Cultura(s), Cidadania e Desenvolvimento · “A ideia de desenvolvimento saiu em primeiro lugar de...
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Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Fontes de Informação Sociológica
Cultura(s), Cidadania e Desenvolvimento
João Ricardo Simões Lopes Louceiro
2011151205
Cultura(s), Cidadania e Desenvolvimento
Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Fontes de Informação Sociológica.
Docentes: Paulo Peixoto e Paula Abreu
Ano letivo: 2013/2014
Aluno: João Ricardo Simões Lopes Louceiro
Nº: 2011151205
Imagem da capa: Talukdar, Diganta (2009), “Holi – The Festival of Colours”. Acedido em 16 de janeiro de 2014, disponível em <http://www.fotopedia.com/items/flickr‐3349893325>.
ÍNDICE
1. Introdução ............................................................................................................ 1
2. Estado das Artes ................................................................................................... 2
2.1. Conceitos ................................................................................................. 2
2.2. Liberdade e exclusão cultural .................................................................. 5
2.3. O caso Português ..................................................................................... 7
2.3.1. Enquadramento legal .................................................................. 7
2.3.2. População estrangeira residente em Portugal ........................... 7
2.3.3. Educação ..................................................................................... 8
2.3.4. Emprego ...................................................................................... 9
2.3.5. Habitação .................................................................................. 10
2.4. Conclusão .............................................................................................. 10
3. Descrição detalhada da pesquisa ....................................................................... 11
4. Avaliação da página Web ................................................................................... 12
5. Ficha de Leitura .................................................................................................. 13
6. Conclusão ........................................................................................................... 19
7. Referências bibliográficas .................................................................................. 20
ANEXO 1 – Página da internet avaliada
ANEXO 2 – Texto de suporte da ficha de leitura
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1. Introdução
No âmbito da disciplina de Fontes de Informação Sociológica, foram propostos pelos Professores Paulo Peixoto e Paula Abreu os temas “Desemprego e população qualificada”, “A crise do Estado democrático” e “Cultura(s), Cidadania e Desenvolvimento”.
Entre estes, escolhi o terceiro tema numa tentativa de compreender melhor qual o papel destes três fatores chave dentro de uma sociedade capitalista globalizada na qual, à partida, há pouco espaço para o desenvolvimento de novas culturas. O tema revelou‐se muito exigente à partida. Por um lado, deparei‐me com um excesso de fontes. Por outro, a maior parte destas pareciam‐me demasiado amplas para aquilo que eu pretendia.
Como ponto de partida, utilizei o texto de Toby Miller, Cidadania Cultural, indicado pelos docentes e disponível na online. A ficha de leitura correspondente encontra‐se no ponto 5 do trabalho (pp. 13)
O estado das artes deste trabalho divide‐se em três partes principais. Em primeiro lugar, uma clarificação de conceitos que me parecem importantes. Em segundo, debruço‐me sobre a questão da liberdade e exclusão cultural. Por último, analiso o caso português.
De seguida procedo a uma pequena descrição da pesquisa feita na elaboração deste mesmo trabalho. Convém referir que não se encontram descritos todos os resultados encontrados mas apenas os mais relevantes, motivo de um lapso na sua realização (não apontei todos os resultados à medida que fiz a pesquisa e não tinha o software necessário para me ajudar neste ponto), o que se refletiu também na elaboração das referências bibliográficas.
A página web avaliada é o Portal do INE. A escolha desta baseou‐se na ampla utilidade que o Portal teve no decorrer do ano letivo e, parece‐me, terá na pesquisa de um cientista social.
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2. Estado das Artes
2.1. Conceitos
Após trabalhar o texto "Cidadania cultural" de Toby Miller, pareceu‐me importante abordar a questão da cultura em si. O que é? Como pode ser estudada? Onde se pode observar o impacto das medidas de proteção da cultura numa sociedade cada vez mais caracterizada pelas migrações, interpenetrando culturas das mais variadas?
Em primeiro lugar, dada a complexidade do tema, parece‐me importante esclarecer alguns conceitos chave associados ao tema. Para tal, usei o Dicionário de Sociologia – Scribd e a Encyclopedia of the Early Modern World (traduzido por mim). São eles:
• Cultura: “A palavra "cultura" aparece no fim do séc. XI. Designa um pedaço de terra trabalhada para produzir vegetais e torna‐se sinónimo de agricultura (cultura alimentar, cultura forrageira, policultura). É no séc. XVIII que a cultura em ciências, letras e artes se torna um símbolo da filosofia das Luzes e que Hobbes designa por "cultura" o trabalho de educação do espírito em particular durante a infância. O homem cultivado tem gosto e opinião, requinte e boas maneiras. No séc. XIX, a palavra "cultura"(Kultur em alemão) tem por sinónimo "civilização" (termo preferido pelos franceses). Mas, ao passo que E. F. Tylor (1871) define a cultura através do desenvolvimento mental e organizacional das sociedades, como "esse todo complexo que inclui os conhecimentos, as crenças religiosas, a arte, a moral, os costumes e todas as outras capacidades e hábitos que o homem adquire enquanto membro da sociedade", a antropologia cultural americana, uns sessenta anos mais tarde, insiste no desenvolvimento material e técnico e na transmissão do património social. Segundo os culturalistas, a cultura, enquanto modo de vida de um povo, é uma aquisição humana, relativamente estável mas sujeita a mudanças contínuas que determina o curso das nossas vidas sem se impor ao nosso pensamento consciente. O sentido moderno do termo reporta aos modos de comunicação do saber nas sociedades em rápida transformação e aos objetos simbólicos produzidos por uma sociedade para veicular valores. A atenção incide nos mitos, noções, imagens e modelos espalhados em certos grupos sociais (cultura popular, cultura de elite) e por certos canais de difusão do saber: a cultura de massa é simultaneamente a que é transmitida pelos media e a que se dirige a um largo público.” (Scribd, 2008: 112‐113)
• Cidadania: “No mundo moderno, cidadania é um estatuto legal que concede direitos uniformes a todos os membros de um estado. A cidadania moderna está associada à igualdade perante a lei, não ser governado arbitrariamente, e um sentido básico de dignidade humana ligada à ideia de direitos humanos. É um termo poderoso que refere não só os direitos que os cidadãos reclamam, mas também os deveres a que são chamados, incluindo morrer pelo
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seu país. No início da Europa moderna, o estatuto de cidadão era muito menos conciso e mais variado. Como não existiam estados nacionais centrais e a vasta maioria da população era constituída por serventes dos senhores feudais, a ideia de cidadania, ou seja, um corpo de pessoas livres unidas por uma lei comum, estava restrita àqueles que gozavam de direitos plenos de pertença em cidades privilegiadas, os burgueses. Não existia o conceito de direitos universais dos cidadãos. Os direitos tomavam a forma de privilégios que eram legitimados pela tradição e distribuídos desigualmente de acordo com o lugar, estatuto e pertença a diversas instituições – igreja, parlamento, universidade, e outros. A cidadania era, então, uma simples forma de estatuto judicial que coexistia com uma vasta gama de grupos corporativos que concediam aos seus membros direitos e privilégios.” (Bossenga, 2004).
