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ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura v. 7, n. 1, janeiro--junho 2021 © 2021 by RDL – doi: 10.21119/anamps.71.85-114 85 CULTURA LITERÁRIA DO DIREITO NO BRASIL: TRIBUTO A CALVO GONZÁLEZ 1 ANDRÉ KARAM TRINDADE 2 RESUMO: O artigo aborda a importância da contribuição do jurista andaluz José Calvo González à formação de uma Cultura literária do Direito no Brasil. Reconhecido internacionalmente como um dos principais expoentes dos estudos em Direito e Literatura, com extensa e consistente produção acadêmica desde a década de 90, Calvo González visitou regularmente instituições brasileiras, entre 2010 e 2019, período em que desenvolveu diversos trabalhos e manteve um vínculo muito estreito com alguns pesquisadores, especialmente da Rede Brasileira Direito e Literatura. Este artigo recupera oito conferências, todas proferidas no Colóquio Internacional de Direito e Literatura, assim como resgata outras atividades científicas por ele realizadas e igualmente relevantes. A relação entre Calvo González e o Brasil foi bastante intensa, podendo ser interpretada como uma via de mão dupla: de um lado, sua presença e convívio possibilitaram uma constante interlocução, abrindo caminhos que nos levaram a importantes e inovadores projetos em terrae brasilis; de outro, a expansão e diversidade das investigações em Direito e Literatura no Brasil também serviram de inspiração e estímulo para o próprio pensamento de Calvo González. À guisa de conclusão é possível afirmar que, tal qual Warat nos anos 80 e 90, Calvo González foi seguramente um dos grandes personagens da história do Direito e Literatura no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: José Calvo González, direito e literatura, cultura literária do direito, Brasil. 1 Uma versão castelhana deste artigo foi publicada, originalmente, no número inaugural de LawArt. Rivista di Diritto, Arte, Storia / LawArt. Journal of Law, Art and History (Trindade, 2020). 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIVEL. Membro Fundador e ex-presidente da Rede Brasileira Direito e Literatura (RDL). Editor da Anamorphosis Revista Internacional de Direito e Literatura. Cascavel (PR), Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5102-3673. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0020455190187187. E-mail: [email protected].

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CULTURA LITERÁRIA DO DIREITO NO BRASIL:

TRIBUTO A CALVO GONZÁLEZ1

ANDRÉ KARAM TRINDADE2

RESUMO: O artigo aborda a importância da contribuição do jurista andaluz José Calvo González à formação de uma Cultura literária do Direito no Brasil. Reconhecido internacionalmente como um dos principais expoentes dos estudos em Direito e Literatura, com extensa e consistente produção acadêmica desde a década de 90, Calvo González visitou regularmente instituições brasileiras, entre 2010 e 2019, período em que desenvolveu diversos trabalhos e manteve um vínculo muito estreito com alguns pesquisadores, especialmente da Rede Brasileira Direito e Literatura. Este artigo recupera oito conferências, todas proferidas no Colóquio Internacional de Direito e Literatura, assim como resgata outras atividades científicas por ele realizadas e igualmente relevantes. A relação entre Calvo González e o Brasil foi bastante intensa, podendo ser interpretada como uma via de mão dupla: de um lado, sua presença e convívio possibilitaram uma constante interlocução, abrindo caminhos que nos levaram a importantes e inovadores projetos em terrae brasilis; de outro, a expansão e diversidade das investigações em Direito e Literatura no Brasil também serviram de inspiração e estímulo para o próprio pensamento de Calvo González. À guisa de conclusão é possível afirmar que, tal qual Warat nos anos 80 e 90, Calvo González foi seguramente um dos grandes personagens da história do Direito e Literatura no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: José Calvo González, direito e literatura, cultura literária do direito, Brasil.

1 Uma versão castelhana deste artigo foi publicada, originalmente, no número inaugural

de LawArt. Rivista di Diritto, Arte, Storia / LawArt. Journal of Law, Art and History (Trindade, 2020).

2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIVEL. Membro Fundador e ex-presidente da Rede Brasileira Direito e Literatura (RDL). Editor da Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e Literatura. Cascavel (PR), Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5102-3673. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0020455190187187. E-mail: [email protected].

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1 INTRODUÇÃO

José Calvo González (1956-2020) foi um jurista da mais alta

erudição e envergadura. Seu nome certamente está inscrito entre os

maiores do século XXI, sobretudo em razão do protagonismo que exerceu

no campo dos estudos interdisciplinares em Direito e Literatura, incluindo

extensa e consistente produção intelectual, com destaque para sua

proposta teórica vinculada à noção de Cultura literária do Direito.

Ele transitava, livremente, pela filosofia, educação, história,

linguagem, sociologia, antropologia. Dizia-se, por isso, que conhecia

praticamente tudo; quando não conhecia, já havia lido algo a respeito. No

campo das artes, ao qual se dedicava de uma maneira especial, Calvo

González escreveu sobre as relações do Direito com Cinema, Música,

Iconografia, Fotografia, Arquitetura, Filatelia e, sobretudo, com a

Literatura. A intersecção era seu lugar preferido. Um dos principais traços

de sua obra é a perspicácia aliada à enorme capacidade de investigar os

fenômenos jurídicos. Essa combinação lhe permitia encontrar o Direito

onde, aparentemente, ele não existia.

Reconhecido internacionalmente como um dos maiores expoentes

do movimento europeu associado ao Direito e Literatura, autor de

centenas de publicações, incluindo livros, capítulos, artigos e outros

escritos, Calvo González iniciou sua carreira docente em 1980, na

Universidad de Málaga, onde se consagrou professor Catedrático de

Teoria e filosofia do Direito, em 2010, e fundou a Cátedra Abierta de

Derecho y Literatura3, em 2011/2012. Também exerceu a função de

magistrado suplente do Tribunal Superior de Andalucía, no período de

1996 até 2015. A Universidad Ricardo Palma, no Peru, concedeu-lhe o

título de Doctor Honoris Causa, em 2016, tendo em vista sua trajetória

aliada ao valor de sua contribuição para a ciência do Direito4.

3 Na Universidad de Málaga, Calvo González estava vinculado ao Departamento de

Direito Financeiro, Economia Política e Filosofia do Direito. Portanto, a criação da Cátedra Abierta de Derecho y Literatura, ainda que sem nenhuma formalização, ampliou significativamente suas possibilidades de desenvolver, com maior autonomia, uma série de atividades de docência e pesquisa desenvolvidas na disciplina, sempre com o incentivo, apoio e suporte de Felipe Navarro Martinez e Maria Pina Fersini.

4 Ao receber o referido título, Calvo González lançou um importante trabalho: Justicia constitucional y literatura (2016a), no qual discute a Constituição com literatura, a

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Este ensaio – que também pode ser lido como uma singela

homenagem – aborda a importância da contribuição do pensamento

jurídico de José Calvo González para a formação da Cultura Literária do

Direito no Brasil. Como se verá, o jurista andaluz visitou regularmente

instituições brasileiras, entre 2010 e 2019, período em que produziu

diversos trabalhos e manteve um vínculo muito estreito com alguns

pesquisadores.

Recuperam-se, aqui, oito conferências – (1) O Direito curvo; (2) Por

uma teoria narrativista do Direito; (3) Tolstoi e a Lei; (4) Marginálias

jurídicas em “Smithfield Decretals”; (5) “Sair ao outro”: afetividade e

justiça em “Mineirinho”, de Clarice Lispector; (6) Quixote ou a justiça

risível; (7) Nada no Direito é extraficcional; (8) A Constituição, a

literatura e a fragilidade dos direitos –, todas proferidas no Colóquio

Internacional de Direito e Literatura (CIDIL), assim como outras

atividades científicas por ele realizadas e igualmente relevantes.

Na verdade, a relação entre Calvo González e o Brasil foi bastante

intensa ao longo de dez anos, podendo ser interpretada como uma via de

mão dupla: de um lado, sua presença e convívio possibilitaram uma

constante interlocução, abrindo caminhos que nos levaram ao

desenvolvimento de importantes e inovadores projetos em terrae brasilis;

de outro, a expansão e diversidade das investigações em Direito e

Literatura no Brasil também serviram de inspiração e estímulo para o

pensamento de Calvo González.

2 DA REDE VIRTUAL DE CONTATOS À DESCOBERTA DO BRASIL

Inaugurado em 2006, Iurisdictio-lex malacitana5 foi o blog – que

teve 3.457 postagens num intervalo de 15 anos – por meio do qual Calvo

González, intensamente, expressava ideias e pensamentos, divulgava suas

atividades e produção acadêmica, indicava livros, oferecia análises e

comentários. Ele também utilizava o blog para compartilhar as mais

diversas experiências, em especial suas viagens e andanças pelo mundo,

Constituição como literatura, a Constituição na literatura e, por fim, a justiça constitucional a partir da ficção.

