Cultura MS 2010 Alcinópolis
description
Transcript of Cultura MS 2010 Alcinópolis
-
2 CULTURA EM MS - 2010 - N.32 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Antigamente se pensava no desenvolvimento de forma iso-
lada e parcial. Falava-se de economia, sociedade e cultura como
se fossem reas distintas. Apesar de a especializao ser neces-
sria administrao, hoje sabemos que o desenvolvimento
multidimensional e interdependente. A cultura no est isola-
da dos avanos na educao, da pujana econmica ou de
uma cidade limpa e bem-cuidada.
Com essa conscincia, neste novo momento que iniciamos
no s esperamos que a cultura seja beneficiada pelo cresci-
mento e pela melhora da qualidade de vida em Mato Grosso
do Sul, como tambm no esquecemos da cultura como fator
de desenvolvimento social. Sabemos da importncia dessa rea
como poltica de governo para um estado que est investindo
no crescimento. Estimulando o setor cultural estamos fortale-
cendo a cidadania, a qualidade de vida, a educao, a preser-
vao da histria sul-mato-grossense. Tambm estamos refor-
ando, ao mesmo tempo, a economia. Resguardando e difun-
dindo valores e memrias, por meio de nosso patrimnio his-
trico e cultural, enxergamos o potencial econmico de nosso
teatro, cinema, msica, gastronomia, arquitetura, nosso
patrimnio imaterial. Geradora de emprego e renda, a cultura
tambm parte do processo econmico.
Nesta viso, importante simultaneamente continuar as
propostas fundamentais e bem-sucedidas e tambm estar aberto
ao novo. Cultura criatividade e pensamento, e estar atento s
novas demandas essencial para estimular os talentos em nos-
sa terra. Mas, junto abertura ao que atual, necessrio
consolidar o trabalho feito pela gesto cultural em atividade. A
continuao da revista CULTURA EM MS uma ao que,
mantida, promove dentro de suas pginas a comunicao en-
tre a tradio e a ordem do dia no setor. Como falamos de
interligao e interdependncia, vale destacar que a revista tam-
bm propicia, por meio de informaes e debates, a
capilarizao da cultura e a formao de seus agentes. Que
seus leitores possam encontrar nestas pginas estmulo para a
reflexo, a criatividade e a produo.
2010 - N.3
A interdependnciaentre cultura e desenvolvimento
Andr Puccinelli
Governador do Estado de Mato Grosso do Sul
Fotos da capa e das pginas de abertura, por Fabio Pellegrini:
Ingra Flores (do grupo boliviano Tikay) e Daniella Penrabel de Souza
(do grupo paraguaio Tic Tac) fotografadas em frente ao Memorial da Cultura
com a bandeira de MS e, ao alto, as da Bolvia e do Paraguai;
Vista panormica do Parque Estadual das Nascentes do Rio Taquari - Alcinpolis-MS.
Governador de Mato Grosso do Sul
Andr Puccinelli
Vice-governador
Murilo Zauith
Presidente da Fundao de Cultura de Mato Grosso do Sul
Amrico Ferreira Calheiros
Diretor Geral
Jos Alberto Furlan
Gerente de Patrimnio Histrico e Cultural
Neusa Narico Arashiro
Assessoria de Comunicao
Gisele Colombo, Mrcio Breda e Rodrigo Ostemberg
Comisso editorial
Cultura em MS
Amrico Calheiros, Arlene Vilela, Edilson Aspet, Maria Christina Flix,
Neusa Arashiro, Soraia Rodrigues e Marlia Leite
A revista Cultura em MS uma publicao do
Governo do Estado de Mato Grosso do Sul por meio
da Fundao de Cultura de Mato Grosso do Sul
Memorial da Cultura e Cidadania - Av. Fernando Corra da Costa, 559
Tel.: (67) 3316 9155 - Campo Grande-MS
Edio: Marlia Leite (DRT/SP 10.885-78),
Fabio Pellegrini (DRT/MS 116-06) e Moema Vilela (DRT/MS 09-05)
Reportagem e redao: Andriolli Costa, Camila Emboava, Daniel Belalian,
Fabio Pellegrini, Gabriela Kina, Gisele Colombo, Hellen Camara, Indiara Antunes,
Las Camargo, Laryssa Caetano, Lu Tanno, Mrcio Breda, Marlia Leite,
Mario Ramires, Moema Vilela, Rodrigo Ostemberg, Rozana Valentim
Projeto grfico: Marlia Leite e Yara Medeiros; Edio de arte e finalizao
de imagens: Lennon Godoi e Antnio Marcos Gonalves Francisco;
Editorao eletrnica: Marlia Leite
Reviso ortogrfica: Daniel Santos Amorin
Fotografia: Fabio Pellegrini, Daniel Reino, Dbora Bah, Daniel Belalian e colaboradores
Convidados: Albana Xavier Nogueira, lvaro Banducci Jnior, Daniela Ota,
Edgar Rau F., Edson C. Contar, Evandro Higa, Fabio Anibal Jara Goiris,
Jacira Helena do Valle Pereira, Lucia Salsa Corra, Mrcia Raquel Rolon, Marlei Sigrist,
Miriam Ferreira de Abreu da Silva, Miska Thom, Regina Maura Lopes Couto Cortez,
Rosangela Villa da Silva, Sara Cristiane Jara Grubert, Stael Moura da Paixo Ferreira
e Tito Carlos Machado de Oliveira
Agradecimentos: Ana Cristina Maricato, Gabriela Ferrite, Elis Regina Nogueira,
Leoneida Ferreira, Lcia Villar Chaves, Maria de Lourdes Maciel e Paulo Moska
Pr-impresso, impresso e acabamento: Grfica Editora Alvorada
Contrato 16/2008 - Dezembro/2010
Verso eletrnica da revista no site: www.fundacaodecultura.ms.gov.br
Imagem da 3a
capa:
Borboletas, da artista plstica
Antonia Hanemann.
Foto da 4a
capa:
Bandeirolas do So Joo de Corumb,
pela fotgrafa Gabriela Ferrite.
-
3CULTURA EM MS - 2010 - N.3 3CULTURA EM MS - 2010 - N.3
JanelasMS brilha l fora, Aquidauana e seu passado,
a partida de Rondo, crianas e msica,
fotografias em movimento, tradio presente
EspelhoO no-lugar de nossos artistas
EntrevistaMarisa Bittar:
compreendendo a criao de MS
MsicaSons eruditos do Pantanal
Livro e leituraAes para abrir novas pginas nessa histria
Artes cnicasO palco das ruas
ArtigoUrbanismo e cultura,
por Regina Maura Lopes Couto Cortez
Artes visuaisA arte que se faz ver dentro de um Salo
Patrimnio ImaterialSaberes populares preservados
PersonagemAraci Vendramini: mos que moldam
a devoo aos povos indgenas
CrnicaAblio Leite de Barros:
De uma guerra que passou pela infncia
Turismo culturalTesouros da pr-histria preservados em Alcinpolis
Novas linguagensO festival que o maior fu entre os universitrios
ArtesanatoPai e filho artesos transformam espetos
para churrasco em presentes de luxo
Sabor e culturaEspecialidades da fronteira
Capilarizao da culturaProjetos itinerantes encantam o interior
BalaioSugestes culturais
SUMRIO
CapaBolvia - Brasil - Paraguai
Cultura sem fronteiras
Identidade histrica
preciso compreender para explicar
Lucia Salsa Corra
Um (rpido) olhar sobre a fronteira Brasil-Bolvia
Tito Carlos Machado de Oliveira
La identidad convergente entre el porteo y el corumbaense
Edgar Rau F.
As fronteiras com o Paraguai
lvaro Banducci Jnior
El hibridismo y las disquisiciones axiolgicas
Fabio Anibal Jara Goiris
Alteridade histrica
Msica: Evandro Higa e Miska Thom
Dana: Mrcia Raquel Rolon
Lngua: Rosangela Villa da Silva
Artes: Jacira do Valle Pereira e Miriam da Silva
Religiosidade e Costumes: Marlei Sigrist
Literatura: Edson Contar e Stael Moura
Comunicao: Daniela Ota
Novos olhares na fronteira
4
9
11
37
40
44
47
50
55
60
62
64
67
69
70
72
79
17
20
22
22
23
23
25
28
30
31
32
33
34
35
36
Anexo
(p.81 a p.88)
com ntegra de
textos editados na
verso impressa.
-
4 CULTURA EM MS - 2010 - N.34 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Nos mares catarinenses, das lulas e siris, a piranha pantaneira
costuma passar longe. Em junho de 2010, porm, em Florianpolis,
o famoso caldo sul-mato-grossense e a caldeirada litornea se en-
contraram, na segunda edio da Mostra de Cultura de Raiz. O
evento rene gastronomia e arte para integrar a cultura de Mato
Grosso do Sul, Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os quitutes
tradicionais de cada estado, como o caldo de piranha de MS, o
barreado paranaense e o caldo de frutos do mar barriga-verde, abrem
o apetite para outras degustaes. Alm da feira gastronmica, h
shows, exposio e comercializao de artesanato, palestras, contao
de histrias e exibio de filmes.
O evento promovido pelo Codesul Cultural, brao do Conselho
de Desenvolvimento e Integrao Sul (Codesul). Para alm das aes
desenvolvidas com o objetivo de fortalecer os estados na esfera eco-
nmica, o grupo se uniu para buscar a articulao em torno da
cultura. Em julho de 2008, em reunio na Fundao de Cultura de
Mato Grosso do Sul, os secretrios de cultura e presidentes de fun-
daes culturais Amrico Calheiros (MS), Vera Mussi (PR) e Anita
Pires (SC), junto com assessores tcnicos, definiram como primeira
ao a ser implantada a criao de um festival. Ele deveria englobar
as manifestaes culturais de cada estado em torno da msica, apro-
veitando a influncia da cultura de fronteira, rica e forte nos estados
do Sul. A proposta foi tomando forma at chegar Mostra de Raiz.
A primeira edio teve lugar em Curitiba, em outubro de 2009.
No Canal da Msica, no bairro Mercs, apresentaram-se a Orquestra
Revoada Pantaneira e a dupla Tosto & Guarany (MS). Do Paran, o
grupo Viola Quebrada e o espetculo folclrico musical Nhengar
Inami, de Lidio Roberto e Cris Lemos. J Santa Catarina levou os
msicos Edson e Alisson Rodrigues e o Trio do Engenho. Os estados
tambm marcaram presena com o artesanato e a culinria regio-
Brasil, Mato Grosso do Sul, terra dos sonhos
guaranis, cuja dificuldade de acesso aos grandes cen-
tros brasileiros sedimentou o estreito contato com dois
pases de lngua espanhola Paraguai e Bolvia , le-
vando os sul-mato-grossenses a absorverem traos
culturais das naes vizinhas, em especial nas reas
prximas fronteira com o Paraguai, onde o sotaque
carrega forte acento castelhano e ainda hoje so
marcantes ritmos musicais como a polca e a guarnia.
Cenrio da primeira Jornada Cultural Brasil-Paraguai,
Asuncin foi o destino de uma expedio de artistas
brasileiros de Mato Grosso do Sul. Fundada pelos espa-
Era quase primavera
quando segui para Assun-
o, com um grupo de ar-
tistas de Mato Grosso do
Sul, para partilharmos nos-
sa cultura com o povo
paraguaio. Fui repleto de
contentamento.
