todo

mundo era mineiro. Então a gente deu seqüência no trabalho do meu tio e do meu

pai. Bom. Em 1990 o Color ganhou a eleição e fechou a mina, a CSN, e privatizou,

e daí eu fiquei desempregado. Então eu trabalhei na carpintaria, na Próspera,

trabalhei embaixo da mina, fazendo plano, e também trabalhei no almoxarifado,

trabalhei em vários setores lá na CSN, durante 13 anos, depois fiquei

desempregado e em 1992 pequei na CBCA. Aí eu fiz um curso de segurança no

CIS, e me formei em técnico em segurança. Aí eu peguei na CBCA, aí me deram

uma chance lá como técnico em segurança. Daí passei a trabalhar como técnico de

segurança de subsolo. Uma experiência interessante a área de segurança debaixo

da mina. Uma área crítica né, tem que atuar no sentido de preservar a vida do

pessoal. O bem maior é a vida né. Antes era o nome de supervisor de segurança,

agora é técnico de segurança. Até hoje sou técnico de segurança. Hoje estou ligado

à Coperminas e ligado ao subsolo ainda né. Então assim, debaixo da mina, 120

metros de profundidade, de escuridão, fumaça.

A mineração mudou muito. No passado era degradante, não havia controle

ambiental nenhum. A partir de 92-94 criou-se uma nova regulamentação que antes

as empresas faziam um recuo de pilares, tiravam os pilares da mina né. Ganhavam

mais dinheiro, por que quando tirava os pilares, caía mais carvão. Hoje não pode

mais. Hoje eles não fazem mais, pois prejudica alguns rios, alguma nascente, hoje

pela lei já não pode mais fazer recuo de pilar. Tem que deixar os pilar intacto. Pilar

é o que sustenta toda a rocha. Os lençóis freáticos. Pilar é tipo uma tábua.

A mina hoje ela mudou muito. Antigamente tinha muitos óbitos na mina, porque não

havia aquela consciência do próprio mineiro. Ele trabalhava de forma rústica,

primária. Hoje não, a mina tá segura hoje. Hoje eles tão sabendo que prá minerar,

hoje é preciso respeitar as leis ambientais, os órgãos ambientais, tanto é que hoje

não tem nenhum caso mais de pneumoconiose. Só antes. Hoje acabou. Tem uma

nova consciência. Hoje tem que furar à úmido. Não pode mais furar à seco como

antes né. Mudou muito de ontem para hoje, então é preciso relatar isto. A

mineração hoje é diferente. O que muitos falam é do passado. A mina hoje é bem

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diferente do passado. Isso é que tem que ser bem destacado. Hoje as empresas

estão investindo muito na questão ambiental. Também tem que pensar no futuro de

nossos filhos. Não é só garantir o emprego ou renda. Isso aí é uma nova visão né.

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6ª ENTREVISTA

Data: 25 de junho de 2004

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: José Severiano

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local de gravação: Rua Princesa Isabel, ed. Diplomata, ap. 201, Criciúma/SC

6ª ENTREVISTA – JOSÉ SEVERIANO

Nome: José Severiano

Idade: 65 anos

Estado civil: casado

Profissão: geólogo

Escolaridade: superior completo

Tempo em que reside na região carbonífera: 34 anos

Local de nascimento: Paraíba

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6ª ENTREVISTA

Legenda

Gerson: G

José Severiano: JS

Gerson: Seu José, eu gostaria que o senhor falasse de suas experiências com a

área ambiental, mais precisamente com o carvão aqui na região carbonífera.

José Severiano: Eu nasci no interior da Paraíba, em 1938. A atividade era

principalmente cana-de-açúcar. Cheguei ainda a trabalhá em algum canavial

pequeno, mas cheguei a trabalhá. Depois saí, fui estudá em Recife e

posteriormente em São Paulo em 1956. Levei sorti de conseguir estudá. Eu sempre

tive como meta estudá. Trabalhá em canavial não é fácil. No nível de esforço físico

quase que se assemelha ao trabalho de minero. O esforço é quase mais ou menus

idêntico. Dei aula de mineralogia na SATC. Estudei geologia na Rússia.

Vim para Criciúma em 1970. Não tinha rua asfaltada. A poera era forti, mas eu bóto

um limite do governo do prefeito Manique, que Criciúma recebeu um

desenvolvimento tão grande, que se você fôsse vir em Criciúma antes de 72 e

depois de 72 você talvez não reconhecesse a cidade, por que realmente de 74 a 76

Criciúma cresceu bastante. Criciúma teve um desenvolvimento extraordinário. Não

foi só mérito do prefeito, mas dos empresários também. Eu acho que na cidade, a

poluição lógico que se acabô, mas Criciúma a poluição foi antes dessa época, hoje

você não tem mais carboníferas, com exceção da catarinense que tem uma mina ali

em Rio Maina. Quem tem hoje uma poluição mais forti é Siderópolis, Treviso, Lauro

Müller, uma poluição mais direta. Criciúma tá uma cidade limpa. Carece de muita

coisa nóis sabemos; infraestrutura, mas ela cresceu e também procurô investi

muito. Não é ainda o suficiente, temos que despoluir nossos rios. Hoje a água vem

de 20 km. Nós poderia ter água aqui do rio Mãe Luzia. Mas nossas nascentes estão

contaminadas. Mas a tendência é melhorá cada dia. Não é uma cidade livre de

poluição, não proveniente do carvão, mas temos um parque industrial muito grande,

metalurgia, vão continuá poluindo, mas isso é uma coisa. Muita gente diz que pode

pará com o carvão. Mas se pará, a cidade vai sofrê com a retirada do carvão, por

que o carvão trais muito empregos, diretos, indiretos, o carvão pra mim ainda é um

suporte econômico muito importante pra Criciúma e região. A mineração não é o

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vilão da história, tudo é o carvão, mas o carvão não é toda essa coisa. Foi no

passado, no passado não se sabia quanto era danoso, mas hoje a consciência já

está muito grande. Mesmo os órgãos ambientais não têm profissionais suficientes,

não dá prá fazê uma fiscalização efetiva por falta de pessoas.

G: Quando o senhor morou na Rússia já havia poluição?

JS: A gente ainda não dizia poluição. Eu vi melhor quando eu voltei para a Rússia

em 1986. Estive visitando uma mina de enxofre, e associados, na Sibéria, na parte

dos Montes Urais, então eu percebi que ainda não tinha naquela época os cuidados

que tem aqui. Aqui nóis somos mais cuidadosos até com o meio ambiente. Naquela

época nóis tratava o meio ambiente com muito mais atenção do que era na própria

União Soviética. A gente fala muito, mas hoje a própria Europa, não é bem tudo

como dizem, a Europa tem muitos problemas. Na Alemanha, no coração da França,

na Inglaterra, hoje ainda. Quem é que fechô uma mina de carvão em alguma parte

da Europa que eu saiba? Todos mineram com responsabilidade. Então eu acho que

nós temos que fazer é bons projetos, colocá eles em prática, e realmente cumprir

com aquele projeto que tem. O nosso maior problema é não cumprir projeto. Temos

projeto muito bons. A França minera carvão até hoje! Na Europa o carvão é muito

importante, pra nóis também é muito importante. Nos Estados Unidos, no Canadá

eles mineram carvão. Não quero tirar o mérito que seja realmente fiscalizado, uma

fiscalização serrada, por que o minerador, ninguém quer gastar. Se puder não

fazer, não fazem. Mas se houver fiscalização nóis temos bons projetos que vai

deixar a mineração uma indústria limpa. Uma coisa que eu quero dexá claro

quando eu falo em mineração. Toda mineração é impactante. Toda mineração traiz

poluição. Agora, a poluição, não tem nenhuma indústria que não polua, agora o que

nóis precisamos saber é que nós precisamos dessa indústria e que nós temos os

meios de coibí que essa poluição seja mais do que ela própria pode ocasioná.

