CULTURA E JUVENTUDE: a experiência da rádio comunitária ... · compõe a totalidade da vida...

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Universidade Federal de Juiz De Fora Programa de Pós-Graduação em Serviço Social Mestrado em Serviço Social Lorhana Luiza Lopes CULTURA E JUVENTUDE: a experiência da rádio comunitária Mega FM e a organização da juventude na comunidade Santa Cândida em Juiz de Fora MG Juiz de Fora 2017

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Universidade Federal de Juiz De Fora

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

Mestrado em Serviço Social

Lorhana Luiza Lopes

CULTURA E JUVENTUDE: a experiência da rádio comunitária Mega FM

e a organização da juventude na comunidade Santa Cândida em Juiz de

Fora – MG

Juiz de Fora

2017

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Universidade Federal de Juiz De Fora

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

Mestrado em Serviço Social

Lorhana Luiza Lopes

CULTURA E JUVENTUDE: a experiência da rádio comunitária Mega FM

e a organização da juventude na comunidade Santa Cândida em Juiz de

Fora – MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora

como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Serviço Social Orinetadora: Profª. Drª. Cristina Simões Bezerra

Juiz de Fora

2017

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À minha mãe (em memória), razão de tudo...

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Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são, embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam supertições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não têm cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços.

Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

Eduardo Galeano

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AGRADECIMENTOS

O processo de construção desta dissertação foi permeado por inúmeros desafios

pessoais e acadêmicos. A escolha do tema nos mostrou um universo complexo e cheio de

contradições que por vezes parecia tornar a finalização deste estudo um horizonte muito

distante. Por isso, foi imprescindível a contribuição de tantos sujeitos para a consolidação

deste momento.

Agradeço imensamente à minha família e meus amigos que me apoiaram nesta

trajetória e que, com muito afeto e nos mais singelos gestos, mostraram que eu era capaz de

concluir esta etapa.

À Cristina, principal responsável por este trabalho, quem tanto me inspira com sua

paixão pelo conhecimento da realidade social e cultural brasileira, mas, sobretudo pelo seu

comprometimento com a construção de uma nova sociedade. Mais que uma orientadora, se

tornou uma amiga e quando menos esperava foi também uma mãe. Obrigada por tudo…

Às professoras Cida Cassab e Elizete, que esteviveram presentes na banca de

qualificação desta dissertação, cujas contribuições foram essenciais para o desfecho deste

estudo. Obrigada por contribuirem mais uma vez nesta etapa de finalização. Estou

imensamente feliz por compartilhar este estudo com vocês, pois tenho certeza que as

colaborações vão ser imprescindíveis para aprofundar, em trabalhos futuros, neste tema

escolhido.

Agradeço ao Levante Popular da Juventude por me fazer acreditar que a juventude

trabalhadora, permeada por inúmeras contradições, é o sujeito potencial para avançar na

construção de um projeto popular para o país. Agradeço, sobretudo, por me fazer enxergar que

a arte não é antagônica à organização política e a luta revolucionária.

À Adenilde, grande exemplo de resistência, coerência e comprometimento com as

causas populares. Você, que sempre diz que o morro também tem seus intelectuais, é nosso

maior exemplo de intelectual orgânico da classe trabalhadora. Obrigada por todas as

conversas sempre inspiradoras, pela humildade, pelo cuidado e pelo afeto.

Um agradecimento especial à Brigada Apolônio de Carvalho pela acolhida na Escola

Nacional Florestan Fernandes em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Neste

período em que estou contribuindo na Escola renovam-se, a cada dia, meu comprometimento

com a luta da classe trabalhadora e com o internacionalismo. Aqui, pude conhecer muitos

sujeitos diferentes, homens, mulheres, jovens, crianças, idosos de variadas culturas e idiomas

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que se movimentam em torno de uma mesma convicção, a revolução socialista. Obrigada

companheiras, obrigado companheiros, o amanhã pertence a nós, trabalhadores!

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RESUMO

A presente dissertação tem como proposta compreender as possibilidades de resistência, na

interface com a dimensão da cultura, encontradas pela juventude trabalhadora no Brasil

neoliberal. Para tanto, partiremos de um estudo de caso, da rádio comunitária Mega FM, no

município de Juiz de Fora - MG que iniciou suas atividades de radiodifusão, em 1997 e se

mostrou um instrumento potencializador para a organização política da juventude daquela

comunidade. Nosso debate sobre cultura está fundamentado pelo legado marxista, em especial

gramsciano, que nos permite delimitá-la como uma categoria histórica, dinâmica e

socialmente determinada, é em si uma totalidade (modo de vida, de pensar e expressar) e

compõe a totalidade da vida social (cultura, economia e sociedade), mas precisamente se

contrapõe ao padrão de dominação capitalista. Sendo assim, este estudo irá problematizar as

particularidades da formação social do país, de modo a contribuir na compreensão do terreno

em que se engendra a dimensão da cultura brasileira. A partir disso, pretende-se apontar os

desafios contemporâneos enfrentados pela juventude trabalhadora na perspectiva de

construção de um projeto contra-hegemônico, especialmente, relacionados ao enfrentamento a

pós-modernidade enquanto lógica cultural do neoliberalismo.

Palavras-chave: cultura, juventude, neoliberalismo e pós-modernidade.

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ABSTRACT

This dissertation intends to understand the possibilities of resistance, in the interface with the

dimension of culture, found by the working youth in neoliberal Brazil. To do so, we will start

with a case study of the Mega FM community radio in the city of Juiz de Fora, MG, which

started its broadcasting activities in 1997 and proved to be a powerful instrument for the

political organization of youth in that community. Our debate on culture is based on the

Marxian legacy, especially Gramscian, which allows us to delimit it as a historical category,

dynamically and socially determined, is itself a totality (way of life, of thinking and

expressing) and composes the totality of the Social life (culture, economy and society), but

precisely opposes the pattern of capitalist domination. Thus, this study will problematize the

particularities of the social formation of the country, in order to contribute to the

understanding of the terrain in which the Brazilian cultural dimension is engendered. From

this, it is intended to point out the contemporary challenges faced by the working youth in the

perspective of building a counter-hegemonic project, especially related to the confrontation of

postmodernity as a cultural logic of neoliberalism.

Keywords: culture, youth, neoliberalism and postmodernity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 9

CAPITULO 1 - APONTAMENTOS SOBRE A PARTICULARIDADE DA FORMAÇÃO SOCIAL E

CULTURAL BRASILEIRA E DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE ...................................... 15

1.1 Elementos para compreender o processo de reestruturação produtiva do capital ..........................15

1.1.2 Rebatimentos da reestruturação produtiva do capital na sociedade brasileira .............................25

1.2. Pós-modernidade e os desafios contemporâneos da organização da cultura .................................41

CAPITULO 2 - A EXPERIÊNCIA DA JUVENTUDE TRABALHADORA NO CONTEXTO DE

RADICALIZAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL ............................................................... 48

2.1. A construção das juventudes ............................................................................................................48

2.1.1 Alguns apontamentos sobre juventude e pós-modernidade .........................................................58

2.2. Alguns elementos para pensar a juventude trabalhadora no Brasil neoliberal ................................65

CAPITULO 3 – CULTURA, JUVENTUDE E RESISTÊNCIA ........................................................... 89

3.1. Apontamentos teórico-metodológicos acerca da categoria cultura ................................................89

3.1.1 Contribuição do pensamento marxista acerca da categoria de cultura .........................................93

3.2. A experiência da Rádio Comunitária Mega FM e a organização da juventude na comunidade Santa

Cândida .....................................................................................................................................................98

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................. 126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 130

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INTRODUÇÃO

Durante o processo de construção desta dissertação, por alguns momentos, seu ponto de

finalização parecia que ia se distanciando, o tempo parecia muito curto para abordar um universo

tão instigante que se revelava nesta caminhada. Foram muitos os desafios pessoais e acadêmicos

que precisaram ser superados neste trajeto. Embora tivéssemos afinidade com a temática que nos

propomos estudar, a aproximação do debate sobre cultura em interface com a juventude

trabalhadora no Brasil neoliberal, desvelou um campo teórico extremamente complexo e

permeado de contradições.

O caminho que levou a abordar esta temática se inicia na graduação em Serviço Social

quando tenho a possibilidade de aproximar dos fundamentos da teoria marxista, através do eixo

de disciplinas do Pensamento Social, em especial a disciplina Pensamento Social III, que

privilegia a análise da formação social do Brasil. A aproximação com o debate sobre a realidade

brasileira logo despertou um interesse em aprofundar nesta temática, buscando compreender a

constituição do povo brasileiro, seus dilemas, desafios, resgatar sua história. Enfim, fortaleceu

meu comprometimento com as lutas da classe trabalhadora brasileira e com a construção de um

projeto popular para o país.

Este compromisso ganhou ainda mais significado, na graduação em Serviço Social, com a

disciplina de Subjetividade e Cultura. Através dos debates apresentados nesta disciplina me

deparei com o universo complexo que é a temática sobre cultura. A partir disso, pude

compreender o fio condutor dos estudos que seguiria que é na dimensão da cultura que estão as

possibilidades de concretas da luta de classes. Na dimensão da cultura que os sujeitos conseguem

materializar e se identificar com os projetos societários em disputa, mas este processo é permeado

de contradições, pois a cultura não é estática, ela se engendra nas relações sociais, na

materialidade da vida dos sujeitos.

Todo este debate foi condensado no primeiro esforço de incorporar esta temática como

uma linha de análise que pretendemos percorrer, um percurso desafiador e muito enriquecedor.

Assim, na construção da monografia,1 buscamos percorrer um caminho que nos possibilitasse

compreender o desenvolvimento da categoria popular, no pensamento social brasileiro, de modo

1 POVO E CLASSE: OS DESAFIOS AO PENSAMENTO SOCIAL CRÍTICO NA ANÁLISE DAS

CATEGORIAS “POVO” E “POPULAR”, UFJF, 2014.

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que pudéssemos problematizar a formação social e histórica do país. A partir deste trabalho

percebemos que, para seguir com uma análise crítica que nos permitisse uma visão da totalidade

da realidade brasileira era inquestionável a apreensão da esfera cultural.

Neste sentido, reconhecemos que a validade deste estudo se dá pelos fundamentos que a

Faculdade de Serviços Social nos proporciona, especialmente para apreensão das contradições do

sistema capitalista e com seu comprometimento ético-político em estar atrelada a um projeto

societário emancipatório, contra-hegemônico. A apropriação do legado marxista na análise da

realidade foi fundamental para a consolidação deste estudo e só foi possível pela formação em

Serviço Social, em uma Faculdade que conjuga uma base curricular crítica atrelada ao diálogo

permanente com movimentos sociais, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra, materializado na parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes através do Curso de

Especialização em Estudos Latino Americanos.

A possibilidade de poder contribuir como bolsista, durante a graduação, no Curso de

Especialização em Estudos Latino Americanos me fez entender que, embora na atual conjuntura a

correlação de forças pareça desfavorável aos trabalhadores e trabalhadoras, existe uma parcela

significativa de homens, mulheres e jovens que se dedicam a analisar criticamente a realidade

latino-americana para transformá-la. O conhecimento e as experiências de resistência

compartilhadas com os educandos nos inspiram a seguir na elaboração de estudos da nossa

realidade (para transformá-la), e nos faz ter clareza de que a história nos impõe o desafio de

encontrar formas de cessar o saqueio de nossas riquezas, o silenciamento constante de nossa

cultura, e encontrar meios de consolidar nossa soberania. Este curso nos faz enxergar que temos o

desafio de uma revolução nacional, mas a luta dos trabalhadores e trabalhadoras transcende as

fronteiras geográficas.

Nesse sentido, a incorporação da juventude na interface com o debate sobre cultura só foi

possível pela inserção orgânica no Levante Popular da Juventude, um movimento social de

caráter popular que me mostrou que a organização da juventude pode e deve ultrapassar os

limites da universidade. Se nos propomos a organizar a juventude da classe trabalhadora devemos

ter clareza de que o ensino superior público foi historicamente negado a esta parcela da

população, e mesmo que tenhamos experiência de políticas de ampliação das vagas para a

universidade, a maioria dos jovens brasileiros ainda não tem acesso a esse direito. Sendo assim,

nos organizamos através do trabalho de base nas universidades, para que sejam cada vez mais

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populares, e atuamos também em escolas, comunidades urbanas, acampamentos e assentamentos

rurais. Nós temos o objetivo de ser um movimento de massas que pretende atuar para além das

demandas específicas da juventude trabalhadora, e contribuir ativamente na construção de um

projeto de sociedade contra-hegemônico, nacional e popular. Para isso, nos fundamentamos em

uma metodologia que resgata o acúmulo histórico de movimentos populares brasileiros, a

agitação e propaganda e a cultura popular e de resistência.

Desta forma, o desejo de construir um estudo sobre a experiência da rádio comunitária

Mega FM se materializou pela inserção na Frente Territorial do Levante Popular da Juventude,

mais especificamente na construção de um cursinho popular na comunidade Santa Cândida.

Através da nossa atuação com o cursinho popular na comunidade, desde 2015, pudemos perceber

a importância da rádio comunitária para aqueles sujeitos. Esta experiência permanece viva no

imaginário daqueles que participaram ativamente da construção da rádio e que, em cada

conversa, deixa transparecer a esperança de que a Mega volte a ser o veículo de informação,

instrumento de formação e afirmação dos sujeitos daquela comunidade.

Muitas foram as inquietações que percorreram o processo de construção deste trabalho,

mas não é nossa pretensão esgotá-las neste estudo. Sendo assim, buscamos constatar a afirmação

de que a cultura é uma dimensão privilegiada para a luta de classes e é preciso nos fortalecer na

batalha das idéias. Para isso, a cultura deve ser entendida como parte da estratégia de construção

de um projeto contra-hegemônico. Por essa lógica, vai se moldando nossa hipótese de que a

juventude trabalhadora é o sujeito potencialmente dotado para contribuir no avanço da construção

do projeto da classe trabalhadora. Através da atuação no Levante Popular da Juventude que,

fundamenta suas ações no resgate histórico de formas de diálogo com a classe trabalhadora

através da agitação e propaganda, me fez ver que a juventude conseguia apreender as

contradições da realidade em um espaço direcionado como uma oficina de construção de mural,

de intervenção teatral, por exemplo. Daí passa a perseguir a idéia de que a juventude está em

disputa e através da cultura conseguiríamos consolidar esta batalha.

Percebemos assim que, o processo de construção da consciência da juventude está em

disputa e é na dimensão da cultura que estão postos os elementos que consolidam este processo.

Entretanto, o que buscaremos apresentar neste estudo são inúmeros desafios que comprometem a

organização da juventude trabalhadora em torno de um projeto societário.

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Estes desafios ficam evidenciados no Brasil, na década de 1990, quando o país passa por

um processo de aprofundamento das desigualdades sociais, desemprego estrutural, fragmentação

da esquerda, por um lado, pela opção das classes dominantes ao projeto neoliberal, por outro

lado, pela ofensiva da pós-modernidade como sua base ideológica de sustentação. Com isso,

fragmentam-se as relações sociais pelo abandono a perspectiva de totalidade, fortalece a luta pelo

local, pelo particular, pelas individualidades. Assim, a pós-modernidade apresenta-se como uma

perspectiva antagônica a perspectiva nacional e popular. É na dimensão da cultura que esta

batalha será travada.

O conceito de cultura está intimamente ligado às expressões da autenticidade, da

integridade e da liberdade. Ela é uma manifestação coletiva que reúne heranças

do passado, modos de ser do presente e aspirações, isto é, o delineamento do

futuro desejado. Por isso mesmo, tem de ser genuína, isto é, resultar das relações

profundas dos homens com o seu meio, sendo por isso o grande cimento que

defende as sociedades locais, regionais e nacionais contra as ameaças de

deformação ou dissolução de que podem ser vítimas. Deformar uma cultura é

uma maneira de abrir a porta para o enraizamento de novas necessidades e a

criação de novos gostos e hábitos, subrepticiamente instalados na alma dos povos

com o resultado final de corrompê-los, isto é, de fazer com que reneguem a sua

autenticidade, deixando de ser eles próprios. (SANTOS, 2000).

Os apontamentos apresentados acima por Milton Santos se materializam na realidade

brasileira com o neoliberalismo e se consolidam pela lógica da pós-modernidade, através da

tentativa de enfraquecer ainda mais os traços de unidade nacional, a pós-modernidade fragmenta

as relações sociais, a identidade nacional até que, como aponta afirma Santos (2000) deixemos de

ser nós próprios.

Atrelado a isso, a pós-modernidade consegue aprofundar as contradições da indústria

cultural e isso se manifesta com mais intensidade no universo juvenil. No processo de construção

de sua identidade a juventude tem sido atravessada pela lógica do consumo, na construção da

imagem de um jovem que deve ser comprado, mas que nem todos os jovens conseguem consumir

e disso se desdobram inúmeras consequências que buscaremos apresentar neste estudo.

Neste sentido, tentaremos demonstrar através do nosso estudo de caso que o imaginário de

juventude construído pela pós-modernidade e aprofundado pela indústria cultural pode ser

questionado quando estes jovens têm a possibilidade de construir ações culturais como a rádio,

por exemplo. A cultura é em si um modo de vida e ela é quem dá sentido a vida dos sujeitos.

Através dela conseguimos pensar e questionar sobre o lugar que ocupamos no mundo, criticar e

propor novos rumos. Com isso, a cultura possibilita expressar estas contradições e a Mega FM foi

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o instrumento catalisador destas contradições e possibilitou dar um novo sentido à vida daquela

juventude.

Buscaremos problematizar ainda que a pós-modernidade, ao analisar a realidade de forma

intencionalmente fragmentada, privilegia, como já sinalizamos, o apelo aos coletivos, a

valorização das individualidades, do particular, do local, dos bairros, das comunidades. Reflexo

do golpe ideológico sofrido pela esquerda na entrada dos anos 1990, da desmobilização das lutas

da classe trabalhadora. Isso traz profundas implicações na contemporaneidade, tornando,

portanto, este debate extremamente relevante para se pensar na atualidade os rumos das lutas da

classe trabalhadora no país.

Desta forma, o cenário traçado pela pós-modernidade nos impõe o desafio de construir as

possibilidades para que a classe trabalhadora resgate sua história de forma crítica e seja capaz de

construir um projeto de nação que dê unidade às lutas da classe trabalhadora brasileira.

Sendo assim, procuramos organizar nossas reflexões de modo que o primeiro capítulo

deste estudo pudesse contemplar a análise da base material em que a cultura brasileira se forja.

Buscamos problematizar os elementos da formação social e cultural brasileira, destacando as

particularidades do desenvolvimento do capitalismo no país, que se dá por uma via não clássica.

Para isso, partimos de contribuições de pensadores do legado marxista que nos dão o fundamento

para problematizar as implicações deste processo no modo como vão se desenhar as relações

sociais e culturais no país, e como esta via não clássica vai moldar uma forma particular da luta

de classes

A partir disso, pretendemos, no segundo capítulo, desenvolver nossas análises da

aproximação ao universo juvenil recuperando a construção sociológica da categoria juventude, de

modo que nos possibilite ressaltar suas contradições e construir as mediações necessárias para

uma melhor apropriação do tema. Com isso, guiaremos nossas reflexões acerca das condições de

vida da juventude trabalhadora no Brasil neoliberal.

Feito este panorama, da formação social e cultural do país e suas implicações na forma

como a juventude trabalhadora vivencia a juventude na década de 1990 no Brasil, delimitaremos,

no terceiro capítulo, nossa concepção de cultura e sua interface com a juventude no estudo de

caso da rádio comunitária. Apresentaremos neste momento algumas contribuições do legado

marxista sobre esta temática, ressaltando as contribuições gramscianas sobre a concepção de

cultura que perpassam todas as nossas reflexões neste trabalho. Com isso, buscaremos situar a

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experiência da rádio comunitária Mega FM como a possibilidade de resistência da juventude

trabalhadora posta na conjuntura histórica, política e cultural do Brasil na década de 1990.

Seguimos neste estudo, portanto, buscando confirmar nosso entendimento de que a

cultura é a esfera privilegiada para a consolidação da luta de classes que engendra nas relações

sociais concretas. Nesse sentido, muitos foram os desafios construídos no desenrolar dos anos

1990 no Brasil com a pós-modernidade. Por este motivo, acreditamos que a juventude da classe

trabalhadora é o sujeito que tem a potencialidade de resgatar a perspectiva de totalidade e

contribuir na efetivação um projeto de sociedade contra-hegemônico.

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CAPITULO 1 - APONTAMENTOS SOBRE A PARTICULARIDADE DA FORMAÇÃO

SOCIAL E CULTURAL BRASILEIRA E DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE

A partir das contribuições teóricas do legado marxista, pudemos compreender que, a inserção

e desenvolvimento do capitalismo no Brasil se deram por uma via particular, não clássica. São

inúmeros, latentes e extremamente atuais os desdobramentos deste processo, desde a dependência

cultural à superexploração da força de trabalho da classe trabalhadora brasileira. Cabe-nos, neste

momento, buscar elucidar os elementos deste processo e apontar os desafios contemporâneos

impostos por este capitalismo particular.

O capitalismo é um sistema marcado por crises (cíclicas) e a tendência nestes períodos é que

as classes dominantes encontrem alternativas de superar estas crises, em geral, através do

desenvolvimento das forças produtivas, avanços tecnológicos e rearranjos nas relações sociais de

produção. A história nos mostrou, com nitidez, sintomas de um processo de crise do capitalismo,

no início dos anos 1970. Contudo, o que vivenciou-se naquele período não foi um mero episódio

de crise cíclica, mas um processo de crise estrutural, pois traduziu-se em graves implicações

políticas, econômicas, sociais, culturais e ideológicas em escala global.

Sendo assim, nos deteremos neste capítulo, na análise dos rebatimentos desta crise, na

sociedade brasileira. Seus efeitos puderam ser percebidos a partir da década de 1990, com a

implementação do projeto neoliberal, que representou um momento de transformações

significativas nas esferas econômica, política e cultural do país. Com isso, desenhou-se uma nova

conformação da luta de classes e, com a pós-modernidade como fundamento cultural do referido

projeto, se impôs uma nova dinâmica aos movimentos de resistência naquele contexto.

1.1 Elementos para compreender o processo de reestruturação produtiva do capital

Com o advento do capitalismo - uma relação social que se modifica historicamente pela ação

do homem - tem-se uma transformação em todas as esferas sociais. Esse sistema traz inovações

jamais vivenciadas, e a principal característica que esse modelo introduz nas relações sociais é a

necessária divisão da sociedade em duas classes fundamentais: os detentores dos meios de

produção e os vendedores de força de trabalho.

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A partir desta divisão, as sociedades passam a vivenciar experiências sem precedentes, uma

vez que o capitalismo altera as relações sociais, traz inovações tecnológicas no processo de

produção e a riqueza socialmente produzida passa a ser apropriada por aqueles que detêm a

propriedade privada dos meios de produção. Assim, como analisava Marx

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais

sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma

mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do

mundo das coisas (Sachenvelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do

mundo dos homens (Menschenvelt). O trabalho não produz somente mercadorias:

ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida

em que produz, de fato, mercadorias em geral. (MARX, 2010, p. 80.).

Com isso, Marx demonstra que o capitalismo emperra a verdadeira construção histórica

do gênero humano, pois neste modelo de produção o homem não define o que produz, não

engendra a si mesmo, não confirma sua genialidade humana. No processo de produção

capitalista, portanto, tem-se a perda do objeto e a perda da atividade do processo de trabalho, pois

neste momento quem define o quê e como produzir é o capital.

No entanto, este sistema constrói, necessariamente, uma teia de contradições, afinal,

estamos nos referindo, neste momento, a uma sociedade dividida em classes com interesses

antagônicos. É nesse contexto, portanto, que faz sentido falar em questão social. Um conceito que

surge atrelado a este processo de exploração capitalista e que comporta uma dimensão tanto

objetiva - expressa, por exemplo, na pobreza, no desemprego, na exploração do trabalho - quanto

subjetiva, e é esta dimensão, essencialmente política, que dá sentido ao conceito de questão

social, pois ela se refere ao processo de tomada de consciência desses trabalhadores explorados

que passam a lutar pelos seus direitos - por melhores condições de trabalho, de moradia, e mais

adiante, pelo próprio fim deste sistema.

Ao longo da história as relações capitalistas vão se complexificando, constituindo novas e

mais perversas expressões da questão social, que fundamentalmente trata-se de expressões da

contradição entre capital e trabalho, e esta categoria (trabalho) que pretendemos partir para

buscar demonstrar como o capitalismo vem se alterando, buscando combinar arcaico e moderno,

travestindo formas de exploração, despolitizando ações dos trabalhadores e fazendo com que as

contradições se esfumacem, de modo que se possa acreditar que não faz mais sentido tratar de

classe trabalhadora, tampouco de trabalho.

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Sendo assim, nosso esforço será o de percorrer o caminho que vai desde o processo de

crise estrutural do capitalismo até os anos 1990, no Brasil, fundamentados, neste momento, por

algumas contribuições trazidas por Antunes (2009), principalmente no que diz respeito a sua

análise das transformações no mundo do trabalho e seu comprometimento em comprovar a

centralidade do trabalho e da classe trabalhadora na sociedade capitalista, no contexto de

mundialização do capital, período em que se multiplicam as teses de esgotamento deste sujeito

(classe trabalhadora) e do próprio trabalho.

Antunes afirma que a partir do inicio dos anos 1970 o capitalismo começa a dar sinais de

esgotamento de um padrão de acumulação vivenciado nos anos de taylorismo e fordismo. No

entanto, o autor sinaliza que esta crise do padrão taylorista\fordista era apenas expressão de um

movimento muito mais crítico e complexo.

Segundo o autor, o fordismo e taylorismo foram os modelos de produção hegemônicos no

século XX. O taylorismo baseado no controle da produção pelo cronometro, com uma separação

nítida entre quem elabora e quem executa as ações, altamente hierarquizado, visando a

intensificação e “racionalização” do trabalho através de formas de exploração que previam a

diminuição do tempo e a intensificação do ritmo do trabalho.

Atrelado a estas práticas do modelo taylorista, o fordismo baseava-se na construção de

produtos homogêneos, em massa e em série, baseado em uma organização do trabalho altamente

hierarquizada e verticalizada, combinando fragmentação à especialização do trabalho em uma

rígida separação entre elaboração e execução do processo produtivo.

No entanto, os trabalhadores começavam uma movimentação de questionamento e

exigência de melhores condições de trabalho e reconhecimento de direitos. Logo os capitalistas

percebem que era preciso ceder a algumas reivindicações, mais por conta do entendimento de que

a mais-valia precisa se realizar e para isso era necessário, além da produção em série e em massa,

fazer com que os trabalhadores e trabalhadoras tivessem a possibilidade de consumir.

Por esta lógica vivencia-se a fase do WelfareState, ou “Estado de bem-estar social”, que

foi uma tentativa de conciliar os interesses (antagônicos) entre capital e trabalho, que segundo

Antunes, se erigiu no pós-II Guerra Mundial. Tratava-se de um sistema de “compromisso” e

“regulação” do mundo do trabalho, mediado pelo Estado, em que alguns partidos (tanto social-

democrátas, quanto burgueses) passavam a converter determinados organismos sindicais e

políticos para a lógica de co-gestores da produção capitalista. Desta forma, conseguiam, de um

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lado, garantir ao proletariado a seguridade social, ao passo que se relegava para um futuro

distante a estratégia socialista em troca de um “fetichismo do Estado”. (ANTUNES).

Segundo o autor, o fordismo manteve os níveis de vida das\dos trabalhadores e os lucros

elevados, sustentando-se como padrão de produção hegemônico até o ano de 1973. No entanto, a

partir desta data, o autor aponta para o início de um processo de recessão e transição do modelo

de produção capitalista, começando a despontar os sinais evidentes da crise estrutural em

andamento.

Antunes nos apresenta alguns dos elementos mais significativos desta crise, como a queda

da taxa de lucro, ocasionada pelo aumento do preço da força de trabalho, bem como o

esgotamento do padrão de acumulação devido a retração do consumo que tinha raiz no processo

de desemprego estrutural que então se instalava.

Outro elemento importante que o autor nos apresenta é a crise do “Estado de bem-estar

social”, a crise fiscal do Estado, que tornou-se justificativa para as classes dominantes pautarem

pela redução dos gastos do Estado com setores que não geravam lucro (políticas sociais, por

exemplo) aumentando o poder de gestão do capital privado. Com isso, de acordo com Antunes,

tem-se um incremento generalizado das privatizações, flexibilização e desregulamentação da

produção, dos mercados e da força de trabalho.

Um elemento importante que o autor ressalta é que mesmo se tratando de uma crise

estrutural, as classes dominantes procuraram dar respostas no nível da superficialidade, na sua

dimensão fenomênica, sem tocar nos pilares do modo de produção capitalista. O que se pretendia,

segundo o autor, era reestruturar um padrão de acumulação que pudesse recuperar os patamares

de acumulação dos anos de taylorismo\fordismo. Para isso não exitaram em articular mecanismos

de dominação arcaicos e modernos.

Além disso, segundo Antunes, as saídas encontradas pelo capital para sua reestruturação

não tiveram muitos obstáculos, uma vez que os enfrentamentos entre capital e trabalho, ou seja,

as lutas travadas pela classe trabalhadora nos anos anteriores (com seu apogeu em 1960) não

trouxeram para o cenário da luta de classes um efetivo projeto contra-hegemônico que oferecesse

uma alternativa dos e para os trabalhadores de superação da crise (e da sociedade capitalista).

No entanto, é preciso destacar, que o capitalismo, historicamente, tem demonstrado sua

capacidade em se apropriar de pautas dos trabalhadores e não foi diferente nesse período.

Antunes nos mostra que a capacidade dos trabalhadores, ao se organizarem contra o capital,

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explicitou sua potencialidade de conduzir um movimento reivindicatório dentro e fora das

empresas. Com isso, os capitalistas perceberam que para o processo de reestruturação em curso

poderiam explorar, além da força motora de trabalho, a capacidade intelectual, criativa e subjetiva

destes trabalhadores.

(...) Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se limitar a explorar a

força de trabalho muscular dos trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e

mantendo-os enclausurados nas compartimentações estritas do taylorismo e do

fordismo, podiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação, os dotes

organizativos, a capacidade de cooperação, todas as virtualidades da inteligência.

Foi com esse fim que desenvolveram a tecnologia eletrônica e os computadores e

que remodelaram os sistemas de administração de empresa, implantando o

toyotismo, a qualidade total e outras técnicas de gestão. (...). (ANTUNES, 2009,

p. 47).

Com este cenário, portanto, Antunes afirma que a partir da década de 1980 percebe-se um

período de intensas e radicais transformações no mundo do trabalho, nos meios de inserção da

esfera produtiva, bem como na representação política das\os trabalhadores, são transformações

que atingem inclusive, ou principalmente, os direitos conquistados pelas\os trabalhadores.

Mas vale relembrar que o sistema capitalista passa por crises cíclicas e em cada uma

delas, sua tendência é reorganizar, renovar as forças produtivas e o processo de produção, sem

perder, contudo, seu pilar essencial, a exploração da classe trabalhadora. Daí que nessa

conjuntura de crise estrutural, o modelo que passou a se desenvolver neste cenário de

reestruturação foi o modelo de acumulação flexível baseado no desenvolvimento tecnológico

atrelado a uma descontração produtiva privilegiando empresas média e pequenas.

O toyotismo identificado como o modelo de produção flexível, segundo Antunes, é um

modelo de produção japonês construído para atender as especificidades daquela realidade no

contexto do pós- guerra. No entanto, segundo o autor, este modelo apresenta traços

potencialmente universalizantes expressos em uma combinação favorável com a conjuntura

econômica, política e social daquela época.

Ao contrário do período do taylorismo\fordismo, o toyotismo orienta sua produção no

modelo de acumulação flexível, em que o controle desta produção passa a ser interno, o próprio

trabalhador quem controla o processo de produção, forçando-o, portanto, a tornar-se polivalente,

flexível, adaptável a mudança.

Desta forma, o toyotismo é uma resposta à crise do fordismo nos anos 1970. Este novo

modelo de produção está altamente sintonizado com a lógica neoliberal, na construção de um

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trabalhador polivalente, no trabalho em equipe, na horizontalização, na flexibilização,

terceirização e precarização do trabalho.

É um modelo que se dispõe a oferecer produtos diferenciados, estimulando a

individualidade (sob o codinome da exclusividade) e o consumo exagerado, com uma produção

voltada e conduzida pela demanda, ao mesmo tempo, variada, diversificada, pronta para o

consumo, fundamentando-se na lógica do estoque mínimo, baseado no modelo de gestão de

supermercados norte-americanos, como aponta, Antunes, em que o produto só será reposto

quando esgotado. Com isso, o trabalhador necessita operar várias máquinas de modo a atender as

demandas mais individualizadas.

É importante destacar que, na esfera política, este modelo tinha como centralidade o

enfraquecimento dos sujeitos coletivos da classe trabalhadora, uma vez que foi com a Toyota, em

1950, a primeira derrota do sindicalismo historicamente combativo, no Japão, segundo o autor.

A partir do toyotismo, o sindicalismo japonês foi cedendo lugar a um sindicalismo de

empresa, sindicato casa, atrelado ao ideário patronal, constituindo-se em um modelo mais

“coorporativo”. Segundo Antunes, portanto, o sindicato foi gradualmente perdendo sua

capacidade combativa e de resistência passando a compor a “família Toyota”.

Nesse contexto, - de sindicato-família, trabalhador-colaborador- a exploração do

trabalho parece escamoteada sob a lógica da cooperação, da família-empresa, ao passo que os

direitos trabalhistas tornam-se mais “flexíveis”, entre tantos outros rebatimentos percebe-se que o

número de trabalhadores, com o aumento da tecnologia, diminui, ampliando-se o número de

horas-extras de trabalho.

Essas mudanças intensificam antigas formas de exploração dos trabalhadores ao mesmo

tempo em que introduzem novas expressões da questão social. Como aponta Antunes, acarretam

em um processo de intensa desproletarização do trabalho industrial e fabril, com o aumento do

uso do trabalho morto e a consequente diminuição da “classe tradicional”.

Como resultado desta lógica, segundo o autor, o que se vivencia neste contexto é o

aumento do desemprego estrutural, a expansão do trabalho assalariado no setor de serviços e a

introdução precarizada e subordinada das mulheres e jovens no mundo do trabalho. Nesse

sentido, vale destacar que o trabalho feminino e da juventude vai ser em maior medida o mais

precário, terceirizado, temporário,com menor remuneração, em particular as mulheres que estão

sujeitas ao trabalho domiciliar, sem garantias de estabilidade, nem direitos trabalhistas.

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Neste contexto destaca-se ainda, segundo o autor, o crescimento da subproletarização, dos

subcontratados, a exclusão de idosos do mercado do trabalho; o aumento dos trabalhadores

parciais que podem ser demitidos sem custos - em que mais uma vez detém um contingente

expressivo de mulheres e jovens e, que, portanto, determina uma particularidade nos meios de

organização e luta por direito da classe trabalhadora.

Assim, aponta Antunes, este movimento contraditório e antagônico ao mesmo tempo em

que exige uma intelectualização de uma parcela da classe trabalhadora promove em proporção

direta a desqualificação de tantos outros trabalhadores.

Desta forma, Antunes reafirma que a crise aguda e sem precedentes do capitalismo atingiu

tanto a materialidade quanto a subjetividade das\os trabalhadores, comprometendo o processo de

construção da consciência de classe deste sujeitos, uma vez que seus organismos de

representação também foram atingidos pela crise econômica-política-social-cultural-ideológica

que atravessa todas as esferas da sociabilidade humana, transforma relações sociais, reconfigura o

mundo do trabalho, os espaços de formação da consciência dos trabalhadores – sindicatos,

partidos.

O autor afirma ainda que esta crise aguda no sindicalismo iniciou-se por volta dos anos

1980 nos países centrais com a queda do índice de greves, aumento dos casos de corporativismo,

xenofobia, racismo, no interior das classes sociais. Assim, os sindicatos passam a atuar na

defensiva, na imediaticidade abandonando os traços de luta anticapitalista, acabam lutando pelo

mais elementar: o direito ao emprego, por exemplo. Nesse sentido, destaca que o sindicalismo de

classe cede lugar ao sindicalismo de participação, participar sem questionar a ordem que sustenta

o capital, sem questionar a propriedade privada, atuando sob o prisma institucional e

distanciando-se cada vez mais de suas bases.

Este quadro de crise do sindicalismo é expressão inclusive do movimento de globalização

do mundo do trabalho, como aponta Ianni (2004). Para o autor, o processo de reestruturação

produtiva, a lógica do processo de produção flexível reconfigura o mundo do trabalho, traz novas

perspectivas e desafios para a organização das\os trabalhadores e consequentemente novas e mais

agravadas expressões da questão social.

