Cupani podehaverumaciencia

download Cupani podehaverumaciencia

of 10

description

ciência

Transcript of Cupani podehaverumaciencia

  • 1

    PODE HAVER UMA CICIA FEMIISTA?

    (Alberto Cupani, UFSC)

    Observao: Este texto foi escrito h vrios anos. Fico antecipadamente grato aos

    debatedores por novas referncias bibliogrficas e argumentos.

    Diversas filsofas, cientistas e historiadoras feministas criticam duramente a cincia moderna, natural e social, bem como a epistemologia que as analisa. Ambas estariam, conforme essa crtica, deformadas por valoraes androcntricas (vale dizer, formuladas desde a perspectiva dos vares) e sexistas (ou seja, depreciativas do sexo feminino). Apesar da sua pretenso de objetividade (e precisamente por isso), a cincia ter-se-ia convertido em um elemento fundamental da poltica de dominao do homem branco, europeu, de classe superior. As feministas lutam para opor a essa cincia, e epistemologia que acreditam estar justificando-a, outras prticas de conhecimento mais fecundas e politicamente libertadoras.

    Apresentarei aqui os principais temas da crtica feminista da cincia moderna, bem como algumas propostas que delineiam seu novo conceito de cincia, fazendo finalmente uma apreciao crtica das mesmas. importante antecipar que tanto a crtica feminista da cincia como as propostas no so inteiramente homogneas, existindo ao que parece trs correntes. Uma delas (empirismo feminista) detecta falhas na prtica cientfica convencional e prope corrigi-las, aprimorando a cincia quase sem alterar seus critrios e procedimentos bsicos. Uma outra, inspirada em teses marxistas, reivindica a superioridade da posio feminista para alcanar uma percepo e explicao mais fidedignas da realidade e inspira uma cincia mais modificada. A terceira corrente, derivada do Ps-modernismo, parece propor uma cincia feminista sui generis. A essa pluralidade de correntes se soma uma diversidade de inspiraes filosficas (Quine, Heidegger, Foucault, Gadamer, Nietzsche...).

    A mencionada diversidade de orientaes e inspiraes dificulta as generalizaes a propsito da viso feminista da cincia e mais ainda o propsito de submet-la a crtica. No entanto, possvel identificar tpicos comuns (tratados sempre de diversa maneira, ou com diferente nfase) e tambm, formular crticas que, apesar de suscitadas por afirmaes de algumas autoras em particular, valem como reparos posio examinada, em geral.

    Aspectos da crtica feminista

    O aspecto originrio da crtica feminista da cincia encontra-se nos trabalhos que detectam distores (bias) devidas a preconceitos sexistas em pesquisas aparentemente corretas. Cito como exemplo o caso, analisado por Helen Longino (1990, cap. 6), de estudos sobre a evoluo humana em que os antroplogos (homens!) interpretam os escassos achados culturais (pedras modificadas deliberadamente) como indcios da

  • 2

    atividade, supostamente masculina, de caar, que teria assim predomnio na evoluo de traos especificamente humanos de conduta. Longino observa que dados e hipteses no podem ser intervinculados to somente por relaes de inferncia, sendo sempre necessrias pressuposies que dem significado aos dados. Isso comprovado pelo fato de que antroplogas (mulheres!) propem uma outra interpretao, pela qual aquelas pedras seriam instrumentos para abrir frutos ou extrair razes, uma interpretao que daria fmeas um papel evolutivo maior. Os cientistas que preferem a primeira interpretao parecem considerar como bvia a superioridade dos machos, o que corresponderia ao esteretipo do varo como o mais forte e aquele que fornece o sustento da famlia, tpico da cultura ocidental. De maneira anloga, segundo Longino e outras autoras, possvel detectar pressuposies machistas em estudos biolgicos tais como os relativos a diferenas sexuais (onde o peso da cultura minimizado) e em estudos psicolgicos que comparam a conduta de meninos e meninas (tanto a teoria freudiana como as de Piaget e Erikson sofreriam da mesma distoro em favor dos vares)(v. Gilligan 1987).