• Desenvolvimento: “A ideia de desenvolvimento saiu em primeiro lugar de uma metáfora, que identificava a sociedade com um organismo vivo que portanto se transforma, segundo um processo de maturação progressiva, para atingir pouco a pouco um estado de modernidade. Considera‐se que tais mutações envolvem todos os setores da sociedade (economia, estratificação social, ordem política).O desenvolvimento económico traduz‐se, no plano qualitativo, pelo florescimento de uma economia de mercado, pela passagem de uma agricultura de subsistência a uma economia de mercado e pelos progressos da industrialização. No plano quantitativo, mede‐se pelo recurso a diferentes índices, designadamente a elevação do produto nacional bruto (PNB).Remetendo assim para a construção da sociedade industrial, o desenvolvimento económico reveste também consequências sociais: enfraquecimento dos laços de dependência tradicional, individualização das relações sociais, progresso da divisão do trabalho social e, portanto, especialização das tarefas, urbanização, aparecimento de um certo nível de mobilidade social. O conceito foi retomado em sociologia política para explicar a realização progressiva de uma hipotética modernidade política. Tratava‐se, então, quer de designar a passagem de um regime autoritário a um regime democrático, quer de elaborar indicadores que medissem a capacidade dos sistemas políticos (por exemplo, nos domínios da extração, da distribuição ou da comunicação), quer de descrever as etapas que marcam a construção de um sistema político (formação de uma identidade nacional, de um poder legítimo, de uma burocracia eficiente, etc.), quer, finalmente, de conceber propriedades mais ou menos abstratas, comuns a todos os processos de mutações que devem afetar os sistemas políticos (secularização, institucionalização, etc.).Elaboradas no fim dos anos 50, com o início da descolonização, todas estas conceções são cada vez mais contestadas: adaptação um pouco ingénua da ideia ocidental de progresso, avatar de um evolucionismo já abandonado, elas assentam nos postulados inaceitáveis de uma mudança uniforme, programada, finalizada; têm em pouca conta a diversidade das culturas, a extrema complexidade das histórias e a imprevisibilidade das ações sociais. A essas conceções demasiado gerais, o sociólogo prefere doravante estudos de casos que ponham em evidência a especificidade de cada modo de desenvolvimento.” (Scribd, 2008: 126‐128)
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• Desigualdades sociais: “É desigual toda a repartição de um recurso que não é uniforme. A repartição do rendimento é desigual na medida em que um ou vários indivíduos têm uma parte maior que os outros. A desigualdade é uma diferença que os indivíduos e grupos sociais julgam segundo escalas de valor. Um Negro e um Branco diferem pela pigmentação da sua pele. Esta diferença natural não implica qualquer desigualdade. No entanto, em numerosas sociedades cada um deles goza de um estatuto diferente ao qual estão ligadas vantagens e desvantagens. As desigualdades são pois, essencialmente, sociais e estão ligadas à existência de estratificações económica, política, de prestígio, etc. Os trabalhos sobre a evolução das desigualdades de certos recursos, tais como o rendimento ou o nível de instrução, estabeleceram a existência de uma tendência para a redução das desigualdades, como o predizia Tocqueville, com tempos fortes e fracos, no entanto, e diferenças consoante o tipo de recurso. Mostrou‐se assim que, desde há um meio século, a desigualdade das hipóteses escolares baixou muito mais fortemente que a desigualdade dos rendimentos. Quanto ao problema da origem das desigualdades, recebeu várias respostas contraditórias: além do fundamento natural, em Aristóteles, por exemplo, que se relaciona com um discurso pré‐sociológico, J.‐J. Rousseau e Marx viram na propriedade a origem da desigualdade; para É. Durkheim, é a divisão do trabalho; para T. Parsons, a desigualdade é um princípio necessário à manutenção de toda a estrutura social.” (Scribd, 2008: 128‐129)
• Etnia: “A etnia define‐se, geralmente, como uma população designada por um nome (etnónimo), que se reclama de uma mesma origem, que possui uma tradição cultural comum, especificado por uma consciência de pertença ao mesmo grupo cuja unidade se apoia em geral numa língua, num território e numa história idênticos. Contudo, cada um destes critérios deve ser ponderado. O etnónimo pode ter sido um reagrupamento operado pelas necessidades da administração colonial. O nome pelo qual um grupo se designa valorizando‐se pode diferir daquele pelo qual os vizinhos o designam. Em muitas etnias, de dimensão variável, nas doze mil que se enumeram em todo o mundo, a unidade foi reconstruída miticamente e as tradições locais propagaram mitos errados envolvendo tanto as cisões como os reagrupamentos após conquista, migração, federação, aliança. Por vezes, os membros de uma etnia dominada adotaram a língua do seu dominador (por exemplo, no Futa‐Djalon guineense). O mesmo território pode ser partilhado por várias etnias e a mesma etnia pode encontrar‐se em espaços afastados (Arménios, Peules). Tendo a história oral sido sujeita a manipulações, é a identificação dos membros com uma etnia e o seu sentimento de pertença bilateral que especifica a etnia enquanto tal.” (Scribd, 2008: 186‐187).
