Currículo de Química: investigando a temática “lixo” em livros ...

159
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Currículo de Química: investigando a temática “lixo” em livros didáticos DISSERTAÇÃO DE MESTRADO ELGA EDITH PILCHOWSKI DE SALLES Orientadora: Profª Drª Maria Margarida Pereira de Lima Gomes Rio de Janeiro 2014

Transcript of Currículo de Química: investigando a temática “lixo” em livros ...

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Currículo de Química: investigando a temática “lixo” em livros

didáticos

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ELGA EDITH PILCHOWSKI DE SALLES

Orientadora: Profª Drª Maria Margarida Pereira de Lima Gomes

Rio de Janeiro

2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Currículo de Química: investigando a temática “lixo” em livros

didáticos

ELGA EDITH PILCHOWSKI DE SALLES

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

requisito parcial à obtenção do título de Mestre

em Educação.

Orientadora: Profª Drª Maria Margarida Pereira de Lima Gomes

Rio de Janeiro

2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A dissertação: Currículo de Química: investigando a temática “lixo” em livros didáticos

Mestranda: Elga Edith Pilchowski de Salles

Orientada por: Prof.ª Dr.ª Maria Margarida Pereira de Lima Gomes

E aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pela Faculdade de

Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e homologada pelo Conselho de Ensino

para Graduados e Pesquisa, como requisito parcial a obtenção do título de

MESTRE EM EDUCAÇÃO

Rio de Janeiro, 24 de julho de 2014.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Profa. Dra. Maria Margarida Pereira de Lima Gomes – Orientadora (UFRJ/RJ)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro (UFRJ)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Waldmir Nascimento de Araujo Neto (UFRJ)

Dedico

Ao meu companheiro,

minha alma quase gêmea Paulo Affonso,

pela paciência com minhas noites em claro,

pela colaboração quando o relógio estava contra mim,

pela tolerância com um instável humor acadêmico

pela insistente certeza de que meu sonho valia a pena.

Meu amor: Já chegou? Falta muito?

In memoriam:

Aos meus tios Eni e Kingo

por me mostrarem, quando eu mal havia começado a estudar,

o prazer de uma vida universitária,

e que ela não precisa ter fim.

Aos meus pais.

A todos os que acreditam

que tarde para voltar aos bancos escolares

é um momento que não existe.

Agradeço ...

À professora Margarida Pereira Gomes pelos preciosos ensinamentos e pelas

possibilidades metodológicas que apresentou. E também pelas sábias palavras que têm a

capacidade de romper com as certezas absolutas.

Ao professor Frederico Loureiro, cuja riqueza acadêmica e alma amiga auxiliaram-me

nesta trajetória em que, ao construir minha pesquisa, eu me reconstruí.

Às professoras Marcia Serra, Monique Andries, Rosanne Evangelista e Celeste

Kelman pelas aulas animadas, por discussões inovadoras cujas contribuições valiosas que me

permitiram enxergar outros horizontes do saber.

À Solange, funcionária exemplar do PPGE/UFRJ, cuja eficiência impecável, alegria,

otimismo e amor a todos os seres, faz pensar que não é possível haver alguém como ela, mas

impossível é ficar ela! Não é à toa que teu apelido é Sol...

Ao Comando do Colégio Naval, à Chefia do Departamento de Ensino, à Coordenação

Geral de Ensino Civil e a todas e todos os colegas que, seja pela redução de carga horária, pelo

incentivo e reconhecimento da importância de uma formação continuada, pelo companheirismo

e cumplicidade, ajudaram nesta caminhada.

À professora Ana Carla Midões por ter gentilmente cedido o arquivo original de sua

dissertação a qual contribuiu de forma significativa para minhas reflexões.

Às minhas queridas colegas/amigas/parceiras do Núcleo de Estudos do Currículo

(NEC/UFRJ), com quem tive o prazer e a honra de compartilhar este caminho, enriquecendo as

minhas tardes de sexta-feira com debates e inquietações. Meu obrigada a Liane, Viviane,

Narayana, Nathalia, Luiza, Tatiane e, em especial, à Ana Maria, a irmã que a vida me entregou

com vinte e cinco anos de atraso...

Às minhas queridas Adriana, Erika, Marcela, Ana Carla, e aos meus queridos Higor,

Carlus, Luiz, Marcelo Matos e Fábio e tantos outros colegas de turma com quem eu tive a

alegria de partilhar aulas e conversas e que me receberam como igual, meus sinceros

agradecimentos e o orgulho de ter estudado com o futuro da academia.

Tudo vira lixo

Tudo pode virar lixo

Carta de amor vira lixo

Conta pra pagar vira lixo

Seja como for tudo pode virar lixo

Namorado, gato, tio

Até seu pavio

Também pode virar lixo

Tudo que se acende se apaga

Fósforo se apaga

Vela, incêndio, lamparina

O olho da menina até o seu

Tudo pode se apagar

Tudo pode se acabar

E virar lixo...

(Vira Lixo - Ceumar)

Onde vamos pôr

as caixas de isopor

onde diabos vamos pôr

as nossas caixas de isopor

como nos livrar

das plásticas palavras

ditas à mesa do bar

palavras que vão dar no mar

poluir é ir juntando o que resta de nós

após as refeições

nossos restos mortais

venenosas ilusões

milhões de garrafas vazias

cheias de alergias e aflições

onde vamos pôr

as caixas de isopor

a vida de mentira

a ira, do desamor

temos que encontrar o lugar

no deserto aberto

em nossos corações

(Desafio do Lixo - Gilberto Gil)

(...)

caminante, no hay camino:

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

(...)

(Caminante no hay caminho – em "Proverbios y Cantares" de Antonio Machado)

Resumo

SALLES, Elga Edith Pilchowski de. Currículo de Química: investigando a temática “lixo” em

livros didáticos. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-

Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A presente dissertação busca compreender como a temática “lixo” vem sendo inserida em livros

didáticos de Química, integrantes do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino

Médio (PNLD) de 2012. Para tal propósito, procura-se apresentar aspectos relacionados aos

sentidos adquiridos por essa temática no contexto dos currículos de Química para esse nível de

ensino. Discute-se assim como esses significados se inserem nos currículos escolares expressos

pelos livros didáticos e como se relacionam com as tradições de ensino que fazem parte dos

currículos da disciplina escolar Química para o Ensino Médio. O trabalho tem como base

teórica os estudos sobre as disciplinas escolares (Goodson, 1997, 2001, 2003, 2012) a partir dos

quais são problematizadas as formas de inserção do “lixo”, como produções constituídas por

processos sócio-históricos que participam da formação da disciplina escolar Química. Além

disso, trabalhos sobre as perspectivas que constituem os currículos de Química no Ensino

Médio (Lopes, 1992, 1993, 1997, 1998, 2007), os que abordam as tendências do campo da

Educação ambiental (Loureiro, 2012; Loureiro & Layrargues, 2002; Loureiro & Lima, 2012)

e, ainda, a “ecologia dos saberes” (Santos, 2007) contribuem para as discussões sobre os

currículos acadêmicos e escolares em seus diversos aspectos. A análise sobre do tema “lixo” é

conduzida buscando-se: (i) identificar as abordagens que predominam nos currículos escolares

expressos pelos livros didáticos; e (ii) compreender como se relacionam com as tradições de

ensino – finalidades educacionais, seleção de conteúdos e métodos de ensino – mais valorizadas

nos currículos da disciplina escolar Química para o Ensino Médio. As inserções da temática

“lixo” são confrontadas com as tradições do currículo de Química quanto a seus conteúdos, o

modo de sequenciar os assuntos e de como exemplificá-los, além de serem analisadas à luz de

questões sociais, como por exemplo os grupos sociais mais comumente associados à lida do

lixo ou à produção do mesmo, como se uma linha abissal os separasse numa sociedade que

invisibiliza as mazelas de uns em proveito da manutenção do poder de outros. A análise mostra

que o “lixo” é parte dos conteúdos de ensino do currículo de Química dialogando de diversas

maneiras com suas tradições de ensino, o que revela uma coordenação entre permanências e

mudanças curriculares nessa disciplina escolar. Argumenta-se que a temática “lixo” é inserida

no currículo expresso nos livros didáticos sem que o seu potencial crítico seja explorado para

atender às demandas educacionais contemporâneas. Percebe-se que a crítica é feita de forma

“ingênua” e direcionada tecnicamente ao lixo em si mesmo do que aos processos de produção

e consumo. Conclui-se que a análise contribui para o entendimento de como o currículo de

Química pode ser compreendido a partir de estudos que como este se debruçam sobre temáticas

específicas que vêm alterando a compreensão do que seja o ensino dessa disciplina no Ensino

Médio.

Palavras chave: currículo de Química; Ensino Médio; livros didáticos; educação ambiental;

lixo.

Abstract

Salles, Edith Pilchowski de. Chemistry Curriculum: investigating the theme "garbage" in

textbooks. Rio de Janeiro, 2014. Dissertation (Master of Education) Graduate Program in

Education, Federal University of Rio de Janeiro.

This dissertation aims to understand how the theme "garbage" has been inserted in Chemistry

textbooks, part of the National Textbook Program (PNLD) for the 2012 High School education.

For this purpose, we try to present aspects related to the senses acquired by this theme in the

context of the chemistry curricula for this grade level. It is discussed how these meanings are

inserted in the school curriculum expressed by textbooks and how they relate to the educational

traditions that are part of the curricula of the Chemistry school discipline for High School

Education. The work theoretical framework lies on the studies of school subjects (Goodson,

1997, 2001, 2003, 2012) from which the forms of insertion of "garbage" are transformed into

problems, as productions consisting of social-historical processes that participate in the

formation of the school discipline Chemistry. Further, projects on the perspectives that

constitute the curriculum of Chemistry in High School (Lopes, 1992, 1993, 1997, 1998, 2007),

those addressing trends in the field of environmental education (Loureiro, 2012; Loureiro &

Layrargues, 2002; Loureiro & Lima, 2012), and also the "ecology of knowledge" (Santos, 2007)

contribute to discussions of academic and scholarly curricula in its various aspects. The analysis

of the theme "garbage" is conducted seeking to: (i) identify the approaches that predominate in

school curricula expressed by the textbooks; (ii) understand how they relate to the traditions of

teaching - educational purposes, content selection and teaching methods - most valued in the

Chemistry curricula discipline in High school. The inserts of the theme "garbage" are

confronted with the traditions of the Chemistry curriculum, as to its contents, how to sequence

the subjects and how to exemplify them, besides analyzing them in view of social issues, such

as social groups most commonly associated with handling garbage or the production thereof,

as if an abyssal line separates them in a society that makes invisible the blemishes in favor of

the conservation of someone’s power. The analysis shows that "garbage”, in various ways, is

part of the teaching content of the Chemistry curriculum dialoguing with their traditions of

teaching, which reveals coordination between curriculum abidance and changes in that school

discipline. It is argued that the topic “garbage" is inserted into the curriculum expressed in

textbooks without its critical potential being exploited to meet contemporary educational

demands. One perceives that the criticism is made in a "naive" manner and technically directed

to the garbage itself, rather than to the processes of production and consumption. We conclude

that the analysis contributes to understand how Chemistry curriculum can be perceived from

studies, which like this one, deal with particular issues that have been changing the

understanding of what the teachings of this discipline in High School represent.

Keywords: Chemistry curriculum; High School; textbooks; environmental education; garbage.

Lista de Ilustrações

Figura 1 - Capas da coleção “Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia” de Martha Reis

Marques da Fonseca ................................................................................................................... 1

Figura 2 - Detalhe do material impresso de divulgação das Metas para o Desenvolvimento

Sustentável .................................................................................................................................. 3

Figura 3– Capas dos três volumes da coleção “Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia”

.................................................................................................................................................. 54

Figura 4 - “Química – Ensino Médio”...................................................................................... 55

Figura 5 - “Química cidadã” ..................................................................................................... 55

Figura 6 - “Ser protagonista – Química" .................................................................................. 55

Figura 7 - “Química na abordagem do cotidiano" .................................................................... 56

Figura 8 - Capa do volume 1 .................................................................................................... 62

Figura 9 - Capa do volume 2 .................................................................................................... 63

Figura 10 - Capa do volume 3 .................................................................................................. 64

Figura 11 - Contracapa do volume 1 ........................................................................................ 65

Figura 12 - Sumário do volume 1 ............................................................................................. 69

Figura 13 - Sumário do volume 2 ............................................................................................. 70

Figura 14 - Sumário do volume 3 ............................................................................................. 71

Figura 15 - Página de apresentação de cada volume ................................................................ 74

Figura 16 - "Carimbo" de conservação dos livros didáticos .................................................... 75

Figura 17 - Volume 1, Introdução, páginas 12 e 13 ................................................................. 78

Figura 18 - Volume 3, Unidade 3, capítulo 10, página 213 ..................................................... 81

Figura 19 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 71 .......................................................... 83

Figura 20 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 72 .......................................................... 85

Figura 21- Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 73 ........................................................... 86

Figura 22- Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 74 ........................................................... 87

Figura 23 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 76 .......................................................... 88

Figura 24 - Volume 2, unidade 2, Texto de abertura do capítulo 6, página 82 ........................ 89

Figura 25 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 91 .......................................................... 91

Figura 26- Volume 2, unidade 2, foto do texto de abertura do capítulo 18, página 85 ............ 93

Figura 27- Volume 2, unidade 4, capítulo 18, página 320 ....................................................... 94

Figura 28- Volume 2, unidade 2, Explorando os textos (capítulo 6), página 86 ...................... 94

Figura 29 - Volume 3, unidade 3, capítulo13, página 249 ....................................................... 95

Figura 30 - Volume 3, unidade 3, capítulo11, página 236 ....................................................... 96

Figura 31 - Volume 2, unidade 5, Texto de abertura do capítulo 19, páginas 326 e 327 ......... 98

Figura 32 - Volume 2, unidade 5, Texto de abertura do capítulo 19, páginas 328 e 329 ....... 100

Figura 33 - Volume 2, unidade 5, Explorando os textos (capítulo 19), página 330 ............... 101

Figura 34 - Volume 2, unidade 5, capítulo 20, páginas 350 e 351 ......................................... 102

Figura 35 - Volume 2, unidade 5, capítulo 20, página 363 .................................................... 103

Figura 36- Volume 3, unidade 3, textos de abertura do capítulo 10, páginas 206 ................. 105

Figura 37- Volume 3, unidade 3, textos de abertura do capítulo 10, página220. ................... 107

Figura 38- Volume 3, unidade 3, capítulo 10, página 220 ..................................................... 108

Figura 39- Volume 3, unidade 3, capítulo 10, página 213 ..................................................... 110

Figura 40 - Volume 3, unidade 5, capítulo 20, página 392 .................................................... 113

Figura 41 - Volume 3, unidade 5, capítulo 20, página 393 .................................................... 114

Figura 42 - Volume 3, unidade 5, capítulo 22, página 415 .................................................... 116

Sumário

Introdução ................................................................................................................................... 1

1 – A construção do problema de pesquisa ................................................................................ 1

2 – Os objetivos e a organização do trabalho ............................................................................. 7

Capítulo 1 - A disciplina escolar Química ................................................................................. 9

1.1 - O currículo e o estudo das disciplinas escolares .............................................................. 10

1.2 – O currículo e o livro didático ........................................................................................... 21

1.3 – A disciplina escolar Química ........................................................................................... 26

Capítulo 2 – O lixo e as tradições do ensino de Química ......................................................... 36

2.1 – Como o “lixo” pode ser inserido no ensino de Química?................................................ 37

2.2 – O “lixo” em meio aos conhecimentos escolares .............................................................. 41

2.3 – O “lixo” em meio às tendências da Educação Ambiental ............................................... 45

2.4 – O “lixo” em meio à ecologia dos saberes ........................................................................ 49

Capítulo 3 - O lixo como um conhecimento a ensinar nos livros didáticos de Química.......... 54

3.1 – A escolha da coleção ....................................................................................................... 58

3.2 – A estruturação da coleção escolhida ................................................................................ 60

3.3 – As inserções da temática “lixo” na coleção analisada ..................................................... 76

Considerações Finais .............................................................................................................. 117

Bibliografia ............................................................................................................................. 129

Legislação ............................................................................................................................... 136

Coleções de livros didáticos de Química para o Ensino Médio, integrantes do PNLEM de 2012

................................................................................................................................................ 138

Anexo A – Levantamento das ocorrências da temática “lixo” nos livros didáticos de Química

do PNLEM 2012 ..................................................................................................................... 139

Anexo B - Levantamento de artigos em bases CAPES, SCIELO .......................................... 147

e Google Schoolar .................................................................................................................. 147

1

Introdução

1 – A construção do problema de pesquisa

Nesta dissertação busco compreender como a temática “lixo” vem sendo inserida em

livros didáticos de Química, integrantes do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino

Médio (PNLEM) de 2012. Para tal propósito, procuro apresentar aspectos relacionados aos

sentidos adquiridos por essa temática no contexto dos currículos de Química para esse nível de

ensino conduzindo a análise para o reconhecimento de abordagens, sustentadas por diferentes

significados sociais atribuídos ao lixo. Procuro discutir assim como esses significados se

inserem nos currículos escolares expressos pelos livros didáticos e como se relacionam com as

tradições de ensino que fazem parte dos currículos da disciplina escolar Química para o Ensino

Médio.

O trabalho de investigação tomou forma a partir da análise dos aspectos relacionados

ao lixo presentes nos três volumes da coleção “Química: meio ambiente, cidadania e

tecnologia”, 1ª edição, da autoria de Martha Reis Marques da Fonseca e publicado pela Editora

FTD em 2011 (figura 1). Esta coleção faz parte de um conjunto de cinco títulos, selecionados

pelo PNLEM de 2012.

Figura 1 - Capas da coleção “Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia” de Martha Reis Marques da Fonseca

As demais coleções são: “Química – Ensino Médio” (1ª edição, Editora Scipione,

2010), de Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta Machado; “Química Cidadã” (1ª edição,

Editora Nova Geração, 2010), de Wildson Luiz Pereira Santos e Gerson de Souza Mól

2

(coordenadores); “Ser protagonista – Química” (1ª edição, Edições SM, 2010), de Julio Cesar

Foschini Lisboa e “Química na abordagem do cotidiano” (4ª edição, Editora Moderna, 2006),

de Francisco Miragaia Peruzzo e Eduardo Leite do Canto.

A escolha desta coleção deu-se face à análise dos resultados de um levantamento de

todas as inserções da temática “lixo” nas coleções mencionadas (apresentado no anexo A), em

que foram considerados textos, fotos, gráficos e desenhos em que este tema fosse mencionado

ou mostrado.

A escolha de uma coleção de livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático

para o Ensino Médio (PNLEM) de 2012, deve-se ao fato de que neste ano foram celebrados os

20 anos da ECO-92 ou CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

o Desenvolvimento. Este acontecimento culminou com a realização da Conferência das Nações

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), denominada Rio+20 e realizada de 13

a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Este evento, em virtude das metas propostas

no anterior, tinha em sua agenda a renovação do compromisso político com o desenvolvimento

sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões

adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes.

O objetivo do encontro foi verificar se houve avanços em relação às cúpulas anteriores e o que

ainda precisa ser feito para que os países sejam, de fato, sustentáveis. (BRASIL, 2012)

Paralelamente à ECO-92 e como único evento oficial, o Ministério da Educação

(MEC) foi realizado um Workshop sobre Educação Ambiental. Os profissionais, reunidos nesse

encontro elaboraram um documento1 em que se reconhecia que, embora a promoção da

conscientização pública em defesa do meio ambiente e que Educação Ambiental em todos os

níveis de ensino sejam/fossem uma responsabilidade do Estado, a maior contribuição social tem

dava-se através da ação de grupos da sociedade civil e de outros grupos não-governamentais.

A partir deste entendimento, afirmaram que a efetivação desse processo necessitava que a

Educação Ambiental se incorporasse ao ensino de todos os graus e modalidades, existindo

inclusive a previsão legal para tanto. (BRASIL, 2005)

Vinte anos após a ECO-92, um novo evento de caráter internacional retoma, entre

diversos outros temas, a discussão de propostas relacionadas aos currículos escolares, como se

pode observar no texto da primeira de dez metas concebidas pela Subcomissão Especial da

Rio+20, constituída a partir da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados,

para acompanhar a Conferência Rio+20. Esta primeira meta propunha “revisar periodicamente

1 Disponível na íntegra em http://www.sds.sc.gov.br

3

currículos para incorporar a interdisciplinaridade na rede de ensino formal” e pode ser

constatada na figura a seguir, recortada do sítio da Câmara que trata da matéria.2

Figura 2 - Detalhe do material impresso de divulgação das Metas para o Desenvolvimento Sustentável

Nesse contexto em que a proposta de acompanhamento dos currículos nacionais ganha

espaço em um evento internacional, entendo que as coleções do PNLEM do ano de 2012 podem

oferecer indícios do que se tivesse alcançado no âmbito das discussões ambientais em currículos

da disciplina escolar Química.

Meu interesse por estas discussões e pelas temáticas ambientais surgiu muito antes de

começar a atuar como professora de Química. Como muitos outros colegas, minha trajetória

profissional não começou no magistério. Formei-me em 1983 no Bacharelado em Química com

atribuições tecnológicas3 na Universidade de São Paulo, mas sempre gostei do trabalho docente.