Quando você qué minerá no subsolo, você lógico não enxerga essa poluição, mas

o nosso defeito maior foi jogar muito rejeito no passado, muito rejeito no ar, e a

pirita poluiu até certo ponto, mas longe de chegá ao ponto do carvão. Você quer ver

mais impactante do que o lixão? Esse monte de ônibus passando na Centenário?

Tudo queimando óleo e expelindo monóxido de carbono?

Todos os países estão a pleno vapor aproveitando seus recursos, por que nos não

podemos aproveitar?

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7ª ENTREVISTA

Data: 29 de junho de 2004.

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: Lorisval Nunes de Mello

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local da Gravação: Vila Nova, Içara/SC.

7ª ENTREVISTA - LORISVAL NUNES DE MELLO

Nome: Lorisval Nunes de Mello

Idade: 78 anos

Estado civil: casado

Profissão: mineiro e agricultor

Profissão atual: aposentado

Local de nascimento: Içara/SC

Tempo em que reside na região carbonífera: 78 anos

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7ª ENTREVISTA

Legenda

Gerson: G

Lorisval: L

Gerson: Sr, Loro, a entrevista é livre e gostaria que o senhor comentasse suas

lembranças da época em que o Sr. era trabalhador na mineração de carvão.

Lorisval: Eu nasci e com 11 anos eu perdi a minha mãe, fiquei só com o meu pai, aí

ele criou nós tudo e ele tinha 8 filho também e ele criou nós tudo sozinho. Não

casou mais e ele era colono. Aí, quando eu cheguei com 23 anos para 24, eu me

casei... aí eu me casei com muito medo de até não pudê...eu era muito frustrado

né! Me casei com medo de vivê com a mulher né. Essas barra com umas zembra42

que tem por aí né, aí nós não podemos vivê, né. Mas aí não. Graças a Deus, casei

com uma mulher de acordo... e fomos para a luta. E eu me casei no dia...seis de

setembro de mil novecentos e cinqüenta. E quando chegou no dia..., agora não

digo o dia certo, mas foi em setembro de novo... de vinte e oito...me casei em

cinqüenta..., em cinqüenta em oito. Daí em cinqüenta e oito eu fui prá mina...deixei

tudo que era meu aqui e fui para a mina, daí eu fui para a mina, trabalhá ali na mina

do Poço Oito. Peguei no Poço Oito. Aí...fui trabalhando, fui indo, fui indo, e fui

ficando por ali, e depois então... tudo era a braço. Quando eu cheguei, nós

recebemos sessenta e quatro picareta, e um carrinho-trolinho... e 64 picaretas

apontada, né. Tinha dia que nós levava aquelas 64 picareta apontada e tinha que

voltar na rua prá apontá de novo para poder cortar rafa43, de tão duro que era. E

assim continuou até por 3 anos que eu trabalhei. Assim!...à braço. Aí depois, veio o

tal de trado44. Aí o sindicato virou a lutar para nós fazê seis horas, por que nós

baixava de manhã, no clarear do dia, chegava em casa tarde da noite. Então meu

filho não conhecia eu, não queria eu né.

G: Não tinha hora para trabalhar?

L: Não. É assim mesmo como eu estou de dizendo! Para poder defender o pirão

dos meninos né. Das crianças. Então o meu segundo filho não aceitava eu como

42 Zembra: coisa que não presta. Termo regional (informação do Sr. Lorisval N. De Mello). 43 Rafar é gastar com o uso. Quando o Sr. Lorisval diz “cortar rafa”, é cortar com o instrumento afiado, já que a picareta vai perdendo o fio com o uso. 44 Trado: grande verruma. Espécie de broca.

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pai. Não, não aceitava não. Chegava no Domingo eu ia botar ele no colo ele

chorava, não queria eu né. Tá vendo? É por que ele só me via no Domingo. Os

outros dias ele não via. Eu tava sempre trabalhando. Levantava no clarear do dia,

ele tava dormindo, ia para o serviço né. Quando chegava tarde da noite quando

chegava em casa, ele tava dormindo de novo. E assim eu lutei 17 anos. Nesses 17

anos eu adoeci... e eu...criei uma úlcera... que eles tratavam a úlcera péptica. E

nunca teve remédio e nunca teve operação.

Aí eu tinha muita raiva de viver na fila. Para receber o pagamento na fila era um

trabalho né. Aí eu lutava para fazer uma aposentadoria especial e aí veio a

aposentadoria especial né, com 15 anos. E eu lutava para fazer a aposentadoria

especial e não dava rapais! E aí fui desacorçoando. Num derradeiro ano eu até quis

até arriar tudo...mas aí com muito conselho...toquei para frente, até que fiz a minha

aposentadoria especial. Aí desse dia para cá eu fiquei descansado...fiquei

descansado. Daí eu não contei certo né. Já fui pro final.

Mas veio as 6 horas e o trado; nós recebemos o trado, dois quilos de dinamite, e

uma talba45, uma talba de prender o trado né. Então nós furava com aquele trado e

saía sempre nas 6 horas, nunca mais pegou nós o dia todo embaixo da mina. Daí

foi indo, foi indo, passou mais uns 6 anos, aí veio a furatriz46. Então quando aí veio

a furatriz, aí melhorou tudo. Por que aí uma só furatriz daquelas ali furava uma

barbaridade de galeria né. Aí o furador entrava, furava, e depois nós vinha e dava

fogo47, e desmoronava ela toda. Aí nós puxava nove carro de pedra e três de

carvão, duma mestra (risos), compreendesses?

G: De uma o quê?

L: De uma mestra. Por que tem a mestra, tem o cruzeiro e tem a pilastra de volta

né. Você entende? Então nós trabalhava numa mestra e nós tirava... nove carros

de pedra e trêis de carvão. Era só o que dava. E nós tinha uma orientação do

sindicato, que nós não podia dar prejuízo para o patrão de maneira nenhuma.

Então nós era obrigado a permanecer no serviço até que nós pudesse tirar aqueles

três carros. Que era um para mim, outro para o mineiro e outro para a companhia.

Você entendeu? Essa era a nossa orientação sindical. Até diziam que era

comunista aquele homem. Depois quando deu o golpe militar ele foi parar na farra.