O Paraguai pleno de
msica, de histrias, de arte
nos abraa fraterno e
amoroso, como o rio imen-
so que risca sua paisagem
sem fronteiras.
Trocas, pessoas daqui e de
l: gente do teatro, da m-
sica, das pinturas, das letras.
Contar histrias nas escolas
vivncia nica e ldica
exerccio prazeroso da arte,
da educao e da poesia.
A capital paraguaia
sempre uma surpresa e pro-
picia o reencontro com a
nossa histria, revelando-
nos a alma guarani que com-
pe a nossa culturalidade.
Tudo por por l, tudo
por por aqui.
Emmanuel Marinho
nhis na primeira metade do sculo XVI, uma das
cidades mais antigas da Amrica do Sul. Conhecida
como Madre de las Ciudades, poca converteu-se
em um centro de toda a provncia. Colnias como San-
ta Cruz de la Sierra, na Bolvia, e Corrientes, na Argen-
tina, so tributrias desta vocao, pois dos portos de
Asuncin navegaram suas expedies fundacionais. As
edificaes e palcios coloniais de suas ruas contam
parte dessa histria de esplendor e impressionam pelo
grandioso efeito visual arquitetnico.
Uma iniciativa da Embaixada do Brasil no Paraguai,
em parceria com a Fundao de Cultura de Mato Gros-
so do Sul, propiciou o encontro entre estes dois pases
irmos, cujas marcas identitrias comuns atravessam
fronteiras. Pelas galerias e auditrios da embaixada, os
visitantes se encantaram com manifestaes artsticas
diversas, msica, teatro, artes plsticas, artesa-
nato, audiovisual e gastronomia.
A jornada, que aconteceu de 15 a 18 de
setembro de 2010, contou com participao
de Emmanuel Marinho, Circo do Mato, Gui-
lherme Rondon e Rodrigo Teixeira (Conexo Pan-
tanal), Orquestra Revoada Pantaneira, Josu
Florentin e Baiano (Chefs) e Maristela de Olivei-
ra Franca (dir. op. SEBRAE/MS), alm de mos-
tras audiovisuais, exposio de artesanato e ar-
tes plsticas de MS. (Lu Tanno)
AES DE PROMOO DA CULTURA DE MATO GROSSO DO SUL
SE INTENSIFICAM, MOSTRANDO SEU RICO LEGADO EM OUTROS ESTADOS E PASES.
Tudo por
Jornada CulturalBrasil-Paraguai
Caldo de cultura para integraonais. Mato Grosso do Sul levou a interveno potica de Ruberval
Cunha e uma mostra de documentrios, exibindo filmes como Ca
e Terra das guas, que retratam um pouco da cultura regional.
Em 2010, na vez de Florianpolis sediar o evento, o Museu
Histrico de Santa Catarina Palcio Cruz e Souza recebeu a pro-
gramao. A msica sul-mato-grossense foi representada pela vio-
la do cantor e compositor Aurlio Miranda e pela msica fronteiria
de Ciriaco Benites. Na segunda edio da Mostra de Raiz foi mon-
tado um estande de vendas de CDs e DVDs dos artistas do estado.
A poesia ficou mais uma vez por conta de Ruberval Cunha. Do
artesanato local, figurou a produo em palha de milho, de bana-
neira e fibra de taboa, junto a doces em compotas e cristalizados
de frutas tpicas, tecidos, crochs e bordados com motivos
pantaneiros, modelagem em cermica e trabalhos em madeira, osso,
bambu e cabaa, entre outros. (MV)
A capital paraguaia foi o destino da expedio de artistas
de MS em evento que contou com bom nmero de apreciadores.
Catarinenses se deliciaram com o caldo de piranha pantaneiro e doces em
compotas, alm de conhecerem o artesanato, a msica e a poesia de MS.
AR
QU
IV
O FC
MS
LU
TA
NN
O
-
5CULTURA EM MS - 2010 - N.3 5CULTURA EM MS - 2010 - N.3
FOTO: ALEX REZENDE
CComo dar o gostinho, Brasil afora e em um nico dia, da artesul-mato-grossense? Este foi o maior desafio da Fundao de Cultu-ra ao propor o Brasil Canta Mato Grosso do Sul. Para disseminar acultura regional, o projeto percorreu cinco estados do pas em no-
vembro de 2010, levando um panorama da msica, das artes plsti-
cas, do artesanato e da dana. O evento, com entrada franca, teve
patrocnio do Ministrio da Cultura, por meio de emenda parlamentar
da senadora Marisa Serrano, com contrapartida do governo estadual.
Ao divulgar o potencial artstico do estado, buscamos fomentar a
insero de MS nos grandes plos culturais do pas, destacou Amrico
Calheiros, presidente da Fundao de Cultura de Mato Grosso do Sul.
O carro-chefe do projeto a msica. Diferentes geraes de com-
positores, instrumentistas e intrpretes se reuniram em um espetculo
que transita pelos variados gneros fortes no estado, como a msica
de raiz, a polca-rock, o chamam, a balada e a msica erudita. A ideia
foi caracterizar a msica de Mato Grosso do Sul em sua diversidade e
talento, em uma composio orgnica e integrada. Entre os cantores,
Geraldo Espndola, Edineide Dias, Jerry Espndola, Gilson Espndola e
Filho dos Livres (Guilherme Cruz e Guga Borba). Na banda de base,
nomes admirados no cenrio local e nacional, como Alex Mesquita
(baixo), Sandro Moreno (bateria), Marcos Assuno (guitarra, violo e
viola), Adriano Magoo (teclados e sanfona) e Otvio Neto (teclados,
samplers e violo). A esta turma, junta-se o quarteto de cordas e o
maestro Eduardo Martinelli, com Ricardo dos Reis, Hbedes Vieira e
Newton dos Reis, e as backing vocals Joelma Dias e Tatiane dos Reis.
Msico e arranjador, Otvio Neto assumiu a direo musical e artstica
do projeto. Para o repertrio, fiz uma pesquisa de inmeras
composies feitas desde 1970, hoje tradicionais do estado. Ele tes-
tou formato parecido no Planeta Msica MS, que foi apresentado no
9 Festival de Inverno de Bonito, em 2008. Os artistas se revezam e
tocam juntos as canes, com arranjos especiais.
Como as saudades viajam tambm sobre todos os trilhos da ter-
ra, as apresentaes atraram muitos sul-mato-grossenses fora de
casa. Tambm sou baterista e decidi ir ao evento, a princpio, pra
ver o Sandro Moreno tocar, admiro muito
o trabalho dele. Chegando l, a
qualidade do show me surpreendeu,
conta Ravi Rauber, mestrando em cin-
cia da computao na Universidade Fe-
deral do Paran. Mas quem apostou na
noite, sem conhecer nada da msica de
MS, tambm se encantou. Ns ficamos maravilhados, no faza-
mos ideia da qualidade!, comentou Michelle Lopes. Junto com o
namorado e os pais, ela at ensaiou danar o chamam entre as
poltronas do auditrio do Canal da Msica, em Curitiba. S conhe-
camos algumas canes, como a Chalana e o Trem do Pantanal,
mas que estavam diferentes do que a gente tinha ouvido.
No Rio de Janeiro, os arranjos originais nas velhas canes no
passaram batido ao olhar de um observador especial: o compositor e
regente Joo Guilherme Ripper, que criou e coordenou em Campo
Grande a Orquestra de Cmara do Pantanal, e agora dirige a Sala
Ceclia Meirelles, o mais importante espao dedicado msica de
concerto no Rio de Janeiro. O msico rasgou elogios. Gostei do
formato, da seleo dos msicos, competentes e talentosos, grandes
nomes na interpretao. Os arranjos foram de muito bom gosto,
cuidado e capricho, de grande personalidade. Representou bem o
leque aberto da rica msica de MS, mostrando como o estado talvez
seja o maior celeiro da msica regional no pas.
Entre as apresentaes musicais, performances de dana desem-
penhadas por Franciella Cavalheri e Rose Mendona, integrantes do
coletivo de dana contempornea Corpomancia e da companhia de
hip-hop Danurbana. Nos foyers dos teatros, antes da apresentao
musical, o visitante pde conferir as riquezas do artesanato regional,
em suas bugras e onas de cermica, carros de boi e fazendas de
madeira, alm de santos como o So Francisco Pantaneiro e Nossa
Senhora do Pantanal. Foram expostas obras de Cludia Castelo, In-
diana Marques, Mestre Elpdio, Famlia Alvareza, Denlson, Lorna,
Cristina Orsi, Leslie, Ana Vitorino e Araqum. Nas artes plsticas,
obras selecionadas do acervo permanente do Museu de Arte Con-
tempornea (Marco) trouxeram telas, assemblages e painis de Ana
Ruas, Buga, Cello Lima, Henrique Spengler, Humberto Espndola,
Isaac de Oliveira, Jorapimo, Marise Anzoategui, Miska, Priscilla Paula
Pessoa e Vnia Juc. Como na seleo dos msicos, artistas consa-
grados exibiram seus trabalhos lado a lado s novas vozes das artes
plsticas, para instigar este Brasil imenso a conhecer um pouco mais
da diversidade de sua cultura.
O Brasil Canta MS esteve em So Paulo, na Fundao Memorial da
Amrica Latina (12 de novembro); no Rio de Janeiro, no Centro Cultu-
ral Banco do Brasil (16), em Curitiba, no Canal da Msica RTVE (19);
em So Jos, cidade metropolitana de Florianpolis, no Theatro Adolpho
Mello (21) e em Porto Alegre, no Teatro Dante Barone, da Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Sul (24). (Moema Vilela)
MS
Juntas no palco, duas
geraes da msica de
MS cantando clssicos
regionais: espetculo de
qualidade para pblico
exigente.
BRASIL CANTA MS
-
6 CULTURA EM MS - 2010 - N.36 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Em 2007, o Museu de Aquidauana, com a expectati-
va de um novo fluxo de visitantes que em breve chega-
riam com a reativao do Trem do Pantanal, passou por
uma reformulao de acervo e espao que se fazia ne-
cessria. Trs anos depois o museu ponto de visitao
quase obrigatria, no s para os turistas que chegam
pela linha frrea que voltou a funcionar em maio de 2009,
mas para qualquer viajante que queira conhecer um pou-
co da histria da cidade.
Hoje denominado Museu de Arte Pantaneira Manoel
Antnio Paes de Barros, em homenagem a um dos fun-
dadores de Aquidauana, o local conta com espao para
mostra do acervo de trabalho da Noroeste do Brasil, as salas do Homem Pantaneiro e das
Comunicaes, uma ala dedicada aos povos indgenas e galerias separadas para exposio
de obras de artistas locais e regionais.
Na Sala das Comunicaes est exposto o primeiro disco gravado em Aquidauana. A produ-
o dos anos 1960 e foi feita no Clube Feminino pelo grupo Os Brincalhes, formado por Nico,
Pepeta, Brs, Rubo e Luizinho. No mesmo espao encontra-se tambm um rolo com o primeiro
filme gravado no distrito de Piraputanga, Caadores de diamante, bem como um conjunto de
48 curtas-metragens que at pouco tempo eram inteiramente desconhecidos, no constando,
inclusive, da base de dados Filmografia Brasileira. Registrados originalmente em pelcula de 16
milmetros por Dcio Corra de Oliveira fundador do Cine Glria entre os anos de 1949 e
1970, esto agora recuperados por meio de parceria entre a Petrobras e a Cinemateca Brasileira.