Assim, um elemento importante que o autor apresenta, diz respeito à nova divisão transnacional

do trabalho:

No âmbito do capitalismo global, formam-se centros decisórios novos,

independentes dos Estados nacionais. Em geral, localizam-se nas cidades que se

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tornam globais, de onde operam empresas, corporações e conglomerados, com

base na eletrônica e informática. São transnacionais desterritorializadas,

mobilizando recursos científicos e tecnológicos para seus diagnósticos,

prognósticos, planos, programas e projetos. Operam com base em cartografias

“geopolíticas” que envolvem nações, regiões e o mundo todo. (IANNI, p. 77-78,

2004).

Com isso percebemos como a nova divisão transnacional do trabalho expressa um

movimento imposto de mudanças complexas nas sociedades, e principalmente, um movimento

imposto pelos interesses dos países de capitalismo mais avançado que passam a exercer sua

dominação política, econômica, cultural através, inclusive, dos centros globais e das

transacionais.

Todo este processo, segundo Ianni (2004), traz consequências para as\os trabalhadores

também em âmbito global, pois segundo o autor com a reestruturação produtiva, incremento

tecnológico, robótica, informática tem-se uma onda de desemprego estrutural em todo o mundo.

Assim percebemos que a redefinição do mundo do trabalho implica em redefinições das

expressões da questão social. Seu fundamento essencial está na contradição entre capital e

trabalho, mas suas manifestações são particulares em cada conjuntura histórica, em cada país, e

em cada estágio do desenvolvimento capitalista.

O que se pode afirmar é que esta reorganização do mundo do trabalho promove um

intenso processo de fragmentação da identidade dos trabalhadores, que não se reconhecem

enquanto produtores de uma mesma mercadoria, explorados pelo mesmo capitalista. Este

processo de fragmentação e alienação se dá, inclusive, pela transnacionalização do capital em

que se tem uma matriz empresarial que produz celular, por exemplo, nos EUA, a produção das

peças deste celular é feita na China e o suporte de venda e informação, na Índia.

Além disso, o que se percebe com este processo é o enfraquecimento das relações de

solidariedade entre os trabalhadores e trabalhadoras, além de capturar a subjetividade destes

sujeitos. A lógica deste modelo de acumulação não se baseia no trabalhador-gestor como no

taylorismo, com uma evidente divisão hierárquica das relações de produção. Trata-se neste

momento, de uma pseudo-solidariedade entre os trabalhadores, em que cada um e cada uma

internaliza o controle que antes (no taylorismo) era externo e passam a controlar os seus colegas.

Assim, tornam-se fiscalizadores daqueles e daquelas que não “colaboram” para o bom

funcionamento das equipes.

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Estes artifícios perversos vão construindo uma atmosfera hostil e individualista no

ambiente de trabalho, uma vez que vai se fragilizando a confiança entre os trabalhadores e

trabalhadoras, e sem confiança, qual seria a motivação para fazer uma greve com aquele colega

“que afeta diretamente o bom funcionamento do seu trabalho”, por exemplo.

No entanto, atrelado a este processo de captura da subjetividade dos trabalhadores e

trabalhadoras tem-se a idéia de valorização destes sujeitos, pois não se está lidando mais com

trabalhadores-explorados, mas com “colaboradores”. Esta ideologia dificulta a compreensão das

contradições entre capital e trabalho, pois como um “colaborador” poderá, nesta conjuntura, se

colocar “contra” seus “próprios interesses”.

Podemos perceber ainda, neste processo em que o capital está firmando as alternativas

para superar sua crise, algumas características que compõe este bojo das transformações no

mundo do trabalho diz respeito a flexibilização e desregulamentação do trabalho. Quando

falamos em desregulamentação nos referimos a desregulamentação do acesso ao direto ao

trabalho, as políticas sociais, as políticas públicas como habitação, saúde, transporte, por

exemplo. Isso atrelado a um processo de flexibilização das relações de trabalho, com o

crescimento dos contratos, das terceirizações, do trabalho domiciliar.

Outro elemento essencial nesta nova configuração do mundo do trabalho diz respeito à

diminuição da força de trabalho manual pelas máquinas. Essa é mais uma das contradições do

capitalismo, pois a tecnologia em si não é um problema, ao contrário, seria uma alternativa de

superação da condição de exploração caso fosse usada ao nosso favor, em favor dos trabalhadores

e trabalhadoras. Ela é elemento essencial para diminuição da jornada de trabalho, para que muitos

trabalhem pouco, mas na lógica da flexibilização do trabalho, ela gesta totalmente ao contrário, é

ela quem determina a vida da classe trabalhadora.

É importante relembrarmos o que propomos no início desta reflexão, o esforço de trazer à

tona a centralidade do trabalho em meio as novas formas de organização da produção. Sendo

assim, frisarmos que toda esta reorganização levou (e ainda leva) muitos autores a acreditarem

que o trabalho perdeu sua centralidade nesta sociabilidade.

Ora, pelo exposto acima, percebemos que o trabalho continua sendo a categoria central da

organização da vida social, quem define nossa identidade, onde vivemos, estudamos,

consumimos, nos divide em classes. A questão é que na atualidade o trabalho tem uma nova

exterioridade ideológica, em que as classes dominantes fazem com que acreditemos que estamos

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cada vez mais individualizados e fragmentados, faz com que se percam os traços de identidade

entre os trabalhadores, ao forçar, por exemplo, o trabalho domiciliar, sem nenhum direito

trabalhista ao passo que incentivam a busca permanente de aperfeiçoamento e qualificação, um

trabalhador polivalente. Até mesmo os sujeitos que compartilham do mesmo espaço de trabalho,

como a universidade, não se reconhecem enquanto trabalhadores e perdem seus laços de

solidariedade, em que, em geral, a categoria docente não fortalece a luta dos técnicos, que não

fortalecem a luta dos terceirizados, que não fortalecem a luta dos docentes.

Logo, ao buscarmos problematizar as transformações no mundo do trabalho em

decorrência da crise estrutural do capitalismo, percebemos que o cenário que se constitui para os

trabalhadores é extremamente desafiador. São tempos de agravamento das desigualdades sociais

e econômicas, de desemprego atrelado ao afunilamento das políticas sociais que passa a ficar sob

a égide da sociedade civil, através do denominado “terceiro setor”. Sob a ideologia da

solidariedade promovem um processo reatualização do conservadorismo no trato da questão

social que volta a ser alvo de assistencialismo, caridade. Ao mesmo tempo em que

desresponsabilizam o Estado do cumprimento de seu dever, ou seja, camuflam o caráter

essencialmente político das políticas sociais que são vistas como benesses e não como um dos

elementos que expressam as contradições entre o capital e o trabalho. (MONTAÑO e

DURIGUETTO, 2011).

São tempos cruéis para as mulheres, que seguem com os postos de trabalho mais

precários, por vezes sem nenhum direito trabalhista além de manterem-se responsáveis pelo

cuidado do ambiente doméstico; para os jovens que são excluídos do mercado de trabalho

restando-lhes, em geral, a criminalidade e a criminalização por parte das elites; bem como para os

negros e negras que não conseguiram superar a questão racial no interior da sociedade e seguem,

inclusive, geograficamente, às margens do espaço das relações sociais.

São tempos ainda mais desafiadores aqueles que se propõem a afirmar que as questões de

gênero, geracionais, raciais são questões que perpassam a classe trabalhadora na atualidade, que

as mulheres, jovens, negras e negros devem ter reconhecidas suas particularidades, mas que

devem ser entendidas enquanto problemas de classe, de contradições decorrentes deste modo de

organização da sociedade, problemas postos e\ou agravados pelo capital.

Sendo assim, nesta conjuntura, torna-se imprescindível o papel do intelectual orgânico da

classe trabalhadora, aquele que irá fazer o exercício junto a esta classe de construir criticamente o

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entendimento de seu papel nesta sociedade, acirrando as contradições de modo que possa superar

as visões do senso comum, construindo as relações de causa e efeito destas contradições, de

modo que a classe trabalhadora compreenda seu papel revolucionário, pois são os trabalhadores

quem têm interesses inconciliáveis e antagônicos com quem os domina, portanto, é atual também

a centralidade de seu papel revolucionário.

1.1.2 Rebatimentos da reestruturação produtiva do capital na sociedade brasileira

Como observamos, as saídas encontradas pelo capital para buscar superar a crise

estrutural iniciada na década de 1970 representaram drásticas conseqüências na esfera

econômica, política, social e cultural nas sociedades em escala mundial. Os rebatimentos da

reestruturação produtiva, na sociedade brasileira, foram mais evidenciados a partir da década de

1990 com os desdobramentos da opção das classes dominantes ao projeto neoliberal.

Nosso objetivo, neste momento, é buscar compreender o processo que levou a vitória do

projeto neoliberal e suas consequências na sociedade brasileira. Para isso, guiaremos nossas

análises sob o prisma de algumas categorias gramscianas de análise da realidade, bem como a

partir das contribuições de alguns pensadores do legado marxista que nos fornecem um lúcido e

coerente panorama da nossa realidade e da conjuntura em questão.

Sedo assim, tomemos como ponto inicial de nossas reflexões a problematização de duas

categorias, que embora não tenham sido desenvolvidas para pensar a realidade brasileira, nos

deixam importantes contribuições para compreender a formação social do Brasil.

A via prussiana e mais especificamente a revolução passiva, respectivamente, categorias

desenvolvidas por Lênin e Gramsci, vão guiar nossas reflexões neste momento. Ambas foram

categorias construídas por intelectuais que estavam, sobretudo, comprometidos com a

transformação da realidade que estavam inseridos. Sob condições distintas, se dedicaram a

compreender a realidade de seus países e neste trajeto identificaram que os processos com vistas

à modernização não se dariam, necessariamente, por revoluções burguesas clássicas e que alguns

países se tornariam capitalistas por uma forma particular.

A inserção no sistema capitalista por uma via não clássica, portanto, traria algumas

características particulares para a formação social destes países. Nesse sentido, Lênin, ao buscar

reorientar o programa agrário da social-democracia, a partir das experiências revolucionárias de

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1905, na Rússia, confronta as idéias que estavam sendo difundidas pelos populistas e pelos

socialistas revolucionários que não consideravam os camponeses sujeitos do processo de

modernização e insistiam “em considerar exclusivamente as propriedades dos latifundiários como

a origem do capitalismo agrário” (LÊNIN, 1980, p.32). No entanto, o autor busca identificar que

existem vias distintas para a modernização e justifica sua afirmativa apresentado os elementos do

processo de modernização na Alemanha (via prussiana, não-clássica), em contraposição à

modernização norte-americana (ou a “via clássica”).

A estes dois caminhos de desenvolvimento burguês, objetivamente possíveis,

chamaríamos de caminho de tipo prussiano e caminho de tipo norte-americano. No

primeiro caso, a exploração feudal do latifundiário transforma-se lentamente numa

exploração burguesa-júnker, condenando os camponeses a decênios inteiros da mais

dolorosa expropriação e do mais doloroso jugo, ao mesmo tempo em que se distingue

uma pequena minoria de “Grossbauers” (lavradores abastados). No segundo caso, ou não

existem domínios latifundiários ou são liquidados pela revolução, que confisca e

fragmenta as sociedades feudais. (...). (LÊNIN, 1980, p. 30).

Neste percurso, Lênin percebe que a via prussiana para o desenvolvimento capitalista se

expressa como uma forma particular de modernização, sem que seja preciso romper com

estruturas arcaicas da sociedade. Por esta via, o latifúndio sede lugar gradualmente a empresa

capitalista. Com isso, configura-se uma forma particular das relações sociais e culturais deste

país, uma vez que, por esta via, é possível manter mecanismos extra-econômicos de exploração

da classe trabalhadora devido à manutenção do poder político dos latifundiários. Os grandes

proprietários de terra conseguem, desta forma, garantir que seus interesses sejam representados

no Estado, podendo, assim, orientar os rumos do processo de modernização.

A obra teórica de Lênin é uma herança muito forte na trajetória intelectual de Gramsci,

que, especialmente, a partir da experiência de 1917, se debruça a investigar o motivo pelo qual o

modelo da Revolução Russa não ter dado certo na Itália. Ao contrário, ainda ter gerado no país

uma onda neo-conservadora.

Preocupado, assim, em compreender as particularidades da realidade italiana, Gramsci

desenvolve a categoria revolução passiva como a principal chave de análise do processo de

Risorgimento, “isto é, do processo de formação das condições e das relações internacionais que

permitirão à Itália unificar-se em nação e às forças nacionais desenvolverem-se e expandirem-

se”. (GRAMSCI, 2002, p.17).

Neste processo de unificação da Itália, Gramsci percebe que as movimentações que

levariam à modernização do país, se davam, fundamentalmente por arranjos feitos pelo alto. O

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Risorgimento, segundo o autor, foi conduzido por uma minoria que não foi capaz de “ir ao povo”

nem ideologicamente. (GRAMSCI, 2002, p.39).

Desta forma, os processos revolucionários na Itália, para Gramsci, serão sempre marcados

pela ausência da participação popular. Manifestam-se, portanto, como momentos de revolução

passiva. A partir desta constatação, o autor nos fornece contribuições enriquecedoras, pois se

debruça a pensar a realidade italiana e nos revela que esta forma particular de modernização traz

em si características essenciais que vão desenhar um modo determinado das relações sociais, da

organização das classes, do Estado e da cultura na Itália. Assim, a categoria via prussiana,

atrelada a categoria revolução passiva, nos permitirá lançar luz às particularidades da formação

social e cultural do Brasil.

Nesse sentido, é preciso destacar que, para Gramsci, a revolução passiva se expressa

como uma resposta das classes dominantes ao que denomina de subversivismo esporádico, à

pressão das classes populares. Trata-se de um momento de questionamento vindo de baixo, ainda

no nível do senso comum, em que as classes populares se mobilizam por alguma demanda, mas

ainda não são capazes de correlacionar causa e consequência. No entanto, o autor destaca que

esta movimentação contém certa concepção crítica da realidade que permite um questionamento

da ordem vigente.

Sendo assim, os processos de revolução passiva pressupõem dois momentos, a

restauração e a renovação. A renovação refere-se a mudanças geralmente atreladas às pautas

trazidas pelo subversivismo esporádico, mas são mudanças que não alteram a estrutura das

sociedades, explicitam, sobretudo, arranjos feitos entre as classes dominantes para restaurarem

seu poder ameaçado.

A partir disso, evidencia-se, por um lado, o fortalecimento da sociedade política.

Sociedade política, que em Marx estava relacionada ao Estado, em Gramsci apresenta-se

enquanto a esfera que detém o aparato administrativo, burocrático e repressivo que garante a

classe dominante o seu poder. (COUTINHO, 2011). Como consequência deste processo, o autor

ressalta, por outro lado, a fragilidade da sociedade civil, entendida como o conjunto das

organizações responsáveis pela elaboração e\ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema

escolar, os parlamentos, as Igrejas, os partidos políticos, as organizações profissionais, os

sindicatos, os meios de comunicação, as instituições de caráter científico e artístico etc.

(COUTINHO, 2011, p. 25).

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As implicações deste processo na configuração das relações sociais manifestam-se, como

aponta Gramsci, quando o Estado parece maior, como se a sociedade política fosse o sujeito da

mudança. Com isso, o autor salienta que os processos políticos tendem a inibir o amadurecimento

político das classes trabalhadoras, fazendo com que o saldo organizativo de suas mobilizações

pareça sempre negativo, os movimentos de questionamento pareçam não acumular forças.

Este elemento de desmobilização das lutas populares se concretiza pois, a revolução

passiva constitui-se ainda de um ingrediente muito perverso, o transformismo.

(…) pode-se dizer que toda a vida estatal italiana, a partir de 1848, é caracterizada pelo

transformismo, ou seja, pela elaboração de uma classe dirigente cada vez mais ampla,

nos quadros fixados pelos moderados depois de 1848 e o colapso das utopias

neoguelfadas e federalistas, com a absorção gradual mas contínua, e obtida com métodos

de variada eficácia dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos

adversários e que pareciam irreconciliavelmente inimigos. Neste sentido, a direção

política se tornou um aspecto da função de domínio, uma vez que a absorção das elites

dos grupos inimigos leva à decapitação destes e a sua aniquilação por um período

frequentemente muito longo. (…). (GRAMSCI, 2002, p.63).

Percebemos, portanto, que as vias para a modernização não se dão de forma homogênea,

nem universal, mas são vias distintas, moldadas por elementos que vão delinear uma forma

particular das relações sociais. A revolução passiva, enquanto uma via não clássica de

modernização, nos revela muitos componentes importantes para pensar a realidade brasileira,

inclusive o transformismo, que como vimos, explicita-se enquanto um dos meios que as classes

dominantes têm de fazer com que os grupos que se destacaram no processo de subversivismo

esporádico saiam sem (ou com pouco) acúmulo político.

Desta forma, é possível partirmos da afirmação de que, no Brasil, as transformações com

vistas à modernização se deram pelo que Gramsci denominou de Revolução Passiva. Como

processo, segundo autor, que carrega forças tradicionais que imperavam no passado, trazendo o

novo ao mesmo tempo em que o velho vem em seu bojo, através de um arranjo entre as classes

dominantes que determinam o destino da sociedade.

(...) Nesse sentido, todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou

indiretamente ligadas à transição para o capitalismo (desde a Independência

política ao golpe de 1964, passando pela Proclamação da República e pala

Revolução de 1930), encontraram uma solução “pelo alto”, ou seja, elitista e

antipopular. (COUTINHO, 2007, p. 196).

Sendo assim, pretendemos, aqui, adotar como fio condutor de nossas análises, a afirmação

de que, a partir da particularidade do capitalismo brasileiro, marcado por episódios de revolução

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passiva, defini-se o perfil do Estado e das classes sociais brasileiras, bem como suas lutas e a

organização da cultura.

Delimitamos este ponto de vista, pois partimos do pressuposto de que a cultura e suas

manifestações se forjam nas relações sociais concretas. Sendo assim, torna-se indispensável

compreender as particularidades da formação social brasileira e do desenvolvimento capitalista

do país para assimilar as possibilidades em que a cultura brasileira se constroi. Com isso, teremos

mais clareza para situar o objeto de nosso estudo, as manifestações de resistência da juventude

trabalhadora no Brasil neoliberal. Buscando demonstrar, mais especificamente, que a experiência

da rádio comunitária Mega FM e os desafios enfrentados para manter a voz do povo nas ondas

eletromagnéticas são expressão desta forma particular com que se engendram as relações sociais

no Brasil.

Para isso, partimos das contribuições de Schwartz (2003) que nos alerta que o capitalismo

tardio também implica tendencialmente, a incorporação de idéias precoces à sociedade, uma vez

que o desenvolvimento do país submete-se às regras de acumulação dos países de capitalismo

mais avançado. Sobre isso podemos ressaltar o processo de dependência cultural do Brasil,

destacando, por exemplo, o período de 1808, com a sede da coroa portuguesa no país. Neste

momento, é possível observar que, através da construção de bibliotecas, teatros, enfim, de

instituições que difundem seus valores, hábitos e costumes, a cultura europeia impregna-se no

país, mas sem que se tivesse a possibilidade concreta de uma oposição nacional relevante.

Nesta mesma lógica, a nossa independência é apontada por Schwartz (2003) como um

processo importado, de um país em busca de referências que não são nossas. Contudo, alerta que

estas “idéias fora do lugar” não se restringem ao plano ideológico, mas inscrevem-se, sobretudo,

no terreno prático e fortalecem o desenvolvimento do capitalismo. Deste modo, mecânica ou

criticamente a história da cultura brasileira é apontada como a história da assimilação da cultura

universal. A cultura compreendida neste caso como uma mediação das relações sociais.

Desta forma, o que começa, segundo o autor, como uma imitação cultural desdobra-se

como uma integração cultural. Assim, destaca o fenômeno do liberalismo, no momento em que o

Brasil fundamentava-se por relações sociais escravocratas. Para Schwartz (2003), as classes

dominantes do país começam a pressionar a sociedade para que as idéias liberais “entrem no

lugar”, com isso, precipitam ou eliminam processos sociais necessários para a consolidação da

consciência das classes trabalhadoras.

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Por esta perspectiva, podemos considerar ainda, a incorporação do neoliberalismo no

Brasil outro exemplo das “idéias fora do lugar”, pois como é possível pensar um modelo de

Estado mínimo em um país extremamente desigual, cujas classes mais populares se encontram

profundamente dependentes das políticas sociais?

Gramsci também identifica este caráter de dependência cultural ao pensar o processo de

unificação da Itália. Como apresentamos anteriormente, o Risorgimento foi um movimento,

segundo o autor, antipopular, no sentido de não conseguir envolver ativamente o povo no

processo de modernização, demonstrando assim que também a burguesia não se consolidara

como uma classe capaz de apresentar um projeto nacional para o país. Desta forma, “portanto,

afirma Gramsci, a Itália era órfã de um projeto nacional e popular que a fizesse conhecer e

criticar sua própria existência e, portanto, se afirmar em torno de seus principais dilemas”

(BEZERRA, 2012, p.151).

Para Gramsci, a perspectiva nacional-popular deve relacionar-se a uma estratégia de

construção de contra-hegemonia, um movimento capaz de fazer com que as classes populares se

apropriem de sua história, de modo a compreender as contradições que engendram as relações

sociais capitalistas a fim de superá-las. Trata-se, portanto, de uma categoria histórica, política e

com um recorte de classe evidente, pois pretende que as classes populares sejam capazes de

direcionar os rumos de seu futuro sob novas bases. (BEZERRA, 2012).

Entretanto, o autor afirma que a fragilidade da perspectiva nacional-popular estaria

intrinsecamente ligada à relação entre intelectual2 e povo.

(...) A ausência deste alinhamento cultural e político entre intelectuais e o elemento

popular fez com que as contradições inerentes à formação italiana não fossem

conhecidas ou problematizadas pelos setores populares, e que, portanto, a orientação

dominante se apresentasse sustentada por um aparente consenso. (...) (BEZERRA, 2012,

p.151-151).

O distanciamento entre intelectuais e povo, também é um elemento constitutivo da

formação social e cultural brasileira, e assim como na Itália analisada por Gramsci, essa

2

(...) Gramsci considera intelectuais todos os que contribuem para educar, para organizar, ou seja, para criar e

consolidar relações de hegemonia; por isso, para ele, são intelectuais (ou desempenham uma função intelectual)

todos os membros de um partido político, de um sindicato, de uma organização social. (...) faz também uma decisiva

distinção entre “intelectuais orgânicos”, que são gerados diretamente por uma classe e servem para lhe dar

consciência e promover sua hegemonia, e “intelectuais tradicionais”, que se vinculam a instituições que o

capitalismo herda de formações sociais anteriores (como as Igrejas e o sistema escolar) [p.203 ss.] (...).

(COUTINHO, 2011, p. 30).

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separação traz implicações profundas na construção da identidade deste povo, no reconhecimento

de sua história, no caráter de suas lutas e na própria concepção de nação.

(…) Este sentimento e reconhecimento nacional constituem um elemento que fica

restrito aos intelectuais enquanto camadas estreitas e pequenas. O resultado seria, então,

a marca constante do fatalismo e da expectativa passiva por um futuro que chegará para

o elemento popular, visto paternalísticamente, ausente da dinâmica societária mais

ampla. (BEZERRA, 2012, p.155).

O nacional para Gramsci é ponto de partida para o internacionalismo, compreender o

passado, resgatar a história do seu povo, a memória da classe trabalhadora é imprescindível para

construir um novo futuro, e isto deve relacionar-se a um projeto societário emancipatório. Assim

como o pensador identifica na realidade italiana, os intelectuais brasileiros não nascem do povo,

nem se vinculam aos interesses e projetos do povo; daí ausência, na formação social do Brasil, de

uma idéia de nação e de um projeto popular.

As relações sociais e culturais que vão sendo construídas sobre esta forma particular de

capitalismo tendem a perpetuar a condição de fragilidade das classes populares. Os arranjos feitos

de cima, a apatia dos intelectuais diante os dilemas do povo e a própria concentração da produção

cultural nas mãos da burguesia faz com que as classes populares pareçam sujeitos incapazes de

pensar os rumos do próprio futuro, incapazes de enxergarem-se enquanto intelectuais.

Neste ponto, é importante situar que, a experiência da rádio comunitária Mega FM, como

buscaremos demonstrar, evidenciou sua potencialidade enquanto instrumento capaz de organizar

e educar os sujeitos da comunidade Santa Cândida, em Juiz de Fora. Apresentou-se como uma

possibilidade para que aquela comunidade pudesse construir os nexos causais da condição de

trabalhadores que vivenciavam. Foi capaz, desta forma, de organizar trabalhadores e jovens em

torno de pautas unitárias e relevantes para sua realidade. Todavia, esta experiência se depara com

limites estruturais de uma sociedade marcada por uma cultura política perversa.

A forma particular com que o nosso capitalismo se desenvolve, a complexidade das

relações sociais no período neoliberal e a ofensiva da pós-modernidade convergem para que a

história da comunitária permaneça uma experiência pontual.

A Mega FM não estava vinculada organicamente a um projeto societário popular e a

forma de resistência que suscitou a organização da juventude, em especial a cultura hip-hop, foi

inspirada em manifestações culturais estrangeiras. No entanto, com as chaves de análise que

estamos desenvolvendo neste estudo, sobre a formação social e cultural do país, conseguimos

entender que estas foram as possibilidades históricas de resistência naquele momento e que sua

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relevância está justamente na potencialidade político organizativa incontestável da comunitária

que explica, portanto, a radicalidade das ações das classes dominantes e do Estado em silenciar

esta experiência.

Para aprofundar nesta discussão é importante situar as contribuições de Florestan

Fernandes (2005), especificamente guiados pela produção A Revolução Burguesa no Brasil:

ensaio de interpretação sociológica. Orientamo-nos por ele, pois foi o primeiro intelectual do

pensamento social brasileiro a elaborar com rigor teórico o debate sobre a teoria da dependência,

com apontamentos extremamente pertinentes sobre a particularidade do capitalismo brasileiro.

Assim como Lênin e Gramsci, Florestan foi um intelectual comprometido em pensar a

realidade em que estava inserido a fim de transformá-la. Um verdadeiro exemplo de intelectual

orgânico da classe trabalhadora e com implacável rigor metodológico consegue enxergar, assim

como os referidos autores, que o capitalismo no Brasil se desenvolvera de uma forma particular,

bem como as classes sociais e o Estado. A partir disso, nos adverte, em A revolução burguesa no

Brasil, para a necessidade não espelhar a revolução brasileira em outras experiências

revolucionárias.

Quando ele faz este alerta já percebe que existe uma “via clássica” e uma “via não

clássica” para a revolução burguesa e que disso resultam distintas consequências. No entanto,

percebe ainda que a via não clássica não é uma “exclusividade” do Brasil. Entende que existe um

capitalismo particular e o caracteriza como capitalismo dependente. O capitalismo dependente

para o autor refere-se a um bloco de países onde não houve por parte da burguesia a capacidade

de congregar desenvolvimento econômico, democracia e soberania nacional.

Com este entendimento, Fernandes (2005) demonstra que o capitalismo dependente estará

marcado por algumas características essenciais. Para o autor, existem pequenos grupos que

concentram poder extremo e conseguem direcionar os rumos da modernização destas sociedades.

Com isso, define-se um caráter autocrático para este capitalismo.

Além disso, o autor destaca que, a superconcentração de poder tende a se personificar no

Estado, dificultando o processo de participação das classes populares nas instâncias de

organização do poder. Tratando-se, portanto, de um capitalismo antidemocrático, em que as

forças sociais da sociedade civil, especialmente das classes trabalhadoras, serão altamente

reprimidas, cooptadas. O que Florestan identifica, é que as classes dominantes, pela ausência de

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um projeto nacional, querem evitar a luta política, preferem estas medidas de controle e coerção

sobre as ações democráticas. Neste caso, o Estado passa a substituir a luta de classes.

Ao contrário de outras burguesias, que forjaram instituições próprias de poder

especificamente social e só usaram o Estado para arranjos mais complicados e

específicos, a nossa burguesia converge para o Estado e faz sua unificação no plano

político, antes de converter a dominação socioeconômica (...). (FERNANDES, 2005. p.

240).

Percebemos que, pelo rigor metodológico de análise da realidade, ainda que Florestan não

tenha se debruçado sobre o pensamento social gramsciano, consegue enxergar nas relações

sociais e culturais do Brasil muitos dos elementos que o pensador sardo desvela ao analisar a

realidade italiana. O desenvolvimento capitalista por vias não clássicas incorpora, portanto,

particularidades que ainda estão latentes na contemporaneidade.

Desta forma, segundo Fernandes (2005), o Brasil configura-se por um capitalismo tardio,

pois incorpora processos políticos de sociedades que não eram a dele. Além disso, manifesta-se

de modo heterogêneo no sentido de uma realidade social que não se desenvolve em torno de um

projeto nacional, pautado pelas necessidades de suas classes. Ao contrário, seu desenvolvimento

se dá de acordo com as necessidades do grande capital. Assim, para Florestan, nestes países de

capitalismo dependente a luta política se organiza em torno de um círculo restrito.

Os países de capitalismo dependente, segundo Florestan, fundamentam-se

necessariamente em uma ordem social competitiva e em uma sociedade de classes. As relações

capitalistas convergem para uma combinação entre arcaico e moderno, como já sinalizava Lênin

(1980), uma combinação que, de acordo com os interesses das classes dominantes, permite ser

remodelada, redefinida, reorientada, mas não necessariamente superada. Afinal, por esta lógica,

se o capitalismo se desenvolve no campo com o latifúndio, para quê extingui-lo, e fazer reforma

agrária, por exemplo?

Perceba, portanto, que este modelo de dependência, reproduzido pelas classes dominantes

brasileiras, é um processo cruel, pois impossibilita, ainda dentro da ordem capitalista, melhorias

para a classe trabalhadora. Nestas condições, o desemprego é estrutural, as políticas públicas e

sociais são extremamente precarizadas e as consequências disto são ainda mais danosas para a

juventude trabalhadora, como veremos mais adiante.

Outra característica importante para pensar a particularidade da sociedade brasileira, que

se tornou capitalista por uma forma particular de revolução burguesa, é justamente o fundamento

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utilizado pelas classes dominantes de fazer com que as classes populares perpetue uma condição

de fragilidade, justificando assim a atuação de um Estado autoritário e interventor. Contudo,

Fernandes (2005) nos alerta que este processo não clássico traz implicações para todas as classes

brasileiras, demonstrando que tanto trabalhadores quanto burgueses têm dificuldade de trazer

para o cenário da luta de classes um projeto de sociedade efetivo, nacional e popular. Longe

disso, como ressalta o autor, a burguesia segue utilizando-se do aparato estatal para manter sua

dominação.

(...) Ela [a burguesia] não assume o papel de paladina da civilização ou de instrumento

da modernidade, pelo menos de forma universal e como decorrência imperiosa de seus

interesses de classe. Ela se compromete, por igual, com tudo que lhe fosse vantajoso: e

para ela era vantajoso tirar proveito dos tempos desiguais e da heterogeneidade da

sociedade brasileira, mobilizando as vantagens que decorriam tanto do “atraso” quanto

do “adiantamento” das populações. (...). (FERNANDES, 2005. p. 240-241).

Neste momento é importante situar que o Brasil torna-se capitalista por uma via não

clássica, e que, além disso, estamos tratando de um país de capitalismo tardio e dependente e que,

portanto, revela o que Fernandes (2005) apontou acima, uma fragilidade de disputa de projetos

societários. A burguesia no Brasil não foi capaz de mobilizar amplos setores da sociedade para

seu projeto “revolucionário”. Ao contrário, tornou-se dominante sem ser dirigente utilizando-se

da esfera estatal como mecanismo de dominação e isso trará implicações concretas para a

organização e luta das classes no país.

Segundo Florestan Fernandes, o problema central das economias dependentes é que o

processo de modernização fica à mercê de burguesias impotentes para superar a situação

de subordinação externa e onipotentes para impor unilateralmente a sua vontade ao

conjunto da população. Nesse sentido, o desenvolvimento dependente aparece como o

produto de burguesias incapazes de levar às últimas conseqüências as utopias de que são

portadoras: a revolução nacional e a revolução democrática. O nó da questão encontra-se

na perpetuação de uma padrão de luta de classes que impede a emergência do povo no

cenário político. (...). (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p.143-144).

No mesmo sentido, quando Gramsci desenvolve suas reflexões sobre o processo de

unificação da Itália e, desvela os processos de revolução passiva vivenciados naquela realidade,

aponta para um movimento completamente oposto a uma revolução democrático-popular, ou

seja, as classes populares são insistentemente excluídas dos processos revolucionários.

Destacamos como elemento essencial para análise da realidade brasileira, o fato de, na

construção social e cultural do país, as camadas populares estarem à parte dos processos

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“revolucionários”. Os arranjos feitos de cima, os episódios de revolução passiva irão desenhar o

caráter das classes sociais no país, do Estado, da relação entre ambos e das formas de resistência

e construção da cultura. São justamente estes elementos que irão guiar as análises de Coutinho

(1992) para elucidar o processo que culminou na opção das camadas dominantes pelo projeto

neoliberal no país.

Para buscar demonstrar o caminho que levou a hegemonia do projeto neoliberal na

sociedade brasileira Coutinho (1992) parte do período de esgotamento da ditadura de 1964, do

processo de transição democrática do país, que segundo o autor, tratou-se de uma “transição

fraca”, isto é, de mais um episódio de arranjos feitos pelo alto. Segundo o autor, a saída para o

processo de redemocratização do país, através da imbricada relação entre acordos feitos “de

cima” - entre as classes dominantes internas e estrangeiras - e de movimentações vindas “de

baixo” - da sociedade civil -, que se manifestam, inclusive, no processo eleitoral controlado pelas

forças no poder apenas serviram para, não superar, mas fortalecer elementos tradicionais,

arcaicos e arraigados na cultura política do Brasil, traços, como aponta o autor, autoritários e

excludentes. (COUTINHO, 1992, p.52-53).

As análises de Coutinho (1992) nos revelam importantes elementos para compreender a

realidade brasileira naquele período. De um lado, reforça a idéia de que o jogo político brasileiro

adota a revolução passiva como uma tática para as classes dominantes se manterem no poder e

que o fim da ditadura não eliminou estes traços, ao contrário. Por outro lado, demonstra a

complexificação da sociedade brasileira, pois a ditadura, para ele, permitiu a consolidação de um

elemento contraditório que está justamente no fortalecimento da sociedade civil, mais

especificamente das organizações políticas da classe trabalhadora. Se de um lado prevalece o

arranjo pelo alto, por outro lado, se consolida uma forte movimentação de baixo, em que a

sociedade civil vai se fortalecendo e construindo possibilidades concretas de disputa de projetos,

de contra-hegemonia. Assim, torna-se visível o processo de “ocidentalização” que o Estado

brasileiro vem passando.

Referimo-nos ao processo de ocidentalização baseado nos conceitos de “oriente” e

“ocidente” em Gramsci, que não se relacionam com orientações geográficas. Ao contrário, o

autor desenvolve seu pensamento em uma conjuntura de complexificação das relações sociais. A

política enquanto esfera da vida social se complexificou, e o que Gramsci consegue enxergar, ao

contrário do período em que Marx desenvolvia sua teoria sobre a sociedade capitalista, é que o

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Estado vem passando por um processo de ampliação, agora se dispõe a construir políticas sociais,

por exemplo, e as pessoas se sentem representadas neste Estado. Portanto, as categorias oriente e

ocidente são essencialmente políticas.

Nas palavras de Gramsci: (...) “No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era

primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre Estado e a sociedade civil uma relação apropriada

e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade

civil” [p.297]. (COUTINHO, 2011, p. 22-23). Neste caso, o processo de ocidentalização diz

respeito ao momento em que estavam postas, na sociedade brasileira, as condições de manter o

equilíbrio de forças entre sociedade política e sociedade civil.

A partir disso, Coutinho (1992) busca demonstrar que existiam sujeitos, naquela

conjuntura, que traziam para a disputa política, na sociedade civil, a possibilidade de ter feito

uma “transição forte” para a redemocratização. Naquele contexto, atuavam de forma combativa o

novo sindicalismo, partidos populares, nesse ponto o autor destaca tanto a Central Única dos

Trabalhadores quanto o Partido dos Trabalhadores que conseguiram materializar os anseios dos

setores populares da sociedade brasileira, além de contar com o papel importante dos setores

progressistas da igreja católica. Deste momento de fortalecimento da sociedade civil foi possível

perceber a disputa concreta entre dois projetos societários. De um lado, o liberal-corporativo,

modelo hegemônico nos Estados Unidos e que tinha respaldo pelas classes dominantes internas;

por outro lado, fomentava-se a construção de um projeto de democracia de massas para o Brasil.

Vale destacar que, este elemento que Coutinho (1992) nos apresenta, da disputa efetiva

entre projetos distintos na sociedade brasileira, vai ser essencial para compreender o desenrolar

das contradições da década de 1990 no país que culminam na opção pelo neoliberalismo. Por um

lado, este quadro demonstra o amadurecimento político das classes sociais brasileiras que trazem

para o cenário político projetos societários que disputam a direção dos rumos do país. A

sociedade civil se complexifica, possibilitando organização política das classes populares,

reforçando a ideia de que o povo pode e deve tomar os rumos do país pelas suas próprias mãos e

que é capaz de pensar e fazer política.