• Migração: “A migração designa o deslocamento de populações de uma região para outra, particularmente das regiões rurais para as zonas urbanizadas, mas também de uma sociedade para outra. Em ambos os casos, não são os mais miseráveis que se deslocam, mas os que são mais suscetíveis de tomar consciência do desnível entre as suas aspirações
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e a possibilidade de concretizá‐las no local onde se encontram. O primeiro efeito da migração é o de obrigar os migrantes a elaborar uma série de novas funções. É mais marcado no caso das migrações internacionais. Para descrever as consequências destas migrações, vários sistemas conceptuais foram utilizados. Mas, em todos os casos, importa distinguir entre o que alguns chamam a assimilação cultural (qualificada por outros de aculturação),que designa a adoção pelos migrantes dos modelos culturais da sociedade de instalação, e a assimilação estrutural (muitas vezes qualificada de integração), que designa a participação nos vários grupos primários. M.Gordon (1964) pôde assim verificar que nos Estados Unidos da América os migrantes conhecem uma assimilação cultural rápida, mas uma fraca assimilação estrutural. Populações que adotaram os valores e as condutas conformes com os modelos nacionais nem por isso participam igualmente na vida social fora do seu grupo de origem. Em contrapartida, uma vez realizada a assimilação estrutural, ela traz consigo o fim dos casamentos endogâmicos e de todas as formas de especificidade. O processo de assimilação ganha formas diferentes nos países de imigração, como os Estados Unidos ou Israel, formados pelas migrações, e nos Estados‐nações de tipo europeu. No primeiro caso, formam‐se grupos étnicos que mantêm durante mais tempo os modelos culturais de origem e constituem um meio que favorece uma aculturação mais lenta e progressiva. No segundo caso, os migrantes, obrigados a adaptar‐se mais rapidamente às normas impostas pela sociedade de instalação, são menos suscetíveis de formar grupos sociais específicos. Pôde também verificar‐se nos Estados Unidos um fenómeno de retorno às identidades nacionais, segundo a teoria dita das três gerações. Os filhos dos migrantes nascidos nos Estados Unidos (a "segunda geração"), ainda mal seguros da sua identidade nacional, esforçam‐se por se integrar plenamente na sociedade americana, rejeitando a identidade irlandesa ou italiana do seu pai; em contrapartida, os netos ("a terceira geração"),que já não têm quaisquer dúvidas sobre a sua pertença social, recuperam a identidade nacional de origem graças à qual obtêm um estatuto e um lugar dentro da sociedade americana. A teoria das três gerações explica a situação dos Estados Unidos da América, onde se combinam identidades históricas particulares (italiana, grega, polaca, judaica, etc.) com uma participação cultural e política nacional; mas traduz mal os processos de aculturação no interior dos Estados Unidos.” (Scribd, 2008: 294‐296).
Como podemos ver, alguns destes conceitos são muito pouco específicos. O conceito de
cultura, principalmente, padece de uma falta de consenso em torno da sua definição. Por um lado, definições demasiado redutoras não permitem abordar o tema satisfatoriamente, dado que deixam de fora demasiados elementos. Por outro, definições excessivamente complexas, segundo as quais quase tudo é cultura, tornam‐se redundantes pois, se a cultura é tudo, não consegue explicar nada. É difícil de analisar o impacto real de medidas de proteção dos direitos e da liberdade cultural, dado que não há índices que se refiram a estes. Parece‐me, assim, que o mais importante e, talvez, a melhor forma de relacionar estas partes, será analisar o tema da liberdade e da exclusão cultural, tendo por base a discriminação económica e os índices de acesso à educação, emprego e habitação, nomeadamente no seio na comunidade portuguesa.
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2.2. Liberdade e Exclusão cultural
Para realizar esta análise, baseei‐me no trabalho de Manuel Couret Branco, Economia política dos direitos Humanos: Os direitos Humanos na era dos mercados. Segundo o autor, os direitos culturais são os que têm recebido menor atenção quer na Declaração Universal dos Direitos Humanos, quer nos subsequentes pactos (Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos). (Branco, 2012: 145) O primeiro obstáculo, como já foi visto, que se apresenta é a própria dificuldade em definir estes mesmos direitos e conceitos relacionados. É possível apreender a ideia de liberdade cultural, no entanto, não é possível medir concretamente esta liberdade cultural para além da simples enumeração da legislação específica relacionada com, por exemplo, os direitos das minorias.
O segundo obstáculo que se prende com estes direitos reside na construção dos Direitos Humanos. Os direitos humanos estão normalmente pensados como direitos do individuo. Para reconhecer os direitos culturais é, assim, necessário reconhecer os direitos de grupo. Não é de estranhar, portanto, que os direitos culturais que se exprimem como direitos civis dos indivíduos, como o direito à religião, tenham sido muito mais facilmente reconhecidos do que os restantes.
