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CAPÍTULO 6 - CULTURA ORGANIZACIONAL E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS 6.1. Recursos Humanos e Cultura Organizacional o interesse pela cultura organizacional remonta ao movimento do desenvolvimento organizacional do final dos anos sessenta do século pas- sado. Todavia, a sua qualidade de variável e metáfora organizacional só é patente a partir do célebre artigo de A. Pettigrew, na Administrative Science Quarterly, no final dos anos setenta do século Xx 122 Uma das razões prende-se com a necessidade de integrar, na explicação do sucesso organi- zacional, causas de ordem simbólica e subjectiva. Na década de oitenta do século passado, também houve lugar a muitas fusões de empresas e o sucesso de tais operações foi medido, tendo em linha de conta a forma como a cultura de empresa tinha sido gerida. Há muitas definições de cultura organizacional. Aliás, esta multiplici- dade de sentidos é herdada da ciência base, aquela que, por excelência, estuda a cultura, isto é, a Antropologia. Assim, encontramos definições desde as mais simples até às mais complexas, tais como: "a forma como se fazem as coisas aqui"; "normas, valores e crenças próprios de uma organi- 122 A. Pettigrew - On Studying Organizational Culture. Administrative Scien.ce Quarterly. Vol. 24 (1979), p. 570-581. 163

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CAPÍTULO 6

- CULTURA ORGANIZACIONAL E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

6.1. Recursos Humanos e Cultura Organizacional

o interesse pela cultura organizacional remonta ao movimento do desenvolvimento organizacional do final dos anos sessenta do século pas­sado. Todavia, a sua qualidade de variável e metáfora organizacional só é patente a partir do célebre artigo de A. Pettigrew, na Administrative Science Quarterly, no final dos anos setenta do século Xx122• Uma das razões prende-se com a necessidade de integrar, na explicação do sucesso organi­zacional, causas de ordem simbólica e subjectiva. Na década de oitenta do século passado, também houve lugar a muitas fusões de empresas e o sucesso de tais operações foi medido, tendo em linha de conta a forma como a cultura de empresa tinha sido gerida.

Há muitas definições de cultura organizacional. Aliás, esta multiplici­dade de sentidos é herdada da ciência base, aquela que, por excelência, estuda a cultura, isto é, a Antropologia. Assim, encontramos definições desde as mais simples até às mais complexas, tais como: "a forma como se fazem as coisas aqui"; "normas, valores e crenças próprios de uma organi-

122 A. Pettigrew - On Studying Organizational Culture. Administrative Scien.ce Quarterly. Vol. 24 (1979), p. 570-581.

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zação", passando pelos célebres "pressupostos básicos" de Edgar Schein123, até constituir um constructo multifacetado e polissémico, podendo ser encarado como "mapa mental", metáfora ou até mesmo como paradigma. Abordar as organizações de um ponto de vista cultural implica valorizar os aspectos humanos das organizações que, embora não seja uma abordagem nova na teoria organizacional - remonta a Elton Mayo -, acrescenta-lhe agora a conceptualização da própria organização como algo radicado na mente e no património das pessoas que a integraml24 •

Há diversas tipologias para classificar a cultura organizacional; umas são de dimensões unipolares (Deal e Kenndy, Harrison, Handy, White e Cock), outras são bipolares (Quinn, Denison)l2S.

Deal e Kennedy identificam quatro tipos de cultura (cultura de risco, agressividade, acção, processo), formados através dos quadrantes de dois eixos: alto e baixo risco e alta e baixa velocidade. Harrison e Handy defi­nem os quatro tipos de cultura (Zeus/poder, Apolo/função, Aténas/tarefa, Dionísio/atomista), através dos eixos de alta e baixa formalização e de alta e baixa centralização. White e Cock identificam os quatro tipos (regras, objectivos, inovação, apoio), usando os eixos de muito e pouco dinamismo e de muito e pouco controlo.

Denison identifica quatro tipos de cultura (consistência, desenvolvi­mento, adaptabilidade, missão), usando os eixos controle/flexibilidade e interno/externo. Quinn usa os mesmos eixos de Denison e define os seguintes quatro tipos: regras, objectivos, inovação, apoio.

6.2. A Cultura Influencia e é Influenciada pela GRH

Neste ponto, o que iremos tratar é da relação entre a gestão de recursos humanos e a cultura organizacional. Veremos como se poderá entender a cultura como uma consequência da gestão de recursos humanos ou, pelo contrário, como a gestão de recursos humanos é um artefacto da cultura.