5 Disponível em: https://iurisdictio-lexmalacitana.blogspot.com.

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além de difundir o trabalho – e dar-lhe visibilidade, o que é ainda mais

importante – de todos aqueles que se dedicavam ao estudo e à pesquisa

em Direito e Literatura e, de um modo geral, em Direito e Humanidades.

O blog era, em síntese, um espaço plural onde qualquer interessado

poderia se atualizar sobre as últimas novidades, fossem relíquias ou

lançamentos, sob o singular olhar de Calvo González.

O mesmo se aplicava ao facebook, cujo perfil criado em 2011 sempre

foi muito ativo, com a vantagem de que essa ferramenta lhe permitia

acompanhar passo-a-passo aqueles que integravam sua rede, assim como

interagir com uma imensa comunidade de seguidores e admiradores de

seu trabalho.

Contudo, muito antes de toda essa virtualidade promovida pelas

redes sociais, Calvo González já mantinha grande contingente de contatos,

construído individualmente, por e-mail. Assim ocorreu comigo e com

tantos outros pesquisadores, seja na Europa, seja na América Latina.

A título ilustrativo, logo após o lançamento dos livros Direito &

Literatura: reflexões teóricas e Direito & Literatura: ensaios críticos,

ambos por mim organizados (Trindade et al., 2008a, 2008b), Calvo

González me escreveu para se apresentar e agradecer pelas referências

feitas nessas obras ao seu trabalho. Ali, precisamente, iniciou-se uma

grande parceria e inestimável amizade.

No ano seguinte, em 2009, nos encontramos pessoalmente, em

Braga (Portugal), na ocasião da banca de doutoramento de Joana Aguiar e

Silva, sob a orientação de Paulo Ferreira da Cunha, junto à Universidade

do Minho; depois, em 2010, em Florianópolis (Brasil) – na companhia de

Luís Carlos Cancellier de Olivo, Vera Karam de Chueiri, Cristiano Paixão,

Alexandre Morais da Rosa e Lenio Streck –; e, em seguida, em 2012, em

Benevento (Itália), juntamente com Jacinto Nelson de Miranda Coutinho,

Aldacy Rachid Coutinho e Henriete Karam, onde o convoquei para

intensificar sua relação com o Brasil.

A proposta envolvia um projeto audacioso: a organização de um

evento, no Brasil, que pudesse reunir, anualmente, todos os pesquisadores

dedicados ao Direito e Literatura na América Latina, a começar ainda em

2012. A conferência inaugural seria a respeito de uma metáfora que ele

havia sugerido em algumas conversações, a concepção de um Direito

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curvo. Ele aceitou esse duplo desafio, e, assim, nasceu o Colóquio

Internacional de Direito e Literatura (CIDIL), que já atingiu sua nona

edição6 e logo se tornou um dos eventos mais importantes sobre o tema.

Assim, após um longo período de contatos virtuais, é possível dizer

que Calvo González descobriu, verdadeiramente, o Brasil. Isso porque,

mesmo em um intervalo de apenas dez anos (2010-2019), suas visitas

resultaram em uma produção científica muito expressiva, tanto do ponto

de vista da quantidade como também da qualidade7. A título ilustrativo,

ele ministrou um total de 25 (vinte e cinco) conferências, palestras e

cursos. Em 14 (quatorze) viagens, conheceu 13 (treze) cidades e

frequentou (12) universidades brasileiras, além de 4 (quatro) centros de

ensino e pesquisa. Isso para não falar dos diversos livros e artigos

6 Em 2020, o IX CIDIL teve a seguinte temática: Narrativas de um direito curvo –

Homenagem a José Calvo González. A publicação do livro com a produção do evento ainda se encontra no prelo.

7 Ao longo desses dez anos, excetuadas suas participações no CIDIL, Calvo González contabiliza outras 17 (dezessete) intervenções no Brasil: (1) a conferência Direito e Literatura: a cultura literária do Direito e (2) a conferência Justiça e Direito em César Vallejo (1892-1938): bionarrativa e periodismo, ambas proferidas no I Simpósio de Direito e Literatura, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2010; (3) a palestra Fantoches e Direito: a Justiça e as injustiças na ópera para marionetes “Vida do Grande D. Quixote e do gordo Sancho Pança”, de Antônio José da Silva, na Jornada Direito e Literatura, e (4) o curso Dom Quixote e o Direito, ambos na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2011; (5) a conferência Processos interpretativos e jogos textuais, na Universidade Federal do Paraná, em 2012; (6) Seminário Direito e Literatura, oferecido no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasília, em 2013; (7) a conferência Tribunal da memória e jurisdição do esquecimento em “Desonra”, de J. M. Coetzee, ou O mal transitório: uma fábula de cachorros, na XI Jornadas de Direito e Psicanálise. “Interseções e interlocuções a partir de Desonra, de J. M. Coetzee”, na Universidade Federal do Paraná, em 2014; (8) a palestra Norma e fato: jogando a hermenêutica da interpretação jurídica, em seminário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em 2014; (9) a palestra Sobre ciência jurídica e produção normativa. Uma encruzilhada com Borges, no Seminário Jorge Luis Borges e o Direito, na Universidade Federal de Paraíba, em 2014; (10) a conferência Consistência narrativa e relato processual (padrões de discursividade nas narrações judiciais), no V Congresso Internacional de Direito Processual, na Universidade Maurício de Nassau, em 2015; (11) a conferência Do ensaio sobre a cegueira. “Revela óculos meus”: o desengano do visível e o espetáculo da Lei, na XIII Jornada de Direito e Psicanálise. “Interseções e interlocuções a partir de Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago”, na Universidade Federal do Paraná, em 2016; (12) a mesa redonda no I Seminário Internacional de Direito e Literatura: Direito, Narrativa e Violência, na Universidade de Brasília, em 2016; (13) o Curso de Estudos Avançados de Direito e Literatura, organizado pela Academia Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em 2017; (14) a conferência Pictorial turn e Criminologia: selos postais como artefatos imagéticos de aculturação ideológico-jurídica, no 8º Congresso Internacional de Ciência Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 2017; (15) a palestra Lex et scribendi actu: dominação colonial e escritura da Lei, no II Seminário Internacional de Direito e Literatura: a narrativa das crises, na Universidade de Brasília, em 2018; (16) a conferência Instituição literária e arte jurídica: a escritura da Lei, na Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, em 2018; (17) o minicurso Direito, Literatura e Decisão Jurídica, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em 2019.

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publicados em revistas científicas do Brasil (CALVO GONZÁLEZ, 2011,

1012b, 2012c, 2013a, 2013b, 2015a, 2015b, 2015c, 2018b, 2018c, 2018d,

2019b).

3 O PERCURSO BRASILEIRO DE JOSÉ CALVO GONZÁLEZ: CONFERÊNCIAS E ESCRITOS

3.1 O direito curvo

A Conferência de Abertura que Calvo profere no I CIDIL8 intitula-se

O Direito curvo e inicia com uma citação de Nietzsche que relaciona a

verdade à curva. Logo em seguida, a premissa adotada advém do conto

Sereníssima República, de Machado de Assis, que retrata a política

brasileira. O fragmento refere-se às geometrias retilínea, curvilínea e reto-

curvilínea, que caracterizam os partidos políticos na República das

Aranhas. E, a partir dele, Calvo González conclui que as teorias jurídicas

sobre os direitos são tão frágeis quanto teias de aranhas.

Na verdade, após o dilema posto pelo princípio do tertium non

datur, representado através das distintas poesias de Le Corbusier e de

Oscar Niemeyer – cujo único denominador comum é a ideia da geometria

aplicada à arquitetura moderna –, Calvo González apresenta seu objetivo

central: explicar no que consiste o denominado Direito curvo.

Para isso, o consagrado jurista espanhol desenvolve sua tese em

quatro etapas, que são percorridas na agradável companhia de filósofos,

escritores, pintores, artistas e juristas: (a) as aspirações geométricas dos

juristas, impulsionadas pelo racionalismo cartesiano e pelo império da

lógica dedutivista; (b) a relação entre a teoria pura do Direito e a ordem

figurativa do cubismo; (c) as ondulações sofridas pelo Direito a partir das

concepções flexível, dúctil, frágil e solúvel, que surgem nas últimas

décadas; (d) e, finalmente, a explicitação do paradigma do “Direito curvo”.