Foi parar no mundo, nunca mais vi né. Não sei para onde é que ele foi. (tosse). 45 Talba: tábua de madeira 46 Furatriz: máquina de perfurar. Perfuratriz. 47 Dar fogo: colocar dinamite e detonar.

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G: Quem era este?

L: É..., era o advogado do sindicato. O advogado do sindicato é que dizia que não

se trabalhava para dar prejuízo para a empresa né. Então quando passasse para o

nosso serviço, que não desse prejuízo para a empresa. Então nós era medonho né,

nós lutava mesmo para não dar prejuízo para a empresa. Por que era uma coisa

certa. A nossa empresa chegou a ter 700 homens. Trabalhando num dia nós fazia

pitéca48 né. Criava carvão que era um causo sério. E depois então quando chegou

bem agora no finzinho veio o tal de langol49. Aí então ficou melhor. Por que aí

cortava o langol né. E dava fogo no langol. E aí o carvão corria por uma calha...

todo mundo colocava por dentro de uma calha, compreende. Todo mundo paliava

dentro de uma calha, e a calha puxava por uma correia e ia embora né. (tosse).

Acabou-se o vagonete, acabou-se tudo.

G: Que idade o senhor tinha quando foi trabalhar na mina?

L: Quando eu fui trabalhar na mina eu tinha 30, e saí com 46.

G: Tinha crianças e mulheres que trabalhavam na mina?

L: Não, não, era só homem né. Aqui não tinha escolhedeira de carvão. Tinha umas

escolhedera aí, mas era na rua, mas era muito pouca né. Aqui a escolha era pouca.

Diziam eles que o nosso carvão era um carvãozinho fininho. Tu entende? E eles

diziam que o nosso carvão era ruim. Mas o nosso carvão que tirava aqui é que eles

misturavam e vendiam com outro carvão pior.

Mas por isso é que eu digo para ti: os mineiros morrem trabalhando, e o minerador

fica rico!

Então hoje eu sou contra a mina e se me perguntar por que eu sou contra a mina

eu digo: é por que onde nós trabalhava, tinha 700 hectares de terra que ficou sem

préstimo. E agora queriam abrir outra lá. No sul. Aí já o meu filho era vereador né, e

aí deu porco... então aí é por isso que eu sou contra a mina. Por que a mina só

derrisca50. Tira a terra do trabalhador trabalhar, para viver, quatro fica rico,... e o

mineiro fica doente. Foi isso que aconteceu com nós.

48 Pitéca: fazer mal para os outros; fazer o que quer; fazer bagunça. informação do Sr. Lorisval Nunes

de Mello – termo regional. 49 Langol: conforme informante Sr. Lorisval N. De Mello, uma galeria normal possuía de 5 a 6 metros

de largura, com uma altura entre 1,40 e 1,60 metros, nessas galerias os veios de carvão eram finos. A galeria tipo langol possuía entre 25 a 27 metros de largura.

50 Derriscar: excluir, apagar.

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Eu tenho uma tosse que é uma barbaridade. Deus é que me guenta em pé né! Para

eu viver assim pro mundo...velho né. Pois é, a vida do mineiro é uma vida

desastrada! A minha foi né, a minha foi. Tu vê que, nós trabalhava tudo a braço!

Trabalhava até à meia noite. E se não trabalhasse como é que as crianças iam

comer né? Não tinha outros empregos. Na lavoura não dava, por que nós fazia

farinha de mandioca, ficava empilhada aí, não podia vender. E foi isso que me

levou para a mina. Eu produzia e não conseguia vender.

E depois trabalhando na mina eu pensava que nunca ia poder adquirir um

terreninho para morar. Mas trabalhando na mina eu me congratulo com ela por

causa disso né. Por que trabalhando na mina eu comprei 24 hectares de terra. Que

é onde eu moro hoje e criei os meus filhos em cima né (tosse). Naquele tempo a

terra era barata né.

Peguei o Getúlio Vargas no princípio. Ele fez a Usina da Volta Redonda que deu

emprego para muita gente; e fez a Vale do Rio Doce; e iniciou a Petrobrás. Para o

trabalhador ele deu tudo quando foi direito. Por que tu vê, o trabalhador não tinha

aposentadoria, não tinha sindicato, tudo isso foi ele que deu; e ele deu o salário

mínimo. No tempo que ele deu o salário mínimo era 100 dólar. Hoje nós não

ganhamos 50 dólar51 ou 60... Agora votamos para o Lula52, pensando que o Lula

iria endireitar isso aí, agora tá lá oh! Seguiu o rastro do outro53. É a cópia do outro.

G: O senhor chegou a trabalhar no sindicato?

L: Eu, no tempo do Brizola, nós aqui nos organizamos. Por que nós sabia que o

militar vinha em cima de nós. Contra o trabalhador. Então nós nos organizamos e

fizemos o comando de onze. (tosse).

Então, onde nós nos reunimos para fazer o Comando de Onze aqui no interior, que

foi aqui, deu dois Comando de Onze. E aí eu fui presidente de um né.

G: O que era o Comando de Onze?

L: Hã?... Por que o Brizola mandou nos fazer o Comando de Onze por que eles iam

golpear a nação! Era um grupo nacionalista. Era nós se preparando para ver se o

militar não vinha para cima. Ver se o militar não dava o golpe. Nós mesmo

organizamos o grupo, à pedido do Brizola. A pedido do PTB. Na época era

arriscado fazer isso. Oh! Como era arriscado. Como era arriscado né! E aí eles 51 No dia da entrevista o dólar estava cotado a R$2,89. 52 Luiz Inácio Lula da Silva. Presidente do Brasil eleito em 2002. 53 O outro a que se refere é o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique, antecessor de Lula.

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golpearam...tiraram o presidente que era o João Goulart, e botaram ele num asilo, e

o Brizola fugiu, lá para o interior do Rio Grande do Suli, e depois também foi

embora também né. Mas o Brizola ainda ficou dois meses e vinte e oito dias... mas

escondido né. Se não era pego né (tosse). Daí então, conta ele, que pegou uma

batina do padre, e se vestiu de padre, e aí levaram ele até num certo ponto, até no

Uruguai né, e arriaram ele lá no Uruguai (tosse). Era para ver se o militar não vinha

contra nós né. Assim mesmo deu homem preso, outros sacrificado, e até morto

né... do meu grupo não foi nenhum. Eu disse para eles assim: - este Comando de

Onze ele não vai ficar no sindicato. É com muito prazer que eu vou ser presidente

deste comando, por que eu quero ter relação com o Brizola. Quero ter relação com

este país todo né. É muito possível que nós vamos receber orientação por carta,

por telegrama, por jornal, mas também podemos receber um caixão de armas! E aí

e aí pergunto para vocês, será que nós saberemos usar estas armas? E aí deram

para trás. Aí já ninguém mais quis né. Eu falei isto por que eu sei. Eu não sou um

inocente! Eu sei que a hora que este país tiver um golpe militar todo mundo vai

sofrer. Não é só eu que vou sofrer nem só vocês. E não é que eu acertei? E daí

eles aceitaram e aqueles que aceitaram nós fizemos o Comando de Onze, e

fizemos direto com a nossa mão e mandamos para o Amarante Veiga. E aí o

Brizola recebeu lá do Amarante Veiga. Daí eu recebi muita carta do Brizola,

telegrama, e daí os político de merda daqui é que traziam né. Quase me

prenderam!... mas aí o delegado lá na mina tinha sido meu vizinho e ele tava

morando lá onde mora o meu filho. Daí o delegado dizia assim oh: - amanhã tu te

arretira, por que amanhã eles vão passar tudo aqui. Te denunciaram. Eu ia e

agarrava o mato. Se eu tivesse em casa né. Aí eles passavam ali e não tinha

ninguém e iam embora. E foi indo assim e não me prenderam.