    A crtica feminista no se limita a assinalar defeitos nas pesquisas especficas, mas cr detectar sexismo na orientao total de certas disciplinas. J sugeri pela ltima observao acima, que a toda a Psicologia pode ter essa deformao. A Economia, mesmo na sua verso marxista, censurada por no haver reconhecido, junto com a questo da reproduo de bens, a questo da reproduo de vidas, que equivale reproduo dos gneros, marcados eles mesmos, no apenas pelo capitalismo, mas tambm pelo patriarcalismo da nossa sociedade. A cincia econmica geralmente praticada impede, de acordo com as feministas, perceber a dominao das mulheres pelos homens dentro do atual sistema de produo (Hartmann 1987). De maneira anloga criticada a Sociologia, qual se reprocha ter-se limitado sempre viso masculina da sociedade, descuidando o mundo privado e informal da atividade feminina que sustenta o mundo das atividades formais e oficiais dos homens. Devido a isso, as mulheres carecem de categorias sociolgicas para pensar seu mundo ou para descrever a sua perspectiva do mundo comum (Milman & Kanter 1987; Smith 1987; Harding 1993, cap. 4). Vista nesse contexto, a Sociobiologia, para a qual as diferenas sexuais culturais se explicam biologicamente, no mais do que um caso extremo de uma tendncia geral (Nelson 1990, pp. 156 ss).

    A crtica feminista prolonga-se, em algumas autoras, como crtica da cincia ocidental como tal e em seu conjunto, entendida como instrumento e manifestao de uma cultura androcntrica. Em particular, a pretenso de que a cincia, seguindo o modelo da Fsica, constitua um conhecimento objetivo e de validade universal, transcendente aos condicionamentos culturais, para as feministas equivocada e nociva. Essa idia da cincia, alm de omitir os defeitos e as dificuldades de todo empreendimento cientfico, camufla o papel que a cincia teve em polticas repressivas de classes, culturas e, obviamente, do gnero feminino. A cincia argumentam as feministas sempre poltica, mesmo quando o nega, e precisamente por isso. Alegam que essa cincia que se pretende universal se constituiu mediante a explorao das

  • 3

    culturas no europias, cuja contribuio para o saber mundial continua a ser minimizado pela Histria oficial (Harding 1998). Trata-se da mesma cincia que ao longo da sua histria foi uma profisso de homens, e que ainda hoje discrimina as mulheres dentro dos seus quadros (Schiebinger 1987). A atitude cientfica, e em particular a aspirao objetividade, , segundo as feministas, um reflexo da postura do homem moderna perante a Natureza que quer dominar. Chamando a ateno para as metforas com que dede Francis Bacon se alude pesquisa cientfica (como a de lutar com a Natureza para que revele seus segredos), as feministas denunciam a freqente identificao da Natureza (a me Natureza) com a mulher, submissa ou rebelde (e dominvel). A cincia moderna argumentam vive da contraposio entre o abstrato e o concreto, o espiritual e o material, o racional e o emotivo, o cultural e o natural, dicotomias essas em que sempre o primeiro elemento corresponde ao masculino e o melhor. Autoras como Evelyn Fox Keller (1985) e Susan Bordo (1987) destacam o carter androcntrico de todo o pensamento filosfico ocidental, desde Plato, e Carolyn Merchant, em um livro muito citado, vincula o desenvolvimento da cincia experimental, aliada ao capitalismo, com a morte da Natureza entendida como um ser vivo, morte essa paralela represso da subjetividade feminina, manifestada sobretudo na caa das bruxas (Merchant 1990).