123 João Bilhim - Teoria Organizacional. 3." ed. Rev. Lisboa: ISCSP, 2004. 124 José Neves - Clima Organizacional, Cultura Organizacional, Gestão de Recursos

Humanos. Lisboa: RH, 2000. 125 João Bilhim - Teoria Organizacional. 3 .• ed. Rev. Lisboa: ISCSP, 2004.

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A relação entre cultura organizacional e gestão de recursos humanos não é pacífica. Na literatura, as práticas de gestão de recursos humanos - recrutamento e selecção, fonnação, avaliação, remuneração, entre outras - são, por muitos autores, consideradas expressão da cultura da organiza-ção. Por outro lado, há quem saliente a influência recíproca entre gestão de recursos humanos e cultura.

Quando se encaram as práticas de gestão de recursos humanos corno consequências da cultura organizacional, parte-se do pressuposto de que é a cultura que detennina o tipo de gestão que se pratica na organização. A cultura enfonna tudo e todos nos contextos organizacionais, colocando as práticas de gestão, em geral, e as de recursos humanos, em particular, na dependência directa das características dos contextos organizacionais.

Deste ponto de vista, as práticas de gestão, para serem eficazes, preci­sam de ser desenvolvidas na dependência e em confonnidade com as exi­gências da cultura. Se tal dependência não tiver lugar, as práticas de gestão não possuem impacto real.

Edgar Schein ilustra bem este ponto de vista, na sua obra de 1985 inti­tulada Corporate Cu/ture and Leadership. Com efeito, para Schein, é a cultura organizacional que detennina o tipo de práticas de gestão. Para o autor, a cultura organizacional é um "padrão de pressupostos básicos que um dado grupo (organização) inventou, descobriu ou desenvolveu, apren­dendo a lidar com os seus problemas de adaptação externa e de integração interna e que têm funcionado suficientemente bem para serem considera­dos válidos e para serem ensinados aos novos membros corno o modo correcto de compreender, pensar e sentir em relação a esses problemas".

Schein pensa que a cultura organizacional pode ser analisada a diferen­tes níveis. Um primeiro nível diz respeito aos aspectos visíveis e tangí­veis (artifacts & creations), tais corno a arquitectura dos edificios da orga­nização, a tecnologia usada, a maneira de vestir, falar e de se comportar, chegando até às publicações dessa organização. Este aspecto é visível, mas nem sempre a sua mensagem é decifrável. Um segundo nível relaciona-se com os valores (values), o qual para ser visto requer já um maior nível de consciência por parte dos diversos actores organizacionais. Um terceiro nível, invisível - tornado à partida corno indiscutível -, é representado pelos pressupostos básicos (basic assumptions).

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Deste modo, as práticas de gestão de recursos humanos podem ser encaradas como uma das manifestações da cultura organizacional. Assim, tomando a cultura como uma variável organizacional, a ideia básica é cap­tar as normas, os valores e crenças que estão subjacentes à vida organiza­cional e que resultam dum processo mais ou menos longo de socialização e ajustamento mútuo. Como observa Schein, a cultura, neste sentido, é um produto da aprendizagem, da experiência do grupo. A cultura é algo que a organização "tem".

Por outro lado, o trabalho de Hofstede sobre a cultura da IBM, deste ponto de vista também pode ser paradigmático. O autor chama a aten­ção para o facto das práticas de gestão de uma multinacional reflecti­rem, de alguma forma, as cores da cultura nacional ,onde a IBM se encontra.

Para Hofstede, a cultura constitui uma espécie de programação mental, determinante, em parte, dos comportamentos, cognições e afectos das pes­soas. As configurações culturais, para o autor, permitem distinguir países e agrupá-los por famílias culturais. Por isso, na perspectiva de Hofstede, os fundamentos das práticas de gestão encontram as suas raízes mais profun­das na natureza da programação mental dos países onde tais práticas têm lugar.

Há autores que assumem uma posição oposta à anterior, afirmando que são as práticas de gestão de recursos humanos que determinam a cultura. A proposta de Ulrich e Lafasto coloca-se na posição teórica do tipo cogni­tivo para quem: "compreender a cultura organizacional implica a estrutura mental - ou pensamento automático - que os indivíduos partilham numa organização ( ... ) e que representa as maneiras inconscientes através das quais os indivíduos agem e pensam as organizações".