Mas os meus livrinhos de orientação apodreceram tudo. Fui obrigado a colocar num

saco e enterrar! E eu tinha a Encíclica que foi soltada pelo Papa João XXIII.

G: Que livro era este?

L: A Encíclica Matri Etri Magistra. Então a Encíclica dizia para nós direitinho como é

que nós deveria se comportar no sindicato. Foi escrito pelo papa. Daí eu virei um

sindicalista e político, fiquei medonho né! Num dia me candidatei num partido sem

ter ninguém, cheguei a ganhar 204 votos! (risos, vários). Aí depois o meu filho ficou

homem, se candidatou e aí não perdeu mais. Já foi eleito duas vezes e já vai para a

terceira vez. Não sei o que é que vai dar...

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G: Mas por que esse lado revolucionário?

L: (Risos), Mas aí, eu fiquei revolucionário por causa do trabalho que eu passei... e

eles não olhavam para o trabalhador. Você entende? Você vê que fundavam uma

mina, quatro homem ficava rico, poderoso, botando os pés por cima dos outros... e

tudo que trabalhava com ele ficava pobre! E ainda hoje continua assim. Não tá o

Salvaro54 fazendo pitéca? E por isso tudo aí né; deixa o povo sem trabalhar. Eles

são obrigado a correr tudo pros Estado Unidos! Tu vê que hoje lá nos Estados

Unidos tem gente que é uma barbaridade que aqui no nosso lugar não tem mais

homem. No nosso lugar aqui não tem mais homem, só mulher. Já pensou? Se fizer

o censo na Içara, hoje em dia tem 3 vezes mais mulher do que homem. Os homem

não pode parar aqui. E fora as mulher que vão né.

Então eu fiquei revolucionário de tanto apanhar na cabeça! Por que eu também não

acreditava muito no sindicato não. Por que o presidente do sindicato fazia muita

rebaldaria55 e naquela época era o Jorge Feliciano. O falecido Jorge Feliciano. E

ele não sabia dizer que não. Fazia qualquer rebaldaria, fora da lei, ele não sabia

dizer que não para atender o seu fulano. Ele era assim bom né. Mas eu não

acreditava assim muito nele por causa disso.

G: Mas ele chegou a ser preso alguma vez?

L: Foi. Ele foi preso e torturado. Era do sindicato naquela época. Era presidente do

sindicato. Háaaaaaa! Foi torturado... foi preso, foi maltratado... e nós ficamos

tratando dos filhos dele... passou o maior dos trabalhos. E eu por pouco não fui

também né. Eu era como eu te digo, era pobre demais, ninguém dava nada por

mim né. Toda vida fui pobre desse jeito que tu tá vendo aí oh!

O que interessava a eles, era uma pessoa tipo do Jorge para cima. Para baixo não

né, eles não matavam trabalhador! Eles mataram foi político, foi escritor, foi

jornalista. Jornalista foi o mais sacrificado. Músico, universitário. Universitário esses

foi uma dó né... (longo tempo relembrando).

G: Bom, voltando para mina. O senhor viu muitas mortes na mina?

L: Vi. Vi. Mas para o serviço perigoso que era, até dava muito poco acidente. A

mina pelo serviço perigoso que era e é hoje ainda, não morre ninguém. Morre muito

54 Salvaro: dono de mineradora e candidato a prefeito de Criciúma – SC em 2004. 55 Rebaldaria: sinônimo de pitéca.

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mais hoje carregando carga para esses bandido. Morre muito mais gente nessa

federal, do que morria na mina. (Tosse). Por que na mina só se desse um incêndio

né. Como uma vez deu um incêndio em Santana, Urussanga, e aí matou os minero

tudo, mas fora disso não dava acidente até. É mais perigoso a construção civil.

G: Quando vocês baixavam a mina vocês rezavam? Tinha este hábito?

L: Tinha. Nós rezava muito né. Rezava e ainda rezamos hoje né. Depois que eu me

aposentei fiquei rezando pelos meus amigos... aqueles que estavam lá debaixo da

mina né. Ainda hoje, estou velhinho desse jeito, e eu me deito ali, e se der uma

chuvarada ou um frio forte e eu só me lembro deles né. Naquele tempo o que nós

passava né.

Vinha aqueles caminhão cheinho de homem. Naquela época era em 700. Nós

trabalhava em 700 homem (tosse). Agora... também era engraçado né. Tinha

homem engraçado daquele ali. Que trabalhava com a gente, que era um gozo! E a

gente, e é preciso ter isso aí, que é para a gente não pensar muito né (tosse).

Então... uma mina é um serviço que... por sinal até que não é muito perigoso não.

O que é perigoso é que a gente cheira fumaça, se estraga dos pulmão (tosse), e a

gente entra e tem falta de ar, por que o ar é botado pelo exaustor, aquilo que bota

ar lá embaixo. Quando ele enguiça, a gente não tem ar. Aí é obrigado a correr né.

Virou a suar, já sabe que não tem ar. Aí daqui a pouco o gás se apaga né. (tosse).

G: O senhor tinha casa ou a companhia que deu casa para o senhor morar?

L: Não, eu já tinha casa. Eu nunca morei em casa da Companhia. (tosse). Na Praça

do Congresso em Criciúma tinha umas casas para engenheiro. Cada engenheiro

tinha uma mansão rapais. Nós reivindicava um aumento de 30 e ganhava 10. Quem

ganhava era os engenheiro. Para pagar um aumento para o trabalhador, você sabe

como é né, não pagavam, mas para pagar o engenheiro tinha dinheiro. Daí o que

eu vi era isso, quem é técnico ganha dinheiro, e quem não é técnico vai para a

terceirização. Daí é que não ganha nada, ganha só o salário mínimo. Deu para tu

compreender?

G: E o castelo dos engenheiros lá em Lauro Müller, o senhor conhece?

L: Não. Lá eu não conheço não. É como eu te digo, eu não vivi né. A minha vida

toda foi só trabalhando e vindo para casa. Só trabalhando e vindo para casa. Só

trabalhando e vindo para casa... não conheço a minha capital. Não conheço

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Florianópolis. Trabalhei até os 70 anos. Daí eu saí da mina muito mal né. Dois anos

eu não fiz nada. No fim de dois anos eu fui trabalhá mais os filhos (tosse). Faz oito

anos que parei de trabalhar (tosse). Eu me lembro das coisas que se deu quando

eu era novo, não perco nada e não me lembro das coisas que se passa hoje. Passa

uma coisa hoje e amanhã eu não sei mais. O que mais esculhambou nós foi o

mundo globalizado. Foi o que mais esculhambou nós, ainda mais nós do interior,

por que daí nós vimos nossas escolhinhas se acabar e daí nós vimos nossos filhos

ter que embarcar no ônibus e daí cada vez mais perigo. Tu entendeu? E daí passou

a morrer criança. E daí a criança vai para escola e o pai fica preocupado, numa

distância de 6-8 quilômetros (tosse).