    Crticas posio feminista

    As afirmaes das crticas feministas da cincia foram questionadas de diversa maneira. Susan Haack (1998), ela mesma assumida como feminista, julga que a posio das autoras que reivindicam uma cincia diferente resulta da confuso da atitude cientfica e a atitude poltica, o que leva a confundir por sua vez os processos de aceitao das idias com as razes da sua validade ou garantia. Sem negar que haja preconceitos androcntricos nas pesquisas, Haack os julga perniciosos por constituirem cincia ilusria ou desonesta, no por representarem um modelo de investigao a ser substitudo. Outros autores (como Soble 1998 e Ruse 1998), criticam as concluses das autoras feministas a partir das metforas utilizadas por filsofos e cientistas como Bacon e Darwin, mostrando que as interpretaes feministas exageram a importncia daquelas figuras de linguagem e que, em certos casos, as crticas no tm suficiente fundamento. Esses autores rejeitam tambm afirmaes factuais das feministas que vinculam mudanas na perspectiva de certas disciplinas (por exemplo, na maneira de descrever o comportamento de vulos e espermatozides) com a crtica feminista. Outra autora (Janet Radcliffe-Richards 1996) lembra que as reivindicaes sociais feministas cresceram na medida em que pesquisas cientficas convencionais mostraram as diversas formas de discriminao e submisso da mulher, ao mesmo tempo em que o movimento feminista suscitava novos temas de pesquisa. Esta autora sustenta que os resultados das pesquisas, para ter valor, devem ser aceitveis por e para qualquer pessoa, e no apenas para as feministas. As propostas de uma cincia diferente, que incorporasse modos de conhecimento peculiares s mulheres (como sugerem algumas feministas), ou que retificasse supostos erros (como a substituio do ofcio de parteira pela medicina cientfica, criticada por algumas feministas), deveriam ser demonstradas

  • 4

    cientificamente. Com outras palavras, Radcliffe-Richards no v razo para que os critrios a que estamos acostumados modernamente para aceitar crenas (respeito lgica e s evidncias) sejam abandonados ou radicalmente modificados. Alm do mais, assinala essa autora, a insistncia em capacidades peculiares da mulher (defendidas por algumas feministas) que deveriam fazer com que as mulheres evitem a cincia androcntrica implica o risco de querer segregar novamente as mulheres em mbitos que elas conquistaram graas ao pensamento esclarecido (como a medicina). Outra feminista (Louise Anthony 1993) combate o ataque noo de objetividade cientfica. Embora rejeite a identificao da objetividade com a neutralidade, Anthony nega que se possa decidir a priori quais preconceitos favorecem e quais impedem o conhecimento. Isso significa que nem uma pesquisa influenciada por valores feministas, nem uma outra influenciada por valores androcntricos conduz a resultados forosamente falsos ou verdadeiros.

    Concluso

    A avaliao crtica das pretenses feministas em matria de cincia certamente difcil, como j disse, em razo da diversidade de questes abordadas e das orientaes tericas. Alm do mais, as autoras pertencem a diversos campos de conhecimento (Filosofia, Histria e cincias como a Biologia), o que faz com que julgar o mrito de alguns escritos exija um bom conhecimento filosfico, enquanto outros requerem formao histrica ou cientfica. possvel, contudo, adotar uma posio frente a tpicos mais especficos e ensaiar alguma apreciao geral.

    A comear pelas afirmaes menos revolucionrias, evidente que as pesquisas cientficas podem certamente estar deformadas por preconceitos desfavorveis s mulheres, e possvel que esses preconceitos sejam difceis de perceber, at pelos cientistas, numa sociedade em que as mulheres tm ainda uma posio social no equivalente dos homens em diversos sentidos. Por conseguinte, tambm possvel que o olhar do setor social prejudicado (as mulheres) consiga detectar deturpaes em pesquisas pretensamente objetivas. As anlises que sugerem a presso de valores androcntricos na seleo de hipteses, na opo por determinadas teorias e na interpretao dos dados so prima facie convincentes da sua verossimilhana. No entanto, bvio que a verdade, embora provisria, de tais concluses to somente pode ser estabelecida por quem tenha bons conhecimentos na correspondente rea especfica. O que se adverte, todavia, na literatura feminista, que aquelas anlises so constantemente citadas como se tivessem uma fora probatria indiscutvel. Com outras palavras, se passa da afirmao de uma possibilidade para a afirmao de um fato. E mesmo que se tratasse de fatos, esses casos no provariam que tais deformaes sejam normais na respectiva cincia.