Para aqueles autores, estes pensamentos automatizados podem ser identificados nos diversos níveis da vida organizacional, podendo ser mudados ou mantidos através da transformação das práticas de gestão de recursos humanos. São as direcções de recursos humanos as responsáveis pelo tipo de cultura existente. Um tipo de cultura burocrática, inovadora, marcada pelos objectivos ou pelos processos é criada pela gestão de topo e pelas práticas de gestão de recursos humanos usadas.

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É interessante entender a profundidade do pensamento dos autores a este respeito. Numa perspectiva cognitiva, os esquemas mentais (cultura) são criados pelas experiências e comportamentos e pela informação obtida. Ora, as práticas de gestão de recursos humanos visam o fomento da comu­nicação e a direcção comportamental em função da eficácia. Logo, as práticas de gestão de recursos humanos marcam o tipo de cultura.

PRÁTICAS DE GRH INFORMAÇÃO COMPORTAMENTO

Desenvolvimento Comunica o que é valorizado Conforma-se com o que é

aprendido na formação

Avaliação Valoriza positivamente os pensamentos Promove comportamentos de

automáticos adequados acordo com a avaliação

Recompensas Paga de acordo com o que a informação Conformam-se com os valores

diz estar certo e objectivos

Estrutura Os papeis e a distribuição do poder Limita o quando e o como fazer

indicam o que se deve fazer

Comunicação Partilhada com a gestão de topo Indica o que está certo e errado

Selecção Quem é valorizado, através de quem é Encoraja comportamentos que

contratado, promovido ou mudado? levam a ser promovido

Nesta perspectiva, as pessoas são remetidas para um papel passivo que se adapta ao imperativo ou determinação do sistema cultural.

Quando se encara a cultura como sistema de ideias e significados par­tilhados, as organizações passam a assumir formas expressivas, manifesta­ções da consciência humana. As organizações já não são estudadas em termos económicos e materiais, mas nos seus aspectos simbólicos. Neste contexto, pode falar-se mais de as organizações serem cultura.

Nesta acepção, procura-se compreender a organização, tentando inter­pretá-la e descrevê-la, geralmente adoptando-se uma dupla perspectiva teórica:

• Cognitiva - em que se identificam os conhecimentos comuns utili­zados pelos membros da organização para percepcionar, classificar e analisar fenómenos e comportamentos;

• Simbólica - em que se tenta compreender como é que cada membro da organização partilha um sentido comum da realidade que com a

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experiência se tornou importante: o objecto de estudo é o processo que levou as pessoas a partilhar uma visão comum.

Este tipo de ênfase no papel das práticas de gestão como enformadoras do tipo de cultura assume um carácter determinista, de sentido oposto ao de Edgar Schein e de Hofstede.

6.3. Culturas e Subculturas

As organizações possuem cultura ou culturas? E se possuem apenas uma cultur~qual o papel das subculturas12ó?

A cultura dominante expressa as normas, os valores e as crenças essen­ciais a toda a organização e que são partilhados por um número maior ou menor de membros. Quando se fala de cultura organizacional, está-se a referir à cultura dominante, à macro visão da cultura que confere à organi­zação a sua personalidade distinta. Nesta perspectiva de identidade cultu­ral de toda a unidade social, há quem diga que a cultura está para a organi­zação como a personalidade está para o indivíduo.

Todavia, nem todos os autores estão de acordo em que haja apenas uma cultura organizacional. Deve-se a Sainsaulieu a ideia de proceder à análise cultural das relações de trabalho, mostrando que, sobretudo em empresas complexas e com marcada estratificação social, os diferentes grupos em presença referem-se a diferentes culturas e nelas baseiam inclusivamente os seus jogos e estratégias.

Num modelo pluralista, que labore a partir da dicotomia e que valorize acentuadamente as questões políticas, a cultura actua como suporte das estratégias inter-grupo e fará todo o sentido encarar a organização como possuindo diversas culturas, nomeadamente a cultura das categorias socio­profissionais.

No trabalho efectuado por Sainsaulieu, o autor concluiu a existência, numa única empresa, dos modelos culturais seguintes:

126 Geert Hofstede - Identifying Organizational Subcultures: An Empirical Approach. Journa) of Management Studies. VoI. 35, n.o 1 (1998), p. 1-12.