G: O senhor chegou a fazer parte de algum partido?

L: Sempre militei no PTB, que era o partido do Getúlio Vargas. Quando eles fizeram

o golpe militar (tosse), o Brizola estava no estrangeiro. Daí ele veio para pedir uma

ficha do PTB e eles deram para a Ivete Vargas, não deram para ele. Aí nós ficamos

desorientado. Aí ele criou o PDT. E o PDT nunca funciona, nunca funcionava. O

que eu milito mesmo é no PMDB. Na época da mineração era no PTB. (tosse).

Tinha o partido comunista, por que o Luiz Carlos Prestes era comunista. Nunca foi

além. Nunca foi além por que o nosso povo brasileiro não são comunista. O nosso

povo brasileiro não são comunista, são é socialista, isso sim! E socialismo não se

vê aqui no Brasil. Eles cortam assim... Então hoje em dia você tem o homem

socialista, em qualquer partido você tem um. Um dois você tem.

G: O salário da mina era bom?

L: Naquele tempo era bom. No tempo que eu trabalhei o salário da mina era o

maior que tinha. Agora hoje não. Eu me aposentei com 4 salários mínimo e meio! E

hoje eu recebo pouco mais do que um. Eles foram puxando para trás, foram

puxando para trás, por isso que eu tenho raiva dessa corja! Se a minha

aposentadoria não fosse especial eu ia ganhar só 75%. Mas assim eu me aposentei

com 100% do salário.

G: O que mais marcou na sua vida?

L: O que mais me marcou foi a poluição depois que terminou essa mina. A terra

ficou poluída e não deu mais nada. Tá toda cheia de buraco, cheia de água, e

agora só para lixo! (tosse). Mas o que passou, passou né (tosse, tosse, tosse).

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8ª ENTREVISTA

Data: 16 de junho de 2004

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: Neusa Geremias

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local da Gravação: Rua Jaguaruna s/n, fundos, bairro Maria Céu, Criciúma/SC

8ª ENTREVISTA – NEUSA GEREMIAS

Nome: Neusa Geremias

Idade: 60 anos

Estado civil: viúva

Profissão: aposentada. Atualmente é vidente, fazendo consultas em casa.

Filhos: 04

Local de nascimento: Lauro Müller/SC

Número de irmãos: 06

Número de netos: 26

Endereço em que reside: Rua Jaguaruna, s/n, fundos, bairro Maria Céu,

Criciúma/SC

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8ª ENTREVISTA

Legenda

Gerson: G

Neusa: N

Gerson: A senhora trabalhava em mina?

Neusa: Não, no tempo de minha mocidade eu trabalhei na escolha de carvão, eu

não era mineira, eu era coletora naquela época. Era uma caixa grande que tinha, e

eu cuidava de 54 moças. Aí era separado o carvão do metal, da pedra e do xistro,

daí saía o carvão limpinho, aí a gente separava o metal prá um lado, a pedra prá

um lado, o xistro prá outro lado. Aquele tempo acho que tinha uns 14 anos, comecei

a trabalhar muito jovem.

G: Onde era a mina que a senhora trabalhava?

N: Ficava entre Lauro Müller e Barro Branco, o nome da empresa que funcionava lá

eu não sei.

G: Qual era o seu cargo?

N: Eu era fiscal. Fiscalizava 54 moças.

G: E o que tinha que fiscalizar?

N: Ah! Tinha que o xistro, separá né, o xistro do carvão, do metal tudo, prá máquina

vir e pegá o carvão, se o carvão tivesse sujo voltava prá trais, a gente tinha que

escolhê de novo aquele carvão, vê o que tinha de pedra de xistro e separá tudo de

novo.

G: A senhora tinha algum parente que trabalhava em mina?

N: Não, não, aquela época eu me criei sem pai, né! Naquela época só quem

trabalhô na escolha fui eu e minha mãe.

G: Até que idade a senhora trabalhou em mina?

N: Não era em mina era na escolha. Não lembro né, até uns 16, 17 mais o menos,

daí eu casei e saí e ainda eu não fiquei trabalhando por que o meu esposo não

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dexô. Mas eles foram me buscar prá mim voltá a trabalhá por que tinha muito

carvão refugado. Por que quem pegou no meu lugar não sabia assim separá

entende? Aí ia muito carvão prá rua, ficava aqueles morro de carvão, mas o meu

esposo não deixô, pagavam mais pra mim ficá, mas ele não deixô, então continua

assim né.

G: Era um trabalho pesado?

N: Ah! Era pesado, tinha que ser forte, aquelas padiola de carregá carvão, aquelas

padiola, tinha mais ou menos uns 60 quilos, tinha que sê em duas, uma na frente e

uma atrais, aí tinha uma mesa assim oh, aí elas chegavam e viravam o carvão em

cima da mesa e eu ficava do outro lado, aí eu pegava a picaretinha assim. Escolhia

tudo, via se tinha xistro, se tinha pedra, se tinha carvão e eu fazia elas escolhê de

novo, se tava limpinho eu só tirava um parafuso que tinha e virava para dentro da

caixa prá máquina pegá.

G: Porque selecionavam mulheres para escolher?

N: Porque as mulhé tinha mais facilidade, por que os homem ficava nas mina e

arrancavam carvão, e as mulhé eram mais sensível.

G: Dava tempo de namorar durante o trabalho?

N: Não, não, não, era tudo separado. Não dava não.

G: E as paisagens ficaram alteradas?

N: Não, não, as mina ficavam para outro lado e as paisagem ficavam para cá. Lauro

Müller agora tá muito mais acabado do que naquela época. Tá em zero Lauro

Müller. Hoje tá mais feio do que há 40 anos atrais. Desmatamento, água com

ferruge vermelha. Naquela época tinha água de nascente boa.

G: O salário era bom?

N: Depende do que a gente fazia, entende? Vamos supor, se eu trabalhasse,

escolhesse 50 – 60 padiola de carvão, eu ganhava mais, se eu escolhesse

pouquinho ganhava menos, era por comissão. Se não escolhesse nada não

ganhava nada, por que não tinha trabalhado. Tinha que trabalhá.

G: Com que idade a senhora começou a trabalhar. Com 13, 14 anos?

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N: Não, não, comecei a trabalhá bem nova, bem nova mesmo, bem nova. Acho que

com uns 8-9 anos. Eu quase nem estudei nada, por que eu me criei sem pai,

entende. A gente tinha que trabalhá, que a gente era em 7 irmãos, aí eu com a

falecida mãe trabalhava prá sustentá os outros irmãos né. Aí eu comecei a trabalhá

muito jovem né. Não me arrependi. Até hoje eu trabalho e não me arrependo.