H tambm homenagens a Eldio Teles, fundador da Rdio Difusora, e a Rubens Alves
Correa, ator e diretor de teatro aquidauanense que em 1963 recebeu o Prmio Molire de
melhor ator por sua atuao na pea A escada, de Jorge Andrade.
Rita Natlia, historiadora da Fundao de Cultura de Mato Grosso do Sul, coordenou a
readequao dos espaos expogrficos, valorizando um patrimnio importante para a
histria da cidade e do estado. Muitas peas estavam l h anos sem nenhuma informa-
o de sua origem, explica Caciano Lima, coordenador do projeto que cuidou da docu-
mentao museolgica, da ca-
talogao de peas, dos inven-
trios e dos termos de doao
do acervo.
Sediado em um belo edifcio
que remete o visitante histria
de Aquidauana, o Museu de
Arte Pantaneira, vinculado Fun-
dao Municipal de Cultura, est
localizado na rua Cndido
Mariano, 472, na rea central da
cidade. (Mrcio Breda)
Acervoredescoberto
Em 25 de setembro passado, Mato Grosso do Sul despediu-se de um arteso de significativo trabalho no desenvol-
vimento da artesania local. Jlio Csar Nunes Rondo, nascido em Guia Lopes da Laguna conhecido por sua produo
de onas pintadas , faleceu aos 55 anos, deixando um legado que todos os sul-mato-grossenses iro guardar na
memria, tendo contribudo com suas prprias mos para o fortalecimento da identidade cultural do estado.
Autodidata, comeou a modelar com massinha escolar quando criana. J crescido, mesmo se dedicando a outros
ofcios para sobreviver, sempre procurou conciliar o tempo disponvel com a atividade manual. A partir de 1989, resolveu
dedicar-se exclusivamente ao artesanato, poca em que passou a produzir bichos do Pantanal, como jacars, capivaras e
onas pintadas. Transformou a vocao em renda quando passou a comercializar seus produtos na Casa do Arteso de
Campo Grande. A partir de 1990, foi se destacando e participou de eventos em outros estados, abrindo novos mercados.
A ona pintada de Rondo, em argila, madeira e concreto, uma pea de referncia do artesanato sul-mato-
grossense. A esposa, Joana Avalhaes, e seus cinco filhos ministram oficinas promovidas pela Gerncia de Atividades
Artesanais da Fundao de Cultura de Mato Grosso do Sul, ensinando a tcnica aos interessados. A qualquer pessoa
que se interessava pelo trabalho, ele repassava seu conhecimento. Vamos dar continuidade a seu legado como uma
forma de homenagear sua experincia. Apesar das dificuldades pelas quais passava para produzir depois de sofrer
um derrame em 2002, ele nunca deixou de dedicar-se ao artesanato sul-mato-grossense, diz a companheira.
As ltimas peas produzidas pelo arteso podem ser encontradas na Casa do Arteso de Campo Grande, que fica
na rua Calgeras, 2050, centro. Informaes pelo telefone (67) 3383-2633. (Gisele Colombo)
JLIO CSAR NUNES RONDOO arteso das onas pintadas
Aps reformulao, museu est recebendo
considervel fluxo de turistas que chegam com
o Trem do Pantanal. No acervo, peas e objetos
antigos contam a histria da cidade.
Rondo soube
transformar vocao
em renda por meio
do artesanato e
tornou-se referncia.
FO
TO
S: SIR
NA
Y M
OR
O
DANIEL REINO
AR
QU
IV
O D
A FA
MLIA
-
7CULTURA EM MS - 2010 - N.3 7CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Em Corumb, o vendedor exibe a fieira, fres-
quinha, na esquina mesmo: peixes de couro es-
querda, pescada direita. O ano de 1974 se mos-
tra na moda das estampas, sandlias e calas boca-
de-sino.
Fotografias como esta, que registram cenas e
momentos histricos das dcadas de 1970 e 1980
em Mato Grosso do Sul, compem a exposio
itinerante Cultura & Sociedade em MS. Projeto
do Arquivo Pblico Estadual, j percorreu os mu-
nicpios de Aquidauana, Aparecida do Taboado,
Caarap, Campo Grande, Corguinho, Costa Rica,
Dois Irmos do Buriti, Maracaju, Navira, Nioaque,
Ponta Por, Ribas do Rio Pardo, Rio Brilhante,
Terenos e Trs Lagoas.
A proposta sensibilizar por meio da arte
fotogrfica, contribuindo para o processo de
ensino e aprendizagem da formao social e
cultural de Mato Grosso do Sul, explica Caciano
Lima, especialista em museologia. Com a fora
que tem a imagem na sociedade contempor-
nea, a fotografia pode ser boa fonte de inspirao
para que o observador estabelea relaes e forme
uma percepo mais completa e apurada sobre
esse momento na histria do estado. Havia o
sonho de tornar MS um paradigma nacional. A
industrializao e a mecanizao das atividades
agropecurias, a formao de pequenas cidades,
o conflito entre modernidade e tradio, tudo
isso transparece no conjunto de fotografias ex-
postas, completa.
A maior parte das obras de autoria de Roberto
Higa, profissional campo-grandense com mais de
40 anos dedicados fotografia. Outras foram ce-
didas pelos acervos de Caarap, Corumb, Ponta
Por e pela LuzAzul Produes.
Junto com a exposio, o projeto Arquivo
Itinerante realiza oficinas de gesto de documen-
tos e assessora os arquivos municipais. Para capa-
citar os gestores, o Arquivo Pblico Estadual ofe-
rece os cursos de Introduo a Arquivologia e No-
es Bsicas de Preservao e Conservao de Do-
cumentos e Livros, entre outros ainda em
elaborao. (MV)
Ainda na barriga, a me acalma o beb s com a melodia da
sua voz. Quem trabalha com musicalizao infantil sabe como
essa sabedoria popular s uma das evidncias do poder da
msica sobre as crianas para estimular seu desenvolvimento,
percepo, coordenao motora e sociabilidade. Alm de ques-
tes especficas de msica, durante as aulas trabalhada a ques-
to psicossocial da criana e o fortalecimento do vnculo entre
pais e filhos, conta a cantora Melissa Azevedo.
Desde 2001, Melissa trabalha com musicalizao infantil, en-
cantada com a disponibilidade, a facilidade e a aptido que toda
criana tem para realizar msica. Hoje mantm no Centro Cultu-
ral Jos Octvio Guizzo, em Campo Grande, a Oficina de
Musicalizao para Bebs, com turmas que abrangem a faixa
etria de oito meses a cinco anos.
Nas aulas, a criana recebida em sala com uma msica de
boas-vindas, cantada em roda e sempre com acompanhamento de teclado. Em se-
guida, cantam-se e tocam-se sequncias de canes, com o objetivo de estimular a
percepo rtmica e auditiva e a diferenciao de altura, durao, intensidade e tim-
bre. So escolhidas canes folclricas e composies contemporneas de diversos
educadores musicais que despertem na criana vontade de ouvir, reproduzir e
criar, conta Melissa. Como estmulos para a criao, sugerem-se a produo de
gestos faciais e percusso corporal e a reproduo de sons emitidos pelos animais, bem
como danas e brincadeiras cantadas que possam desenvolver a psicomotricidade.
Me de Davi e Eva, Melissa cantarolou para os filhotes, desde a barriga, can-
tigas brasileiras e msicas eruditas infantis. Observei cedo neles uma sensibilida-
de para questes musicais, como afinao e preciso rtmica, o que pode gerar
controvrsias se tal sensibilidade se d devido gentica ou estimulao preco-
ce ao procedimento musical. A criana reflexo do que os pais so e, musical-
mente falando, do
que eles ouvem. Por-
tanto, oriento-os
sempre a pesquisar
sobre o que vo ofe-
recer e a abrir mo
de qualquer tipo de
msica adulta. Exis-
te um universo mui-
to bom de msi-
cas infantis, basta
pesquisar com quem
trabalha com o as-
sunto. (MV)
vivo
Musicalizao para bebs
DA
NIE
L R
EIN
O
RO
BE
RTO
H
IG
A
Arquivo
CANTORASClssicos da msica popular brasileira ganham um caldo diferente quando
elas interpretam. So 35 meninas, entre 10 e 14 anos, que emprestam suas vozes
para compor arranjos em escalas variadas. De Mercedita a Negro gato.
necessrio ouvir!
Criado pela Fundao Municipal de Cultura (Fundac) de Campo Grande em
parceria com a Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB) com a ideia de
rearranjar clssicos da msica brasileira e de Mato Grosso do Sul, o Coral das
Meninas Cantoras comeou a dar frutos neste ano. Inscries foram abertas a
toda a comunidade, com a nica exigncia de que as participantes tivessem
at 14 anos.
Nos ensaios, atividades especficas para coro infantil e juvenil como aqueci-
mento corporal e vocal, exerccios de respirao e sensibilizao musical, alm de
formao do repertrio musical. Nas apresentaes, uma vontade enorme de sol-
tar a voz especialmente em msicas regionais, que ganham arranjo jovial com a
entonao das meninas.
A primeira apresentao, em julho de 2010, encantou a plateia. O grupo, que
at ento no possua nenhuma experincia musical, apresentou sem erros as
composies ensaiadas. Agora o objetivo cumprir uma agenda de apresentaes
e arrebanhar apreciadores da arte. (MB)
Meninas
-
8 CULTURA EM MS - 2010 - N.38 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Patronos
1 - JOO SEVERIANO DA FONSECA
2 - PAULO COELHO MACHADO
3 - EDUARDO OLMPIO MACHADO
4 - ALEIXO GARCIA
5 - EMLIO SCHNOOR
6 - MANUEL DA COSTA LIMA
7 - ERNESTO GEISEL
8 - NEWTON CAVALCANTI
9 - JOO BATISTA DE SOUSA
10 - MIGUEL PALERMO
11 - TEMSTOCLES PAES DE SOUSA BRASIL
12 - LUS ALBUQ. DE MELO P. E CCERES
13 - JANGO MASCARENHAS
14 - JOS DE MELO E SILVA
15 - FREI MARIANO DE BAGNAIA
16 - DEMSTENES MARTINS
17 - HRCULES FLORENCE
18 - JOS BARBOSA RODRIGUES
19 - VESPASIANO MARTINS
20 - VISCONDE DE TAUNAY
21 - JOS GARCIA LEAL
22 - HLIO SEREJO
23 - ANTNIO JOO RIBEIRO
24 - JOO DE BARROS CASSAL
25 - GUIA LOPES DA LAGUNA
26 - JOS ANTNIO PEREIRA
27 - FERNANDO CORREIA DA COSTA
28 - LUS ALEXANDRE DE OLIVEIRA
29 - PEDRO CHAVES DOS SANTOS
30 - PADRE JOO CRIPPA
31 - ACYR VAZ GUIMARES
32 - NGELO JAYME VENTURELLI
33 - ROSRIO CONGRO
34 - GUIDO BOGGIANI
35 - JNIO QUADROS
36 - D. ANTNIO BARBOSA
37 - HARRY AMORIM COSTA
38 - JOS OCTVIO GUIZZO
39 - RICARDO FRANCO
40 - SENHORINHA BARBOSA
Tradio, em sua origem latina tradere, sugere transmisso. De
conhecimentos, costumes e valores dos ancestrais que esclarecem o
presente dos vivos e garantem a continuidade de uma sabedoria do
passado. Em Mato Grosso do Sul, uma instituio trabalha justamen-
te com essa misso: o Instituto Histrico e Geogrfico (IHG-MS).