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• Operários não qualificados desenvolvem dois tipos de modelos: de "retirada", se a implicação na empresa é fraca (mulheres, emigran­tes), de "unanimismo", se a implicação é mais forte (fundidores).

• Operários qualificados têm igualmente dois tipos de comportamen­tos diferentes, consoante são confrontados com técnicas clássicas na presença de "solidariedade democrática" ou com técnicas de ponta "separatismo" .

• Técnicos, cujo comportamento, atraído pelo posição de quadro e pela lembrança da oficina, é caracterizado pela existência de "afini­dades selectivas".

• Quadros confrontados com os problemas da autoridade e a resistên­cia da organização, mas de forma individualizada, em que a "estraté­gia" é o modelo dominante.

• Empregados de escritório, repartidos entre dois modelos: "individu­a't'ismo» ou "acordo e compromisso", segundo o grau de integração na organização e nos grupos.

• Agentes de comando que, privilegiando e justificando por isso a sua posição hierárquica, seguem um modelo de "integração".

Num modelo que labore a partir do princípio da unidade, a cultura é, sobretudo, encarada como processo de integração e faz todo o sentido falar de subculturas. Estas, embora partilhem os aspectos fundamentais da cultura comum a toda a organização, de alguma forma apresentam departamentos com especificidades. Geert Hofstedel21 afirma que: "as organizações têm culturas, mas partes das organizações podem ter distintas subculturas".

É o caso dos diversos departamentos nas grandes organizações. Por exemplo, o departamento de contabilidade, à partida, possui normas, valores e crenças distintos dos do departamento de investigação e desenvolvimento.

Jones, em 1983, distinguiu a existência, no interior de uma organiza­ção, de três tipos diferentes de subculturas: produção, burocracia ou servi­ços administrativos, profissional. No estudo que acabámos de citar, feito por Geert Hofstede numa empresa de seguros, o autor distinguiu a pre­sença das seguintes três subculturas: profissional, administrativa e de quem tem a responsabilidade da relação directa com o cliente.

127 Geert Hofstede - Identifying Organizational Subcultures: An Empirical Approach. Journal ofManagement Studies. Vol. 35, n." 1, (1998), p. 1.

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As dimensões culturais, analisadas por Hofstede128 para caracterizar as três subculturas, foram: orientação para o processo ou para os resultados; orientação para o empregado ou para a função; postura paroquial ou pro­fissional; sistema aberto ou sistema fechado; alto ou baixo controlo; orien­tação normativa ou pragmática.

Se uma organização não tiver uma cultura, como variável indepen­dente, que permita aos seus membros uma interpretação comum do que seja adequado ou não fazer, naturalmente, nesta perspectiva, não sobrevi­verá. É, precisamente, este carácter de partilha de compreensão que con­fere à cultura a capacidade de guiar e dirigir os comportamentos.

Para Shein, a cultura é o cimento integrador de toda a organização e produto dos líderes formais, sobretudo dos heróis fun,jadores, enquanto que, para Sainsaulieu, não se pode falar de uma só cultura mas de diferen­tes culturas, com os seus líderes formais e informais, a definir não uma realidade unitária e consensual mas um sistema de acção concreto, com os conflitos de interesse e jogos de poder.

A cultura desempenha um papel crucial na manutenção de cumplici­dade na estrutura orgânica, pois é, em parte, através da cultura que a gestão assegura que todos os valores sejam consistentes com aqueles que são exteriores à organização.

Assim como os povos têm culturas diferentes, também o mesmo acon­tece com as organizações e os seus departamentos. Deste modo, tal como as culturas das sociedades ajudam a influenciar o comportamento dos seus membros, também a cultura das organizações influencia a opinião e o comportamento dos seus empregados.

6.4. Socialização e Cultura Organizacional

A socialização nas normas, valores e crenças da organização constitui o mais importante processo de aculturação dos novos empregados. O pro­cesso de aculturação ocorre nos dois sentidos: da empresa sobre o indiví­duo e destes sobre a empresa. A organização pode renovar-se com a admis­são de novos empregados e assim mudar a sua cultura, mas os empregados

128 Geert Hofstede - ob. cito p 8.

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também, ao integrarem a cultura da empresa, de alguma forma mudam alguns traços do seu perfil.