Ao assumir um cargo de gerência em uma multinacional, persistia a necessidade da vivência

escolar. Este foi um período em que pude vivenciar as atividades industriais relacionadas à

profissão de químico, mas também começar a me interessar por perspectivas ambientais e por

enfoques multidisciplinares para abordagem da realidade. Assim fui me interessando pelo

campo do ensino. Passei então a cursar as disciplinas didáticas à noite, com a intenção de me

capacitar melhor a fazer o que gostava, porque a Química da qual se fala em uma sala de aula

do o Ensino Médio não é a Química da faculdade, das indústrias. Estas últimas são, em última

2 Estas metas estão apresentadas na íntegra em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/MEIO-

AMBIENTE/420456-METAS-DA-SUBCOMISSAO-RIO+20-SOBRE-EDUCACAO-AMBIENTAL.html

Acessado em 18 de junho de 2014. 3 Este era o nome dado aos formandos aptos a exercer o que posteriormente viria a se chamar de Química Industrial,

e que envolvia uma formação em parte acadêmica e parte tecnológica.

4

instância, bons exemplos para uma sala de aula cheia de adolescentes.

Em minha trajetória profissional, tive a oportunidade de trabalhar como docente de

Química do Ensino Médio e de Educação Ambiental em instituições públicas e privadas

voltadas para o ensino. Assim, além de ensinar Química para estudantes do ensino regular

básico, também participei de projetos voltados para Educação Ambiental. Neste caso, atuei

principalmente em Angra dos Reis, na Escola do Mar que foi criada em 1988 pelo Centro

Educacional Objetivo e pela Universidade Paulista-UNIP para receber alunos desta rede de

ensino, provenientes de todo o país. Um dos assuntos priorizados neste trabalho foi a Química

da água do mar, cujas aulas eram de minha responsabilidade.4 Representando esta escola, tive

também a oportunidade de participar juntamente a outros professores da equipe, da ECO-92

(Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CNUMAD),

realizada entre 3 e 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro. Este foi, com certeza, um marco em

minha perspectivas e concepções sobre a Educação Ambiental por ter vivenciado a

oportunidade de constatar a grande quantidade de indivíduos e entidades que já atuavam nesse

campo. Desde as gincanas de coleta de lixo organizadas pelo grupo de mergulhadores

autônomos do qual eu fazia parte, que começaram em 1986 nas praias de Ilhabela, São Paulo,

até aquele momento, eu tinha a certeza da importância de uma ação em prol da preservação mas

entendia-a como iniciativas individuais ou como eventos pontuais de pequenos grupos. A partir

deste momento, passei a empreender mais esforços e atenção às leituras voltadas para as

questões ambientais, tendo inclusive cursado em 1997 uma pós graduação lato sensu em

Ciências Ambientais – com enfoque na Educação – na Universidade Estácio de Sá, quando uma

parceria entre esta instituição, Furnas Centrais Elétricas e a Prefeitura de Angra dos Reis

propiciaram o curso neste município.

O ingresso no Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro e, como consequência, no NEC - Núcleo de Estudos de

Currículo, sob a orientação da Prof.ª. Dra. Maria Margarida Gomes, possibilitou-me tomar

contato com importantes referências teóricas sobre aspectos sociais e históricos que permeiam

as disciplinas acadêmicas e escolares, os saberes escolares e as movimentações que envolvem

escola, cultura, currículo e poder. O principal enfoque do trabalho de minha orientadora está na

investigação de conhecimentos escolares materializados em materiais didáticos elaborados para

as disciplinas escolares, o que me permitiu construir meu objeto de pesquisa sobre o “lixo” em

livros didáticos de Química para o Ensino Médio. Essa construção do objeto de pesquisa foi o

4 Um breve panorama desta atividade está disponível em http://www.objetivo.br/escoladomar/agua_mar.htm.

5

fruto da confluência de três marcos: o currículo de Química expresso pelos livros didáticos, a

influência que os eventos internacionais poderiam ter sobre a educação ambiental no escopo

escolar e as temáticas ambientais mais frequentemente abordadas nos currículos escolares,

tendo escolhido o lixo numa referência de história pessoal das minhas primeiras incursões às

questões ambientais.

Ao longo das discussões desenvolvidas no NEC, tomei contato com as produções de

diversos autores, mas dou destaque especial a Ivor Goodson (1997, 2001, 2003, 2012) e Andre

Chervel (1990) por suas teorizações acerca das disciplinas escolares. A partir das leituras de

seus trabalhos, venho problematizando as formas de inserção das questões ambientais, como o

“lixo”, como produções constituídas por processos sócio-históricos que participam da formação

da disciplina escolar Química.

Além desses dois autores, no âmbito da produção acadêmica nacional acerca dos

currículos da disciplina escolar Química, destaco principalmente Alice Casimiro Lopes (1992,

1993, 1997, 1998, 2007) e Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo (2002, 2011). Os

trabalhos dessas autoras vêm me orientando para discussões sobre os currículos acadêmicos e

escolares em seus diversos aspectos, incluindo as especificidades dos currículos de Química.

Quanto ao referencial teórico da Educação Ambiental, ressalto a contribuição dos trabalhos de

Carlos Frederico Loureiro (2012a, 2012b).

Por fim, meu trabalho também vem sendo influenciado pela teorização da “ecologia

dos saberes” proposta pelo sociólogo português Boaventura Santos (2010). A partir das

contribuições desse autor foi possível construir um caminho para a discussão a respeito da

separação entre os saberes selecionados para integrar um currículo e aqueles que são excluídos.

Entendo que isso pode contribuir para a compreensão de como o “lixo” vem sendo inserido

como conteúdo de ensino na disciplina escolar Química.

Paralelamente aos estudos de todos esses autores, um levantamento de trabalhos

próximos da minha temática de pesquisa foi necessário para delinear um panorama de estudos

sobre o tema “lixo” na disciplina escolar Química. Escolhi as palavras-chave: ensino de

Química (no nível médio); livros didáticos (de Química); currículo de Química; educação

ambiental (no nível médio); lixo (enquanto temática de Educação Ambiental);

interdisciplinaridade/disciplinaridade e saberes docentes/formação de professores. Nesta lista

inclui também PCNEM/DCNEM (para a disciplina Química) e PNLEM por entender que a

presença da temática “lixo” em livros didáticos de Química do Ensino Médio também expressa

uma intenção governamental. O critério de seleção foi o cruzamento de palavras-chave de forma

6

a identificar os artigos nos quais pelo menos duas das palavras chaves selecionadas fossem

citadas no sumário. De cento e noventa e sete artigos identificados, analisei os resumos e

cheguei a uma seleção de vinte produções5 cujos textos mostraram-se potencialmente

contributivos para minha pesquisa.

Identifiquei neste levantamento trabalhos que discutem: o currículo; os livros didáticos

de Química (do nível médio, superior ou básico); e as temáticas ambientais. Diversos desses

trabalhos apoiam suas discussões nos referenciais teóricos de Ivor Goodson e Andre Chervel.

Constatei que, no âmbito das temáticas ambientais, a água é o tema mais presente e que, no que

poderia dizer respeito ao lixo, há mais interesse em discutir sua reciclagem do que sua produção,

disposição ou outros aspectos sociais. Nenhuma das produções encontradas trazia em seu

escopo a questão da temática “lixo” como conteúdo ambiental da disciplina escolar Química,

observada pelo viés dos livros didáticos.

Tem sido cada vez mais exigido do ensino das Ciências Naturais, entre elas a Química,

uma interação com problemas ligados ao contexto social, econômico e ambiental (BRASIL,

2000; 2002). A discussão de questões socioambientais no currículo de Química do Ensino

Médio tem potencial para atuar como um divisor de águas entre uma forma conservadora de

ensinar esta disciplina - que privilegia fórmulas, nomenclaturas, regras e modelos – e um saber

que viabilize uma melhor compreensão da vida cotidiana. Entretanto, é importante lembrar que

esta valorização não é a garantia de um ensino de Química voltado para práticas emancipatórias,

mas pode significar um avanço em relação a posturas mais coerentes com as ideias

socioambientais contemporâneas.

Por outro lado, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) instituída pela Lei n°

12.305, de 2 de agosto de 2010 (BRASIL, 2010a), posteriormente regulamentada pelo Decreto

n° 7.404, de 23 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010b), trata de várias questões relacionadas

aos planos de resíduos sólidos elaborados pelo poder público e pelo setor privado. Os objetivos

tanto da política quanto do decreto apontam para a não-geração, redução, reutilização,

destinação e tratamento final de resíduos sólidos, bem como das questões sociais relacionadas

ao lixo. Entre as ações previstas nessa política estão as de caráter educativo. A Política Nacional

de Resíduos Sólidos integra a Política Nacional do Meio Ambiente e articula-se com a Política

Nacional de Educação Ambiental, regulada pela Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999.

O artigo 77 do Decreto 7.404 traz, textualmente,

Art. 77. A educação ambiental na gestão dos resíduos sólidos é parte integrante da

Política Nacional de Resíduos Sólidos e tem como objetivo o aprimoramento do

5 Estes textos encontram-se relacionados no Anexo B.

7

conhecimento, dos valores, dos comportamentos e do estilo de vida relacionados com

a gestão e o gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

(...)

§ 2º O Poder Público deverá adotar as seguintes medidas, entre outras, visando o

cumprimento do objetivo previsto no caput:

I - incentivar atividades de caráter educativo e pedagógico, em colaboração com

entidades do setor empresarial e da sociedade civil organizada;

II - promover a articulação da educação ambiental na gestão dos resíduos sólidos com

a Política Nacional de Educação Ambiental;

III - realizar ações educativas voltadas aos fabricantes, importadores, comerciantes e

distribuidores, com enfoque diferenciado para os agentes envolvidos direta e

indiretamente com os sistemas de coleta seletiva e logística reversa;

IV - desenvolver ações educativas voltadas à conscientização dos consumidores com

relação ao consumo sustentável e às suas responsabilidades no âmbito da

responsabilidade compartilhada de que trata a Lei nº 12.305, de 2010;

V - apoiar as pesquisas realizadas por órgãos oficiais, pelas universidades, por

organizações não governamentais e por setores empresariais, bem como a elaboração

de estudos, a coleta de dados e de informações sobre o comportamento do consumidor

brasileiro;

VI - elaborar e implementar planos de produção e consumo sustentável;

VII - promover a capacitação dos gestores públicos para que atuem como

multiplicadores nos diversos aspectos da gestão integrada dos resíduos sólidos; e

VIII - divulgar os conceitos relacionados com a coleta seletiva, com a logística

reversa, com o consumo consciente e com a minimização da geração de resíduos

sólidos. (BRASIL, 2010b)

Enfim, considero que compreender a presença da temática “lixo” nos currículos de

Química pode abrir caminhos para a criação de um espaço de diálogo entre o que se discute na

escola e interesses sociais mais amplos, uma vez que as questões associadas ao “lixo” dizem

respeito à saúde pública e à educação. As fontes escolhidas para este estudo – os livros didáticos

do PNLEM – justificam-se pelo fato de que, para integrar este programa, os títulos devem se

alinhar a uma série de requisitos oficiais, inclusive no que diz respeito às orientações

curriculares para o Ensino Médio. Os livros didáticos, vistos desta forma, passam a ser um

veículo de comunicação das intenções que se tem para os meios e fins de uma disciplina escolar

e, por esse motivo podem contribuir para a construção de um bom retrato do “lixo” na disciplina

escolar Química.

2 – Os objetivos e a organização do trabalho

O objetivo central desta dissertação é compreender as formas, sentidos e significados

tomadas pela temática “lixo” na sua inserção em livros didáticos de Química para o Ensino

8

Médio que foram selecionados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2012.

Procuro conduzir a análise a partir de dois eixos: (i) a identificação de quais abordagens,

sustentadas pelos diferentes significados sociais acerca do lixo, predominam nos currículos

escolares expressos pelos livros didáticos; e (ii) a compreensão de como estas abordagens se

relacionam com as tradições de ensino – finalidades educacionais, seleção de conteúdos e

métodos de ensino – mais valorizadas nos currículos da disciplina escolar Química para o

Ensino Médio.

Partindo desses objetivos, organizo a dissertação em três capítulos. No primeiro trago

uma discussão sobre a disciplina escolar Química, apresentando os pressupostos teóricos mais

relevantes para a discussão de minha temática, segundo os seguintes conceitos: as disciplinas

escolares, o currículo escolar e os livros didáticos. No segundo capítulo, proponho um diálogo

entre a temática “lixo” e a disciplina escolar Química, pelo viés da interdisciplinaridade. Nesta

discussão, apresento contribuições teóricas que contribuem para compreender o “lixo” como

um conhecimento escolar influenciado por diversos saberes incluindo aqueles provenientes do

campo da Educação Ambiental. E no terceiro capítulo passo a tratar diretamente da temática

“lixo” na amostra de livros escolhida, começando por expor os critérios que levaram à escolha

da coleção analisada. Em seguida, passo à sua apresentação, com sua organização em volumes,

unidades e capítulos, bem como a relação das ocorrências da temática “lixo” ao longo da

coleção. Por fim, encerro esta dissertação apresentando as considerações finais, que não têm a

pretensão de ser um término, um fechamento das questões propostas ao longo do trabalho mas,

talvez, uma possível orientação de investigações futuras.

9

Capítulo 1 - A disciplina escolar Química

Ao iniciar este capítulo, assumo a importância para minha investigação de levar em

consideração a história de uma disciplina escolar para entender os movimentos, os embates e

as disputas de poder que permearam seu caminho até um dado momento histórico. Como um

primeiro passo para compreender os sentidos construídos sobre o ensino da temática “lixo” nos

livros didáticos da disciplina escolar Química no Ensino Médio, parto da premissa de que seu

currículo, bem como os critérios que preconizam a seleção do que é ensinado nessa disciplina,

não são neutros e, portanto, não são baseados unicamente em perspectivas dos conhecimentos

científicos em Química.

Apoio-me na perspectiva de Ivor Goodson de que o currículo escrito, ou pré-ativo,

impele o currículo em ação, não se podendo, entretanto, deixar de lado as discussões que

ocorrem no contexto escolar. As atualidades se sucedem e o que se discute a cada momento, na

sociedade, deixa suas marcas no currículo. Por isso, uma disciplina escolar não é monolítica e

a história de seu currículo não é linear. (GOODSON, 2001). O currículo escrito e o currículo

em ação dependem, portanto, do contexto social em que o conhecimento é concebido. Por isso,

cada disciplina possui uma história relacionada com o contexto, necessidades e fins sociais de

momentos vividos. E cada disciplina abraça conteúdos e conhecimentos considerados

importantes e constituídos para fins sociais maiores que são exigências de seu tempo.

Além disso, considero importante também o trabalho de André Chervel (1990), que

defende que a observação da prática escolar apresenta informações sobre a produção de

conhecimentos, que não são encontradas em outras instâncias da sociedade, o que sugere que

os estudos sobre a história das disciplinas escolares se voltem para a observação de fontes como

os manuais didáticos e cadernos escolares, por exemplo, pois estes materiais podem revelar

uma história ainda não relatada nem analisada. Dessa maneira, entendo que os livros didáticos

são materiais tributários de informações acerca da conformação da cultura escolar podendo ser

fontes preciosas sobre como se dá o ensino de cada disciplina escolar.

É por conta destas perspectivas, de valorização de aspectos sócio-históricos da

constituição das disciplinas escolares (GOODSON, 1997, 2001, 2003, 2012), e de valorização

de sua cultura escolar (CHERVEL, 1990) que os materiais didáticos podem ser compreendidos

como fontes de investigação. Levo também em consideração a relevância dos livros didáticos

enquanto materiais de destaque no sistema educacional assumindo que isso não assegura que

apenas uma determinada visão seja privilegiada nos processos de ensino de uma disciplina

escolar. Entendo que o livro didático não é uma obra fechada em si e que atua como um dos

10

parâmetros que participam da formação das disciplinas escolares e também da cultura escolar.

Para Lopes (1992), o livro didático participa na formação docente e, portanto, tende a

modelar o trabalho do professor cujas deficiências de formação dificultam a organização de um

trabalho autônomo. Por esse motivo, pode-se considerar que a o livro didático participa

fortemente na determinação do quê e como será ensinado e, por isso, é “em grande medida,

representativo do que é ministrado pelos professores em sala de aula” (p.254). É no livro

didático que pode ser encontrada uma representação da seleção de conteúdos privilegiados

pelos currículos. Para contribuir nas discussões sobre a organização dos conteúdos e das

intenções ali presentes, busco respaldo nas contribuições de Alice Casimiro Lopes (1992, 1993,

1997, 1998, 2007). Nessa autora encontro a principal sustentação para discutir a disciplina

escolar Química no Ensino Médio em diálogo com as contribuições de Chassot (1990, 1996,

2003), Mortimer (1988), Mortimer, Machado & Romanelli (2000), Mortimer & Santos (1999)

e de Schnetzler (2002, 2007).

1.1 - O currículo e o estudo das disciplinas escolares

O currículo compreende um campo conceitual com diversas interpretações e

teorizações tantas que denotam sua importância, especialmente no âmbito da educação escolar.

Não existe uma noção única mas diversas noções de currículo, tantas quantas sejam as

perspectivas adotadas para sua observação e estudo. Embora o currículo ainda seja identificado

com um "plano de estudos" que compreende uma organização quanto à divisão, dosagem e

sequenciação de assuntos a serem apresentados, explicados e sua compreensão avaliada, ele

envolve muito mais atores sociais do que pressupõe-se na prática cotidiana de uma sala de aula.

O currículo não é apenas planificação, mas também a prática em que se estabelece o diálogo

entre professores, alunos, staff técnico escolar e as famílias. Há em sua constituição uma

pluralidade muito grande de protagonistas que é determinada pelo contexto no qual se insere e

no qual constrói seus sentidos a partir da valorização de algumas culturas em detrimento de

outras, para compor a cultura escolar. O currículo também envolve questões de poder nas

relações que permeiam o cotidiano da escola e fora dela, ou seja, envolve relações de classes

sociais, questões raciais, étnicas e de gênero, não podendo ser compreendido plenamente apenas

a partir de seus conteúdos de ensino (LOPES & MACEDO, 2011; SILVA, 2004).

Dada a importância do currículo no processo educacional, pode-se perceber diversas

teorias com perspectivas distintas para questiona-lo e tentar explicá-lo. Estas teorias podem ser

compreendidas como expressões da mediação entre o pensamento e a ação em educação,

11

podendo ser vistas como referenciais para os estudos sobre as problemáticas das práticas

curriculares. Algumas teorias sobre o currículo apresentam-se como teorias tradicionais,

intencionando uma “neutralidade” e objetividade científicas, enquanto outras, chamadas teorias

críticas e pós-críticas, argumentam que a neutralidade é uma falácia, que nenhuma teoria é

neutra ou desinteressada, o que implica relações de poder, evidenciando um interesse nas

conexões entre saber, identidade e poder (LOPES & MACEDO, 2011; SILVA, 2004).

Apesar de suscitar tantas teorizações, o currículo ainda é um conceito de difícil

explicação e consenso. Para alguns o currículo é um elemento formador da educação escolar,

compreendendo um conjunto de atividades inerentes à vida da escola, enquanto que outros

teóricos asseveram que o currículo diz respeito à seleção, dosagem e sequenciação dos

conteúdos da cultura a serem trabalhados no processo de ensino-aprendizagem. (Saviani, 2003).

Para Goodson o currículo é definido como “um percurso a ser seguido, ou mais

especificamente, apresentado” (2012, p.31). Sob sua perspectiva, o currículo - como uma

coleção de conteúdos a serem apresentados aos estudantes - pode ser traduzido como um elenco

de disciplinas a serem ministradas aos alunos.

Moreira (1997) afirma que o currículo constitui um significativo instrumento utilizado

por diferentes sociedades tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e

renovação dos conhecimentos historicamente acumulados, como para socializar as crianças e

os jovens segundo valores tidos como desejáveis. Então em uma perspectiva histórica o

currículo vai compreender conhecimentos, ideias, hábitos, valores, convicções, teorias,

técnicas, recursos, artefatos, procedimentos, símbolos, competências e habilidades, dispostos

em conjuntos de matérias e ou disciplinas escolares e respectivos programas, com indicações

de atividades e ou experiências para sua consolidação e avaliação. Desse modo, para muitos

professores o currículo educacional representa a síntese dos conhecimentos e valores que

caracterizam um processo social expresso pelo trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas.

Independentemente da pluralidade de forças que atuam na composição de um currículo

e da variedade de entendimentos que se dê a este conceito, uma sua característica é

predominante, senão constante: a presença das disciplinas escolares. A palavra disciplina, tal

como se conhece hoje é uma criação recente. A disciplina escolar consiste, em princípio, no

produto da seleção dos saberes da sociedade por um filtro específico, a tal ponto que, após

algum tempo, ela pode até mesmo, não ter mais qualquer relação com o saber de origem.

Segundo Iskandar & Leal (2002), foi somente a partir das décadas finais do século

12

XIX, num momento histórico em que o “Positivismo”6 influenciava o pensamento pedagógico

que foi atribuído à palavra “disciplina” o significado pelo qual é conhecida hoje, ou seja, uma

coleção de conteúdos afeitos a uma área de conhecimento estudada e ministrada em um

ambiente acadêmico ou escolar. Até antes desse momento, seu significado era associado

estritamente a padrões de conduta, à disposição para seguir regras de comportamento. Naquele

momento entendia-se que cabia ao ensino atuar como um agente disciplinador da inteligência

dos estudantes. Esta perspectiva imprimia uma marca de valor às Ciências, por serem tidas

como saberes neutros.

Nas décadas de 1960 e 1970, a Nova Sociologia da Educação e as Teorias Críticas do

Currículo detectaram a natureza parcial, não neutra e ideológica dos currículos escolares. A

Nova Sociologia da Educação (NSE), iniciada por Michael Young, na Inglaterra, nos primeiros

anos da década de setenta, constituiu-se na primeira corrente sociológica primordialmente

voltada para a discussão do currículo (MOREIRA, 1990, p.73) Segundo estas perspectivas, o

currículo não designa apenas um campo com o propósito de buscar a forma pedagogicamente

mais adequada de selecionar, organizar e apresentar os conteúdos, mas um conjunto de

prescrições e práticas que, sob esse pretexto pedagógico, contribui para a reprodução das

relações sociais existentes. As disciplinas podem assim ser consideradas o modo como estas

finalidades podem ser concretizadas e constituem os suportes destas finalidades porque se

constituem a partir de seleções que acabam por englobar alguns conteúdos e não outros. Por

fim, não se poderia perder de vista que as finalidades inscritas nas disciplinas escolares visam

não apenas o ambiente escolar, mas a sociedade em que este se situa. Face a essa nova proposta,

os reformadores curriculares buscaram introduzir uma postura "crítica" e "reflexiva" nas

disciplinas.