Com efeito, entre retas e curvas, impressiona o modo como Calvo

González traça seu próprio itinerário, estabelecendo os mais inusitados

pontos de contato entre Nietzsche, Machado de Assis, Niemeyer, Le

Corbusier, Hobbes, Wolff, Descartes, Spinoza, Leibniz, Ortega y Gasset,

8 O I CIDIL ocorreu na cidade de Passo Fundo (RS), em 2012. A Conferência de Abertura

está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Ppw2JwuWwcM&t. O texto encontra-se publicado na obra O direito curvo (Calvo González, 2013a).

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Kelsen, Merkl, Schmitt, Picasso, Braque, Carbonnier, Zagrebelsky,

Arnaud, Belley, Kandinsky, Mondrian, Reale e Borges.

Mediante esse diálogo rizomático, Calvo González evidencia as

formas piramidais, cúbicas e hemisféricas que operam como modelos

hermenêuticos do Direito e postula que o caráter revolucionário do

Direito curvo reside, de um lado, na ideia de circularidade jurídica e, de

outro, na descentralização dos clássicos topoi de imputação jurídico-

normativa: enquanto a circularidade pode ser percebida, por exemplo, no

novo modo de relação entre as fontes do Direito internacional e do Direito

interno; a descentralização é facilmente reconhecível na curvatura das

linhas divisórias e na transposição dos limiares entre categorias de

diferentes esferas do Direito, mesclando institutos, reorganizando

relações, remodelando contornos, volumes, perímetros e espessuras.

Assim, se em 2012 o paradigma proposto por Calvo González vinha

oferecer uma contribuição criativa, genuína e efetiva ao Direito, a

tendência é que o Direito curvo possa ocupar seu lugar na tradição

jurídica contemporânea, tornando-se cada vez mais presente em qualquer

discussão sobre o que se passa, diariamente, no e pelo Direito.

Isso ocorre porque a construção desse novo paradigma jurídico – o

Direito curvo – pressupõe um olhar que certamente transcende os limites

do universo jurídico: o que continua sendo o maior desafio dos juristas.

3.2 Por uma Teoria Narrativista do Direito

Na Conferência de Encerramento do I CIDIL, intitulada Por uma

teoria narrativista do Direito9, Calvo González apresenta os pressupostos

do modelo teórico que vem construindo desde o início da década de 90,

em diversas obras (Calvo González, 1993, 1996, 1998, 2002; 2008, 2012a).

Seu ponto de partida é, precisamente, um belo poema de Wallace

Stevens – The Man with the Blue Guitar (1957), inspirado na obra El viejo

guitarrista ciego (1903), de Picasso –, um renomado escritor modernista

norte-americano, que tem formação jurídica e que exerceu a advocacia no

início do século XX.

9 A Conferência está disponível, na íntegra, em

https://www.youtube.com/watch?v=n6RC04L_Ai8&t e também se encontra publicada na obra Direito curvo (Calvo González, 2013a).

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Isso porque, embora não faça referência expressa a Gadamer, a

teoria narrativista do Direito se estrutura sobre uma premissa

hermenêutica: “não existem as coisas exatas como elas são”. Trata-se,

com efeito, de uma teoria de viés anti-objetivista, anti-naturalista, anti-

essencialista e, portanto, anti-metodológico.

Como se sabe, desde os avanços trazidos pelo narrative turn e,

sobretudo, os reflexos por ele promovidos nas mais diversas disciplinas

das ciências humanas e sociais – entre elas o Direito, onde surge a

denominada narrative jurisprudence –, a aplicação da noção de

“narrativa” à teoria jurídica assume duas linhas diversas, especialmente

nas últimas décadas, ambas relacionadas à produção dos discursos

jurídicos na construção da realidade processual.

De um lado, nos Estados Unidos, surgiram inúmeras contribuições

ligadas à teoria da decisão judicial e, igualmente, à retórica. De outro, na

Europa, desenvolveram-se propostas semelhantes, embora mais ligadas à

elaboração de padrões probatórios, como, por exemplo, as ancoragens

narrativas e os esquemas narrativos.

De todo modo, independentemente da linha adotada, Calvo

González observa que a “coerência narrativa” sempre foi o tema ao qual se

dedicou maior atenção, especialmente a partir dos estudos realizados por

autores do porte de Ronald Dworkin, que desenvolveu a metáfora do

romance em cadeia, e Neil MacCormick, que defende o teste de coerência

narrativa, como critério de verdade, na ausência de provas diretas acerca

dos fatos.

Ocorre que, para Calvo González, as aplicações narrativas operadas

pelos juristas não devem ser confundidas com sua teoria narrativista do

Direito. Isso porque, para ele, a coerência narrativa deve ser entendida

como mecanismo de construção dos sentidos que poderá atuar

exclusivamente na condição de critério de verossimilhança.

Assim, levando em conta que a “verdade dos fatos” é sempre o

produto interpretativo da faticidade resultante de uma atividade

discursiva de estrutura narrativa inventiva destinada a justificar a melhor

resposta, a teoria formulada por Calvo González consiste no estudo das

estruturas que, a partir do material fático e normativo, constroem

narrações.

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Seu caráter crítico fica bastante nítido na medida em que a teoria

não desconsidera o fato de que, muitas vezes, a atribuição de sentido

implica uma série de elementos que compõem o horizonte de expectativas

do intérprete. Nesse contexto, um enunciado fático acaba por se tornar

discursivamente coerente também a partir do influxo de subsistemas de

sentido, como são a memória (individual) e o imaginário (social).

Assim, a teoria narrativista do Direito da qual nos fala Calvo

González ajuda a compreender que nossos sistemas jurídicos são

instalações ficcionais e, por vezes, hiperficcionais. O Direito, afirma, é

uma forma linguística ficcional de um mundo puramente textual. Ele

habita nos discursos narrativos e, portanto, não está imune aos efeitos da

ficcionalidade.

3.3 Tolstói e a lei

Em sua exposição no II CIDIL10, a primeira observação de Calvo

González foi a seguinte: considerando a extensa e importante produção do

escritor russo, como eleger a obra que mais poderia interessar aos

juristas? A partir dessa pergunta, ele avalia que, por diferentes razões, a

maioria das obras de Tolstói não seria aconselhável abordar em um evento

jurídico. Para ele, tanto Guerra e paz quanto Anna Karênina se

mostrariam escolhas imprudentes e arriscadas, caso se atentasse para

certas situações narrativas que questionam as bases da sociedade ou que

problematizam o funcionamento do poder judiciário; já em A morte de

Ivan Ilitch, a agonia do magistrado vem acompanhada dos estertores de

um experimento jurídico-reformista; apesar do fascínio que a guerra e o

terrorismo exercem sobre os juristas, a póstuma Khadji Murát exigiria

muita cautela e apresentaria inúmeros riscos na seleção das citações, por

fim, a Sonata a Kreutzer e Ressureição não seriam, indubitavelmente,

recomendáveis para tal tipo de evento.

10 O II CIDIL foi realizado no ano de 2013, em Passo Fundo (RS), com o tema A

representação do juiz e o imaginário social. A Conferência está disponível, na íntegra, em https://www.youtube.com/watch?v=BSvK2GrVhxo&persist_app=1&app=desktop&gl=US&hl=en&client=mv-google. Posteriormente, o texto de Calvo González (2015c), assim como de outros participantes do evento, foi publicado na obra Os modelos de juiz, organizada por Lenio Streck e André Karam Trindade.

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Restariam, afirma Calvo González (2015c, p. 48), as obras menores

de Tolstói: entre elas, o conto “Um juiz modelo” seria uma opção que

permitiria “introduzir o estudo das técnicas de argumentação e da prova

através de indícios, assim como desvelar a lógica do raciocínio abdutivo”.

Mas, certamente, buscar referências e menções a temas relacionados ao

Direito nos Diários e na Correspondência é uma tarefa muito mais

instigante e, também, repleta de obstáculos a serem vencidos, pois se trata

de “exumar e recuperar desse enorme conjunto documental os mais

confidenciais aspectos da experiência de Tolstói face ao mundo jurídico e

a seus protagonistas” (Calvo González, 2015c, p. 49).

Desse amplo universo da escrita privada, elegeu como ponto de

partida a famosa frase que consta no registro do dia 25 de março de 1847

– “Não basta afastar as pessoas do mal, é necessário estimulá-las para o

bem” –, quando Tolstói contava com apenas 18 anos de idade e cursava o

segundo anos de Leis na Universidade de Kazan, e as anotações que a

seguem nesse mesmo dia.

Para Calvo González, tais anotações já deixam entrever a inclinação

de Tolstói para o desencanto com o Direito – pois expressariam sua

dúvida sobre a capacidade do Direito de, além de sufocar o mal,

proporcionar o bem –, e seu sentido só pode ser corretamente alcançado

no confronto com reflexões posteriores, sobretudo se realizado duplo giro

de perspectiva: dos Diários para a Correspondência e do estudo do

Direito na formação de Tolstói para Tolstói na formação de um estudante

de Direito.