Mas o que é, então, a liberdade cultural? Segundo o Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas, liberdade cultural refere‐se à liberdade de uma pessoa escolher a sua identidade e viver a vida que valoriza sem, por isso, ser excluído de outras opções igualmente importantes, como a educação, saúde e oportunidades de emprego (UNDP, cit in Branco, 2012: 146). Por outras palavras, a liberdade cultural trata de prevenir a exclusão com base na cultura e, portanto, lutar pela diversidade cultural. A diversidade cultural não é, por si própria, um requisito à liberdade cultural, no entanto, sem que ela exista, corre‐se o risco de algumas escolhas pessoais se tornarem inviáveis.
Por outro lado, como se pode abordar o tema da exclusão cultural? De acordo com a base de dados Minorias em Risco, um em cada sete habitantes do planeta pertence a grupos minoritários sujeitos a alguma forma de exclusão (UNDP, cit in Branco, 2012: 156). Esta exclusão não assume uma forma exclusivamente económica. No Sudeste Asiático, os povos de ascendência chinesa, apesar de serem dominantes do ponto de vista económico, são alvo de exclusão cultural.
Mas não se pense que isto é exclusivo dos países em vias de desenvolvimento. Nos EUA, por exemplo, estima‐se que os homens afro‐americanos têm um salário 12 a 15% inferior à média dos restantes cidadãos, fruto de uma discriminação exercida no mercado de trabalho. É questionável se esta discriminação terá origem no próprio sistema económico, sendo uma vantagem para os empregadores que têm menos custos, ou se, ao invés, for uma condição pré‐existente da qual o mercado de trabalho simplesmente se aproveitou, ou ainda se são os próprios afro‐americanos que, tendo aceitado a condição a que são associados, deixam assim os estudos para segundo plano o que resulta numa inferiorização da sua situação profissional.
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2.3. O caso português
Para analisar o caso específico português, tomei como ponto de partida o texto Medidas de discriminação étnica em Portugal: uma análise exploratória. Este texto tem como ponto central a discriminação com base em raça e etnia. Em primeiro lugar, define discriminação em dois termos:
• Discriminação direta, na qual uma pessoa é tratada menos favoravelmente do que outra é, ou tenha sido, em situação comparável.
• Discriminação indireta, na qual a prática que parece ser neutra e de não discriminação é de facto desvantajosa para uma pessoa de determinada raça ou origem étnica comparada com outros. (Carrilho, 2007: 55)
2.3.1. Enquadramento legal
A legislação portuguesa procura prevenir todos os tipos de discriminação e punir os atos que violem os direitos humanos ou restringir direitos de qualquer pessoa pela pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou etnia.
Aqui apresenta‐se outra dificuldade em estudar o fenómeno da discriminação: a Constituição Portuguesa não permite a recolha de dados estatísticos com base na cor, raça, etnia ou cor de pele, salvo raras exceções que requerem uma autorização específica da Comissão Nacional de Proteção de Dados. (Carrilho, 2007: 55) Existem alguns registos que quantificam incidentes em determinadas áreas como a educação, saúde, mercado de trabalho, habitação e justiça criminal, mas não uma recolha de dados sobre discriminação através do sistema estatístico oficial.
Apesar desta falha, Portugal, implementou uma política para combater o racismo em termos de legislação criando um enquadramento legal de proteção às vítimas de discriminação. 2.3.2. População estrangeira residente em Portugal
Em Portugal, a população com residência legal ascende a 275 906 indivíduos o que representa 2,6 % da população total. A maior parte da população estrangeira vem de Africa (45.6% em 2005). A proporção de Europeus residentes em Portugal continua a aumentar e atinge 32.1%, vindo a maior parte do Reino Unido (6.9 %), Espanha (5.9 %) e Alemanha (4.9 %). A proporção de Brasileiros residentes era de cerca de 11.4 % em 2005. Nos anos noventa do século passado a imigração proveniente da Europa do Leste aumentou, especialmente a com origem na Ucrânia, Rússia e Roménia e representa, em 2005, 2.3% do total da população estrangeira residente em Portugal. (Carrilho, 2007: 60‐63)
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Fonte: INE cit in Carrilho, Maria José e Figueiredo, Maria Cidália Mesquita, 2007: 62
2.3.3 Educação
Em Portugal, todos os cidadãos têm o mesmo direito de acesso à educação, independentemente da sua cor de pele, sexo, língua, religião, país de origem, etnia ou qualquer outro estatuto. A primeira inscrição na escola é obrigatória para todas as crianças que completem os 6 anos de idade até 15 de setembro, independentemente da sua situação legal ou dos seus pais.
É no Secundário de Nível 1 que se deu o maior aumento de 1991 a 2001 (de 32,7% para 45,6%, respetivamente). Também o nível atingido no Ensino Superior tem vindo a aumentar, sendo a população que vem da Europa do Leste a que tem os melhores indicadores (30,6%).