Fundado na poca da criao do estado, em 3 de maro de 1978,
ele realiza, incentiva e divulga estudos histricos, geogrficos, artsti-
cos, estticos, ambientais, tursticos e institucionais sobre Mato Grosso
do Sul. Entre seus quarenta integrantes, figuram importantes nomes da
poltica, das artes, das letras, da magistratura e do magistrio sul-mato-
grossense. De profisses e origens distintas, os pesquisadores do Insti-
tuto se unem no objetivo de contribuir na construo, preservao e
difuso da cultura sul-mato-grossense.
Uma das principais frentes de trabalho o resgate e a edio de
documentos e obras de valor histrico. Entre as publicaes de des-
taque esto as Obras Completas de Hlio Serejo (nove volumes), a
srie Memria sul-mato-grossense (j com nove volumes) e Pelas
Ruas de Campo Grande, do memorialista Paulo Coelho Machado
que tambm fundou o Instituto. Se o assunto Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul, o IHG-MS se interessa. Um exemplo importante foi o
trabalho realizado com o romance Inocncia, escrito por Visconde
de Taunay e publicado em 1872 no Rio de Janeiro. Como os cen-
rios naturais e alguns personagens so inspirados na regio que hoje
Paranaba, o professor Hildebrando Campestrini refez o roteiro de
Taunay pelo Bolso sul-mato-grossense e lanou uma obra que foi
considerada a mais rica sobre o assunto, como destacou Francisco
Leal de Queiroz, ex-presidente da Academia Sul-mato-grossense de
Letras. Na edio, o leitor encontra informaes sobre em quem se
inspirou o autor para criar cada personagem e a localizao dos
ambientes, com fotos, mapas e ilustraes.
Como Inocncia, livros importantes da historiografia local ti-
nham sido divulgados apenas fora do estado, como Cana do Oes-
te e Fronteiras Guaranis, de Jos de Melo e Silva, at a iniciativa
Titulares
VALMIR BATISTA CORREA
IDARA NEGREIROS D. RODRIGUES
VERA TYLDE CASTRO PINTO
JOS COUTO VIEIRA PONTES
CELSO HIGA
VAGA
VERA MARIA MACHADO PEREIRA
ALISOLETE DOS SANTOS WEINGARTNER
PAULO CEZAR VARGAS FREIRE
WALTER CORTEZ
CLEONICE BOULEGAT
PAULO MARCOS ESSELIN
REGINA MAURA LOPES COUTO
YARA BRUM PENTEADO
FREI ALFREDO SGANZERLA
JOO PEREIRA DA ROSA
HILDEBRANDO CAMPESTRINI
LEDIR MARQUES PEDROSA
MARCELO DE MOURA BLUMA
RENATO RIBEIRO
FRANCISCO LEAL DE QUEIROZ
PAULO EDUARDO CABRAL
MOYSS AMARAL
ERON BRUM
MAURA CATHARINA GABNIO E SOUZA
EDSON CARLOS CONTAR
ANTNIO LEMOS DE FREITAS
JOO CAMPOS
PEDRO CHAVES DOS SANTOS FILHO
ARNALDO RODRIGUES MENECOZI
JOS CORREA BARBOSA
NGELA ANTONIETA ATHAN. LAURINO
EURPEDES BARSANULFO PEREIRA
VAGA
CARLOS EDUARDO CONTAR
FRANCISCO JOS MINEIRO JUNIOR
HEITOR RODRIGUES FREIRE
NGELO MARCOS V. DE ARRUDA
LCIA SALSA CORRA
WILSON BARBOSA MARTINS
do Instituto de public-los e discuti-los em MS. Essas duas, como
outras obras, foram digitalizadas e esto disponveis na biblioteca
eletrnica do IHG-MS, no site http://www.ihgms.com.br.
Outra iniciativa que aproveita as novas tecnologias a construo
da Enciclopdia das guas e da Enciclopdia Virtual de Mato Grosso
do Sul. Esta ltima tem como pblico-alvo o estudante mdio e uni-
versitrio. Seu contedo abranger histria, geografia, artes, turismo e
meio ambiente. O programa j est instalado e um conjunto de apro-
ximadamente mil verbetes est pronto para ser inserido, com partici-
pao voluntria e gratuita de associados e colaboradores.
Alm da informatizao do seu acervo, os principais desafios que
o IHG-MS enfrenta hoje so consolidar a credibilidade, dar institui-
o organizao empresarial e concluir seus principais projetos:
Memorial de Inocncia, Enciclopdia das guas e o Centro Histrico-
Geogrfico de Mato Grosso do Sul, conta o professor Hildebrando
Campestrini, que est na presidncia desde 2000.
Com o lema testis temporum testemunha dos tempos a
instituio tambm promove congressos, simpsios, seminrios, con-
ferncias e palestras ligados s finalidades do Instituto. Para quem
quiser conhecer melhor a agenda ou consultar o acervo da Instituio,
a sede fica na avenida Calgeras, 3.000, e atende ao pblico no hor-
rio comercial. (MV)
IHG-MS . Cadeiras
TradioInstituto Histrico e Geogrfico de MS
presenteFA
BIO
PE
LLE
GR
IN
I
Uma grande regio de Mato Grosso do Sul com potencial turstico e
elevado valor geolgico e cultural deve receber em breve a chancela da
Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura (Unesco)
para a criao do segundo geoparque brasileiro, o Bodoquena-Panta-
nal. Uma minuta do projeto que j reconhecido por meio de decreto
do governo estadual foi traduzida para o ingls e enviada no ms de
outubro para avaliao e chancela.
Mas afinal, o que um geoparque? Segundo Neusa Arashiro,
gerente de Patrimnio Histrico e Cultural da Fundao de Cultura de
Mato Grosso do Sul, trata-se de uma rea protegida, tanto em mbito
federal quanto estadual, que contenha riquezas geolgicas e
paleontolgicas de importncia cientfica, raridade e beleza, represen-
Chancela da Unesco tando uma regio e sua histria geolgica eventos e processos.Geoparque engloba ainda conceitos de proteo, educao e desen-volvimento sustentvel.
Para aprovar o Geoparque Bodoquena-Pantanal, a Unesco levar
em conta o valor cientfico de rochas e fsseis, a contribuio para o
desenvolvimento socioeconmico da regio e a possibilidade de con-
tribuir para a formao de alunos nas geocincias.
Segundo Margareth Ribas, superintendente do Instituto do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan) em MS, o decreto do
governo estadual e a busca da chancela oficial da Unesco para o
Geoparque Bodoquena-Pantanal mostram o interesse na preservao
de reas de riquezas geolgicas e podem estimular novos projetos. Man-
tendo as discusses, podemos criar outros geoparques onde tambm
h muita riqueza geolgica. Essa iniciativa valoriza e faz incrementar as
polticas para geoparques em Mato Grosso do Sul. (MB)
-
9CULTURA EM MS - 2010 - N.3 9CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Meu pai marceneiro, arte-
so e msico, e tem um esprito
cigano. Sempre mudou de cida-
de pelo menos a cada dois anos.
Eu nasci em Amambai, e aos 15
anos, morando em Rochedo, j
era louco para ir a Campo Gran-
de fazer teatro. No primeiro cur-
so descobri que era aquilo que
eu queria para toda a vida. Aos
17 fui para o Rio de Janeiro cur-
sar artes cnicas na Casa
das Artes de Laranjeiras (CAL).
Paralelamente, fiz Escola Nacio-
nal de Circo (ENC) e comecei o
bal para incrementar o corpo
do ator. Ento comecei a traba-
lhar nestas trs reas.
Entrei no Ballet Stagium em
2000 e tive que parar com o circo e com o teatro. Permaneci na escola por dois anos. Dali,
participei do grupo XPTO, em So Paulo, que une as linguagens da dana, do teatro e do
circo. Depois voltei ao Rio para entrar na companhia da Deborah Colker, que mistura circo e
dana acrobtica em suas apresentaes. Na mesma poca, na Fundao Progresso, tam-
bm fiz cursos de especializao em areos, de que gosto muito. Tudo que pra cima me
agrada, a minha modalidade.
Com algumas ideias e certa bagagem na rea circense, tendo passado pelos circos
Marcos Frota (1999), Orlando Orfei (2003) e Beto Carreiro (2005), voltei a Campo Grande
para fundar a Circo Escola Pantanal, em 2008. Comeamos com alguns projetos sociais,
como o Circo Escola Especial, na Pestalozzi. Tambm trabalhamos o circo como uma opo
de atividade fsica. Temos uma clientela bastante ecltica, de 18 a 65 anos. J o grupo de
apresentao do Circo Escola Pantanal composto por mim, Luiz Claudio Chueda, Nelson
Feitosa, Ademar Alvarenga e Natlia Alvarenga, com Ana Claudia Pinheiro na produo.
Agora estou estruturando para oferecer cursos de artes cnicas para alunos da rede
pblica e municipal de ensino, em 2011. Meu objetivo formar profissionais durante
quatro anos, em atividades dirias de meio perodo.
ULISSES NOGUEIRA
circense, ator, bailarino e diretor da Circo Escola Pantanal
A vontade de escrever brotou em mim mui-
to precocemente. Aos 10 anos, ganhei um
concurso de redao falando sobre Santos
Dumont. Minha professora errou: Vai ser jor-
nalista ou escritor! Acabei engenheiro e ad-
vogado. Antes disso, aos 12 anos (no sei bem
como), tudo comeou em um parque de diver-
ses da ento avenida Marechal Deodoro de
Campo Grande, hoje um trecho da Afonso Pena
na regio do bairro Amamba, onde, atenden-
do a pedidos dos recrutas e dos amigos do
colgio General Malan, eu redigia recados apai-
xonados destinados s donzelas, lidos na
voz melosa do locutor do servio de alto-fa-
lantes. As audaciosas promessas de muito
amor e admirao jovem de trana usando
vestido azul e casaco vermelho pagavam mi-
nha paoca, meu guaran e minha pipoca.
Na mocidade, o futebol quase no me dei-
xou escrever. Limitava-me a mandar bilhetinhos
com sonetos de Bilac, Varela e Almeida para mi-
nhas paqueras. Nas universidades catlicas que
frequentei, iludido com a enganosa mar ver-
melha dos campi, dedicava minhas eloquentes
estrofes pseudomarxistas para Fidel, MST,
Guevara, Sendero Luminoso. Ca na real.
Desengavetei meus contos. Meus livros mais an-
tigos, As Bruxas de Campo Grande e O mist-
rio do Festival de Bonito, contam estrias do
Pantanal e da minha Cidade Morena, sempre
misturando fico realidade. O recm-publica-
do O lobisomem do trem do Pantanal, tam-
bm. Outro atual, Como esquecer um grande
amor?, dedicado a um pblico mais jovem, aler-
ta para os prs e contras de uma relao amoro-
sa entre pessoas de geraes diferentes.