Assim, Calvo González vai encontrar na produção epistolar de abril

de 1909, mais de seis décadas depois das primeiras inquietações do jovem

estudante de Direito em seu diário – inquietações, aliás, que antecedem o

seu abandono do curso de Direito – e um ano antes de sua morte, as

considerações do já ancião Tolstói sobre a educação jurídica.

Na carta em que o eminente escritor russo responde às indagações

de Isaac Solomonovich Krutik, aluno da Faculdade de Direito da

Universidade de São Petersburgo e fervoroso discípulo do ideário religioso

tolstoiano, além de reforçar posturas que já havia defendido, relativas à

natureza científica do Direito, à propriedade da terra, à injustiça da ordem

social e à supremacia moral, Tolstói ultrapassa a “descrença quanto à

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possibilidade histórica das reformas jurídico-sociais e pré-

revolucionárias” (Calvo González, 2015c, p. 61) e esboça uma concepção

socialista do Direito.

Segundo Calvo González, embora tal concepção seja hoje obsoleta e

fracassada, a crítica à ciência jurídica e o problema da moralidade do

Direito que constam na Carta a um estudante ainda merecem atenção e

mantêm sua atualidade, sobretudo porque continua sendo inovador

“introduzir na agenda de transformação e excelência pedagógica de nossas

Faculdades de Direito a educação moral do Direito” (Calvo González,

2015c, p. 62). Na medida em que a velha carta de Tolstói nos lembra,

como destaca Calvo González, da extraordinária responsabilidade moral

que recai sobre os professores de Direito, a leitura que ela proporciona ao

jurista andaluz vem colaborar para a construção de sua cultura literária do

Direito.

3.4 Marginálias jurídicas em Smithfield decretals

“O marginal é o mais belo” – essa é a frase de J. L. Borges que Calvo

evoca para introduzir sua análise do manuscrito jurídico do século XV

intitulado Smithfield Decretals. Trata-se de uma glosa do Decretals do

Papa Gregório IX, que está catalogada entre os manuscritos iluminados,

na British Library.

Em sua participação no III CIDIL11, a primeira reflexão de Calvo –

que se vincula à formulação proposta por Bobbio de que a ciência jurídica

é, primordialmente, análise da linguagem – dizia respeito à existência de

três linguagens no manuscrito: a linguagem da lei; a linguagem dos

juristas, que se faz presente nas glosas e marca o começo da ciência

jurídica; e a linguagem das iluminuras.

Assim, sua análise do manuscrito compreende, de início, a

disposição espacial dessas três linguagens no todo da página, a

morfotextualidade que se pode estabelecer a partir das relações entre elas

e do modo como elas se articulam: ao centro, o texto do Decretals; as

11 O III CIDIL, com a temática Crime, processo e (in)justiça, ocorreu em Passo Fundo (RS),

no ano de 2014. A exposição de Calvo está disponível, na íntegra, em: https://www.youtube.com/watch?v=kmFW-XdIzOA&feature=youtu.be. O texto foi, posteriormente, publicado na Espanha (Calvo González, 2016b).

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ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 7, n. 1, p. 85-114

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glosas circundando completamente o texto legal; e, ocupando as margens

e demais espaços em branco, as iluminuras.

O interesse de Calvo González recaí exclusivamente sobre essas

marginálias, pois, se a vida do Direito é encontrada nos textos, a vida à

margem do Direito está nas iluminuras, compostas por figuras de flores,

árvores, monstros, seres grotescos e imagens de homens, mulheres e

animais que compõem cenas narrativas.

Além de apontar o caráter metafórico dessas construções imagéticas

que ilustram o manuscrito, Calvo González oferece inúmeras

interpretações possíveis para os elementos simbólicos presentes nas

marginálias, em que sobressaem práticas forenses e, mais do que tudo,

castigos físicos ferozes e brutais.

Desse modo, as articulações das três linguagens e dos três níveis

textuais – do Decretals, das glosas e das marginálias – possibilitariam

pensar que: (1) se o texto legal e as glosas constituem o mundo jurídico, as

iluminuras são representações do mundo extrajurídico; (2) as glosas

operariam como mediação entre o texto legal e o mundo da vida; (3) no

contexto do homem medieval, prevaleceria a concepção do Direito como

castigo, que incide tanto na prática de crimes quanto na prática de

pecados, evidenciando a relação entre Direito e Religião, bem como a

relação entre Direito e Moral, que ressoa ainda hoje.

O exame que Calvo González realiza das imagens do coelho como

elemento metafórico recorrente nas marginálias é particularmente

interessante. O coelho – que na tradição e contexto medieval é um animal

perigoso – aparece como representante da justiça secular: ora decapitando

humanos, ora enforcando cachorros, ora torturando ou aplicando castigos.

Mas há uma imagem em que o coelho assume a postura de um magistrado

e de sua boca sai um papiro. O que transpareceria nessa imagem,

conforme Calvo González, é a expressão do Direito escrito e,

paralelamente, a crítica do ilustrador ao Direito escrito, denunciando o

conflito normativo entre o Direito codificado, dos nobres e poderosos, e o

Direito não codificado, não escrito.

Uma análise mais apurada ainda das narrativas apresentadas

através das iluminuras possibilitaria perceber tanto o abuso e a violência

do Direito que se aplica quanto a clara distinção entre a linguagem da lei,

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TRINDADE | Cultura literária do direito no Brasil...

97

a linguagem da ciência jurídica e, nas iluminuras, a linguagem dos

juristas, juízes, advogados e particulares, que se situa à margem do Direito

oficial.

Muitos são os elementos a que Calvo González alude para

demonstrar que as narrativas de poder, sexo e violência das iluminuras

remetem ao Direito secular e não dialogam nem com o texto das

Decretals, nem com o texto das glosas, ambos expressão do Direito

canônico.

Tais elementos evidenciariam não só a antinomia entre dois

sistemas jurídicos e suas respectivas jurisdições, mas, também, um

sentimento do justo, o desejo e a esperança de um Direito-outro, que o

iluminador deixa transbordar às margens.

3.5 “Sair ao outro”: afetividade e justiça em Mineirinho, de Clarice Lispector

Censura, democracia e direitos humanos, esse foi o tema do IV

CIDIL12. Para a surpresa de todos, Calvo González elegeu a crônica

Mineirinho, de C. Lispector, com o intuito de abordar o imaginário da

violência e da cidadania na literatura brasileira, propondo-se a realizar a

análise por ele denominada Cultura literária do Direito e a adotar um

prisma interpretativo de viés narrativista.

O primeiro aspecto que Calvo González explora diz respeito às

dificuldades de identificar o gênero textual a que pertenceria a crônica

Mineirinho: quanto à forma, apresentaria semelhanças com o fait divers e

a crônica roja, que são expressões do efêmero; quanto ao conteúdo,

poderia ser classificada como crônica policial. No entanto, sua

complexidade narrativa impediria de enquadrá-la em qualquer dessas

modalidades.

Atento às características que permitiriam incluí-la no âmbito do

jornalismo literário e do jornalismo jurídico, Calvo González postula

conceder-lhe estatuto jurídico-literário, uma vez que se reconheça que a

12 O IV CIDIL ocorreu na cidade de Vitória (ES), em 2015. A exposição de Calvo González

encontra-se disponível em https://www.youtube.com/watch?v=LvtzZzyP37k&feature=youtu.be. O texto foi publicado, com o título “Sair ao outro: afetividade e justiça em Mineirinho, de Clarice Lispector”, na Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e Literatura (Calvo González, 2016c).

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ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 7, n. 1, p. 85-114

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literatura pode expressar o jurídico e que se conceba o Direito como

material da expressão literária.

Tais exigências são atendidas na medida em que Mineirinho conjuga

o compromisso literário e a defesa dos direitos humanos, mediante o

emprego de um tipo de estratégia narrativa em que a coerência do relato

se constitui a partir do exercício de pensar a diferença. Assim, em sua

análise, Calvo González buscará privilegiar a representação do outro no

relato do eu.

Nesse contexto, a expressão sair ao outro remete a uma ontologia

especular, na qual não se trata, unicamente, de colocar-se frente ao outro,

mas de colocar-se como outro frente a si mesmo. Trata-se de ir e voltar: de

exilar-se de si mesmo para ir onde estão os outros e de repatriar-se dos

outros até si mesmo. Trata-se de reconhecer “a existência do outro em si

mesmo, porque o outro é a resposta múltipla a nossa identidade

heteronômica” (Calvo González, 2016c, p. 134).