No entanto, o que dá o tom fraco de transição para a democracia no país e que, irá

construir as bases para a implementação do neoliberalismo, está no fato de que, a burguesia no

Brasil, dependente e atrelada aos interesses do capital internacional, utiliza-se de elementos do

transformismo, da cooptação para enfraquecer e desmobilizar a organização popular. Desta

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forma, o processo de redemocratização do país se desenvolve sem alteração substantiva no bloco

de poder.

As organizações populares, movimentos sociais, partidos, sindicatos que se

movimentavam desde baixo na sociedade brasileira naquele momento se articulavam em torno de

um projeto de democracia de massas, baseado na configuração da sociedade civil da Europa.

Segundo Coutinho (1992), este projeto tinha como objetivo principal a participação ativa das

massas nas decisões políticas do país, fortalecendo o trabalho e as organizações de base,

consolidando sindicatos combativos e partidos programaticamente estruturados. Com isso,

reforça a participação política e a confirmação da cidadania, configurando assim, uma sociedade

civil mais pluralista, com a disputa política em um nível mais elevado. A partir disso, trazia como

pauta a necessidade de executar as reformas estruturais da sociedade, mostrando-se, como afirma

Coutinho (1992), ser, este projeto, um caminho necessário para a consolidação do socialismo na

sociedade brasileira. (COUTINHO, 1992, p. 59-60).

No entanto, as movimentações políticas internas e externas impossibilitaram a vitória

deste projeto na sociedade brasileira. Os arranjos feitos de cima levaram o projeto liberal

corporativo a conquistar hegemonia na sociedade. Este projeto fundamentava-se na configuração

da sociedade civil norte-americana, com uma organização voltada para interesses corporativos e

privatistas, visando a reprodução da ordem capitalista. Desta forma, os partidos não apresentam

uma dimensão de classe social, da mesma forma os sindicatos são pretensamente a-políticos e

buscam resultados imediatos, corporativos. A lógica deste projeto é a baixa participação política.

As eleições diretas de 1989, no Brasil, conseguem sintetizar a disputa entre os dois

referidos projetos e a materialização da transição fraca. Por um lado, Lula representava o projeto

de democracia de massas, a esperança de que as classes populares no Brasil pudessem conquistar

hegemonia e dar direcionamento para os rumos do país. Por outro lado, Collor era a figura que

apresentava o projeto liberal-corporativo e com sua vitória a incorporação do neoliberalismo nos

anos 1990 foi uma consequência inevitável. Reorganiza-se o desenvolvimento do país em

conformidade aos interesses do grande capital estrangeiro e aprofunda-se os princípios da

democracia burguesa.

Para Coutinho (1992), a disputa por hegemonia entre os dois projetos em questão ainda é

mais agravada por condições internacionais, em especial, no que se refere à crise do socialismo e

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a incapacidade de muitos movimentos e partidos comunistas em construir um efetivo programa e

projeto societário.

Esse déficit programático é uma das principais causas da acentuada perda de

posições, por parte da esquerda, na batalha pela hegemonia que se trava hoje no

plano internacional. Um primeiro reflexo desse recuo hegemônico é a radical

diminuição da base eleitoral dos partidos comunistas e, ainda que em menor

medida, também dos partidos social-democratas em todo o mundo, mas sobretudo

na Europa, que, sob muitos aspectos, foi e continua a ser o continente onde mais

fortemente se manifesta a presença da esquerda. Um outro reflexo – mais grave,

porque de natureza estrutural – é o fato de que o tradicional “modelo europeu” de

estruturação política, que antes chamei de “democracia de massas” começa a

ceder lugar na própria Europa ao “modelo americano” ou “liberal corporativo”.

(...) Parece assim se consolidar no mundo uma hegemonia neoliberal, como se o

“modelo americano” – velho american way of life – finalmente realizasse o seu

sonho expansionista de dominação universal. (...). (COUTINHO, 1992, p. 69-70).

A conjuntura internacional, de um lado, com a crise do socialismo, de outro, com a crise

estrutural do capitalismo, possibilitou a construção da hegemonia norte-americana em torno do

projeto neoliberal enquanto a saída para a crise estrutural do capitalismo. A hegemonia do projeto

neoliberal e a possibilidade concreta de efetivar “o sonho expansionista norte-americano” trará

implicações para as relações sociais e culturais do país.

Este quadro se concretiza, no Brasil, com a vitória de Collor nas eleições de 1989. Desde

então, passamos a sentir os efeitos da lógica do neoliberalismo como se vivêssemos um processo

constante e profundo de contra-reformas. Através da redução do papel do Estado e do aumento

do poder das leis do mercado. O cenário que se materializava era de um crescente processo de

privatizações combinado com o sucateamento intencional dos serviços públicos. Neste mesmo

pacote de medidas econômicas alinhadas a reestruturação produtiva do capital tem-se a

flexibilização das relações trabalhistas, as terceirizações e o aumento do número de desemprego

estrutural.

O caminho que se abria naquele momento ia numa direção complemente contrária aos

princípios de um projeto democrático e popular construído no período de redemocratização. Isso

fica ainda mais evidente na organização dos trabalhadores, como aponta Badaró (2009), uma vez

que o novo ciclo do sindicalismo brasileiro, no período de redemocratização, logo começou a dar

sinais de declínio, pois para Badaró, em 1989, tem-se a última demonstração da força do

sindicalismo brasileiro, uma greve geral, que durou dois dias e contou com a participação de mais

de 20 milhões de trabalhadores.

A partir disso, na década de 1990, o quadro do país demonstra uma queda no número de

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greves, no número de sindicalizados, a dificuldade das direções em mobilizar as bases,

dificuldades financeiras e indefinições político-ideológicas das direções sindicais, agravado

principalmente pela instituição do neoliberalismo no país:

(...) a proposta neoliberal chegou ao poder com a eleição de Fernando Collor de

Melo para a Presidência da República, em 1989. Collor assumiu a Presidência após

acirrada disputa, em segundo turno, contra o candidato do PT – Luís Inácio Lula da Silva

-, em campanha marcada pelo discurso de combate à corrupção. Mal tomou posse, por

meio de mais um plano econômico baseado em congelamento de salários, o novo

presidente deixou claro que os trabalhadores continuariam a pagar a conta. (MATTOS,

2009, p. 128-129).

Com a opção político-ideológica das frações da classe dominante brasileiras de alinhar o

país ao ideário neoliberal têm-se as bases para o processo de desmonte da organização dos

trabalhadores e do enfraquecimento de seus órgãos representativos.

No plano social o projeto neoliberal que se inicia no governo Collor ganha maior

proporção com o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso

(...) a direção social do primeiro governo FHC foi rigorosa, coerente e

sistemática: em aberta contradição com seu passado democrático e com suas

promessas de campanha, FHC, desde os seus primeiros dias no Planalto, presidiu

um governo direcionado contra os interesses e aspirações da massa dos

trabalhadores brasileiros. Prova-o, entre outros indicadores mais que suficientes,

a condução da política social (ou, se se quiser, das políticas sociais) ao longo do

seu primeiro mandato. (NETTO, 1999, p. 75).

Completamente orientado pelos fundamentos do neoliberalismo a postura do governo

FHC em relação às políticas sociais no Brasil segue como apontam Behring e Boschetti (2001):

(...) os direitos mantidos pela seguridade social se orientam, sobretudo, pela

seletividade e privatização, em detrimento da universalidade e estatização. (...) A

saúde pública padece de falta de recursos, o que se evidencia nas longas filas, na

demora para prestação dos atendimentos, na falta de medicamentos e na redução

de leitos. Há uma forte tendência de restringir a saúde pública universal em um

pacote de “cesta básica” para a população pobre, conforme vem apontando os

jornais. (BERING e BOSCHETTI, 2011, p. 161). Completam,

Isso explica o retorno à família e às organizações sem fins lucrativos – o chamado

“terceiro setor”, categoria ao bem desmistificada por Montaño (2002) – como

agentes do bem-estar, substituindo a política pública. Ao não se constituir como

uma rede complementar, mas assumir a condição de “alternativa eficaz” para

viabilizar o atendimento das necessidades, esse apelo ao “terceiro setor” ou à

“sociedade civil”, aqui mistificada, configurou-se como um verdadeiro retrocesso

histórico. (...). (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 162).

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Com a crise estrutural do capital as classes dominantes optaram por reduzir os gastos

públicos com áreas que não impulsionassem a economia e o pleno desenvolvimento do

capitalismo, ou seja, as áreas sociais.

Sendo assim, o alinhamento das classes dominantes brasileiras com o projeto neoliberal

caracterizou um dos períodos mais dramáticos da realidade brasileira, sem garantias de direitos e

estabilidade no trabalho, com aumento das terceirizações, precarização e desemprego uma

parcela significativa da população precisava recorrer às políticas sociais que por sua vez estavam

cada vez mais focalizadas. Com a redução dos gastos do Estado com as políticas sociais recai

sobre “organizações da sociedade civil” o trato das expressões da questão social, despolitizando-

as, invisibilizando seu fundamento - que é a contradição entre capital e trabalho -, e levando para

o plano do assistencialismo e da refilantropização.

No plano político, a opção das frações da classe dominante brasileiras de alinhar o país ao

ideário neoliberal se expressa no processo de desmonte da organização dos trabalhadores e do

enfraquecimento de seus órgãos representativos. O que se presencia no Brasil é um descenso da

luta dos trabalhadores potencializado tanto pelas condições objetivas, da situação de precariedade

e instabilidade promovidas pelos princípios do neoliberalismo, além do processo de cooptação,

como discorremos anteriormente, de grupos e indivíduos que atuaram organicamente para a

consolidação de uma democracia de massas no país. Como aponta Badaró (2009) o que fora

construído como proposta do novo sindicalismo – de atuar com autonomia e liberdade

democrática – não se concretizou, uma vez que a tendência das ações sindicais se reduziu a

garantia de planos privados de saúde – haja vista o sucateamento intencional dos serviços

públicos, no entanto o que não aparece como pauta é a luta pelo melhoramento destes serviços -,

construção de espaços recreativos para os trabalhadores e famílias. Atrelado a isso, outra

tendência, como aponta Badaró (2009), é a construção de uma “carreira sindical”, figuras que se

apropriam do sindicato para manterem-se nos cargos da direção, em alguns casos, até mesmo

utilizam-se do aparelho como meio para impulsionar campanhas eleitorais. Assim, distanciam-se

cada vez mais dos interesses da base e perdem a perspectiva ético-política destes instrumentos.

No entanto, não devemos perder de vista as análises de Coutinho (1992) em que podemos

constatar que embora o projeto neoliberal tenha conquistado hegemonia na sociedade brasileira, a

sociedade civil demonstrou-se plural, complexa e forte. Cabe aos sujeitos coletivos da classe

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trabalhadora incidir sobre este elemento ao ponto de construir um campo fértil de disputas,

possibilitando a construção da contra-hegemonia pelos setores contrários ao neoliberalismo.

Portanto, para que as classes dominantes consigam manter a hegemonia do projeto

neoliberal será preciso renovar constantemente seus modelos de dominação e reprodução. Para

isso, entendem que a luta por hegemonia também se constroi no plano superestrutural das

relações sociais e será na esfera cultural que o neoliberalismo encontrará sua base ideológica de

sustentação, mais especificamente com a pós-modernidade.

1.2. Pós-modernidade e os desafios contemporâneos da organização da cultura

Propomo-nos neste estudo buscar compreender os caminhos de resistência encontrados

pela juventude trabalhadora no Brasil neoliberal. Na aproximação desta discussão percebemos

que, a pós-modernidade, enquanto uma das bases ideológicas de sustentação do neoliberalismo se

apresentaria como um dos desafios para a organização desta juventude, dificultando seu

reconhecimento enquanto classe trabalhadora e sua identificação a um projeto societário

emancipatório e comprometido com os anseios populares.

Desta forma, buscaremos demonstrar alguns elementos que nos levam a afirmar que a

pós-modernidade se manifesta enquanto lógica cultural de reprodução do capitalismo tardio.

Partindo do entendimento de que um dos fundamentos da pós-modernidade é negar os princípios

do projeto de modernidade, tentaremos elucidar alguns traços do contexto histórico em que se

desenvolve esta problemática.

O período de Ilustração foi um momento de intensas mudanças em todas as esferas da

sociedade. As ciências e as artes foram áreas que se complexificaram e que estas transformações

puderam ser mais evidentes. De modo geral, tratava-se de um momento revolucionário que

permitia aos sujeitos daquela época o questionamento, a crítica, fazendo, portanto, com que fosse

possível colocar em pauta a construção de uma nova ordem societária.

Este movimento de questionamento foi marcado pela crítica da cultura teocêntrica e a

instauração do antropocentrismo, pois naquele momento a humanidade passa a entender o

processo de teleologia, e compreende que o mundo não estava regido por leis divinas como se

fazia acreditar na Idade Média o que justificava a dominação dos reis e senhores. Com isso,

questionava-se o irracionalismo e instaurava-se a era da razão moderna.

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A razão moderna instaura o período em que tudo no mundo pode ser conhecido, e ao

conhecer, a humanidade é capaz de entender este mundo, de criar relações de causa e efeito,

capaz de controlar a natureza, organizar relações sociais, é capaz de questionar, criticar e

transformar a realidade.

Constroi-se, portanto, a partir do Iluminismo, nesse contexto de transformações sociais

profundas, em que todas as estruturas da sociedade estavam sendo questionadas, as possibilidades

históricas para a consolidação do projeto de modernidade.

(...) Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores

iluministas “para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e

a arte autônoma nos termos da própria lógica interna destas”. A ideia era usar o

acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e

criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida

diária. O domínio científico da natureza prometia liberdade da escassez, da

necessidade e a da arbitrariedade das calamidades naturais. O desenvolvimento de

formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento

prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição,

liberação do uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria

natureza humana. Somente por meio de tal projeto poderiam as qualidades

universais, eternas e imutáveis de toda a humanidade ser reveladas. (HARVEY,

2012, p. 23).

É preciso frisar que todas essas mudanças aconteceram num contexto marcado pela crise

do feudalismo e ascensão da burguesia. Sendo assim, o projeto de modernidade tinha um sujeito

muito bem definido que naquele momento seria capaz conduzir uma revolução, isto é, superar a

sociedade feudal e instaurar uma nova sociabilidade que desse conta de abarcar os interesses

daquela nova camada social.

No entanto, este projeto revolucionário fez sentido até a consolidação do capitalismo, ou

seja, até a burguesia conquistar hegemonia em todas as esferas da sociedade. A parir disso, como

vimos, instaura-se a sociedade dividida em classes antagônicas e a burguesia ao tornar-se classe

dominante, torna-se uma classe conservadora.

Desta forma, a burguesia perde a necessidade de promover mudanças na estrutura social,

perde o horizonte revolucionário. Com isso, torna-se uma classe conservadora, mantenedora da

ordem e ela própria começa a construir a ideia da crise do projeto de modernidade. Se a burguesia

se propunha a reorganizar as relações sociais de modo a garantir direitos universais,

desenvolvimento das ciências e do conhecimento, o que se passou a vivenciar foi uma sociedade

baseada na exploração e na dominação. A natureza passou a ser mercantilizada e a riqueza

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socialmente produzida passou a ser apropriada de forma privada, da mesma forma que o

conhecimento e as ciências.

A opção da burguesia não foi a consolidação dos princípios do projeto de modernidade.

Ao contrário, ao abandonar o caráter revolucionário, a burguesia engendra os mecanismos de

aprofundamento das relações capitalistas, constroi sua própria sociabilidade. Assim,

contraditoriamente, define os fundamentos para a construção de um sujeito que “herda” o projeto

de modernidade, de superação da sociedade capitalista, a classe trabalhadora.

A partir disso, o que se desenlaça na história da humanidade é a complexificação, o

aprofundamento e o acirramento da luta de classes. Tem-se de um lado, a burguesia, preocupada

em manter-se no poder, se apropriando da riqueza socialmente produzida. Para isso, sofisticam-se

suas formas de exploração, consolida-se um aparato ideocultural para legitimar seu domínio que

se expande por todo o globo, e a apropriação privada desta riqueza concentra-se cada vez mais

em um número menor de capitalistas. Por outro lado, a classe trabalhadora, demonstra seu

fortalecimento construindo experiências concretas de enfrentamento ao capital, como a

Revolução Russa, o “socialismo real”, mostrando sua capacidade de direcionar, sob novas bases,

o rumo da humanidade.

Entretanto, com as transformações em curso, a partir da década de 1970, o mundo

presenciou sintomas que apontavam tanto para uma crise estrutural do capitalismo quanto uma

crise do “socialismo real”. A sociedade parecia estar imersa em um vazio ideocultural,

intensificado por uma crise econômica, social, política e cultural do sistema capitalista.

Esse contexto de crise aguda da sociabilidade burguesa e do socialismo real tornara-se,

portanto, o terreno fértil para a construção de análises pós-modernas da realidade social. Análises

que apontavam para a necessidade de superação e negação da história anterior àquele momento.

Logo, de superação e negação do projeto de modernidade.

A crise de superacumulação iniciada no final dos anos 60, e que chegou ao auge

em 1973, gerou exatamente este resultado. A experiência do tempo e do espaço se

transformou, a confiança na associação entre juízos científicos e morais ruiu, a

estética triunfou sobre a ética como foco primário de preocupação intelectual e

social, as imagens dominaram as narrativas, a efemeridade e fragmentação

assumiram precedências sobre verdades eternas e sobre a política unificada e as

explicações deixaram o âmbito dos fundamentos materiais e político-econômicos

e passaram para a consideração de práticas políticas e culturais autônomas.

(HARVEY, 2012, P. 293).

Nesse sentido, começou-se a desenvolver a crítica à metanarrativas e ao legado marxiano,

pois acreditava-se que as teorias marxianas e marxistas não eram capazes de explicar a sociedade

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a partir da década de 1970. Como afirma Guimarães (2005), muitos teóricos passaram a defender

a idéia da perda da centralidade do trabalho como categoria de análise da realidade. As relações

sociais e do próprio mundo do trabalho estavam extremamente fragmentadas devido ao processo

intencional de reestruturação das bases de exploração do capital. No entanto, o que se pensava na

época é que surgia uma nova sociedade capitalista, mais avançada e que consequentemente

necessitava de novas formas de interpretação.

Por esta lógica, de fragmentação das relações sociais e individualismo exacerbado, não

fazia mais sentido falar em revolução, nem em sujeito revolucionário. A realidade parecia impor a

busca pelo reconhecimento das individualidades e das subjetividades coletivas. Com isso, negam-

se as metanarativas, e o que importa são as conquistas e lutas imediatas.

Nesse momento, é importante relembrar algumas considerações, pois quando dizemos que

as crises são inerentes ao capitalismo queremos ressaltar que as causas dessas crises advêm da

apropriação privada da riqueza socialmente produzida, e que disso resultam inúmeras

manifestações que se expressam, por exemplo, no fato de que estas mesmas crises passam a

estimular um movimento que eleva o processo de acumulação a um novo patamar. E é justamente

este elemento que gostaríamos de ressaltar, o fato de o capitalismo estar em constante renovação

e a fase que se inicia a partir de 1970 complexifica as formas de exploração e dominação do

capital, tendo a esfera cultural um espaço privilegiado para sua reprodução, o que nos impõe

novos desafios para superação desta sociabilidade.

Entendemos que para o capitalismo seguir seu processo de acumulação, exploração e

dominação foi preciso reorganizar as relações sociais em que por um por um lado, no plano

político e econômico, tem-se a implementação do projeto neoliberal, como apontamos

anteriormente, por outro lado, no plano cultural, utiliza-se dos fundamentos da ideologia pós-

moderna como elemento essencial e funcional para a reprodução deste sistema. Jameson (1997)

afirma que

(...) a nova cultura pós-moderna global, ainda que americana, é expressão interna

e superestrutural de uma nova era de dominação, militar e econômica, dos

Estados Unidos sobre o resto do mundo: nesse sentido, como durante toda a

história de classes, o avesso da cultura é sangue, tortura, morte e terror.

(JAMESON, 1997, p. 31).

O objetivo central do capital é a acumulação, para isso precisa expandir e explorar cada

vez mais novos territórios. A cultura é um dos elementos essenciais que possibilita esta expansão

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e dominação, pois na dimensão da cultura se complexificam os enfrentamentos travados no plano

da estrutura, se assimilam valores, constroem identidades, reconhecimento.

Desta forma, um dos elementos que merece ser situado neste processo é justamente a

indústria cultural, que se manifesta como um dos desafios encontrados na contemporaneidade

para a organização da juventude trabalhadora. Através do consumo, um dos pilares da indústria

cultural, tem-se construído a imagem idealizada de uma juventude, que pode e deve ser

comprada.

A indústria cultural radicaliza a lógica mercantilista da sociedade do capital e faz com que

a arte e as manifestações culturais obedeçam à lógica capitalista de produção e às exigências do

mercado.

(...) a partir da segunda revolução industrial no século XIX e prosseguindo no que hoje

em dia se denomina sociedade pós-industrial ou pós-moderna, as artes que haviam se

tornado autônomas ou se liberado da submissão à religião, foram submetidas a uma nova

servidão: as regras do mercado capitalista e a ideologia da 'indústria cultural (expressão

cunhada por Theodor Adorno e Max Horkheimer numa obra intitulada Dialética do

esclarecimento, para indicar uma cultura baseada na idéia e na prática do consumo de

'produtos culturais' fabricados em séries. A expressão indústria cultural significa que as

obras de artes são mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo. (CHAUÍ, 2005,

p. 209 apud. GODOIS).

Sendo assim, a atual fase do capitalismo nos impõe o desafio de construir alternativas

para romper com a dominação da cultura norte-americana, a imposição de um padrão de vida que

vai desde o consumo de determinados alimentos ao consumo de determinadas marcas de roupas,

carros e aparelhos tecnológicos. Aliás, a exacerbação do consumo passa a ser o elo fundamental

de dominação do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo.

Outro ponto que merece destaque é que mesmo sendo uma lógica funcional ao

desenvolvimento do capitalismo a pós-modernidade nos oferece alguns elementos importantes

para problematizar. Impõe-nos o desafio de entender que a realidade está em constante

transformação e nesse sentido nos faz pensar como os sujeitos coletivos da classe trabalhadora

têm absorvido as transformações em curso na sociedade decorrentes do processo de crise

estrutural do capital, como incorporam as novas demandas advindas da reestruturação produtiva.

Para os mais desatentos a lógica neoliberal realmente parece jogar por terra a noção de classe e

revolução, afinal as condições de trabalho estão cada vez mais fragmentadas, e as saídas para as

condições precárias de vida são cada vez mais focalizadas e individualizadas.

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No entanto, para nós é importante entender que a classe trabalhadora mantém sua

centralidade, mas está mais complexa, não se trata de um conjunto homogêneo de sujeitos e se

não nos atentarmos para as particularidades que passam a surgir, como questões geracionais, de

raça e diversidade de gênero, movimento feminista, ambiental, lgbtt, isso ficará a cargo da pós-

modernidade que contempla estas demandas, mas sem nenhuma pretensão de relacioná-las com a

totalidade da vida social, a ideologia pós-moderna não está preocupada em relacioná-las ao modo

de produção capitalista e fazer o recorte de classe. Sendo assim o projeto de transformação social

que nos propomos a construir deve ser capaz de contemplar a complexidade da classe

trabalhadora, ou encontramos alternativas concretas para incorporar estas novas demandas, ou

deixaremos a cargo da pós-modernidade.

Como sabemos este sistema sobrevive pelas contradições que são inerentes e funcionais a

sua reprodução, sendo assim, acreditamos que por um lado a juventude seja o sujeito que está

mais vulnerável a incorporação da ideologia pós-moderna, do fetiche das marcas, da tecnologia,

seduzidos pelo consumo desde o fast-food aos best-sellers, passando pelos filmes e os heróis

construídos pela industria cultural. Tendencialmente passam a constituir um modo de vida, pensar

e expressar, potencialmente fundamentado pelo efêmero, fragmentado, imediato, atravessado

pelas relações de consumo, com dificuldade de assimilar a luta de classes, de entender a

totalidade da realidade social, e a necessidade de construir projetos societários. Ainda assim, e

pelos mesmos impulsos - o que Groppo (2004) afirma ser a “condição experimental com a

realidade presente” - que potencialmente levam os jovens a incorporar a ideologia pós-moderna,

centramos nossa análise na juventude da classe trabalhadora que pelas condições concretas em

que está inserida nesta lógica capitalista tende a se forjar enquanto o sujeito potencial para

contribuir na recuperação e construção da cultura que travará formas de resistência (e superação)

ao imperialismo.

O capitalismo, para consolidar sua estratégia da dominação, necessita da destruição da

memória do povo, pela introdução de uma nova prática, também destrutiva, em que o

homem destrói a natureza ao mesmo passo que se auto-destrói. Na agricultura, matam-se

as sementes, na sociedade, matam-se as idéias, a identidade, a consciência. Eliminam-se

as sementes das culturas de resistência. (GODOIS)

Nesse sentido, portanto, acreditamos que a juventude é o sujeito essencial para contribuir

com o resgate da memória de lutas do povo brasileiro, sujeito imprescindível da classe

trabalhadora para trazer para o cenário político o debate sobre o nacional e o projeto popular. A

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juventude trabalhadora tem a potencialidade de contribuir na consolidação do debate necessário

(diversidade sexual e de gênero, feminismo, negritude, etc.) para dentro do marxismo e dos

instrumentos políticos da classe trabalhadora de modo a combater a visão fragmentada desse

debate oferecida pela pós-modernidade, e que a cultura é a esfera privilegiada para a construção

de alternativas concretas de superação da sociabilidade burguesa. Este é o debate que

pretendemos sustentar na continuidade de nosso trabalho.

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CAPITULO 2 - A EXPERIÊNCIA DA JUVENTUDE TRABALHADORA NO CONTEXTO

DE RADICALIZAÇÃO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL

Quando nos propusemos a iniciar um estudo sobre juventude, logo percebemos que não se

tratava de uma tarefa fácil. A literatura sobre o tema tem nos revelado um universo complexo,

desenhado por inúmeros desafios, atravessado por diversas variantes (históricas, sociais,

políticas, culturais, ideológicas) e interpretado por diferentes correntes teóricas. A fim de

encontrar um caminho para iniciar nossas reflexões sobre esta categoria, buscamos, a partir das

contribuições de alguns autores, delimitar consensos e explicitar as principais contradições que

perpassam a categoria juventude e que nos possibilitariam formular nossas análises sobre o tema.

Nesse sentido, pretendemos estruturar esta exposição de modo que possamos apresentar a

constituição da categoria juventude, ressaltando momentos históricos em que o debate sobre estes

sujeitos se fez mais significativo para, a partir disso, relacioná-la às variantes que permitem uma

compreensão mais qualificada sobre a complexidade da juventude.

Pretendemos ainda, baseado em dados estatísticos dos censos de 1990, 1995 e 2001,

construir um panorama do período mais radical do neoliberalismo no país e apresentar algumas

considerações acerca da juventude da classe trabalhadora brasileira neste contexto. Sabemos que

estes dados censitários podem apresentar limitações pela primazia de elementos quantitativos que

não dão conta de compreender a totalidade da realidade, mas acreditamos que este exercício

investigativo nos auxiliará na construção de um esboço a respeito das condições em que os jovens

trabalhadores vivenciam a juventude no Brasil.

2.1. A construção das juventudes

Como temos observado, o debate sobre juventude situa-se em um terreno extremamente

complexo devido ao fato de não se tratar de uma categoria rígida, estática e universal. Ao

contrário, logo se percebe que a apreensão da totalidade do universo juvenil só será possível se

situada em um contexto histórico, social, político, cultural e ideológico.

Desta maneira, gostaríamos de traçar um caminho metodológico que nos possibilite uma

visão geral da constituição histórica da juventude de modo que nos auxilie, mais a frente, na

apreensão de sua complexidade ao relacioná-la a determinadas variáveis que compõem o

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universo da juventude - como educação, trabalho, e cultura, ou mais especificamente expressões

culturais (de resistência).

Para tanto, vamos nos utilizar neste momento das contribuições de alguns autores,

partindo de Cassab (2001), para situar a constituição da categoria juventude. Decidimos iniciar o

debate acompanhando o percurso construído pela autora e apresentar historicamente a

constituição da categoria juventude, buscando trazer à luz algumas ponderações que pretendemos

conseguir desenvolver neste estudo, demonstrar o desenvolvimento da categoria ressaltando as

variantes que a compõem e que se manifestam ainda na contemporaneidade, tornando a

juventude um debate radicalmente necessário.

De acordo com Cassab (2001), na Grécia Antiga já era possível perceber o

desenvolvimento da noção sobre juventude. Naquele contexto, relacionava-se juventude à

educação que os jovens recebiam, isto é, homens, das cidades, recebiam como meio de prepará-

los enquanto cidadãos, na construção de sua autonomia. Tratava-se, portanto, de uma categoria

que excluía deste processo de preparação para uma vida autônoma as mulheres nobres e os

homens e mulheres escravizados.

Este aspecto excludente da juventude não é superado em Roma, mas, como demonstra

Cassab (2001), inicia-se uma delimitação da juventude como uma fase específica no

desenvolvimento humano, com reconhecimento jurídico, passível de tutela e proteção da família.

No entanto, esta tutela da família e o respaldo jurídico devia-se quase que exclusivamente à

preocupação em manter segura a herança, a propriedade da terra. (CASSAB, 2001).

(...) o jovem que surge no mundo romano é o rapaz oriundo da pequena nobreza e os

segmentos que detinham o comércio o qual, pela complexidade das tarefas que assumiria

e do patrimônio que deveria ser protegido, demandava um tempo mais longo de

educação. Para as moças e jovens mais pobres ainda não havia qualquer reconhecimento

desta condição. (CASSAB, 2001, p. 66).

Perceba que em Roma a juventude passa a ter reconhecimento jurídico (com a intenção

evidente de perpetuar a manutenção dos bens da família e a propriedade de suas terras) enquanto

uma fase específica da vida, mas o que gostaríamos de ressaltar é que está longe de ser superado

neste momento a incorporação das mulheres e os sujeitos escravizados nesta fase. Na verdade, ao

debruçarmos sobre a construção histórica da juventude percebemos que muitas contradições

ainda perpassam estes sujeitos na contemporaneidade, e o que pretendemos problematizar neste

estudo é o fato de que os jovens que foram escravizados e que hoje são trabalhadores não estão

excluídos deste processo ou fase da vida, ao contrário, o que pretendemos analisar mais à frente é

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justamente como os jovens das classes trabalhadoras vivenciam a juventude na

contemporaneidade.

Seguindo a linha histórica, Cassab (2001) aponta que, na Idade Média, no entanto, essa

regulamentação jurídica da juventude se dissolve, “na verdade os jovens não desempenhavam

nenhuma função social como grupo” (CASSAB, 2001, p.67). Aos sete anos já se vestiam e

começavam a se inserir no mundo dos adultos.

Destacamos, a partir das contribuições da autora, que a educação, compreendida como

espaço de socialização e construção da autonomia, poderia ser desempenhada em qualquer

momento da vida, na Idade Média, mas restrita aos membros das famílias nobres, pois aos sete

anos os sujeitos que não pertenciam às camadas da nobreza já eram considerados capazes de

executar determinados trabalhos, de criados a aprendizes em oficinas. Ocupavam o lugar na vida

adulta, assumindo responsabilidades atribuídas a esta fase da vida sem a necessidade de vivenciar

nenhum período de preparação. (CASSAB, 2001). Traçando mais um paralelo com a

contemporaneidade, vale dizer que assim como o gênero vai desenhar um modo peculiar como os

jovens irão vivenciar a juventude é inegável que a condição de classe também o fará.

Até a Idade Média, como pudemos perceber, a juventude não conformava um grupo social

que exigisse dos outros setores da sociedade a construção de formulações densas, específicas, não

havia grandes conflitos e contradições que demandassem pensar estratégias para tratar

especificamente da questão dos jovens. No entanto, existem elementos presentes neste percurso

que são muito relevantes para seguirmos com nossas análises, principalmente quando nos

atentamos para o fato de que até aquele momento as mulheres estavam excluídas da noção de

juventude, excluídas do processo de preparação para uma vida autônoma, bem como os jovens

trabalhadores e escravizados, uma vez que a noção de juventude estava restrita aos homens filhos

das famílias mais abastadas.

Na verdade, ao debruçarmos sobre a construção histórica da juventude, perceberemos que

muitas destas contradições ainda perpassam estes sujeitos na contemporaneidade, e um dos

elementos que pretendemos problematizar neste estudo é o fato de que os jovens trabalhadores

não são excluídos deste processo ou fase da vida. Ao contrário, o que pretendemos compreender

mais à frente é justamente como os jovens das classes trabalhadoras vivenciam a juventude, qual

o lugar para esta juventude nos projetos hegemônicos do capital e quais as maneiras de resistir e

superar esta condição subordinada de vivenciar a juventude.

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Se até o momento já nos foi possível sublinhar estas contradições, é justamente a

modernidade o período em que os autores tendem a consentir como o desenvolvimento mais

amplo da noção de juventude e do acirramento e surgimento das contradições que compõem o

universo juvenil. Isto só será possível pelo fato de a modernidade ser o momento histórico em

que se vivencia de forma mais evidente os embates das classes sociais, mudanças significativas

nos padrões culturais que permitem experiências mais complexas para a juventude.

Cassab (2001) afirma que a industrialização é justamente o momento mais marcante na

história da juventude. As transformações em curso com a modernidade promovem modificações

na sociedade dividindo-a, antagonicamente, em duas classes, o que surtirá em contradições

jamais vivenciadas e ainda latentes na contemporaneidade.

Da mesma forma, Groppo (2004) reafirma que a juventude foi uma preocupação constante

ao longo da história e que o início dessa problemática está relacionada com o desenvolvimento do

capitalismo. Para o autor, com o capitalismo industrial, o crescente e desordenado processo de

industrialização e urbanização dos países europeus trouxe à tona inquietações para intelectuais,

cientistas, Estado, instituições privadas a respeito da relação existente entre os efeitos negativos

do capitalismo, as expressões da questão social e a questão da juventude, tratada naquele

momento como um problema, e identificada a grupos de deliquentes e criminosos.

Percebemos que com advento da modernidade e a constituição do sistema capitalista

constroem-se as condições históricas, sociais, culturais para se desenvolver mais profundamente

as configurações no modo de pensar a juventude, mas ainda assim com muitas limitações, uma

vez que a compreensão do universo complexo e contraditório que é a juventude parecia ser

reduzido a um problema. A questão central que se desenlaça neste enredo, e que devemos nos

atentar, é que a juventude em si não vista como um problema, mas para as classes dominantes

uma determinada juventude estava colocada como um problema, a juventude da classe

trabalhadora.

Nesse sentido, parece-nos evidente que reduzir a compreensão sobre juventude a um

problema, desvio, anormalidade relaciona-se ao fato de que, como aponta Groppo (2004), a

interpretação sobre a juventude ter sido historicamente influenciada pela visão funcionalista e

naturalista,

(...) a visão funcionalista absorve parte da concepção naturalista de juventude que

permeia a psicologia e a medicina, justamente no que se refere à noção de que existem

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estados “normais”, saudáveis, estabelecidos a partir de “leis sociais” positivamente

inteligíveis. Se há normalidade, pode haver anormalidade, doença, anomia – aquilo que

foge do padrão, do esperado, que destoa e não faz “funcionar” corretamente o sistema

social. (GROPPO, 2004, p. 13).

Se partimos para uma interpretação superficial da realidade, é comum que nossas análises

se reduzam aos elementos aparentes, aos vícios, a deliquencia, ao crime, a pobreza. No entanto, a

juventude se desenvolve na modernidade a partir da divisão antagônica da sociedade em classes,

e é justamente a exploração de uma classe sobre a outra, através da apropriação privada da

riqueza socialmente produzida que se tem a gênese das contradições e dos conflitos do universo

juvenil (e não só juvenil).

Ainda sob a influência do pensamento positivo-funcionalista, e para atender às exigências

do projeto de modernidade, como aponta Groppo (2004), desenvolve-se a perspectiva de divisão

em faixas etárias buscando delimitar o lugar que cada sujeito deveria ocupar na sociedade, bem

como seus deveres e direitos, e o papel do Estado. Desta forma, tomavam a juventude como um

grupo homogêneo de sujeitos que partilhavam da mesma faixa etária e que demandavam, para

além da família, espaços de socialização (institucionalização) para preparação para a vida adulta.

A moderna estrutura das faixas etárias, incluindo a juventude, foi, como muitos

outros produtos da modernidade, pensada como uma categoria universal, abstrata,

generalizante e mesmo ideal. É mais um dos frutos do pensamento ideológico

liberal, pensamento este que unia a interpretação das “leis naturais” com a

definição abstrata e genérica dos padrões ideais de civilização e humanidade,

padrões que estariam sendo atendidos conforme se respeitavam estas “leis

naturais” (Mannheim, 1986). (...). (GROPPO, 2004, p. 12).

Segundo Groppo (2004), as sociedade pré-modernas se organizavam a partir do que ele

definiu como grupos heterogêneos, geralmente hegemonizados pela família e por certo grau de

parentesco, os sujeitos ali se relacionavam e construíam sua socialização dentro de grupos com

sujeitos de diferentes idades.