Por outro lado, os imigrantes provenientes das antigas colónias portuguesas são os que apresentam os níveis mais baixos de educação. Em 2001, 74,4% da população estrangeira com idades entre os 15 e os 64 anos proveniente de cabo verde tinha ou nenhuma ou apenas o nível básico de educação. Da população com origem na Guiné‐Bissau e São Tomé e Príncipe, cerca de 50% apresentava o mesmo nível de educação. (Carrilho, 2007: 63‐64)
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INE cit in Carrilho, Maria José e Figueiredo, Maria Cidália Mesquita, 2007: 64
2.3.4. Emprego
É possível recolher informação sobre mercado de Trabalho de acordo com a nacionalidade dos trabalhadores. Ao contrário do observado nos outros indicadores, a população estrangeira em Portugal revela uma maior taxa de atividade do que a população nativa, o que é explicado pelo facto das primeiras serem sobretudo uma população trabalhadora. (Carrilho, 2007: 65‐66)
INE cit in Carrilho, Maria José e Figueiredo, Maria Cidália Mesquita, 2007: 65
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2.3.5. Habitação
A maioria da população estrangeira vive em alojamentos convencionais. Os imigrantes com origem nas antigas colónias e, em particular, de Cabo Verde são aqueles que vivem em piores condições. Na verdade, eles retêm a percentagem mais elevada de imigrantes vivendo em barracas. Contudo, o número reduz‐se a metade entre 1991 (22.3%) e 2001 (10.5%). Os imigrantes de Moçambique e Angola vivem em melhor situação. (Carrilho, 2007: 67)
2.4. Conclusão O tema da cultura e da liberdade cultural, ou, por outro lado, a exclusão, é um tema bastante abrangente e ambíguo. Para além da dificuldade em definir e observar a “cultura”, prendem‐se uma série de impedimentos no que toca à análise estatística dos assuntos relacionados com o tema (como a raça ou etnia).
Apesar disso, com os dados existentes relativamente ao emprego, níveis de escolaridade, habitação, entre outros, da população estrangeira face à nacional, pode‐se tirar uma série de ilações.
Em primeiro lugar, os níveis de discriminação racial estão presentes em todo o universo português. Contudo, aparentemente têm vindo a diminuir desde a década de 90 do século passado.
Em segundo, são os africanos, principalmente os provenientes das antigas colónias, quem mais sofre com a discriminação. Isso revela‐se principalmente ao comparar os níveis de escolaridade e a taxa de atividade das populações estrangeiras em Portugal: são os menos instruídos mas os que mais trabalham.
Por último, são as mulheres estrangeiras quem mais sofre de discriminação, independentemente do lugar de origem, tendo tanto um baixo nível de educação como um baixo nível de empregabilidade.
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3. Descrição detalhada da pesquisa Para realizar este trabalho, utilizei três fontes: a internet, o catálogo da biblioteca da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e no INE.
Para pesquisar na internet, recorri, em primeiro lugar, ao motor de busca Google. No início, preocupei‐me em definir conceitos e encontrar outros adjacentes a “cultura”, “cidadania” e “desenvolvimento”. Para isto, também utilizei o Portal do INE para encontrar conceitos relacionados. Os principais resultados remetiam para a questão das minorias, da exclusão social e das migrações. Para me ajudar nesta parte da pesquisa, utilizei também um Dicionário da Sociologia da Scribd, disponível online.
Ao pesquisar na segunda fonte, encontrei o livro de Manuel Couret Branco, Economia política dos direitos Humanos: Os direitos Humanos na era dos mercados. Este livro ajudou‐me a definir o âmbito do meu trabalho. Assim, debrucei‐me sobre a questão da liberdade e exclusão cultural, tendo por base a questão dos direitos humanos. Ora, aqui tornou‐se clara a dificuldade em analisar a questão da cultura e da cidadania cultural. Associados aos direitos humanos, as contradições entre o que cada um destes conceitos significa e a forma de prezar por eles tornou claro o quanto ainda há a fazer neste âmbito.
Por fim, no INE, o meu objetivo inicial foi encontrar dados estatísticos relativos à discriminação social e/ou cultural. Tal não foi possível dada a inexistência de índices que remetam para este tema.
Apesar disso, encontrei um relatório intitulado Medidas de discriminação étnica em Portugal: uma análise exploratória. Neste relatório, a autora clarifica o porquê de não haver dados concretos relativos à questão da discriminação e fornece uma série de dados que, apesar de não estarem diretamente ligados ao assunto que eu procurava abordar, revelam uma série de fatores importantes para aprofundar essa mesma questão.
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4. Avaliação de uma página da internet
O sítio da internet que eu decidi avaliar foi o “Portal do Instituto Nacional de Estatística” – www.ine.pt. Escolhi esta página pois, para além do papel que teve na elaboração do trabalho, é uma página de referência no trabalho de um cientista social e foi muito utilizada no decorrer das aulas da disciplina de Fontes de Informação Sociológica.
A autoria deste website pertence ao próprio INE. Apesar de haver conteúdo exposto em nome individual como textos e relatórios, no geral, o conteúdo da página é institucional. Sendo a maior instituição a fornecer dados estatísticos em Portugal, pode‐se afirmar que é um especialista na matéria.
Relativamente à estrutura e navegação, o URL é curto e intuitivo. Apesar de disponibilizar tanto um motor de busca como um mapa do sítio, estes nem sempre são eficazes e a navegação parece‐me, em muitos casos, desnecessariamente complicada. As ligações estão, na sua maioria, ativas e são pertinentes. Por fim, o Portal contém alguma publicidade institucional mas não prejudica de qualquer forma a leitura da informação.
No que toca ao conteúdo e alcance do sítio, dado o caráter da instituição responsável, toda a informação passa por um processo de controlo. Assim, esta é apresentada metodicamente, tem uma redação clara, é exata e objetiva e não só confirma a informação lida noutros locais como grande parte dos estudos feitos em Portugal procuram aqui informação para os validar. Todo o conteúdo respeita as regras e forma da língua portuguesa.
Apesar da data da última atualização não estar disponível, é adicionado conteúdo quase diariamente, o que revela que a página é monitorizada frequentemente.
O grafismo do sítio é razoavelmente atrativo, mantendo a sua simplicidade e o texto é facilmente legível. A maior parte das imagens disponível corresponde a gráficos e tabelas estatísticas, logo são de grande utilidade. A impressão é fácil e formatada. Para além disso, grande parte dos recursos também se encontra disponível em PDF e em vários tipos de ficheiro do Office, o que permite um fácil manuseamento da informação.