    Uma observao anloga merecem as interpretaes do significado de figuras histricas, como Francis Bacon ou Descartes, para o desenvolvimento de uma Cincia machista. Aqui tambm a plausibilidade da interpretao s pode ser devidamente apreciada por

  • 5

    um estudioso daquelas figuras. Pode ocorrer que a interpretao se revele, por sua vez, como produto do preconceito. E ainda que tenha sido rigorosa, o trabalho historiogrfico dificilmente admite uma nica interpretao, como todo historiador sabe. A interpretao da obra cartesiana, por exemplo, como expresso da ansiedade do homem que comea a ser moderno (Susan Bordo), ou a vinculao das expectativas de Bacon sobre a utilidade da Cincia com a explorao capitalista da Natureza e a caa das bruxas (Carolyn Merchant), so vastas especulaes (entre outras) que requerem uma verificao detalhada, tal vez impossvel. Elas podem contribuir para refletir sobre o rumo histrico da cincia, mas problemtico que possam fundamentar uma cincia diferente.

    As observaes anteriores valem tambm, obviamente, para a crtica feminista da linguagem cientfica e filosfica. Aceitando que a inteno de um autor ao usar metforas suspeitas de sexismo algo passvel de pesquisa rigorosa, resta saber qual foi a influncia e a funo epistmica de metforas questionadas pelo feminismo (como a violao da Natureza, a passividade feminina, a iniciativa do espermatozide na fecundao, etc.). Creio que, sem desprezar a influncia das palavras no imaginrio social, a associao de determinadas expresses com determinadas influncias talvez seja mais irregular do que se pensa. Vejamos um exemplo: nas lnguas ocidentais, a alma designada, desde a psych grega, por uma palavra feminina (anima, alma, me, Seele, etc.). Corpo (soma, corpus, corps, Leib, etc.), por sua vez, uma palavra masculina (ou neutra). Por outra parte, supe-se que a tradio cultural ocidental sempre privilegiou a alma sobre o corpo (um assunto tambm enfatizado pelas feministas). Se tudo isso for verdade, resultaria que haveria antes um gine-centrismo (e no um andro-centrismo) em nossa tradio. Vale a pena reparar tambm em que a razo e a cincia, condenadas por machistas, so designadas por palavras femininas. Em todo caso: da utilizao de metforas na formulao de problemas ou teorias no podemos inferir que o conhecimento produzido seja necessariamente equivocado ou distorcido.

    A percepo da relevncia epistemolgica das metforas androcntricas um aspecto da alegada perspiccia que sua posio socialmente marginalizada daria s mulheres, no sentido de elas poderem perceber mais realisticamente o mundo social. Aqui tambm acredito que, como conjectura, a idia verossmil, embora deva ser submetida a teste sistemtico em vez de ser proclamada como quase bvia (ou pior ainda, convertida em uma verdade que seria acessvel apenas aos que compartilham da posio feminista).

    J no que diz respeito a haver uma cincia especificamente feminista, as autoras que estudei no parecem, em geral, defender nenhuma metodologia ou tcnica alternativa. Antes, o que parece caracterizar as pesquisas feministas seria uma diferente atitude ou preocupao (social). No obstante, em certos casos se alude tambm a uma maneira diferente de pesquisar, como quando uma autora (Hilary Rose, 1987) reclama que o conhecimento inclua o corao, ou quando se sugere que as mulheres tm (ou tm mais) capacidade de vincular-se a outras pessoas que os homens. Porm, trata-se de

  • 6

    noes vagas. Em poucos casos mencionado algo parecido a uma diferente estratgia de pesquisa, como na referncia de Evelyn Fox Keller (1985) ao seu estudo da geneticista Carol McKinnon, cujo sentimento do organismo lhe teria possibilitado uma descoberta talvez inacessvel por meios ortodoxos. Outras defesas de uma cincia diferente consistem na meno de alguma teoria alternativa de outra conhecida (como a Teoria das Relaes de Objeto [Object Relations Theory] contraposta teoria psicanaltica padro em Psicologia da Personalidade), ou a substituio, em Biologia Molecular, do modelo de controle de umas clulas por outras por um modelo de comunicao entre clulas)(Lisa Weasel 2001). Nestes casos, tratar-se-ia de recursos cientficos normais, ou seja, a proposta de uma nova teoria ou um novo modelo aparentemente mais bem adequados aos fatos. Portanto, parece-me mais verossmil entender por cincia feminista a pesquisa convencional, melhorada pelas preocupaes feministas, em vez de um tipo de pesquisa radicalmente diferente.