Para o autor, a divisão da sociedade em grupos etários tornou-se uma necessidade das

sociedades modernas que, pela complexificação das relações sociais, exigia uma socialização dos

sujeitos para além da família, uma “segunda socialização”. (Groppo, 2004).

No que se refere às instâncias socializadoras advindas do processo de modernização das

sociedades, o autor aponta a escola como o espaço privilegiado de socialização da juventude –

destaca ainda que na segunda metade do século XX, esse processo de socialização foi

hegemonizado pelas universidades e pelo mercado de consumo juvenil, tendo os EUA como

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precursor deste processo. O autor ressalta que estes espaços vão impondo valores, formas de

comportamento que vão desenhando uma forma de ser da juventude.

No entanto, Cassab (2001) nos chama atenção para o fato de que se por um lado, aos

jovens burgueses a escolarização aparecia como um caminho de preparação para a vida adulta,

aos jovens trabalhadores esta via se fecha e abre-se como alternativa o serviço militar cumprindo

a função de educar e socializar estes jovens sob os valores burgueses.

Desta forma, como aponta a autora, logo, tornou-se o alistamento militar obrigatório,

ainda que diante de muita revolta entre os jovens. Os jovens trabalhadores que se manifestavam

contra o alistamento eram reprimidos, e os jovens burgueses que não queriam se alistar pagavam

uma determinada quantia para se eximir da obrigação. Assim (...) “começa a se forjar então um

ideal de masculinidade, delineando-se um perfil do jovem viril, distanciado do mundo das

“fragilidades e futilidades” femininas, com um corpo forte formado pelo exercício e com um

caráter rijo de moralidade e patriotismo.” (CASSAB, 2001, p. 69).

Nesse sentido, como aponta Cassab (2001) constrói-se, por um lado, o jovem, filho da

burguesia que pode estudar, freqüentar a universidade para se preparar para gerir os negócios da

família. No entanto, a autora ressalta que “a disciplina e a obediência, tal como nas instituições

militares, eram a base da pedagogia da época. Esta pedagogia supõe uma estrita vigilância sobre

os jovens.” (CASSAB, 2001, p. 67). Assim, ainda reforça que esta vigilância, de um lado, da

família, de outro, da escola, baseava-se justamente no fato de que, neste período, os jovens

passaram a representar um investimento em potencial, portanto, nesta lógica, passíveis de

vigilância.

Cassab (2001) aponta que, assim como nas famílias burguesas, a vigilância também se

tornara algo comum às famílias operárias da época. Contudo, para estas, o monitoramento dos

jovens se dava de modo a impedir determinadas atitudes que estavam muito mais no imaginário

que se passou a desenhar do jovem delinquente, de impulsos sexuais selvagens, que precisavam

ser reprimidos. Constituí-se enfim, como apontamos anteriormente, a imagem daquele jovem

“que, inconformado com a existência de pobreza de seus pais e alimentando desejos de consumo,

ocupa as ruas da cidade”. (CASSAB, 2001).

A vigilância dos jovens na modernidade se dava, portanto, por interesses muitos distintos.

Se por um lado, precisava-se de instituições socializadoras, especialmente escolas e

universidades, para os jovens burgueses, era pelo fato destes sujeitos se apresentarem como

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investimento em potencial, quem deveria gerir, com excelência, os bens da família. Por outro

lado, nas famílias dos jovens trabalhadores, esta vigilância se baseava na repressão, a partir do

imaginário construído do jovem delinquente que precisa de regras e disciplina, justificando a

obrigatoriedade do serviço militar, por exemplo.

Além da escola e da universidade, Groppo (2004) nos mostra que existiam outros espaços

de socialização da juventude, como igrejas e partidos políticos, por exemplo, mas o que busca

ressaltar é que neste processo de socialização (institucionalização) dos jovens existe o elemento

de contradição, o que denomina de dialética, que é justamente o fator de resistência e negação a

estes espaços e dos valores e comportamentos que pretendem impor aos jovens.

Nesse sentido, o autor destaca ainda uma onda de organização e mobilização da juventude

em torno dos processos revolucionários ocorridos no século XVIII, desde a organização em

grupos religiosos, místicos ou esotéricos à organização em torno das idéias do “socialismo

utópico”. O autor destaca que não se tratava exclusivamente da organização da juventude em

torno de um projeto societário revolucionário, movimentos políticos classistas unicamente, mas

uma gama variada de concepções políticas, ideológicas, não necessariamente “progressistas” ou

de “esquerda”, muitas com viés conservador e reacionário inclusive, mas que, segundo o autor,

revela um inconformismo e a vontade pela experimentação presentes no que ele considera ser

uma condição juvenil. (GROPPO, 2004).

Groppo (2004) se propõe a construir um caminho de análise da juventude que permita

superar os limites da visão funcionalista, pois “mesmo sendo capaz de levar em conta o caráter

social e histórico da juventude, a concepção funcionalista acaba decaindo nos defeitos científicos

e do ‘naturalismo’, que em tudo buscam padronização e equilíbrio sistêmico” (GROPPO, 2004,

p.14). Com isso, o autor buscará desenvolver a ideia de dialética das juventudes de modo a

buscar contribuir na análise do universo juvenil na modernidade e contemporaneidade.

Concebo a dialética das juventudes e da condição juvenil, primeiro, como a

presença de elementos contraditórios no interior dos diversos grupos juvenis,

elementos que colocam constantemente aquilo que é definido institucional e

oficialmente em estado de superação, pela própria dinâmica interna das

coletividades juvenis e de suas relações com a sociedade mais geral. (GROPPO,

2004, p. 14).

Groppo (2004) procura demonstrar que nas sociedades modernas existem processos de

institucionalização de grupos juvenis através da escola, igreja, orfanatos, partidos políticos, entre

outros. Instituições cujo objetivo é o de incutir determinados valores, padrões de socialização a

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estes grupos que partilham de uma mesma faixa etária. No entanto, a dialética das juventudes se

consistiu justamente nas possibilidades destes grupos não se adaptarem às normas e padrões

impostos e encontrar caminhos de superá-los, de resistir e de construir sua autonomia. No

entanto, devemos destacar que a dialética das juventudes expressa-se sobretudo pelo elemento da

contradição, e não devemos cair na generalização de acreditar que a juventude detém em si o

ímpeto revolucionário. Ao contrário, a dialética que Groppo (2004) nos apresenta é apenas uma

possibilidade para os jovens. Algumas juventudes não estão interessadas na transformação social,

mas na reprodução da sociabilidade e dos valores burgueses. Nesse sentido, portanto,

É possível dizer que a força e fraqueza das juventudes modernas advém desta

condição de relação experimental com a realidade presente. Esta condição contém

o perigo da desvalorização de experiências acumuladas e comprovadas

racionalmente. Mas, por outro lado, contém a possibilidade de que se conteste

aquilo que parecia imutável ou de (falso) valor absoluto. (GROPPO, 2004, p. 17).

Essa é uma das contribuições essenciais para guiar nossas análises, uma vez que reforça e

fundamenta nosso horizonte de ser a juventude da classe trabalhadora o sujeito potencialmente

necessário para contribuir na construção de um projeto de sociedade que irá superar a

sociabilidade burguesa. A condição experimental com a realidade presente é um fator

extremamente contraditório, pois supõe a vulnerabilidade da juventude em incorporar os valores

hegemônicos do capital, mas, ao mesmo tempo, esta condição permite a estes sujeitos o

questionamento do sistema capitalista que se apresenta como imutável.

Partindo deste processo de compreender a juventude como uma categoria social, dialética,

contraditória e complexa, situada em um determinado período histórico e cultural, vale destacar

que, para a visão da constituição da juventude na modernidade deve-se levar em conta os

antagonismos de classe que a perpassam e como isso vai influenciar o desenvolvimento dos

jovens trabalhadores e burgueses.

Desta forma, destacamos das contribuições de Cassab (2001) que “(...) passados os 13

anos, o trabalho é o destino dos jovens pobres do século XIX, que, mesmo ainda vivendo com

seus pais, eram responsáveis por seu próprio sustento, mas não eram independentes em relação a

eles.” (CASSAB, 2001, p.71). como percebemos, embora seja na modernidade o período em que

mais amplamente se discute a questão da juventude, é também neste momento em que se

aprofundam os antagonismos entre os jovens trabalhadores e burgueses. A juventude burguesa

está para iniciar seu processo de preparação e qualificação para uma vida autônoma, enquanto os

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jovens trabalhadores estão livres para vender sua força de trabalho e ingressar prematuramente na

vida adulta.

Nesta lógica, como aponta Cassab (2001), a classe operária da época englobava um

significativo contingente de jovens que não conformavam com a condição de exploração de seus

pais e sua própria condição de explorados, vindo daí a identificação, segundo a autora, da

juventude aos ideais revolucionários. “(...) Esta identificação que, de certo modo, se inicia na

Revolução Francesa, vai se expandir muito no século XIX, até explodir nos anos 60 do século

XX. (...)” (CASSAB, 2001, p.72).

Esse processo de identificação entre juventude e revolução, como aponta Cassab (2001)

vai construir um movimento na sociedade em que a juventude passa a ser colocada como oposta

aos adultos. Como a autora aponta, passou a existir um incômodo por parte das gerações

anteriores no sentido de desacreditar que aquela juventude teria condições de assumir o mundo

até então construído por eles.

Este incômodo geracional tem seu ápice, segundo Cassab (2001), na década de 1960,

especialmente no episódio das revoltas de 1968. Neste momento, estavam postas as

possibilidades de construção, por um lado, de mercadorias que expressavam a identidade da

juventude, por outro lado, a contestação, por parte destes jovens, na defesa de sua autonomia e

liberdade, em que vale ressaltar nesse sentido, o movimento feminista protagonizando a luta pela

liberdade sexual e exigindo reconhecimento das mulheres como sujeitos de direitos. (CASSAB,

2001, p. 73).

Perceba que as contradições latentes e inerentes ao sistema capitalista, como a opressão e

a exploração, a totalidade das relações sociais, a arte e a cultura reduzindo-se a mercadorias,

possibilitaram, concretamente, um momento de inflexão da categoria juventude. Esta conjuntura,

portanto, fez com que os jovens se consolidassem como sujeitos políticos na história.

Para Groppo (2004), a onda de revoltas em todo mundo naquele período deveria ser

entendida não como manifestações isoladas, mas como uma onda mundial que continha seus elos

de unidade. A começar, se tratava de manifestações protagonizadas por jovens, no entanto,

hegemonicamente jovens universitários oriundos das classes médias.

Além disso, o autor destaca, que, embora seja inegável a importância do maio de 1968, na

França, e das experiências de outros países europeus como Alemanha e Itália, devia-se atentar

para o protagonismo da juventude do “Terceiro Mundo”, pois (...) “a onda mundial de revoltas

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teve eventos tão importantes quanto inesperados para um olhar que espera apenas do “Ocidente

civilizado” os ímpetos de emancipação da humanidade”. (GROPPO, 2008).

Mesmo sem desconsiderar as particularidades que cada revolta significou para cada país,

Groppo (2004) ressalta que o contexto histórico possibilitou unidade em torno das pautas

principais destas revoltas, elementos da geopolítica como Guerra Fria, a rejeição ao imperialismo

norte-amercicano e a contracultura eram alguns desses exemplos. No entanto, segundo o autor, se

o caráter anticapitalista predominou na maior parte dessas revoltas valia dizer que muitos jovens

se organizaram para romper com o caráter autoritário e burocrático que muitos regimes

socialistas estavam adotando. Enfim, tratava-se de um momento de contestação e inconformismo

com as contradições sociais e que teve expressão no campo das artes através de manifestações

contrárias à dominação da indústria cultural, o movimento hippie, nos Estados Unidos, foi uma

das principais manifestações dentro da variada gama das expressões de resistência cultural pelo

mundo.

Naquele momento, os sujeitos coletivos da classe trabalhadora, movimentos sociais,

partidos políticos de toda a América Latina estavam entusiasmados pelo sentimento de esperança

com o êxito da Revolução Cubana. Não era diferente o sentimento que envolvia o povo brasileiro

que se organizava em torno das reformas de base, reformas estruturais. Juntavam-se

trabalhadores do campo e operários, jovens, intelectuais, artistas em torno, dentre outras

bandeiras, da reforma agrária, universitária, reforma urbana.

No Brasil estava se consolidando as bases para edificar uma produção cultural

genuinamente brasileira, nacional, comprometida com a superação de todas as formas de

dominação e exploração do povo brasileiro.

Para ilustrar uma das experiências mais significativas da época, destaca-se o

protagonismo dos jovens estudantes da UNE através dos Centros Populares de Cultura, que

mesmo com os limites que possam ter surgido desta experiência, os frutos deste processo foram

extremamente valiosos. Materializados em peças teatrais nas portas de fábricas ou na produção

cinematográfica, por exemplo, as expressões artísticas comprometidas com a transformação da

sociedade brasileira traziam sempre elementos que possibilitavam o questionamento das

contradições do sistema capitalista.

No entanto, um elemento muito pertinente que vale a pena ressaltar desta efervescência

político-cultural é que, os sujeitos que estavam à frente destas mobilizações, que tinham a

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possibilidade de inserir na luta política, nos movimentos estudantis, eram, em suma maioria, os

jovens filhos da classe média.

Os estudantes universitários no Brasil, que tiveram papel fundamental nas mobilizações

do país na década de 1960, enfrentaram, como principal opositor o golpe militar de 1964. Groppo

(2004) afirma que, ainda durante o ano de 1968, mesmo ano de instauração do Ato Institucional

n°5, vivenciou-se importantíssimas revoltas, contraditoriamente desencadeadas pelas ações

repressivas do regime. Cita que com a morte de um estudante secundarista no Rio de Janeiro,

desencadeou-se uma série de passeatas em solidariedade à luta dos estudantes.

No entanto, como destaca o autor, a ditadura se empenhou em reprimir com ferocidade a

organização dos jovens, com decretos que vedavam as passeatas, até então uma das formas mais

potentes de contestação do movimento, atrelado ao impedimento das greves e ocupações das

unidades estudantis. Sendo assim,

(...) a rebelião juvenil bifurcou-se em duas frentes. Uma delas, a da rebeldia

comportamental de nossos hippies, amantes da liberdade sexual e da experimentação

psicodélica, não tinha interesse central pela transformação do regime político. A outra, a

da luta armada, organizações de esquerda que entraram em clandestina mas sangrenta

batalha contra o regime, pouco puderam diante da violência quase absoluta daquele

Estado(...). (GROPPO, 2008, p. 41).

A partir do exposto percebemos, portanto, que o futuro da juventude está permeado de

desafios e incertezas. As contradições da relação entre capital e trabalho se manifestam com mais

intensidade no seio da juventude, tornando os jovens que sofrem esta exploração sujeitos

potenciais para a luta contra o capitalismo. Contudo, o que se pode concluir é que a luta da

juventude situa-se em um campo aberto de disputa, e em cada conjuntura histórica o capital se

ocupa em integrar as juventudes na sua lógica de reprodução.

2.1.1 Alguns apontamentos sobre juventude e pós-modernidade

Temos buscado demonstrar ao longo deste trabalho que a crise estrutural do capitalismo,

na década de 1970, tem trazido implicações drásticas e perversas para as relações sociais, em

especial, à juventude da classe trabalhadora.

A partir do panorama que temos apresentado, Groppo (2008) revela que “a partir dos anos

1970 inicia-se um novo ciclo de integração da juventude, através principalmente da ação das

indústrias culturais, do marketing e mercados de consumo juvenil.” (GROPPO, 2008, p.15).

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Atrelado a isso, vale relembrar, neste momento, que Groppo (2004) afirma que a

cronologização e institucionalização do curso da vida, ou seja, a formação de grupos etários

homogêneos cujo processo de socialização ficaria por conta do Estado, direito, escola, igreja,

partidos, entre outros, são produtos do projeto de modernidade.

Contudo, diversas análises indicam que vem acontecendo contemporaneamente a

“desinstitucionalização do curso da vida”, um processo que estaria engendrando,

a partir dos anos 1970, uma sociedade na qual as faixas etárias não seriam mais

essenciais para determinação do curso da vida no aspecto privado (Kohli&

Meyer, 1986; Debert, 1999). Esse processo faz com que as intervenções

institucionais baseadas na cronologização do curso da vida, como aquelas feitas

pelo Estado, tenham seu peso cada vez menor, obrigando indivíduos e grupos

sociais a procurar soluções particulares para as dificuldades inerentes ao ritmo

biológico da vida (como envelhecimento). Trata-se da “reprivatização do curso da

vida”. (GROPPO, 2004, p. 18).

Entendendo que juventude é uma categoria social, histórica e cultural devemos atentar ao

período em que estas transformações estão ocorrendo. Isto é, a desresponsabilização do Estado na

área social, a intensificação das ações da indústria cultural são algumas das respostas ao processo

de crise estrutural do sistema capitalista, em que os autores tendem a consentir como ponto inicial

a década de 1970.

Com a crise estrutural do capitalismo, na década de 1970 - com rebatimentos significativos na

esfera econômica, política, cultural e social das sociedades em todo o globo - o capital se

empenhou em reestruturar formas de exploração e dominação, passa a engendrar meios de

superar a crise, ainda mais complexos e perversos. Para seguir seu processo de acumulação,

exploração e dominação foi preciso reorganizar as relações sociais, e o que se manifesta a partir

da década de 1970, nas esferas política e econômica, foi a implementação do projeto neoliberal, e

na esfera cultural, tem-se a pós-modernidade enquanto lógica cultural de reprodução do

capitalismo tardio3.

Nesse sentido, podemos perceber um claro exemplo da funcionalidade da ideologia pós-

moderna à reprodução do sistema capitalista, na citação anterior, pois uma das saídas para

superação da crise estrutural do capitalismo na década de 1970 foi a implementação do projeto

neoliberal, onde um dos fundamentos é a desresponsabilização do Estado na área social, com

políticas sociais cada vez mais fragmentadas e focalizadas. Sendo assim, afirmar que juventude

não se reduz a faixa etária e deve ser entendida como um estilo de vida que pode ser comprado

3

Ver: JAMESON, F. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 2004.

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em qualquer idade torna ainda mais vulnerável esta parcela da sociedade. Também não nos

limitamos em conceituar juventude como um conjunto de sujeitos homogêneos que partilham

uma mesma faixa etária, mas negar esta cronologização reduz ou exclui ações do Estado no

sentido de garantir direitos a estes sujeitos.

Percebemos na década de 1970, a reestruturação produtiva do capital, como um período

em que a discussão sobre juventude volta à tona. No entanto, a discussão sobre juventude se

pauta “através principalmente da ação das indústrias culturais, do marketing e mercados de

consumo juvenil.” (GROPPO, 2004, p. 15), novamente por uma visão conservadora, como um

problema social, haja vista os altíssimos índices de desemprego estrutural entre esta parcela da

sociedade, o que leva a ações que variam entre paternalismo, caridade, repressão, políticas

públicas ou criminalização. (GROPPO, 2004, p. 10).

Contudo, este mesmo período histórico, que impôs mudanças drásticas nas relações

sociais – no plano político e econômico com o projeto neoliberal, e no plano cultural com o

desenvolvimento da ideologia pós-moderna - faz-nos novamente frisar a importância de repensar

o papel da juventude nos projetos hegemônicos do capital e quais as formas de resistência

encontradas por esta juventude

Como é possível concluir, este período marca o processo de constituição tanto histórico

quanto teórico da pós-modernidade que legitima o processo de reestruturação produtiva do

capital e fortalece o projeto neoliberal. Assim,

Nesta pretensa sociedade “pós-moderna”, a própria juventude teria perdido sua

razão de ser no seu sentido hegemônico durante a modernidade, de

transitoriedade, construção da individualidade e aquisição de experiências sociais

básicas. Parece se impor algo que várias vezes antes havia se anunciado e

esboçado: a juventude seria, sobretudo, um “estilo de vida”, um “modo de ser” –

a juventude “bastaria a si mesma”. A juventude desaparece para dar lugar a

“juvenilização”, deixa de ser uma vivência transitória para ser um estilo de vida

identificado ao bem viver consumista. O juvenil é “juvenilizado”, desvinculando-

se da idade adolescente e tendo retirado de si conteúdos mais rebeldes,

revolucionários ou meramente disfuncionais. (...). (GROPPO, 2004, p.18).

A disputa da juventude permanece incorporada à estrutura social, pela lógica do

capitalismo, e transformada em uma mercadoria que pode e dever ser consumida. Como tudo na

sociabilidade burguesa o capital busca transformar a juventude em uma mercadoria, num desejo

de consumo, num crescente esforço de despolitizar estes sujeitos.

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Como aponta Groppo (2004) a negação da juventude em seu sentido moderno, de

institucionalização, implica a “regressão de certas conquistas sociais, de certos direitos sociais e

aspectos positivos da universalização relativa das juventudes modernas” (Groppo, 2004, p. 19).

Groppo enfatiza,

Ainda que a dialética de Marx afirme que, segundo “leis” do movimento

histórico, tudo está fadado a ser superado, talvez possa se dizer que ainda não

chegou o momento da juventude ser superada como elemento estrutural da

sociabilidade contemporânea. (GROPPO, 2004, p. 20).

A partir desta afirmação de Groppo (2004) cabe ressaltar que nosso esforço no curso da

construção deste trabalho será ainda de buscar comprovar a atualidade e necessidade de se

debruçar sobre algumas categorias essenciais para compreender (e transformar) a realidade.

Acreditamos que a juventude é uma dessas categorias centrais de análise da realidade e que o

marxismo é a lente mais apropriada para enxergar as contradições do sistema capitalista e que irá

proporcionar os fundamentos para a consolidação de um projeto societário da classe trabalhadora.

Nesse sentido, é importante apresentar algumas contribuições de Abramo (2005) quando

nos esclarece sobre a relevância da categoria juventude e o que a torna singular ante os diferentes

segmentos populacionais. A autora reafirma que, na sociologia, se convencionou dizer que o

termo começa a ser problematizado com o advento da sociedade moderna, identificado com a

experiência dos jovens burgueses que vinham construindo para além da família a necessidade de

novos espaços de socialização, hegemonizados pela escola.

Reforça ainda que, no Brasil, o debate sobre juventude durou pelo menos até 1960 em

torno da juventude escolarizada, dos filhos das classes médias que tinham as possibilidades de se

organizarem em torno do movimento estudantil, da contracultura e partidos políticos. No entanto,

a autora ressalta que, anos mais tarde, o debate passou a ser hegemonizado pela preocupação com

as crianças e adolescentes em situação de risco, aparecendo como sujeitos de direitos

materializado na construção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Desta forma, Abramo (2005) nos apresenta o fato de que a concepção de juventude para

além da classe média e da adolescência em risco é um debate recente, que acompanha as

transformações histórico e sociais, e nasce principalmente, como diz a autora, pelo aparecimento

dos sujeitos, por parte dos setores populares, principalmente ligados a estilos culturais. Esses

jovens aparecem para demandar ações específicas, diferenciadas das vivenciadas por gerações

anteriores e que exigiam do Estado e da Sociedade Civil se debruçar na formulação,

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planejamento, execução de políticas específicas para a juventude. (ABRAMO, 2005, p. 38-39). A

partir disso, Abramo (2005) nos alerta para a definição da condição juvenil:

A noção da condição juvenil remete, em primeiro lugar, a uma etapa do ciclo de vida, de

ligação (transição, diz a noção clássica) entre a infância, tempo da primeira fase de

desenvolvimento corporal (físico, emocional, intelectual) e da primeira socialização, de

quase total dependência e necessidade de proteção, para a idade adulta, em tese a do

ápice do desenvolvimento e de plena cidadania, que diz respeito, principalmente, a se

tornar capaz de exercer as dimensões de produção (sustentar a si próprio e a outros),

reprodução (gerar e cuidar dos filhos) e participação (nas decisões, deveres e direitos que

regulam a sociedade). (ABRAMO, 2005, p. 40-41).

É justamente essa conceituação da condição juvenil que leva, segundo a autora, a uma

tensão na teoria sociológica sobre juventude ao perceber que essa condição (de segunda

socialização, hegemonicamente materializada na escola e na universidade) estava restrita aos

jovens (esses jovens, como apresentamos anteriormente, referiam-se inicialmente aos homens)

das classes médias, e que, portanto, ao se debruçar sobre a juventude deveria se atentar a uma

condição de classe.

Nesse sentido, Abramo (2005) nos mostra que a análise sobre a juventude deve

contemplar a distinção entre a condição juvenil e a situação juvenil, isto é, devemos nos atentar

ao fato de que determinados jovens irão vivenciar de formas diferentes esta condição – a partir de

seu recorte de classe, gênero, étnico-racial.

Além disso, precisamos ter clareza das condições históricas, sociais, culturais em que esta

juventude se desenvolve, pois como a autora nos alerta, a partir das transformações em curso com

a reestruturação produtiva do capital, com a implementação das políticas neoliberais, passou-se a

introduzir no debate a questão da extensão da juventude. Esta extensão se dá, por um lado, com o

aumento da duração desta etapa da vida (segundo a autora, podendo o período que corresponde a

juventude variar entre 10 e 15 anos). Por outro lado, se refere a abrangência do termo, em que, ao

falar de jovens, não mais se restringe aos homens burgueses. Além disso, o termo contempla

outros espaços de socialização para além da escola e da universidade, passando a incorporar os

espaços vinculados ao lazer e cultura como espaços de construção de sociabilidade, identidades e

valores. (ABRAMO, 2005).

A partir desta complexificação da sociedade e da concepção da categoria, a autora afirma

que as abordagens teóricas sobre juventude na contemporaneidade já nos trazem outros alertas

que contemplam justamente esse acúmulo histórico e social. Sendo assim, na atualidade, os

estudos apontam para a necessidade de se falar em juventudes e não tratar no singular com o

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63

pesar de esquecer as diferenças e desigualdades que englobam a categoria. (ABRAMO, 2005,

p.43). Além disso,

Emerge dessas transformações também a importância de examinar as condições de

vivência juvenil e não apenas os modos de passagem para a vida adulta, ou seja, como

chama a atenção Miguel Abad (2003), os processos que marcam a juventude como

singularidade, abrindo para os jovens dificuldades e possibilidades específicas, e não

somente o modo pelo qual os jovens deixam de ser jovens. (ABRAMO, 2005, p. 45).

É justamente nesta condição de ser jovem que pretendemos seguir nossa linha de análise

sobre a juventude. Buscando contribuir na superação dos limites de restringir o olhar sobre a

juventude como uma faixa etária, um ciclo, uma transição, mas como uma condição e situação

que exigem maior reflexão e atenção para as demandas e necessidades que dela surgem.

Nesse sentido, Abramo (2005) chama a atenção para a necessidade de compreender as

contradições e a complexidade do universo juvenil. A autora aponta a evidente distinção que deve

ser feita entre adolescência e juventude. Isso porque ao analisar os dados da pesquisa do Projeto

Juventude4, em que a grande maioria das questões era referente ao mundo do trabalho, educação,

lazer, cultura e dependência familiar percebeu que tanto para os adolescentes quanto para os

jovens a família ainda é o seio em que estes sujeitos se forjam, aparecendo em muitas respostas

como o pilar para formação pessoal de cada sujeito. No entanto, para os mais novos a educação

aparecia como uma das maiores preocupações, enquanto para os jovens com mais de 20 anos o

trabalho torna-se o elemento central de suas preocupações.

Logo, tomaremos o trabalho como elemento central para guiar nossas análises sobre a

juventude no Brasil, pois é ele quem irá definir a condição de classe dessa juventude, que nos

possibilita explicar o desemprego estrutural que atinge os membros da família dos jovens da

classe trabalhadora, as condições precárias de educação que recebem, a dificuldade de acesso à

produção cultural e a dificuldade de se enxergar como sujeito que produz cultura.

A cultura, ao lado do lazer e da diversão, compõem uma dimensão extremamente

relevante para os jovens entrevistados na pesquisa citada acima. Contudo, quando os jovens são

interpelados a tratar dos direitos mais importantes para a juventude o direito à educação aparece

em primeiro lugar com 35% das respostas, seguida do direito ao emprego (15%), em terceiro o

4

Os dados apresentados a seguir foram retirados do artigo de Helena Wendel Abramo, intitulado Condição

juvenil no Brasil contemporâneo, como parte de uma compilação de artigos que integram o livro Retratos da

Juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional, que traz à luz as análises da pesquisa Projeto Juventude,

realizada em 2003 com jovens de todas as regiões do país.

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lazer (4%) e por fim a saúde (3%) (ABRAMO, 2005, p.66). O que gostaríamos de destacar é

justamente o fato de a cultura não aparecer para estes jovens como um direito, o que a autora

chama atenção, como um fator sintomático, pois ainda que vejamos muitos movimentos e grupos

organizados em torno de expressões culturais, exigindo melhores condições de acesso e produção

da cultura, esta esfera ainda é extremamente desvalorizada em termos de políticas públicas

efetivas. Portanto, sequer é percebida pelos jovens enquanto um direito, ficando,

tendencialmente, restrita aos guetos e às periferias, formas de autêntica resistência, com

elaborações artístico-culturais complexas e potentes, mas limitadas a um público específico, ou

pior, fragmentado.

Percebemos, ao longo deste trajeto, que um estudo sobre juventude deve se debruçar nesta

singularidade, superando a visão de moratória e transição para a vida adulta, mas entendendo que

trata-se de uma vivência específica da sexualidade, do trabalho, do estudo, da construção de

identidade, valores.

Disso decorre que as políticas para jovens devem ser capazes de abordar esta

singularidade de modo de inserção, menos do que supor a suspensão ou adiamento

destas esferas. E também, que não basta pensar na dimensão da formação, mas também

nas da experimentação, da iniciação, da realização, participação. (ABRAMO, 2005,

p.69).

Entendemos que, em nossas análises sobre juventude, devemos nos atentar às

contradições que compõem o universo juvenil, situando-a em um tempo histórico, delimitando o

contexto social, político, cultural em que se desenvolve, bem como atentando para seu recorte de

classe, gênero, etnia. Sendo assim, nosso desafio neste estudo será o de apreender a condição que

os jovens da classe trabalhadora vivenciam a juventude no Brasil.

Nesse sentido, portanto, podemos afirmar que para analisar a situação da juventude

brasileira no neoliberalismo, devemos atentar para o recorte de classe como elemento central para

nossa investigação. A partir do entendimento de que a condição de classe irá desenhar formas

distintas de vivenciar a juventude conseguiremos compreender que o desemprego estrutural é a

realidade de uma parcela determinada de jovens, que a educação, como um espaço

potencializador da emancipação e construção da autonomia dos sujeitos está colocada em um

patamar de privilégio e não direito universal, bem como o incentivo a produção cultural, que

contribui no amplo desenvolvimento intelectual e artístico parece restrito ao universo das classes

dominantes.

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65

2.2. Alguns elementos para pensar a juventude trabalhadora no Brasil neoliberal

Como temos tentado demonstrar, compreender o universo juvenil é possível quando

relacionamos estes sujeitos a um determinado tempo histórico, numa determinada formação

social, política e cultural. Sendo assim, nos propomos neste trabalho a compreender o lugar

destinado à juventude da classe trabalhadora brasileira no contexto de radicalização das políticas

neoliberais, entre os anos 1990 e 2002, bem como ressaltar os caminhos que estes jovens

encontraram para resistir ao projeto hegemônico do capital no período referido. Para isso,

acreditamos que será importante apontar os principais elementos que compõem o universo das

juventudes no Brasil que nos possibilite arriscar alguns apontamentos sobre sua condição de

classe e suas formas de resistência.

Desta forma, iniciaremos nossas problematizações ressaltando que no Brasil, as

transformações com vistas a modernização, isto é, a inserção do país na dinâmica capitalista, se

deram pelo que Gramsci denominou de Revolução Passiva, entendida enquanto um processo de

“renovação” que carrega forças antigas, tradicionais, que imperavam no passado. Com isso, traz o

novo fazendo com que o velho venha em seu bojo, através de um arranjo entre as classes

dominantes que determinam o destino da sociedade. Daí, uma “revolução passiva”, ou seja, que

se desenrola por um acordo de cima para baixo, sem participação ativa e efetiva dos

trabalhadores.

Isso se desdobra em uma série de particularidades que estarão presentes na organização

das classes sociais e na relação destas com o Estado, na fragilidade de projetos societários em

disputa, na constituição de uma cultura genuinamente nacional e popular, e principalmente, na

opção de articular elementos arcaicos e modernos no desenvolvimento do país. Com isso,

acirram-se as contradições entre capital e trabalho, acentuando as expressões da questão social,

que arriscamos dizer, se radicalizam na vivência da juventude.

Nesse sentido, cabe-nos apresentar um perfil da população jovem no país no período em

que pretendemos tratar neste estudo:

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66

Tabela 1 – Percentual da população jovem em relação ao total da população brasileira, por domicílio, no ano

de 1990 Total URBANO RURAL

População Brasileira 144.305.524 108.105.721 36.199.803

População Jovem de

15 a 24 anos 27.965.590 20.853.073 7.112.517

Fonte: IBGE, PNAD, 1990

Tabela 2 - Percentual da população jovem em relação ao total da população brasileira, por domicílio, no ano

de 1995

Total URBANO RURAL

População Brasileira 152.374.603

120.350.537 32.024.066

População Jovem de

15 a 24 anos 28.784.131 22.928.514 5.855.617

Fonte: IBGE, PNAD, 1995

Tabela 3 - Percentual da população jovem em relação ao total da população brasileira, por domicílio, no ano

de 2001

Total URBANO RURAL

População Brasileira 169.369.557 142.099.680 27.269.877

População Jovem de

15 a 24 anos 33.248.925 28.072.241 5.176.684

Fonte: IBGE, PNAD, 2001

Tabela 4 - População residente, por situação de domicílio e sexo, segundo os grupos de idade no ano de 1990

Grupos de idade Urbana Rural

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

15 a 17 anos 6.687.161 3.320.986 3.366.175 2.597.653 1.373.715 1.223.938

18 e 19 anos 4.183.70 2.035.632 2.148.148 1.446.198 779.221 666.977

20 a 24 anos 9.982.132 4.810.320 5.171.812 3.068.666 1.630.032 1.438.634

Fonte: IBGE, PNAD, 1990

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67

Tabela 5 - População residente, por situação de domicílio e sexo, segundo os grupos de idade no ano de 1995

Grupos de idade Urbana Rural

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

15 a 17 anos 7.859.562 3.910.690 3.948.872 2.187.563 1.189.768 997.795

18 e 19 anos 4.550.696 2.254.787 2.295.909 1.180.562 633.351 547.211

20 a 24 anos 10.518.256 5.118.277 5.399.979 2.487.492 1.317.205 1.170.287

Fonte: IBGE, PNAD, 1995

Tabela 6- População residente, por situação de domicílio e sexo, segundo os grupos de idade no ano de 2001

Grupos de idade

Urbana Rural

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

15 a 17 anos 8 483 578 4 209 452 4 274 126 1 825 129 960 081 865 048

18 e 19 anos 5 996 046 2 972 191 3 023 855 1 115 800 605 057 510 743

20 a 24 anos 13 592 617 6 541 317 7 051 300 2 235 755 1 206 034 1 029 721

Fonte: IBGE, PNAD, 2001

A partir dos dados que apresentamos acima podemos reforçar nossa afirmação de que a

questão da juventude no Brasil é um debate radicalmente necessário, pois a população de jovens

em relação à população total além de ser extremamente significativa, demonstra um crescimento

igualmente significativo no decorrer dos anos 1990. Se este crescimento não for acompanhado de

uma ampliação dos direitos e das políticas sociais para estes sujeitos o cenário de desigualdades e

contradições que envolve a juventude será devastador.

Outro elemento que merece destaque ao analisarmos a população jovem no Brasil, na

década de 1990, é a questão discrepância entre a juventude urbana e a do campo. Sobre este

aspecto, do êxodo rural no período neoliberal, Villas Bôas sintetiza de forma precisa

(...) a sociedade brasileira que emerge após essas duas décadas é resultado de uma

violenta migração do campo para a cidade, conseqüência da modernização do

maquinário agrícola que torna desnecessário o grande contingente de mão-de-obra

humana e expulsa os camponeses da terra pois, além de não mais necessitar deles, o

desenvolvimento tecnológico do sistema produtivo permite o plantio em áreas mais

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extensas, dizimando as condições de competitividade das pequenas propriedades5. (...).

(VILLAS BÔAS).

Perceba que em um país em que se desenvolvem, articulada e contraditoriamente, a

modernização no campo combinada com o ranço arcaico do latifúndio, surtem inúmeras

contradições, isto é, a questão agrária (no que diz respeito ao uso, posse e propriedade da terra) se

materializa enquanto particularidade do sistema capitalista, e se expressa nos conflitos entre

capital e trabalho, constituindo-se, portanto, como expressão da questão social. Para a juventude

do campo, esse conflito se materializa nas condições precárias do acesso (quando há) a educação

e emprego, constituindo um dos motivos de abandono do campo e fuga para as cidades, ocupando

as periferias e favelas, engrossando a massa dos desempregados ou ocupando os postos de

trabalho mais precarizados. (...) Menos de um terço dos jovens residentes no campo e que

trabalham na cidade tem sua situação regularizada com carteira assinada (30%). Os demais

integram o mercado informal de trabalho (...) (CARNEIRO, 2005, p.251). Assim, como veremos

mais a frente, trabalho e educação estão entre os principais problemas enfrentados pela juventude

brasileira, não importa se do campo ou da cidade, o que nos faz ressaltar que as relações sociais,

de trabalho, de habitar e viver comportam elementos para desconstrução histórica da dicotomia

campo-cidade (SPOSITO e WHITACKER, 2006). Devemos compreender que ambos são

complementares e constituem uma unidade, uma totalidade do desenvolvimento do espaço

capitalista brasileiro.