Entretanto, essa percepção das disciplinas escolares foi questionada por Andre

Chervel, em “História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa”,

publicado em 1990. Para esse autor, essa perspectiva pode reduzir a escola a um mero agente

de transmissão de saberes elaborados fora dela, sem considerar a existência de outros fatores

constituintes das disciplinas escolares. Para Chervel (1990, p.178), “disciplina” enquanto

conteúdo de ensino, foi uma palavra que, se prestou à designação de diversos conteúdos tratados

6 Segundo Iskandar e Leal (2002, p.2) as ideias positivistas formalizadas por Auguste Comte no século XIX,

surgiram como uma resposta à incapacidade da filosofia especulativa para resolver os problemas filosóficos que

resultavam do desenvolvimento científico. O Positivismo rejeitava a especulação teórica como uma forma de

obtenção de conhecimento e declarou serem falsos todos os problemas, conceitos e proposições da filosofia

tradicional que não pudessem ser resolvidos ou verificados experimentalmente segundo o modelo das ciências

empíricas, proporcionando-lhes uma metodologia. Sendo assim, o Positivismo é, essencialmente, o empirismo

levado a limites extremos, pois assume que nenhuma especulação pode ser traduzida em conhecimento.

13

apenas como objetos, ramos ou matérias de ensino, desde o começo do século XX. Segundo

este autor, o termo “disciplina” representava, inicialmente, uma “matéria de ensino suscetível

de servir de exercício intelectual” (Chervel, 1990, p.179). Por considerar imprecisa esta

definição, Chervel passa a aplicar o termo como sendo “aquilo que se ensina” (idem, p.177).

Para este autor, o estabelecimento e o funcionamento de uma disciplina caracterizam-se, pela

sua lentidão e segurança. Gradualmente, esse termo começou a ser associado às diversas

matérias de ensino, um significado que permanece até a atualidade.

Para Chervel (1990), “a disciplina é o preço que a sociedade paga à cultura para passá-

la de uma geração à outra”7. Em outras palavras, para esse autor, a disciplina escolar seria

resultado de uma “filtragem seletiva” dos saberes da sociedade, a tal ponto que, após algum

tempo, ela pode não mais guardar relação com o saber de origem. E em todo processo de

seleção, algo passa e algo se perde: daí a intenção do “preço”. Na visão deste autor, as

disciplinas escolares não são um reflexo ou uma adaptação das ciências de referência pois, à

medida que sua história se desenrola, uma disciplina sofre transformações no seu interior,

complicando a avaliação de sua relação com a sociedade e dando a impressão de que só os seus

fatores internos, ou aqueles relacionados com a sua ciência de referência, foram responsáveis

pela sua história. As disciplinas escolares, neste caso tem uma identidade própria. Encontrar os

pontos principais desse processo, considerando as forças e os interesses sociais em jogo na

história de uma dada disciplina, pode esclarecer seus conteúdos e suas práticas objetivando, se

necessário, modificá-los para atender a novas demandas, em vez de reproduzi-los como se

fossem neutros e independentes.

Assim, Chervel (1990) define a disciplina escolar como sendo o

... fruto de um diálogo secular entre os mestres e os alunos.... é o código que duas

gerações, lentamente, minuciosamente, elaboraram em conjunto para permitir a uma

delas transmitir à outra uma cultura determinada. ( p.222)

Em sua perspectiva, o conceito de disciplina delimita uma forma de “dar os métodos

e as regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte”

(CHERVEL, 1990, p.180). Por esta razão, a função das escolas não se limitaria ao exercício

das disciplinas escolares, mas alcançaria um conjunto de finalidades que atribuem à escola sua

ação educativa.

Dos diversos componentes de uma disciplina escolar, Chervel (1990) enfatiza a

7 No original em francês, publicado no periódico Histoire de l’éducation , n° 38, Chervel declara “Les disciplines

sont le prix que la société doit payer à as culture pour pouvoir la transmettre dans le cadre de l'école ou du collège”

(1988, p.119).

14

exposição pelo professor ou pelo “manual de um conteúdo de conhecimentos” (idem, p.202) e

destaca que a primeira etapa na investigação sobre as disciplinas escolares é estudar os

conteúdos preconizados nos manuais desta disciplina, que registram o corpus de conhecimentos

da mesma. Em sua ótica, uma disciplina atinge uma estabilidade pela consideração de práticas

pedagógicas que obtiveram sucesso na consecução das metas propostas. Essas metas,

generalizadas e reproduzidas, tendem a legitimar-se.

Chervel entendia a escola como uma instituição capaz de produzir um saber próprio,

originado de fatores determinantes da própria instituição, saber este que se estenderia para a

sociedade e a cultura. Nesta medida, o processo de disciplinarização que ocorre dentro da escola

é que atuará na constituição das diferentes disciplinas escolares, as quais são concebidas

[...] como entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes, numa certa

medida, de toda a realidade exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de

uma economia interna e de uma eficácia que elas não parecem dever a nada, além

delas mesmas, quer dizer, a sua própria história (CHERVEL, 1990, p.180).

A disciplinarização segundo Chervel pressupõe configurar ou reconfigurar um

conteúdo dentro da escola, numa criação própria e original, de modo que atenda a finalidades

criadas e pretendidas nos meios sociais que constituem a educação, e o sucesso deste processo

será tanto maior quanto maior a adequação do conteúdo reconfigurado.

Considerando essa perspectiva os conteúdos de ensino das diferentes disciplinas

podem ser dados como produzidos no âmbito da própria escola e a partir dos conhecimentos

que a ela chegam para serem transmitidos aos alunos. Como consequência, o saber escolar pode

ser visto como relacionando-se direta mas não exclusivamente com a escola. Durante o processo

de disciplinarização não apenas determinados conteúdos e métodos de ensino naturalizam-se

produzindo e reproduzindo padrões socialmente aceitos de conhecimentos, de professores e de

alunos. Para Chervel (1990), a constituição das disciplinas integrantes do currículo escolar é

uma construção interna e externa à escola que se conecta à concepção de saber escolar.

Por conseguinte, o cotidiano escolar, as práticas de ensino de professores e alunos e os

materiais escolares vêm ganhando importância no processo educativo e, nesta perspectiva, as

disciplinas escolares vêm se tornando o interesse de pesquisadores nas últimas décadas. Esse

interesse está relacionado à busca por se entender o papel e o significado de cada uma das

disciplinas na composição curricular, buscando caracterizar o conhecimento escolar por elas

produzido. Para Chervel (1990), a história das disciplinas escolares deve partir de uma

concepção de disciplina entendida em suas especificidades, com objetivos próprios, que se

articula com os demais saberes mas não forma um conhecimento menor. Por isso, as pesquisas

15

históricas devem buscar entender suas especificidades e sua autonomia. Portanto, a concepção

do saber escolar é fundamental para entender e superar os pressupostos de uma visão de que as

mudanças que acontecem na escola são gestadas exclusivamente fora dela e que esta

transforma-se apenas pelas intervenções de grupos intelectualmente hegemônicos ou pelos

agentes políticos.

Com relação à palavra “currículo”, Ivor Goodson (2012, p.31) explica que ela deriva

do termo latino scurrere, que significa correr e refere-se a curso (ou carro de corrida). Assim,

o conceito de currículo como sucessão organizada estabelece uma relação entre controle e

conhecimento evidenciando a existência de grupos de poder, determinados pela maneira como

o conhecimento é compreendido e do contexto social em que se dá este entendimento. Se o

conceito de currículo delineia e existência de forças hegemônicas, sua ação na determinação do

que interessa ou não estudar põe à mostra a ação destes mesmos grupos em legitimar

determinados saberes. Desta forma, ficavam associados os currículos e as disciplinas escolares,

passando-se a ser entende-los como estruturadores do conteúdo escolar a ser apresentado, uma

seleção do que, de quem e para quem ensinar.

Para Goodson, é necessário que comecemos por entender como se produz o currículo.

Segundo este autor, a história do currículo “[...] analisa as circunstâncias que homens e

mulheres conhecem como realidade, e explica como, com o tempo, tais circunstâncias foram

negociadas, construídas e reconstruídas. (GOODSON, 2012, p.120). Em resumo, é necessário

teorizar sobre os contextos, dando relevância à ação (GOODSON, 2003, p.79). Se observado

mais detidamente, o processo de produção do currículo não é uma construção lógica mas sim

social, na qual coexistem os fatores lógicos em si, mais os intelectuais, além de interesses,

conflitos simbólicos e culturais, buscas pela legitimação e pelo controle (GOODSON, 2012,

p.120). É plausível supor que também estejam presentes propósitos de dominação orientados

por fatores ligados à classe, à raça, ao gênero entre outros fatores que possam ser usados para

diferenciar socialmente os indivíduos, uma vez que este mesmo autor propõe que “matérias

escolares, métodos e cursos de estudo constituíram um mecanismo para designar e diferenciar

estudantes” (idem, p.118).

Goodson contemplou o estudo do processo histórico de construção de uma disciplina

escolar para além do entendimento das relações complexas entre a escola e a sociedade e da

aceitação das disciplinas escolares como originárias exclusivamente do conhecimento

acadêmico. Esse é um processo social, no qual coexistem os fatores lógicos e intelectuais, com

determinantes sociais tais como interesses, rituais, conflitos, necessidades de legitimação,

controle e dominação (idem, p.118). Desta forma, o currículo não é constituído de

16

conhecimentos válidos, mas de conhecimentos considerados socialmente válidos num

determinado momento e numa determinada sociedade.

Esta validade temporal dos conhecimentos socialmente legitimados indica que

eventualmente os currículos sofrem alterações. Investigando os processos de estabilidade e de

mudanças curriculares, Goodson (2012) sustentou que estas últimas são mais vagarosas e

graduais quando os fatores internos e externos estão em conflitos. A análise histórica de uma

matéria escolar permite identificar as rupturas e resistências, assim como os pontos de

continuidade possibilitando a compreensão de como o estatuto, os recursos e a estruturação das

disciplinas escolares levam o conhecimento de uma disciplina para direções específicas.

Decorre desse panorama que, para investigar o currículo, é necessário ir além dos

limites de sua esfera técnica (normas, leis, programas, ementas, dentre outras), buscando

compreender a esfera social e política em que os seus diversos aspectos são negociados.

Goodson (2012) chama de currículo prescrito tanto às prescrições escritas advindas de órgãos

políticos e administrativos, mas também se enquadram neste panorama os livros de texto, guias,

programas e programações do professor. Desta forma, os níveis de construção do currículo

prescrito se estendem até as instituições docentes, departamentos das matérias ou disciplinas e

mediante os planejamentos e planos de aula que os professores redigem. Assim, pode-se

entender que a elaboração do currículo prescrito, entendida em termos de embates de poder,

interesses e negociações, também faz parte da mesma prática.

Tomando como ponto de partida a percepção de que a educação é uma ação social e

que, como tal, demanda tomadas de decisão, estas decisões podem ser assumidas como uma

seleção de variáveis destinadas a obtenção de um resultado pretendido e adequado às

necessidades de um sistema. Os critérios de seleção dos conteúdos de um currículo como

construção social levam em consideração o contexto histórico, ideológico, os documentos

oficiais, as representações sociais e as vivências individuais. (GOODSON, 1997)

Segundo Goodson (2003), existem uma instância prescrita, pré-determinada do

currículo e também o currículo em ação. A distinção entre currículo escrito, prescrito ou pré-

determinado e currículo em ação é muito importante. É a diferença entre o que se pretende que

seja feito e o que se faz. Por currículo prescrito ou preativo, o autor entende não somente as

prescrições escritas emanadas de órgãos políticos e administrativos, mas também os livros de

texto, guias, programas e programações do professor. No currículo escrito existem critérios e

intenções que acabam por atender a uma avaliação pública da escolarização. O currículo escrito

está sujeito a mudanças pois é uma lógica que se escolhe para legitimar uma forma de

escolarização. No que se refere ao currículo real, o currículo em ação, temos a realidade de que

17

nem sempre as escolas aceitam ou reproduzem passivamente os discursos ditados pelos órgãos

oficiais ou pelas escolas de formação. Ignorar a história e a construção social favorecerá a

“mistificação e reprodução do currículo tradicional, tanto na forma como no conteúdo”

(GOODSON, 2012, p.27).

O currículo escrito, em confronto com interesses e disputas por poder, não

necessariamente se materializa em currículo em ação. O vínculo que se instaura entre

conhecimento e controle na definição de currículo funciona em dois níveis:

Em primeiro lugar, existe o contexto social em que o conhecimento é concebido e

produzido. Em segundo lugar, existe a forma em que este mesmo conhecimento é

‘traduzido’ para uso em ambiente educacional particular ... as salas de aula.”

(GOODSON, 2012, p.32)

Sob esta ótica, é possível perceber que os pontos de vista eventualmente defendidos

nos níveis micro e macro de um sistema de ensino, estão relacionados, mas pode-se perceber

sempre um certo distanciamento entre o que se pretende e o que realmente acontece em sala de

aula. Dessa forma, é importante destacar, nessa linha de reflexão, a importância de se considerar

nessa análise de currículo, os níveis macro e micro porque “concentrar a atenção no micronível

de grupos ligados a alguma matéria de alguma escola, não é negar a importância fundamental

das mudanças econômicas de macronível ou das mudanças de ideias intelectuais, dos valores

dominantes ou dos sistemas educacionais” (GOODSON, 2012, p.76-77).

Porém não é só o currículo prescrito que condiciona e limita a ação em sala de aula.

Para além das possibilidades de inovação e mudança, há também que considerar as tradições.

Goodson (2012) se aproxima de Hobsbawm (2012) ao afirmar que os processos de elaboração

de currículos podem ser considerados processos de invenção de tradições. Desse modo, o

currículo é uma construção sócio histórica que se “cristaliza” enquanto tradição escolar ao

longo de embates entre grupos de poder e, por isso, é um exemplo de tradição inventada.

Para Hobsbawm e Ranger

Tradição inventada significa um conjunto de práticas e ritos: práticas normalmente

regidas por normas expressas ou tacitamente aceitas; ritos ou natureza simbólica - que

procuram fazer circular certos valores e normas de comportamento mediante

repetição, que automaticamente implica em continuidade com o passado. De fato, com

um passado histórico apropriado. (1985, p.1)

E para Goodson

A elaboração de um currículo pode ser considerada um processo pelo qual se inventa

uma tradição. Com efeito, esta linguagem é com frequência empregada quando as

“disciplinas tradicionais” ou “matérias tradicionais” são justapostas, contra alguma

inovação recente sobre temas integrados ou centralizados na criança. A questão é que

o currículo escrito é exemplo perfeito de invenção da tradição (2012, p.78).

18

Assim, ao longo dos períodos em que as tradições são “inventadas”, disputas de poder

vão determinando o que é ensinado para quem. Grupos e subgrupos das comunidades

disciplinares vêm há muito inventando tradições que lhes convenham e que legitimem o que

defendem. O currículo como “tradição inventada” não é algo que se considere como pronto de

uma vez por todas. Ele define um tipo de verdade – ele fornece uma estrutura para a ação que

pode até permanecer por muito tempo sem ser questionada. Uma dada seleção de

conhecimentos pode até vir representando, ao longo do tempo, determinados grupos

dominantes. Por isso, ao se considerar uma disciplina escolar como definitiva no currículo,

associando-a a uma determinada tradição de ensino e sem levar em consideração sua trajetória

histórica de constituição, passamos a naturalizá-la, sem reconhecer os embates que a levaram a

estar presente no currículo.

Portanto, pode-se considerar o currículo como sendo fruto de uma seleção que atende

a interesses de determinados grupos sociais, interesses estes que são atravessados por relações

de poder em contextos sócio-históricos específicos, o que vai sendo reafirmado ao longo do

tempo. Desse modo, considerando o fato de que a construção de um currículo também é um

processo que inventa “tradições”, pode-se entender a relação entre currículos escolares,

disciplinas e controle (LOPES, 1997).

Mas, se o currículo é uma “invenção” que vai sendo assumida pelas práticas

curriculares escolares e, portanto, legitima determinadas relações de poder e também reproduz

um sistema de valores e padrões de comportamento, nada assegura que tais práticas aceitem,

defendam e perpetuem as visões expressas em forma de documentos escolares tais como os

livros didáticos. Dentro da escola novos significados são produzidos e negociados por

professores e alunos que vão assim exercendo transformações nas tradições de ensino e,

portanto, participando das construções de novos modos de ensinar. A partir destas produções e

negociações são eleitos os assuntos constituintes de cada componente curricular que refletem

as visões que vencem as disputas em torno do que se considera o melhor para a formação dos

estudantes. Desse modo, o currículo de cada área disciplinar não pode ser entendido como

neutro. Ao desnaturalizar a perspectiva de neutralidade do currículo é possível delinear o que é

mais ou menos valorizado.

Assim, é importante considerar, como Lopes & Macedo (2002), o papel da

organização disciplinar do currículo. E nesse caso, embora a seleção de conteúdos seja

embebida de uma intencionalidade que atende a quem define o que é ou não importante estudar

e ensinar, ainda assim “a disciplina escolar é uma instituição social necessária...” (p.83).

Embora suas intenções excedam o mero compartilhamento de saberes, as disciplinas organizam

19

o trabalho escolar. E mesmo que uma dada organização disciplinar de conteúdos possa atender

a uma lógica que não valoriza as questões sociais como parte dos conteúdos de ensino que

constituem os currículos disciplinares, a sua ausência pode inviabilizar a construção de

perspectivas mais críticas de cidadania. Nessa perspectiva, as autoras apontam ainda para o fato

de que a disciplinarização atua como um mecanismo de regulação e de controle do espaço,

horário, e de qualquer atividade relacionada ao ensino.

Para Lopes & Macedo (2002 p.83), a disciplina escolar

... traduz conhecimentos que são entendidos como legítimos de serem ensinados às

gerações mais novas, organizam o trabalho escolar, a forma como professores

diversos ensinarão(...) orientam como os professores são formados, como os exames

são elaborados, como os métodos de ensino são constituídos, como se organiza o

espaço e tempo escolares.

Por outro lado, também a respeito da força da organização disciplinar na constituição

dos currículos escolares, Goodson (1997) defende que “a estruturação do ensino em disciplinas

representa, simultaneamente, uma fragmentação e uma internalização das lutas pela estatização

da educação” (p.4). A legitimação das disciplinas “como a base dos currículos do ensino

secundário é, talvez, o princípio mais bem sucedido na história da ação curricular” (idem).

Desta forma, para este autor, as disciplinas são os principais agentes da produção sócio-histórica

dos padrões de estabilidade curricular.

Além disso, com base nesse autor, as disciplinas não podem ser consideradas como

entidades “monolíticas”, mas sim como espaços de tensão, conflitos e disputas por hegemonia,

por espaço no currículo. Desse modo, uma disciplina surge no currículo, a princípio, para

responder a uma necessidade social de existência imediata, ou seja, a partir de finalidades

educacionais de natureza utilitária ou pedagógica. À medida que vai ganhando prestígio, vai

delineando um percurso em direção a uma tradição de perspectiva mais acadêmica, abstrata,

mais distanciada do cotidiano, da realidade. Há sempre nesse caminho de criação, recriação e

valorização das disciplinas, conflitos e lutas por financiamentos, recursos, prestígio de

determinados grupos, lideranças e interesses políticos. A origem de uma determinada disciplina

não segue os mesmos critérios de surgimento de outras. A forma como se estabelece

transforma-se constantemente, uma vez que ela é o resultado da negociação de diferentes

grupos, unidos por interesses e tradições comuns (GOODSON & BALL, 1984, p.3–4)8.

8 Encontra-se no texto original o trecho: “A twin focused analysis, using histories and ethnographies, allows full

account to be taken of the socially and politically constructed nature of school subjects and tends towards a view

of the structure and contents of the school curriculum as the products of previous and ongoing struggles, within

and between subject communities. In this way, the “taken-for grantedness” of the curriculum and its subject

components is challenged. Historical work concentrating on the emergence and establishment (or decline) of

school subjects highlights the contested nature Of subject knowledge, indicating the role played by various, vested

20

Por isso, cada disciplina tem uma história, que pode ser relacionada com as

necessidades que se apresentam ao longo de um período, e o seu estabelecimento pode se

mostrar como uma dinâmica, um constante movimento, pois pode ser observada como o

resultado da coordenação de grupos diferenciados, unidos por interesses e tradições comuns. O

entendimento do processo de construção e implantação de um determinado currículo depende,

portanto, da observação tanto de fatores externos quanto internos à escola, os quais, de alguma

maneira, sustentam o funcionamento do sistema educacional fornecendo critérios e

eventualmente “coerções” aos atores envolvidos na construção e promoção das disciplinas

escolares (Goodson, 1997, p.44). Isto remete aos padrões de estabilidade e mudança, processos

presentes na construção das disciplinas escolares.

Ainda segundo Goodson (1997), apesar de receber fortes críticas, a organização

disciplinar dos currículos escolares ainda é extensamente aceita. A manutenção e a legitimação

das disciplinas escolares no currículo são características nomeadas pelo autor de “padrões de

estabilidade” que ocorrem ao longo de períodos históricos. Tais padrões são resultantes de

dinâmicas e conflitos sociais que operam nos currículos escolares. Nesse sentido, Goodson

aponta para a necessidade de que se observe a disciplina “como um bloco num mosaico

construído durante os quatrocentos anos (ou mais) ... Só aí poderemos começar a entender o

papel da disciplina escolar no que diz respeito a objetivos sociais mais amplos...” (1997, p.31).