Em tempo: para quem visita Campo Grande,
gosta de uma boa estria contada ou encenada
e de msica em geral tudo ao ar livre , reco-
mendo que d uma esticada at o Memorial da
Cultura, no centro da cidade, sempre na ltima
sexta-feira de cada ms. V se deleitar com o
Espao da Poesia. Coisas boas acontecem por l.
Vale mesmo a pena.
JAIR BUCHARA
advogado, engenheiro e escritor
Eu estava trabalhando numa produtora, a Umas e
Outras Produes, e comecei a me interessar por cine-
ma. Para o trabalho de concluso de curso, queria
escrever um livro e acabei juntando cinema e literatu-
ra. Publiquei Salas de sonhos histria dos cinemas
de Campo Grande, junto com Neide Fischer. A partir
da as portas comearam a se abrir. medida que
trabalhos de produo surgiam, vislumbrei que Sa-
las de sonhos era um dos primeiros livros sobre cine-
ma no estado e o interesse pelo tema cresceu. Em
agosto de 2010, foi publicada a continuao dele,
mapeando a histria das salas de cinema em cerca de
40 cidades sul-mato-grossenses. Viajar pelo estado
encontrando pessoas que abriram suas caixas de recordaes foi uma das coisas mais
incrveis que me aconteceram. Para elas, foi muito nostlgico falar desses espaos onde
viveram diversas experincias, onde puderam viajar pelo mundo por meio da stima arte.
Agora, a cada nova aventura ou vivncia visualizo um filme, de curta ou longa-metragem.
Fui selecionada para a Escola Internacional de Cinema e Televiso de San Antonio de los
Baos, em Cuba. Em 2012, quando terminar o curso, quero voltar com um projeto de
documentrio nas mos, para desenvolver em MS. preciso mais maturidade dos investido-
res em cinema para reconhecer o potencial cinematogrfico que MS tem e a possibilidade
de crescimento no setor.
MARINETE PINHEIRO jornalista e estudante de cinema
Eu nasci no Par, mas ainda criana vim para Trs Lagoas, morar com um senhor que transportava as
tropas, e foi ele quem me ensinou a tocar o berrante. Durante cinco anos acompanhei as comitivas. Fiquei
apaixonado! O berrante no serve s para tocar a boiada, tambm o jeito pelo qual o tropeiro se
comunica. Dependendo de como a gente sopra, tem um significado diferente. Pode ser um toque para
despertar o grupo, mudar de posio, parar para o almoo e at para demonstrar respeito como quando
se passa na frente de uma igreja ou de um lugar onde um companheiro morreu. Em 1992, comecei a
participar de concursos de berrante. No comeo s pela cidade mesmo, mas depois no Brasil inteiro. Em
Barretos, a capital do rodeio, fiquei em segundo lugar em 2006, tocando Ave Maria no berrante, e em
2009 consegui ser campeo. O berrante meu trabalho. J tenho at CD gravado. Hoje estou trabalhan-
do num DVD que vai acompanhar a rotina de uma comitiva de gado. Eu acho que muito importante
registrar essas imagens, porque aquilo fazia parte da nossa vida, n? O estado dependia muito da
pecuria e a comitiva era fundamental para o transporte do boi. Hoje isso est mudando e ningum mais
se lembra do trabalho dos tropeiros. A gente tem que manter essa histria viva na mente das pessoas no
nosso Mato Grosso do Sul. , eu no nasci aqui, mas eu chamo de nosso. J sou sul-mato-grossense.
NEGUINHO BERRANTEIRO
(Edvaldo Castro Guimares) tocador de berrante
o que sou, o que me contm
DA
NIE
L R
EIN
O
DA
NIE
L B
ELA
LIA
N
AN
DR
IO
LLI C
OSTA
AR
QU
IV
O PESSO
AL
-
1 0 CULTURA EM MS - 2010 - N.31 0 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
EV
ER
SO
N TA
VA
RE
S
EV
ER
SO
N TA
VA
RE
S
Com formao em Engenharia Eltrica e em Cincias Econmicas,
tenho, em paralelo s atividades profissionais, a mania de pesquisar. O
hobby envolve assuntos ligados Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
(NOB), compositores dos anos 1930-60 da Msica Popular Brasileira,
gibis, cinemas, as turmas de meninos de Campo Grande nas dcadas de
1960 e 1970, figuras do cotidiano que se tornaram populares na Cida-
de Morena e a imigrao japonesa, entre outros. O prazer de resgatar
momentos to significativos e de pesquisar assuntos ligados cidade
natal, pela qual sou apaixonado, encontra eco no vis nostlgico da
comunidade. No se pode deixar que esses sentimentos se percam,
preciso registr-los! De certa forma, a nostalgia traz o passado que
perdemos...
Minhas infncia e adolescncia foram vividas em outro ritmo de
vida. Se antes tudo era mais calmo, a fase de transformao econmica
global dos anos 1960 e 1970, o desenvolvimento dos grandes centros
urbanos e o seu reflexo no interior do pas alteraram os valores e os
costumes predominantes. Era uma poca em que o fornecimento de
energia eltrica na regio sul do ento Mato Grosso era precrio, e as
lmpadas da iluminao pblica mais pareciam um tomatinho de to
fraca que era a luminosidade. No existiam as grandes redes de super-
mercados e o abastecimento para a populao era feito por armazns,
quitandas, bolichos, aougues e a feira central. A catao da fruta nati-
va guavira nos campos e arredores era uma festana para a petizada.
Tenho muitas saudades desses ricos momentos infantis, quando as
prprias crianas elaboravam seus brinquedos quando os pais no ti-
nham condies de comprar.
Lembranas visuais e auditivas foram marcantes para a minha for-
mao pessoal de livre pesquisador. A primeira pesquisa que tomou
certo tempo para concluso e publicao foi a da passagem do compo-
sitor Cartola por Campo Grande, em 1962, que foi homenageada pela
msica Cidade Morena at hoje desconhecida pela maioria dos
campo-grandenses. Entre as ltimas pesquisas em realizao est a
investigao, nos cartrios de Corumb, Miranda, e Aquidauana, dos
registros de bitos de japoneses que trabalharam na construo da
Estrada de Ferro no perodo de 1908 a 1914, verificando o quantitativo
e a saga desses imigrantes. Tambm iniciei um levantamento sobre os
costumes das serenatas que os rapazes faziam para suas amadas.
CELSO HIGA engenheiro e pesquisador
Nasci em Campo Grande em 1958, mas desenvolvi minha formao acadmica e pro-
fissional no Rio de Janeiro. Meu pai militar e foi transferido para l nos anos 1960, para
fazer um curso de paraquedismo. O curso tinha durao de um ou dois anos, mas ele
acabou ficando trinta. Fiz escola de Belas Artes e comecei a ter contato com a dana, no
grupo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Essa participao me levou at a
escola de ballet do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e acabei me transformando em um
profissional de dana.
Vivi 25 anos de ballet. Um momento que marcou minha carreira foi quando dancei o
Bolero de Ravel com o ballet de Stuttgart, em 1979, no Maracanzinho, para mais de
trs mil pessoas. No dormi naquela noite. O espetculo terminava com Mrcia Hayde
danando sobre uma mesa, e eu era um dos bailarinos que pulavam, ajoelhavam na mesa
e caam aos ps dela.
Trabalhar com Sergio Britto no final da dcada de 1980 na pera Carmen, de Bizet,
tambm foi uma experincia muito rica. Imagine uma montagem que tem 150 pessoas
em cena e Sergio Brito chamando todos pelo nome. Robson, voc entrou atrasado!
Claudia, aqui pra direita! Renato, no a sua vez! Nos ensaios, quando Srgio contava
a histria de Carmem, qualquer pessoa que estivesse ao lado jurava que a histria era
verdica, que ela teria existido. O grande barato de tudo foi ter convivido com pessoas
que somaram muito na minha vida, no s como artista, mas como ser humano.
No clube Estoril atualmente exero a funo de diretor cultural, dirigindo o Grupo de
Tradies Portuguesas.
ROBSON SIMES DE ALMEIDA
diretor cultural do Clube Estoril e bailarino
Passei a primeira infncia na fazenda, no sudoeste da Bahia. Pelo
rdio ouvamos de Luiz Gonzaga a Waldick Soriano. Meus pais faziam
serenatas em dueto: seu Jaime pensando que era Nelson Gonalves,
enquanto dona Santinha se via Inhana, a parceira do Cascatinha. E
como danvamos nos forrs da Piabanha, luz do fif!
Em frente de casa, em Montanha, moravam cinco meninas cujos
nomes terminavam com ilca. A mais velha, Milca, nos chamava para
brincar de drama. Tendo um lenol por cortina, improvisvamos
algo que s muitos anos depois descobri que se chamava teatro.
Na casa de Vitria da Conquista, aos 11 anos admirava o tio
Britto reproduzindo quero-queros em vidro transparente. Usava
nanquim, guache e, para dar um ar de obra nova s reprodues,
mudava a cor do fundo. Na feira, via o trabalho de ceramistas anni-
mos e o olhar cego dos violeiros repentistas. Adolescente, em
Linhares arrisquei meus primeiros versos.
Quando cursava Biologia, em Vitria (ES), o prato mais aguarda-
do no restaurante universitrio era o grupo regional Chores da
UFES, formado por jovens cinquentenrios. O cineclube e as cantorias
no Centro Acadmico eram a sobremesa. Nesse caldeiro cultural,
cantei no coral e participei de oficinas de literatura. De fato, a arte
o alimento da alma!
Mas a poesia, para mim, foi tambm o po verdadeiro, pois me
ajudou a cursar a universidade. Naqueles tempos de mquina
datilogrfica e mimegrafo, ser operrio da palavra no era fora de
expresso: frequentemente imprimamos os livros artesanalmente. J a
fotografia entrou na minha vida casualmente: em 1992, j residindo
em Campo Grande e dando aulas na Universidade Federal de MS, pre-
cisei registrar a reproduo do acar-bobo em aqurio num trabalho de
concluso de curso de uma aluna de Biologia. A tcnica veio pelo m-
todo da tentativa e erro e pelas dicas do sr. Maurcio Tibana e de seu
filho Ricardo, do Higa e do saudoso Didi, no ento mais importante
ponto de encontro de fotgrafos da cidade: Foto Universo.
Sei o quanto as vrias formas de expresso artstica que vivenciei
ajudaram na minha atuao tcnico-cientfica e na docncia. Por
isso falo aos meus trs filhos: Sigam a profisso que quiserem, mas
vocs tm sete artes disposio para que se expressem e no fi-
quem bitolados. Escolham pelo menos uma!
PAULO ROBSON DE SOUZA
educador ambiental, poeta e fotgrafo
GE
RA
LD
O D
AM
AS
CE
NO
JR
.
-
1 1CULTURA EM MS - 2010 - N.3 1 1CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Histria em construo
ENTREVISTA
MARISA BITTAR
Mato Grosso do Sul
Como comeou seu interesse pela histria de Mato Grosso do Sul?