    Se essa concluso for verdadeira, quais seriam as principais modificaes introduzidas na atividade cientfica pela atitude feminista (para alm da identificao de deturpaes e omisses?). Lorraine Code (1991, pp. 150 ss.) comentando o trabalho de trs mulheres cientistas, destaca como caractersticas de uma cincia feminista a resistncia tentao de controlar o objeto de estudo; a conscincia de no ser neutral; a disposio a deixar que os objetos falem por si mesmos; a luta contra o reducionismo; a preocupao pelo diferente e o sentido da responsabilidade do pesquisador. Por sua vez, Helen Longino (1996) sugere que certas virtudes tericas sustentadas pelas feministas podem corrigir as deformaes sociais da cincia. Elas seriam: preferncia pela novidade (vs. o respeito pela consistncia terica, que pode consolidar preconceitos), pela heterogeneidade ontolgica (vs. o reducionismo) e pela pluralidade de modelo (vs. as explicaes simplificadas). Acrescenta a convenincia de adotar virtudes pragmticas tais como a aplicabilidade de teorias a necessidades humanas atuais e sua utilidade para descentralizar o poder na sociedade. difcil afirmar que essas recomendaes no melhorem a pesquisa. igualmente difcil supor, sem algum tipo de estudo comparativo, que isso efetivamente ocorra.

    'ota: em razo das exigncias relativas extenso mxima dos trabalhos, no pude incluir a crtica feminista da epistemologia que sustenta a cincia.

    Referncias:

    Anthony, L. (1993) Quine as Feminist. The Radical Import of Naturalized Epistemology, in: L. Anthony & C. Witt eds. A Mind of Ones Own. Feminist Essays on Reason & Objectivity. Boulder: Westview Press.

    Bordo, S. (1987) The Flight to Objectivity. Essays in Cartesianism and Culture. Albany: State University of New York Press.

  • 7

    Code, L. (1991) What can She Know? Feminist Theory and the Construction of Knowledge. Ithaca: Cornell University Press.

    Gilligan, C. (1987) Womans Place in Mans Life Cycle, in: S. Harding ed. Feminism and Methodology. Bloomington: Indiana University Press.

    Haack, S. (1998) Manifest of a Passionate Moderate. Chicago: The University of Chicago Press, caps. 6 y 7.

    Harding, S. (1993 [orig. 1986]) The Science Question in Feminism. Ithaca: Cornell University Press.

    Harding, S. (1998) Is Science Multicultural? Bloomington: Indiana University Press.

    Hartmann, H.I. (1987) The Family as the Locus of Gender, Class, and Political Struggle. The Case of Housework, in: S. Harding ed. Feminism and Methodology. Bloomington: Indiana University Press.

    Keller, E. F. (1985) Reflections on Gender and Science. New Haven/London: Yale U.P.

    Longino, H. (1990) Science as Social Knowledge. Values and Objectivity in Scientific Inquiry. Princeton: Princeton University Press.

    Longino, H. (1996) Cognitive and Non-cognitive Values in Science. Rethinking the Dichotomy, in: L. Anthony & C. Witt eds. A Mind of Ones Own, ed. cit.

    Merchant, C. (1990 [orig. 1980]) The Death of 'ature. Women, Ecology, and the Scientific Revolution. San Francisco: Harper San Francisco.

    Milman,M. & R.M. Kanter (1987) Introduction to Another Voice: Feminist Perspectives in Social Life and Social Science, in: S. Harding ed. Feminism and Methodology, ed. cit.