Para este autor, a fragmentação do conhecimento em disciplinas impõe obstáculos às discussões

acerca das finalidades sociais do ensino e isso atende à permanência, e à estabilidade desta

fragmentação. Sendo assim, o sistema educacional desta forma concebido, ratifica aquela

estabilidade e dissimula as relações de poder que sustentam o conjunto de ações curriculares.

Apesar de divergências entre os grupos participantes das decisões curriculares, a

manutenção de padrões disciplinares é corriqueira. A estruturação dos currículos disciplinares

é a base para a sua estabilidade. É ela que ao mesmo tempo sustenta as disciplinas e é também

sustentada por elas. Entretanto, dada a heterogeneidade das comunidades disciplinares, as

transformações do currículo podem acontecer em alguns níveis e não acontecer em outros. Por

isso, Goodson (1997) mostra que quando os grupos sociais, que agem internamente às

interest groups in the selection and definition of “appropriate” contents”.

Numa tradução livre, este trecho pode ser entendido como “Uma análise de duplo foco, usando histórias e

etnografias, permite dar conta totalmente da natureza da construção política e social das disciplinas escolares e

tende para uma perspectiva da estrutura e do conteúdo do currículo escolar como sendo os produtos de lutas

anteriores e em curso, dentro de e entre as comunidades disciplinares. Desta forma, o que é “tido como garantido"

no currículo e seus componentes disciplinares é desafiado. O trabalho histórico concentrado no surgimento e

estabelecimento (ou declínio) das disciplinas escolares destaca a natureza controversa do conteúdo de uma

disciplina, indicando o papel desempenhado pelos vários grupos de interesse, na seleção e definição dos conteúdos

"apropriados".

21

disciplinas, entram em acordo com as demandas sociais e educacionais dos meios externos,

ocorrem mudanças curriculares. Em função dos limites impostos pelos fatores externos e

internos, os agentes sociais envolvidos nesses processos tendem a naturalizar essa situação,

desconsiderando o processo sócio-histórico que envolve o conhecimento e sua construção. Essa

naturalização do padrão de estabilidade acaba por ocultar possíveis mudanças ocorrendo no

currículo. Logo, investigar os padrões de estabilidade no currículo de uma instituição permite-

nos compreender não só a trajetória da disciplina, como também os fins sociais da instituição

pesquisada e dos mecanismos internos e externos paralelos à instituição. Além disso, pode

também mostrar as mudanças que ocorrem em coordenação com a manutenção de determinado

padrões de estabilidade.

A disciplina Química do currículo escolar do Ensino Médio, assim como todas as

demais, também é suscetível a estes processos que compõem coordenadamente os padrões de

estabilidade e mudança na abordagem do ensino de seus conteúdos. Tais padrões podem ser

analisados em documentos curriculares tais como os livros didáticos, considerando-os como

uma das formas de expressão do currículo. Há pesquisadores do ensino de Química e da prática

dos docentes desta disciplina que são também autores de livros didáticos9 e, por esta

intersecção, acabam por passar propostas e problemáticas do ensino discutidas em suas

pesquisas para esses materiais. Assim, pequenas mudanças na organização curricular de um

livro didático podem estar refletindo um panorama mais amplo de mudança nesta disciplina.

Por isso, além de outras particularidades das quais tratarei na próxima seção, entendo que os

livros didáticos também expressam aspectos relacionados aos processos de construção

curricular do ensino de Química no nível médio.

1.2 – O currículo e o livro didático

Considero que a Educação é, por sua origem e finalidades, uma ação social atrelada ao

contexto político, econômico, científico e cultural de uma sociedade. Sob esta perspectiva,

decorre que a educação escolar compreende uma construção e reconstrução coletiva de

determinados conhecimentos. Isso acontece pela mediação de diversos fatores, pessoais, sociais

e materiais. Pessoais porque há a ação de cada indivíduo envolvido neste processo, social

porque a educação acontece dentro de um contexto que envolve muitos mais agentes que apenas

os presentes no ambiente escolar e, por fim, materiais porque as escolhas ou disponibilidades

9 Attico Chassot, Eduardo Fleury Mortimer e Gerson Mól são autores frequentes nas coleções de Química para o

ensino médio e são também tributários de pesquisas sobre e para o ensino de Química neste segmento.

22

de recursos também podem interferir nesta produção.

Materiais didáticos são recursos de suporte aos processos de ensino e aprendizagem,

que mediatizam a relação entre o professor, alunos e o conhecimento, e cuja utilização pode

acontecer dentro e/ou fora do ambiente escolar, mas sempre orientado por este. Para Gorroño

(2001), material didático compreende o conjunto de

(...) todos aqueles recursos que contém informações que exemplificam, expõem

ideias, relata experiências práticas, etc., que definitivamente, contribuem a facilitar e

fundamentar a tomada de decisões em que o professor precisa levar adiante no

desempenho de suas funções na elaboração e desenvolvimento do currículo. Além

disso, este conceito de materiais curriculares inclui aqueles recursos (livros,

esquemas, mapas conceituais, painéis, cadernos, etc.) que facilitam a aprendizagem

dos alunos e das alunas no desenvolvimento do programa da disciplina. (p.8)

O uso destes materiais visa a – em princípio – tornar as práticas do ensino mais

dinâmicas, palpáveis e interessantes. É importante lembrar que o conceito de material didático

vai além do material impresso, como apostilas e livros. Porém este último, especialmente em

sua versão didática, tornou-se segundo Lajolo (1996), especialmente importante no Brasil em

decorrência da exiguidade de recursos tais como laboratórios e bibliotecas. Essa situação faz

com que o livro didático seja usado de forma representativa na escolha do que e de como se

ensina.

Para Lajolo (1996)

Dentre a variedade de livros existentes, todos podem ter – e efetivamente têm – papel

importante na escola. Didático, então, é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos,

que provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa

utilização escolar e sistemática. (p.5)

Decorre desse panorama a representatividade do livro didático como instrumento que

pode atender à necessidade e importância de organizar o currículo de uma disciplina, mas

também pelo que ele pode estar comunicando em termos de “padrão de cultura”.

Segundo Soares (2002),

Há o papel ideal e o papel real. O papel ideal seria que o livro didático fosse apenas

um apoio, mas não o roteiro do trabalho dele. Na verdade isso dificilmente se

concretiza, não por culpa do professor, mas de novo vou insistir, por culpa das

condições de trabalho que o professor tem hoje. Um professor hoje nesse país, para

ele minimamente sobreviver, ele tem que dar aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde

e, frequentemente, até a noite. Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar

aula, que não tem tempo de se atualizar. A consequência é que ele se apoia muito no

livro didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um suporte, um apoio,

mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz básica do professor no seu ensino.

( p. 2)

Mais que um depositário de informações, o livro didático é, por excelência, um objeto

cultural pois contém uma vasta gama de marcas culturais tais como valores morais, hábitos e

23

condutas socialmente recomendáveis. Ele é um instrumento didático que expõe qual tipo de

raciocínio se vai privilegiar na formação dos estudantes, bem como uma fonte de informações

que pode revelar componentes sociais do currículo escolar. Assim, o livro didático é um

elemento importante, dentre os agentes promotores de mudanças ou permanências curriculares.

O livro didático não é uma obra fechada em si, não atua como auxiliar do processo de

construção do conhecimento escolar, mas sim como modelo padrão de transmissão destes

conhecimentos, modelando dessa forma o tipo de professor, cujas deficiências de formação

dificultam ou impedem a organização de um programa de trabalho próprio. Por isso, o livro

didático é selecionado de forma intencional. Ele contribui para a determinação do que e como

será estudado, mesmo quando não é o título adotado e, por isso, é “em grande medida,

representativo do que é ministrado pelos professores em sala de aula” (LOPES, 1992, p.254).

É no livro didático que encontramos uma representação da seleção de conteúdos privilegiados

pelos currículos.

Tivemos por pressuposto em nossa análise que o conjunto de livros didáticos

pesquisado reflete com alto grau de fidelidade os conteúdos ensinados em sala de aula.

A despeito de muitos professores não utilizarem livros didáticos, é nesse material que

eles procuram a orientação sobre o que ensinar e como ensinar. Daí considerarmos

que a análise dos livros didáticos brasileiros tende a ser a própria análise do conteúdo

de Química ensinado no País. (LOPES, 1993, p.310)

Portanto, com base nas ideias dos autores discutidos neste trabalho, o currículo é um

artefato relacionado com uma organização intencional de conteúdos da cultura a serem

desenvolvidos no processo de ensino. Ele compreende conceitos, técnicas, explicações e valores

numa construção sócio-histórica que se “cristaliza” em tradições escolares ao longo de embates

entre grupos de poder objetivando determinar o que será ensinado para quem. Em termos

práticos, um currículo se expressa no ambiente escolar numa grade curricular que se presta à

organização do trabalho pedagógico e que compreende a seleção dos conteúdos e saberes

escolares. Uma das maneiras destes saberes hegemonicamente legitimados chegarem ao

ambiente escolar é por meio do livro didático e através do reconhecimento por parte de

professores, alunos, pais de alunos, do valor de se ter, ler e usar um livro. Essa perspectiva o

empodera-o de forma robusta. Portanto, parto do pressuposto de que os livros didáticos podem

ser entendidos como manifestações curriculares dos propósitos, conteúdos e métodos das

disciplinas a que se destinam. Eles participam da produção de conhecimentos no cotidiano

escolar e, para além dos muros da escola, nas instâncias que os escrevem e produzem assim

como onde se determina o que será ensinado.

Os livros didáticos refletem as políticas educacionais e as demandas sociais dos

24

períodos em que são produzidos. No caso dos livros de química, em muitos aspectos, tendem a

ser “obras que seguem basicamente o mercado, e não os interesses do ensino” (LOPES, 1993).

Eles se associam às determinações do estado acerca dos saberes legítimos ensinados na escola,

atuando neste caso como um instrumento de seleção de conteúdos e representações a serem ser

ensinados numa disciplina ou área de conhecimento e em determinado nível. O conteúdo do

livro didático expressa ideias sobre o conhecimento, a estrutura social e sobre a legitimidade de

práticas culturais que exacerbam sua relação direta com o currículo, como categoria de

conhecimento pedagógico. Por conseguinte, atuam como dispositivos de controle político-

cultural institucionalizado. O que está nos livros didáticos é o que interessa a alguém que integre

o patrimônio cultural escolar. Esse alguém pode não ser necessariamente o professor ou os

estudantes, pode ser alguém externo aos limites da escola.

Por outro lado, essa visão pode ser olhada de modo mais ampliado, pois segundo

Gomes, Selles & Lopes (2013),

Os livros didáticos são compreendidos como produções escolares que expressam os

sentidos das práticas curriculares, bem como produzem significados sobre as

definições do que se ensina, de como se ensina e de qual formação docente deve ser

desenvolvida. (...) os livros são investigados como construções curriculares que

resultam de diversos contextos, tais como o governo e os órgãos oficiais, as

instituições de ensino superior, seus autores, suas editoras e, ainda, os coordenadores,

professores e alunos que os escolhem, adotam e usam, ressignificando-os durante as

atividades escolares. (p.481)

Investigar as intenções últimas das disciplinas escolares, nem sempre nítidas, é

importante para que se possa entender que elas se constituem como suportes das finalidades do

ensino porque englobam dados conteúdos e não outros. Por isso, a investigação da constituição

e dos currículos de uma disciplina deve abranger também seus meios de difusão e apropriação

a partir de livros didáticos e outros tipos de publicações educacionais. O livro didático pode ser

considerado uma fonte privilegiada para o estudo do curso da história das disciplinas escolares

pois contém os conteúdos consolidados como constitutivos de uma disciplina. Ele é um dos

recursos com os quais os docentes contam para suas práticas pedagógicas. Lopes (2007, p. 208)

define os livros didáticos como sendo “uma versão didatizada do conhecimento para fins

escolares e/ou com o propósito de formação de valores” que configuram concepções de

conhecimentos, de valores, identidades e visões de mundo. Não raro, este material didático

acaba por se tornar o próprio currículo. Uma evidência é que em muitos livros didáticos

distribuídos para divulgação, está presente o manual do professor, com propostas que vão desde

as atividades diárias, as estratégias de ensino até a programação para todo um ano letivo ou um

segmento de ensino e propostas de avaliação.

25

Também na perspectiva de Bourdieu (2004), a disputa de poder e a influência dos

saberes legitimados permeiam a escola, seus currículos e o livro didático. Segundo este autor,

todo espaço social é um campo de lutas no qual os indivíduos, grupos ou instituições, elaboram

estratégias com vistas a manter ou melhorar sua posição social, e estas estratégias estão

relacionadas com diferentes tipos de capital. Ainda que as espécies de capital sejam distintas,

elas mantem relações estreitas e sob certas condições, e em alguns casos, a posse de um tipo de

capital constitui a condição para a obtenção de um outro distinto (BOURDIEU, 2001). Há o

“capital econômico”, apoiado na apropriação de bens materiais, o “capital social”, baseado em

relações sociais que apoiam a atuação dos agentes sociais, o “capital simbólico”, que

corresponde ao conjunto de rituais (como as boas maneiras ou o protocolo) ligados à honra e

ao reconhecimento e o “capital cultural” em seus estados incorporado, objetivado e

institucionalizado.10 Este capital cultural contribui para a compreensão das desigualdades de

desempenho escolar dos indivíduos oriundos de diferentes grupos sociais.

No estado incorporado, o capital cultural engloba o domínio da língua culta e as

informações sobre o mundo escolar. Este capital se origina na herança cultural familiar que atua

de forma marcante na definição do futuro escolar dos descendentes, uma vez que as referências

culturais, os conhecimentos considerados apropriados e legítimos, e o domínio da língua culta

trazida de casa facilitam o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares, ligando o mundo

da família e o da escola. No estado objetivado, o capital cultural existe sob a forma de bens

culturais, tais como esculturas, pinturas, livros, etc. Para possuir estes bens econômicos é

necessário ter capital econômico, embora a aquisição não garanta a apropriação da carga

cultural destes bens. No estado institucionalizado, o capital cultural materializa-se por meio dos

diplomas escolares (BOURDIEU,2001). Por isso, entendo que as ideias de Pierre Bourdieu

reiteram a questão do poder selecionando o que se ensina, a quem e quais são os resultados que

esse enseja a cada aluno, a partir também da ótica dos livros didáticos.

Atualmente é bastante comum encontrar nos livros didáticos uma estrutura que já

organiza os conteúdos em unidades que simulam aulas, com respectivas explicações,

atividades, exercícios e avaliações. Em muitas escolas da rede pública de ensino, os livros

didáticos representam a principal, senão a única fonte de trabalho como material impresso na

sala de aula, tornando-se um recurso básico para o aluno e para o professor, no processo ensino-

10 O trabalho de BOURDIEU, P. “Les trois états du capital culturel” foi originalmente publicado na revista Actes

de la Recherche en Sciences Sociales, 30:3-6, 1979. Aqui está sendo usado: BOURDIEU, P. Os três estados do

capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (orgs.) Escritos de Educação, 3ª ed., Petrópolis: Vozes,

2001, pp.73-79.

26

aprendizagem. Segundo Freitag (1989) esses dois grupos acabam tornando-se escravos do livro

didático quando o transformam no roteiro único ou mais importante do processo de ensino-

aprendizagem, ao invés desse atuar como um coadjuvante do desenvolvimento da autonomia e

do senso crítico.

Olhando dessa forma, o uso dos livros didáticos proporciona uma perspectiva dual na

prática educativa: sua utilização pode contribuir para uma conscientização acerca da realidade

social, ou para a manutenção de preconceitos e fortalecimento dos valores culturais

hegemônicos, com o silenciamento de aspectos relacionadas a determinadas culturas,

principalmente aquelas consideradas minoritárias e sobre outras realidades diversas.

Mas, se são artefatos culturais participantes da construção do currículo, os livros

didáticos também podem ser entendidos como materializações de disputas sociais relacionadas

com decisões e ações curriculares. São construções sócio-históricas formadas por intenções,

realidades e decisões provenientes de diferentes grupos sociais e seus contextos. Goodson

(2012, p.21) afirma que esses materiais constituem um currículo escrito que intenciona

apresentar uma seleção de saberes e uma organização dos mesmos, normalmente prescritiva.

Segundo Abreu & Dias (2006), as investigações sobre os livros didáticos sob uma perspectiva

sócio-histórica, podem levar-nos a compreender a produção desses materiais, o estudo dos

elementos implícitos e explícitos que delineiam as finalidades do livro didático.

Abreu, Gomes & Lopes (2005) citam Ferreira & Selles (2003), ao afirmar que “os

livros didáticos são a expressão de uma complexa história de concepção e produção, e refletem,

portanto, os diversos campos de influência existentes no momento histórico em questão” (p.

408). Por conseguinte, os livros didáticos são produtores e reprodutores de políticas

curriculares: produtores pela manutenção de suas concepções ou pela reinterpretação e

introdução de novas questões trazidas pelas propostas oficiais; e reprodutores porque o campo

editorial se apropria das concepções das propostas oficiais e da prática e as reinterpreta de

acordo com as suas próprias concepções e finalidades. A produção de políticas pode ser oriunda

da reprodução dos saberes legitimados, mas podem também ser construídas novas políticas

dependendo da leitura e do uso que se faça destes livros. Professores a alunos constroem

sentidos em sala de aula não apenas a partir do currículo escrito presente no livro mas também

a partir de suas interpretações.

1.3 – A disciplina escolar Química

Segundo o historiador britânico Raymond Williams (1961), o trabalho de consolidação

27

de uma cultura não obedece, apenas a valores intrinsecamente relacionados à excelência e

universalidade. A seleção cultural arbitrária é uma reinvenção que incide não apenas sobre o

passado mas também sobre o presente. Alguns tipos de valores são considerados importantes o

bastante para que sua transmissão seja confiada a profissionais formados para isso, os docentes.

Como nem tudo o que constitui uma cultura é considerado de igual importância, e frente à

limitação de tempo e possibilidades, faz-se necessária uma seleção. A essas seleções é que

chamamos currículo e a forma e lógica empregadas para distribuir os saberes destas seleções é

que vão compor os conteúdos das disciplinas escolares, que não são permanentes na medida em

que são temporalmente relevantes. Por isso é que os conteúdos contemplados no currículo de

uma disciplina podem passar por mudanças de enfoque, serem adicionados ou substituídos, ao

sabor dos interesses de quem os seleciona ou de quem os discute.

Para Lutfi (1989), a organização básica do conteúdo de Química no atual Ensino

Médio foi instaurada no século XIX, na França. Esta organização pressupõe a apresentação, por

grandes áreas, dos conhecimentos da ciência Química segundo a seguinte sequência: química

inorgânica (atualmente a química geral), físico química e química orgânica. Esta arrumação não

foi casual e tinha uma lógica centrada no seu tempo e no seu espaço social.

Entender as transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas no séc. XIX

torna-se necessário para compreendermos as transformações que a química sofreu e

como a ciência está integrada a todo o processo de transformação, não a colocando

como um corpo isolado, de fora, mas como algo interno, não negando que tanto as

transformações fora do campo estritamente científico a influenciaram, assim como o

desenvolvimento cientifico levou a outras transformações (LUTFI, 1989, p. 30).

Embora esta organização tenha prevalecido ao longo do tempo, há evidências de que

no percurso da disciplina escolar Química, no Brasil, os objetivos desse ensino sofreram

oscilações de forma que os conteúdos abordados ora atendiam a questões utilitárias e cotidianas,

ora eram centrados nos pressupostos científicos (LOPES, 1998). Estas evidências, presentes

nos documentos que orientam a disciplina Química no currículo brasileiro das escolas básicas,

sugerem que a trajetória desta disciplina parece “se aproximar nitidamente dos exemplos

citados por Goodson em relação à Biologia e às Ciências, na Grã-Bretanha. A história da

disciplina Química no Brasil, também parece oscilar entre objetivos de ensino voltados para

aspectos utilitários e cotidianos e outros objetivos centrados em pressupostos técnico-

científicos” (ROSA & TOSTA, 2005, p.225).

De acordo com Kruger & Porto (2013), a Química passou a integrar o currículo do

ensino secundário brasileiro apenas a partir de 1931, com a reforma Francisco Campos

(BRASIL, 1931). Documentos da época demonstram que o objetivo do ensino de Química era

28

prover o aluno de conhecimentos específicos, aguçar o interesse pela ciência e mostrar “a

relação desses conhecimentos com o cotidiano” (p.4). Porém, esta valorização da cotidianidade

foi perdendo espaço ao longo do tempo até que, com a criação do Ensino Médio

profissionalizante pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação no 5.692/1971 (BRASIL, 1971),

o ensino de Química assumiu um caráter essencialmente técnico-científico.

Lopes e Macedo (2002), apontam para o fato de que mesmo em currículos em que a

matriz do conhecimento não é disciplinar, a força dos processos de administração curricular

acabaria acarretando a organização de disciplinas com finalidade de controle do trabalho

docente e/ou para controle das atividades dos alunos. Recorrendo aos trabalhos de Ivor Goodson

e Boaventura de Souza Santos, para argumentar que as disciplinas escolares diferem das

disciplinas científicas, as autoras analisam o caso da disciplina Ciências, por representar um

modelo do esforço de produzir uma integração pela via disciplinar e apontam para o fato de que

para alguns estudiosos do campo do currículo, as disciplinas relacionadas às ciências só se

tornaram componentes curriculares definitivamente, ao se aproximaram das ciências de

referência.