Eu me interessei primeiro pela poltica. Depois comecei a estudar a educao
pblica do estado e aprofundei meu interesse no doutorado, pesquisando a gnese
de Mato Grosso do Sul, trabalhando com um tema indito, que gerou outros
estudos e me realizou muito, pois tudo que eu no queria era abordar um assunto
da moda ou que j fosse muito pesquisado.
Que motivaes deram origem causa divisionista e o que a alimen-
tou por quase um sculo?
A motivao inicial foi a dificuldade de comunicao. Mato Grosso uno tinha
uma configurao alongada no sentido norte-sul, com as duas regies isoladas
uma da outra. Essa geografia fez do regionalismo um elemento intrnseco forma-
o histrica de Mato Grosso do Sul, estava na base da sua concepo, mas ainda
no era divisionismo. O divisionismo foi o recrudescimento do regionalismo e
nasceu nas primeiras dcadas do sculo XX, em funo dos interesses dos grandes
TRINTA ANOS DEPOIS, COMPREENDER AS VERDADEIRAS RAZES DA CRIAO DO ESTADO
CONTINUA UM DESAFIO PARA A DEFINIO DE UM PROJETO COLETIVO DE LONGO PRAZO.
1977. O regime militar impunha ao Brasil sua
lgica de progresso, desenvolvimentismo e segu-
rana nacional. Nesse contexto deu-se a diviso de
Mato Grosso. Na poca, a jovem Marisa Bittar con-
clua o curso de Histria em Campo Grande e logo
comearia sua carreira docente. Crtica e engajada
na luta pelo restabelecimento das liberdades demo-
crticas e nos ideais de transformao poltica e so-
cial, a pesquisadora elegeu como temas de sua car-
reira acadmica a ditadura militar, a geopoltica, o
regionalismo e o poder poltico. Em 2009, trinta
anos depois da instalao de Mato Grosso do Sul,
seu amor pela histria e pela terra onde ela e seus
familiares, paulistas de Franca, recomearam a vida
resultou em uma abrangente pesquisa da
historiografia regional. A obra Mato Grosso do Sul:
a construo de um estado, de sua autoria, investi-
ga as causas da diviso e as trs primeiras dcadas
de existncia de MS.
Publicado em dois volumes, com mais de 900
pginas, o livro comeou a ser pensado em 1992,
quando Marisa conclua o mestrado em Educao
na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS) e visualizava a chance de trabalhar o tema
no doutorado em Histria na Universidade de So
Paulo (USP). Foi uma dcada e meia de pesquisas
com fontes raras e inditas e muita reflexo.
O trabalho trouxe questes candentes para os
sul-mato-grossenses, com concluses corajosas. O
movimento divisionista seria demanda que sempre
esteve vinculada s elites polticas e econmicas do
sul de Mato Grosso? O estado, nascido sob a marca
do autoritarismo, prescindira de participao e
anseios populares? O luto do norte ilustraria me-
lhor a diviso que a recepo no sul, evidenciando a
deciso ditatorial? As foras polticas sul-mato-
grossenses no conseguiram formular um projeto
que justificasse a diviso?
Nesse cenrio, a autora prope a reflexo sobre a
herana recebida da histria e evidencia o desafio de
se elaborar um novo sonho para o futuro do estado,
a ser enfrenta-
do, sobretudo,
pelas novas ge-
raes de sul-
m a t o - g r o s -
senses.
Organizada em
dois volumes, a
obra foi publicada
com incentivo
do FIC/MS.
-
1 2 CULTURA EM MS - 2010 - N.31 2 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
proprietrios rurais, que tinham dificuldades para le-
galizar suas terras. O problema vinha desde o final da
guerra com o Paraguai (1864-1870) e gerou o ciclo
das lutas armadas entre coronis. No antigo mapa
Cuiab no ficava no norte e sim mais ao centro. Tanto
que, depois da diviso, ficou no sul do atual Mato
Grosso. Mas a expresso norte comeou a designar
aquilo que o sulista no conseguia alcanar e, da em
diante, o antagonismo ficou simplificado na expres-
so norte-sul. A causa foi alimentada porque havia
uma razo objetiva: o isolamento. No entanto, depois
que Campo Grande se tornou o centro poltico do sul,
a obsesso de sua elite era a de que a cidade se tor-
nasse a capital, isso era mais importante do que dividir
Mato Grosso. Paradoxalmente, a diviso aconteceu
quando comeava a haver integrao, decorrente do
modelo econmico do regime militar.
O sonho divisionista foi mais uma causa
de idealismo identitrio ou de interesses eco-
nmicos?
Eu acredito que, a partir de certo momento, foram
as duas causas juntas. O estado tinha uma configura-
o que facilitava o regionalismo. A ocupao do sul
por mineiros, paulistas e gachos trouxe um compo-
nente cultural diferente daquele que predominava no
norte. A partir da dcada de 1930, a rivalidade com
Cuiab comeou a se manifestar por meio da
dicotomia progresso-atraso. O progresso identificado
com o sul, principalmente com as fazendas moder-
nas, ao passo que no norte, segundo divisionistas,
nem cerca de arame existia. A base da comparao
era a atividade econmica da classe latifundiria sulis-
ta. O progresso tambm era associado formao
cultural do sul, enquanto o atraso, aos hbitos cultu-
rais do cuiabano, visto como no-empreendedor, vi-
vendo da mquina do Estado. A partir da foi criada
uma ideologia divisionista, que foi sendo propagada
com o exagero desses elementos culturais, fazendo
deles uma caricatura: o sulista representado como pes-
soa de iniciativa prpria, que no precisava da ajuda
do Estado para viver, enquanto o cuiabano, dado a
festas e a viver beira do rio, sobrevivia s custas do
clientelismo e do paternalismo. Essa viso foi passan-
do de gerao a gerao e, conforme o sul se desta-
cou como polo mais dinmico da economia mato-
grossense, ela se entrelaou ao iderio divisionista.
Portanto, a superioridade econmica da regio gerou
uma viso sobre a relao norte-sul e a obsesso da
oligarquia sulista em ter o governo estadual ali.
fato que Mato Grosso do Sul deve tudo
ao boi, como disse Paulo Coelho Macha-
professora titular de Histria e Filosofia da Educao da Universidade Federal de
So Carlos-SP, tendo coordenado a Ps-Graduao em Educao por trs anos. Foi
fundadora e primeira presidente da Associao Nacional de Histria (ANPUH), ncleo
de MS (1985-1989). Alm da obra em dois volumes Mato Grosso do Sul: a construo
de um estado, autora de vrios livros, entre os quais Estado, educao e transio
democrtica em Mato Grosso do Sul (Editora UFMS, 1998) e coautora de
Proletarizao e sindicalismo de professores na ditadura militar (Editora Pulsar,
2006). Tambm em parceria, escreveu De freguesia a capital: cem anos de educao
em Campo Grande (1999). pesquisadora bolsista do CNPq e recebeu o Prmio
CAPES por ter orientado a melhor tese da rea de Educao no Brasil em 2008.
do em uma frase que consta de seu livro?
Por qu?
De certa forma, sim. O sul de Mato Grosso, hoje
Mato Grosso do Sul, comeou a se distinguir econo-
micamente por causa do timo desempenho dessa
atividade. A partir de um pequeno plantel da raa nelore
importado da ndia, especialmente aps 1930, a pe-
curia alcanou um melhoramento gentico que su-
perou a qualidade da prpria matriz. Nos anos 1960-
70, novas iniciativas fizeram do nelore do estado um
dos melhores, ou o melhor, do mundo. Com isso,
aconteceu uma revoluo silenciosa na economia do
estado e do pas. Hoje, por outro lado, a indstria
comea a deslanchar e Mato Grosso do Sul um dos
grandes produtores de gros do Brasil.
Se a diviso surgiu como uma causa de inte-
resse dos pecuaristas, em que medida e como
se deu o envolvimento de outros setores so-
ciais nessa questo?
Por ser uma causa improvvel, nem mesmo entre os
latifundirios ela obteve total adeso. Ningum nessa
classe, caso exercesse cargo poltico, queria correr risco
de perder votos. A diviso nunca foi uma causa popular
e acabou dando certo por um triz. Quando foi decidi-
da, em 1977, os divisionistas no estavam fazendo
absolutamente nada por ela. Quanto aos outros setores
sociais, a diviso, por ser uma bandeira da classe mais
rica do sul de Mato Grosso, que exercia hegemonia na
poltica, acabou se tornando uma ideia incorporada pela
populao, como se os argumentos legitimassem a pr-
pria causa. Mas a sociedade sul-mato-grossense nunca
chegou a discutir essa questo, ela pairava como algo
que talvez pudesse dar certo, especialmente depois que
Campo Grande passou a aspirar condio de capital
criou-se uma ideia meio difusa de que isso seria legti-
mo, por ser a maior e mais rica cidade de Mato Grosso.
Ento, a partir dos anos 1930, a ideia da diviso incor-
porada por setores da poltica do sul do estado, ganha
espao na imprensa escrita e vai se difundindo, mas
sempre como algo que ficava no imaginrio coletivo,
nada organizado. Uma possibilidade.
Qual foi o papel da classe intelectual no
processo da diviso?
uma questo interessante. Os intelectuais do sul
de Mato Grosso, nos anos 1930-40, eram muito pou-
cos e geralmente ligados s letras, medicina, po-
ltica. Nessa fase se destacou, por exemplo, Oclcio
Barbosa Martins, embora ficasse mais conhecido
Vespasiano Barbosa Martins, por ter liderado o sul de
Mato Grosso a favor de So Paulo em 1932. Oclcio
foi deputado e escreveu um livro que se tornou a
bblia do divisionismo, alm de redigir documen-
tos em nome da Liga Sul-Mato-Grossense. Os inte-
lectuais daquela poca eram pessoas organicamente
ligadas classe dos grandes proprietrios rurais, que
tinham tido a oportunidade de estudar no Rio de Ja-
neiro ou em So Paulo, como Paulo Coelho Macha-
do, por exemplo. Por isso no tivemos intelectuais
contra o divisionismo, s a favor. Intelectuais de ou-
tras classes, fruto da urbanizao dos anos 1970, es-
A CONJUGAO
DO ASPECTO
REGIONAL AO
NACIONAL EXPLICA
A DIVISO, MAS A
CAUSA REGIONAL
SOZINHA JAMAIS
TERIA FORA PARA
CONSEGUIR
O FEITO.
QUEM MARISA BITTAR
-
1 3CULTURA EM MS - 2010 - N.3 1 3CULTURA EM MS - 2010 - N.3
tavam sintonizados com o contexto poltico nacio-
nal, com a questo da redemocratizao do pas, no
com a diviso do estado.
A diviso acabou se concretizando no con-
texto da geopoltica do governo militar. Por
que Mato Grosso foi o estado escolhido para
iniciar essa experincia?
Porque existia uma manifestao histrica pela divi-
so e, alm disso, o estado se enquadrava nas teses
geopolticas do general Golbery do Couto e Silva. A
geopoltica, em essncia, a poltica subordinada
geografia. Os militares, desde os anos 1920, tinham
estudos propondo dividir Mato Grosso porque acha-
vam o territrio muito grande, dificultando a integrao.
Outro fator foi o da segurana, pois acreditavam que
tinham de evitar possveis focos de guerrilha em nossas
fronteiras. Lembremos do caso Che Guevara. A diviso
dinamizaria o desenvolvimento capitalista e evitaria ata-
ques solertes do inimigo, conforme o jargo
geopoltico. Para completar, o regime militar enfrentava
uma crise poltica e o movimento democrtico crescia.