    Nelson, L.H. (1990) Who Knows. From Quine to a Feminist Empiricism. Philadelphia: Temple University Press.

    Radcliffe-Richards, J. (1996) Why Feminist Epistemology Isntt, in P. Gross et alii, The Flight from Science and Reason. Princeton: Princeton University Press.

    Rose, H. (1987) Hand, Brain, and Heart: A Feminist Epistemology for the Natural Sciences, in: S. Harding e J. OBarr, Sex and Scientific Inquiry, ed. cit.

    Ruse, M. (1998) Is Darwinism Sexist? (And if it is so, what?), in: N. Koertge ed. A House Built on Sand. Exposing Postmodern Myths about Science. New York: oxford University Press. .

  • 8

    Schiebinger, L. (1987) The History and Philosophy of Women in Science: A Review Essay, in: S. Harding & J. OBarr, Sex and Scientific Inquiry. Chicago: The University of Chicago Press.

    Smith, D. (1987) Womens Perspective as a Radical Critique of Sociology, in: S. Harding, Feminism and Methodology, ed. cit.

    Soble, A (1998) In defense of Bacon in: N. Koertge ed. A House Built on Sand, ed. cit.

    Weasel, L. (2001) The Cell in relation: An Ecofeminist Revision of Cell and Molecular Biology, in: M. Lederman & I. Bartsch, The Gender and Science Reader. London: Routledge.

    Essa desconfiana em relao cincia moderna expande-se em algumas feministas na forma de uma crtica de toda a Epistemologia tradicional (da tradio analtica e empirista). Para essa Epistemologia, que acredita poder examinar o conhecimento desde fora, por assim dizer, o conhecimento produto de um sujeito individual, impessoal e autnomo, capaz de superar preconceitos e instalar-se, mediante o uso metdico da razo, num plano superior (o do sujeito epistmico ou transcendental) ao qual corresponde uma experincia comum, sinal de informao objetiva acerca do mundo. O conhecimento entendido como uma relao de distncia entre sujeito e objeto, de abstinncia de valoraes, de controle da emoo. Alm do mais, em essncia o conhecimento no implica a sua utilizao (vale dizer que a cincia antes de mais nada pura, e apenas secundariamente aplicada). Por sua vez, o objeto de semelhante conhecimento pode ser qualquer entidade, natural ou humana, embora o modelo implcito desse conhecimento seja sempre a cincia natural.

    Para as feministas, a Epistemologia no deveria ser concebida como transcendente prpria cincia, mas como uma atividade semelhante a ela (de onde a preferncia das feministas pela Epistemologia Naturalizada). A Epistemologia apriorstica uma especulao que esquece que todo conhecimento uma prtica situada e, portanto, influenciada pelas circunstncias (ver Code 1991, cap. 1). Ao considerar um sujeito e um objeto abstratos, essa Epistemologia encobre as condies concretas do exerccio do conhecimento. A prtica cognitiva no apenas uma luta com a matria do mundo, mas tambm com outros seres humanos. Ou seja, trata-se de uma luta poltica. A distino entre o subjetivo e o objetivo no deve aludir uma (inexistente) separao entre um mbito externo e outro interno na experincia humana, mas antes

  • 9

    aos plos de uma sucesso de formas de conhecimento (das mais ligadas prtica, situao concreta, emoo, at as mais abstratas, tericas, desinteressadas). Um particular receio merece aos olhos da crtica feminista a noo de um sujeito de conhecimento abstrato, transcendental. A sua aparente impessoalidade ocultaria a sua verdadeira ndole, correspondente ao homem adulto (embora no velho, branco, razoavelmente opulento, educado, com status, propriedade e relaes pblicas aceitveis (Lorraine Code). Esse sujeito transcendental, a sua alegada independncia e o conhecimento objetivo que pode alcanar, seriam os artefatos de um certo tipo de subjetividade que exclui, terica e praticamente, todas as outras subjetividades. E a correspondente Epistemologia no seria apenas uma abstrao, mas uma ideologia destinada a manter a ordem social.