Com tal pressuposto, a questão a ser enfrentada é investigar as

consequências sociais que resultam dessa forma de entrelaçamento com o

outro, isto é, os efeitos sociais que seriam promovidos pela percepção de

um eu alienado de si mesmo e, portanto, consciente da inclusão

constitutiva do outro, das possibilidades de ingerência do outro.

É assim que se instituiria uma espécie de estranhamento que traz as

marcas da outridade, que favorece uma afetividade intrínseca à relação

entre o sujeito e o outro, que possibilita uma construção social capaz de

promover a justiça a partir da violenta compaixão da revolta, o que se

traduz, para Calvo González, em uma poética de sentir o contágio e a

substituição do outro em mim.

Nesse estranhamento que se funda em uma unidade na diferença,

as identidades individual e coletiva se fundem, sendo a ampliação da

afetividade que nos vincula ao outro condição para a experiência de uma

humanidade compartilhada.

Calvo González destaca que as reflexões oferecidas pela crônica de

Clarice a respeito de uma ética da justiça social na vida pública não se

esgotam no evento que, há mais de cinquenta anos, deu origem a essa

crônica de Clarice: o comprovam tanto o Massacre do Carandiru e a

Chacina da Candelária quanto as constantes violações aos direitos

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TRINDADE | Cultura literária do direito no Brasil...

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humanos, que ocorrem seja no Brasil, seja em muitos outros lugares do

planeta.

Daí a importância de Mineirinho para a Cultura literária do Direito

– por postular a saída para o outro e por dar-lhe voz –, bem como da

Cultura literária do Direito para a compreensão do compromisso de

Clarice Lispector com os direitos humanos e, ainda, a importância de se

pensar a diferença.

3.6 Quixote e a justiça risível

Como de costume, Calvo González inicia sua exposição no V CIDIL13

recorrendo a dois fragmentos que servirão de plano de voo, de orientação,

para as questões que irá abordar. Um deles é da obra Assim falou

Zaratustra, de Nietzsche: “Consideremos falsa toda verdade em que não

houve ao menos uma risada!”. O outro fragmento é extraído do próprio D.

Quixote: “As façanhas de D. Quixote hão de celebrar-se ou com admiração

ou com riso”.

Destacando que Quixote é tanto um indivíduo risível quanto

batalhador, Calvo González refere a Guerra Civil espanhola (1936-1939) e

evoca duas obras: Dom Quixote bolchevique, do jurista português Ary dos

Santos, em que temos o batalhador; e El payaso de las bofetadas y el

pescador de caña, de León Felipe, poema trágico no qual temos o Quixote

risível.

O primeiro aspecto que merece a atenção é que o fato de que ter lido

muitos livros é que fez com que o fidalgo Alonso Quijano se tornasse

Quixote: “é de tanto ler Quijano ficou louco, um louco que se diz Quixote”.

É esse louco que nos faz rir, quando lemos Quixote, seja um leve sorriso

ou uma gargalhada. O próprio Quixote ri de si mesmo, assinala Calvo

González, mas é somente no último capítulo da Parte I, na última

aventura, que D. Quixote é objeto de riso, no enredo da obra.

Quixote tem uma capacidade proteica e prometeica, segundo Calvo

González, uma capacidade de transbordo, “pois seus olhos e sua

consciência veem e organizam o mundo não como é, mas como deve ser”.

13 Com o tema Justiça, poder e corrupção, o V CIDIL ocorreu na cidade de Uberaba (MG),

em 2016. A exposição de Calvo González está disponível, na íntegra, em: https://www.youtube.com/watch?v=957-Uuyqq8I&feature=youtu.be.

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Assim, observa Calvo González que, tal como Quixote, “o Direito constrói

o mundo que deve-ser, o Direito não vê nem organiza o mundo que é”.

Se no poema de Léon Felipe produzido no contexto da Guerra Civil

espanhola o protagonista se pergunta o que é a justiça e se confronta com

o silêncio, na edição reelaborada de 1947, após inclusive a II Guerra

Mundial, há um acréscimo, salienta Calvo González, não menos

surpreendente, em que consta:

Quando Dom Quixote pronunciou a palavra justiça, pela primeira vez, no Campo de Montiel... ressoou na planície de La Mancha uma ruidosa gargalhada que vem se propagando, século após século, pela terra, pelo mar e pelo vento, até ficar encravar-se na garganta de todos os homens com uma careta cínica e metálica. Ha, ha, ha! Riam!... Riam todos! Porque a justiça não é mais do que uma risada grotesca. Ha, ha, ha! Mas o palhaço levanta-se e volta-se contra o empreendedor, contra os homens e os deuses, e grita: Basta! Chega! Já chega de risadas! Que ninguém ria mais! Que ninguém ria mais! Meu sangue de clown vale tanto quanto o sangue dos cristãos. Eu não sou um palhaço! Eu sou Prometeu! Venho da linhagem dos antigos redentores do mundo e dei meu sangue, não para fazer rirem os deuses e os homens, mas sim para fecundar o deserto. Entendes agora? Dom Quixote é o poeta prometeico que escapa de sua crônica e entra na História feito símbolo e carne, vestido de palhaço e gritando por todos os caminhos: Justiça! Justiça! Justiça! (Felipe, 1963, p. 983-984, traduzido)14.

Ao concluir, Calvo González alerta que os juristas estão habituados a

falar de justiça com extrema solenidade: “Falamos da justiça natural, da

justiça divina, da justiça como imparcialidade, da justiça como igualdade,

da justiça social, da justiça política... e a justiça é... a justiça não é mais do

14 No original: “Cuando don Quijote pronunció por primera vez la palabra justicia en el

Campo de Montiel... sonó en la llanura manchega una carcajada estrepitosa que ha venido rodando de siglo en siglo por la tierra, por el mar y por el viento hasta clavarse en la garganta de todos los hombres con una mueca cínica y metálica. ¡Ja, ja, ja! ¡Reíos!... ¡Reíos todos! Que la justicia no es más que una risa grotesca. ¡Ja, ja, ja!

Pero el payaso se yergue y se vuelve contra el empresario, contra los hombres y los dioses gritando:

¡Basta! ¡Basta ya! ¡Basta ya de risas! ¡Que no se ría nadie! ¡Que no se ría nadie! Mi sangre de clown vale tanto como la sangre

de los cristos. ¡Yo no soy un payaso! ¡Yo soy Prometeo! Vengo de la casta de los viejos redentores del mundo, y he dado mi sangre, no para hacer reír a los dioses y a los hombres sino para fecundar el yermo.

¿Entendéis ahora? Don Quijote es el poeta prometeico que se escapa de su crónica y entra en la Historia hecho símbolo y carne, vestido de payaso y gritando por todos los caminos: ¡Justicia! ¡Justicia! ¡Justicia!”.

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TRINDADE | Cultura literária do direito no Brasil...

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que o palhaço da bofetada”. E, num ato performático que surpreende a

plateia, coloca em si um nariz de palhaço e acrescenta: “Quixote quer fazer

justiça e se converte no palhaço, no palhaço da justiça. Quixote é

invencível. Sabem por quê? Porque se levanta depois de cada derrota.

Depois de cada derrota se coloca novamente de pé. O palhaço da justiça, a

justiça a bofetadas, envolve acreditar que é possível a vitória. Quixote,

creio, era um jurista que ensina muito mais do que temos reconhecido”.

3.7 Nada no direito é extraficcional

A modalidade de participação de Calvo González no VI CIDIL15 foi

bastante singular e inaugurou um tipo de atividade, até então, inédita nos

eventos jurídicos realizados no Brasil e pensada com o objetivo de

fomentar uma efetiva interlocução teórica. Previamente, a atividade

consistiu em propor uma tese e redigir um texto que a sustentasse para ser

encaminhado aos quatro professores que, com ele, iriam compor a Mesa

de Discussão. No evento, após ter apresentado oralmente sua tese ao

público, Calvo González foi arguido pelos quatro professores – Jorge

Douglas Price (Argentina), Cristiano Paixão (Brasil), Luis Meliante Garcé

(Uruguai) e Dino del Pino (Brasil) –, com direito à réplica e à tréplica.

Em linhas gerais, a tese de Calvo González vem sintetizada no título

Nada no Direito é extraficcional, se inscreve na intersecção por ele

definida como Direito com Literatura e parte de uma reflexão sobre a

escritura – já que a escritura é fundamental no Direito e que o Direito

adotou a escritura da Literatura –, caracterizando a escritura jurídica

como tradução e diferenciando o espírito e a letra na escritura da lei.