Todavia, na literatura, a perspectiva dominante é a que estuda o impacto da cultura da empresa sobre o comportamento dos indivíduos, com estes a assumirem uma atitude passiva e conformista face às imposições daquela. É neste sentido que Hellriegel L29 refere os resultados possíveis da socializa­ção bem e mal sucedida. Assim, a socialização organizacional afirma-se como um processo compatível com a perspectiva integradora da cultura organizacional. Aqui, a cultura seria uma espécie de cola que uniria os diversos elementos, dando-lhes coesão e sentido sistémico do todo.

SOCIALIZAÇÃO COM SUCESSO SOCIALIZAÇÃO COM FRAOJIl'SSO

Satisfação profissional Insatisfação profissional

Clarificação do papel Ambiguidade e conflito quanto ao papel

Forte motivação Fraca motivação

Compreensão e controlo Mal-entendidos, tensões, conflitos

Forte investimento no trabalho Fraco investimento

Forte adesão ao espírito organizacional Fraca adesão

Estabilidade de recursos humanos Absentismo e saídas para o exterior

Elevada qualidade Prestação suficiente

Aceitação interior dos valores Rejeição dos valores

Nesta perspectiva, em que a cultura tem a função de ligar as diversas partes da organização, os ritos organizacionais desempenham um papel fundamental no fortalecimento dos laços ou, antes, no reforço do cimento que liga os diversos tijolos do edifícios organizacional. No quadro abaixo, apresentam-se alguns exemplos de tais ritos.

Ritos organizacionais

RITOS Função Focagem Exemplo

Passagem Ascensão Individual Promover

Degradação Degradação Individual Despedir

Reconhecimento Valorização Individual Premiar

Renovação Nova estrutura Grupal Renovar a gestão

Integração Revitalização Grupal Festejar

Conflitos Equilíbrio Grupal Negociar

129 D. Hellriegel et aI. - Management des Organisation. Bruxelles: De Boeck, 1993.

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Numa perspectiva diferente, Van Mann e Shein salientam os diversos resultados da socialização, tendo em conta um conjunto de tácticas de socia­lização desencadeadas pela organização para integrar os novos membros. O que está em causa é o facto de a organização poder influenciar o modo através do qual os seus novos membros desempenham o seu papel, ao con­figurar a informação que estes recebem no momento do seu acolhimento.

Todavia, não será demais salientar que a socialização não tem lugar apenas no momento da integração de novos elementos. Na verdade, ao longo da sua vida profissional existem transições, sejam com origem na progressão hierárquica, sejam associadas a mudanças horizontais de fun­ções. A socialização é um processo contínuo que acompanha o cic1h de vida profissional dos indivíduos.

Edgar Schein, em 1997, chamou a atenção para o efeito desintegrador da existência de "comunidades ocupacionais", que atravessam as organi­zações e que têm que interagir com as culturas geradas na organização. O autor refere a existência de três culturas de gestão: cultura operacional; cultura de engenharia; cultura executiva.

A cultura operacional ocorre no interior de uma organização ligada aos departamentos operacionais. Os gestores operacionais assumem que o funcionamento do sistema é fruto da interdependência de todos os factores humanos e técnicos que formam a organização e conhecem o papel impor­tante que joga a qualidade da comunicação e a cooperação para que o tra­balho seja efectuado. Reconhecem que o imprevisto terá uma alta proba­bilidade de ocorrer, por mais regras e especificações que sejam reproduzidas, as quais exigem respostas inovadoras.

A cultura de engenharia é a dos elementos que concebem a tecnologia básica da organização e está presente nas tecnologias da informação, nos estudos de mercado, nos ~istemas financeiros. Esta cultura representa uma comunidade ocupacional que atravessa a organização, os sectores da acti­vidade económica e os próprios países. A sua preocupação central é a con­cepção de soluções para os problemas que sejam tecnicamente eficientes, em que as pessoas podem ser fonte de perturbação.

A cultura executiva integra os directores-gerais e os seus directos cola­boradores. É igualmente uma cultura que atravessa as organizações, secto-

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res e países, na medida em que os executivos tendem a ser confrontados com problemas semelhantes. A sua principal preocupação é a sobrevivên­cia e a manutenção do crescimento financeiro da organização. As pessoas são fonte de custo a minimizar e a actividade de gestão deve ser efectuada com sistemas e rotinas impessoais.

Para Schein, a dificuldade de aprendizagem organizacional reside nes­tas diferentes orientações culturais. Para os recursos humanos, o que se verifica é o facto de apenas uma destas culturas, a operacional, integrar as pessoas nas suas preocupações fundamentais. As outras relegam o J'apel dos recursos humanos para posições extremamente baixas na escala das suas preocupações.