    A reivindicao de uma Epistemologia Feminista

    A freqente reivindicao de uma Epistemologia Feminista , como o prprio movimento feminista, doutrinariamente ambgua. Mesmo no levando em considerao as diferenas entre as tendncias feministas antes citadas, a expresso parece referir-se tanto a uma melhor noo do conhecimento humano como a uma diferente maneira de entender e praticar o conhecimento cientfico, em particular. No entanto, em ambos os casos a nova epistemologia responderia a duas aspiraes: fundamentar-se na experincia das mulheres e servir de arma de luta poltica em pro dos direitos femininos.

    No que diz respeito ao conhecimento em geral, as autoras feministas enfatizam sobretudo o aspecto situado do conhecimento humano. Por isso, colocam no corao da Epistemologia uma questo sem sentido para a Filosofia tradicional: Quem conhece? (v. Nelson 1990, esp. Cap. VI). O conhecimento argumentam social em todos seus aspectos e dimenses. Por conseguinte, leva a marca de uma cultura e est inserido na luta poltica (em sentido amplo). A noo de um sujeito transcendental ou epistmico, longe de corresponder a um dado, para as feministas algo a ser explicado, sobretudo porque esse sujeito a sede do conhecimento tido como superior, e at como o nico confivel, para muitas pessoas. Essa confiabilidade a rigor uma pista relativa questo da autoridade que essa estranha subjetividade (estranha por no ser situada) representa. Contrariamente viso tradicional, no a confiabilidade do conhecimento que fundamenta a sua autoridade: esta ltima fundamenta aquela. Por isso, importa nova Epistemologia descobrir os mecanismos pelos quais a autoridade se um segmento social se impe a todos os outros como validade universal. Sobretudo, claro, a maneira como a autoridade masculina se esconde por trs da aparncia do conhecimento objetivo. Em conseqncia, a Epistemologia Feminista rejeita tambm a noo de uma distncia ou separao entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Sujeito e objeto so o produto de circunstncias em que reciprocamente se definem, e a partir delas devem ser entendidos. Ao rejeitar igualmente a idia do conhecimento como pura relao intelectual, o Feminismo prope buscar na prtica social a justificao aludida na definio tradicional do conhecimento (crena verdadeira justificada) e a explicao para o fato de que, sendo a cognio sempre local, determinadas crenas

  • 10

    paream universalmente vlidas. Por outra parte, as feministas reclamam ateno para a experincia feminina, tanto da Natureza como do mundo social, como um dos fundamentos do conhecimento. No se trata de qualquer experincia das mulheres, pois na maioria dos casos elas esto influenciadas pelos esteretipos masculinos dominantes. H de se resgatar a experincia suscitada pela atitude e a luta feminista, a experincia que mostra o quanto esto distorcidas as vivncias pelas estruturas de poder, e o quanto so menosprezados os modos de saber femininos (por exemplo, o saber emotivo sobre os filhos, o saber dar a luz; v. Harding 1998, p. 106). As feministas propem tambm reconsiderar a noo de objetividade cientfica, de modo a no excluir certo relativismo (reconhecendo que existem diversas formas de descrever o mundo), nem se pretenda neutral (admitindo que h preconceitos no advertidos pelos cientistas, e que alguns preconceitos podem at favorecer o progresso do saber)(Code 1991; Harding 1993; Keller 1985). Uma cincia feminista se caracterizaria, no pelos seus mtodos ou tcnicas de pesquisa (embora algumas autoras o sugiram), mas por enquadrar a prtica cientfica dentro de aquelas convices.

    O aspecto mais discutvel da posio feminista , certamente, a noo de que possa haver algo assim como uma Epistemologia para a qual a questo relativa a quem conhece seja crucial. Na verso tradicional da Epistemologia como disciplina filosfica, aberta ou implicitamente normativa, a questo no parece ter sentido. Mas as feministas inclinam-se para uma epistemologia naturalizada. Em tal caso, podere-s-ia dizer que as reivindicaes feministas serviriam para entender melhor como buscado e formulado o conhecimento, principalmente do social.