Calvo González define o Direito como “a narração de fatos

alternativos aceitos como dever ser” e acrescenta “esses fatos, imaginários,

são admitidos como Direito mediante pacto de escritura ficcional que é a

simulação de sua realidade” (Calvo González, 2018b, p. 22). A fim de

demonstrar a ficcionalidade do Direito – ficção entendida não como

15 O VI CIDIL ocorreu em 2017, na cidade de Porto Alegre (RS), e foi dedicado ao tema As

ilusões da verdade e as narrativas processuais. A Mesa de Discussão de que Calvo participou está disponível, na íntegra, em: https://www.youtube.com/watch?v=Jzw5DQ3wxKY&feature=youtu.be. Os textos das teses defendidas nas duas mesas de discussão do VI CIDIL, bem como as apresentações, intervenções, réplicas e tréplicas, encontram-se publicadas na obra Por dentro da lei (Trindade; Karam, 2018).

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ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 7, n. 1, p. 85-114

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fantasia ou imaginação, mas como construção, artifício, dispositivo,

artefato, ars do fictor –, Calvo González aborda quatro aspectos: a

escritura da lei e as ficções; o real e o irreal de um texto fictício; a

fabulação jurídica como pacto narrativo; e o real imaginário do Direito

como pacto de escritura.

Esse percurso conduz da concepção do relato como condição intra-

ficcional do Direito à formulação de que a escritura do Direito é a

mancha de tinta de seu simulacro. Nessa formulação, encontram-se

implicadas tanto a compreensão da escritura como poética que institui o

mundo quanto a constatação de que o Direito se apropria dessa poética e

de que é, com ela, que o Direito estabelece ordem no caos do real e institui

um sentido, um dever-ser, que antes não existia, sendo por isso que a

escritura tem o estatuto de ficção.

Paralelamente à premissa da ficcionalidade do Direito, Calvo

González examina o Direito e os mundos de ficção, destacando que “O

mundo ficcional do dever ser jurídico se configura como o relato que dá

conta de um mundo possível” (Calvo González, 2018b, p. 29), suscetível de

ser lido como uma hiper-realidade.

Isso porque o Direito conta algo que não é o real, não é o ser; o

Direito conta o que deve ser, conta uma ficção: uma ficção civilizatória,

uma ficção útil, mas uma ficção, que, como qualquer outra ficção, não é

inócua, porque, afirma Calvo González, “não existem ficções inócuas. E as

ficções do Direito não constituem uma exceção” (Calvo González, 2018b, p.

30).

3.8 A constituição, a literatura e a fragilidade dos direitos

Para introduzir as questões que irá abordar em sua intervenção no

VII CIDIL16, Calvo González recorre, dessa vez, a uma citação de Gustavo

Zagrebelsky, extraída de II diritto mite: legge, diritti giustizia, em que o

jurista italiano afirma que a solução para os grandes problemas jurídicos

16 O VII CIDIL ocorreu em 2018, em Belo Horizonte (MG), e seu tema foi comemorativo

aos 30 anos da promulgação da Constituição brasileira de 1988: Narrativas e desafios de uma Constituição balzaquiana. A intervenção de Calvo González está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jiIvKg8gqPY&feature=youtu.be. O texto foi publicado, sob o título “La Casa”, metáfora edilicia constitucional. Variaciones literarias de diseño y crisis constructiva en Poe, Cortázar y Borges, na revista Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho (Calvo González, 2019d).

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TRINDADE | Cultura literária do direito no Brasil...

103

não se encontra nas diversas formas de Direito positivo, seja nas

constituições, códigos e leis, seja nas decisões dos juízes.

Para Calvo González, o sentido que atribuímos às Constituições pode

ser investigado historicamente, a partir da própria origem do Direito

constitucional: o Direito europeu, que nasce com a ciência jurídica

privatista da Idade Média tardia, sofre profundas transformações no final

do séc. XIX e primeiro terço do séc. XX – no contexto da crise do estado

liberal –, deslocando-se do direito privado, seu objeto tradicional, para o

Direito público e para a construção de uma Teoria Geral da Constituição.

Assim, se o Direito se urbaniza através do direito público, é com o

direito público que começa a ser construído o direito constitucional. A

escolha por esses termos arquitetônicos – urbanização e construção –

encontram paralelo, segundo Calvo González, com a metáfora empregada

por Santi Romano, em um texto de 1925, ao comparar o direito

constitucional com um edifício cujas partes são interconectadas e

necessitam umas das outras para se apoiarem e completarem

mutuamente, de tal modo que, se uma parte falhar, o edifício todo pode

vir a desmoronar.

Outra via que Calvo González aponta para abordar a questão é o

conceito de significância – empregado por Julia Kristeva e por Roland

Barthes –, que possibilita analisar um texto pela sua classificação,

mediante a aplicação de códigos sociais, econômicos, religiosos... que

darão forma a seus possíveis sentidos.

Com tais pressupostos, Calvo González se propõe a aplicar um

código de tipologia edificatória a partir de quatro textos literários – um

conto de E. A. Poe, dois de J. Cortázar e um de J. L. Borges – “para abrir a

significância a um produtivo diálogo com os temas jurídicos

constitucionais”.

Assim, explorando os códigos construtivos apresentados nesses

contos, estabelece relações entre os elementos narrativos de cada um

deles, o momento histórico de sua produção e determinados tipos de

constituição: A queda da casa Usher (1839), de Poe, com o colapso

inevitável dos ideais monárquicos e a constituição gótica; Casa tomada

(1946) e Segunda vez (1977), de Cortázar, com os contextos políticos e

constitucionais do peronismo e da ditadura militar argentina,

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ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 7, n. 1, p. 85-114

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respectivamente; A casa de Astérion, de Borges, com um modelo de

constituição mítico-fantástica.

Calvo González destaca que as referências à Alemanha, no conto de

Borges, possibilitam associar esse modelo de constituição mítico-

fantástica com a Constituição de Weimar, mais mítica – afirma ele – do

que a Constituição francesa de 1791. Ademais, tem-se a própria figura de

Astérion, o minotauro, sua monstruosidade e o jogo entre a casa e o

minotauro.

Referindo as críticas que Borges dirige a Hitler no texto A guerra:

ensaio de imparcialidade – publicado em outubro de 1939, na revista

literária Sur –, Calvo González observa que o escritor argentino chama

Hitler de filho atroz de Versailles e conclui: “o que está no fundo é

Versailles, o que está mais perto é a casa de Astérion, que é a própria

monstruosidade de Weimar; monstruosidade porque os juristas alemães

do pós-guerra falam de Weimar como um monstro, porque é um estado

social incompatível com um Estado de Direito”.

Para Calvo González, é significativo que no final do conto de Borges,

após ter matado Astérion, Teseu relate a Ariadne que o minotauro mal se

defendeu. O mesmo ocorre, segundo ele, com Weimar: “não foi preciso

que Hitler destruísse Weimar, bastou-lhe a legislação ordinária para

promover a demolição da Carta Constitucional de Weimar, bastou-lhe as

denominadas medidas de coordenação, que permitiram ao governo

nazista legislar, a partir de 1933, sobre o conteúdo da Constituição de

Weimar, até torná-la insubstancial, intranscendente e insuficiente”.

Em síntese, articulando elementos narrativos dos quatro contos

selecionados, sobretudo aspectos arquitetônicos e relações espaciais,

Calvo González resgata, com a maestria e erudição que lhe eram

peculiares, densas reflexões sobre a fragilidade dos direitos assegurados

nas Constituições (Calvo González, 2004).

4 A CULTURA LITERÁRIA DO DIREITO NO BRASIL: UMA VIA DE MÃO DUPLA

Direito e Literatura estão implicados, seja pela linguagem, seja pela

cultura. Essa é uma tese que estrutura a própria concepção de Cultura

literária do Direito. Se a literatura é uma das mais importantes

manifestações culturais e artísticas do homem, então é preciso investigar

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TRINDADE | Cultura literária do direito no Brasil...

105

como ela se relaciona com Direito. Afinal, como dizia, há muito mais vida

em um romance do que em uma norma jurídica17.

Transcendendo os modos mais convencionais de abordar a relação

entre Direito e Literatura, especialmente a conhecida taxionomia Direito

na Literatura, Direito como Literatura, Direito da Literatura – cujas

origens remetem aos trabalhos de Richard Posner (1988) e de Thomas

Morawetz (1996) –, Calvo González sugere a existência das intersecções

instrumental, estrutural e institucional, entre esses dois campos do

conhecimento e também da cultura (Calvo González, 2008).

Aliás, Calvo González destaca que o Law and Literature Movement,

ocorrido nos anos 70 nos Estados Unidos, não se repete atualmente nem

mesmo entre os norte-americanos. Ao contrário, a Europa – e o mesmo se

verifica na América Latina, sobretudo no Brasil – desenvolve outro Direito

e Literatura, ou melhor, produz Direito e Literatura de outro modo,

inclusive do ponto de vista metodológico, o que ainda é amplamente

debatido.