Sabia-se que a restaurao das eleies diretas para go-
vernadores no tardaria e o general Ernesto Geisel achou
que seria o momento ideal para dividir o estado, pois
teria mais uma unidade federativa para apoiar o regime.
Em seu discurso sobre a diviso, disse que era preciso
se prevenir para os dias de amanh. Que dias seriam
esses? Em sntese, a conjugao do aspecto regional ao
nacional explica a diviso, mas a causa regional sozi-
nha jamais teria fora para conseguir o feito. Foi deci-
so do regime militar.
Se a diviso aconteceu por um ato da dita-
dura militar, como saber se esse era mesmo
o desejo da maioria da populao naquela
poca?
Ns nunca saberemos. No houve consulta, no
h dados empricos. Ser que a maioria seria a favor?
A populao do sul era maioria, mas a diviso no
era consenso. No norte, presume-se que a maioria
fosse contrria. Essa questo no tem soluo. Por
isso, eu desenvolvi a seguinte reflexo: a diviso acon-
teceu sem consulta s duas populaes interessadas.
No dia 11 de outubro de 1977, a existncia de Mato
Grosso do Sul passou a ser realidade. Quem no sul
seria contra essa existncia, mesmo no tendo sido
divisionista? Provavelmente quase ningum. No nor-
te, houve resignao pela perda e ressentimento contra
o governo da poca; no sul, o nascimento de um
novo estado se sobreps ideia de diviso. Para as
geraes atuais, o fato de no saberem se a maioria
era contra ou a favor no faz sentido, uma no-
questo: Mato Grosso do Sul existe e isso basta. Com
o tempo, o sentimento que vai se sedimentando de
que todos eram a favor. Mas uma questo que ficar
sempre no terreno da histria, como uma marca de
nascena de Mato Grosso do Sul.
Por que no deu certo o estado-modelo
projetado inicialmente para MS no primeiro
governo, de Harry Amorim Costa?
A causa divisionista,
que teve incio ainda no
sculo XIX, culminou, em
1977, com a assinatura,
pelo ento presidente
Ernesto Geisel, da Lei
Complementar no
31, que
criou Mato Grosso do Sul.
1892
1920
1934
1943
1959
1960
1964
1965
1974
1977
1979
1946 1892 at primeira dcada
do sculo XX Ideias e anseios
divisionistas surgem nos confron-
tos armados entre coronis no
sul de Mato Grosso.
Dcada de 1920 No contex-
to das lutas tenentistas, propo-
sies de rediviso territorial do
Brasil contemplam o sul de Mato
Grosso.
1932 O sul de Mato Grosso
adere Revoluo Constitu-
cionalista Paulista. Bertoldo
Klinger nomeia, em Campo Gran-
de, Vespasiano Barbosa Martins
chefe do Governo Constitucio-
nal de Mato Grosso, em apoio
a So Paulo.
Outubro-Dezembro de
1932 Criao da Liga Sul-Mato-
Grossense, que prope a divi-
so de Mato Grosso.
1943 Criao do Territrio
Federal de Ponta Por
1946 Deputados sulistas,
entre os quais Italvio Coelho e
Oclcio Barbosa Martins, pro-
pem Assembleia Constituinte
Estadual que a capital de Mato
Grosso pudesse ser transferida
de Cuiab em caso de calami-
dade pblica. A proposio
encarada como divisionismo e re-
jeitada.
1959 Sulistas divulgam car-
taz sobre a diviso de Mato
Grosso.
1960 O candidato presi-
dncia da Repblica, Jnio Qua-
dros, sul-mato-grossense de nas-
cimento, rejeita apoio diviso
de Mato Grosso.
1964 Golpe de Estado. Os
militares assumem o poder. Go-
vernava Mato Grosso Fernando
Corra da Costa (UDN-sul).
1965 Pedro Pedrossian (PSD-
sul) eleito governador de Mato
Grosso derrotando o candidato
Ldio Martins Coelho (UDN-sul).
1974-75 Estudos geopolticos
do general Golbery do Couto e
Silva embasam deciso do pre-
sidente Ernesto Geisel de dividir
Mato Grosso. O governador Jos
Fragelli notificado.
1977 Criada Comisso Espe-
cial para supervisionar diviso de
Mato Grosso e instalao de
Mato Grosso do Sul.
1977 Em Campo Grande,
Paulo Coelho Machado reativa a
Liga Sul-Mato-Grossense para
apoiar a deciso de Geisel.
14/9/1977 Aprovado no Con-
gresso Nacional o Projeto de Lei
sobre a diviso de Mato Grosso.
11/10/1977 Geisel assina a
Lei da Diviso de Mato Grosso.
1o
/1/1979 Instalao do pri-
meiro governo de Mato Grosso
do Sul.
Nomeado por Geisel, Harry
Amorim Costa toma posse como
primeiro governador.
1934 Assembleia Nacional
Constituinte rejeita a proposio
sobre a diviso de Mato Grosso.
1932
-
1 4 CULTURA EM MS - 2010 - N.31 4 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Porque enquanto se acreditava na possibilidade de
um governo tcnico, os grupos polticos da Arena
[Partido da Aliana Renovadora Nacional] sul-mato-
grossense j tramavam sua queda, tanto que ele du-
rou s seis meses. Alis, a luta desenfreada pelo poder
comeou assim que Mato Grosso foi dividido. Por isso
o presidente Geisel nomeou Harry, um nome de fora.
Mas a fora de Pedro Pedrossian destituiu os dois pri-
meiros governadores. Por isso, o estado j nasceu em
crise poltica.
Parece ser opinio de grande parte da popu-
lao que o estado no alcanou o desenvol-
vimento esperado. A que voc atribui isso?
Essa percepo vem da herana do divisionismo,
da disputa com o norte, mas precisamos ter outra
compreenso de desenvolvimento. Mato Grosso su-
perou Mato Grosso do Sul em nmero de munic-
pios, populao e eleitores. Estava quase ultrapas-
sando Mato Grosso do Sul no rebanho bovino quan-
do conclu a pesquisa que deu origem ao meu livro.
Mato Grosso do Sul apresentou grande crescimento
na dcada de 1980; no manteve o ritmo, mas tem
melhores ndices de alfabetizao e expectativa
de vida. Deveria ter havido desenvolvimento com
maior distribuio de renda, com qualidade em edu-
cao pblica, sistema de sade, transporte coleti-
vo, gerao de empregos, acesso a terra. Mas quan-
do se fala nesse tema, ainda estamos condiciona-
dos lgica da comparao com o norte. E como
agora Mato Grosso cresce mais, fica essa frustra-
o, esse sentimento de inferioridade. Interessante,
no? o sentimento contrrio ao que moveu o sul
pela diviso.
Que papel desempenhou a imprensa do sul
e do norte no divisionismo?
No sul, o Correio do Estado, desde que surgiu, em
1952, defendeu a bandeira divisionista e enalteceu o
sul, principalmente a modernidade e o progres-
so de Campo Grande, alm de publicar manifestos
e matrias assinadas por divisionistas, como os arti-
gos de Oclcio Martins e de Paulo Coelho Machado.
Outra coisa: quando a causa estava morna, o jornal
fazia alguma matria para reaquec-la. No norte, jor-
nais como O Estado de Mato Grosso traziam uma
viso completamente diferente, tratando o divi-
sionismo como coisa de meia dzia de pessoas que
queriam a transferncia da capital para Campo Grande.
possvel notar a mesma diferena em 1932, quando
os jornais do norte designavam os sulistas como trai-
dores por terem apoiado So Paulo com intenes
separatistas, enquanto os do sul debochavam dos nor-
tistas por terem aderido a Vargas. Muito instigante
essa pesquisa. Agora, preciso ter pacincia, viu,
porque eu copiei quase tudo mo. E foram meses
de consulta!
Ao redigir sua tese voc j no residia em
Mato Grosso do Sul. O distanciamento aju-
dou ou dificultou o trabalho? Que vnculos
voc mantm com o estado?
Logo aps a
comemorao da
criao do estado,
teve incio uma trajetria
marcada por encontros e
desencontros polticos
em suas trs primeiras
dcadas.
Junho de 1979 Des-
tituio do governador
Harry Amorim Costa e no-
meao de Marcelo
Miranda Soares como se-
gundo governador de
Mato Grosso do Sul.
Setembro de 1980
Destituio de Marcelo
Miranda Soares e nome-
ao de Pedro Pedrossian
como terceiro governador
de Mato Grosso do Sul.
1981 O governador
Pedro Pedrossian garante
ao presidente Joo Bap-
tista Figueiredo a vitria
do PDS (ex-ARENA) na
primeira eleio para go-
vernador que ocorreria em
1982.
1982 Primeira eleio
para governador em Mato
Grosso do Sul.
Foram candidatos Wilson
Barbosa Martins, Jos
Elias, Antnio Carlos de
Oliveira e Wilson Fadul.
Eleito Wilson Barbosa
Martins (PMDB).
Maro de 1983 Posse
do primeiro governador
eleito de Mato Grosso do
Sul.
1984 Campanha das
Diretas-J.
1985 Fim do regime
militar. Votao indireta
de Tancredo Neves para
presidente.
1986 Pedro Pedrossian
e Ldio Martins Coelho se
unem no PTB para a cam-
panha eleitoral. Marcelo
Miranda Soares (PMDB)
vence a eleio para go-
vernador, derrotando
Ldio.
1990 Pedro Pedrossian
eleito governador.
1994 Wilson Barbosa
Martins eleito governa-
dor.
1996 Andr Puccinelli
eleito prefeito de Cam-
po Grande. Jos Orcrio
Miranda dos Santos (Zeca
do PT) perde a eleio no
segundo turno por 411
votos.
1998 Jos Orcrio
Miranda dos Santos (Zeca
do PT) eleito governador.
2002 Reeleio de Zeca
do PT para o governo es-
tadual.
2006 Andr Puccinelli
eleito governador.
2007 Trinta anos da
diviso de Mato Grosso e
da criao de Mato Gros-
so do Sul.
19791980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1990
1994
1996
1998
2002
2006
2007
-
1 5CULTURA EM MS - 2010 - N.3 1 5CULTURA EM MS - 2010 - N.3
Eu me mudei logo aps comear o doutorado e a
soluo foi fazer a pesquisa viajando. Perdi a conta
de quantas viagens fiz para realizar entrevistas, es-
tar no Correio do Estado, na Assembleia Legislativa,
no Arquivo Estadual em Cuiab ou para frequentar
o escritrio do Paulo Coelho Machado, onde tive
verdadeiras aulas sobre o nelore e sobre o governo
Harry Amorim Costa. Alm dessa maratona, conse-
gui atas do Senado Federal e alguma coisa da Esco-
la Superior de Guerra. Gosto muito de lidar com
diversidade de fontes no tenho preveno ideo-
lgica, por isso me empenhei. Ento posso dizer
que morar longe no me ajudou, mas tambm no
me impediu. Sobre os vnculos que mantenho com
o estado? So fortes. Tenho uma histria de militan-
te poltica aqui, foi em Mato Grosso do Sul que
descobri e compreendi o mundo, dediquei a minha
juventude a uma causa, constru amizades duradou-
ras, comecei a minha carreira e, sabe, tem o lado
afetivo tambm. Este foi o estado que o meu pai
escolheu para a nossa famlia recomear a vida. Por
isso eu vivo uma parte do ano em So Carlos e ou-
tra aqui. E continuo sendo eleitora sul-mato-
grossense, nunca transferi meu ttulo.