Da mesma forma precisamos pontuar a questão da juventude negra no Brasil, pois

carregamos a marca de um país com 400 anos de exploração de mão-de-obra escravizada, num

momento em que o trabalho era visto como algo indigno, e, portanto, restrito àqueles que não

eram considerados indivíduos, mas tratados, explicitamente, como mercadorias. Este episódio

cruel de nossa história traz algumas implicações para a constituição do povo brasileiro, em que as

negras e os negros, ao conquistarem o status de trabalhadores livres não têm garantidas as

5

Segundo Luiz Henrique Gomes de Moura, do Setor de Produção do MST e do grupo Modos de Produção e

Antagonismos Sociais, em comentário ao texto, naquele período “a maioria do maquinário era de tratores utilizados

para o revolvimento do solo, que normalmente já era feito com animais, e para o plantio. Mas a grande parcela dos

trabalhadores volantes, que eram camponeses e vendiam a força de trabalho durante um período, era utilizada nas

colheitas, o que só teve mudança tecnológica substancial depois da década de 1990, com as colheitadeiras. Penso que

três processos foram centrais na expulsão dos camponeses: as nulas chances de competitividade, que liquidou a renda

das famílias; maior necessidade de venda da força de trabalho para suprir a renda liquidada, o que acabou por

definitivamente inviabilizar as unidades camponesas, já que não haviam mais braços para lavrar a própria terra; e os

conflitos agrários. (...) (VILLAS BÔAS).

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condições mínimas de ingressarem na dinâmica capitalista com as mesmas oportunidades dos

trabalhadores brancos. Assim, seguem sua história ocupando os piores postos de trabalho,

consequentemente com maior índice de evasão escolar, além de lidar diariamente com o racismo,

de uma sociedade que vive no mito da democracia racial. No entanto, ainda que seja longo e

tortuoso o caminho de superação da discriminação racial no Brasil, as ações do movimento negro

têm conseguido resgatar a categoria raça e trazê-la para o debate tanto no âmbito teórico quanto

prático, possibilitando a organização destes sujeitos em torno de suas identidades raciais e em

protesto à discriminação sofrida cotidianamente. Desta forma, “essa mudança refletiu

positivamente na autopercepção dos jovens nascidos nos anos 1980 e 1990. Eles têm uma nova

atitude ante a realidade que discrimina, agora ela está sendo reconhecida”. (SANTOS; SANTOS;

BORGES, 2005, p.299).

A partir do exposto, é preciso ainda sublinhar o modo diferenciado com que as mulheres

vivenciam a juventude, pois são elas que se deparam com mais limites na construção de sua

autonomia, hegemonicamente ocupando-se de tarefas dentro de casa, sob vigilância dos pais, com

dificuldade de circular pelo bairro, pela cidade, pois sabemos que “os homens possuem maior

mobilidade sociocomunitária no espaço público, enquanto as mulheres estão mais circunscritas

ao espaço doméstico e têm menor mobilidade para praticar atividades extrafamiliares”

(BRENNER, DAYRELL e CARRANO, 2005, p.211). Sendo assim, quando saem da casa da família, em

geral por conta do matrimônio, a vigilância que era dos pais transfere-se para os maridos e elas

mantém-se no trabalho doméstico e no cuidado dos filhos.

Percebemos assim, que juventude não é uma categoria homogênea. Ao contrário, o

universo juvenil é composto por variadas questões, complexas e contraditórias, que se articulam e

repelem nos impondo a necessidade de ter um olhar atento sobre a singularidade e as

especificidades destes sujeitos. É válido adiantar que as contribuições com vistas a superar a

situação em que as juventudes se encontram no país não devem ser entendidas como conjunturais

e nem restritas ao âmbito de gênero, etnia, e das identidades em geral, mas devem ser entendidas

pelo seu caráter de classe, e que, portanto, só têm condições de serem superadas com

transformações estruturais.

Desta forma, cabe apresentarmos um panorama da conjuntura em que as jovens e os

jovens vivenciaram a juventude no Brasil na década de 1990, quando de uma revolução passiva,

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as classes dominantes optam pela incorporação do projeto neoliberal. Assim, é importante saber

que

O neoliberalismo contraiu os rendimentos da população, afetou a capacidade de

consumo, aumentou a superprodução de mercadorias e agravou várias modalidades de

superacumulação de capital. Além disso, intensificou uma deteriorização do meio

ambiente que ameaça desencadear desastres ecológicos inéditos. (...) O neoliberalismo

perdura pelo retrocesso que impôs aos trabalhadores. Sustenta-se pelo cansaço político

gerado pela alternância de conservadores e sociais-democratas na administração do

mesmo modelo. Tudo indica que a reversão desta etapa exigirá grandes vitórias

populares impostas de baixo para cima. (KATZ, 2016, p.81).

Por esta ótica, Paul Singer (2005) afirma que os jovens dos anos 1990 e 2000 situam-se

em uma geração em tempos de crise social, e nos apresenta algumas contribuições para

iniciarmos nossas análises e interpretações sobre a juventude brasileira. Para o autor, podemos

pensar a juventude, de fato, como uma parcela da população em que sujeitos de uma mesma faixa

etária, de uma coorte são frutos da “evolução histórica que as coortes que seus pais e avós

construíram” (p.28.), e que em condições ideais vivenciam uma mesma conjuntura histórica e as

contradições políticas, econômicas, sociais, culturais de uma determinada conjuntura.

Sendo assim, os jovens que nasceram em tempos de crise apresentarão características que

irão desenhar sua constituição e o modo de relacionar-se com o mundo. Singer (2005) destaca,

são jovens, que se não pertencem a famílias abastadas, ou seja, se estamos nos referindo aos

jovens da classe trabalhadora, estarão submetidos as mais variadas formas de contradições do

sistema capitalista, ressaltando o desemprego e a morte prematura. (SINGER, 2005).

Singer (2005) nos adverte ainda que os jovens do período referido são filhos de pais que

vivenciaram em sua juventude, por um lado, uma efervescência das lutas populares, como a

Revoluções Sandinista, Revolução Cubana, dos Cravos em Portugal, e todas estas experiências

revolucionárias com participação ativa dos jovens. Isso despertou o sentimento revolucionário da

juventude naquele momento que acreditava na efetividade da tomada de poder pela força, com

um grupo reduzido de guerrilheiros, enfrentando instituições dominadoras e lutando pelo fim da

propriedade privada dos meios de produção.

No entanto, aponta Singer (2005), esses pais também vivenciaram os limites de algumas

dessas experiências, que não foram exitosas no que pretendiam que era melhorar a vida dos

sujeitos explorados, eliminar as desigualdades sociais, abolir a propriedade privada dos meios de

produção e caminhar para extinção das classes sociais. Contudo, o que se presenciou foi uma

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onda contrária as idéias comunistas no mundo, em que também parte da juventude se organizava

em torno dessas ações.

Acompanhado a essa desilusão com a via política para revolução, presenciava-se

transformações sociais e econômicas drásticas a partir da reestruturação produtiva do capital, com

a implementação das políticas neoliberais como diminuição dos investimentos públicos em

políticas sociais, processo intenso de privatizações, desemprego estrutural, o que levou, como

aponta o autor, a um crescente voluntarismo, que segundo Singer (2005), “ganha os corações

daquela juventude, que se não se estimula para mudar a sociedade através da militância a faz pela

ação direta por meio do voluntariado”. (p. 31-32).

Assim destaca o autor que, para a atual coorte dos jovens que se desenvolve na década de

1990 e início dos anos 2000, tem-se uma mudança ideológica profunda, com a desilusão da via

revolucionária passam à ação direta do voluntarismo, isso se explicita nos dados analisados na

pesquisa do Projeto Juventude em que os valores mais importantes para os jovens naquela

conjuntura aparecem respectivamente “solidariedade (55%), respeito às diferenças (50%),

igualdade de oportunidades (46%), temor a Deus (44%) e justiça social (41%)” (p.33).

No entanto, é preciso atentar para não cair em generalizações, se a via do voluntariado

apareceu como uma alternativa de organização da juventude é certo que não foi a única. Caso

contrário, estaríamos negando o elemento da dialética e da contradição que compõem o universo

juvenil. Sendo assim, devemos lembrar que, os anos 1990 no Brasil foram também de muita

resistência e a juventude esteve à frente de muitos destes movimentos de contestação, as rádios

comunitárias são um exemplo deste enfrentamento às políticas neoliberais e se não aparecem em

destaque no cenário político é pelo fato de a correlação de forças ainda estar desfavorável para a

classe trabalhadora.

Isso nos faz refletir sobre algumas questões importantes que pretendemos desenvolver

neste estudo, pois quando nos propusemos a compreender melhor o universo juvenil muitas

foram as chaves de análise que apareceram ao longo do trajeto – juventude e indústria cultural,

juventude e cultura de resistência, juventude e políticas sociais, juventude e trabalho, educação,

violência... – no que tange ao debate de políticas sociais voltadas para a juventude, logo

percebemos que seria inevitável pensar articuladamente a respeito de políticas de educação,

trabalho e cultura. Temos clareza de que não será possível esgotar este debate, mas é justamente a

complexidade deste elo que pretendemos esboçar nas linhas seguintes.

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72

Se podemos falar de alguns consensos que temos encontrado na literatura sobre

juventudes, é certo que o trabalho e educação se encontram entre os mais recorrentes,

principalmente quando trazemos para a realidade da formação social brasileira que demonstra

limites estruturais de superar desigualdades, atrelado a dependência externa e as políticas

neoliberais, a juventude da classe trabalhadora torna-se radicalmente mutilada de seus direitos.

Nesse sentido, partimos do consenso de que o trabalho (e a forma que assume na

sociedade capitalista – emprego assalariado) pode ser considerado o elemento que tem desenhado

uma identidade para os jovens brasileiros, como aponta Antonio Lassance (2005). De acordo com

as contribuições do autor, podemos falar da existência de um perfil da jovem e do jovem

brasileiro, pois sem negar as inúmeras contradições e divergências em vivenciar a juventude (seja

pelos antagonismo de classe, pelas diferenças de gênero e étnico-raciais) é justamente o emprego

(ou como podemos acrescentar o desemprego) a questão nacional.

Para elucidar melhor esta questão podemos apresentar alguns dados sobre a ocupação da

juventude na década de 1990 no Brasil

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Tabela 7 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por condição de atividade na semana de referência e

sexo, segundo a situação do domicílio e grupos de idade

Situação

de

domicílio

e grupos

de Idade

Condição de atividade na semana de referência

Economicamente ativas Não economicamente ativas

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Urbana

10 a 14

anos 1.353.680 892.316 461.362 10.548.526 4.990.923 5.558.703

15 a 17

anos 3.084.052 1.935.429 1.158.623 3.593.109 1.385.557 2.207.552

18 e 19

anos 2.680.344 1.583.756 1.096.588 1.503.436 451.876 1.051.560

20 a 24

anos 7.225.783 4.354.845 2.870.938 2.766.349 455.475 2.300.874

Rural

10 a 14

anos 1.615.721 1.179.135 436.586 3.462.123 1.455.322 2.006.801

15 a 17

anos 1.656.056 1.150.539 505.517 941.597 223.176 718.421

18 e 19

anos 1.025.888 719.480 306.408 420.310 59.741 360.569

20 a 24

anos 2.202.807 1.579.294 623.513 865.859 50.738 815.121

Fonte: IBGE, PNAD, 1990

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Tabela 8- Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por condição de atividade na semana de referência e sexo,

segundo a situação do domicílio e grupos de idade Situação

de

domicílio

e grupos

de Idade

Condição de atividade na semana de referência

Economicamente ativas Não economicamente ativas

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Urbana

10 a 14

anos 1.776.640 1.159.706 616.934 11.675.788 5.593.414 6.082.374

15 a 17

anos 3.605.305 2.203.996 1.401.309 4.251.403 1.705.358 2.546.045

18 e 19

anos 2.932.587 1.705.168 1.227.419 1.616.738 549.379 1.067.359

20 a 24

anos 7.865.400 4.573.386 3.292.014 2.650.121 544.319 2.105.802

Rural

10 a 14

anos 1.823.107 1.190.885 632.222 2.294.089 960.030 1.334.059

15 a 17

anos 1.509.757 1.009.898 499.859 677.806 179.870 497.936

18 e 19

anos 881.021 577.530 303.491 299.541 55.821 243.720

20 a 24

anos 1.961.524 1.252.495 709.029 525.968 64.710 461.258

Fonte: IBGE, PNAD, 1995

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75

Tabela 9 –Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por condição de atividade na semana de referência e sexo,

segundo a situação do domicílio e grupos de idade Situação

de

domicílio

e grupos

de Idade

Condição de atividade na semana de referência

Economicamente ativas Não economicamente ativas

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Urbana

10 a 14

anos 1.091.806 686.603 405.203 12.404.152 6.099.886 6.304.266

15 a 17

anos 3.067.942 1.804.185 1.263.757 5.414.438 2.404.069 3.010.369

18 e 19

anos 3.755.628 2.133.325 1.622.303 2.238.871 838.300 1.400.571

20 a 24

anos 10.186.218 5.670.495 4.515.723 3.404.681 869.622 2.535.059

Rural

10 a 14

anos 1.049.915 729.985 319.930 2.113.032 922.833 1.190.199

15 a 17

anos 1.074.888 721.778 353.110 750.241 238.303 511.938

18 e 19

anos 773.945 526.319 247.626 341.855 78.738 263.117

20 a 24

anos 1.702.536 1.129.654 572.882 532.653 75.814 456.839

Fonte: IBGE, PNAD, 2001

Os dados acima contribuem com a idéia de que o trabalho é o elemento central na vida da

juventude brasileira. É significativo o contingente de jovens que ingressa no mercado de trabalho

e assustador o número de sujeitos entre 10 e 14 anos que estão economicamente ativos. Como

temos buscado demonstrar, a lógica capitalista empurra precoce e precariamente a juventude

trabalhadora para a esfera produtiva.

Percebemos um aumento progressivo do total de jovens economicamente ativos do início

até o final dos anos 1990 no Brasil. Ao mesmo tempo em que diminui o número de ocupações nas

áreas rurais, explicitando a lógica perversa de modernização no campo em detrimento do

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desenvolvimento dos pequenos agricultores e camponeses que são impelidos para as áreas

urbanas na esperança de encontrarem trabalho e melhores condições de vida.

Outro elemento importante para apresentarmos refere-se ao contingente de mulheres

jovens economicamente ativas. Embora o número de mulheres ocupadas tenha demonstrado

aumento singelo (nas áreas urbanas, pois a lógica do êxodo rural também pode ser percebida na

diminuição do número de mulheres ocupadas no campo) ao longo da década, ainda é evidente a

discrepância no número de ocupação em relação aos homens, tanto no campo, quanto na cidade.

Contudo, se pode nos causar espanto o número de jovens economicamente ativos no país,

inseridos precocemente na esfera produtiva, fica ainda mais preocupante quando nos deparamos

com os daqueles que estão fora desta lógica. O número de jovens não economicamente ativos

cresceu significativamente ao longo do período referido e este é um dos efeitos da opção pelo

neoliberalismo, a tendência é o aprofundamento do desemprego e as consequências desta lógica

serão drásticas para a vida da juventude brasileira.

Nesse sentido, Nadya Guimarães (2005) nos chama atenção para o desenrolar da crise de

1970 e das idéias que passaram a ser difundidas na década de 1990 a respeito da perda da

centralidade do trabalho. O que a autora busca demonstrar é justamente que o trabalho,

especificamente o emprego assalariado, aparece como elemento central para as juventudes no

Brasil, como um meio de garantir renda para auxiliar nas despesas da família, também garantindo

a possibilidade de desfrutar de sua autonomia relativa através do consumo, do ir e vir nas cidades,

no lazer.

No entanto, como sabemos, em uma sociedade como a nossa, marcada pelo desemprego

estrutural, pela superexploração da força de trabalho, pela flexibilização dos direitos trabalhistas

e pela redução e focalização das políticas sociais é certo que os postos de trabalho que estes

jovens têm ocupado (quando os ocupam) são os mais precários.

Desta forma, é importante buscarmos identificar, por um lado o movimento que tem

empurrado estes jovens para uma inserção precoce no mundo do trabalho. Por outro lado, tentar

pontuar alternativas que caminhem para a superação desta condição. Nesse sentido, já adiantamos

uma via que pretendemos desenvolver neste estudo como possibilidade de garantir aos jovens o

direito de vivenciar a juventude é justamente a necessária articulação entre políticas de educação,

cultura e trabalho.

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Iremos nos desafiar a buscar identificar elementos que nos permitam desconstruir alguns

“sensos comuns” que permeiam o universo juvenil, tentando diferenciar o que de fato compõe

este universo e o que a ele é imposto. Nesse sentido, a autora nos alerta que, ao contrário dos

valores que são identificados à juventude - como o individualismo, delinquência, apelo sexual e

apego às experiências imediatas -, o desemprego aparece como a maior preocupação entre os

jovens, de modo que quase não há variação significativa no universo juvenil a esse respeito.

(GUIMARÃES, 2005).

Embora não existam diferenças significativas em relação à centralidade do trabalho para a

juventude brasileira é importante sublinhar que a preocupação com o trabalho tem mais evidência

para os homens, maiores de dezoito anos, com menor escolaridade e situados nas faixas de renda

menores (GUIMARÃES, 2005), ou seja, corrobora com a linha de argumentação que estamos

buscando traçar neste estudo, da centralidade do trabalho, por ser o elemento que definirá a

condição de classe da juventude. Desta forma,

(...) Vale dizer que, quando tratamos da juventude brasileira, convém não suprimir um

outro adjetivo imprescindível a tratar da sua especificidade: trata-se da juventude

trabalhadora brasileira. Juventude esta que, em parcela não desprezível, ingressa no

trabalho ainda na infância; nada menos que 33% deles iniciam sua carreira como

trabalhador entre 5 e 14 anos, e somente um quarto deles o faz depois da maioridade.

(...). (GUIMARÃES, 2005, p.167).

Partindo deste dado, acrescentaremos ao debate as contribuições de Frigotto (2004) ao

afirmar que o emprego tem sido uma das principais questões da juventude, mas, especificamente,

a juventude da classe trabalhadora, aos jovens que estão cotidianamente levados a um processo

que denomina de adultização precoce, “uma situação, portanto, muito diversa da dos jovens de

‘classe média’ ou filhos dos donos dos meios de produção, que estendem a infância e a

juventude” inserindo-se no mundo do trabalho após os 25 anos, tendencialmente, ocupando os

melhores e mais remunerados postos e atividades de trabalho. (FRIGOTTO, 2004).

Frigotto (2004) afirma que a mutilação dos direitos da juventude da classe trabalhadora é

uma constante na história do Brasil, marca estrutural do nosso modo de desenvolvimento

capitalista. Portanto, com possibilidades de superação desta condição apenas no plano das

reformas estruturais com vistas a romper com a dependência à dinâmica externa do capitalismo.

O autor aponta ainda que neste cenário perverso de políticas neoliberais não devemos nos

manter no imobilismo. Ao contrário, ainda que as mudanças devam caminhar na direção das

transformações estruturais não nos impede de articular a políticas emergenciais, uma vez que a

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questão da juventude trabalhadora é urgente, e que se “a tendência tem sido de políticas

focalizadas de cunho assistencialista, que atacam de forma superficial os efeitos da desigualdade,

isso não impede que se implementem políticas redistributivas e de caráter emancipatório de

grupos específicos mais violentados e, ao mesmo tempo, que se busque atacar os problemas

estruturais.” (FRIGOTTO, 2004, p.211).

Nesse sentido, o autor ressalta a necessidade de políticas públicas redistributivas que

garantam aos jovens, até os 24 anos, terminarem o ensino médio, e aos que já estão inseridos

formalmente no mercado de trabalho que lhes seja garantido por lei um tempo necessário para o

estudo, bem como a garantia de uma bolsa de estudos que assegure o retorno à escola.

No entanto, Frigotto (2004) nos faz um importante alerta e diz que embora emprego e

escolarização sejam elementos que se relacionam na vida das jovens e dos jovens não devem ser

entendidos como complementares, pois se nos atentamos a condição de classe destes sujeitos,

inseridos em uma sociedade marcada por desigualdades estruturais, radicalizadas pelas políticas

neoliberais e pelo desemprego a possibilidade de altos níveis de escolarização não será,

necessariamente, a garantia de ocupação de um melhor posto de trabalho com maior

remuneração.

É válido problematizar neste momento o consenso na literatura sobre juventude em que a

escolaridade é considerada um dos elementos essenciais para os sujeitos inserirem-se de forma

mais qualificada no mundo do trabalho, conseguindo desta forma, ultrapassar a condição de

pobreza de seus antecessores. No entanto, precisamos nos atentar inclusive para a qualidade do

ensino e a função que historicamente a escola tem cumprido com o papel de socializadora das

juventudes, difundindo os valores da sociedade do capital ao mesmo tempo em que prepara os

jovens trabalhadores para uma inserção subordinada no mercado de trabalho.

(...) A origem etimológica da palavra escola vem do grego, significa lugar de ócio. Um

lugar, portanto, onde crianças e jovens vivem um longo tempo incorporando valores,

conhecimento e amadurecendo para a vida futura. Mas o mesmo retrospecto histórico

nos evidencia que esta não era e nunca foi a escola para todos. Como mostram inúmeros

estudos, a escola para a classe trabalhadora sempre foi outra – uma escola para a

disciplina do trabalho precoce e precário. (FRIGOTTO, 2004, p.195).

Nesse sentido reforçamos, que (...) “a inserção precoce no emprego formal ou ‘trabalho

informal’, a natureza e as condições de trabalho e a remuneração ou o acesso ou não à escola, a

qualidade dessa escola e o tempo de escolaridade estão ligados à origem social dos jovens.”

(FRIGOTTO, 2004).

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A educação deve ser entendida como um direito, e este direito deve ser garantido aos

jovens trabalhadores, de modo que a escola seja um espaço de ocupação de boa parte do tempo

livre destes sujeitos desde que ofereça atividades que possibilitem conhecimento crítico da

realidade, interação entre os estudantes, lazer e estímulos a arte e esportes. Atrelado a isso, é mais

que possível a garantia de uma política de redistribuição de renda, como apontou Frigotto (2004),

na forma de uma bolsa de estudos garantida pelo Estado de modo a coibir a evasão escolar, que

em geral se dá para que os jovens se insiram no mercado de trabalho. Como reafirma Martoni

Branco (2005)

(...) são em sua maioria jovens os indivíduos relegados ao preenchimento de posições

ocupacionais de baixa qualidade, ostentando vínculos precários e de menor

remuneração, situados na camada inferior do setor informal. Com frequência, uma

parcela significativa desses jovens que aceitam trabalhar sujeitando-se a tais condições o

faz comprometendo sua escolarização ou mesmo já estando fora da escola, sem que

neste caso tivesse sequer completado os ciclos educacionais compatíveis com sua idade.

(BRANCO, 2005, p.130-131).

Sobre isso, vale observar o quadro da alfabetização da juventude no Brasil, no decorrer da

década de 1990, e perceberemos os dados de uma realidade cruel.

Tabela 10 – Pessoas de 15 anos ou mais de idade, por situação do domicílio e sexo, segundo a alfabetização e

grupos de idade

Alfabetização e

Grupos de idade

Urbano Rural

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Alfabetizadas

15 a 19 anos 10.294.594 4.990.192 5.303.402 3.214.709 1.590.265 1.624.444

20 a 24 anos 9.418.774 4.514.187 4.514.187 4.905.587 2.364.238 1.161.640

Não alfabetizadas

15 a 19 anos 576.347 366.425 209.921 829.142 662.671 266.471

20 a 24 anos 562.358 285.133 266.225 714.428 437.434 276.994

Fonte, IBGE, PNAD, 1990

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Tabela 11 – Pessoas de 15 anos ou mais de idade, por situação do domicílio e sexo, segundo a alfabetização e

grupos de idade

Alfabetização e

Grupos de idade

Urbano Rural

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Alfabetizadas

15 a 19 anos 11.905.406 5.835.622 6.069.784 2.792.928 1.406.506 1.385.422

20 a 24 anos 10.031.424 4.831.307 5.200.117 1.992.144 991.786 1.000.356

Não alfabetizadas

15 a 19 anos 502.520 329.356 173.164 574.629 416.045 158.584

20 a 24 anos 486.302 286.817 199.485 494.776 324.847 169.929

Fonte: IBGE, PNAD, 1995

Tabela 12 –Pessoas de 15 anos ou mais de idade, por situação do domicílio e sexo, segundo a alfabetização e

grupos de idade Alfabetização e

Grupos de idade

Urbano Rural

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Alfabetizadas

15 a 19 anos 14 170 019 7 004 471 7 165 548 2 690 666 1 398 434 1 292 232

20 a 24 anos 13 128 289 6 261 725 6 866 564 1 863 046 952 024 911 022

Não alfabetizadas

15 a 19 anos 309 245 177 172 132 073 250 051 166 7014 83 347

20 a 24 anos 462 747 279 176 183 571 372 709 254 010 118 699

Fonte: IBGE, PNAD, 2001

O que mais nos chama a atenção nos dados acima é a diferença evidente entre os jovens

alfabetizados nas áreas urbanas e os jovens das áreas rurais. O início dos anos 2000, no Brasil,

apresenta um quadro com 14.170.019 milhões de jovens alfabetizados nas áreas urbanas, entre 15

a 19 anos, enquanto no campo este número cai para 2.690.666 milhões. É certo que o número de

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jovens que vivem no campo é significativamente menor do que os jovens urbanos, mas o fato é

que os dados explicitam o descaso do Estado com as políticas sociais para o campo. Sem a

garantia do direito à educação, à cultura, ao trabalho, com a ofensiva do capital no campo, a fuga

para as cidades aparece como a melhor alternativa para a juventude camponesa.

Além disso, é preciso observar que, embora o número de sujeitos não alfabetizados tenha

diminuído ao longo da década de 1990, não significa dizer que a analfabetização será extinta no

país. Não será extinta enquanto os projetos do capital mantiverem-se hegemônicos, pois está não

é prioridade das classes dominantes. Ao contrário, o que temos buscado demonstrar é que as

políticas neoliberais acirram as contradições do capitalismo, deixam mais evidentes os

antagonismos de classe, precarizam ao extremo as condições de vida da classe trabalhadora,

deteriorizam as políticas sociais e elevam a um patamar jamais vivenciado as expressões da

questão social.

Sendo assim, a queda nas taxas de analfabetização da juventude brasileira, neste

momento, se inserem em mais uma manobra do neoliberalismo. Isso diz respeito a ampliação das

vagas oferecidas nos níveis básicos e médios de escolarização, a reforma da educação no governo

FHC na década de 1990

(...) Essa abertura de escolarização dos jovens acentuou-se na década de 1990 e ocorreu

sob a égide de uma forte crise econômica que estagnou o crescimento, acentuou

desigualdades e fez aumentar os índices de desemprego. Nessa década constata-se

também um movimento de reordenação do sistema educativo, observado nas duas

gestões de Fernando Henrique Cardoso, atingindo os mecanismos de financiamento do

ensino público, provocando alterações curriculares e medidas de correção de fluxo,

visando atenuar as reprovações e evasões, em um quadro inalterado de recursos

destinados à educação. (...). (SPOSITO, 2005, p.96).

Perceba, portanto, que o caráter desta reforma em nada implica em transformações na

estrutura da educação brasileira, pois não significou a diminuição dos jovens no mercado

(informal) de trabalho, tampouco inibiu sua inserção precoce. Além disso, uma reforma na

educação deveria, como já sinalizados, estar inserida em um projeto societário comprometido

com transformações estruturais da sociedade, buscando romper com a condição de dependência

do país que é um dos fundamentos de muitas de nossas contradições.

A partir deste panorama, podemos afirmar que as jovens e os jovens brasileiros vivenciam

um grau elevado de frustração imposto pelas condições objetivas em que estão inseridos, pela

condição de classe, pois, como afirmam Brenner, Dayrell e Carrano (2005) a maioria dos jovens

brasileiros realiza atividades que se distanciam absurdamente das que gostariam de realizar e

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estas são exatamente atividades relacionadas à cultura, incluindo entre elas o desejo de viajar. No

entanto, os autores nos revelam ainda que os maiores empecilhos para realizarem tais atividades

se encontram, em primeiro lugar, a falta de dinheiro, seguida da falta de tempo.

Vale destacar ainda que, ao tratar da viagem como um desejo de ocupar o tempo livre,

existem variações significativas em relação à renda, em que o dobro dos jovens com maior renda

familiar conseguem vislumbrar viagens para o futuro. “(...) Isso revela forte componente de

classe no que se refere ao encurtamento ou alargamento das expectativas de ter viagens de lazer

como formação cultural e humana.” (p. 203).

Sobre isso vale dizer que

O tempo livre não é espaço apenas para atividades de lazer, cultura desinteressada e

entretenimento. É também momento de construção de relações sociais com múltiplas

mediações e interesses em jogo, desde os mais orientados para a satisfação de

necessidades pessoais objetivas até aqueles voltados para o estabelecimento de vínculos

sociais, afetivos e espirituais mais ou menos desinteressados. (...). (BRENNER,

DAYRELL e CARRANO, 2005, p.212).

Nesse sentido, ainda que não seja uma surpresa, não deixa de ser assustador os dados que

os autores vão nos apresentar no que diz respeito ao acesso e qualidade das atividades com que os

jovens ocupam seu tempo livre. Disso é preciso ressaltar o papel que desempenham os meios de

comunicação na ocupação do tempo dos jovens que tendem a ocupar o tempo livre em todos os

dias da semana assistindo TV (91%) e Rádio (89%). (BRENNER; DAYRELL; CARRANO,

2005, p. 189).

Neste momento, é preciso atentar para também não cair em generalizações, pois dentro da

própria classe trabalhadora existem jovens que vivenciam a juventude de formas distintas, jovens

da cidade e do campo, homens, mulheres, lgbts, negras e negros. Sendo assim, nem mesmo o

tempo livre vai ser ocupado da mesma forma. A juventude no campo, por exemplo, tem a maior

parte do seu tempo ocupado com a reprodução de sua vida social.

Entretanto, se o tempo livre na juventude é o espaço privilegiado de construção de valores

e identidades, é no mínimo preocupante que boa parte destes valores estejam sendo construídos

pela TV e pelo rádio que são veículos, hegemonicamente, controlados por sujeitos alinhados aos

interesses do grande capital. Sendo assim, podemos apontar que, na sociedade capitalista, o

tempo livre das juventudes tem sido sistematicamente apropriado pela Indústria Cultural, o que

tendencialmente, tem definido a identidade dos jovens que deveria ser construída em espaços que

potencializassem a construção crítica dos valores, das afinidades, dos projetos.

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Os espaços de cultura e lazer, com todas as suas potencialidades, se colocam na

perspectiva do direito. Falar em direito cultural implica criar condições de produção

cultural, esta compreendida como acesso a produtos, informações, meios de produção,

difusão e valorização da memória cultural coletiva. Espera-se que uma política pública

democrática neste âmbito seja capaz de promover cidadania cultural que amplie a

capacidade crítica dos jovens ante a tendência de indústrias culturais de homogeneizar e

reforçar guetos de identidade. (BRENNER; DAYRELL; CARRANO, 2005, p.177).

Nesse sentido, reforçamos a idéia de que as escolas e os espaços públicos deveriam ser

utilizados como instrumentos de promoção da cultura a fim de possibilitar a socialização dos

jovens, pois

A existência de tempo livre não implica necessariamente lazer. O tempo livre do trabalho

muitas vezes pode significar o espaço da penúria, da opressão e da falta de

oportunidades. Este é o caso dramático do desemprego e da desocupação, situação

vivida por uma expressiva parcela de jovens brasileiros. O lazer é atividade social e

historicamente condicionada pelas condições de vida material e pelo capital cultural que

constitui os sujeitos e coletividades. (BRENNER; DAYRELL; CARRANO, 2005,

p.178).

Sendo assim, se a falta de dinheiro aparece como principal elemento que impede as jovens

e os jovens a fazerem o que gostariam, nos leva a pensar que a ocupação dos espaços públicos

seria um meio essencial de possibilitar o acesso e a produção de expressões artísticas, troca de

experiências, construção de valores, identidades.

A realização de eventos culturais públicos tais como bailes, shows, concertos, recitais,

etc. é uma maneira de estimular a convivência coletiva de múltiplos grupos juvenis e a

intergeracionalidade. A praça como lugar de encontro, festa e convívio social é

emblemática de cidades que cultivam a sociabilidade pública em contraposição à

privatização da subjetividade, tendência das sociedades de consumo. (...). (BRENNER,

DAYRELL e CARRANO, 2005, p.183).

Isso nos leva a problematizar como o consumo e a mercadoria ocupam nosso tempo livre,

pagamos para sair de casa, pelo direito à cidade, as marcas, cinema, lanchonete, muitos dos

elementos que compõem o universo juvenil tem um preço, e ao contrário de serem ampliadas as

atividades nos espaços públicos muitas vezes o que resta a estes jovens são os shoppings, o apelo

exagerado às mercadorias da indústria cultural - que não podem ser consumidas por todos os

jovens. Os jovens que em sua maioria estão desempregados, sem uma política de garantia de

renda que o permita manter-se na escola estão, tendencialmente, sendo cooptados pela prática de

violência (como furtos e roubos) e à associação ao tráfico. Bem como sinaliza Beatriz Carlini-

Marlatt (2005)

(...) Oferecendo identidade, respeitabilidade, rendimento financeiro e “plano de carreira”

para grande parcela da juventude socialmente excluída, o comércio de drogas

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arregimenta sem dificuldades enorme contingente de adolescentes. Considerando-se que

o Brasil é país de ponta na manutenção do tráfico internacional e que o mercado interno

de drogas é pequeno, mas em expansão, trabalho não falta. (CARLINI-MARLATT,

2005, p.311).

Embora a associação ao tráfico de drogas apareça como um problema maior que o próprio

uso de drogas ilícitas, a autora nos alerta para o marketing das multinacionais e indústrias de

tabaco e álcool que são consideradas drogas lícitas, mas que cumprem um papel danoso na

sociabilidade da juventude, ressaltando o número elevado de homicídios e acidentes de trânsito

ocasionados por jovens em situação de embriaguez.

Retomando a linha investigativa que nos interessa neste estudo, percebemos que o tempo

livre da juventude brasileira tem sido hegemonicamente ocupado pela TV, seguida do rádio,

espaços privilegiados para difundir valores da sociedade do capital. Os jovens e as jovens estão

sendo mutilados em seu direito de produzir e acessar cultura, seu tempo livre que deveria ser o

momento enriquecedor de possibilidade de construir valores e identidades, está sendo ocupado

pela lógica das grandes mídias, do monopólio dos meios de comunicação, atrelado a dependência

cultural de nosso país apresentam uma simbologia da juventude construída pela indústria cultural,

altamente vinculada à cultura do consumo.

Nesse sentido, são muito pertinentes as contribuições de Maria Rita Kehl (2004) para

pensar a relação da juventude com a indústria cultural. A autora nos adverte que ao contrário de

outros períodos da história, a juventude nem sempre foi vista como objeto de desejo. No Brasil da

década de 1920, como afirma, os jovens queriam logo se incorporar no meio dos homens de 50

anos.

Homens e mulheres eram mais valorizados ao ingressar na fase produtiva/reprodutiva da

vida do que quando ainda habitavam o limbo entre a infância e a vida adulta chamado de

juventude ou, como se tornou hábito depois da década de 1950, de adolescência. (KEHL,

2004).

Perceba que a autora nos remete ao período histórico em que esta mudança se inicia, nos

reportando para os anos 1950, em que ,como demonstra, a adolescência que antes era tanto uma

fase confusa, conflituosa, de limbo, entre a infância e a fase adulta, tornou-se uma fase de desejo,

pois justamente o mercado passou a enxergar nesses sujeitos um campo privilegiado de

consumidores em potencial. E essa lógica, precursora nos EUA, logo se espalha para todas as

sociedades capitalistas.

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Como demonstra Kehl (2004), juventude passou a ser uma identidade construída pela

indústria cultural, com isso constrói-se uma gama variada de mercadorias a serem consumidas

como músicas, roupas, os fast-foods, até lugares específicos para os adolescentes em que a

combinação que ilustra muito bem este cenário é o Mc Donald’s e a Coca-Cola. No entanto,

como a autora ressalta, esse processo engendra uma contradição, pois não são todos os jovens que

podem consumir esta identidade, mas esta identidade tem se tornado o desejo de consumo de

quase todos os jovens.