É nesse contexto que Calvo González propõe a denominada Cultura

literária do Direito (Calvo González, 2012a). Ela não é concebida,

propriamente, como uma cultura produzida a partir da atividade dos

escritores, mas sim resultante da atividade dos leitores. Trata-se,

portanto, de uma cultura leitora. Isso porque escrever textos não se

compara à experiência cultural adquirida ao ler os textos já escritos.

Ademais, se contemporaneamente o Direito vem concebido como uma

prática interpretativa, então o exercício hermenêutico é um exemplo

privilegiado de como a leitura – e toda a experiência cultural por ela

provocada – constitui-se imprescindível à formação e à atividade dos

juristas. Para Calvo González:

Como juristas, nossa principal atividade consiste em ressemantizar, juridicamente, a compreensão dos conflitos. Para essa tarefa, a legalidade é a fonte de legibilidade; legalidade como inteligibilidade jurídica do conflito. Entretanto, o texto legal frequentemente

17 Entre os anos de 2008 e 2020, foi produzido ininterruptamente, no Brasil, um

programa televisivo denominado Direito & Literatura. Os episódios, com duração de 56 minutos, eram exibidos semanalmente, em cadeia nacional, pela TV Justiça, vinculada ao Supremo Tribunal Federal. Todos os vídeos estão disponibilizados no Youtube, onde contabilizam milhares de visualizações. Em 2014, Calvo González participou do programa na condição de convidado especial. A entrevista completa encontra-se disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CTm8FstkepY.

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admite múltiplas leituras, às vezes muito diversas entre si; sua leiturabilidade não é fechada e única. Os fatores responsáveis por isso são vários; v. gr., a disposição contextual, assim como de sua produção, a idoneidade dos auditórios para reconhecer os textos como legíveis e, ainda, o intertexto ou tipo de suporte e efeito de sentido previsto, conhecido ou mesmo possível. Consequentemente, a práxis hermenêutica de penetração nas mensagens normativas inventa-se sobre a base de uma legibilidade cognitiva aberta (Calvo González, 2012a, p. 340, traduzido)18.

Desse modo, partindo do pressuposto de que a experiência cultural

adquirida pelos juristas a partir da literatura contribui para uma melhor

compreensão dos textos jurídicos e, portanto, do próprio Direito, a noção

de Cultura literária do Direito contempla duas dimensões: de um lado,

uma leitura literária do Direito; de outro, uma leitura jurídica da

Literatura. Segundo Calvo González:

O progresso da competência nessas novas perspectivas – leitura literária do Direito e leitura jurídica da Literatura – decorre de uma gradual aculturação, isto é, mediante a paulatina recepção e assimilação dos elementos e valores culturais literários dentro da tradição cultural jurídica. Naturalmente, o nível de contato e o relativo estado de aquisição e proveito não são – e isso ocorre em todo processo de aculturação – invariavelmente uniformes e contínuos, mas com frequência inconstantes e intermitentes, sem tampouco serem descartáveis episódios de obstinada resistência e até mesmo de direta rejeição, inclusive de involuntário prejuízo (Calvo González, 2012a, p. 341, traduzido)19.

Observa-se, assim, levando em conta esse fenômeno de aculturação,

que a Cultura literária do Direito também revela uma perspectiva crítica

18 No original: “Como juristas nuestra actividad más cotidiana consiste en resemantizar

jurídicamente la comprensión de los conflictos. En esa labor la legalidad es nuestra fuente de legibilidad; legalidad como inteligibilidad jurídica del conflicto. El texto legal, no obstante, frecuentemente admite múltiples lecturas, a veces muy diversas entre sí; su lecturabilidad no es cerrada y única. Los factores responsables de tal estado son también varios; v. gr., la disposición contextual, así la de producción, como también la idoneidad de los auditorios para reconocer textos como legibles, y desde luego el entretexto o tipo de soporte y efecto de sentido previsto, conocido, o siquiera pronosticable. En consecuencia, la praxis hermenéutica de penetración en los mensajes normativos se inventa sobre la base de una legibilidad cognitiva aberta”.

19 No original: “El progreso competencial en estas nuevas perspectivas – lectura literaria del Derecho y lectura jurídica de la Literatura – resulta a través de una gradual aculturación, esto es, mediante la paulatina recepción y asimilación de los elementos y valores culturales literarios dentro de la tradición cultural jurídica. Naturalmente, el nivel contacto y el relativo estado de adquisición y provecho no es – y así sucede en todo proceso de aculturación – invariablemente uniforme y continuo, sino con frecuencia inconstante e intermitente, sin que tampoco sean descartables episodios de obstinada resistencia y hasta de frontal rechazo, e incluso también de involuntario prejuicio”.

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TRINDADE | Cultura literária do direito no Brasil...

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da dogmática jurídica, que pode servir para a redução de seu alto grau de

abstração, resgatando o mundo prático negligenciado pelas teorias

positivistas predominantes nos séculos XIX e XX.

Talvez por isso Calvo González se impressionasse tanto, no caso do

Brasil, com a maneira como a Cultura literária do Direito encontrava

estofo não apenas numa literatura extraordinária, mas também num

universo de atividades, cursos, eventos e publicações, com enfoques muito

distintos entre eles, porém admiráveis e valiosíssimos para a reflexão e a

crítica jurídica. Chamava-lhe muita atenção a dimensão, a dinâmica a

força e o entusiasmo que caracterizam toda a produção brasileira em

Direito e Literatura. E, para ele, esse poderia ser o caminho a ser seguido

pelos demais países da América Latina. Por isso, sua aposta na evolução e

amadurecimento teórico do movimento brasileiro.

Não é à toa que, todos os anos, Calvo González esperasse por

outubro, quando sabia que retornaria ao Brasil, para participar do CIDIL.

Como reconheceu em diversas oportunidades, para ele esse era o grande

acontecimento do ano, entre as inúmeras viagens que fazia. Na Rede

Brasileira Direito e Literatura (RDL), fundada em 2014, Calvo González

encontrou um grupo de pessoas para debater, dialogar e articular projetos

comuns. Mas esse não era um grupo comum. Talvez a ideia de família seja

mais genuína, em face do afeto, do carinho e da admiração entre seus

membros. Outro traço distintivo era o fato de que suas atividades eram

também uma diversão, ou seja, jamais perdiam de vista o caráter lúdico e

afetivo que marca toda a relação entre Direito e Literatura. Paralelamente

ao compromisso e à seriedade que caracterizam o debate acadêmico e a

investigação científica, o CIDIL proporcionou incontáveis

confraternizações e experiências, vivenciadas em visitas a sebos e

cafeterias; participação em saraus literários; passeios em feiras do livro,

parques, museus, exposições de arte; apresentação de peças teatrais e

outras manifestações culturais; em degustação de vinhos e festivais de alta

gastronomia. Tudo isso, ao final, era o resultado genuíno de uma amizade

bem cultivada, como ele mesmo dizia, e fazia parte do jogo do Direito.

É preciso reconhecer, por outro lado, que sua constante presença

entre nós também influenciou a produção brasileira em Direito e

Literatura, elevando consideravelmente a qualidade das pesquisas,

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sobretudo em nível de mestrado e doutorado20. Calvo González descobriu

verdadeiras relíquias literárias, estimulando diversas investigações sobre a

Cultura literária do Direito no Brasil.