Para Kruger e Porto (2013), havia duas modalidades que regiam o nível médio de

ensino brasileiro, até o início dos anos de 1980: uma humanístico-científica se constituía numa

fase de transição para a universidade e outra de caráter técnico, objetivando a formação

profissional do estudante (p.5). Segundo esses autores, não é mais aceitável na atualidade que

o ensino de Química se ocupe de apenas adestrar os estudantes na habilidade de dar respostas

corretas a exercícios propostos. É necessário desenvolver a capacidade de “analisar, julgar, se

posicionar e tomar decisões pelas quais ele se sinta responsável e possa ser responsabilizado”

(2013, p.6).

No curso da constituição histórica da disciplina escolar Química, algumas tendências

se tornaram mais marcantes. Schnetzler, Nieves & Campos (2007) identificaram as principais

tendências, nos últimos quarenta anos, como produto de investigações na área da educação em

Ciências/Química: “tradicional”, “ensino por descoberta”, “ensino por mudança conceitual”,

“abordagem histórico-cultural” e “ensino para a formação do cidadão”. A tendência dita

“tradicional”, assume o conhecimento químico como verdade absoluta, cumulativa e excluída

do cotidiano dos alunos, cabendo ao professor, potencialmente possuidor desse conhecimento,

transmiti-las. A aprendizagem, segundo essa tendência, ocorre através da assimilação desses

conteúdos transmitidos, sendo averiguada através de avaliações, que objetivam quantificar o

conteúdo memorizado e mensurar a eficácia do processo de ensino-aprendizagem.

Na tendência denominada “ensino por descoberta”, movimento de reforma curricular

29

que ocorreu principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra no início da década de 60, as aulas

experimentais tornam-se fundamentais para a aprendizagem dos alunos. Assume-se nesta

tendência que o conhecimento científico/químico provém de experiências, o que foi duramente

criticado por se fundamentar em uma concepção empirista de Ciência que não se preocupa com

a contextualização social dos conhecimentos científicos. Nesta tendência assim como na

“tradicional”, as concepções prévias dos alunos não são levadas em conta, condição esta assumida

pelo movimento das concepções alternativas, vigente no final da década de 70 e nos anos 80.

Deste movimento teve origem a tendência de “ensino por mudança conceitual”, a qual,

segundo Schnetzler (2002),

foi o termo empregado para designar a transformação ou substituição de crenças ou

ideias ingênuas (concepções prévias ou alternativas) de alunos sobre fenômenos

sociais e naturais por outras ideias, mais sofisticadas e cientificamente aceitas, no

curso do processo de ensino e aprendizagem. Durante alguns anos, pareceu haver um

certo consenso entre pesquisadores quanto às condições para a ocorrência de tal

mudança. Uma delas era que o aluno deveria se sentir insatisfeito ou “em conflito”

com sua concepção a fim de mudá-la ou substituí-la. Nesse sentido, ao ensino cabia

promover tal conflito, principalmente pelo confronto entre as concepções dos alunos

e os resultados de atividades experimentais (p.16).

Por fim, observa-se o início da década de 1990, a realização de trabalhos que

incorporam a “abordagem histórico-cultural” em investigações sobre o processo de ensino-

aprendizagem, definindo uma nova tendência para o ensino de Química. Nessa tendência, a

interação discursiva e a negociação social de significados são consideradas fundamentais na

construção de conhecimentos, processo que também implica articulações de conceitos

cotidianos e científicos, enfatizando a contextualização social de conhecimentos químicos.

É importante ainda apontar que desde o final da década de 70, além das tendências

acima, enfatiza-se a inclusão de relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, a partir das

ideias do movimento CTS, no ensino de Ciências/Química. Este movimento valoriza a

formação de cidadãos a partir da valorização das relações entre o conhecimento

químico/científico e temas sociais relevantes o que deve orientar os estudantes a tomar decisões

e lutar por direitos, visando o bem coletivo. Em outras palavras, configura-se deste modo a

tendência do ensino de Química para formar o cidadão.

Ao se analisar as visões de ensino de Química preconizadas por essas cinco tendências

é possível perceber uma marca de oscilação entre propósitos educacionais mais relacionados a

aspectos técnico-científicos e aqueles mais ligados ao cotidiano. Esta marca pode ser observada

ao longo da história da disciplina Química no âmbito escolar brasileiro e sugere uma reflexão

sobre o significado atribuído ao cotidiano. Este termo, há alguns anos, tem sido entendido como

um meio para estabelecer relações entre situações corriqueiras, ligadas ao dia a dia da vida dos

30

estudantes, e os conhecimentos científicos. O cotidiano tem assim uma finalidade de ensino

com vistas à aprendizagem de conceitos científicos do campo da Química. Na verdade, a

proposta de incorporar discussões do movimento CTS nesta disciplina com uma abordagem

interdisciplinar e contextualizada passou a ser bastante valorizada a partir de 1982, ano em que

Mansur Lutfi apresentou essas ideias em sua dissertação de mestrado. Tal movimento de

revalorização do cotidiano ao currículo de Química não significa uma desvalorização ao modelo

conteudista de valorização dos conhecimentos científicos, mas antes, uma releitura da realidade

à luz de saberes do cotidiano que aproximam os primeiros dos escolares.

Além disso, Rosa & Tosta (2005) destacam a contribuição de Attico Chassot (1996)

para uma análise da constituição sócio-histórica da disciplina Química no Brasil, apontando

para registros relacionados ao seu ensino já no século XIX, nos quais se percebe uma orientação

utilitária para o seu ensino. Segundo este autor, o primeiro decreto oficial que se refere ao ensino

de Química no Brasil é o de 6 de julho de 1810, que cria uma cadeira de Química na Real

Academia Militar

Cita uma Carta de Lei de 4 de dezembro do mesmo ano que traz a seguinte

informação: No quinto ano haverá dois lentes. O primeiro ensinará tática e estratégia;

o segundo, ensinará Química, dará todos os métodos para o conhecimento das minas,

servindo-se das obras de Lavoisier, Vanderquelin, Jouveroi, Lagrange e Chaptal para

formar seu compêndio, onde fará toda sua aplicação às artes e a utilidade que dela

derivam. (CHASSOT, 1996, p.137)

Rosa & Tosta (2005, p.254) consideram que os trabalhos de Ivor Goodson (2001)

sobre a trajetória das disciplinas Biologia e Ciências, na Grã-Bretanha, contribuem

significativamente para o entendimento da constituição sócio-histórica da disciplina Química

ao revelar que essas disciplinas se constituem a partir de uma transição “consistente de uma

marginalidade de baixo status, dentro do currículo, passando por uma etapa utilitária, até

chegar, em última instância à definição da disciplina como um corpo rígido e rigoroso de

conhecimento” (GOODSON, 2001, p.101). A trajetória dessas disciplinas também mostra o

dilema, entre saber cotidiano e saber científico, presente em diversos momentos da história do

currículo de Química no Ensino Básico.

Wartha e Faljoni-Alário (2005) destacam que os Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio (PCNEM), na área de Matemática, Ciências e suas Tecnologias (Brasil,

1999a), apontam para a necessidade de associar o conhecimento científico com valores

educativos, éticos e humanísticos que excedam a mera aprendizagem de fatos, leis e teorias. O

conhecimento científico deve ser caracterizado como produto da vida social, marcado pela

cultura da época, como parte integrante, influenciando e sendo influenciado pelos outros

31

conjuntos do conhecimento. Em outras palavras, trazer para o chão da escola uma perspectiva

de ciência inserida no cotidiano, contextualizada. Mas é importante ressaltar que essa discussão

já estava instalada tempos antes, não apenas nas escolas mas também nas pesquisas acadêmicas.

Em sua tese de doutorado, Mansur Lutfi (1989) continuou a discussão acerca da

contextualização e suas múltiplas perspectivas, ao relatar:

Quando se fala em trabalhar o cotidiano, os professores têm uma atitude de prevenção

imediata, pois sabem que a vida de cada aluno é diferente da de outro, até em uma

mesma escola. Esse conceito esconde a realidade de vivermos em uma sociedade de

classes e de jovens pertencentes às diferentes classes sociais, mesmo quo a ideologia

interfira em sua visão de mundo, terem condições concretas de vida diferentes

(LUTFI, 1989).

Além de Lutfi (1982) outros autores vêm discutindo a relevância de se compreender o

cotidiano e seus sentidos no ensino da disciplina escolar Química. Por exemplo, para Mortimer

& Santos (1999a), a contextualização constitui hoje um princípio curricular com diferentes

serventias, dentre as quais a motivação do aluno, a facilitação da aprendizagem e a formação

para o exercício da cidadania. O entendimento de seu significado pode possibilitar a criação de

métodos de ensino que beneficiem o preparo para o exercício da cidadania. O ensino da

Química sob esta ótica, atuaria como um facilitador da leitura do mundo.

Já Chassot (1990, 2003a e 2003b) lembra que os conhecimentos químicos

compartilhados em sala de aula devem estar relacionados à realidade e dentro de uma concepção

que destaque o papel social da Química, sem que isso represente um “modismo” denominado

a “Química do Cotidiano”. O interesse em articular o ensino de Química à prática social, tem

ganhado destaque entre os estudiosos da área. A motivação para ensinar Química na atualidade

deveria estar além das motivações de exclusão social/inclusão no mercado de trabalho, e sim a

possibilidade de que os estudantes se tornem cidadãos conscientes e críticos (CHASSOT, 1990,

p. 30)

Contextualizar o ensino significa assumir que todo conhecimento envolve uma relação

entre sujeito e objeto. Contextualizar o conhecimento no seu próprio processo de produção é

criar condições para que o aluno compreenda a relevância e aplicar o conhecimento para

entender os fatos, tendências, fenômenos, processos que o cercam. Ao contextualizar uma

informação, significados são construídos e estes, não são neutros pois constroem o

entendimento de problemas do entorno social e cultural. A contextualização do ensino vem

sendo reconhecida como importante por vários professores e parece haver uma tendência

presente ao menos no discurso, de os professores incorporarem este viés a sua prática em sala

de aula, porém ainda limitando-se às aplicações da Química ao cotidiano, e restringindo a

32

contextualização mais à intenção que à ação.

Para que se possa configurar que a contextualização é realmente uma tendência no

ensino de Química no Brasil, é importante olhar também para os livros didáticos. Em 1988,

Eduardo Fleury Mortimer já denunciava uma tendência à estabilidade nos currículos expressos

nesses materiais:

... pode-se afirmar que os autores de livros didáticos, ao longo da história, sempre

tiveram dificuldade em romper com certas tradições. As únicas rupturas que se

consegue detectar são as relacionadas à apresentação dos livros didáticos e à posição

dos temas que se está discutindo no programa de segundo grau. (...) Por outro lado, os

livros quase sempre estiveram desatualizados em relação ao estado da arte do

conhecimento químico. Os livros atuais, apesar de aparentemente atualizados,

apresentam certos assuntos — como estrutura atômica e ligação Química — com

tantas simplificações que os descaracterizam. (MORTIMER, 1988, p.39)

Em outras palavras, a resistência às mudanças parece fazer parte de uma tradição da

Química. Não que haja uma oposição entre um saber científico e um saber do cotidiano,

contextualizado, uma vez que nas palavras de Mortimer (1988), nem mesmo se pode confiar na

veracidade do conteúdo científico, face às formas simplificadas como determinados conteúdos

de ensino são apresentados.

Miranda & Martins (2007), ao apresentarem os resultados de uma pesquisa sobre quais

aspectos são considerados importantes pelos professores de Química, na escolha do livro

didático, apontaram que, nesse processo, os professores investigados valorizaram os critérios

associados à linguagem dos textos e aos exercícios. Segundo as autoras, tal resultado mostra

uma dicotomia entre uma perspectiva inovadora de ensino e um ensino para adestramento,

revelada pela valorização da linguagem e contextualização dos textos, paralelamente à

diversidade de exercícios. Também foram identificadas como orientadoras da escolha, marcas

de tradição e poder como os nomes dos autores dos livros, a fonte de onde foram retirados os

exercícios (ENEM e exames vestibulares) bem como a quantidade dos mesmos, juntamente a

presença de propostas investigativas.

Embora esses dados realcem essa contradição, são coerentes com os apresentados em

uma pesquisa anterior (SANTOS, 2006), que apontou para a oferta de quantidade e variedade

de exercícios como sendo a função principal do livro didático de Química. Esses resultados

indicam que, apesar do reconhecimento da existência e da importância de uma tendência à

contextualização, critérios de valor tradicionais continuam a ter grande peso na seleção do livro

didático, o que pode ser entendido em última instância, como uma opção pelo continuísmo nesta

forma de expressão do currículo. Além disso, esses dois trabalhos mostram como a seleção de

conteúdos de ensino referenciados nos conhecimentos científicos da Química são dados como

33

naturais e, por isso, não são problematizados ou colocados como critérios para o que se

considera o bom ensino de Química.

Num outro trabalho a respeito dos livros didáticos de Química, Maia, Sá, Massena &

Wartha (2011) pesquisaram os critérios de seleção e formas de utilização dos livros didáticos

adotados no Ensino Médio por professores de Química de escolas estaduais das cidades de

Ilhéus e Itabuna, situadas na região sul da Bahia. Entre suas conclusões, novamente há pontos

de concordância com o que vem sendo discutido neste trabalho:

No que diz respeito aos conteúdos selecionados pelos docentes e de suas justificativas

para a escolha destes, observamos ainda a valorização excessiva da preparação para o

exame de vestibular em detrimento de uma educação mais voltada para a formação do

cidadão crítico e atuante na sociedade. (p.123)

Um estudo semelhante já havia sido conduzido com professores de Química por

Loguercio, Samrsla & Del Pino (2001) e chegado a conclusões muito semelhantes quanto aos

critérios que motivam a escolha de um livro didático para aulas de Química no Ensino Médio,

exceto por um fator. Segundo esses autores, a seleção dos livros didáticos fundamenta-se em

critérios tais como relacionar os conteúdos com o vestibular e com o cotidiano, sendo esta

última uma proposta assumida pelos autores e pelas grandes editoras a partir da década de 1990.

Esta proposta pretendeu trazer para os livros didáticos, mesmo os considerados mais

tradicionais por valorizarem mais fortemente a seleção de conteúdos, exemplos e problemas do

cotidiano. A valorização das questões de vestibulares visa suprir a necessidade daqueles alunos

que tentam ingressar em uma universidade, denunciando um entendimento de que a

mecanização é mais favorável a uma aprovação em processos seletivos para curso superior que

o próprio entendimento dos assuntos discutidos nos livros didáticos.

Nesse sentido, Loguercio, Samrsla & Del Pino (2001) chamam a atenção para uma

preocupação excessiva relacionada à valorização do conteúdo e do conhecimento químico em

detrimento de questões cotidianas, uma vez que os professores valorizam a presença de grande

quantidade de exercícios. Os autores destacam que “o mínimo que se pode inferir é que o

conhecimento químico presente nesses livros é tido como certo, definitivo e inquestionável”

(p.561). O único ponto de discordância entre os dois estudos foi que, no primeiro, se identificou

preocupação com os custos dos livros enquanto que no segundo, os professores deixaram claro

que sua opção por títulos apresentados em volume único dizia respeito a uma redução de gastos

com livros didáticos.

Para Rebelo, Martins & Pedrosa (2008), o movimento educacional denominado

Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), vem se desenvolvendo desde meados da década de 1980,

34

e, envolve ênfases curriculares que requerem metodologias e abordagens inovadoras de ensino

das Ciências de forma a promover o desenvolvimento de literacia científica e tecnológica11, ou

seja, a capacidade de usar conhecimentos para desenvolver um bem para a sociedade em geral.

Entretanto, se a Química do cotidiano vislumbrada nas contextualizações da tendência CTS é

uma mudança representativa na abordagem dos conteúdos dessa disciplina ou se representa uma

permanência de uma intencionalidade seletiva, isso é algo que ainda não está claro. Afinal,

como já abordado anteriormente, um currículo se configura é na prática, na relação que legitima

uma forma de escolarização. O currículo é uma construção social e isso implica em como se dá

a relação entre os grupos e sub-grupos que atuam socialmente na construção da disciplina

escolar Química (GOODSON, 2012).

Nos PCNEM (Brasil, 1999a), a contextualização é proposta como princípio para a

sistematização do currículo. A abordagem dessa proposição, no ensino escolar de Química, tem

sido recomendada com o objetivo de formar o cidadão. Porém é suposto que isso tenha que ir

além da motivação do aluno a partir de exemplos de utilidades do conhecimento químico. A

intenção expressa nesse documento é a de desenvolver atitudes e valores que oportunizem a

discussão das questões ambientais, econômicas, éticas e sociais. Como explicitam as Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM (BRASIL, 1998):

Art. 9º: I - na situação de ensino e aprendizagem, o conhecimento é transposto de

situação em que foi criado, inventado ou produzido e por causa desta transposição

didática deve ser relacionado com a prática ou a experiência do aluno a fim de adquirir

significado. ( p.4)

Um outro aspecto importante quando se considera a perspectiva da contextualização e

do cotidiano diz respeito às problemáticas do meio ambiente que também vêm impactando

fortemente os currículos da Escola Básica e, portanto, a disciplina escolar Química. Para Jacobi

(2005) deve-se salientar que as práticas educacionais inseridas na interface dos impasses

socioambientais “devem ser compreendidas como parte do macrossistema social,

subordinando- se ao contexto de desenvolvimento existente, que condiciona sua direção

pedagógica e política” (p.243). Com base no argumento desse autor, pode-se aproximar a

propostas do campo da Educação Ambiental com aquelas preconizadas pela educação para a

cidadania no que concerne a valorização da formação voltada para os sujeitos cidadãos. Desse

modo, a inserção de influências do campo da Educação Ambiental nos conteúdos de ensino

11 A literacia consiste num conjunto de competências de aprendizagem e pensamento crítico necessárias para

acrescentar, analisar e usar a informação de forma eficiente. Para Vieira (2007), “não se consegue uma definição

consensual para literacia científica (...) é porque o próprio conceito não é consensual. Considerado como objectivo

final do ensino de ciência tem igualmente sido usado como um subterfúgio para se chegar a um ensino de mais e

melhor ciência. ”(p. 98)

35

selecionados para a disciplina Química do Ensino Médio, segundo uma perspectiva crítica,

ocorre na medida em que aquela seja entendida como uma prática político-pedagógica, e não

apenas como uma contextualização que se limita a “modismos”, como afirma Chassot (2003b).

36

Capítulo 2 – O lixo e as tradições do ensino de Química

Neste capítulo apresento contribuições de diversos autores procurando compreender

como a temática lixo pode ter a sua inserção definida nos currículos de Química para o Ensino

Médio. Para isso busco delinear os modos possíveis com que o “lixo” pode ser selecionado e

organizado como um conhecimento a ser ensinado nessa disciplina. Entendo ser importante

identificar as perspectivas a partir das quais essa temática pode ser abordada. Com base em

minha experiência docente, considero que é comum a utilização dessa temática à guisa de

exemplo para o estudo dos processos e utilidades de fracionamento de misturas. Mas de que

outras formas esta temática pode dialogar com os conteúdos tradicionais do ensino de Química?

Orientada por essa questão, começo trazendo uma breve apresentação da temática

“lixo”, sua conceituação, seu contexto e do percurso que vem estruturando, de uma forma mais

ampla, a sua escolha nos currículos da disciplina escolar Química. Este percurso é feito a partir

das orientações legais em diálogo com as tendências do ensino desta disciplina, principalmente

no que diz respeito às ideias sobre contextualização do ensino e sobre a abordagem do cotidiano.

Em seguida apresento algumas discussões sobre aspectos culturais do currículo e sua relação

com a temática “lixo”, buscando entender como esse assunto se coordena com outros já

considerados tradicionais no interior da disciplina escolar Química.

Apoiada em Clifford Geertz (2008), faço também um resgate de aspectos históricos e

culturais brasileiros associados à lida com o “lixo”, levando em conta que podem estar deixando

marcas sociais nas formas como o lixo é retratado em livros didáticos. Além disso, apresento a

contribuição de Layrargues & Lima (2011, apud Layrargues, 2012) acerca das três

macrotendências político pedagógicas que compõem o quadro conceitual da Educação

Ambiental. Busco assim identificar relações destas orientações com a presença da temática

“lixo” na coleção de livros didáticos escolhida para análise. Por fim, apresento um olhar sobre

a teorização da cartografia abissal proposta por Boaventura de Sousa Santos (2010) em seu

texto “Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes”. Este

autor vem, desde o início da década de 1990, produzindo trabalhos significativos de análise

sobre a construção do conhecimento moderno. Uso de sua teorização tanto para compreender a

presença do “lixo” nos livros didáticos de Química como também para discutir algumas das

questões sociais afeitas à cidadania, à lida com o lixo e de que maneira a sociedade

contemporânea se relaciona com os grupos sociais que vivem à margem e às custas do lixo.

37

2.1 – Como o “lixo” pode ser inserido no ensino de Química?

A Revolução Industrial representou um marco nas relações de produção e consumo

que vêm alterando a dinâmica da natureza, seja pela exaustão dos recursos naturais como

matéria-prima para a fabricação dos produtos, bem como pela degradação ambiental

(BRAILOVSKY, 2004; CRUZ, 2005). O aumento da população mundial determina um

aumento no consumo que impacta progressivamente um conjunto de bens naturais finitos

(BESEN, 2006; WOJCIECHOWSKI, 2006). E aumenta também a produção de resíduos de

todos os tipos. Esta crescente industrialização que desconsidera os ciclos de recomposição das

paisagens naturais, traz mais uma consequência danosa que é o acúmulo de lixo. As áreas para

disposição do lixo não aumentaram em tamanho na mesma medida em que aumentou a

produção do mesmo, comprometendo ainda mais os recursos naturais remanescentes.12

O lixo representa, na atualidade um problema ambiental tanto pela sua quantidade

quanto pela sua consequência para a saúde das pessoas e do ambiente. O consumo para além

das necessidades reais de vida e sobrevida, motivado apenas pelo consumismo, leva a uma

sequência de substituição de bens que se acelera na medida em que uma aumenta a oferta destes

mesmos bens. A troca não é mais feita apenas pela necessidade de reposição de um bem

essencial que encerrou sua vida útil: a troca é motivada pela exaltação de um status simbolizado

pelo que cada um tem.