Na sociedade pautada pela indústria cultural, as identificações se constituem através das

imagens industrializadas. Poucos são aqueles capazes de consumir todos os produtos que

se oferecem ao adolescente contemporâneo – mas a imagem do adolescente consumidor,

difundida pela publicidade e pela televisão, oferece-se à identificação de todas as classes

sociais. (...). (KEHL, 2004).

A sociabilidade capitalista é marcada pelas relações de consumo, os sujeitos antes de

serem cidadãos desejam ardentemente serem consumidores, isto porque os cidadãos na lógica

capitalista são os consumidores,

(...) como, na economia capitalista, do boi se aproveita até o berro, essa longa crise que

alia o tédio, a insatisfação sexual sob alta pressão hormonal, a dependência em relação à

família e a falta de funções no espaço público, acabou por produzir o que as pesquisas de

marketing definem como uma nova fatia de mercado. A partir daí – viva o jovem!

Passou a ser considerado cidadão porque virou consumidor em potencial. (KEHL, 2004).

No entanto, podemos afirmar que esta lógica tem deixado marcas cruéis numa juventude

que está desamparada de políticas sociais que garantam as mínimas condições de sobrevivência, e

que, portanto, não consegue se inserir na dinâmica das relações de consumo.

A essência da sociedade capitalista, como sabemos, está na esfera da produção, no

processo de apropriação privada da riqueza socialmente produzida, em que a burguesa explora e

se apropria do fruto do trabalhado dos trabalhadores. Entretanto, a história nos mostra que o

processo de desenvolvimento capitalista se fortalece também na esfera da reprodução, disputando

a formação da consciência da classe trabalhadora, incidindo principalmente na juventude, em que

este processo dialético de formação da consciência passa a ser mediatizado por relações de

consumo, e através da indústria cultural, por vezes, reproduzimos os valores hegemônicos da

cultura capitalista, nos apropriando de sua forma de pensar.

Romper com esta lógica não é uma tarefa fácil, não existem regras a serem seguidas, mas

sabemos que um caminho possível é organizar a classe trabalhadora em torno de um projeto que

incorpore seus interesses e que esteja comprometido com transformações que comprometam

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diretamente as estruturas que mantém erguidas este sistema fundamentado na exploração. Como

temos sinalizado, a reforma agrária, bem como a reforma na educação brasileira, juntamente com

o fim do monopólio dos meios de comunicação seriam exemplos de reformas necessárias para

melhoria das condições de vida do povo brasileiro, e da sua juventude.

Buscamos demonstrar que a situação da juventude trabalhadora no Brasil é uma questão

imperativa e que, articulada com transformações estruturais, exige políticas no plano

emergencial. No entanto, parece que nos deparamos com mais um desafio na realidade brasileira

quando pretendemos tratar de políticas sociais. Isso porque, como sinaliza Cohn (2004), não

temos em nosso histórico a experiência dos países que vivenciaram os anos gloriosos do Welfare

State, de políticas de pleno emprego, que caminhavam para a universalização do acesso as

políticas sociais - ainda que, como aponta a autora, a juventude não tenha sido público

privilegiado neste processo, por carregar a noção de que são os jovens os responsáveis pela

construção de um futuro próspero, gozando de disposição, vigor, cabendo-lhes o acesso a saúde e

educação (como ressalta a autora, bens básicos necessários para a garantia de condições de

atividades laborais na fase adulta). (COHN, 2004).

No Brasil, como demonstra a autora, as políticas sociais se dividiam basicamente em dois

grandes grupos, dos que podem pagar e dos que não podem. Partindo desta afirmativa, Cohn

(2004) procurou nos apresentar como, historicamente, sempre articulada aos projetos societários

hegemônicos, as políticas sociais no Brasil demonstram-se grandes muralhas para impedir

qualquer alternativa que buscasse construir formas de garantir políticas sociais universais,

equitativas e redistributivas. (COHN, 2004).

Além disso, é importante ressaltar que o caráter das políticas sociais no país sempre

estiveram atrelados ao mundo do trabalho. Como aponta a autora, para dar conta dos interesses

do projeto de modernização (conservadora) no país, o Estado desenvolvimentista iniciado na era

Vargas garantiu o acesso a determinadas políticas sociais para os sujeitos inseridos no mundo do

trabalho, e por muito tempo estes sujeitos eram aqueles que atuavam em setores estratégicos para

a economia. Nesse sentido, estavam alijados dos direitos sociais uma parcela significativa de

sujeitos trabalhadores (camponeses, autônomos, empregadas domésticas que só tiveram

reconhecimento destes direitos na década de 1970), e a juventude que no limbo entre infância e

fase adulta não estava (formalmente) vinculado mercado de trabalho. (Conh, 2004).

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A autora apresenta que com a crise do Estado desenvolvimentista, que durou entre 1930 a

1980, as políticas sociais deixam de se restringir aos sujeitos formalmente vinculados ao mundo

do trabalho. Contudo, é preciso frisar que, nos projetos societários dominantes em nossa

sociedade, as políticas sociais estiveram sempre submetidas a esfera econômica, isto é, o social

sempre esteve submetido aos interesses econômicos destes projetos, compreendido enquanto um

gasto, motivo de crises do Estado, e com o neoliberalismo esta lógica não se rompe, ao contrário

focaliza-se nas políticas desenvolvidas para combate à pobreza (mas nem precisa ressaltar que

estas políticas nem de longe estavam interessadas em extinguir a origem estrutural da pobreza).

(Conh, 2004).

Pobreza e desigualdades sociais que a partir do neoliberalismo ficam cada vez mais

explícitas, afetando drasticamente a maneira com que as jovens e os jovens trabalhadores

vivenciam sua juventude. E quando reportamos aos jovens das grandes periferias são eles que

têm sido os mais afetados nesta condição imposta pelo capital, de mutilação dos direitos e de

qualquer perspectiva de uma vida melhor, tornando-se presas fáceis da vida desumanizada da

prostituição, do tráfico, dos crimes e furtos cotidianos, e do cerceamento precoce de suas

liberdades com as instituições sócio-educativas

(...) Por tratar-se de jovens que foram mutilados em sua existência, o caminho de volta é

tortuoso, demorado e nem sempre bem-sucedido. De imediato, a inclusão na escola ou

no trabalho não lhes são mais atrativas. Algumas experiências indicam que este caminho

de volta pode se dar no âmbito de atividades culturais e do mundo da arte (teatro,

musica, dança, etc.). O investimento ampliado para essas políticas não só é mais barato

que a perspectiva policial e da criminalização, mas eticamente imperativo. (FRIGOTTO,

2004, p.210-211).

Nesse sentido, ressaltamos que, numa sociedade marcada por desigualdades sociais

alarmantes, advindas de uma absurda concentração de renda, articulada a uma situação de

desemprego estrutural que afeta a juventude da classe trabalhadora, a inserção no mercado de

trabalho não deve ser a principal forma de garantia dos (mínimos) direitos sociais a estes sujeitos.

Justamente nesse sentido gostaríamos de reforçar a necessidade de articular ao debate a

problemática da educação, da cultura e do trabalho. Cabe afirmar que estes três universos não são

dependentes e nem resolveriam as mazelas das juventudes na sociedade brasileira, mas articulá-

los torna-se imprescindível para tentar avançar em uma melhoria significativa da condição de

vida destes sujeitos, principalmente quando se consegue pensar em alternativas de articulação de

políticas emergenciais e estruturais.

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Como apontou Frigotto (2004) a particularidade da formação social e histórica do Brasil

tornou a situação da juventude no país uma questão estrutural e incompatível com todos os

projetos societários que estiveram no poder até hoje, as políticas de proteção aos jovens, crianças

e adolescente (como o Eca, por exemplo), foram iniciativas importantes e necessárias, mas que de

longe são capazes de superar a situação de radicalizada fragilidade das juventudes no Brasil.

Desta forma, concordamos com algumas contribuições trazidas por Frigotto (2004) no que

tange a educação e políticas de redistribuição de renda, sempre articuladas com políticas de

acesso e produção de cultura, para jovens do campo e da cidade, respeitando as especificidades

de gênero e raça. A partir disso, podemos pensar em atividades que possibilitem a construção de

uma cultura potencialmente crítica, que incida sobre as contradições do sistema, que ocupe o

tempo livre das jovens e dos jovens, que seja capaz de superar a dominação cultural que tem na

indústria cultural sua face mais cruel.

As desigualdades sociais, a articulação entre elementos arcaicos e modernos na produção

das relações sociais no Brasil são funcionais aos projetos hegemônicos no país, vinculados e

extremamente dependentes das economias estrangeiras do grande capital. Sendo assim, se não

partir do povo organizado a disputa real de um projeto nacional e popular, não sairão do papel as

intenções de mudança da vida das juventudes trabalhadoras.

A organização política das jovens e dos jovens trabalhadores certamente nos interessa

neste estudo. São evidentes o fracasso e a fragilidade do nosso sistema político que não rompe

com as práticas autoritárias da nossa formação social e histórica, e que ao longo da constituição

da sociedade brasileira, insistentemente, deixou o povo alijado dos espaços de tomada de decisão

sendo cruelmente reprimido em suas tentativas de organização popular. Disso resultam alguns

limites na organização da classe trabalhada e de sua juventude, pois não estamos falando de

jovens que têm uma herança vívida de lutas de massas, mas estamos nos referindo a uma

juventude que pelos mecanismos de restauração, cooptação, revolução passiva, teve a memória

de seu povo silenciada, enquanto urge pelas ondas da TV e do rádio um imaginário do jovem

construído pela indústria cultural. Cabe-nos, portanto, desvelar os caminhos de resistência

encontrados pelos jovens trabalhadores, bem como buscar identificar as alternativas possíveis de

fortalecer a organização da juventude trabalhadora.

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CAPITULO 3 – CULTURA, JUVENTUDE E RESISTÊNCIA

Desafiaremo-nos, neste momento, a construir um movimento de síntese dos debates que

temos desenvolvido nos capítulos anteriores. Pretendemos reforçar nosso posicionamento sobre a

concepção de cultura, entendida aqui, como uma esfera que não deve ser descolada das relações

sociais concretas, da interação humanidade-natureza, e, portanto, inserida no contexto da luta de

classes.

Desta forma, as questões trabalhadas nesta pesquisa ganharão materialidade na interface

com a trajetória da Mega FM. Faremos aqui, um estudo de caso, de uma rádio comunitária que

iniciou suas atividades de radiodifusão em meados dos anos 1990, no município de Juiz de Fora.

O que nos cabe destacar deste processo é justamente a potencialidade deste instrumento para a

mobilização popular, em especial, para da juventude da comunidade em que esta rádio se fez

presente.

3.1. Apontamentos teórico-metodológicos acerca da categoria cultura

A aproximação ao debate sobre cultura nos revela um terreno muito complexo, pois a

própria origem e desenvolvimento do termo é permeada por muitas contradições, em que a

cultura assume distintas definições e se relaciona com diferentes processos. Nas ciências naturais,

quando se começa a construir os fundamentos deste termo, a noção de cultura nasce atrelada da

necessidade de caracterizar o processo em que a humanidade ao se relacionar com a natureza

descobre, por sua dimensão da racionalidade, que a natureza, objetivamente, não lhe oferece o

suficiente para sobreviver. É, a partir da sua capacidade criativa, e de não contentar-se com o que

a natureza lhe propicia de imediato, que a humanidade passa a produzir cultura, naquele

momento, como aponta Willians (2007), identificando-a como o cultivo de algo, especificamente,

o cuidado com a colheita e os animais. Desta forma, as origens do termo já nos apontam para a

especificidade da cultura como um processo que não deve ser entendido como natural. Ao

contrário, o termo tem uma materialidade definida, o cultivo, naquele momento, expressava-se na

relação humanidade-natureza, através do trabalho. O trabalho permite que a humanidade construa

as possibilidades de aperfeiçoar sua intervenção na natureza, complexificando as técnicas de

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cultivo, da agricultura, do cuidado com os animais, enfim, criando condições melhores de

sobrevivência ao mesmo tempo em que se humaniza neste processo, complexifica-se a si própria.

Esta relação intrincada entre cultura e trabalho é o elemento que fundamenta nossas

reflexões neste estudo, ambos entendidos como elementos constitutivos do ser social é o que nos

diferencia dos outros animais e, por uma perspectiva marxista de análise, é o que define o lugar

que ocupamos no mundo e como nos enxergamos neste mundo. Desta forma, através do processo

em que a humanidade entende que é possível fazer o cultivo de algo, a relação humanidade-

natureza vai amadurecendo, as bases de intervenção na natureza se complexificam e as relações

socais vão se consolidando. Este processo é permeado de contradições e se materializa em

condições históricas objetivas, tanto que a partir do Iluminismo começam a se gestar as

possibilidades de ampliação da conceituação de cultura. Naquele momento, a humanidade passa a

compreender também que é possível cultivar as próprias faculdades humanas.

Esta concepção da cultura enquanto um modo de pensar a si próprio e as relações sociais

que está inserido foi uma das primeiras concepções do termo a ser delineada pelas ciências

sociais. Neste processo, identificava-se cultura à capacidade de “refinar-se” intelectualmente,

atrelava-se a uma noção extremamente elitizada do termo, em que este “refinamento” intelectual

era medido pelo acúmulo de conhecimento.

A partir deste processo em que, a cultura permite pensar a si próprio, sua relação com a

natureza e com outros sujeitos, passa a se desenvolver a compreensão do termo cultura enquanto

conjunto de significados, isto é, a capacidade da humanidade, no interior de sua vida social, de

atribuir sentido e significados as coisas, de construir valores, costumes, criar identidades. É, na

materialidade das relações sociais, na interação com outros sujeitos em sociedade que se

engendram os sentimentos de exclusão e pertencimento. Assim, pelas lentes do marxismo,

conseguimos enxergar que, é na esfera produtiva, na estrutura social, que a cultura pode se

materializar como um modo de vida, que não é natural, mas produto das relações sociais e

históricas.

Na complexidade das relações sociais se engendram os elementos que vão permitir à

humanidade compreender-se enquanto um conjunto de sujeitos capazes de expressar artística e

intelectualmente a vida em sociedade. No entanto, o meio pelo qual a humanidade expressa

aquilo que pensa sobre sua vida, não é autônomo, aliás, não é uma autonomia absoluta, mas

relativa, pois estes sujeitos estão atravessados pelas contradições inerentes às relações sociais. Se

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pensarmos a sociedade capitalista, dividida em classes sociais antagônicas, a cultura, enquanto

modo de expressar o que vivemos e o que pensamos sobre o que vivemos, pode assumir tanto um

ponto de vista conservador, quanto o elemento da resistência.

Em síntese, segundo Willians (1979), o termo cultura foi utilizado até o século XVIII

pelas ciências naturais sendo denominado como o cultivo de algo. No entanto, é preciso destacar

que a incorporação do termo pelas ciências sociais foi possível, histórica e socialmente, com o

advento da modernidade, a crise do feudalismo e o surgimento do capitalismo como modo de

produção. Esta incorporação se dá, naquele momento, pelo elemento da “razão moderna”, sob o

fundamento do Iluminismo, em que a humanidade passa a entender que é capaz de conhecer,

questionar e agir. Nesse processo, o termo passa a constituir-se como uma totalidade que é ao

mesmo tempo modo de viver, de pensar e de expressar.

É importante sinalizar que a cultura é uma especificidade humana, construída em um

determinado tempo histórico, fruto de um processo social e determinada pelas relações sociais.

Para nós, é imprescindível que a cultura seja apreendida em sua interface com o trabalho, pois ela

desenvolve-se enquanto esfera dependente e determinada pelo lugar que os sujeitos ocupam na

divisão social e técnica do trabalho, uma vez que pensamos e expressamos o que conhecemos e o

que vivemos. Deste modo, não devemos pensar a cultura como um conceito estático, mas como

um processo que compõe a totalidade da vida social, numa relação imbricada entre sociedade,

economia e cultura.

Sociedade, economia, cultura: cada uma dessas “áreas”, agora atadas a um

conceito, é uma formulação histórica relativamente recente. “Sociedade” era

companheirismo, associação, “realização comum”, antes de se tornar a descrição

de um sistema ou ordem geral. “Economia” era a administração de uma casa e

depois a administração de uma comunidade, antes de tornar-se a descrição de um

determinado sistema de produção, distribuição e troca. “Cultura”, antes dessas

transições, era o crescimento e cuidado das colheitas e animais, e por extensão, o

conhecimento e cuidado das faculdades humanas. No desenvolvimento moderno,

os três conceitos não se moveram no mesmo ritmo, mas cada um deles, num

ponto crítico, foi afetado pelo movimento dos outros. (WILLIAMS, 1979, p. 17-

18).

Ressaltar a relação imbricada da totalidade cultura, economia e sociedade, respeitando

suas particularidades, é reafirmar nossa concepção de que cultura deve ser apreendida na sua

interface com o trabalho, e que, nas sociedades capitalistas, portanto, é imperativo que se leve em

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conta seu recorte de classe. Neste ponto, é importante atentar para a necessária diferenciação do

termo cultura e civilização

O conceito de “cultura”, quando considerado no contexto amplo do

desenvolvimento histórico, exerce uma forte pressão contra os termos limitados

de todos os outros conceitos. Essa é sempre a sua vantagem; é sempre também

uma fonte de dificuldades, tanto na definição como na compreensão. Até o século

XIII ele ainda era um processo objetivo: a cultura de alguma coisa – colheitas,

animais, mentes. As modificações decisivas em “sociedade” e “economia”

começaram antes, em fins do século XVI e no século XVII, e grande parte de sua

evolução essencial completou-se antes que “cultura” viesse a incluir seus

significados novos e alusivos. Estes não poderão ser compreendidos se não

entendermos o que aconteceu a “sociedade” e “economia”, e nenhum deles

poderá ser plenamente compreendido se não examinarmos um decisivo conceito

moderno que exigiu uma nova palavra no século XVIII – civilização.

(WILLIAMS, 1979, p. 19).

Nesse sentido podemos perceber que no decorrer da história o conceito de civilização

passou a caracterizar um determinado grau de desenvolvimento das relações sociais, políticas,

econômicas e culturais de determinada sociedade, e, no capitalismo, este nível de

desenvolvimento foi pressuposto para “civilizar” outras culturas, dominá-las.

A noção de “civilizar”, como sendo a absorção dos homens por uma organização

social, já era conhecida, é claro – baseava-se em civis e civitas, e seu âmbito se

expressava no adjetivo “civil”, indicando ordenado, educado, cortês. (...)

[“civilização”] expressava mais dois sentidos que estavam historicamente unidos:

um Estado realizado, que se podia contrastar com a “barbárie”, mas também

agora um estado realizado de desenvolvimento, que implica processo histórico e

progresso. Foi essa a nova racionalidade histórica do Iluminismo, combinada de

fato com uma celebração que se auto-referia de uma condição realizada de

refinamento e ordem. (WILLIANS, 1979, p. 19).

Cultura, nesse sentido, passou a se relacionar com o estado de desenvolvimento das

relações sociais, lembrando que estamos falando do mesmo momento em que passa a se

desenvolver as relações capitalistas. Assim, o que passa a se apresentar é um modelo de

dominação. Com isso, justifica a dominação de uma cultura sobre a outra, delimitando o caráter

conservador e elitista de cultura, intimamente ligado a um modo de produção e sociabilidade

capitalista. Por essa ótica, justifica-se a invasão dos europeus no Brasil impondo coercitivamente

aos nativos um novo padrão de relação daqueles sujeitos com a natureza, impondo novos valores,

novas crenças, novos significados para a vida. Se antes os nativos trabalhavam para subsistência

(valor de uso), passaram a trabalhar para produzir excedentes, se viviam numa espécie de

comunismo primitivo foram incorporando a lógica da propriedade privada, aprenderam o que era

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mercadoria tornando eles próprios uma mercadoria. Esta dominação, portanto, implica um padrão

civilizatório imposto por uma sociedade que julga ter uma cultura, arte, intelectualidade, ciência

mais desenvolvidas e aptas a impor um modelo de civilização (capitalista). Poderíamos afirmar

que este seria um dos elementos originários da nossa dependência econômica e cultural, mas é

importante frisar, como apontamos anteriormente, que este sistema (capitalista) tem contradições

intrínsecas ao seu funcionamento e se por um lado prevalece a dominação e a imposição da

“cultura dominante”, a tendência é que haja, por outro lado, a resistência.

Delimitamos, desta forma, os elementos que compõe o entendimento que fazemos da

categoria cultura. Categoria histórica, dinâmica, socialmente determinada, é em si uma totalidade

(modo de vida, de pensar e expressar) e compõe a totalidade da vida social (cultura, economia e

sociedade), mas precisamente se contrapõe ao modelo de civilização, ou melhor, ao padrão de

dominação capitalista.

Portanto, pretendemos guiar nossas análises sobre cultura, dentro da perspectiva marxista,

partindo da compreensão de que a cultura deve ser entendida por um recorte de classe, e

potencialmente marcada por um viés de resistência quando nos referimos à classe trabalhadora

que é o objeto de nosso interesse. Além disso, temos clareza que a esfera da cultura é uma

importante chave de análise que possibilita a compreensão das particularidades da realidade

brasileira e subsidiará nossas reflexões sobre a organização da juventude da classe trabalhadora

no Brasil.

3.1.1 Contribuição do pensamento marxista acerca da categoria de cultura

A categoria cultura, por ser uma categoria histórica, dinâmica e socialmente determinada

teve um vasto universo de definições e apropriações. Tem sua origem nas ciências naturais,

complexifica-se quando incorporada às ciências sociais ao mesmo tempo em que ganha um novo

contorno no desenvolvimento do sistema capitalista. Todo este trajeto sinuoso da construção

desta categoria, para nós, deve ser compreendido na sua relação imbricada com o trabalho. Desta

forma, é importante apresentarmos algumas contribuições do legado marxista sobre cultura, o

fundamento sobre o qual desenvolvemos nossa concepção sobre esta temática.

O debate sobre cultura passa a ser incorporado com mais rigor pela tradição marxista a

partir dos anos 1950 e 1960. Esta incorporação tardia pode ser explicada pelas contradições que

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passam a se desenvolver no interior da II Internacional Comunista, com a apropriação enviesada

do legado marxiano.Assim, quando a III Internacional Comunista entra em crise tem-se o ponto

inaugural de renovação do marxismo, com o surgimento da “nova esquerda” caracterizada pelo

retorno às obras de Marx e o reencontro de seus princípios. A partir disso, passa-se a ter

conhecimento de obras de autores marxistas como Gramsci, por exemplo, e são introduzidos

novos temas para serem debatidos dentro do marxismo como o método, Estado e Cultura.

As contribuições do legado marxiano e marxista se incorporam nas formulações dos

intelectuais brasileiros e nas universidades do país de forma tardia, segundo Francisco de Oliveira

(2006), por volta das décadas de 1960 e 1970. Segundo o autor, esse marxismo logo teve

interlocução com os intelectuais e trabalhadores, mas também com os militares, e essa primeira

aproximação tornou o marxismo brasileiro permeado de ideias positivistas e nacionalistas que se

materializam nos trabalhos do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, instituto que tinha um

claro caráter doutrinário-nacionalista. Atrelado a estas ideias doutrinárias internas, havia ainda, a

influência doutrinária do movimento comunista internacional:

No campo marxista, as deformações tiveram por base as influências positivistas,

dominantes nas elaborações dos principais pensadores (Plekhanov, Kautsky) da

Segunda Internacional, organização socialista fundada em 1889 e de grande

importância até 1914. Essas influências não foram superadas – antes se viram

agravadas, inclusive com incidências neopositivistas – no desenvolvimento

ideológico ulterior da Terceira Internacional (organização comunista que existiu

entre 1914 e 1943), culminando na ideologia stalinista. (NETTO, 2011, p. 12).

Essas influências, internas e externas, do marxismo-positivista e neopositivista

doutrinário, dificultaram a apropriação dos fundamentos da teoria marxiana no pensamento

social brasileiro até a década de 1960. Não quer dizer que até este momento não tivéssemos

contribuições importantes para pensar a realidade do país, sobre isso Oliveira (2006) ressalta o

esforço de alguns intelectuais que conseguiram contribuir na interpretação do país de forma

crítica como é o caso de Caio Prado Jr. e Nelson Werneck Sodré.

O autor nos mostra ainda que o marxismo brasileiro sofreu influência, em maior ou menor

medida, pelo leninismo epelotrotskismo. Demonstra que a matriz marxista-leninista teve maior

influência no país, ao contrário do marxismo de tradição social-democrata alemã que, segundo

Oliveira (2006), não teve influência nem mesmo nos partidos socialistas brasileiros. Já o

trotskismo, segundo o autor, sempre esteve restrito a um pequeno grupo, mesmo que tenha tido

um pouco mais de relevância nos anos 1980, mas nada significativo, pois esta matriz, como

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afirma Oliveira (2006), não consegue ter expressividade dentro do próprio cenário político

brasileiro, nem interlocução com os trabalhadores.

No período da ditadura, como aponta o autor, o marxismo ganhou as universidades devido

ao aumento dos cursos de pós-graduação das ciências humanas. Com isso, passa a influenciar os

intelectuais da classe média. No entanto, Oliveira (2006) afirma se tratar naquele momento de um

marxismo de “importação europeia”, principalmente da França, o que causava um movimento

contraditório nesta incorporação, pois como avaliao autor, esses intelectuais poderiam ser

considerados de esquerda e com caráter revolucionário, mas não conseguiam construir um

diálogo efetivo com as classes populares, não se comunicavam com as massas de trabalhadores e

trabalhadoras que aumentava em larga escala nos anos do “milagre econômico”.

O pensamento social brasileiro, como pôde perceber, não esteve imune à apropriação

conflituosa e dogmática da teoria marxiana. As primeiras aproximações com este legado se deram

a partir da importação do modelo marxista europeu (o chamado “marxismo vulgar”), buscando

imprimir as categorias de análise da realidade europeia para interpretar a sociedade brasileira. O

nó desta questão centrava-se no fato de que a apropriação sem crítica destas categorias chocou-se

com as particularidades da formação social e cultural do Brasil. Disso, desdobraram-se diversas

interpretações sobre a formação social do país e alguns apontamentos equivocadas sobre nossa

realidade e os rumos da revolução brasileira.

A partir das possibilidades históricas concretas foi possível aos intelectuais do

pensamento social crítico brasileiro construir os caminhos de superação desta herança do

marxismo vulgar. Desta maneira, destacamos a necessidade de retomar “Marx por ele mesmo”,

de modo a tentar contribuir nesta perspectiva que, visa superar análises da realidade permeadas

por estes equívocos, para, assim, buscar compreender as contribuições marxianas acerca do

debate sobre cultura.

É importante destacar que o pensamento marxiano se formula a partir de três fontes, mas

sem limitar-se a elas. Ao contrário, o que podemos perceber é que o autor se propõe a superar os

limites da filosofia clássica alemã; a economia política inglesa e o socialismo utópico francês, e

entendemos que o debate do termo cultura no pensamento marxiano irá perpassar estas três

fontes. No entanto, Marx só terá condições históricas e políticas para desenvolver alguma

contribuição sobre o termo quando se defrontar (e superar) a filosofia clássica alemã, mais

especificamente Hegel e o idealismo.

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Nesse momento, ideologia para Marx e Engels estava relacionada à filosofia clássica

alemã. Para eles, ideologia tinha um caráter negativo no sentido de identificá-la como “falsa

consciência”, afirmavam que os autores da filosofia clássica alemã estavam enganando os

sujeitos quando diziam que eram as ideias que criavam a realidade. Com isso, Marx e Engels

avançam em uma das contribuições mais importantes para o processo de entendimento da cultura

enquanto dimensão socialmente determinada.

Os elementos para o desenvolvimento da concepção materialista da cultura ficam ainda

mais evidentes na obra A Ideologia Alemã (1845-1846). Esta obra marca a ruptura com a filosofia

clássica alemã, pois dá aos autores a concepção de materialismo. Deste modo, o materialismo

histórico dialético nasce na perspectiva de inversão do sistema hegheliano, pois, para Marx e

Engels, ao contrário do que dizia Hegel, os pensamentos, as idéias, são determinados, isto é, se

engendram a partir de uma base material concreta.

Em completa oposição à filosofia alemã, a qual desce do céu à terra, aqui sobe-se

da terra ao céu. Isto é, não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se

representam, e também não dos homens narrados, pensados, imaginados,

representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos

homens realmente ativos e, com base no seu processo real de vida, apresenta-se

também o desenvolvimento dos reflexos [Reflexe] e ecos ideológicos desse

processo de vida. (...) Não é a consciência que determina a vida, é a vida que

determina a consciência. (...). (MARX e ENGELS, 2009, p.31-32).

Partindo destas contribuições marxianas, entendemos que a dimensão da cultura se

desenvolve a partir de uma base material concreta. Os processos históricos nos revelam que, para

além de uma manifestação da consciência social que se tem da realidade, como afirmavam os

autores, a cultura, se apresenta enquanto uma esfera de reprodução e legitimação das relações

sociais, espaço privilegiado da disputa ideológica e que permite o processo de construção da

consciência de classe dos sujeitos.

Se partirmos da concepção de que o sistema capitalista é necessariamente contraditório,

nosso objetivo neste trabalho é demonstrar que na esfera da cultura também estão os elementos

essenciais para construir um enfrentamento concreto à dominação capitalista e o que buscaremos

demonstrar é que a juventude da classe trabalhadora é o sujeito potencialmente dotado de

características para travar esta luta.

Gramsci é um dos pensadores marxistas que se apropria profundamente deste debate,

amplia e complexifica a conceituação da categoria cultura. A partir das contribuições

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apresentadas pelo autor que guiaremos nossas reflexões neste estudo. Para tanto, é imprescindível

apresentarmos alguns dos elementos do seu pensamento social sobre esta temática.

Em 1913, Gramsci inicia sua militância no Partido Socialista Italiano e fazia parte de um

grupo denominado Juventude Socialista (influenciado por Croce e Gentili). Para este grupo, além

das batalhas diretas na esfera econômica existiria outra luta a ser travada para a revolução

socialista, a luta ideocultural. Ainda influenciados pelo idealismo e o neohegelianismo, colocam

uma nova tarefa ao partido, a construção de sujeitos revolucionários capazes de incidir na batalha

de ideias, construindo condições subjetivas para a revolução. (Coutinho, 2011).

Nesse momento, o autor demonstrava uma visão conservadora sobre o debate de cultura,

que era vista como sinônimo de educação formal. Assim, para Gramsci, o PSI precisava tornar

sua militância mais culta, alfabetizar sua base atrelada a um processo de formação política. No

entanto, quando o autor desenvolve estas formulações já nos faz perceber que sua perspectiva não

se reduz ao idealismo, pois já se revelam em sua análise elementos da luta de classes. Com isso,

nos apresenta importantes contribuições para o entendimento do processo de formação de

consciência, uma vez que, para o autor, sem se investir no processo de formação cultural o

horizonte revolucionário fica cada vez mais distante.

Gramsci preocupou-se em sua vida militante em desvelar qual instrumento político capaz

de conduzir à revolução, e aponta o partido como elemento de centralidade, mas não o pensa com

finalidade eleitoral, mas por uma finalidade de organização e formação política das classes

populares. Sendo assim, por incompatibilidade ideológica com o PSI, funda, em 1921 o Partido

Comunista Italiano.

Neste processo, durante o cárcere, Gramsci passa a aprofundar na análise de que através

da cultura os sujeitos conseguem ter consciência do lugar histórico que ocupam na sociedade

construindo possibilidade concreta de romper com a alienação. No entanto, o autor ressalta que,

deixados a própria sorte os trabalhadores não superam sua condição de dominação. Daí fortalece

seu debate sobre a importância dos intelectuais neste processo de construção da perspectiva

nacional e popular, salientando o papel do partido político.

Nesta lógica gramsciana, são os espaços coletivos e plurais da sociedade civil,

orientados em especial pelos grandes aparelhos “privados” de hegemonia, que são os

partidos políticos, que incorporam uma ideologia política e, atuando sobre um “povo

disperso e pulverizado”, restrito ao espaço da vida econômica, procuram despertar e

organizar sua vontade coletiva. Nesse processo, marcado hegemonicamente por um

princípio educativo, se fortalece e se expande o nível cultural histórico-político que

atuará coletivamente sobre a realidade concreta. A vontade coletiva pressupõe, portanto,

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um certo grau de homogeneidade e organicidade a ser permanentemente conquistado,

renovado e fortalecido. (BEZERRA, 2012, p.148).

A cultura, desta forma, deve ser compreendida como um processo, construída

historicamente e não uma evolução natural. Ela é uma dimensão constitutiva do ser social, o que

lhe proporciona sentimento de pertencimento e exclusão, propulsão ou repulsa, que nasce na

esfera econômica, mas não se limita a ela.

É na dimensão da cultura, portanto, que se consolidam os meios de compreensão das

contradições vivenciadas no sistema capitalista e se constroem as possibilidades concretas de

superação desta sociabilidade. Para isso, deve estar atrelada a um projeto societário

emancipatório, nacional e popular. No entanto, um dos desafios enfrentados na

contemporaneidade para a construção desta perspectiva nacional e popular está justamente na

pós-modernidade, na lógica cultural do neoliberalismo.

O que buscamos demonstrar neste estudo é que, além do neoliberalismo ter aprofundado

as contradições do sistema capitalista e tornado mais aguda as desigualdades sociais, ele

consegue, através da pós-modernidade, enfraquecer ideologicamente a luta da classe

trabalhadora. Neste sentido, a perspectiva nacional-popular deve ser entendida como uma

dimensão antagônica à pós-modernidade que se fortalece na radicalidade da alienação das classes

populares.

A pós-modernidade ao negar as metanarrativas e não analisar a realidade por sua

perspectiva de totalidade, fragmenta a visão das relações sociais e passa a privilegiar uma análise

particularizada do todo. Esta concepção ganha forma no Brasil a partir dos anos 1990 e se

materializa na fragmentação da esquerda, na dificuldade de construção de sínteses coletivas e de

unidade entre as lutas no seio da classe trabalhadora. É nesta conjuntura que se desenlaça a

experiência da rádio comunitária Mega FM, em Juiz de Fora. Este terreno construído pela pós-

modernidade faz com que a luta local, nos bairros, nos coletivos pareça ser a forma mais eficiente

de transformar a realidade.

3.2. A experiência da Rádio Comunitária Mega FM e a organização da juventude na

comunidade Santa Cândida

Iniciamos este estudo abordando as particularidades da formação social brasileira,

buscando ressaltar como os processos de revolução passiva desenham a formação social e

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cultural do país tornando particular a constituição das classes sociais, do Estado e as relações

entre ambos. Afirmamos ainda que estes processos se apresentam como respostas das classes

dominantes na tentativa de sufocar reações das classes populares, são as maneiras encontradas

pela burguesia para buscar eliminar as formas de resistência do povo brasileiro.

Sendo assim, nos desafiaremos, neste momento, a trazer à luz uma das inúmeras

experiências de resistência do povo brasileiro que são sistematicamente silenciadas por aqueles

que historicamente têm se mantido no poder. Pretendemos resgatar a memória da rádio

comunitária Mega FM (90,7), mas, sobretudo, ressaltar como esta comunitária representou um

movimento de resistência extremamente relevante na cidade de Juiz de Fora - MG, contribuindo

para a mobilização de homens, mulheres e jovens na luta incansável contra as investidas de

silenciamento da sua história.

Sobre isso vale resgatar na história da sociedade brasileira as experiências concretas e

exitosas da relação orgânica entre intelectuais e povo nas décadas de 1950 e 1960. Foi nesta

conjuntura que se consolidaram as bases concretas para edificar uma produção cultural

genuinamente brasileira, nacional, comprometida com a superação de todas as formas de

dominação e exploração do povo brasileiro:

(...) Esta produção cultural se articulava, então, com a necessidade de

participação que o momento político tanto favorecia, o que acabou por influenciar

as expressões artísticas no que se referia ao conteúdo e à forma. A militância

política e a cultural se interagiam e, muitas vezes, se confundiam, dando aos

movimentos desta última esfera uma clara intenção e uma suposta capacidade de

conscientização e politização. A arte surgiu, então, ao lado de outras

manifestações intelectuais, como um elo para fortalecer a proposta de superação

das contradições da realidade social que direcionava a ação de intelectuais,

artistas, estudantes, trabalhadores e setores populares. (BEZERRA, 1998, p. 70-

71).

Os elementos da geopolítica, como já sinalizamos neste estudo, proporcionaram uma

grande mobilização nesta conjuntura. As contradições do sistema capitalista estavam cada vez

mais evidentes, sentiam-se os efeitos da crise de superacumulação, ao mesmo tempo que estavam

postas condições de resistência. Muitas foram as experiências que influenciaram a juventude e o

povo brasileiro, a Revolução Cubana talvez tenha sido a mais significativa, pois rompe com a

visão eurocêntrica de revolução e demonstra que cada país, com suas particularidades deverá

empenar-se com sua própria revolução. Este sentimento se expressou no Brasil ao organizarem-se

trabalhadores do campo e operários, jovens, intelectuais, artistas em torno, dentre outras

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bandeiras, da reforma agrária, universitária, reforma urbana, empenhados na transformação

estrutural da sociedade brasileira.