Seu trabalho relaciona um grande nmero
de entrevistas com lideranas polticas que
protagonizaram a fase de transio vivida pelo
novo estado de MS. Como foram esses conta-
tos? Houve resistncias? Quais as dificulda-
des de trabalhar com uma histria em pro-
cesso?
difcil interpretar a histria em processo porque
os efeitos do tempo ainda no agiram sobre ela, e
quando a sombra da noite cai que podemos ver me-
lhor o dia. Ou seja, o acontecimento do momento se
faz compreensvel com os desdobramentos futuros.
Tratar dos 30 anos de histria de Mato Grosso do Sul
foi um desafio, mas isso no significa que no possa-
mos compreender o processo no qual estamos inseri-
dos. Quanto s entrevistas, consegui quase todas as
de que precisei. O ex-governador Pedro Pedrossian no
me recebeu em 1995, quando eu fazia a tese, mas
acabei conseguindo um depoimento dele em 2006,
ao realizar uma pesquisa para o Arquivo Histrico de
Campo Grande sobre Euclydes de Oliveira, militante
do Partido Comunista Brasileiro que, alis, foi o parti-
do ao qual me liguei quando estudante. A entrevista
que no consegui mesmo foi com o ex-governador
Marcelo Miranda. As demais pessoas me receberam e
contriburam muito com minha pesquisa, o que no
significa que eu concordasse com seus pontos de vis-
ta, ao contrrio, fao uma anlise crtica sobre o de-
sempenho poltico da elite dirigente de Mato Grosso
do Sul. A riqueza da pesquisa foi analisar o seu pensa-
mento e sua prtica, alm de desvendar fatos que no
haviam sido estudados.
Outra fonte muito usada em sua pesquisa
foi a das matrias de jornal. Que cuidados o
historiador deve ter com esse tipo de fonte
que, apesar de dar prioridade ao aspecto
factual, pode ter posies poltico-ideolgi-
cas disfaradas?
O jornal necessrio quando um tema nunca foi
escrito ou sistematizado em livro, quando no h uma
primeira viso sobre ele ou quando nem mesmo uma
cronologia dos acontecimentos est clara e voc pre-
cisa tomar p da situao. Gosto de trabalhar com
jornais, acho que enriquece o texto, d vida. Mas o
historiador precisa partir do princpio de que ele um
documento como os outros, tem autoria,
intencionalidade e interesses. Pode inclusive desempe-
nhar papel de porta-voz de partido poltico. Ento,
necessrio que o historiador no o tome como garan-
tia de verdade, ele tem de saber que trabalha com
verses, no com a verdade. Cabe a ele submeter o
jornal e suas matrias ao mesmo exame crtico que
adota com outras fontes, descobrindo o que est nas
entrelinhas ou o que no est escrito. s vezes, a sim-
ples ausncia de um determinado assunto mais sig-
nificativa que a sua presena. Outras vezes s ele dei-
xa registrado determinado fato. Por exemplo, ningum
se lembra que Campo Grande foi o primeiro nome do
novo estado. Isso durou pouco, mas s nos jornais
encontramos 12 de outubro, 1977. Campo Grande.
Estado de Campo Grande.
Em que pontos voc acha que seu trabalho
mais inovou em relao ao que j existia at
ento?
Na abrangncia do tema, entrelaando a gnese de
Mato Grosso do Sul prtica de suas elites polticas
durante os primeiros trinta anos, e no uso das fontes,
o que me permitiu dar interpretaes diferentes a ver-
ses consagradas, especialmente quanto a pretensos
heris da diviso. Alm disso, mostrei o fator decisivo
da diviso: a geopoltica de Golbery.
Muito se fala na importncia do sentimen-
to de pertena para a consolidao de um
grupo social. Que papel tiveram as diferenas
culturais entre norte e sul no processo que
culminou com a diviso?
Culturalmente, o sulista no se identificava com sua
capital. Ele no conhecia, no se sentia pertencente
ao universo cultural cuiabano e o ridicularizava. Rejei-
tava at o falar cuiabano, que mantinha caractersticas
antigas da lngua portuguesa, devido ao isolamento
da colonizao. Por causa disso, quanta gozao o
cuiabano era obrigado a aguentar! Eu sei porque mo-
rei l. O sulista se sentia superior at pela ferrovia no
ter alcanado Cuiab. O fato que, tudo somado,
alm da influncia cultural paraguaia, o sulista era mais
identificado com o centro-sul do Brasil. Esse sentimento
de no pertencer ao universo cultural cuiabano era um
ingrediente divisionista, mas no foi determinante, nem
poderia ser a razo da diviso.
Qual sua opinio sobre propostas atuais de
mudana do nome de Mato Grosso do Sul?
Sou contra e j me posicionei publicamente. Na mi-
nha opinio, trata-se de um equvoco gerado pela for-
ma como aconteceu a diviso, que causou mal-enten-
DIFCIL
INTERPRETAR A
HISTRIA EM
PROCESSO
PORQUE OS
EFEITOS DO
TEMPO AINDA
NO AGIRAM
SOBRE ELA [...]
TRATAR DOS
30 ANOS DO
ESTADO FOI UM
DESAFIO, MAS
ISSO NO
SIGNIFICA QUE
NO POSSAMOS
COMPREENDER
O PROCESSO NO
QUAL ESTAMOS
INSERIDOS.
-
1 6 CULTURA EM MS - 2010 - N.31 6 CULTURA EM MS - 2010 - N.3
didos, coisas mal-
resolvidas. Quando se ale-
ga que devemos mudar o
nome do estado porque
ningum votou nesse
nome, respondo: Nin-
gum votou na prpria
diviso! Por isso devera-
mos ser contra a existn-
cia de Mato Grosso do
Sul? uma questo sem
sentido. Outro equvoco
o de associar o nome do
estado imposio de
uma oligarquia. O nome
de um estado, pas ou cidade transcende esse aspecto
e, na maioria das vezes, perde o sentido original. Outras
vezes surge de uma suposio errada, como foi o caso
do Rio de Janeiro. O nome de Mato Grosso do Sul
ideal porque sintetiza a trajetria divisionista, a gnese
do prprio estado, e faz parte da sua identidade. o
nico que abrange e representa toda a populao do
estado e, alm disso, eu acho um nome bonito. Ele
precisa de divulgao, no de substituio.
O estudo do processo de diviso do antigo
estado de Mato Grosso pode contribuir com
as discusses acerca de novas redivises do
territrio brasileiro?
Pode contribuir ao levantar questes que vo alm
de se passar uma rgua no mapa e separar uma regio
de outra. Eu procurei trazer baila a questo do senti-
mento de pertena, do apego a uma regio que, de
repente, sem que voc seja consultado, deixa de fazer
parte da sua histria pessoal. Discuti os interesses po-
lticos e econmicos de uma parte da sociedade se
sobrepondo s demais, a questo de se criar novas
estruturas administrativas para satisfazer grupos polti-
cos, a iluso de se estar criando modelos, quando
na verdade se est reproduzindo o que j existe. Con-
clu que diviso territorial assunto muito srio e deli-
cado, pode gerar expectativas no realizadas, provo-
car ressentimentos, crises de identidade, desagrega-
o. Diviso lida com pessoas, sentimentos, com o
passado dos povos e sua histria, arriscando um futu-
ro possvel. No coisa trivial.
Com todas essas ponderaes, voc, afinal,
concorda ou no com a criao de Mato Gros-
so do Sul, com a rediviso territorial? Teria
sido melhor Mato Grosso e Gois continua-
rem como eram antigamente?
Em geral, tenho reservas quanto s divises dessa
natureza. Concretamente, porm, so dois casos di-
ferentes. Mato Grosso do Sul nasceu de uma divi-
so imposta e, politicamente, sou contra decises
assim. Sentimentalmente, no gostei da diviso,
estranhei. Minha famlia tinha morado em Cuiab e
criamos vnculos afetivos l. s vezes me flagro co-
gitando sobre as possibilidades que hoje teramos
se Mato Grosso tivesse permanecido uno. No en-
tanto, objetivamente, passei a aceitar a diviso como
um fato consumado porque, apesar dessa marca de
nascena autoritria, Mato Grosso do Sul existe,
ele o nosso estado e a histria no volta atrs. Quanto
diviso de Gois, pelo menos houve participao
e consulta s populaes interessadas, pois o pro-
cesso que originou Tocantins ocorreu depois da di-
tadura militar.
Em seu livro voc coloca em questo a tese
do estado-modelo que Mato Grosso do Sul
seria aps a separao e fala da incapacidade
das foras polticas sul-mato-grossenses em
formular um projeto de estado que justificas-
se a diviso. A partir dessa herana histrica,
que desafio se apresenta para as atuais gera-
es de sul-mato-grossenses?
Decidi chamar a ateno para essa questo porque na
minha pesquisa lidei com trs geraes polticas: a
do ciclo das lutas armadas, com a qual nasceu a se-
mente separatista; a gerao seguinte, que fez de Cam-
po Grande o centro poltico do sul de Mato Grosso e
transformou o regionalismo em divisionismo, conse-
guiu a criao de Mato Grosso do Sul e foi vitoriosa
nessa causa; e a terceira, que era jovem quando a
diviso aconteceu e teve papel importante na cons-
truo de Mato Grosso do Sul, seja na poltica, nas
artes, no jornalismo, nas pesquisas acadmicas, par-
ticipando dessa construo no contexto da rede-
mocratizao do Brasil. Caberia agora gerao que
nasceu junto com o estado dar continuidade a essa
construo, compreender erros e acertos, assumir
causas, renovar as lideranas polticas, concretizar a
ideia de que Mato Grosso do Sul pode ser o sonho
de todos. Quando estava concluindo meus estudos,
li uma entrevista do ex-governador Jos Fragelli que
me impressionou pela coragem da autocrtica. O t-
tulo era A nossa gerao falhou e confirmou a mi-
nha anlise de que no havia projeto para Mato Grosso
do Sul. O que fazer, ento? Bem, se a Histria um
campo de possibilidades e est em construo, cabe
a ns o desafio desse projeto.
Que contribuies a cultura pode dar para a
construo dos prximos 30 anos de Mato Gros-
so do Sul?
Muitas. A cultura tem fora e capacidade de agrega-
o, difuso e promoo de valores humanistas. Acre-
dito que avanamos nesse setor. A cultura de Mato
Grosso do Sul forte, resultado de elementos diversos,
povos diversos, incluindo os indgenas e as migraes
estrangeiras, que ajudaram a construir o estado. Temos
uma histria interessantssima, fomos palco de uma
guerra trgica, uma parte do estado foi Paraguai, per-
tencemos a Mato Grosso, depois nos separamos. Te-
mos esse passado singular, alm da geografia, que nos
favoreceu com o Pantanal, Bonito, o Rio Paraguai, as
duas fronteiras estrangeiras. Temos uma bela msica,
artes plsticas marcantes, culinria diversa, a maravi-
lhosa c