Ao analisar o website no Access Monitor da “Unidade ACESSO da FCT” ‐ http://www.acessibilidade.gov.pt/ ‐ que obedece ao WCAG 2.0 do W3C e que quantifica o nível de acessibilidade numa escala de 0 a 10, sendo 10 o valor que revela a maior adoção de práticas de acessibilidade, obtemos um índice de 4.6. Isto pode revelar um baixo nível de acessibilidade para portadores de determinados tipos de deficiência.
No geral, o Portal do Instituto Nacional de Estatística é um sítio bem conseguido. Apesar de pouco intuitivo, contraintuitivo nalguns casos, depois de compreender a sua mecânica pouco ortodoxa, este revela‐se de grande interesse e utilidade, tanto na realização de trabalhos académicos como na procura de informação para o dia a dia. Uma das maiores falhas com que me deparei foi a impossibilidade de retroceder para a página anterior, o que torna, muitas vezes, a utilização dos recursos.
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5. Ficha de Leitura Título: "Cidadania cultural", MATRIZes
Autor: Miller, Toby
Local onde se encontra: http://www.tobymiller.org/images/espanol/cidadaniacultural.pdf
Data de publicação: janeiro/julho, 2011
Local de edição: São Paulo, Brasil
Nº de páginas: 18
Assunto: Cultura, cidadania, e desenvolvimento
Palavras‐chave: Cultura, cidadania, política, economia, teoria política, globalização, multiculturalismo, transnacionalidade, migrações
Data de leitura: 18 de outubro de 2013
Área Científica: Teoria política
Resumo: O texto analisado trata do desenvolvimento do conceito de cidadania cultural – o direito à comunicação e à representação cultural – fazendo um enquadramento histórico do conceito de cidadania e referindo as principais teorias sobre cultura.
Disciplina: Fontes de informação Sociológica
Professores: Paulo Peixoto e Paula Abreu
Aluno: João Ricardo Simões Lopes Louceiro
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ESTRUTURA
Introdução:
O texto divide‐se em duas partes principais. Na primeira, o autor define o conceito de cidadania, nas suas diversas vertentes, a história deste conceito e dá exemplos de alguns critérios para se ser considerado cidadão em diversas partes do mundo, debruçando‐se em particular sobre a situação dos Estados Unidos da América.
Na segunda, intitulada “Sete grupos”, relata‐nos as sete principais correntes teóricas relativas à cidadania cultural.
Desenvolvimento:
O conceito de cidadania divide‐se em três áreas, cada uma delas associada a direitos diferentes: a cidadania política relaciona‐se com o direito de residir e votar; a cidadania económica que se associa ao direito de progredir e prosperar; e a cidadania cultural, que é o direito ao conhecimento e à expressão. Estas áreas estão ligadas com o lema liberal da Revolução Francesa “liberté, égalité, fraternité”.
É claro que a cidadania sempre foi uma questão cultural. As constituições pós‐ditatoriais garantem, à partida, o acesso à cultura, combinando as formas artísticas com a etnicidade. No entanto, há outros fatores que contribuem para a aceitação da cidadania de um individuo. Os assuntos relacionados com o idioma, o património cultural, a religião e a identidade são uma tentativa de incorporar os países da periferia no sistema internacional de trabalho livre, uma resposta à anterior dominação do poder cultural.
Nalguns países, a cidadania baseia‐se nas competências linguísticas, como a Holanda, o Sudão e Portugal. Na Croácia e na Roménia, assenta na manutenção do património cultural – o “apego” à cultura e o conhecimento da história locais. Na Libéria, Serra Leoa e Israel, a cidadania é baseada na raça e na religião. Quando em 2002 o governo britânico tentou impor como requisito para a cidadania o conhecimento de uma das línguas nativas, foram feitas críticas por parte da população não‐branca para quem esta medida foi vista como uma forma de exclusão.
O autor fala‐nos das falhas do modelo do cidadão liberal: “um sujeito esclarecido e despojado que sabe quando deixar de lado preferências individuais e sectárias em prol do bem comum” (Miller, 2011: 59). No entanto, este modelo correspondeu a indivíduos do sexo masculino, das classes médias e altas que exigiam que se renunciasse a outras lealdades e que se apoiasse as ideologias nacionalistas, de forma a manter a sua posição na sociedade.
Isto levou a que, por exemplo, o governo dos Estados Unidos, por princípio livres de qualquer dimensão cultural, fossem impregnados por uma parcialidade cultural com muitos filósofos liberais a defender um idioma e nação comuns como pré‐requisito para uma cidadania efetiva. Mas o que significa isto para nações divididas por línguas, religiões e populações migrantes? Segundo Will Kymlicka, as doutrinas tradicionais dos direitos humanos não oferecem qualquer tipo de resposta a este problema,
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dado que o “direito à livre expressão não estabelece em que consiste uma política linguística apropriada” (apud Miller, 2011: 59). Os Estados Unidos são, assim, incapazes de sustentar o nacionalismo cultural de um “Paraíso Monolingue” (Fuentes apud Miller, 2011: 60).
Define‐se como requisitos culturais para a cidadania norte‐americana, para além de nunca ter cometido um assassinato ou ter sido apanhado com uma dose de cannabis superior àquela para consumo imediato, residir no território, renunciar à lealdade e obediência a outros Estados, apoiar a Constituição, conhecer a história política básica do país, ler, escrever e falar palavras do uso habitual do inglês, abster‐se da poligamia, participar em jogos de azar somente de forma legal e não frequentar profissionais do sexo nem se alcoolizar repetidamente em público.