A organização dos intelectuais, artistas e do povo brasileiro se manifestou em uma das

experiências mais significativas da época, em que se destaca o protagonismo das\os jovens

estudantes da UNE através dos Centros Populares de Cultura:

Foi no Rio de Janeiro, no ano de 1961, que surgiu o primeiro CPC ligado à UNE

e com a proposta de construir uma cultura “nacional, popular e democrática de

esquerda”. Os intelectuais fizeram dos CPCs uma manifestação da cultura

engajada, interessados em manter, através de sua prática, uma atitude

conscientizadora junto às classes populares. Para isso, contavam com artistas e

intelectuais que assumiram um projeto revolucionário de transformação social

bastante condizente com o clima político do país naquele início de década.

(BEZERRA, 1998, p. 71).

Dada a potencialidade desta efervescência política e cultural em curso na sociedade

brasileira, a burguesia interna em articulação com o capital estrangeiro (EUA) forjaram mais um

episódio de “revolução passiva” na história do país. Uma “transformação pelo alto” que afetou

drasticamente o elo entre intelectuais e povo, prejudicando a articulação dos movimentos

populares na construção de um projeto contra-hegemônico para a sociedade brasileira. Além

disso, com o golpe de 1964

(...) o domínio dos meios de produção da cultura permanece monopolizado nas

mãos da elite e de frações da pequena burguesia. Ao mesmo tempo em que os

militares destruíram os então recentes e promissores vínculos por meio dos quais

se operava um processo de transferência dos meios de produção de técnicas e

linguagens artísticas aos camponeses e operários, o regime dos fuzis incentivou a

criação de um sistema nacional de televisão – do qual o maior expoente foi a

Rede Globo. O objetivo era respaldar esteticamente o projeto de modernização

conservadora do país, por meio da imposição da imagem de desenvolvimento,

progresso e integração da nação, com a qual os militares e a elite nacional

pretenderam justificar seu predomínio brutal no poder. (ESTEVAM; COSTA;

VILLAS BÔAS, 2015, p.39).

A experiência da comunitária já foi abordada em alguns estudos, sempre destacando sua

potencialidade no sentido de contribuir na construção da cidadania dos sujeitos da comunidade

Santa Cândida e de possibilitar que a história do povo brasileiro, historicamente silenciada, fosse

propagandeada nas ondas eletromagnéticas. Para nós, é imprescindível ressaltar deste trabalho

sua potencialidade em incidir sobre elementos estruturais da nossa sociedade, como a luta pela

democratização dos meios de comunicação, que permanecem monopolizados pela burguesia e

tornam-se espaço privilegiado para a luta ideológica. Por uma lógica contrária a esta, a

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comunitária possibilitava o acesso e a produção de informação, arte e cultura, e a partir disso

fomentando a organização popular, especialmente da juventude.

É importante situar ainda que nossas reflexões acerca da rádio Mega FM, bem como

nossos apontamentos sobre a contribuição desta comunitária para a organização da juventude da

comunidade Santa Cândida estão fundamentados na análise de documentos que registram este

marco histórico, em artigos acadêmicos, tese (LAHNI, 2005) e monografia (BARRA, 2010);

relatorias de reuniões, estatutos, artigos de jornais e fotografias disponibilizados por integrantes

da rádio.

Não é nosso objetivo neste estudo aprofundar o debate sobre a constituição das rádios

comunitárias no Brasil e no mundo, mas é importante situar o movimento histórico que

impulsiona a organização destas experiências para conseguirmos compreender melhor o solo em

que se forja a Mega FM, principalmente para entender que esta não foi uma experiência isolada

na história do município de Juiz de Fora.

As rádios comunitárias, como pretendemos sinalizar, manifestam-se como importantes

instrumentos que auxiliam na luta ideológica. Materializam as reflexões que estamos

desenvolvendo neste estudo, pois dão conta de, na dimensão da cultura, explicitar as contradições

inerentes ao sistema capitalista e possibilitar a construção dos nexos causais dessas contradições.

Através das rádios é possível transmitir informações necessárias para a compreensão do nosso

lugar no mundo, propagandear idéias contra-hegemônicas e fomentar a organização popular.

Nesse sentido, a Mega apresenta-se como parte de um conjunto de iniciativas que

encontram nas rádios comunitárias uma alternativa para dar voz aos sujeitos historicamente

marginalizados denunciando os impasses tanto estruturais da sociedade brasileira – referentes ao

monopólio da produção e difusão de informações-, quanto conjunturais.

Desta forma, como aponta Barra (2010), a história das rádios comunitárias, no Brasil e no

mundo, sempre esteve atrelada a um interesse comum, muitas delas vinculadas a movimentos

populares e à luta das\dos trabalhadores. Nesse sentido, ressalta a importância das rádios

comunitárias na América Latina, em especial nas décadas de 1960 e 1970, na luta contra os

regimes ditatoriais e na propagação dos processos revolucionários.

Vale ressaltar a experiência das rádios comunitárias da Bolívia, em que se tornaram

instrumento fundamental dos trabalhadores das minas tanto para divulgar as bandeiras de luta do

sindicato dos mineiros e na denúncia das condições precárias de trabalho, quanto para aproximar

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e mobilizar as comunidades ao redor, uma vez que pelos princípios das rádios comunitárias o

acesso a produção e difusão das informações estava garantido a todas as pessoas que quisessem

contribuir. A rádio dos mineiros foi ainda importante veículo de denúncia e resistência ao golpe

militar, além de prestar apoio aos guerrilheiros cubanos, mas tem sua programação encerrada

com o declínio das atividades mineradoras e a evasão dos trabalhadores para as cidades.

(BARRA, 2010, p.22).

Percebe-se que a história das rádios comunitárias, se forja na luta pela democratização do

acesso, produção e difusão da informação, mantendo-se como instrumento de denúncia,

reivindicação e resistência, sobretudo, como espaço para transmitir idéias contrárias às

dominantes, construindo a disputa ideológica nas ondas eletromagnéticas. Por esta lógica, é

importante citar ainda as experiências da Rádio Sandino, na Nicarágua e da Venceremos em El

Salvador, além da experiência da Rádio Rebelde, construída por iniciativa de Che Guevara, em

1958, em Cuba. A Rebelde foi um importante meio para dar coesão às frentes de batalha durante

a guerrilha além de propagandear as idéias revolucionárias para o povo cubano. (BARRA, 2010,

p.22).

No Brasil as rádios comunitárias começam a se desenvolver na mesma conjuntura

histórica que as rádios dos países vizinhos da América Latina, segundo Barra (2010) datam da

década de 1970 as primeiras experiências no país. Contudo, o início das rádios comunitárias

brasileiras se dá por um viés diferente daquele de enfrentamento direto, denúncia e resistência ao

golpe militar. O início das rádios comunitárias no país pareceu estar atrelado bem mais ao

interesse e à curiosidade pela técnica da radiodifusão do que pelas lutas políticas. (BARRA,

2010).

Já na década de 1980, com o processo de redemocratização do país, retomada da

mobilização da classe trabalhadora e a efervescência dos movimentos populares, as rádios

comunitárias passam a delinear um caráter mais questionador, apresentando-se como instrumento

de denúncia, expondo a insatisfação com a programação das rádios comerciais e passam a

levantar a bandeira da democratização dos meios de comunicação. (BARRA, 2010).

Neste período, surge uma das experiências mais significativas de rádio comunitária no

país, a Rádio Favela FM,situada no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte (Minas Gerais),

uma comunidade com aproximadamente 140 mil habitantes. A Favela FM estava sintonizada na

frequência 106,7 e logo se tornou uma referência para diversas comunitárias comprometidas em

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resistir aos valores e princípios de uma sociedade em que se apropriam de forma privada da

riqueza socialmente produzida.

Um elemento central nas comunitárias se expressa justamente pelo fomento à organização

popular, e a experiência da Rádio Favela FM estava propiciando uma mobilização na comunidade

do Aglomerado da Serra fazendo com que a comunitária logo se tornasse alvo de perseguições,

ações cruéis típicas daqueles empenhados em manter intacta a ordem de privilégios, monopólios

e latifúndios da sociedade brasileira.

Em meados da década de 1990, a Favela FM vivencia um processo intenso de repressão,

em que a Polícia Federal, recebendo ordens diretas do então presidente Fernando Henrique

Cardoso e dos sujeitos diretamente ligados ao monopólio das comunicações, age a partir de ações

truculentas e invasões às casas da comunidade uma vez que a rádio não tinha sede e as

transmissões eram feitas das casas dos moradores.

Em 1999 a Favela FM obteve concessão federal para atuar como educativa. Mas até a

sua legalização houve muita luta da população e prisões de suas lideranças. Essas ações

da polícia contra a Rádio Favela, no morro, antes de sua legalização, foram numerosas e

grandes. Para exemplificar, uma delas levou ao morro mais de 700 policiais e dois

helicópteros. (...). (LAHNI, 2005, p.127).

Sob este viés contestador e em meio a uma onda de repressão, as rádios comunitárias

começam a multiplicar pelas diversas regiões do país na década de 1990. (BARRA, 2010). É

justamente nesta onda de avanço, quantitativo e qualitativo, das rádios comunitárias que nasce a

Mega FM (90,7).

Esse processo de organização das rádios comunitárias no país, na década de 1990, pode

ser entendido pelo fato de aquele período, como temos ressaltado ao longo deste estudo, ter

representado um momento de radicalização das contradições do projeto neoliberal, evidenciadas,

por exemplo, nos altos índices de desemprego, na precarização e flexibilização das relações

trabalho, além disso, verifica-se um aumento da população jovem e sua consequente demanda por

inserção na esfera produtiva tornando-se um problema para o Estado e instituições privadas ao

demandar seu direito ao trabalho e deparar-se com estes dilemas referidos.

Se a classe trabalhadora no Brasil estava sobrevivendo sob condições precárias é certo que

seriam inúmeras suas experiências de resistência, e as rádios comunitárias apareceram como um

dos instrumentos de mobilização destes sujeitos. No entanto, como buscamos demonstrar, o

neoliberalismo traz consigo uma lógica cultural que possibilita sua reprodução, pois constroi no

plano das ideias o individualismo que se organiza na esfera produtiva, fazendo com que

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experiências como as das comunitárias pareçam estar isoladas em seus morros, descoladas da

realidade concreta, pois é a partir desta lógica que busca nos atomizar e alienar que a pós-

modernidade ganha força.

Neste sentido, torna-se extremamente fundamental para a luta da classe trabalhadora o

resgate de sua memória, de sua história, de sua resistência. Assim, relembramos que a rádio

comunitária Mega FM estreia suas atividades de radiodifusão no dia 19 de junho de 1997. Com

sede na rua Dante Bellei, número 70, no bairro Santa Cândida, no município de Juiz de Fora –

MG, começa a espalhar pelas ondas do rádio ideias que irão movimentar de forma jamais

vivenciada os moradores das comunidades onde a rádio atingia, em especial, as\os jovens.

É interessante situar que o processo que culminou na construção da rádio Mega FM se

desenvolveu no decorrer do ano de 1996, quando Luiz da Conceição Bispo (Dj Nonô), técnico

em eletrônica, começa a desenvolver um trabalho na escola do bairro (Escola Estadual Cândido

Motta Filho) por uma demanda do grêmio estudantil, que havia reconhecido a necessidade de um

espaço para divulgar as ações da entidade. Decidem, portanto, pela construção de uma

radioescola e contam com o auxílio de Nonô para a empreitada. (LAHNI, 2005).

Vale destacar ainda que neste mesmo ano, a Rádio Capital, uma rádio comercial da

cidade, que apresentava um programa feito por moradores das comunidades com apresentações

de hip hop, pagode, samba, ao ser vendida, para uma rádio evangélica, deixa de exibir esta

programação, e os moradores ficam sem espaço para compartilhar a cultura da periferia.

(LAHNI, 2005).

Fica evidente que os espaços para a valorização da cultura popular estavam cada vez mais

restritos nos meios de comunicação burgueses, as rádios que funcionavam a partir do

financiamento das propagandas de grandes empresas (e ideologias) restringiam sua programação

para a divulgação das mercadorias da indústria cultural, afinal, o imaginário popular não nos

deixa esquecer que no Brasil quem paga a banda escolhe a música.

A partir disso, os estudantes do grêmio estudantil juntamente com a equipe de som do Dj

Nonô passam a organizar, periodicamente, bailes abertos à comunidade na Escola Estadual

Cândido Motta Filho. No entanto, perceberam que havia um cenário artístico-cultural expressivo

na comunidade, e que os bailes já não eram mais suficientes para a demanda de expor,

compartilhar e conhecer as formas de expressão cultural produzidas na e pela comunidade.

(BARRA, 2010).

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Como meio para superar este impasse Nonô e o grêmio estudantil decidem organizar uma

assembléia com os moradores da comunidade, fazendo o convite através de visitas, de casa em

casa, e abordagens pelo bairro, a fim de discutir sobre a possibilidade de construir uma rádio que

viabilizasse o diálogo entre a comunidade, além de ser um espaço de compartilhamento de

informações, arte e cultura produzida por eles.

Esta assembléia ocorreu no dia 25 de março de 1997 e contou com cerca de cem

moradores. Para esta ocasião, os sujeitos que estavam à frente deste processo já haviam buscado

mais informações sobre outras experiências de comunitárias, especificamente, neste caso, com a

rádio Novos Rumos6, de Queimados, no estado do Rio de Janeiro. Através do acúmulo de outras

experiências foi organizado, previamente, um estatuto para a rádio e apresentado na assembléia, o

qual foi aprovado por aclamação. (LAHNI, 2005).

Além de definir um estatuto, com os objetivos e os princípios da rádio, nesta assembléia,

também se elegeu uma diretoria (Nonô eleito como presidente, Adenilde Petrina Bispo como

vice-presidente, Paulo Roberto Gomes como secretário e Alexandre Augusto de Oliveira como

tesoureiro), e foi levada ainda para a discussão a programação da rádio. No debate sobre a

programação houve contribuição de muitas das pessoas presentes naquele momento no sentido de

colocarem-se à disposição para apresentar determinados programas, de pagode, samba, capoeira,

por exemplo. Assim, a rádio Mega FM (90,7) inicia suas atividades em permanente diálogo com

a comunidade. (LAHNI, 2005).

A partir dos princípios firmados em seu estatuto a Mega FM surge com o objetivo

principal de difundir e fortalecer os valores da comunidade. Isso significa que os sujeitos

envolvidos na construção desta experiência estavam preocupados em valorizar os laços de

companheirismo entre os moradores, envolvê-los nas ações referentes ao bairro e à cidade, e

acima de tudo tornar a rádio um espaço de valorização da produção cultural feita por eles, um

espaço de valorização e auto-estima de sujeitos estigmatizados pela mídia burguesa que

insistentemente criminaliza a pobreza.

6

A Novos Rumos surge no cenário das comunitárias em 1990, uma conjuntura em que as rádios

comunitárias no Brasil estavam mais consolidadas e se forjam por um viés de resistência. Seguindo o

mesmo destino das experiências mais relevantes de rádios comunitárias no país, a Novos Rumos foi

fechada, mas conseguiu voltar às atividades através de mobilização popular. (LAHNI, 2005).

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Neste ponto, é válido ressaltar que, o contexto em que a Mega FM se forja era de

radicalização das políticas neoliberais e acirramento das contradições do capital. Os sujeitos

coletivos da classe trabalhadora estavam desmobilizados, por um lado, pelas condições objetivas

de desemprego estrutural e aumento da pauperização, por outro lado, pela ofensiva da pós-

modernidade que enfraqueceu ideologicamente a luta da esquerda. Desta forma, quando os

princípios da rádio se fundamentam no fortalecimento dos valores da comunidade, na difusão da

produção cultural construída por aqueles sujeitos específicos, materializa os elementos

engendrados pela pós-modernidade da luta particularizada, da valorização dos coletivos, das

transformações possíveis, locais.

As condições de vida dos sujeitos que residem na Zona Leste de Juiz de Fora, onde a

comunitária ganha vida, não destoa do quadro que apresentamos no capítulo anterior. São muito

semelhantes as condições (precárias e desumanas) vivenciadas pela classe trabalhadora e sua

juventude no Brasil, em qualquer região que ela esteja. São inclusive semelhantes os lugares em

que vivem os trabalhadores, nas periferias, nas favelas, nos morros, nas comunidades. Basta olhar

para a história da formação social brasileira para perceber que as classes dominantes caminham

numa tentativa sistemática de manter a classe trabalhadora isolada e restrita aos espaços

periféricos da sociedade (SANTOS 2001), impossibilitando seu direito de vivenciar a cidade,

limitando seu acesso a determinadas experiências concentradas nas regiões centrais e de maior

circulação de capital, reproduzindo a lógica de que os trabalhadores são sujeitos excluídos.

Neste ponto, Milton Santos (2001) chama atenção para a rapidez e a lentidão na

configuração desta forma de viver no território que são desenhadas pelas relações capitalistas. O

autor problematiza que o conjunto de condições materias que permite que a fluidez ocorra e a

rapidez aconteça está atrelado a uma condição de relações sociais desenvolvidas, isto é, o

circuitos das relações dos sujeitos constitutivos pelo processo de acumulação seleciona os lugares

para que isso aconteça. O lugar de mandar e obedecer está fundamentado na divisão social do

trabalho.

Por entender que a luta de classes também se faz na esfera cultural e ideológica, era

preciso tornar a comunitária um instrumento que estivesse a serviço dos interesses das\dos

trabalhadores que fossem atingidas\os pelas ondas eletromagnéticas da Mega FM, para que

pudessem ter conhecimento sobre a realidade em que estavam inseridos, sobre seus diretos, além

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de possibilitar o acesso aos acontecimentos que se passavam em âmbito local, nacional e

internacional.

Sendo assim, a programação da Mega FM era extremamente diversificada, aberta a todos

que quisessem contribuir com o debate de idéias desde que fossem assegurados os princípios e

objetivos da rádio de fomentar o conhecimento crítico da realidade. Com isso, a comunitária

ganhava vida durante os sete dias da semana, no período de 8h às 22h.

Vale dizer que os princípios da Mega e dos sujeitos empenhados em construir a

comunitária emergem do lugar em que eles ocupam nesta sociedade, pois estão atravessados por

histórias, vivências, costumes que os identificam e os comprometem com a valorização daquilo

que lhes é importante, que lhes dão sentido enquanto ser, portanto, é evidente que a Mega esteja

comprometida em privilegiar em sua programação o resgate da memória do povo brasileiro,

através de manifestações da cultura popular.

Nesse sentido, destacamos que desde o início de suas atividades a Mega passou a

contribuir na cobertura do carnaval de Juiz de Fora. No ano de 1998, exibiam um programa

diário, veiculado às 12h, durante os dias do festejo. O que nos chama atenção é que para este

programa, foi construído uma personagem pelos integrantes da rádio, o repórter cara-de-pau, que

realizava entrevistas durante os ensaios das escolas de samba da cidade, nos bailes e nos dias de

apresentações dos desfiles e blocos. Talvez pela identidade construída através deste programa ou

pelo reconhecimento do trabalho da rádio, a comunitária foi homenageada pelo bloco do bairro,

cujo samba-enredo, daquele ano, foi Santa Cândida no Reino de Ganga Zumba e o refrão dizia

“A luz que traz o sonhar/ que vamos viajar/ atrás de Ganga Zumba/ com a Mega FM/ uma

explosão de som no ar”. (LAHNI, 2005).

Com este compromisso de resgatar e valorizar a cultura popular vai ao ar pela primeira

vez o Mega Fenômeno, no ano de 1999. O programa tinha como objetivo resgatar lendas do

imaginário popular, como a mula sem-cabeça, por exemplo. Contudo, o mais significativo desta

experiência é que para a realização do programa foi criado o Grupo de Teatro da Mega que

realizava conversas com moradores mais antigos do bairro para que lhes contassem algumas

destas histórias, a partir do que lhes era contado o grupo encenava e com sonoplastia apropriada

veiculavam na rádio toda sexta-feira, à meia-noite. (LAHNI, 2005).

Aproximar da trajetória da Mega FM só fortalece nosso entendimento de que o povo

brasileiro tem inúmeras possibilidades para escrever sua história, e, sobretudo, através de

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determinadas formas que escolhe para contar das contradições que vivencia tende a mobilizar um

tanto de gente inimaginável. A comunitária é exemplo disso, sua programação era organizada

pelo que dava sentido aqueles moradores, os participantes da Mega não estavam preocupados em

impor padrões para aqueles sujeitos, nem ditar como deveriam se vestir, como deveriam falar, o

que deveriam ouvir, ao contrário, os programas partiam das condições objetivas de vida daqueles

moradores, na busca pela valorização das relações que estabeleciam uns com os outros, no

resgate das histórias de seus antecedentes, homens e mulheres escravizados que resistiram

bravamente contra as mais variadas formas de exploração e opressão.

A classe trabalhadora produz cultura e se expressa através de formas complexas, originais,

criativas, no entanto, estas experiências, pela força transformadora que carregam, são

sistematicamente recusadas a partir de critérios burgueses que insistem em diminuir, ridicularizar

e negar as formas de expressão artístico-cultural e intelectual das\os trabalhadores.

A partir disso, o debate sobre direitos das\os trabalhadores tornou-se uma preocupação

constante e teve espaço privilegiado na programação da comunitária, era preciso contribuir para

que aquela população se reconhecesse enquanto sujeitos de direitos, fomentando a mobilização

para que lhes fossem asseguradas as possibilidades para produzir cultura, ter acesso à cidade,

pautando por serviços de transporte público, educação e saúde gratuitos e de qualidade, por

exemplo.

Para tanto, um programa importantíssimo para a comunidade foi o Direito Popular,

realizado por estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora,

membros do Diretório Acadêmico Benjamin Colucci (DABC). No programa, eram abordados

determinados temas sobre os direitos das\os trabalhadores, além de esclarecer dúvidas que

chegavam por cartas e telefonas. No entanto, com a mudança de gestão do DABC, no ano de

1998, o programa encerra suas contribuições e a ausência deste espaço específico para tratar dos

direitos da classe trabalhadora foi sentido com bastante pesar pela comunidade. (LAHNI, 2005).

Mas o debate sobre os direitos da classe trabalhadora continuou perpassando toda a

programação da Mega, este era um de seus elementos essenciais, e por saber que pela nossa

cultura política um dos meios para conseguir direitos é através do voto, ou melhor, já que a nossa

cultura política tende a restringir a participação popular ao voto a Mega comprometeu-se em

levar para o cotidiano dos moradores as discussões sobre os processos eleitorais em âmbito

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municipal, estadual, nacional (e internacional). A comunitária passou a promover debates e

entrevistas com diversos políticos e os candidatos em disputa em cada período eleitoral.

A receptividade dos debates gerados pela programação foi significativa entre os

moradores ouvintes da Mega FM o que demonstra, por um lado, o poder que os meios de

comunicação têm de informar, formar e mobilizar a população e, por outro lado, cai por terra a

construção do nosso imaginário de que o povo brasileiro é avesso à política, ao contrário, o

interesse pelos assuntos do bairro, da cidade, do país era tanto que da experiência da rádio

passou-se a difundir pela comunidade um exemplar semanal do Jornal A Voz do Morro,

organizado por membros da direção da comunitária. Os exemplares eram entregues nas casas dos

moradores, e a idéia era que a comunidade tivesse acesso às noticias que seriam veiculadas na

rádio (no programa de mesmo nome do jornal) com uma semana de antecedência de modo que

pudessem compartilhar das opiniões entre a vizinhança e ter uma melhor participação durante os

programas.

Por essa capacidade de tratar de temas necessários para construir uma visão crítica da

realidade, promovendo conhecimento dos direitos das\os trabalhadores, com programas

específicos para isso, a Mega também foi responsável por movimentar a organização política dos

moradores da comunidade Santa Cândida.

Nesse sentido, é preciso ressaltar que a Mega FM sempre esteve comprometida com a

democratização dos meios de comunicação e empenhada em possibilitar o acesso ao

conhecimento. Sendo assim, diante da ofensiva por parte do Ministério das Comunicações e dos

setores ligados ao monopólio da comunicação, através da Polícia Federal, contra diversas rádios

sem concessão pelo país, a Mega decide organizar um debate com representantes de comunitárias

da região para tratar desta questão essencial na luta de classes, na batalha das ideias. (LAHNI,

2005).

Além deste debate e firme em seu compromisso de lutar pela democratização dos meios

de comunicação, em defesa das comunitárias, a Mega esteve à frente de uma manifestação, em

Juiz de Fora, no ano de 1999. Ocupando as ruas da região central da cidade, juntamente com

moradores da Zona Leste e demais sujeitos comprometidos com a causa, as ruas foram ocupadas

com música, dança, cartazes e palavras de ordem exigindo o direito do povo ter sua voz ouvida

nas ondas do rádio. (LAHNI, 2005).

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Perceba como a comunitária estava possibilitando uma movimentação política

extremamente relevante na cidade, estava se construindo como referência para sujeitos da cidade,

especialmente aqueles histórica e simbolicamente excluídos do cenário político, dos espaços de

poder, de tomada de decisão. A Mega recebia entre 60 a 70 telefonemas diariamente, mas mesmo

em seu ápice os participantes decidiram encerrar, temporariamente, as atividades da rádio para

um momento de reflexão, crítica e autocrítica. Este hiato dura cerca de um mês e durante este

tempo os integrantes mantinham reuniões semanalmente para avaliações, e de um desses

encontros decidem fazer uma visita a Rádio Favela, em Belo Horizonte, para se apropriar melhor

daquela experiência, compreender os desafios do cotidiano da rádio e principalmente saber

daqueles sujeitos relatos sobre como resistir à ofensiva da Anatel e Ministério das Comunicações,

uma vez que a Favela FM, como já sinalizamos, foi uma referência na resistência para as

comunitárias em todo o país. (LAHNI, 2005).

Os participantes da Mega voltam renovados deste momento de reflexão e logo se

envolvem em mais uma ação junto aos moradores do Santa Cândida cumprindo um papel

importante no processo eleitoral da Sociedade Pró-Melhoramento (SPM) da comunidade.

As eleições para renovar a direção da SPM ocorriam a cada dois anos, e no Santa Cândida

a entidade sempre teve um caráter combativo até as investidas de cooptação de um determinado

vereador da região. Com isso, os moradores se organizaram para fazer o enfrentamento a este

processo e utilizaram-se da comunitária como o espaço para viabilizar esta resistência.

Promoveram debates na rádio entre as chapas concorrentes a SPM, além de realizarem uma

pesquisa entre os moradores da comunidade buscando saber a visão de cada morador\a sobre a

importância da entidade, chegaram a visitar cerca de trezentas moradias. Este movimento surtiu

um efeito incalculável na comunidade, pois se antes o índice de votantes era baixíssimo com a

contribuição da comunitária foram mais de dois mil votos naquele ano (1999), mobilizando

jovens e despertando uma significativa parcela da comunidade para a organização popular.

(BARRA, 2010).

Vale dizer que a comunitária movimentou ainda políticos, artistas e intelectuais da cidade,

além de personalidades importantes na cultura popular brasileira. Foram recebidos nos estúdios

da comunitária o rapper MV Bill e o sambista Bezerra da Silva, em 2001, que além de participar

de uma entrevista na Mega fez uma apresentação gratuita na comunidade vizinha do São

Benedito. (LAHNI, 2005).

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A Mega foi um espaço aglutinador dos sujeitos comprometidos em transformar as

relações sociais, em encontrar novas formas de comunicação social, em democratizar o acesso a

informação, uma vez que se a cultura se forja nas relações sociais concretas a batalha também

deve ser travada no plano das idéias, da disputa ideológica.

Deste modo, o que nos cabe destacar desse processo é que a maior parte do tempo de

funcionamento a rádio estava sendo gerida por aqueles que, tendencialmente, estariam, ou

inseridos precocemente na dinâmica informal e precária da produção, ou envolvidos em

atividades ilícitas - os jovens da comunidade.

Destacamos, deste modo, a potencialidade desta relação da juventude com a ação cultural,

pois através das atividades da Mega a juventude da comunidade pôde encontrar um espaço

privilegiado de construção de identidade, valores e pertencimento. Além de ser um espaço de

fomento da arte produzida na periferia, a Mega FM demonstrou para aqueles jovens que a

comunidade pensa, produz e constroi seus próprios intelectuais, tal como Gramsci define, os

intelectuais orgânicos (da classe trabalhadora, neste caso). A própria rádio trazia elementos desta

idéia tendo como princípios educar e organizar os sujeitos da comunidade, possibilitando o

acesso à informação e a difusão dos valores produzidos ali. Assim, ao transformar a realidade da

comunidade o jovem transformava-se a si mesmo pelo intermédio da Mega FM.

A identificação da juventude com a comunitária foi imediata devido ao fato de a Mega

conseguir agregar a diversidade que engloba o universo juvenil. Como temos buscado demonstrar

ao longo deste estudo, a juventude é uma categoria complexa, contraditória e deve ser entendida

levando-se em conta suas nuances sociais, culturais, raciais e as questões referentes à diversidade

sexual e de gênero. Assim, a Mega cumpria o objetivo de aglutinar os interesses do universo

juvenil, pois conseguia dar voz a juventude trabalhadora, com programas que valorizavam a

identidade da jovem e do jovem trabalhador (e não banalizavam e espetacularizavam como nos

meios de comunicação burgueses).

A comunitária estava comprometida em tratar de questões referentes a gênero, raça,

sexualidade, e isso era possível devido ao fato da rádio ser construída por inúmeras mãos, eram

muitos sujeitos contribuindo com aquele processo e materializando suas demandas, suas

inquietudes e contradições na programação da Mega. Eram abordadas questões referentes à saúde

e direito das mulheres com o Programa da Mulher organizado por estudantes e professoras da

Universidade Federal de Juiz de Fora; o programa Diversidade, organizado pelo Movimento Gay

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de Minas trazia questões referentes à diversidade sexual e de gênero. Além disso, a rádio

possibilitava a construção do elo necessário entre cultura, educação e comunidade, uma vez que

as escolas da região e o movimento estudantil tinham espaço reservado na programação da

comunitária.

Por saber que a história da escravidão no Brasil levou as negras e os negros a ocuparem os

espaços periféricos, reais e simbólicos, da sociedade a Mega FM tinha espaço privilegiado para

debater a questão das negras e negros na sociedade brasileira e no mundo, com os programas Voz

d’África e a Voz do Morro, além de viabilizar o espaço para valorizar a produção cultural das

negras e dos negros e o conhecimento das religiões de matizes africanas através dos programas

100% Funk, A Voz do Samba, Nas águas dos Orixás, por exemplo.

No entanto, foram os programas voltados para divulgar a cultura a hip-hop os que mais

despertaram interesse na juventude das comunidades adjacentes, em especial o Hip Hop Brasil,

apresentado por Adenilde Petrina Bispo, uma das principais referências no processo de

organização da comunitária e o Impacto do Rap, apresentado por Dundá e Carlinhos.

Esses programas tinham duração de aproximadamente duas horas, e durante este tempo

passavam mensagens de valorização e auto-estima para os jovens da comunidade através dos

raps selecionados. Com isso, a participação dos jovens era certa, tanto pelos telefonemas ao

longo do programa, quanto pelos jovens que enchiam os estúdios da rádio para socializar,

conversar e participar das atividades que aconteciam, em geral, oficinas de grafite, break.

(BARRA, 2010, p.60).

Os movimentos de juventude do bairro, que não havia nenhum, através da cultura hip

hop começou a se juntar. Nós convidávamos o pessoal de Brasília, que tinha o

pensamento parecido com o nosso, para dar cursos de grafite, de break, para iniciar os

jovens nos elementos da cultura hip hop. Eles vinham ficavam dois, três meses nas casas

da gente fazendo esse trabalho de pregação da cultura para a juventude que era

desinformada. Isso foi muito interessante, na rádio a gente tinha curso de desenho, de

grafite para as pessoas e vários outros cursos. Fora que a gente reunia para discutir, para

conversar, preparar programa, para falar o que a gente queria com a rádio. (BISPO, 2010

apud BARRA, p.63).

A partir do exposto é importante lembrar que não é nosso objetivo, neste trabalho,

aprofundar no debate sobre a origem e as manifestações do hip-hop no Brasil e no mundo, mas é

interessante pincelar algumas idéias sobre a cultura para situar os elementos que envolvem a

juventude da periferia e a identifica, tornando o hip-hop um movimento de rápida identificação

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tanto dos jovens da comunidade Santa Cândida, quanto da juventude de tantas outras periferias

do país e do mundo.

Uma das vias de explicação desta identificação dos jovens da comunidade Santa Cândida

(e de tantas outras periferias) com o hip-hop está no fato de a cultura se desenvolver no bairro do

Bronx, periferia de Nova Iorque, nos Estados Unidos, no final dos anos 1960 e início de 1970.

O Bronx era um bairro em que se concentrava uma parcela significativa da população

negra e de imigrantes, especialmente de latino-americanos. As ruas do Bronx e as demais ruas da

periferia dos Estados Unidos passaram a ser um dos únicos espaços de socialização da juventude

que vivia em condições precárias e subumanas.

Isso devido ao fato de naquela conjuntura, entre os anos 1960 e 1970, os Estados Unidos

vivenciar um período de contradições e abismos econômicos, de relevante mobilização política

expresso num movimento de resistência e luta da população negra por direitos civis e humanos.

Para situar esta conjuntura de contradições evidentes na sociedade norte-americana é

importante resgatar que com o advento do capitalismo - uma relação social que se modifica

historicamente pela ação da humanidade- tem-se uma transformação em todas as esferas sociais.

Esse sistema traz inovações jamais vivenciadas, e a principal característica que esse modelo

introduz nas relações sociais é a necessária divisão social em duas classes fundamentais: os

detentores dos meios de produção e os vendedores de força de trabalho.

A partir desta divisão, as sociedades passam a vivenciar experiências sem precedentes,

uma vez que o capitalismo altera as relações sociais, traz inovações tecnológicas no processo de

produção e a riqueza socialmente produzida passa a ser apropriada por aqueles que detém a

propriedade privada dos meios de produção. Assim, como aponta Netto (2001), ao contrário das

sociedades anteriores, a riqueza cresce em proporção direta ao crescimento da pobreza (material e

espiritual da humanidade).

É nesse contexto, portanto, que faz sentido falar em questão social. Um conceito que

surge atrelado a este processo de exploração capitalista e que comporta uma dimensão tanto

objetiva - expressa, por exemplo, na pobreza, no desemprego, na exploração do trabalho - quanto

subjetiva, e é esta dimensão, essencialmente política, que dá sentido ao conceito de questão

social, pois ela se refere ao processo de tomada de consciência desses trabalhadores explorados

que passam a lutar pelos seus direitos - por melhores condições de trabalho, de moradia, e mais

adiante, pelo próprio fim deste sistema.

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No período em que nos referimos o capitalismo já se encontrava em sua fase amadurecida

e as expressões da questão social estavam mais complexas, portanto mais complexas as formas de

exploração, opressão e resistência. O racismo, na sociedade norte-americana (e não apenas lá) era

uma expressão da questão social, um elemento estrutural que molda sua dinâmica de exploração e

acumulação, deixando os negros e negras em situações de extrema carência de elementos

fundamentais de sobrevivência, ocupando os espaços periféricos das cidades, quando não

desempregados estão nos piores postos de trabalho, com serviços de educação e saúde

diferenciados (leia-se precarizados).

A juventude, neste contexto, não muito diferente do que temos demonstrado neste estudo,

apresentava-se, para as vistas do Estado e das instituições burguesas, como um problema social,

parecia estar destinada a engrossar as fileiras do desemprego, das gangues que disputavam

territórios e dos crimes de rua, mas como as relações sociais capitalistas se movimentam pela

contradição é justamente neste conflito que se forja a cultura hip-hop,um movimento de

resistência às condições precárias e subumanas em que a juventude negra estava submetida na

sociabilidade burguesa.

A cultura hip-hop se desenvolve através das influências dos sujeitos que constituíam

aquele espaço. Sendo assim, por influência dos imigrantes jamaicanos que ocupavam as ruas das

periferias da ilha com Sound System7, uma estrutura de parelhos de som que serviam para animar

as festas de ruas, as ruas das periferias continuaram sendo o principal espaço de socialização e

ocupação do tempo livre da juventude trabalhadora, no entanto, os jovens encontraram uma nova

forma de ocupar aquele território, deixando a disputa entre gangues em segundo plano para

expressar de uma nova forma, criativa, inteligente e autêntica, as contradições que vivenciavam.

Assim, passaram a denunciar através do RAP, da música falada, da poesia cantada, o

cotidiano daquela juventude, as opressões, a violência, o descaso, enfim, as letras dos raps

passaram a traduzir o universo complexo e contraditório que constitui a vivência da\o jovem

trabalhador\a.

Além do RAP, sigla que em português se traduz em ritmo e poesia, o hip-hop se constitui

ainda em outros três elementos essenciais, no break, a dança de passos fortes e ágeis, que em

geral acompanha as batidas das músicas que farão a base para o rap. Os responsáveis por esta

7

LAHNI, 2005.