G: Trabalhavam escondidos por causa da idade?

N: Não, não, naquela época não tinha disso. Tanto que a escolha de carvão ficava

como àquela casa ali, e a estrada passava assim oh, passava ônibus passava tudo.

G: Mas com 8 anos não dava conta de virar a padiola né?

N: Não, não. Ficava lá no canto da mesa escolhendo o carvão, vendo o que é que

estava sujo prá limpá.

G: Os proprietários das minas poderiam pagar melhor?

N: Com certeza né que podiam pagá, mas os donos naquela época a gente nem

via, era só os empregado que tinha escritório aqui pertinho, prá pegá o ponto das

escolhedera de carvão.

G: O carvão foi bom ou ruim para Criciúma?

N: Melhor com carvão né. O carvão é que dá o dinheiro. Se não é o carvão, não

tinha quase movimento.

G: Estão pensando em reabrir as minas, o que a senhora acha disso?

N: Mas se tão pensando em abrí é bom, porque aparece mais serviço prô povo né.

Tem muita gente desempregada. O desemprego para quem tem filho é fatal né.

Qualquer tipo de emprego é bom.

G: A senhora gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

N: Eu gostaria de falar, que eu sei que tu vai usar isso aí. É prá melhorá o serviço

em Criciúma prás pessoas. Tem muita gente desempregada. Tem muita gente

passando fome, que os pais estão desempregado. Uma creche. Que as mães vão

trabalhá, que ficam as outras pessoas cuidando. Ter uma creche, principalmente

aqui no bairro Maria Céu, tem que ter creche e tudo.

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G: A senhora gosta de morar em Criciúma?

N: Adoro! Aqui neste cantinho moro há 30 anos. Meus filhos vieram prá cá. Era tudo

pequenino. Já casaram tudo, já me deram 26 netos, tudo vê! Casaram tudo

novinho.

G: A senhora não casou mais?

N: Casá prá que? Casá prá passá trabalho? Não precisa. Você tá gravando ainda?

G: Estou desligando.

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9ª ENTREVISTA

Data: 21 de junho de 2004

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: Otávio Tomás

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local de gravação: Rua Jaguaruna s/n, bairro Maria Céu, Criciúma/SC

9ª ENTREVISTA – OTÁVIO TOMÁS

Nome: Otávio Tomás

Apelidos: Tié e Bola Sete

Idade: 71 anos

Estado civil: viúvo

Número de filhos: 13

Profissão: mineiro

Profissão atual: aposentado

Local de nascimento: Orleans/SC

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9ª ENTREVISTA

Legenda

Gerson: G

Otávio: O

Gerson: Seu Otávio, o S. pode falar o que quiser sobre a sua vida no trabalho de

mineração. Fica bem livre. Pode falar o que quiser.

Otávio: Nasci em Orleans, depois vim morá em capoeira, perto de Cocal do Sul, daí

chegamo em Santana e tinha 12 anos e viramo a trabalhá. O serviço naquele

tempo não era bom, era meio ruim, agente pegava muita água, pegava chuvero, a

gente passava perigo, deveis em quando caia uma pedra em cima do pé da gente,

e naquele tempo eu trabaiava de pocha, assim, de carregá água, enche carro e

descarregar carro era o serviço e passava aquele trabalhão ali, ajudava os minero,

a mina não é muito boa não! Mas quando eu coisei a trabaiá mesmu, aí nóis

pegava aquele trado de um metro e pouco, você conhece aquele trado?

G: Não conheço não.

O: É caçado num pau, depois pega um pau com uma coisa assim, depois um carca

e o outro faiz o furo né. Botá um metro prá dentro daquele coisa ali né. Quando

pegava que fosse reto, fosse bom prá não pegá metal, não pegava nada, era uma

beleza, mas quando pegava, era obrigado a tirá dali e fazê outro buraco. E a mão

da gente chegava a xiá, por que era forçado né, tinha que forçá, era duro né, tudo

na mão, naquele tempo era tudo na mão né, e a gente era obrigado a fazê força

naquilo ali. Às vêiz a gente fazia 6 furo, às vêiz tinha que fazê embaixo assim no

barro branco assim, era uma vida danada naquele tempo! E nóis era obrigado a

faze aquilo de todo o jeito, com calo na mão, judiado como era naquele tempo né,

era tudo na picareta né, a gente tinha que cortar uma ráfia. Você sabe o que é

ráfia?

G: Não, não sei não!

O: Era tudo ráfia na primeira veia assim, baixinho, botava a ráfia no carvão prá

depois dá fogo prá derrubá a pedra, prá gente pudê limpá aquela pedra; daí nóis

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era obrigado a limpá aquilo ali, prá depois tirá o carvão. Depois ia tirando uma veia

de cada vez. Se fosse o carvão não era nada, mas é que tinha o xisto também né,

tinha que tirá o xisto depois do carvão. Tinha o quebra canela, depois tinha outra

veia, depois tinha a última veia embaixo, depois ia pro forro. As vêiz o furo duro,

duro que era um danado e a gente era obrigado a tirá. Que judiaria! Tudo na

picareta. Naquele tempo era tudo na picareta e não tinha chupadinha, tudo, tudo.

Inté um tempo nóis tinha que tirá tudo no muqui né. Depois é que veio esse fogo

né. Ali fazia um buraco né, fazia e dava fogo, aí ficava melhorzinho, por que aí era

só coisá. Mas às vêiz caía tudo né, o teto não resistia, caia tudo, era um perigo

danado! O cara chegava lá tinha umas pedra quase caindo. Carçava as pedra,

tinha uma laje já meia frocha né, e com o fogo acabava de frochá e caí né!

G: O que era o fogo? Era...

O: O fogo era dinamite. Nóis fazia o fogo prá frochá tudo. Sortava tudo. Tinha ora

que fazia um serviço bem bonito. Mas tinha ora... hê, hê, hê, hê (risos).

Era muito duro naquela época e nóis tinha que fazê aquilo tudo né. Às vêiz no seco,

às vêiz tinha água por baixo até em cima, conforme né, conforme o lugar. Às veiz

ficava até um mêis pingando as gotera na cabeça. Por isso que eu tô com uma dor

aqui agora né (mostrou a perna). Disso aí tudo né, das friage que a gente pega

debaixo dessas mina aí. Judiaria tchê.

G: Mas pulmão nunca deu problema né?

O: Deu sim. Tenho carvão nos pulmão. Depois que veio o martelo, com aquele

pozinho fininho, aquilo entrava tudo assim prá dentro, que a gente até hoje, a gente

pega uma poeira de um caminhão, quarqué coisa, a gente é sufocado. Tô

ganhando um perculinho, mas é um perculho pequeno, o adevogado diz que eu

teria direito a um salário, mas tô ganhando 100 só de perculho, é só 100 o resto é

no adevogado, tomara que ele conseguisse.

Então é assim, trabaiava lá em Santana, na mina do barbado que eles diziu, o

patrão era bom, mas quem passava trabaiu era nóis né.