No entanto, para se alistar no exército não é necessário ser cidadão. Basta obedecer a alguns requisitos culturais como não ter tatuagens nas mãos ou rosto, não ter filhos fora do matrimónio, não ter mais de dois filhos dentro do matrimónio e, recentemente, não possuir nenhuma acusação por violência doméstica, critérios estes usados para determinar se o aspirante a cidadão tem um “bom caráter moral”, o que torna esta instituição numa porta de entrada para a cidadania.
Com o avançar da globalização, o aumento da transnacionalidade e pouco tempo para “processos de aculturação e assimilação” (Castles e Davidson apud Miller, 2011: 60), a conceção tradicional de cidadania perde significado. Surge o conceito de cidadania global, definida por algo externo, “o outro”. Isto deu origem ao discurso dos direitos humanos internacionais, com a Comissão dos Direitos Humanos a reconhecer os direitos culturais em 2002. Dado que os trabalhadores migrantes não são, na sua maioria, cidadãos, o Estado não lhes dá um tratamento justo, sendo este assegurado pelas agências supranacionais dos direitos humanos. Estas novas condições de cidadania não estão articuladas com a democracia tradicional porque os trabalhadores internacionais não têm acesso às bases de poder que os nativos têm. Na União Europeia, por exemplo, criou‐se a “cidadania supranacional” em 1992, mas enquanto, por um lado, se reconheceu uma divisão internacional do trabalho, por outro também se limitou os direitos dos trabalhadores de países não‐europeus.
Miller conclui esta primeira parte ao afirmar que, tanto por críticos conservadores como pelos defensores do culturalismo, a cidadania cultural é vista como resultado de movimentos sociais. No entanto, não se pode excluir a adaptação às transformações económicas mundiais como um fator preponderante na criação desta.
É com base neste quadro político que se constitui o conceito de cidadania cultural. Assim, Toby Miller começa a segunda parte do texto onde relata os sete grupos principais de teorização deste fenómeno, segundo ele, todos contando com a esfera pública como elemento central do seu argumento.
Em primeiro lugar, Tony Bennet, sociólogo especializado em estudos culturais, defende que o governo deve garantir uma série de competências por meio de capital artístico. Ele toma partido da ideia liberal de que a forma mais eficaz de governo parte de fornecer ferramentas para que os indivíduos livres vivam de forma tanto autónoma como social. Apesar de cético em relação aos protestos contra o Estado e o capital, afirma que os movimentos sociais têm de ser reconhecidos pelo Estado liberal moderno. Bennet acredita tanto nas oportunidades económicas da globalização como na necessidade do património cultural local, tanto para as combater como para participar delas.
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O segundo grupo teórico parte do trabalho de Renato Rosaldo, antropólogo, e os estudos sobre chican@s, tejan@s, étnicos e latin@s. Este grupo exige uma série de direitos para as minorias dos Estados Unidos ao estabelecer um “espaço social distinto” que une a incorporação destas minorias com o desenvolvimento de um património e identidade culturais distintos (Flores e Benmayor apud Miller, 2011: 63). Para Rosaldo, a cidadania cultural estabelece um “paradoxismo deliberado” ao exigir a igualdade económica e política como base comum da manutenção da identidade e do exercício da pertença à comunidade geral. A Constituição Indiana segue esta linha de pensamento ao impor um código criminal comum e uma legislação civil que reconhece as culturas minoritárias.
Kymlicka, teórico político, defende a reaproximação entre a maioria branca, o “multiculturalismo imigrante” (migrantes voluntários que requerem poucos direitos culturais) e o “nacionalismo das minorias” (povos nativos que requerem muitos direitos culturais). A cultura deve servir unicamente de suporte para a autonomia individual. O trabalho deste autor contribuiu para a reorganização cultural das repúblicas pós‐União Soviética. Estas tinham duas opções para lidar com as minorias, normalmente abastadas: marginalizar o idioma russo e estabelecer critérios de cidadania religiosos, raciais e linguísticos, o que gerou uma série de conflitos, ou aplicar uma política civil que oferecesse direitos baseados em território, lealdade e trabalho.
Estes três autores têm abordagens próprias do conceito de cidadania. Rosaldo modifica‐o em favor daqueles que são marginalizados. Ele é um crítico da filosofia liberal pois esta pressupõe uma cultura e idioma comuns como base do Estado. A cultura norte‐americana distingue‐se pela privação do direito de voto dos latinos. Assim, a diferença cultural sobrepõe‐se ao universalismo formal. Para Kymlicka e Bennet a cidadania serve um propósito geral que considera as minorias. O primeiro apoia o liberalismo sempre que os Estados protejam as minorias, uma questão de justiça e interesse. O segundo vê a cultura como um conjunto de ferramentas com um objetivo concreto, pelo que não é expressiva por si mesma. Ambos pressupõem que a nação é capaz de apelar aos bons sentimentos dos habitantes.
O quarto grupo é representado por Amélie Oksenberg Rorty e é uma conceção neoliberal das três primeiras posições. A conservação e desenvolvimento da cultura deve ser uma consequência do acesso universal à educação. Opõe‐se ao financiamento público para sustentar normas culturais, o que deve ser assegurado por cidadãos que aprendam sobre o seu país e os “vizinhos globais” (apud Miller, 2011: 65), uma reformulação cultural do capital humano na qual a função do investimento público deve antes ser a maximização da utilidade do individuo. A consciência cultural não é, portanto, requisito para uma boa cidadania e justiça, no entanto, é uma boa estratégia económica. Esta posição é concordante com a do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para o qual as sociedades com grande diversidade não são produto da extinção da pobreza, mas antes uma ferramenta nesse sentido.