6.5. Cultura Organizacional e Técnicas de GRH

o sistema de compensação de uma determinada organização expressa de alguma forma a cultura, constituindo uma manifestação cultural em si mesma e nos valores, normas e crenças que se encontram subjacentes a tais práticas de gestão. Todavia, se o sistema de recompensas expressa uma determinada constelação de valores e pressupostos básicos, também não é menos verdade que se a cultura organizacional não se afigura adequada lOS objectivos estratégicos da gestão, as mudanças no sistema de recom­Jensas vão contribuir para a mudança da cultura. Para Sethia e Von Glinow 1 relação entre cultura organizacional e recompensas é recíprocalJo•

Numa cultura organizacional altamente burocratizada, é expectável o nvestigador vir a encontrar um sistema de recompensas apoiado na anti­~idade. No entanto, se a mudança estratégica baseada nas novas exigên­:ias da envolvente exige uma nova forma de recompensar, por exemplo, laseada no desempenho efectivo de cada indivíduo, esta mudança no sis­ema de remuneração terá influência na cultura. É que os valores subjacen­es passam a ser outros. Os sinais que são dados pela gestão de topo vão o sentido de apoiar quem de facto contribuiu para os resultados e não uem à partida teria condições para os apoiar. Não se remunera com base o pressuposto de que um indivíduo com tais requisitos tem condições

130 N. Sethia, M. Von Glinow - Arriving at Four Cultures by Managing Reward System. ln R. ilman - Gaining Control on Corporate Culture. San Francisco: Jossey-Bass, 1985.

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para contribuir para o desenvolvimento da organização. Remunera-se, independentemente dos requisitos, quem de facto contribuiu.

Naturalmente, esta segunda forma de remunerar não está isenta de crí­ticas. A questão neste caso, mais polémica consiste em saber se todos os indivíduos tiveram iguais oportunidades de trabalhar. Por exemplo, no sector comercial sabe-se que nem todos os clientes são iguais, nem todas as áreas geográficas são iguais. Assim, quando se remunera a partir do negócio efectivamente obtido por um determinado vendedor, aqueles que foram colocados nas melhores áreas geográficas ou nos mesmos cliente~ não se encontram em pé de igualdade com os restantes.

De qualquer forma, no que toca à cultura organizacional, uma coisa é certa: passa a haver um novo valor para fundamentar o sistema de remuneração. A antiguidade deixou de ser um posto, as habilitações literárias abandonaram o seu papel de preditor do desempenho e ape­nas o trabalho efectivamente prestado é central como base do novo sistema.

Por exemplo, o pagamento acima da média do sector económico ou de igual grupo profissional, entre o sector público e o privado pode gerar uma cultura de elite, enquanto que o desenvolvimento de abordagens participativas dos trabalhadores na definição do sistema de recompensas favorece uma cultura de participação. Aliás, é este o fundamento princi­pal da ideia da gestão da cultura através dos sistemas de remuneração131 •

Quanto ao subsistema de formação e desenvolvimento, há muito que se assumiu a reciprocidade da relação com a cultura organizacional. A cultura está presente no processo de recrutamento, selecção, acolhi­mento, e formação inicial, contribuindo para a socialização e aculturação do novo membro. Todavia, em simultâneo, estas práticas de gestão de recursos humanos também expressam e configuram de alguma forma a cultura, constituindo elementos cruciais dos seus artefactos e dos respec­tivos valores subjacentes.

131 Lawler & Jenkins - Strategic Reward System. ln M. Dunnette ; L. Hough (eds) - Hand­book on Industrial and Organizado na I Psychology, 2th ed. Palo Alto: Consulting Psychologists Press, 1992.

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Para Harrison132, a cultura, a estrutura e o poder são os contextos onde l fonnação se desenvolve. De igual modo, Latham e CrandallI33 referem lue a fonnação contribui, numa percentagem significativa, para a mudança lo comportamento dos indivíduos e que as opções estratégicas assentes na novação requerem fonnação, de fonna a que as pessoas aprendam a lidar :om a ambiguidade e a incerteza.

132 Harrison - Training and Development. London: IPM, 1988. 133 Latham, Crandall- Organizational and Social Factors. ln J. Morrison - Training for Per­

rmance: principies of applied human learning. Chichester: John Wiley, 1991.

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