Dipois vim prá cá, vim aqui prá CBCA, e em 71 me aposentei. Às vêiz nóis pegava

às trêis hora da madruga. Às veiz trêis hora, quatro ora nóis tinha que ta lá né. E

saia às vêis às 4 hora da tarde. Aquele tempo era danado, e carregá madera, e

trazê madera e coisarada, tinha que guentá.

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G: E eles pagavam bem naquela época?

O: Pagava nada, a gente é porque é pobre, mal sabe escrevê o nome. Tem que se

contentá com tudo né. Agora quem ganhava mais era os furadô né. Os furadô

aqueles que trabaiava na máquina né. Então aqueles ganhavam mais. Embaixo da

pedrera prá tirá uns 4 carrinho ganha aquela micharia desgranada! Oh droga! Na

época ganhava 350 mirréis. Hoje nóis era pra tá ganhando mil real. Isso aí é muito

pouquinho né. É assim meu nego, a vida da gente foi muito trabaiada e muito

sofrida, muito doída.

Aí o meu povo foi se escapando tudo, viajando, os meus filho estão tudo espaiado

por aí. Tenho 13 filho. 12 com uma mulhé e 1 com otra. Ela morreu, faz 4 anos

agora. Mas não é brinquedo. E criei uns negão maior do que eu. Uns negão forti.

Mais forti do que eu.

Na CBCA trabaiei 14 anos né. Ali era melhó. Furava com martelu. O cara passa

trabalho lá e ainda não vale nada essa droga. Ainda se ganhasse bem. Eles cortaru

muita coisa. Tinha avançamentu, tinha 35, tinha 40 cruzero o carru de carvão,

depois foram cortandu, cortandu, e dexaram tudo isso aí. Naquela época a gente já

fazia greve. Em Barro Branco fômo prêzu. Até uma época foi bom! Nóis ganhava as

causa tudo né. Mas dipois de um tempo prá cá...

Sempre baixei a mina. 30 anos em baixo da mina. Trabaiei também no Dalbó, no

coro, depois de aposentado né. Trabaiei também mais quase 5 anos aqui na

cerâmica, na CESACA, depois trabaiei uns 12 anos di guarda, no Angeloni. O

serviço não mata ninguém. Se matasse já tava morto né.

Agora o que eu tenho é uma tremura braba! A gente passô muito trabaio na mina,

levava muito susto né. Um dia eu tava debaixo da mina assim, não demora começô

a pingá pedra, eu tava sentado, daí ouvi um chiasso, mais um minutinho tinha

morrido, caiu tudo! O gais apagô, não tinha fósforo, ficô carro, ficô tudo lá. Caia

aquelas pedrinha assim, foi só saí e brummm! caiu tudo... (risos). Quando eu

cheguei em cima perguntaram: como que tu escapasse rapais? Di certo é por que

não era ora!

Uma veiz tinha uma pedrinha assim, eu mi sentei prá fumá, daí comecó a cair umas

pedrinha na cabeça e eu corri, quando olhei prá trais tinha caído uma laje bem em

cima daquela pedrinha que eu tava. A mina avisa (risos), se a gente cuidá ela avisa.

G: O senhor viu muita gente morrê?

O: Vi um monte de amigo morrê. Nem chorava mais. Já tinha acostumado a vê

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gente morrê. Aqui morreu um de bobera. Um tal de Inácio. Ele foi furá e deu um

peso no cano, aí ele pegô uma marreta prá tira o cano dali, prá pudê trabaiá, daí

caiu tudo. Morreu regaçado assim. Aqui arrebentô tudo. Morreu de bobera né. Esse

serviço é marvado home. Quem não pensa bem ele mata mesmo.

Um otro cara chegô o patrão e disse: tu tá na hora de se aposentá. E ele não quis.

O patrão insistiu. Não levo mais um mêis ele foi subí na gaiola e caiu uma pedra na

cabeça dele e ele morreu. Podia tá, é o destino né... Será que tem destino?

G: O senhor acha que as minas estragaram o meio ambiente?

O: Estragô, estragô muito. Essas aguaria estraga tudo. As água que era prôs outro

bebê em cima vai tudo prá baixo né? Racha tudo. Aqui, um dia eu fui lá em Treviso

e tava a Marion lá arrancando tudo. Uma água boa daquela foi estragá tudo né. Ôh

santo Deus, não era brinquedo! Hoje em dia tá bem melhó de vivê. Antes era tudo

na picareta. Hoje a gente tá tudo arrebentado. A coluna, os pulmão, perna, joelho,

os osso, os nervo e aqui tem um ossinho que saí fora. Aquela tramela, as veiz eu

vô subi nu morro, e quer saí fora. Naquele tempo o carro era muito pesado. A gente

tinha que subir assim oh. E carçá né, se não o carro vinha por cima da gente. Não

tinha freio. O freio era nóis (risos). Um carrinho de 600 quilo né, 500-600. Tinha um

carrão ali que pegava 100 quilo. Empurrá 1000 quilo. Só que era linha de ferro, era

reta. Se era reta era só um sozinho, era obrigado. Nóis ia quase da Próspera

caminhando prá chegá no serviço. Na próspera tinha aquelas casa boa dos

engenhero. Prá nóis é quarqué uma. Nóis passemu trabaio!!!

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10ª ENTREVISTA

Data: 23 de junho de 2004

Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: Tarciso Pereira

Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena

Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2

speed e uma fita sony MC-60

Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena

Local de gravação: Rua Joaquim Nabuco, 669, ap. 24, bairro Michel, Criciúma/SC

10ª ENTREVISTA – TARCISO PEREIRA

Nome: Tarciso Pereira

Idade: 48 anos

Estado civil: solteiro

Profissão: bancário

Escolaridade: superior completo

Tempo em que reside na região carbonífera: 48 anos

Local de nascimento: localidade de Santana, município de Urussanga/SC

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10ª Entrevista

Legenda

Gerson: G

Tarciso: T

Gerson: Gostaria que tu contaste o que lembra sobre a região carbonífera, a qual

moraste toda a vida, sob o ponto de vista da qualidade ambiental.

Tarciso: Eu nasci em Santana né, e me criei lá até os 12 anos de idade. Lembro

que a gente morava lá perto da rua da farofa, era uma parte mais pobre de Santana

e lá tinha perto assim um gramado assim que era de um proprietário só. Então a

gente brincava ali até uns 6-7 anos de idade. Depois agente veio mais pro centro de

Santana que era onde já tinha o comércio, tal e tal, onde tinha um pessoal que

aparentava que tinha uma renda melhor, um nível social um pouquinho melhor e tal.

E em Santana, tinha os ajudante de mineiro, tinha os mineiros e tinha os capatazes.