O quinto grupo parte do Relatório sobre o futuro de uma Grã‐Bretanha multiétnica” (2000), elaborada por uma comissão da fundação Runnymede do Reino Unido. Este relatório examinou o racismo dentro das instituições nacionais de cultura, educação, forças de segurança e assistência social, o que gerou uma série de críticas acesas, o que indica o quão enraizados se encontram os conflitos étnicos e culturais e o quanto está em jogo nestes debates.
O sexto grupo que teoriza sobre o conceito de cidadania cultural aborda os limites do neoliberalismo a partir de uma perpectiva de estudos étnicos comparativos. Para Amy Chua, advogada, as minorias abastadas sofrem reações contra o seu poder económico por meio da diferença cultural. A economia enriquece a minoria que domina o mercado e a democratização eleva a voz e o poder da
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maioria: a democracia de mercado livre gera, portanto, conflitos. Dito de outra forma, os mercados livres concentram a riqueza de forma desproporcional enquanto que as democracias concentram a política de forma proporcional e é a diferenciação cultural que faz a mediação destes dois fatores.
O último e mais importante grupo parte do trabalho de Bernard Lewis, historiador especializado no Médio Oriente, e Samuel Huntington, cientista político da Guerra Fria. Eles usaram a cultura para explicações geopolíticas. Ambos se apoderam do termo “choque de civilizações”: Lewis usa‐o para definir a diferença entre os Estados Unidos, onde a separação do Estado e da Igreja gerou os êxitos deste país, e a convergência destes nas nações islâmicas, o o que levou à subordinação desses países (apud Miller, 2011: 67); Huntington usa esse mesmo conceito para dizer que os conflitos futuros não teriam um caráter ideológico ou económico, mas antes cultural, justificando as políticas internacionais do governo e das corporações norte‐americanas. Estas generalizações obtiveram bastante atenção na década de 2000 após o atentado do 11 de setembro, com os jornalistas a promoverem a ideia de que os conflitos supranacionais são atribuídos ao Islão, visto como a face oposta à liberdade e à tecnologia, nunca uma resposta dos grupos dominados face aos dominadores.
Há, no entanto, opositores a estas ideias como o diretor‐geral da UNESCO que, na Declaração sobre a Diversidade Cultural, tece uma crítica a esta teoria. Houve também estudos que refutaram as afirmações sobre conflitos étnicos e sobre uma cultura islâmica unitária oposta a um Ocidente unitário, dizendo que estas ignoram os conflitos relacionados com problemas económicos, propriedade, água e política.
Conclusão/Pontos fortes e fracos do documento:
O texto apresenta‐nos uma série de propostas e teorias sobre a cidadania cultural. Todas elas contêm uma série de falácias e contradições. No entanto, todas oferecem pontos de vista válidos para perceber a discussão atual sobre a cidadania num mundo em que a globalização é um dos fatores dominantes. Para uns, significa uma rejeição dos valores nacionais. Para outros, uma “celebração da diferença” e uma “crítica do status quo” (Miller, 2011: 70). Para outros ainda, oferece uma série de novos mercados. No entanto, é preciso referir que esta discussão é feita de uma forma muito abstrata, sem ter em conta as condições reais do multiculturalismo. Citando o autor, “precisamos de rearticular a cultura em torno da economia e da política com “P” maiúsculo, e não como uma esfera de idealização antimaterialista e ilusória.”
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AUTORES/PERSONAGENS/ESCOLAS DE PENSAMENTO Principais autores citados:
• Will Kymlicka • Tony Bennet • Renato Rosaldo • Amélie Oksenberg Rorty • Bhikhu Parekh • Amy Chua • Bernard Lewis • Samuel Huntington
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6. Conclusão
Ao longo deste trabalho fui confrontado com diversos pontos de vista, muitos deles contrapostos, sobre o tema da cultura. No entanto, como Malcolm Waters refere no seu texto Modern Sociological Theory, a própria teorização sobre estes dilemas leva à evolução da sociologia como ciência e do conhecimento em geral.
O maior problema na elaboração deste ensaio foi a dificuldade em definir o rumo que este tomaria, causado, em grande parte, pela indefinição dos próprios conceitos que procurava analisar. Outra grande dificuldade, interessante, foi que a constituição portuguesa impede os inquéritos com base em raça ou etnia, por exemplo.
Como tentei transmitir no decorrer deste ensaio, parece‐me que o ponto mais importante, e possivelmente o mais fácil de observar, é o das minorias culturais. Que tipo de pressão sofrem? Como se adaptam às mudanças constantes de uma sociedade em processo de globalização?
No geral, este trabalho revelou‐se mais interessante do que, à partida, supus. Não só me alertou para uma área pouco aprofundada – a da cidadania aliada à cultura – como me preparou na elaboração de trabalhos académicos. Adquiri novos conhecimentos e tive a possibilidade de pôr em prática outros adquiridos nas aulas.
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7.Referências Bibliográficas
Bossenga, Gail (2004), Encyclopedia of the Early Modern World. s.l.: s.e.. Branco, Manuel Couret (2012), Economia política dos direitos Humanos: os direitos
humanos na era dos mercados. Lisboa: Editorial Sílabo. Carrilho, Maria José e Figueiredo, Maria Cidália Mesquita (2007), “Medidas de
discriminação étnica em Portugal: uma análise exploratória”. Revista de Estudos Demográficos, 41, 53‐71.
Miller, Toby (2011), "Cidadania cultural", MATRIZes, 2 (4), 57‐74. Scribd (2008), “Dicionário de Sociologia”. Acedido em 19 de novembro de 2013,
disponível em <http://pt.scribd.com/doc/5023019/DICIONARIO‐DE‐SOCIOLOGIA>. Universidade de Coimbra (s.d.), “Identidade Visual”. Acedido em 28 de dezembro de
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