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trilha sonora de resistência das periferias urbanas são os Dj’s e nas comunidades e nas ruas em

que os\as jovens se manifestavam através da dança, da música e da poesia, os muros passaram a

ser coloridos por símbolos muito particulares, assim, o hip-hop também se expressa em uma

maneira particular das artes plásticas, no grafite.

O hip-hop é uma cultura que deve ser entendida em sua totalidade. Ela se manifesta em

um tempo histórico determinado, numa conjuntura social, política e econômica específicas, em

que os jovens experimentando estas determinadas condições de vida começam a pensar, criticar e

expressar as relações sociais em que estão inseridos.

Deste modo, falar sobre a cultura hip-hop só é possível se atrelada a um determinado

contexto histórico, com uma origem político, econômica e social determinadas, pois esta cultura

retrata as demandas e a forma de vida de uma parcela específica da sociedade, as negras e os

negros, jovens trabalhadores, moradores das periferias urbanas capitalistas, e como o modo de

produção capitalista tende a manter parecidas, em sua essência, as condições de exploração

das\os trabalhadores não é por acaso que o hip-hop se difunde profunda e rapidamente entre as

diversas periferias pelo mundo, dando sentido a vida de uma parcela significativa de jovens.

O hip-hop se desenvolve, portanto, nos Estados Unidos, nos anos 1960 e 1970 numa

conjuntura complexa, como vimos no capítulo anterior, num momento de efervescência dos

movimentos juvenis e estudantil, uma vez que as contradições do sistema capitalista estavam

latentes. Era um momento de disputa ideológica entre o capital e o socialismo, hegemonizados

por EUA e Rússia, um enfrentamento que se convencionou chamar de Guerra Fria, pela ausência

de um confronto bélico entre as duas nações, mas que nas entrelinhas se manifestou em conflitos

irreparáveis como a Guerra do Vietnã, por exemplo.

Nos países da América Latina os elementos desta geopolítica se expressaram numa onda

de ditaduras, essencialmente como uma tática da burguesia alinhada ao imperialismo de modo a

garantir a inserção dos países latino-americanos às exigências do capital monopolista. Talvez por

este contexto as possibilidades concretas para o desenvolvimento da cultura hip-hop tenham

começado a expressar-se no país, no momento de redemocratização, nos anos 1980.

Sabe-se que as primeiras experiências da cultura hip-hop no Brasil começaram nas ruas de

São Paulo, especialmente na rua 24 de maio8, que se tornara o ponto de referência para os sujeitos

interessados pela cultura, aquele era o local que se encontravam para fazer as disputas de dança,

8

LAHNI, 2005.

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compartilhar as rimas, as músicas e toda a poesia e a arte da periferia paulistana. Não demora

muito e estas experiências começam a se espalhar por todo o país.

Segundo os documentos que tivemos acesso para esta pesquisa, a movimentação em torno

da cultura hip- hop em Juiz de Fora se iniciou no ano de 1983, através de um grupo de jovens que

fazia disputas de dança nas ruas da cidade e do bairro Santa Cândida. Logo passam a se organizar

no Break Machine, o primeiro grupo de break de Juiz de Fora, que tinha como referência o Popó

um dos integrantes do grupo que foi responsável por impulsionar o aparecimento de outros

breakers pela cidade.

Com a consolidação dos grupos de break e dos interessados pela cultura hip-hop, surge a

demanda por encontrar um lugar específico em que pudessem ensaiar e aprimorar os elementos

da cultura. Conseguiram um espaço no centro Cultural Bernardo Mascarenhas e ampliaram o

diálogo para algumas escolas públicas do município.

A partir desta mobilização surge a primeira posse hip-hop de Juiz de Fora, cujas principais

referências foram PMC e Líder Boy. Com o fortalecimento das atividades da posse começaram a

multiplicar as rodas de break em diversos clubes da cidade reunindo vários dançarinos e amantes

da cultura. Logo estes sujeitos se organizaram e levaram as rodas de break para o centro da

cidade, passando a ocupar, periodicamente, o calçadão da rua Halfeld, tornando aquele local um

ponto de encontro e divulgação da cultura hip-hop em Juiz de Fora. No entanto, com a mudança

de PMC e Líder Boy para São Paulo a movimentação em torno da cultura hip-hop na cidade

começou a desmobilizar, até a nação em Juiz de Fora desaparecer.

Este novo ânimo com a cultura hip-hop na cidade é retomado com a contribuição da Mega

FM propagandeando os raps, principalmente nacionais, nos programas que já citamos acima. Se

dizemos que a Mega estava propagandeando os raps nacionais entendemos que a comunitária

estava compartilhando as condições em que os sujeitos, essencialmente jovens, vivenciavam nas

periferias do país, expressando a exploração e a resistência inerentes àquela juventude

trabalhadora e, portanto, contribuindo para a identificação das\os jovens do Santa Cândida e

demais comunidades de Juiz de Fora que estavam submetidos às mesmas contradições, à

violência, ao desemprego, à pobreza, ao racismo, à discriminação, por exemplo.

Desta forma, ressaltamos que elo que se constroi entre as comunitárias e o hip-hop no

Brasil, na década de 1990, é muito forte, uma comunhão de idéias, princípios, valores que estão

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sempre na direção de dar voz aos sujeitos oprimidos, marginalizados e que não encontram espaço

nas mídias burguesas para expressarem sua verdadeira essência, a resistência.

Sendo assim, a identificação com os programas de hip-hop da Mega FM foi tamanha entre

a juventude da comunidade que no dia 25 de abril do ano de 1999 tem-se início as atividades da

Posse Visionário Antônio Conselheiro.

No programa Hip-Hop Brasil, do dia 25 de maio do ano de 1999, Adenilde explica que

uma Posse é “a reunião de um grupo de pessoas que gostam da cultura hip-hop. Reúnem-se

grafiteiros, breakers, poetas, dj’s, rappers e pessoas em busca de informação e cultura. Nas posses

se estudam a cultura do povo negro, estuda-se política, religião, música, etc”.

Em seu manifesto, a Posse Visionário Antonio Conselheiro reafirma seus objetivos,

princípios e valores. Comprometendo-se com o fortalecimento da luta do povo brasileiro, dos

valores da comunidade, com a arte e a liberdade. O vínculo principal entre aqueles que constroem

a posse é a arte e o compromisso com a cultura hip-hop e seus elementos, o rap, o break e o

grafite. Definem-se como uma organização sem fins lucrativos, sem direcionamentos partidários

e sem ideologias, mas comprometidos com a luta dos trabalhadores, da comunidade e contra

todos os tipos de preconceito e opressão. “Não compramos ideologias, sejam elas quais forem,

pois sabemos que a única verdade que nos cabe é a de que somos livres e queremos continuar

sendo livres. Pela Arte, pela Música e pela Paz.”

Eram muitos os jovens envolvidos nestas atividades e em permanente diálogo com posses

de outras cidades e estados. Como a cultura hip-hop nasce nas ruas, esta juventude estava

animada em apresentar e compartilhar suas formas de expressão ocupando as ruas de Juiz de

Fora. Começam então a organizar diversas reuniões em diálogo com posse do Rio de Janeiro, São

Paulo, Belo Horizonte e Brasília, principalmente, e deste diálogo decidem construir o Hip-Hop

Attack.

O Hip-Hop Attack, organizado pela Mega FM e Posse Visionário Antônio Conselheiro, foi

um evento realizado em 9 de outubro de 1999, no Parque Halfeld, no centro de Juiz de Fora e

contou com diversas expressões artísticas durante todo o dia. Foram apresentações musicais de

artistas da periferia da cidade e municípios vizinhos, além de artistas de São Paulo, Rio de

Janeiro, Belo Horizonte e Bélgica.

A partir da organização deste evento e do envolvimento dos jovens com a cultura hip-hop

construíram-se as possibilidades de questionamento da imagem que se faz da juventude

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trabalhadora, que se difunde nas mídias burguesas e moldam o senso comum e o imaginário

popular, reforçando a tendência a identificar juventude com violência, descompromissada,

alienada. Na verdade, pelos documentos que tivemos acesso, este evento demonstrou a disciplina

e o comprometimento daqueles jovens, que se reuniam para construir coletivamente o caráter do

evento, mobilizando-se para conseguir apoios e patrocínios para trazer os artistas de outras

localidades, enfim, disciplina, comprometimento, criatividade eram alguns dos elementos que

prevaleciam entre aqueles sujeitos.

No entanto, cerca de um ano após a construção da Posse Visionário Antônio Conselheiro,

por divergências ideológicas, os integrantes da Mega FM se desligam desta organização e passam

a construir a Posse Zumbi dos Palmares (PZP). A atual posse contava com uma estrutura

organizativa que não prezava pela hierarquia, ao contrário, todos os participantes tinham tarefas

específicas e eram responsáveis pelo funcionamento do movimento.

Os integrantes da PZP tinham como horizonte incidir em diversas escolas públicas da

região promovendo debates e seminários sobre a cultura hip-hop, além de organizar eventos e

campanhas referentes a cultura e educação como campanha de doação de livros de história,

poesia e filosofia, além de promover atividades contra o analfabetismo utilizando-se dos espaços

nas escolas de bairros da periferia de Juiz de Fora, por exemplo.

Com a clareza de seus objetivos, comprometimento, disciplina e dedicação os integrantes

da Posse Zumbi dos Palmares foram construindo um caminho de muitas conquistas para os

sujeitos empenhados em compartilhar a cultura das periferias. A PZP passou a se encontrar

diariamente na sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFJF, localizada no centro da

cidade. Estes encontros ocupavam o tempo livre daqueles jovens interessados em aprender e

compartilhar os elementos da cultura hip-hop e durante os sete dias da semana eram oferecidas

oficinas de rap, break, grafite e dj.

A ocupação da sede do DCE se mostra uma experiência extremamente relevante, pois

demonstra a necessidade de um espaço físico de encontro dos estudantes além dos muros da

universidade, um espaço que possibilita a efetivação do movimento estudantil enquanto

movimento social ao dialogar com a cultura das periferias e tornar aquele ambiente um espaço de

socialização, de construção de valores e fortalecimento da auto-estima de sujeitos

sistematicamente estigmatizados.

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Ainda que mantivessem as divergências com a Posse Antônio Conselheiro a PZP e a rádio

Mega decidem organizar, em 2000, o Hip-Hop Contra Attack, nos mesmos moldes do evento

anterior, envolvendo diversos parceiros. Para esta segunda edição os organizadores deixam claro

que seus objetivos com o evento são acima de tudo fomentar o compromisso com a educação,

pesquisa e informação. Assim, pretendem “organizar e conscientizar os jovens da periferia para

que se tornem cidadãos e se afastem das drogas; dar dignidade aos jovens e moradores da

periferia através da manifestação artística além de divulgar a arte e a produção cultural das

comunidades.”

Foram muitas as atividades construídas por aquela juventude que, através da cultura hip-

hop, passou a ter algo significativo com que envolver-se, sentiam-se valorizados ao construir,

oferecer, compartilhar essa diversidade de atividades nas comunidades de Juiz de Fora.

Com este compromisso de construir uma nova sociedade, que se inicia através da luta pela

democratização dos meios de comunicação, os integrantes da MEGA e PZP juntamente com

outros movimentos sociais e estudantis da cidade, como o grêmio estudantil da Escola Estadual

Cândido Motta Filho, Renovação Negra, Feafro (Federação de Entidades Afrodescendentes),

Escola de Cidadania (UFJF), Batuque Afro-brasileiro Nelson Silva, decidem construir, em 2003,

o Agosto Negro.

O evento contou com diversas palestras e debates realizados em escolas públicas de

bairros de periferia da cidade e tinha como principal objetivo apresentar os princípios da cultura

hip-hop e sensibilizar as\os jovens estudantes para a situação da população negra na sociedade.

Os espaços do evento tinham, sobretudo, a finalidade de promover a valorização da juventude e

da população negra dos morros de Juiz de Fora.

E foi em meio à onda de mobilização da juventude e das comunidades de Juiz de Fora, no

mesmo período da enriquecedora programação do Agosto Negro que fiscais da Anatel, em 14 de

agosto de 2003, lacram o transmissor da comunitária, emitem um auto de infração e um termo de

interrupção de serviço. (LAHNI, 2005, p.147).

A comunitária seguia sem concessão não por escolha de seus integrantes, pois desde o

início das atividades da Mega todos os pedidos que foram enviados ao Ministério das

Comunicações foram negados. É preciso destacar que estas negativas por parte do Estado e das

classes dominantes materializam o processo da luta de classes que se desdobra na esfera cultural.

A Mega sempre divulgou em seus programas os direitos e deveres de todo o cidadão,

incentivou os moradores a atuarem mais na vida da região e da cidade. Ativou as

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bandeiras de lutas dos movimentos sociais e um canal de reivindicações dos cidadãos.

Mesmo assim, foram derrotados na batalha por uma concessão de funcionamento junto

ao Ministério das Comunicações. O processo que começou em 1998 foi encerrado em

2002 com a resposta negativa do Governo, que garantiu concessão para a Life, uma

rádio evangélica na mesma região da Mega. (...). (BISPO, 2010 apud. BARRA, 2010).

Adenilde destaca no trecho acima a importância da Mega para a vida e organização da

população do Santa Cândida, e demais bairros da Zona Leste e outros de Juiz de Fora. Esclarecer

a população sobre seus direitos, contribuir para que tenha uma visão crítica da realidade e

possibilitar que enxergue que a saída para superar as condições precárias de vida se dá através da

organização estava indo longe demais para uma rádio comunitária.

Neste ponto se materializam as contradições da formação social e cultural do país, que se

engendram pelo distanciamento dos intelectuais com as lutas do povo, que acarreta sobretudo, na

ausência de uma perspectiva nacional-popular. Em um país em que os sujeitos que se mantêm no

poder lutam insistentemente para alienar a classe trabalhadora da sua condição de classe, de

sujeitos providos de força social para construir uma nova sociabilidade era inaceitável que se

mantivesse a possibilidade de seguir com a rádio, com a comunitária de verdade (slogan da

rádio: “Mega FM a comunitária de verdade – o povo dá um show no ar”).

Nesse sentido, as classes dominantes e seus aparelhos repressivos e ideológicos,

reproduzindo os caminhos da cultura política do país, baseada no patrimonialismo, no

coronelismo, justificam a negativa do pedido de concessão para a Mega FM alegando que na

mesma região já existia uma rádio “comunitária”, a Life. Uma rádio evangélica, cujo dono era

um pastor e vereador da cidade pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Eu acho que a Mega não conseguiu a concessão porque ela não tinha padrinho político.

A gente acreditava que a justeza da nossa causa era o suficiente para a gente ganhar essa

concessão. E quem ganhou no nosso lugar, na nossa região foi à rádio Life que pertence

ao pastor Messias Mariano, que na época, 2001 e 2002, era vereador do PSDB.(...).

Então aquilo que a gente sempre lutava, que era a reforma agrária na terra e no ar, a

gente não conseguiu. (BISPO, 2010 apud BARRA, p.64).

A pontencialidade da Mega era tamanha que a arbitrariedade dos sujeitos que detém o

poder foi desmedida. Além de interromper a transmissão, lacrar o transmissor, não conceder o

direito de manter suas atividades, pois haveria outra rádio na mesma região, os coordenadores,

irmãos de sangue e de luta, Adenilde e Nonô foram condenados e tiveram que prestar depoimento

na Polícia Federal. Com isso, se reforça a lógica da criminalização das lutas e das conquistas da

classe trabalhadora no Brasil.

(...) Depois que a rádio comunitária virou um direito de democratizar a comunicação,

democratizar o país através da informação, a perseguição ficou muito grande. A gente

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sentiu isso na hora do interrogatório, para eles lá eles não fazem distinção entre quem é

você. Todo mundo é bandido até que se prove o contrário. Nós fomos condenados a

pagar cestas básicas ou trabalho comunitário. Além disso, teve uma multa de mais de

dois mil reais. A gente não tinha como pagar essa multa porque a rádio nunca teve

dinheiro. (BISPO, 2010 apud. BARRA, 2010).

O dinheiro que mantinha o funcionamento da comunitária sempre vinha de doações, a

rádio funcionava em um cômodo cedido na cada dos irmãos Nonô e Adenilde, neste cômodo

tinham um sofá doado pela mãe dos dois, mesas, cadeiras, aparelhos de som, doados. Houve a

iniciativa de cada integrante da MEGA se comprometer com uma contribuição individual mensal,

mas as condições de vida de cada um\uma não permitia que a arrecadação ultrapasse quarenta

reais mensais, pelo menos arcava com a conta do telefone, que girava em trono de trinta reais por

mês. Para comprar os equipamentos básicos para colocar a voz do povo no ar, Nonô vendeu seu

carro, que segundo ele, um carro poderia proporcionar uma satisfação instantânea a pelo menos

cinco pessoas, mas a influência que a MEGA proporcionaria na vida dos moradores do Santa

Cândida era incalculável. (LAHNI, 2005).

Depois de muitos protestos, choros, rezas e um amplo debate sobre democratização e a

necessidade de municipalização a comunitária retoma suas atividades, sem violar o lacre da

Anatel, os integrantes conseguem outro transmissor9 e passam a reorganizar os horários da rádio

que passou a funcionar de 19h às 23h nos dias de semana e de 8h às 23h nos finais de semana.

(LAHNI, 2005).

Nesta retomada das atividades da comunitária permanece ainda mais aflorada a

mobilização da juventude. Isso se manifesta quando o Eré, integrante da MEGA e da PZP,

idealiza, em 2004, o projeto denominado Juiz de Fora nos Trilhos da Paz10

. Este projeto tinha

como principal objetivo contribuir para que a juventude das periferias de Juiz de Fora tivesse

outras alternativas além das drogas e da violência, buscando demonstrar como as variadas formas

de expressão cultural populares (hip-hop, capoeira, por exemplo) poderiam apresentar-se como

possibilidades de ocupação do tempo livre da juventude. Seriam oferecidas oficinas sobre os

elementos da cultura hip-hop e de demais expressões culturais para alunos de escolas públicas e

9

A Mega recebeu uma contribuição da Prefeitura de Juiz de Fora por um período para veicular alguns

informativos, com o dinheiro desta contribuição conseguiram comprar outro transmissor para a

comunitária seguir com a voz do povo no ar. (LAHNI, 2005).

10 LAHNI, 2005.

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bairros de periferia. O projeto foi assumido pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e passou a

receber financiamento da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal.

Em preparação ao início do projeto junto às escolas, ocorreram reuniões, seminário e

palestras, organizadas pela PJF e dirigidas às pessoas (rappers, capoeiristas e outros) que

iam ministrar cursos aos jovens. Paralelo a isso, entre julho e setembro, estavam sendo

resolvidas questões burocráticas, para que fosse firmado convênio entre a Prefeitura e os

grupos envolvidos, a fim de ser realizado pagamento de oficineiros. Da Rádio e PZP,

Eré, Prscila (mãe solteira de um filho nascido em maio de 2004) e Aici foram os que

participaram diretamente do projeto. (...). (LAHNI, 2005, p. 150-151).

Neste mesmo ano, Marileia Venâncio Porfírio, docente da UFRJ, na condição de

secretária especial de Direitos Humanos esteve na cidade como responsável oficial do Governo

Federal para acompanhar o andamento do projeto. Na ocasião, Marileia concede uma entrevista à

comunitária e sua passagem pela Mega gera um momento de muita comoção11

.

Mariléia estudou na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora,

foi militante no movimento estudantil, secretária do DCE da UFJF, atuou ainda na Juventude

Universitária Católica (JUC) e na Ação Popular (AP). Formou-se em 1969 e se mudou para a

capital mineira para trabalhar.Em Belo Horizonte continua sua militância e passa a contribuir em

diversos movimentos operários através da AP. No entanto, em 1971 quando se preparava para

mudar para São Paulo foi presa, levada para o DOPS de BH e torturada. Após sua passagem pelo

DOPS, em BH, onde teve sua humanidade dilacerada, Marileia foi trazida para Juiz de Fora e

cumpriu prisão domiciliar por um ano na casa dos pais12

. Nesse mesmo período, Adenilde era

militante da Juventude Operária Católica (JOC) e atuava em um grupo que fazia visitas e prestava

auxílio aos presos políticos na ditadura militar. A comoção na comunitária se deu quando aquelas

duas mulheres recordaram que haviam se conhecido na prisão. (LAHNI, 2005).

A história do Brasil tem sido escrita através de tentativas desumanas, cruéis, violentas no

intuito de silenciar a rebeldia e a força do povo brasileiro. As lutadoras e os lutadores do povo na

luta por soberania, justiça, igualdade, pelo fim da exploração, dos privilégios e da apropriação

privada da riqueza socialmente produzida seguem por caminhos que, em algum momento, vão se

encontrar, e no momento deste encontro não é fácil conter a emoção, pois quem se dedica a

11

LAHNI, 2005

12 Informações retiradas do site da UFJF quando de uma entrevista da professora no debate da Comissão

Municipal da Verdade, realizado em 2014, na Faculdade de Comunicação Social da referida instituição.

Disponível em <http:www.ufjf.br\comissaodaverdade\2014\08\01\marileia-venancio-porfirio> Acesso em

12 de maio de 2017.

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construir uma nova sociedade reconhece no outro o sacrifício desta missão e as lágrimas, sorrisos

e abraços são expressão genuína e quase natural daquelas\es que se reconhecem companheiras\os.

O companheirismo, a solidariedade (de classe), a coerência eram alguns dos valores que

estavam presentes naqueles jovens dispostos a construir a cultura hip-hop. Isso se expressa nesta

iniciativa de conceber projetos que possibilitassem outros jovens, que vivenciavam as mesmas

condições de classe, trilhar rumos diferentes daqueles postos pelo sistema capitalista, sejam eles,

a violência, o desemprego, enfim, caminhos que afastam a juventude da escola, da cultura, do

lazer, do trabalho, da construção de uma vida digna.

A partir da experiência da Mega e das atividades que foram surgindo através dela

conseguimos afirmar que o enfrentamento ao projeto hegemônico do capital é possível e

extremamente necessário. A juventude que está sendo formada pela indústria cultural, está

atravessada pelos valores do individualismo, tendendo a enxergar a realidade fragmentada, mas

experiências como esta só reforçam nossa convicção de que é possível construir uma nova

sociabilidade.

No entanto, para que esta ideia se efetive, acreditamos que deve caber aos sujeitos

coletivos da classe trabalhadora, partidos, movimentos sociais atentar para as demandas do

universo juvenil, incorporar suas particularidades, complexidades e contradições para a luta da

classe trabalhadora. Isso implica combinar a luta política com a luta econômica, dando respostas

aos dilemas relacionados ao tripé cultura-trabalho-educação.

A Mega foi um instrumento importante nesta direção, conseguindo ser um caminho

alternativo da juventude da periferia. Por esta razão, e por demonstrar aos trabalhadores que

através da organização conseguiriam garantir e ampliar os direitos, em 2004, a Mega fez um novo

pedido de concessão que foi negado devido à existência da Life na mesma região. E, em 2005,

este transmissor é definitivamente apreendido por uma ação conjunta da Anatel e Polícia Federal.

Com o fechamento da Mega, em 2005, parecia encerrar também a possibilidade de sonhar

e construir um futuro para a juventude e toda a população do Santa Cândida, da Zona Leste e dos

demais morros envolvidos pelas ondas da comunitária, pela cultura hip-hop, pelo conhecimento

dos direitos, pela cidadania, pelo sentimento de pertencimento a quem historicamente se via

como excluído.

(...) A visão que o centro tem da periferia é uma visão muito negativa. A rádio mostrava

que na periferia não tinha só gente ruim. Tinha coisas ótimas, que os moradores eram

capazes de fazer programas inteligentes. A rádio era um elemento de autoestima para o

bairro. Acabou isso. Igual o Marcelinho falou: antes eu era o Marcelinho da Mega, hoje

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eu não sou ninguém. Esse é o sentimento que muita gente tem. (...) (BISPO, 2010 apud

BARRA, p.63).

Este é o sentimento que a burguesia quer nos incutir, quer que a classe trabalhadora

acredite ser impotente, incapaz de produzir cultura, política, incapaz de construir uma nova

sociedade. E é justamente a partir desta condição que a pós-modernidade se fortalece, pois vale

lembrar que ela ganha forma ao questionar e negar os rumos da história até o momento da crise

estrutural do capitalismo. Se por um lado, de acordo com a pós-modernidade, o capital havia

demonstrado que não seria capaz de manter um projeto sólido para a sociedade, por outro lado, os

trabalhadores também pareciam ter fracassado com o fim do chamado “socialismo real”. Com

isso, a ideologia pós-moderna passa a negar a teoria marxiana e marxista ao afirmar que o mundo

pós-1970 se complexificara a tal ponto que precisaria de novas teorias para interpretá-lo,

consequentemente nega a perspectiva revolucionária e o sujeito revolucionário, nega a

capacidade da classe trabalhadora de construir um projeto que supere sua condição de

exploração, de construir uma nova sociedade.

Esta lógica se adéqua perfeitamente à cultura política conservadora do Brasil, um país que

se desenvolve sob episódios sistemáticos de revolução passiva, de tentativas de silenciamento da

resistência do povo brasileiro. Sendo assim, o fechamento da Mega se expressa enquanto um

traço característico de nossa formação social e uma herança evidente da ditadura militar que

contribuiu, inclusive, para manutenção do monopólio dos meios de comunicação.

Nesse sentido, reforçamos que o silenciamento da comunitária se expressa como um traço

da ruptura entre intelectuais, artistas e povo. Além disso, apresenta-se enquanto reafirmação da

cultura elitizada, desvinculada do povo e de suas causas, da cultura alienada. Sobre isso, Adenilde

é enfática ao afirmar que “(...) pessoalmente acho que o Brasil não é uma democracia. Porque

numa democracia fala todo mundo, aqui só fala uma classe social, só as ideias de interesse de

uma classe social são veiculadas na imprensa. (...) “(BISPO, 2010 apud BARRA, p.67).

Como sabemos, na luta de classes todas as armas são válidas, e uma das mais valiosas tem

sido os meios de comunicação que tem demonstrado a capacidade de educar e organizar a classe.

No caso das mídias burguesas contribuem para alienar a classe trabalhadora, transformando a arte

e a cultura em mercadorias, a partir disso, vendem um estereotipo e um estilo de vida aos jovens

trabalhadores que não podem consumir, tornando-os competitivos e individualistas. Os meios de

comunicação burgueses, enquanto aparelhos privados de hegemonia estão em permanente disputa

da consciência da juventude, e a base de sua disputa se manifesta através do consumo.

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Seguindo esta lógica o capital não mede esforços para se apropriar das formas de

resistência da classe trabalhadora, numa tentativa insistente, algumas vezes exitosa, de

transformar em mercadoria nossas expressões culturais, nossa arte, nossas bandeiras de luta, o

hip-hop e as expressões da periferia não estão imunes a esta lógica.

A partir do exposto nos são suscitadas algumas questões. A trajetória da Mega demonstra

a importância dos meios de comunicação na luta de classes, a comunitária foi extremamente

relevante para o processo de construção de consciência das\os trabalhadores do Santa Cândida,

contribuindo para uma leitura crítica da realidade e mostrando que o caminho para a superação

das contradições, da exploração e da opressão vivenciadas por elas\es se daria através da

organização. Assim seguiu a rádio mobilizando um número significativo de trabalhadores na luta

pela democratização dos meios de comunicação, por melhorias para o bairro, para a cidade,

interessados pela política nacional e internacional.

A comunitária mobilizou, sobretudo, a juventude, através da cultura mostrou para

aquelas\es jovens que era possível sonhar e construir um futuro diferente do que está posto pelo

capitalismo. Ainda que não pudesse se apresentar como alternativa concreta de geração de renda

para aqueles jovens - uma vez que o (des)emprego tem sido o elemento central na vida das\os

jovens trabalhadores-, ela se tornou espaço privilegiado de ocupação do tempo livre da juventude

do Santa Cândida, capaz de ampliar a formação pessoal e intelectual daqueles sujeitos, abrindo as

possibilidades de ocupação, perspectivas, conhecimento, valores, oportunidades.

Resta, portanto, aos sujeitos coletivos da classe trabalhadora o desafio de recuperar a

cultura e memória do povo brasileiro, se apropriar e readequar à conjuntura experiências como a

da comunitária. Cabe-nos ocupar, democratizar os meios de comunicação e encontrar maneiras,

tão eficientes quanto a da Mega para dialogar com a classe trabalhadora. É urgente nos

qualificarmos para a batalha das idéias. É ainda mais urgente dialogar com a juventude, inseri-la

nos debates constituintes da classe trabalhadora e vinculá-la à construção de um projeto político

para o país, nacional e popular. A consciência da juventude está em permanente disputa e a

cultura é a esfera privilegiada para consolidar esta luta.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento em que propomos apresentar nossas considerações finais, cabe antecipar

que as reflexões problematizadas neste estudo não se esgotam nesta dissertação. Ao contrário,

todo este percurso nos possibilita afirmar que este trabalho foi uma aproximação com a temática

da cultura em interface com juventude e este caminho, permeado por inúmeros desafios, pessoais

e acadêmicos, nos deixa o interesse em perseguir esta problemática em trabalhos futuros,

seguindo nesta incessante e apaixonante busca de compreender as particularidades da realidade

brasileira e da dimensão da cultura para contribuir na direção da construção de um projeto

nacional e popular para o país.

Desta forma, foi possível compreender, na construção deste estudo, que as vias para a

modernização podem se concretizar de formas distintas e com isso vão desenhando uma maneira

particular das relações sociais. A revolução passiva, materializando uma via não clássica de

modernização apresenta-se como uma categoria essencial para pensar a realidade brasileira, pois

a partir dela conseguimos desvelar muitos componentes importantes para pensar a formação

social e cultural do país.

Disso ressalta-se a fragilidade das classes sociais em disputar projetos societários efetivos,

em especial a fragilidade de uma perspectiva nacional-popular, fazendo com que a luta política

tende a centralizar-se na figura do Estado que se apresenta como o grande agente de mudanças,

enquanto contribui para a passividade da sociedade civil. O elemento do transformismo, que

marca nossa cultura política, cristaliza esse jogo político, pois ele se manifesta como um dos

principais meios que as classes dominantes têm de fazer com que as mobilizações das classes

populares, os grupos que se destacaram no processo de subversivismo esporádico saiam sem (ou

com pouco) acúmulo político.

Diante disso, este estudo nos permite compreender ainda que, as transformações no

mundo do trabalho, a partir da reestruturação produtiva do capital, trazem novos desafios para a

organização da classe trabalhadora. Com o neoliberalismo enquanto projeto hegemônico

encontrado pelo capital para superar esta crise, percebe-se de forma latente o acirramento das

contradições entre capital e trabalho, radicalizando as desigualdades sociais. Estes sintomas

foram sentidos no Brasil na década de 1990 e de forma mais aguda pela juventude trabalhadora

do país.

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Neste ponto, o trabalho foi a categoria central para guiar nossas análises sobre as

juventudes, pois é ele quem irá definir a condição de classe destes sujeitos. Sendo assim, desde o

resgate histórico que fizemos sobre a construção da categoria juventude percebemos que se

tratava de um universo complexo, dinâmico, histórico e que deveria ser entendido pelo seu

recorte de classe.

Historicamente as juventudes se desenvolvem de formas distintas pela condição de classe

que as perpassa. Nesse sentido, quando apontamos que o trabalho, ou a forma que assume na

sociedade capitalista – emprego-, definia uma identidade nacional a juventude brasileira,

estávamos nos referindo a uma parcela específica de jovens, pois o desemprego estrutural é a

realidade de uma parcela determinada de jovens, a educação, como um espaço potencializador da

emancipação e construção da autonomia dos sujeitos também se restringe a uma parcela

específica da juventude. As jovens e os jovens trabalhadores como vimos, vivenciam um

processo de inserção precoce no mundo da produção, ocupando postos mais precários de

trabalho, sem garantias de direitos, e para dar conta desta jornada, tendem a abandonar o ensino

formal.

Como desdobramento deste processo de adultização precoce (FRIGOTTO, 2004), a

juventude trabalhadora no Brasil vivencia um grau elevado de frustração, como aponta Brenner,

Dayrell e Carrano (2005). As condições objetivas em que se inserem estes jovens, as distanciam

da realização de seus maiores desejos, em geral, relacionados à ações culturais. O incentivo a

produção cultural e as atividades relacionadas a dimensão das expressões culturais, atividades

que contribuem para o desenvolvimento intelectual e artístico, para a ampliação do entendimento

crítico da realidade que os cerca, na construção de valores, de identidade, de autonomia também

parecem estar restritas a uma parcela específica da juventude.

Nesse sentido destacamos a potencialidade da Mega FM na organização da juventude da

comunidade Santa Cândida. A maior parte das atividades da comunitária eram realizadas pelos

jovens da comunidade, por aqueles sujeitos, portanto, que estariam inseridos precocemente na

esfera produtiva, ou, por não encontrar lugar no mundo do trabalho, estariam envolvidos em

atividades ilícitas. Este envolvimento dos jovens nas atividades da rádio reafirma nosso

entendimento de que através da dimensão cultural se consolidam as possibilidades concretas de

resistência e de construção da contra-hegemonia.

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A cultura, como buscamos demonstrar, se engendra nas relações sociais concretas. Sendo

assim, consideramos que a luta de classes se concretiza também na batalha das ideias, na disputa

ideológica. A comunitária, nesse sentido, apresentou-se como espaço capaz de congregar sujeitos

interessados na construção de novas formas de comunicação social, comprometidos em extinguir

o monopólio dos meios de comunicação e democratizar o acesso e a produção de informações.

Neste processo, a rádio possibilita que os sujeitos daquela comunidade tenham conhecimento

sobre seus direitos, sobre a conjuntura política de sua cidade, do país e de conflitos gerados pelo

capital em outros lugares do mundo. Com isso, aqueles sujeitos conseguem ampliar sua visão da

realidade, passam a questionar as condições precárias que vivenciam naquela comunidade e

conseguem compreender a importância da organização para conquistar seus diretos. Entretanto, a

formação social brasileira, marcada por episódios revolução passiva, desenha uma forma

particular das relações sociais, em que as classes dominantes, através do aparelho estatal, buscam

formas de silenciar e desmobilizar as lutas e a organização popular, numa tentativa incessante de

alienar a classe trabalhadora. Sendo assim, todos os pedidos de concessão que foram negados à

comunitária cristalizam nossa hipótese de que a dimensão da cultura é a esfera privilegiada da

luta de classes, a luta de classes se desdobra na batalha das ideias.

O desenvolvimento deste estudo nos possibilitou enxergar que o capitalismo se organiza

fundamentado pela busca incessante por acumulação, pela apropriação privada da riqueza

socialmente produzida. Para isso, percebe que na esfera da reprodução das relações sociais estão

postas as possibilidades de concretizar a sua essência, disputando o processo de formação da

consciência da classe trabalhadora, ou melhor, aprofundando o processo de alienação dos

trabalhadores, em especial da juventude.

Sendo assim, se o neoliberalismo foi o projeto encontrado pelo capital para superar a crise

estrutural que se materializou na década de 1970, a pós-modernidade foi a lógica cultural de

sustentação deste projeto. A pós-modernidade contribui neste processo de alienação da classe

trabalhadora no sentido de encobrir as contradições que constituem o sistema capitalista. Isso

devido ao fato de a pós-modernidade negar a visão de totalidade da realidade social,

fragmentando a visão de mundo, fazendo com que se fortaleçam as lutas pelas individualidades.

Esta leitura da realidade ganhou forma na sociedade brasileira a partir da década de 1990.

Como apontamos neste estudo, a experiência da comunitária se forjou neste terreno histórico e

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social em que privilegiava-se o fortalecimento dos coletivos, das transformações possíveis, nos

bairros, nas comunidades.

Atrelado a esta visão fragmentada das relações sociais, a pós-modernidade contribui para

o aprofundamento das contradições advindas com a indústria cultural, e os rebatimentos deste

processo são latentes na juventude trabalhadora. Por esta lógica, a pós-modernidade tenta

transformar a própria experiência da juventude em uma mercadoria, em um estilo de vida que

pode e deve ser consumido. A indústria cultural, a partir disso, vai moldando uma identidade de

jovem associada a determinados lugares, produtos, marcas que podem ser consumidos em

qualquer lugar do globo. No entanto, pelo recorte de classe que define as juventudes, esta

identidade não pode ser consumida por todos os jovens e isso gera inúmeras contradições, que

podem se manifestar em frustrações, na violência, por exemplo.

Desta forma, consideramos que a pós-modernidade apresenta-se como uma lógica

antagônica a perspectiva nacional-popular. Com disso, impõe o desafio aos sujeitos coletivos da

classe trabalhadora em fortalecer a luta ideológica, com especial atenção ao processo de

formação da consciência da juventude.

Consideramos, portanto, que é imperativo se debruçar sobre o desafio de recuperar a

história do povo brasileiro, organizar forças para construir um projeto societário efetivamente

nacional e popular, comprometido com a soberania do país e com a superação da condição de

dependência do Brasil. Para isso, acreditamos que a dimensão da cultura é o espaço privilegiado

para que a classe trabalhadora consolide este projeto e que a juventude trabalhadora é o sujeito

que pode contribuir para a concretização desta luta.

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