Para Loureiro (2012a) a prioridade no modo de produção capitalista é a acumulação

de riquezas em detrimento da satisfação de necessidades. As escolhas individuais estão

relacionadas a condicionamentos históricos e, entre elas, o padrão de consumo, que é marca da

sociedade capitalista e que associa o consumo à felicidade mas tem como propósito a

acumulação de riquezas e uma ideologia de consumo. O aumento de consumo realimenta a

produção industrial sem a devida reflexão sobre suas consequências ambientais e sociais, tais

como o aumento da diversidade e quantidade de produção de lixo, numa velocidade maior que

a capacidade de recomposição de algumas paisagens naturais, contribuindo diretamente para

intensificação de inúmeros problemas ambientais em nossa sociedade. O entendimento dos

impactos sociais e ambientais decorrentes desta dinâmica podem concorrer – mas não

asseguram - para a compreensão a respeito das responsabilidades sociais de cada pessoa, e

portanto, para a formação da cidadania.

Porém, o entendimento do que é lixo é bastante variado. Segundo critérios técnicos,

12 Afirmo isso com base na preocupação crescente, que está a disposição na forma de notícias divulgadas por

diversas mídias, que discutem principalmente a contaminação de reservas aquíferas a partir do descarte impróprio

do lixo.

38

ele pode ser entendido como qualquer resíduo sólido das atividades humanas ou proveniente da

natureza ou atribuído a bens que tenham perdido sua utilidade ou valor.13 A publicação “Lixo

Municipal: Manual de Gerenciamento Integrado”14, lançada em 1995 e reeditado em 2000 e

2012, pela prefeitura de São Paulo em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas

(IPT/CEMPRE, 1995) é um exemplo de material que propõe critérios técnicos com base na

composição para a classificação dos tipos de lixo. Mas não é possível discutir o lixo enquanto

temática em livros didáticos observando apenas a superfície técnica da questão. O conceito de

lixo também está permeado de questões sociais mais sutis, como a rejeição, a exclusão, como

discutirei mais adiante neste capítulo. Nesse sentido, é importante considerar as relações entre

o “lixo” e o campo educacional para entender como essa temática vem sendo tratada em relação

às finalidades educacionais da Escola Básica no Brasil.

De acordo com a Constituição brasileira de 1988 e com a Política Nacional de

Educação Ambiental (BRASIL, 1999b), a Educação Ambiental deve estar presente em todos

os níveis de ensino e no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas –

desde o nível básico até o superior. Sendo a Química, a disciplina escolar que estuda a matéria,

suas propriedades e transformações, ela pode ser entendida como um dos diversos espaços

disciplinares privilegiado para a discussão de questões ambientais.

Seguindo ainda as orientações legais, consta no PCN+ para o Ensino Médio (BRASIL,

2002) a proposta de selecionar e organizar os conteúdos de Química a partir de nove “temas

estruturadores”, que usam como premissa o estudo das transformações químicas que ocorrem

nos processos naturais e tecnológicos. São eles: 1. Reconhecimento e caracterização das

transformações químicas; 2. Primeiros modelos de constituição da matéria; 3. Energia e

transformação química; 4. Aspectos dinâmicos das transformações químicas; 5. Química e

atmosfera 6. Química e hidrosfera; 7. Química e litosfera; 8. Química e biosfera; 9. Modelos

quânticos e propriedades químicas. Entre esses eixos estruturadores, a valorização da relação

dos conhecimentos químicos com os temas atmosfera (5), hidrosfera (6), litosfera (7) e biosfera

(8) chama a atenção pela forte relação com as questões ambientais e o entendimento de como

o ser humano vem se utilizando e se apropriando do mundo natural. Tal fato mostra como as

questões ambientais têm sido valorizadas pelas orientações legais direcionadas para a educação

dos estudantes no Brasil.

13 Entendidos aqui o valor e a utilidade como perspectivas subjetivas e pessoais, construídas no referencial social

e cultural de cada pessoa. 14 Segundo informações contidas na apresentação do material, este foi distribuído gratuitamente a todos os

prefeitos do Brasil com a intenção de ser uma obra de referência sobre resíduos sólidos no País.

39

A relação dos conhecimentos escolares com os diferentes setores da sociedade e com

os aspectos políticos, econômicos e sociais da tecnologia e cultura contemporâneas é

apresentada como uma competência a ser desenvolvida na área de Ciências da Natureza e suas

Tecnologias (BRASIL, 2002). No caso do conhecimento químico, é citado o lixo textualmente:

... identificar e relacionar aspectos químicos, físicos e biológicos em estudos sobre a

produção, destino e tratamento de lixo15 ou sobre a composição, poluição e

tratamento das águas com aspectos sociais, econômicos e ambientais. (p.91)

Mais do que isso, o referido documento apresenta os conteúdos e as atividades a se

desenvolver para a disciplina Química como mostra o quadro apresentado no Anexo C. Destaco

nele as propostas associadas à temática “lixo”, nos trechos em que este tema é citado de forma

explícita. Entretanto, suspeito que, de maneira implícita, os conteúdos previstos e as atividades

propostas abordem esta temática diversas outras vezes. Mas é importante observar, neste

quadro, que o “lixo” é proposto para o ensino em diálogo com diversos conteúdos de Química

para o Ensino Médio. Se em abordagens mais conservadoras do currículo de Química, o lixo se

limitava a aparecer com um exemplo para os conteúdos de Separação de Misturas, neste

documento curricular da atualidade ele está presente em discussões de Eletroquímica, Química

Orgânica e – não menos esperado – em tópicos de Química Ambiental:

Diante de informações ou problema relacionados à Química, argumentar

apresentando razões e justificativas; por exemplo, conhecendo o processo e custo da

obtenção do alumínio a partir da eletrólise, posicionar-se sobre as vantagens e

limitações da sua reciclagem; em uma discussão sobre o lixo, apresentar argumentos

contra ou a favor da incineração ou acumulação em aterro (BRASIL 2002, p.119).

Articular o conhecimento químico e o de outras áreas no enfrentamento de situações-

problema. Por exemplo, identificar e relacionar aspectos químicos, físicos e

biológicos em estudos sobre a produção, destino e tratamento de lixo ou sobre a

composição, poluição e tratamento das águas com aspectos sociais, econômicos e

ambientais (BRASIL 2002, p.121).

Reconhecer as responsabilidades sociais decorrentes da aquisição de conhecimento

na defesa da qualidade de vida e dos direitos do consumidor; por exemplo, para

notificar órgãos responsáveis diante de ações como destinações impróprias de lixo ou

de produtos tóxicos, fraudes em produtos alimentícios ou em suas embalagens

(BRASIL 2002, p.123).

Esses exemplos mostram que quanto às prescrições legais, o espaço do “lixo” está

assegurado nos conteúdos de Química do nível médio. Essa tendência também pode ser

percebida com relação às tendências de ensino dessa disciplina. Constata-se um caminhar no

15 Grifo meu.

40

sentido de retirar esta temática de uma visão antiga, na qual o lixo se restringia a um bom

exemplo para as explicações de processos de fracionamento de misturas. Mas que sentidos

outros modos de inserção podem estar proporcionando? Pode-se perceber que essa é uma

preocupação dos autores filiados ao ensino de Química.

Por exemplo, Melo et all. (2010) defende que o lixo é um dos principais responsáveis

pela degradação ambiental e sua relação com o ensino de Química se dá pela aprendizagem das

características, métodos de obtenção e aplicações dos principais materiais, as relações

existentes entre o lixo, sua produção, seus impactos ambientais. Por outro lado, ao estudar as

transformações químicas que ocorrem no lixo, Rosa e Schnetzler (1998) ressaltam que os

estudantes podem compreender mais facilmente tanto esse conceito da Química quanto os

diversos aspectos que envolvem os problemas ambientais. Já para Santos et all. (2011) “o ensino

de Química nos dias atuais tem abordado conceitos sem nenhuma relação com o cotidiano do

aluno, o que tem dificultado a compreensão de uma situação-problema” (p. 80) mas utilizar o

lixo e a reciclagem para abordar os conteúdos químicos, contextualizando o assunto, possibilita

uma abordagem interdisciplinar e social dos fatores causadores do problema do lixo e

alternativas de reciclagem interligando ao ensino da Química. E Freire (2008) aponta que o

ensino de Química com um enfoque CTS oferece possibilidades de desenvolver o pensamento

crítico em relação à Ciência e à Tecnologia, entendido este pensamento como sendo a

capacidade de analisar profundamente, questionar, discutir problemas e buscar soluções

racionais adequadas, levando em consideração as diferentes opiniões sobre um mesmo assunto.

Porém, a contextualização dos problemas relacionados ao “lixo” no âmbito dos

currículos de Química, também requer o cuidado de evitar uma perspectiva redutiva. De acordo

com Santos & Mortimer (1999a), contextualização e cotidiano são utilizados, muitas vezes,

como sinônimos, de um modo reducionista que torna limitada a compreensão da relevância

desses dois conceitos para a área de ensino das Ciências. Sobre isso, Wartha (2013) também

aponta que é preciso evitar, em termos da abordagem do cotidiano, visões pueris/” ingênuas”

sobre o cotidiano. O autor alerta para a diferença existente entre “cotidiano” e

“contextualização”:

Os termos contextualização e cotidiano são muito marcantes na área de ensino de

química, sendo utilizados por professores de química, autores de livros didáticos,

elaboradores de currículos e pesquisadores em ensino de química. No entanto, o termo

contextualização só passou a ser utilizado após os PCNEN (Brasil, 1999a) e os PCN+

(Brasil, 2002), enquanto que o termo cotidiano já aparecia nos discursos curriculares

da comunidade de educadores químicos. (WARTHA, 2013, p.84)

Há um tipo de consenso relativo ao cotidiano, entre professores de Química Ensino

41

Médio. É um termo bastante conhecido que vem se caracterizando por ser um recurso para

relacionar situações corriqueiras ligadas ao dia a dia das pessoas com conhecimentos

científicos, e que, aparentemente, constitui uma abordagem fácil de ser posta em prática.

De acordo com os PCNEM, a contextualização é um recurso para dar um novo

significado ao conhecimento escolar, possibilitando ao aluno uma aprendizagem mais

significativa (Brasil, 1999a). A contextualização pressupõe assim uma relação entre o saber e

o sujeito. E é neste ponto que reside o que considero importante focalizar ao observar a relação

entre o tema “lixo” e o ensino de Química. A contextualização dos conteúdos propõe um ensino

em que o aluno não apenas assiste a ciência acontecer à frente de seus olhos: ao relacionar

sujeito e ciência, o aluno também pode ser sujeito desta ciência e dela se apropriar.

Para Beber & Maldaner (2011)

Pode-se defender que o trabalho com o cotidiano é precursor dos pensamentos

contemporâneos que envolvem a contextualização do ensino na medida em que a

proposta constitui-se em mudança radical, contrapondo-se ao ensino escolar

descolado da realidade dos estudantes, fragmentado e disciplinar. (p.11)

O currículo escolar pode, na atualidade, trazer aspectos culturais que em momentos

passados tenham sido negligenciados ou silenciados, como por exemplo, o “lixo”. Antes um

resíduo exclusivamente indesejável; hoje, uma matéria prima em potencial. Mas, ao trazer o

“lixo” para dentro dos currículos e dos livros didáticos de Química, quais cotidianos estão sendo

apontados, com quais grupos e realidades este “lixo” dialoga? Aos interesses de quais grupos

sociais interessa esta contextualização?

2.2 – O “lixo” em meio aos conhecimentos escolares

Elvira Souza Lima, citada por Moreira & Candau (2007), propõe uma reflexão sobre

currículo e desenvolvimento humano em seu texto de mesmo nome “Currículo e

Desenvolvimento Humano”, no qual a autora admite a cultura como constitutiva dos processos

de desenvolvimento e de aprendizagem. Assim, para essa autora, conhecimento e cultura não

são sinônimos mas, no ambiente escolar, ambas as categorias dialogam com a produção do

currículo. Este último, enquanto uma escolha específica por uma organização temporal e

espacial, condiciona a estrutura e a ação da escola, dos processos que nela acontecem e de seus

atores sociais às demandas presentes. O ser humano, como um ser de cultura, está ao longo de

seu processo de formação sempre produzindo conhecimentos, resultantes de suas experiências

de vida, e também, ao longo da história, tem desenvolvido formas de registrar e repassar os

conhecimentos para as gerações seguintes. Os diferentes tipos de conhecimentos estão

42

associados aos distintos grupos sociais e classes. Por isso, o conhecimento escolar leva em conta

aspectos culturais associados a realidades específicas marcadas por variáveis pedagógicas e

sociais.

Para Forquin (1993), a educação escolar seleciona apenas os saberes e os materiais

culturais disponíveis num dado momento histórico, ela deve também garantir que eles sejam

aprendidos pelos estudantes. Assim, o autor propõe a “Cultura Escolar” em contraposição à

ideia de “Cultura da Escola”. A “Cultura Escolar” é formada por um conjunto de saberes que

compõe a base de conhecimentos sobre a qual trabalham professores e alunos. Nessa ideia está

presente uma seleção prévia de elementos da cultura humana, científica ou popular, erudita ou

de massas. Esses elementos é que seriam os componentes estruturais determinantes nos

processos pedagógicos, organizativos e decisórios no interior da escola, responsáveis pelo

estabelecimento do “mundo social” da escola. Este consiste em um conjunto de “características

de vida próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de

regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos” (idem,

1993, p. 67). Nesse sentido, com base neste autor, pode-se considerar os currículos escolares

como sendo social e historicamente constituídos com base numa seleção conduzida a partir das

diversas culturas que transitam pelo cotidiano escolar.

Ainda com base em Forquin (1993), pode-se considerar que o processo educativo é

complexo e fortemente marcado pelas variáveis pedagógicas e sociais. O currículo escolar, num

dado momento, pode incluir aspectos culturais que em momentos passados tenham sido

negligenciados ou silenciados. É necessário questionar-se acerca do currículo, para que serve,

como se constrói e a quem se destina? O entendimento de qual concepção de currículo está

posta, passa pela necessidade de entender a escola como um lugar que viabiliza a ampliação da

aprendizagem, que se reafirma como o lugar do conhecimento, do convívio e da sensibilidade,

pois estas são condições imprescindíveis para a constituição da cidadania.

É no contexto dessas discussões sobre cultura, conhecimento escolar e currículo que

se insere o “lixo”. Considero essa temática um conceito escorregadio, maleável, polissêmico,

que encontra par em múltiplos substantivos e ganha variados sentidos em muitos e diferentes

panoramas, preservando quase sempre um quê de pejorativo, de depreciativo: o que se joga fora

após uma limpeza; o que perdeu o valor; o que se varre para tornar limpa uma casa, um rua ou

um jardim; os restos de cozinha e refugos resultantes das atividades de uma casa ou

estabelecimento; qualquer matéria ou coisa que repugna por estar suja ou que se deita fora por

não ter utilidade; o resíduo resultante de atividades domésticas, comerciais, industriais que se

deita fora. Pode-se ainda pensar em outros significados como: o lugar onde se joga o lixo; o

43

local ou recipiente onde se acumulam os resíduos ou matérias; sujeira, porcaria; entulho, detrito,

sobra, imundície, sujidade; o obsoleto e inútil.

Toda essa diversidade de sinônimos e significados possíveis se resume, no entanto, a

um sentido comum relacionado a algo “tradicionalmente” negativo. Porém, retomo aqui o

conceito de Hobsbawm (2012) acerca das tradições inventadas, o conjunto de práticas, regulado

por regras aceitas por todos e que tem como objetivo desenvolver na mente e na cultura

determinados valores e normas de comportamento. A partir dessa perspectiva posso assumir

então que o lixo pode estar sendo reinventado em sua significação ao ser associado a outras

discussões e a outras formas de conceber as finalidades educacionais e de ensino de Química,

como por exemplo, a sustentabilidade econômica.

Assim, o lixo ganha valor material ao ser entendido como uma matéria prima

alternativa e, por essa relação perversa que não intenciona a preservação social ou ambiental, o

lixo se torna um bem. Em outras palavras, pode estar deixando de ser inútil, tornando-se útil. E

pode estar começando a integrar uma perspectiva cultural positiva. E, desta forma, pode passar

a ser um forte candidato a integrar os currículos escolares associado a perspectivas que

valorizam aspectos do cotidiano e da contextualização do ensino. Dentro do panorama da

Química, esse tema encontra um contexto apropriado, já que a disciplina – a exemplo do que

trata a ciência – tem como uma de suas propostas o estudo das transformações. E o que poderia

melhor representar uma transformação que tornar útil o que era inútil? Fazer com que o resíduo

de um processo, torne-se matéria prima para outro?

Dada a polissemia do termo “lixo” e das múltiplas cargas culturais que cada

significado aporta, é necessário delinear também a qual destes múltiplos sentidos me refiro,

sem contudo, perder de vista que em cada significado há marcas dos demais. Por estar

entremeado de questões muito mais profundas que a mera aceitação de que o “lixo” seja o

resíduo final de uma relação de produção e consumo, uma análise que se restringisse à questão

técnica seria superficial e não daria conta destas implicações. Analisar o “lixo” no conceito do

livro didático sem observar sua dimensão cultural é negar sua implicação social. Surge da

relação entre estes conceitos - cultura, livro didático, currículo e lixo – a possibilidade de fazer

uma análise cultural deste tema. Culturas envolvem pessoas, então, para entender com qual

cultura a temática “lixo” dialoga no âmbito do currículo de Química, é preciso entender a quais

sujeitos este tema nos remete.

A relação de trabalho que o homem empreende na natureza é a produção de sua própria

existência. Neste processo, para produzir bens o homem consome recursos naturais e

eventualmente este processo deixa resíduos. À medida que o consumo dos recursos naturais se

44

amplia num ritmo mais acelerado que o próprio aumento da população humana, certos resíduos

da cadeia de produção e consumo passam a representar não mais o “algo inútil”: passam a ser

possíveis matérias primas, disponíveis a custos eventualmente mais baixos que os das

originais16. No processo de reciclagem, o lixo torna-se útil e ganha valor de mercado, mas as

pessoas, que o selecionam, separam, retornam para o processo produtivo e deste ofício tiram

seu sustento, ainda são identificadas com um menor prestígio social. Isto é inconsistente com o

exercício do fornecimento de matérias primas para a indústria, que é – no final das contas – o

que estas fazem. Segundo Eigenheer (1992, p.20),

...a indicação das pessoas empregadas nessas práticas e serviços ligados à limpeza

urbana (remoção de lixo, dejetos e cadáveres) é importante para se avaliar a

insegurança e a ameaça que representavam. Via de regra, temos nessas atividades

excluídos sociais (prisioneiros, estrangeiros, escravos, ajudantes de carrascos,

prostitutas, mendigos, etc.). De alguma forma permanece ainda hoje a prática segundo

a qual os “socialmente inferiores” devem se encarregar desses serviços.

Eigenheer (op. cit., p.15) esclarece o significado do conceito “lixo” para este texto.

É preciso ter presente que somente a partir da segunda metade do século XIX se passa

a distinguir claramente entre lixo (resíduos sólidos) e águas servidas (fezes, urina,

etc.), quando estas passam a ser coletadas separadamente através do esgotamento

sanitário.

Este esclarecimento não apenas é importante como também pode dar uma pista das

marcas sociais atribuídas àqueles que manipulam o lixo. O período da escravidão no Brasil nos

traz indícios da segregação social. Segundo Karasch (2000)

A repugnante tarefa de carregar lixo e os dejetos da casa para as praças e praias era

geralmente destinada ao único escravo da família ou ao de menor status ou valor.

Todas as noites, depois das dez horas, os escravos conhecidos popularmente como

“tigres” levavam tubos ou barris de excremento e lixo sobre a cabeça pelas ruas do

Rio. Os prisioneiros realizavam esse serviço para as instituições públicas. (p.266)

Nas casas das famílias mais ricas, onde havia uma maior quantidade de escravos, os

escolhidos por qualidades que os destacassem aos olhos dos seus “senhores” recebiam um

tratamento diferenciado dos demais escravos, desempenhando trabalhos domésticos no interior

das residências. Porem mesmo o trabalho doméstico - lavar a roupa, limpar e cozinhar - exigia

esforço e era muito cansativo. Não haviam redes de abastecimento de água nem de esgoto e a

casa precisava ser abastecida daquela primeira e “desbastecida” de dejetos e lixo, e esta era a

16 O Brasil é líder mundial em reciclagem de alumínio e este material tem um alto custo de preparo desde o minério

– a bauxita – até as folhas, discos e chapas planas ou bobinadas e de alumínio laminado. A redução do custo de

produção destas apresentações do alumínio a partir do material reciclado deve-se fundamentalmente a não mais

ser necessário o processo de eletrólise que precede o fabrico dos lingotes, que é extremamente caro por envolver

grandes quantidades de energia elétrica. São consumidos apenas 5% da energia necessária para a produção do

alumínio primário (Fonte: Associação Brasileira do Alumínio, disponível em

http://www.abal.org.br/reciclagem/introducao.asp , acessado em 30 de janeiro de 2013).

45

incumbência dos “tigres”, também conhecidos como “cabungos” ou “cabungueiros”. A

diferenciação dos afazeres por si só demonstra uma marginalização dentro de um grupo que já

era por si só, marginal. Talvez esta segregação advinda da desprestigiosa incumbência

doméstica tenha deixado conotações ideológicas associadas às pessoas que manipulam o lixo,

ainda que este termo seja atualmente de uso mais restrito.