Por exemplo, em um de seus últimos artigos, ele recuperou a

literatura de Francisco de Oliveira e Silva (1897-1989), advertindo que

ainda não avançamos no resgate histórico dos precursores brasileiros:

Na atualidade, a História da Cultura literária no Brasil – considerada na sua dimensão de “Direito e Literatura” – apresenta-se a partir de uma válida divisão que demarca cronologicamente dois períodos: um correspondente à etapa de início, em meados do século XX; outro referente ao desenvolvimento ocorrido a partir do final dos anos 90 (Trindade e Bernsts, 2017). Todavia, entre a primeira, que contempla o registro dos precursores, e a etapa seguinte, caracterizada pelas tentativas de sistematização de estudo e metodologia, como também por pautas de crescimento e institucionalização, fica evidente o manifesto desequilíbrio em relação à quantidade de referências até então recuperadas e seu oportuno exame [...] Portanto, desde a primeira notícia sobre eles, já oferecida por Eliane Junqueira (1998), até o surgimento de trabalhos ainda recentes (Prado 2007, 2008), o conteúdo dessa fase permanece invariável e sem modificações significativas. Desde meu ponto de vista, sendo essa limitação tão chamativa e, ademais, por estender-se ao longo de quase três décadas, deveria haver merecido análises causais de algum tipo, ou melhor favorecido um exame mais detido e atento dos acervos bibliográficos – e hemerográficos – disponíveis a fim de completar melhor o referido período, mediante afinadas referências e novos dados. Não foi feito, sem embargo, nem uma coisa, nem outra. É, assim, que essa etapa subsiste mostrando uma frágil pesquisa e insuficiente explicação. Diante de tal precariedade, este estudo estabelece-se como um subsídio; isto é, como uma contribuição necessária que remedie, ou ao menos atenue, o presente estado de negligência e descuido, senão de aberta desídia. E isso, também, para evidenciar que a tarefa de formar e compor uma História da Cultura Literária no Brasil exige esforços continuados, rigorosos e precisos, capazes de,

20 Cumpre referir, nesse sentido, que o pensamento jurídico de Calvo González foi adotado

por Paulo Ferrareze Filho, em sua tese de doutorado, intitulada Decisão judicial e narratividade: um olhar para os fatos a partir da teoria narrativista do direito de José Calvo González, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2017, e posteriormente publicada (Ferrareze Filho, 2018). Valendo-se da teoria narrativista do Direito de Calvo González, a tese buscava revitalizar, no âmbito da teoria da decisão judicial, a discussão em torno das questões de fato. Como afirma seu autor, a partir da ideia de narratividade, operacionalizaram-se os conceitos de consistência e coerência narrativas a fim de oferecer uma nova epistemologia da decisão judicial.

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efetivamente, concretizar sua real dimensão (Calvo González, 2019b, p. 613-614, traduzido)21.

Mas talvez o projeto mais promissor que tenha recebido a influência

direta de Calvo González seja a Cultura literária do Direito nas Escolas.

Apostando no potencial de suas formulações teóricas, desde 2017, a Rede

Brasileira Direito e Literatura vem desenvolvendo o programa Direito,

Literatura e Cidadania, que visa a elaborar ações estratégicas a serem

implementadas em diferentes níveis e modalidades da educação básica22.

Como se vê, em suma, a aproximação e a convivência entre Calvo

González e os pesquisadores brasileiros possibilitou não apenas a

interlocução, mas contribuiu para a própria formação da Cultura literária

do Direito no Brasil, permitindo o desenvolvimento e a implementação de

projetos sem precedentes nas experiências internacionais; e, ao mesmo

tempo, também demonstrou toda a atualidade, relevância e importância

do pensamento desse importante jurista do século XXI.

21 No original: “En la actualidad, la Historia de la Cultura literaria en Brasil – considerada

en su dimensión de “Derecho y Literatura” – se nos presenta a partir de una válida divisoria que demarca cronológicamente dos períodos; uno correspondiente a la etapa de inicio, a mediados del siglo XX, y el otro a la de desarrollo desde finales de los años 90 (Trindade e Bernsts, 2017). No obstante, entre la primera, que intenta el registro de los precursores, y la ulterior, caracterizada por los intentos de sistematización de estudio y metodología, como también por las pautas de crecimiento e institucionalización, es del todo apreciable un manifiesto desequilibrio em orden al bagaje de referencias hasta ahora recuperadas y su oportuno examen [...] Por tanto, desde la primera noticia sobre ellos, ya ofrecida por Eliane Junqueira (1998), hasta la aparición de trabajos aún recientes (Prado 2007, 2008), el contenido de esta fase permanece invariado y sin modificaciones significativas. Desde mi punto de vista, siendo esta limitación tan llamativa y, además, por extenderse en casi tres décadas, debería haber merecido análisis causales de algún tipo, o bien favorecido un más detenido y atento escrutinio de los acervos bibliográficos – y hemerográficos – disponibles a fin de completar en mejor medida, mediante afinadas referencias y nuevos datos, dicho período. Ni lo uno, ni lo otro, sin embargo, se ha hecho todavía. Es así, pues, que aquél subsiste mostrando una endeble pesquisa y sin suficiente explicación. Frente a tal precariedad, estas páginas están planteadas como un subsidio; es decir, como una contribución necesaria que ponga remedio, o al menos palíe, el presente estado de negligente descuido, si no de abierta desidia. Y ello, siquiera para evidenciar que la tarea de formar y componer una Historia de la Cultura literaria en Brasil ha de requerir de esfuerzos continuados, rigurosos y precisos, capaces, efectivamente, de concretar su real dimensión”.

22 Os objetivos desse programa são: (a) promover a emancipação dos sujeitos; (b) transmitir os princípios, ideias e valores democráticos; (c) estimular o efetivo exercício da cidadania; e (d) favorecer a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária. Todas as etapas do programa contêm atividades pautadas pela articulação do potencial das narrativas literárias para a sensibilização, a humanização e o desenvolvimento do pensamento crítico com o compromisso constitucional de concretização dos direitos fundamentais e de preservação do Estado democrático de Direito.

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5 À GUISA DE CONCLUSÃO

Entre os precursores do Direito e Literatura no Brasil23, com

destaque para Aloysio de Carvalho Filho e José Gabriel Lemos Brito –

cujos trabalhos remetem à década de 30 do século passado –, houve um

estrangeiro que ocupa um lugar especial: Luis Alberto Warat.

Sem retirar a importância de seus antecessores, é notório que Warat

foi o grande idealizador e fundador dos estudos interdisciplinares, com

destaque para as relações entre o Direito e a Literatura24. Nas décadas de

80 e 90, ele foi o responsável por influenciar a formação de gerações de

juristas, marcadamente críticos, além de contribuir para a consolidação da

pós-graduação stricto sensu em Direito, revolucionando a educação

jurídica em todo o país25.

Para nossa sorte, o ano em que perdemos Warat, em 2010, foi o

mesmo em que, coincidentemente, Calvo González passou a vir com

regularidade ao Brasil. É bem verdade que a produção dele já era uma

referência obrigatória entre nós. Ocorre que, além de toda efervescência

causada, sua presença serviu de estímulo tanto para o avanço como

também à qualificação das pesquisas nacionais. Calvo González foi,

inegavelmente, um dos grandes incentivadores da Rede Brasileira Direito

e Literatura e, por conseguinte, de todo movimento por ela encabeçado na

América Latina.

23 Sobre a história do Direito e Literatura do Brasil, consultar o estudo de Trindade e

Bernsts (2017). 24 “Warat já trazia da Argentina uma vasta bagagem de conhecimento sobre as relações

entre tais campos das formações discursivas. Leitor assíduo de autores como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Manoel Puig, acrescentou à sua biblioteca autores brasileiros como Jorge Amado e Mário de Andrade. Personagens de alguns desses autores emergiam no seu pensamento quando tratava de relações possíveis entre a literatura e a tradição jurídica. Alguns deles como os famas e os cronópios, das Histórias de Famas e Cronópios, de Cortázar (Warat, 1994-1997); assim como Dona Flor, Vadinho e Teodoro, de Dona Flor e os seus dois maridos, de Amado (Warat, 1985), passaram a compor os textos surrealistas criados por Warat na produção de um clima, de um ambiente, de uma atmosfera (Stimmung), onde direito e literatura se aproximavam a cada reflexão, a cada página de areia – relembrando Borges –, que dialeticamente se fazia e se desfazia” (Pepe, 2016, p. 7).

25 Nesse sentido, Warat “inaugurou, no Brasil, esse movimento extremamente fecundo de diálogos e aproximações da literatura com os textos jurídicos. As sementes lançadas se expandiram ao longo do tempo, rizomaticamente, agregando novas narrativas, novos leitores e novos interlocutores” (Pepe, 2016, p. 7).

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Warat e Calvo González – esses dois estrangeiros marcados e

fascinados pela brasilidade – não tiveram a oportunidade de se conhecer.

Quando o primeiro partiu, o segundo chegou; e, recentemente, também

nos deixou. Mas a comunidade do Direito e Literatura não restou órfã em

terrae brasilis. Apesar do efeito da soma das perdas, o legado deixado por

esses dois grandes juristas possui um significado muito maior. Ambos

foram personagens centrais cuja contribuição se mostrou fundamental

para a consolidação de uma tradição genuinamente brasileira de estudos

em Direito e Literatura, na qual também se inscrevem os saudosos

Cancellier de Olivo e Dino del Pino. A ausência de todos eles não impede

que suas obras constituam uma permanente e inesgotável fonte de

inspiração.

É assim, com esses nomes, que se constrói o Direito e Literatura no

Brasil; ou melhor, a Cultura Literária do Direito no Brasil. E, para honrar

o compromisso herdado, o primeiro passo consiste em saber narrar a sua

história.

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Idioma original: Português Convidado Recebido: 25/05/21