Então os cara que eram mineiros eram considerados. Capataz então nem se fala, já

tinham carro, a casa deles já era pintada, né. Normalmente as casas lá eram tudo

padronizada e sem pintura e meu pai depois de muito tempo como ajudante, ele

passou a se mineiro. Então a gente senti já o respeito da família, aquele troço todo,

já era um pouquinho melhor. Mas eu a partir dos meus 8 anos de idade certamente,

eu lembro tinha uma mina que era de galeria, que ficava no meio da comunidade, o

carvão saia dali tudo em carrinho, passava pelas caxa de carvão, ele era

selecionado alguma coisa, tinha muitas mulheres que trabalhavam como

escolhederas. O chêro da pirita a gente sintia na Santana intera, por que a mina era

dentro da comunidade, no meio da comunidade, o chêro da pirita aquilo já fazia

parte da vida da gente. Aquele cherinho gostoso de pirita! Prá ti vê, nos meus 8

anos de idade a gente saia prá caçá, a gente ia caçá de funda né. As mães da

nossa idade faziam um lanche. A gente com 8 anos de idade a gente se metia nos

mato. Era só o prazer de sair com uma funda pra se embrenhar no meio do mato,

não era pra caçar. Daí quando já tinha uns 10 anos, no verão quente pra caramba,

os caminhões passavam no meio da comunidade, com carvão lavado e iam

soltando aquela água de carvão em todas as ruas, então a gente às vezes fugia e

íamos tomá banho nos poço de mineração. Tenho um irmão que morreu num poço

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desses aí. Morreu afogado. Às vezes eles pegavam uma retroescavadeira e iam

cavando pra ver se tinha carvão aflorando. Às vezes ali não se achava e ficava

aquele poço. Aquela água bonita, verde, às vezes azul, não sei que tipo de

pigmentação e se tomava banho naquelas água. Mas hoje a gente vê na televisão

quando daquelas enchente no Rio, São Paulo, aquela água poluída, issu a gente

fazia ali em Santana, tomava banho naquela poluição. Tinha um rio que passava

bem próximo de casa que era uma água boa, lá na cabecera do rio foram explorá

carvão, poluíram a água, a gente pescava, depois a água foi pro pau. A nossa casa

ficava tipo uma casa de palafita, ela era alta do chão e quando dava enchente, a

gente ficava brincando naquela água do boero. E não tinha. Não tinha nem noção

de leptospirose, e tinha rato prá diabo lá, era tudo normal. E na época não se ouvia

ninguém morrer de leptospirose. Quando a gente saia prá caçá no meio daqueles

morro lá, o meu prazer era descer aqueles morro de carvão! Ao redor de Santana

todo tinha mina de carvão. Isso há uns 40 anos atrás. Tinha muita gente que ia prá

Santana. Chuvero, chuvero, vamos julga assim, se tinha umas 2000 casas, chuvero

elétrico, tinha 50 casas que tinha chuvero. O pai saia da mina, e todo sujo,

trabalhava de calção e ia prá casa, e o banho era em banhera. Banhera de

alumínio. A mãe que ajudava a lavá as costa e coisa e tal.

Tinha os almocero, que levava almoço, prá então de repente prá não i um filho de

cada família, a gente cobrava lá um troquinho por mêis, e saia até de carrinho de

mão, botava lá uns 10 –12 almoço em vianda e levava.

Nós éramos em 12 filhos cara! E o pai já na condição de mineiro, o pai era meio

arrojado assim e tal, então comprô um chuvero elétrico e o banhero acoplado na

casa, aquilo sábado à tarde era de fila prá tomá banho. Era de fila, de fila. Lembro

que quando o pai comprô um liquidificadô, todo sábado à tarde iam lá prá casa fazê

vitamina de abacate, de banana, e um detalhe: di água, não se usava leiti. Leiti era

só prás criança. Mas os sonhos que eu tenho hoje, 80% dos sonhos acontecem em

Santana. 80% dos sonhos! Muitas vezes eu apanhei por que saia da aula e ia pro

meio do mato. Chegava em casa já tava a mãe lá com uma cinta. Mas foi uma

infância fabulosa.

Eu estou hoje com 48 e não tenho resquícios, eu peguei a pirita queimando no meio

da comunidade, o meu pai se aposentou trabalhando 30 anos na mina, 30 anos de

subsolo, certo, o meu pai não tem nem P-1 no pulmão, de pneumoconiose. Nem P-

1. É porque na época, eles tocavam fogo, tinha os foguistas, iam lá, tocavam fogo,

saíam fora e dexavam baxá. Depois é que os ajudante e os mineiros entravam e só

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iam deixando os ferrinho, intende. E tinha os furadô, que colocavam os parafuso de

teto, prá sigurá, mas lembro assim que tinha uma mina de galeria, que a cada 300-

400 metros eles colocavam um suspiro, que se chamava suspiru, eles faziam

buraco, que saia lá embaixo na mina, dava só uns 7-8 metrus, a gente quando

criança ia prá lá prá gritá, e às vezes se escutava um mineiro, eram coisas

perigosíssimas, aqueles banho que a gente tomava naqueles rius lá fundo prá

diabo! Muita gente morreu lá.

Mas vê bem: de repente, saído de lá, de uma região praticamente inóspita, o que se

pensava na época, os pais era o seguinte: vão pra cidade que lá eles vão aprend a

sê mecânico, era o que se pensava. Ajudante de eletricista, entendeu? Daí eu saía

de lá com 13 anos prá vir em Criciúma no cinema, dá uma volta na praça Sábado à

tarde.

G: Havia alguma preocupação ambiental?

T: Naquela época o lado ambiental nem se observava isso. O trem em Criciúma

passava no centro da cidade largando pirita, aquela fumacera por ali afora. Na

frente da igreja evangélica eu lembro que tinha umas casas ali que era do pessoal

que trabalhava na linha férrea e eu tinha uma amiga que morava ali, e a mãe dela

sempre reclamando da fuligem, a casa era do lado da linha férrea, do lado. Tinha

uma passadera, que é uma ponte, por cima do trem, onde hoje é a João Zanete,

prá passa onde hoje é aquele terminal central. A linha férrea, ela cortava a cidade.

De preocupação com o meio ambiente, na verdade na época não se observava.

Essa preocupação é uma coisa bem mais recente, né. Hoje em Santana ainda tem

muita gente trabalhando nas minas. Um episódio que me marcou bastante foi

quando a Marion se deslocou prá Santana e iam cortando maderas com toras de

300 polegadas, tudo madera grossa e iam fazendo uma estera prá ela e aquilo

ficava igual a cana quando passa no engenho, desde Siderópolis até Santana, que

imagino que deva te uns 20 km, eles abrindo estrada e botando aquela madera pra

ela passa por cima, ela caminhava numa média de um quilômetro por dia. Ela

passô em Santaninha, tinha uns rios bons e aquilo ali ela detonô tudo. Já chegô em

rio América detonando. Prá comunidade aquilo ali era o máximo. Pô! Tava trazendo

mais emprego. O pessoal pensava assim: agora com a Marion aqui vai te posto de

gasolina, o pessoal vinha abastecê, tinha lá eu penso uns 20 carro na comunidade,

o pessoal vinham em Urussanga, não tinha posto de gasolina. O gosadu dissu tudo

aí é que a comunidade se dava bem, os vizinho se dava bem. Então era isso.

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ANEXO 1 – AUTORIZAÇÃO PARA PUBLICAÇÃO DE FOTO

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ANEXO 2 – AUTORIZAÇÕES PARA PUBLICAÇÕES DE

INFORMAÇÕES

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