Nesta medida, o lixo deixa de ser apenas um resíduo do processo de produção de bens

de consumo e passa a ser uma produção cultural e uma marca social. Dentro de uma sociedade

capitalista, o lixo enquanto resíduo com algum valor de mercado passa a ser como a ser

considerado de maior relevância, principalmente quando inserido num contexto de

sustentabilidade, mas as pessoas que o manuseiam permanecem desvalorizadas. Estas pessoas

constituem um grupo social com sua maneira própria de entender e de se inserir num mundo de

produção. São portanto detentoras de uma cultura que dialoga com as outras ao seu redor e que

se constitui não apenas enquanto trabalho ou reposição das necessidades humanas por meio dos

produtos materiais gerados pelo trabalho, mas também enquanto símbolos, regras, valores,

ações, modo de ser e de ver o mundo. Enquanto um grupo descarta o que considera um resíduo

inútil, outro separa, classifica, diferencia, reaproveita direta ou indiretamente e, através do

mesmo produz sua existência. Vai ser na confluência destas compreensões sobre o que é afinal

o lixo, esta teia de significados – utilizando a expressão de Clifford Geertz (2008)17 –, que vai

se constituir o que interessa ao ambiente escolar esclarecer a respeito do lixo.

2.3 – O “lixo” em meio às tendências da Educação Ambiental

Engana-se quem enxerga a Educação Ambiental circunscrita à discussão de temas

sócio ambientais, numa disciplina como a Química, como uma ação ou projeto único e

claramente delimitado. As orientações oficiais para o campo educacional não são suficientes

para assegurar que as temáticas socioambientais são discutidas e se constroem no chão da escola

de maneira uniforme e padronizado. A diversidade de visões e interesses produzidos e

negociados na construção dos saberes escolares, fazem com que a Educação Ambiental se

revista de uma grande multiplicidade de formas e propósitos, que levam a consequências

diferentes e atendem a interesses diversos.

17 De acordo com Geertz, cultura é a teia de significados que o homem teceu”, e essa “teia” tem uma “superfície

enigmática” à qual devemos ter algum acesso (ver Interpretação das culturas, Zahar Editores, 1978, p.15). Nessa

perspectiva, aspectos culturais que possam nos parecem estranhos, devem ser encarados com um olhar menos

embebido de preconcepções e associados a dados que são cotidianos à nossa cultura. Cabe fazer uma “descrição

densa” do que nos causa estranheza e não associá-lo a uma lei geral, a uma norma. Desta forma estaremos –

segundo Geertz – operando uma ciência interpretativa.

46

A educação, entendida como uma prática social que busca formar indivíduos para a

vida em sociedade, deve proporcionar uma visão que permita uma compreensão da sociedade

em todas as suas dimensões. Porém, a perspectiva “ingênua” de uma ação educacional pela e

para a homogeneidade, sugere que os professores concebem e apresentam as questões

socioambientais de uma só forma e que sua ação educativa levará a todos os estudantes um

mesmo capital cultural e a uma similaridade social.18 Isso não é possível porque os contextos

sociais locais diferem, logo, as construções dos saberes também são diferentes. Mas, numa

perspectiva educacional crítica, as diferenças não podem se traduzir em desigualdades. A

pedagogia crítica da Educação Ambiental, fundamentada no pensamento freireano, define-se

como um processo educativo que problematiza as relações sociais. Nesse sentido, aproxima-se

de Forquin (1993) ao defender que os estudos sobre o currículo devem possibilitar uma reflexão

crítica das relações sociais, das relações de poder existentes na sociedade, uma vez que

O modo como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia os

saberes destinados ao ensino reflete a distribuição do poder em seu interior e a maneira

pela qual aí se encontra assegurado o controle social dos comportamentos individuais

(FORQUIN, 1993, p.85).

Para Layrargues & Lima (2011), o campo de Educação Ambiental é fragmentado e,

no Brasil, podem ser identificadas três macrotendências político-pedagógicas:

conservacionista, pragmática e crítica. A primeira respalda-se nos princípios filosóficos e

fundamentos científicos da ecologia, no pensamento ecossistêmico, na valorização da dimensão

afetiva em relação à natureza, no desenvolvimento humano e na mudança do comportamento

individual, em relação ao ambiente baseada no pleito por uma mudança cultural que relativize

o antropocentrismo, em direção ao ecocentrismo. Esta tendência atualizou-se desde a virada do

século, abrangendo outras expressões que vinculam a Educação Ambiental à “pauta ou agenda

verde”, como ecoturismo, trilhas interpretativas, biodiversidade, unidades de conservação,

biomas específicos, escotismo e observação de aves, algumas dinâmicas agroecológicas e de

senso percepção. Mais recentemente, abarcou também as motivações educadoras presentes no

âmbito dos esportes de aventura, via de regra praticado em ambientes naturais, quando não em

18 Buscando entender as desigualdades de desempenho escolar dos indivíduos provenientes de diferentes grupos

sociais, Pierre Bourdieu (1979), traz em seu texto “Les trois états du capital culturel”, a noção de capital cultural.

Segundo o autor, pode haver capital cultural sob três estados: o incorporado, o objetivado e o institucionalizado.

No estado incorporado, o capital cultural constitui o componente familiar, que influi na definição do futuro escolar

dos descendentes, pois as referências culturais, os conhecimentos considerados apropriados e legítimos e o

domínio maior ou menor da língua culta trazida de casa (herança familiar) facilitam o aprendizado de conteúdos e

códigos escolares, ligando o mundo da família e o da escola. No estado objetivado, o capital cultural existe na

forma de bens culturais materiais, cuja aquisição depende apenas do capital econômico, o qual, todavia, não

garante a apropriação simbólica destes bens, pois, para tanto, é necessário ter incorporado o capital cultural para

compreendê-los. No estado institucionalizado, o capital cultural materializa-se por meio dos diplomas escolares.

47

áreas protegidas ou unidades de conservação.

Já a macrotendência pragmática abrange as correntes relacionadas ao desenvolvimento

sustentável e ao consumo sustentável. Essa corrente é relacionada à “pauta marrom” por ser

urbano-industrial. Inicialmente tinha como foco a coleta seletiva e a reciclagem de resíduos,

mas na virada do século é ampliada para o consumo sustentável convergindo atualmente para

os temas de mudança climática e da economia verde. Está amparada nas tecnologias limpas,

ecoeficiência empresarial, sistemas de gestão ambiental, criação de mercados verdes (como o

mercado de carbono), serviços ecossistêmicos, racionalização do padrão de consumo, impacto

zero, criação de indicadores de sustentabilidade (como a “pegada ecológica”), entre outros.

Por fim, a macrotendência crítica abrange as correntes da Educação Ambiental

popular, emancipatória, transformadora e do processo de gestão ambiental, que são, em termos

práticos, variações sobre o mesmo tema (Loureiro, 2012b). É a única das tendências que

explicita sua orientação político-pedagógica com objetivos de interferência em conflitos

socioambientais. É importante frisar esse aspecto pois ela tem como característica marcante o

fato de reunir movimentos que se constituem como contra-hegemônicos, uma vez que sempre

é demarcada a diferença a partir da lógica do descontentamento em oposição ao poder

dominante. Esta macrotendência surge como uma reação à orientação conservadora no início

da década de 1990, a partir da insatisfação com o predomínio de práticas educativas pautadas

por intencionalidades pedagógicas reducionistas, que investiam apenas em crianças nas escolas,

em ações individuais e comportamentais no âmbito doméstico e privado, de forma a-histórica,

apolítica, conteudística, instrumental e normativa.

Cabe fazer um esclarecimento acerca da “pauta” ou “agenda marrom”. Em setembro

de 2003, durante a reunião da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável,

denominada Rio+10, realizada em Johanesburgo, na África do Sul, foram definidas pautas ou

agendas para discutir as questões ambientais e econômicas, com o propósito de tentar amenizar

as disputas entre os países considerados desenvolvidos e em desenvolvimento. Estas agendas

foram divididas e classificadas por cores, em função das questões ambientais sobre as quais

cada uma iria se debruçar. Assim, foram criadas: a “agenda verde”, destinada à discussão de

assuntos como preservação de florestas e biodiversidade; a “agenda azul”, para a gestão de

recursos hídricos; e a “agenda marrom”, para as questões ambientais associadas à prevenção e

ao controle da poluição e da degradação ambiental, da industrialização, do crescimento

econômico e de desenvolvimento social, tais como a poluição do ar, da água e do solo, a coleta

e reciclagem de lixo, o ordenamento urbano e a segurança química. Apesar da existência de três

agendas, a verde e a marrom parecem assumir posições antagônicas, uma vez que a primeira

48

trata dos assuntos voltados para a conservação/preservação enquanto que a outra se associa a

ações potencialmente degradadoras. A Política Nacional de Resíduos Sólidos se integra a esta

agenda e, dado seu objeto, tem uma abrangência social ampla, pois trata de questões de

saneamento, saúde pública, educação e aspectos socioeconômicos ligados à coleta seletiva de

lixo. A administração dos riscos socioambientais expõe cada vez mais a importância de ampliar

o envolvimento público através de iniciativas que possibilitem um aumento do nível de

consciência ambiental dos indivíduos. Assim, a Educação Ambiental e a agenda marrom se

associam, na medida em que a primeira deve reforçar a segunda, enfatizando os problemas

ambientais que decorrem da desordem e degradação da qualidade de vida nas cidades,

estimulando a consciência ambiental que se fundamenta no exercício da cidadania e na

reformulação de valores éticos e morais, individuais e coletivos, numa nova forma da relação

homem/natureza.

Atualmente, os grandes assentamentos urbanos concentram também uma grande

probabilidade de problemas socioambientais como poluição do ar, da água e sonora, destruição

de recursos naturais, degradação social, perda de identidade cultural entre tantos outros. A

ocupação do solo, o provimento de áreas verdes e de lazer, o gerenciamento de áreas de risco,

o tratamento dos esgotos e a destinação final do lixo coletado nem sempre recebem a prioridade

necessária. Estes problemas são ainda mais agravados em se tratando de metrópoles com grande

concentração industrial.

Em relação a isso, no Brasil, o Ministério do Meio Ambiente tem atuado desde 1999,

com a criação da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos e da

Gerência da Gestão Ambiental Urbana e Regional, buscando articular a questão ambiental com

os problemas econômicos e sociais do país e, paralelamente, prevenir e corrigir as causas da

contaminação e degradação do meio urbano, onde vive mais de 80% da população brasileira.

Dessa maneira, vem se procurando dar à questão ambiental um espaço institucional especifico:

secretarias especializadas com competências para liderar o planejamento e a coordenação da

gestão ambiental integrada, bem como a manutenção de ecossistemas (PESTANA, 2006):

O principal tópico da agenda ambiental brasileira deixou temporariamente de ser a

Floresta Amazônica, a biodiversidade e os índios. A perda dos recursos naturais

continua entre as preocupações de organizações não governamentais e do Ministério

do Meio Ambiente, é claro. Mas a lista foi acrescida de alertas sobre o crescimento

desordenado das cidades brasileiras e a falta de políticas de manejo sustentável nos

grandes centros urbanos. Hoje, até a Amazônia e certas regiões do Centro-Oeste

enfrentam, paralelamente à perda do verde, a pobreza das zonas urbanas (PESTANA,

2006, p.119).

Os impactos socioambientais dos problemas urbanos sob a tutela da “agenda marrom”,

49

ganham mais atenção a cada dia. Porém, a perspectiva sob a qual os mesmos são enfrentados

ainda tem, eventualmente, um caráter curativo e não preventivo. Este tipo de distorção das ações

institucionais pode ser um reflexo de uma perspectiva ambiental alinhada à macrotendência

pragmática e não à crítica, uma vez que a ação preventiva envolve planejamento e este custo

pode não atender aos interesses econômicos de grupos hegemônicos. Cabe então terminar esta

seção aprofundando as questões de pesquisa desta dissertação: que macrotendências do campo

da Educação Ambiental podem estar sendo mais marcantes na construção de sentidos para as

formas como o “lixo” vem sendo apresentado nos livros didáticos de Química?

2.4 – O “lixo” em meio à ecologia dos saberes

Boaventura de Sousa Santos (2010) considera um equívoco supor que o colonialismo

foi um momento histórico que se encerrou com a independência dos países colonizados, sendo

o racismo um exemplo disto, pois reafirma a presença do colonialismo na sociedade

contemporânea. O autor discute a existência de uma linha invisível - característica da

modernidade ocidental - que separa o hegemônico do dominado por um sistema de distinções

visíveis e invisíveis que dividem a realidade social em dois universos ontologicamente

diferentes. Esta fissura entre o norte e o sul é denominada de “linha abissal” e pode ser entendida

a partir de uma matriz de dominação colonial que abrange, também, a colonização epistêmica.

Nessa perspectiva, a colonialidade do poder, é também produtora da colonialidade do saber e,

nesse sentido, ela é tão válida no passado colonial como hoje porque ela representa também um

poder intelectual, o poder de uma determinada forma de pensamento sobre o modo de conceber

o mundo e de o interpretar.

Pode parecer, que por se estar falando de colonialismo, esta realidade tenha sido

superada pelos avanços econômicos e tecnológicos da humanidade. Entretanto, segundo Santos

(2010), “esta realidade é tão verdadeira hoje como era no período colonial” (p.39). As linhas

abissais, que perduraram desde a modernidade até os dias de hoje, não estiveram sempre fixas,

numa mesma posição. Deslocaram-se ao longo do tempo e, nos últimos sessenta anos, passaram

por dois abalos provocados primeiramente pelas lutas anticoloniais, e depois pela expansão “do

lado de lá da linha” (Sul). A sua entrada no “lado de cá da linha” (Norte) vem subvertendo a

lógica jurídica e epistemológica vigente. Deste modo, passa-se do paradigma da

regulação/emancipação para o paradigma da apropriação/violência.

Santos (2010) argumenta que durante algum tempo o paradigma da

apropriação/violência parecia estar chegando ao fim, bem como a divisão abissal entre este lado

50

da linha e o outro lado da linha. Porém, o pensamento abissal moderno possui a capacidade de

produzir e radicalizar distinções, as quais, pertencem a um lado da linha e se associam para

tornar invisível a própria linha abissal na qual estão fundadas. Decorre daí a impossibilidade de

copresença entre os dois lados da linha: um correspondente ao Norte imperial, colonial e

neocolonial, e o outro lado, correspondente ao Sul colonizado, silenciado e oprimido. O

"colonial" é uma metáfora daqueles que entendem que suas experiências de vida ocorrem do

outro lado da linha e se rebelam contra isso.

A distinção que esta linha determina é de tal forma “abissal”, que invisibiliza o que

quer que aconteça a quem e o que ficou do lado de lá da linha. O lado colonizado não tem uma

realidade ou, se a tem, esta existe em função dos interesses do Norte, operacionalizados na

apropriação e na violência. O lado colonizado consiste em um universo que se estende para

além da legalidade e da ilegalidade e para além da verdade e da falsidade. Assim, a exclusão

torna-se ao mesmo tempo radical e inexistente, uma vez que seres considerados subumanos não

são considerados sequer candidatos à inclusão social.

Porém, para Santos (2010), os espaços metropolitanos que se encontravam demarcados

desde o início da modernidade ocidental deste lado da linha estão sendo perpassados pelo

colonial, enclausurando o abissal metropolitano a um espaço progressivamente menor e

instigando-o a reagir remarcando a linha abissal, uma vez que a distinção entre o metropolitano

e o colonial não é mais distinta. A linha deve ser redefinida pois o que habitualmente situava-

se no lado metropolitano da linha é agora um território meandrado por uma linha abissal

sinuosa. Uma cartografia confusa conduz a práticas confusas.

A esta tensão que o colonial impõe à linha corresponde uma reação que é o "regresso

do colonizador", que implica na ressurreição de modalidades de governança colonial. A

expressão mais destacada desse movimento exibe-se como uma modalidade de governo indireto

que se aproveita das instâncias em que o Estado se retira da regulação social, de modo que

potentes atores não-estatais encampam o controle sobre a vida e o bem-estar das populações.

Assim, aos mais fortes, aos grupos de poder dotados de forte capital patrimonial, cabe o poder

de veto sobre a vida e o modo de vida da parte mais fraca.

Santos (2010) avança em suas discussões apresentado algumas formas de fascismo

social. Interessa-me particularmente aquela que ele denomina de fascismo do apartheid social.

Trata-se da segregação social dos excluídos por meio de uma cartografia urbana dividida entre

zonas civilizadas, constantemente ameaçadas pelas zonas selvagens. Essa forma de fascismo

pode ser observada em casos de privatização de serviços públicos (saúde, segurança social,

abastecimento de água, etc.). Nesta circunstância, as agências privadas de serviços ou

51

paraestatais passam a atuar na regulação social anteriormente exercida pelo Estado, que se torna

conivente a esta forma de segregação ao imiscuir-se da prestação destes serviços. Ao tomar do

Estado o controle do território onde atuam ou neutralizam esse controle, corrompem as

instituições estatais e passam a atuar no sentido da regulação social sobre os habitantes do

território sem a participação destes e contra os seus interesses.

Em outras palavras, o pensamento abissal moderno, que do lado metropolitano da linha

regulava as relações entre cidadãos e entre estes e o Estado, passa a lidar com cidadãos como

se fossem não-cidadãos e com os não-cidadãos como se fossem perigosos selvagens coloniais.

Desta forma, o fascismo social coexiste com a democracia liberal, o estado de exceção coexiste

com a normalidade constitucional, a sociedade civil coexiste com o estado de natureza e o

governo indireto coexiste com o primado do direito. A linha abissal entre o metropolitano e o

colonial é deslocada transformando o colonial numa dimensão interna do metropolitano. O que

poderia se assemelhar a uma conquista de espaços sociais, acaba por se concretizar na introjeção

das regras que excluem ao próprio grupo excluído ou invisibilizado. Ele pode até estar dentro

da metrópole mas não ganha visibilidade pois não ganha poder. A exclusão social é sempre um

produto de relações de poder desiguais.

Como produto do pensamento abissal, o conhecimento científico não se encontra

distribuído socialmente de forma equitativa - nem poderia estar, uma vez que o seu desígnio

original foi converter este lado da linha em sujeito do conhecimento e o outro lado em objeto

de conhecimento. As intervenções no mundo real viabilizadas pelo conhecimento científico

tendem, portanto, a servir aos grupos sociais que têm maior acesso a esse conhecimento.

A respeito da hegemonia do conhecimento científico e intencionando desafiar o

pensamento abissal e de promover a descolonização do saber, Santos (2010) propõe a busca por

uma ecologia dos saberes. Esta tem por base o que designa por “interconhecimento” e

“conhecimento prudente”, em que crenças e ideias se distribuem respectivamente pelos dois

lados da linha da abissalidade. Com essa proposta, o autor afirma que “a utopia do

interconhecimento é aprender outros conhecimentos sem esquecer os próprios. É esta

tecnologia da prudência que subjaz à ecologia dos saberes” (p.47) e ela propõe fugir da

valorização de alguns saberes em detrimento de outros, que são visibilizados.

A ecologia de saberes proposta se apoia na ideia de que o conhecimento é

interconhecimento. Esta ecologia consiste na “promoção de diálogos entre o saber científico ou

humanístico que a universidade produz e saberes leigos, populares, tradicionais, urbanos,

camponeses, provindos de culturas não ocidentais que circulam na sociedade” (SANTOS, 2004,

p.76). Ela propõe uma articulação entre o saber popular, social, como saber técnico e científico,

52

num processo de mutua fertilização e de inclusão do conhecimento social excluído das

universidades. Baseada numa perspectiva epistemológica que postula o diálogo entre diferentes

tipos de conhecimento, o conceito de ecologia dos saberes defende a diluição da linha abissal

entre duas cartografias: a cartografia de poder, que divide o norte global do sul colonizado, e a

cartografia do saber que divide o conhecimento científico-racional de outros tipos de

conhecimento e “ignorâncias”.

Esta ecologia concebe os conhecimentos em abstrato, mas como práticas de

conhecimento que possibilitam ou impedem certas intervenções no mundo real, porque ela se

apoia na imprescindibilidade de uma reavaliação das intervenções e relações concretas na

sociedade e na natureza que os diferentes conhecimentos proporcionam. Esta ecologia

centraliza seu foco nas relações estabelecidas entre os saberes e nas hierarquias que se

estabelecem entre eles, uma vez que não seria possível nenhuma prática concreta sem essas

hierarquias. É próprio da natureza da ecologia de saberes constituir-se mediante perguntas

constantes e respostas incompletas, o que constitui aquilo que Santos (2010) denomina de

conhecimento prudente: esta ecologia oportuniza uma visão mais abrangente e nos previne de

que aquilo que não sabemos é ignorância nossa e não ignorância em geral.

A primeira condição para um pensamento pós-abissal é a copresença radical. Assim

como a ecologia de saberes, o pensamento pós-abissal tem por premissa a ideia da inesgotável

diversidade epistemológica do mundo, o reconhecimento da existência de uma pluralidade de

formas de conhecimento além do conhecimento científico. Há em todo o mundo não apenas

diferentes formas de conhecimento da matéria, da sociedade, da vida e do espírito, mas também

muitos e diversos conceitos e critérios sobre o que conta como conhecimento. As formas de

ignorância são tão heterogêneas e interdependentes quanto as formas de conhecimento. Assim,

num processo de aprendizagem conduzido por uma ecologia de saberes é crucial a comparação

entre o conhecimento que está sendo aprendido e o conhecimento que nesse processo é

esquecido e desaprendido.

A crítica ao modelo hegemônico de produção de conhecimentos e a apropriação das

contribuições teóricas relacionadas aos paradigmas emergentes é imprescindível para superar a

“monocultura do saber” questionada por Santos (2010), que reclama para si o estatuto da

verdade, aniquilando os saberes populares e submetendo-os à marginalidade epistêmica. Este

modelo de ciência hegemônica e produtivista tem por base, como se refere Boaventura de Souza

Santos (2008), uma epistemologia da cegueira que “exclui, ignora, silencia, elimina e condena

à não-existência epistêmica tudo o que não é susceptível de ser incluído nos limites de um

conhecimento que tem como objetivo conhecer para dominar e prever” (Santos, 2008, p. 49).

53

Para ele, uma alternativa seria a constituição de uma ecologia dos saberes e uma epistemologia

da visão que reconheça as ausências, emergências e possibilidades de outros futuros a partir das

experiências e processos em curso fora do universo eurocêntrico dos países centrais, fora dos

espaços cooptados pelos interesses do mercado nas formas pasteurizadas de produção e

consumo, e que emergem nos espaços de resistências e manifestações que afirmam e expandem

o exercício do viver.

A título de conclusão provisória acerca das ideias de Boaventura Santos, defendo que

a hierarquia que se estabelece momentaneamente entre os saberes é pautada pela existência de

tensões numa linha abissal quando um grupo, correspondente ao Norte imperial, colonial e

neocolonial, percebe a presença de um grupo excluído ou invisibilizado, correspondente ao Sul

colonizado, silenciado e oprimido. O aspecto mais característico desse modo de pensamento é

sua lógica de exclusão. Por não poder existir a copresença entre os dois lados da linha, apenas

os aspectos culturais do “colonial” que interessam e convém aos grupos hegemônicos são

reconhecidos, permanecendo invisibilizados sem passado de segregação e os demais

componentes culturais inconvenientes. Nesse sentido, são elucidativas as palavras de Santos

(2010, p. 39): “A negação de uma parte da humanidade é sacrificial, na medida em que constitui

a condição para a outra parte da humanidade se afirmar enquanto universal”.

Considerando a lógica da ecologia dos saberes, essas concepções de hierarquia entre

grupos humanos e entre as formas de conhecimento a serem aprendidas ou esquecidas podem

auxiliar na compreensão do tratamento dado à temática “lixo”, anteriormente invisibilizada –

ou esporádica e convenientemente associada, a título de exemplo, aos conteúdos e Química – e

na compreensão do status que este tema ganha numa hierarquia de saberes presente em livros

didáticos. Talvez seja possível vislumbrar uma linha abissal entre os grupos sociais associados

à “pauta verde” e à “pauta marrom” ou, pelo menos, uma perspectiva pragmática que

invisibiliza os aspectos considerados mais repugnantes do lixo visibilizando apenas sua

perspectiva socioeconômica em favor da manutenção de um modo de produção predatório, e

negando a existências de culturas invisibilizadas. Afinal, qualquer cartografia que procure situar

o saber no tempo, ou no espaço, não faz nada além de constituir fraturas abissais que contrariam

o próprio desígnio ecológico que defendem.

54

Capítulo 3 - O lixo como um conhecimento a ensinar nos livros didáticos de Química

Neste capítulo apresento a análise sobre a temática ambiental “lixo” numa coleção de

livros didáticos de Química para o Ensino Médio. Considero, para tal análise, os sentidos e

significados possíveis de serem atribuídos às formas como essa temática é apresentada em

textos e imagens inseridos nesses materiais. Com base nas especificidades da disciplina escolar

Química, já apresentadas no capítulo 1, e nas perspectivas selecionadas no capítulo 2 para

pensar o “lixo” como um conhecimento escolar, como parte do campo da educação ambiental

e ainda como possível de ser compreendido numa perspectiva da ecologia dos saberes, discuto

a inserção dessa temática nos livros didáticos a partir de três aspectos: o “lixo” como um

conhecimento químico em suas relações com as tradições do ensino de Química; o lixo

relacionado às questões sociais; e o lixo como algo considerado negativo na cadeia produtiva.

Conforme mencionado anteriormente, a coleção de livros didáticos escolhida foi

“Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia”, da autoria de Martha Reis Marques da

Fonseca e publicado pela Editora FTD. Esta coleção faz parte de um conjunto de cinco títulos

que atenderam a todos os requisitos do processo de avaliação e seleção de obras didáticas para

o PNLEM de 2012, lançado em dezembro de 2009 através de edital, dentre um total de

dezenove coleções inscritas.

Figura 3– Capas dos três volumes da coleção “Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia”

Os demais títulos selecionados pelo PNLEM 2012 eram: “Química – Ensino Médio”,

1ª edição; “Química cidadã” 1ª edição; “Ser protagonista – Química” 1ª edição; e “Química na

abordagem do cotidiano.” 4ª edição.

55

Figura 4 - “Química – Ensino Médio”

Figura 5 - “Química cidadã”

Figura 6 - “Ser protagonista – Química"

56

Figura 7 - “Química na abordagem do cotidiano"

Segundo o Guia de Livros Didáticos para o PNLD 2012 – Ensino Médio (BRASIL,

2011), as obras inscritas no programa foram avaliadas segundo critérios definidos previamente

no edital. Alguns destes critérios foram comuns a todas as disciplinas e áreas – como, por

exemplo, os que estipulam o respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao

Ensino Médio, à ética, à coerência, à correção e à atualização dos conteúdos apresentados. Mas

alguns critérios foram específicos para a área de Ciências da Natureza e específicos da

disciplina escolar Química, caracterizada como “como um conjunto de conhecimentos, práticas

e habilidades voltadas à compreensão do mundo material nas suas diferentes dimensões”

(BRASIL, 2011, p.9).

Para que integrassem o PNLEM 2012, cada título de Química foi avaliado conforme

parâmetros dentre os quais destaco:

(1) apresenta a Química como ciência que se preocupa com a dimensão ambiental dos

problemas contemporâneos, levando em conta não somente situações e conceitos que

envolvem as transformações da matéria e os artefatos tecnológicos em si, mas também

os processos humanos subjacentes aos modos de produção do mundo do trabalho; (2)

rompe com a possibilidade de construção de discursos maniqueístas a respeito da

Química, calcados em crenças de que essa ciência é permanentemente responsável

pelas catástrofes ambientais e pelos fenômenos de poluição, bem como pela

artificialidade de produtos, principalmente aqueles relacionados com alimentação e

remédios; (...) (7) não apresenta atividades didáticas que enfatizem exclusivamente

aprendizagens mecânicas, com a mera memorização de fórmulas, nomes e regras, de

forma descontextualizada. (BRASIL, 2011, p.9)

A partir desses parâmetros, pode-se concluir que entre os objetivos pretendidos

oficialmente para estes livros didáticos, o diálogo da Química com as questões ambientais é

bastante valorizado por esse documento. Desse modo, a inserção de assuntos relacionados ao

meio ambiente parece ser um critério forte para garantir a seleção das coleções pelo programa.

57

Por outro lado, se de dezenove coleções inscritas para a seleção, apenas cinco – ou seja, menos

que um terço – satisfizeram os requisitos impostos pelo programa (BRASIL, 2011, p.8), é de

se esperar que a temática ambiental se apresentasse de maneira representativa e diversa nas

cinco coleções selecionadas pelo programa.

Um outro aspecto que merece destaque é o que se refere à destinação dos livros

analisados e suas particularidades. Todos os volumes a que tive acesso e nos quais foi feito o

levantamento das inserções do tema “lixo” - levantamento este que conduziu à escolha de uma

coleção – são livros doados pelas editoras aos professores para aos professores para a apreciação

prévia à escolha. Como se pode observar nas figuras 3, 4, 5, 6 e 7, todos trazem uma

identificação de sua destinação. A inscrição pode ser “Manual do Professor”, ou “Material de

divulgação”, mas o propósito é o mesmo: estes livros trazem, além de todo o conteúdo presente

nos livros destinados aos estudantes e mais as orientações aos professores para o uso do mesmo.

O Manual do Professor é parte importante das obras submetidas à avaliação para

integrar o os programas destinados a distribuição de livros didáticos e isso se justifica porque,

além da análise do livro didático, também são analisados por uma comissão designada para este

fim, os manuais. Esses materiais são uma exigência do edital de inscrição no processo de

avaliação para o PNLD, que admite a importância dos mesmos como um meio para a elucidação

das propostas do livro didático. Nesse sentido, o Manual do Professor acata as determinações

do poder público quanto ao entendimento e à disposição das informações que veiculam.

Segundo Paulilo (2012, p.182) “indissociáveis uma da outra, as dimensões editorial e política

desses manuais suscitam questões que, já bastante exploradas por estudos sobre os livros do

aluno, enredam o texto, o livro e as suas estratégias simbólicas”.

Tanto a análise dos livros quanto a dos manuais seguem critérios que estão

especificados no Guia do PNLD 2012 - Química.

As obras de Química submetidas à avaliação no edital do PNLD 2012 foram

analisadas por uma equipe qualificada de especialistas, com competência na área

científica, composta de professores doutores de diferentes universidades brasileiras de

todas as regiões geográficas do Brasil, graduados em e doutores em áreas específicas

da Química ou em ensino de Química, e de professores do ensino médio, que

ministram aulas de Química em escolas públicas brasileiras e que avaliaram os livros

com o olhar da sala de aula, problematizando cada proposta à luz de sua experiência

docente. (BRASIL, 2011, p.10)

Segundo esse Guia,

O Manual do Professor consiste do Livro do Aluno, acrescido de Suplemento para o

Professor. O Suplemento para o Professor apresenta uma parte comum aos três

volumes: apresentação da obra, terminologia usada na obra para referências aos

conteúdos (conceituais, atitudinais e procedimentais), mapas conceituais, informações

sobre atividades experimentais (sugestões de fontes, segurança e descarte de

58

resíduos), questões acerca da avaliação e bibliografia. (BRASIL, 2011, p.25)

Por isso restava decidir se a análise dos livros didáticos seria acompanhada pela análise

dos suplementos destinados aos professores. Minha opção foi a de limitar a análise ao conteúdo

destinado a ambos: professores e alunos. Optei por não investigar as informações a que teriam

acesso apenas os professores por concordar com Paulilo (2012) no sentido de que

Em tese, o docente dispõe do Manual do Professor como um suplemento (...) cujo

argumento invariavelmente compreende os pressupostos teóricos da coleção, a

metodologia de ensino então desenvolvida, os objetivos, a sequência e o

encadeamento das unidades, uma proposta de avaliação, sugestões de material

didático complementar e orientações para a resolução dos exercícios ou atividades

propostas no livro do aluno. Na prática, porém, sem se saber o perfil dos professores

que utilizam o Manual19 ou mesmo se de fato o leem e o usam no preparo das suas

aulas, a análise do efeito produzido no ensino da matéria fica restrita a um inventário

de possibilidades. Mais uma vez aqui, o acúmulo de pesquisa sobre o livro do aluno

deve sinalizar as principais vias de abordagem. (p.193)

Tendo em vista que a proposta desta dissertação previu apenas a análise documental,

as discussões que se sobre as inserções da temática “lixo” na coleção Química: Meio ambiente,

Cidadania e Tecnologia, limitam-se ao conteúdo destinado aos estudantes.

3.1 – A escolha da coleção

Apoiando-me na discussão de Gomes (2008) sobre a inserção da ecologia em livros

didáticos de Ciências no período compreendido pelas décadas de 1930 e 2000, defendo que os

livros didáticos de Química também podem ser entendidos como “guias curriculares com

enfoques e conteúdos que refletem as visões de ensino dessa disciplina nos momentos históricos

em que são produzidos” (GOMES, 2008, p.vii). Esses materiais podem assim ser utilizados

como fontes para estudos que, como este, pretendem contribuir para a compreensão de como

se estruturam os currículos da disciplina escolar Química. Assim, argumento que analisar como

se dá a seleção e organização curriculares, que se expressam no modo como a temática “lixo”

é apresentada nesses livros didáticos, pode trazer luz sobre a compreensão de aspectos sócio-

históricos da disciplina Química na atualidade. Mais importante que a mera presença do tema

“lixo”, é a forma como este se apresenta e qual leitura de sociedade pode sugerir.

Partindo dessa perspectiva sobre os livros didáticos como fontes de estudos,

primeiramente fui construindo uma estratégia que me permitiu escolher, entre as cinco coleções,

aquela que foi analisada mais detalhadamente neste trabalho. Para essa tarefa, considerei que

tanto aspectos qualitativos quando aspectos quantitativos expressam as formas como o meu

19 Grifo meu.

59

objeto de pesquisa é apresentado nos livros didáticos e, portanto, podem ser usados como

indicativos de quais sentidos estão sendo construídos em torno das discussões da temática

“lixo”.

Os critérios, que permitiram as coleções citadas integrar o PNLEM 2012, não poderiam

sugerir uma homogeneidade da abordagem da temática lixo. Por esse motivo, com o intuito de

estabelecer um critério para a escolha da coleção a analisar neste trabalho, fiz inicialmente um

levantamento em todos os volumes de cada uma das coleções que compunham o conjunto de

livros selecionados por essa edição do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino

Médio. Desse modo, pude identificar cada uma das ocorrências da temática “lixo” em cada um

dos livros. Posteriormente, estes dados foram tabulados de maneira a que pudessem ser

comparados para quantificar e associar aquelas inserções aos tópicos de Química, verificando

de que maneira estavam apresentados (textos do autor, textos de outras fontes, fotos, desenhos,

gráficos).

Decidi levar em consideração somente as ocorrências que estavam presentes nos livros

dos alunos. Tal decisão se deve ao fato de que há mais intenções anunciadas nos livros que as

editoras disponibilizam apenas para os professores que parecem não ser valorizadas nas edições

destinadas aos estudantes. No caso do “lixo” em particular, encontrei muitas menções ao tema

nas orientações para o ensino de uso exclusivo do professor. Estas ocorrências não foram

incluídas em meu levantamento inicial para a decisão de qual coleção analisar. Para este fim,

foquei somente aquilo que aparece nos livros tanto para docentes como para discentes. Em

outras palavras, a decisão em torno de qual coleção analisar mais detalhadamente se deu a partir

dos exemplares destinados aos estudantes.

Os resultados foram organizados em uma tabela que se encontra no anexo A com as

ocorrências da temática lixo por volume, unidade (quando aplicável), título do capítulo, assunto

abordado, página e de que forma a temática se apresentava. Foram tabulados não apenas as

menções diretas e textuais do autor, como também as citações de outras fontes – tais como

outros autores, notícias, sítios de internet – e imagens, na forma de fotos, gráficos e desenhos.

Em alguns casos, foram consideradas inserções nas quais, a despeito de não se encontrar a

palavra “lixo”, palavras sinônimas que davam conta do mesmo tema, também foram

registradas. Entre os sinônimos mais recorrentes destaco “sucata”, “resíduo”, “detrito”.

Considero que a própria tentativa de evitar a palavra lixo pode significar intenções interessantes

para este trabalho.

Como resultado desse esforço inicial, levando em consideração os três volumes de cada

coleção, encontrei dezoito inserções sobre a temática “lixo” na coleção “Química cidadã”, vinte

60

e oito inserções em “Química – Meio ambiente – Cidadania”, doze inserções em “Ser

protagonista”, treze inserções em “Química na abordagem do cotidiano” e dezoito inserções em

“Química – Ensino Médio”. Não compartilho de uma perspectiva meramente quantitativa,

segundo a qual um número de ocorrências é indicativo de qual seja a “melhor coleção”. Minha

opção baseia-se apenas na premissa de que um espaço amostral maior pode possibilitar uma

discussão mais ampla acerca da forma e das intenções que permeiam a presença da temática.

Por este motivo é que a coleção “Química – Meio ambiente – Cidadania”, de Martha Reis

Marques da Fonseca foi escolhida para a análise.

3.2 – A estruturação da coleção escolhida

A análise inicial das coleções que integram o PNLEM de 2012, que me levou à escolha

da referida coleção, me possibilitou um exercício inicial interessante que me permitiu conhecer

o panorama de formas de abordagem do tema “lixo” nesse conjunto de livros didáticos. Em

seguida, dei prosseguimento ao trabalho iniciando a análise, de modo mais qualitativo, da

coleção “Química – Meio ambiente – Cidadania”, de Martha Reis Marques da Fonseca, com o

objetivo de conhecer essa obra com mais detalhes, mais profundamente, no que concerne tanto

às abordagens do “lixo” como às suas relações com outros conteúdos de ensino que representam

as tradições de ensino valorizadas na disciplina escolar Química.

Iniciei pelas capas (figuras 8. 9 e 10), buscando entender a lógica que determinava a

escolha e organização das imagens, bem como a forma como se apresentavam as informações

escritas. Em seguida, observei a maneira como os três volumes organizam as informações,

sejam textos teóricos ou de incentivo à leitura, imagens, exemplos, exercícios, questões e

sugestões de práticas. Observei também de qual maneira os conteúdos foram divididos entre os

três volumes e de qual maneira estes conteúdos podem dialogar com aspectos de outras

disciplinas.

Nas capas dos três volumes encontramos o nome da coleção – Química: Meio

ambiente, Cidadania e Tecnologia – bem como a referência ao nível de ensino ao qual se destina

(médio), o nome da autora e a editora responsável.

O título principal encontra-se escrito em caracteres de dois tamanhos muito diferentes:

a palavra “Química” é escrita em caracteres muito maiores que o restante das palavras. Embora

o nome da coleção envolva tanto aspectos de currículos tradicionais de Química (a tecnologia)

quanto questões mais contemporâneas (o meio ambiente e a cidadania) e todas estas palavras

sejam escritas sem um destaque particular, aponto a presença de uma sugestão de que, apesar

61

das articulações propostas pelo nome, a disciplina em si ainda é mais importante que as

articulações que ela possa mediatizar.

As capas dos três volumes apresentam composições de fotos diferentes em arranjos

semelhantes, com imagens que remetem às temáticas relacionadas no título da coleção – meio

ambiente, cidadania e tecnologia.

As fotos maiores das três capas remetem a instalações industriais: uma termoelétrica

na capa do primeiro volume, um estaleiro no segundo e uma instalação de refino de petróleo no

terceiro. Cada uma das cinco fotos menores aponta para uma das temáticas éticas que intitulam

as unidades do livro. Assim, por exemplo, a primeira foto à esquerda na capa do volume 1,

retrata um furacão e remete ao título da primeira unidade que é Mudanças climáticas. A foto

imediatamente abaixo retrata uma paisagem de jardim e remete à temática da segunda unidade,

que se intitula “Oxigênio e Ozônio”. O lixo está retratado numa foto de sucata eletrônica,

presente na capa do volume dois, no qual a unidade 5 intitula-se Lixo eletrônico. Tais exemplos

expressos nas imagens, à primeira vista parecem sem um propósito, mas relacionam-se com a

maneira como os assuntos da disciplina escolar Química estão distribuídos ao longo dos três

volumes. É o modo como a organização dos eixos temáticos escolhidos para cada volume é

anunciado em cada volume da coleção.

As contracapas dos três volumes (figura 11) apresentam igualmente a letra do Hino

Nacional sobre fundo branco e, na margem inferior, o código de barras com o número do ISBN

correspondente a cada volume. Esta apresentação simples, desprovida de cores e imagens,

contrasta com o aspecto colorido das capas e pode sugerir uma valorização dos símbolos

nacionais20 como uma forma de atender a uma demanda oficial a partir da qual deveriam estar

presentes em todos os materiais didáticos, independentemente da disciplina, série ou nível de

ensino. Escrita em linguagem erudita, distante do modo coloquial e popular, a letra do Hino

Nacional brasileiro parece muito diferente da linguagem utilizada ao longo dos três volumes da

coleção.

20 A Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971, também conhecida como Lei do Símbolos Nacionais, alterada pela Lei

nº 8.421, de 11 de maio de 1992, estabelece em seu artigo 1º quais são os Símbolos Nacionais.

Art. 1º - São Símbolos Nacionais, e inalteráveis: I - a Bandeira Nacional; II - o Hino Nacional; III- as Armas

Nacionais; IV- o Selo Nacional.

62

Figura 8 - Capa do volume 1

63

Figura 9 - Capa do volume 2

64

Figura 10 - Capa do volume 3

65

Figura 11 - Contracapa do volume 1

66

Esses primeiros dados encontrados nas capas e contracapas dos três livros didáticos

podem ser inícios de tradições de ensino escolar que afetam as disciplinas tais como a Química.

Desse modo, podem ser interpretadas como permanências e mudanças que, coordenadamente,

acabam por ser expressar intenções para a educação geral dos estudantes. Por exemplo, a

presença de temáticas ambientais e sociais vislumbrada pelas imagens presentes nas capas dos

livros, confrontada com a presença uniforme de um símbolo nacional na contracapa, sugere que

estes materiais didáticos podem ser compreendidos a partir das teorizações sócio-históricas

sobre padrões de estabilidade e mudança propostos por Goodson (1997).

A coleção “Química – Meio ambiente – Cidadania” sistematiza os conteúdos de

Química de uma maneira bastante frequente nos livros didáticos desta disciplina, que é a de

trazer os conteúdos de Química Geral no volume destinado ao primeiro ano, seguida de Físico-

Química no segundo volume e Química Orgânica, Radioatividade e eventuais temas

complementares no terceiro volume. Cada volume está organizado em cinco unidades sendo o

primeiro dividido em vinte e três capítulos (400 páginas), o segundo volume em vinte e quatro

capítulos (400 páginas), e o terceiro volume, em vinte e dois (416 páginas). Cada unidade dos

volumes 1 e 2 é denominada com uma temática ambiental; no volume 3, as unidades remetem

também a questões sociais diversas, além de discussões sobre petróleo e atividade nuclear. Cada

capítulo traz textos que relacionam conceitos de Química com aspectos do cotidiano e discutem

temas da atualidade, seguindo-se de exercícios e questões. A distribuição dos assuntos, presente

nos sumários (figuras 12, 13 e 14)21, está resumida nas tabelas 1, 2 e 3, a seguir.

21 Tendo em vista que cada um dos sumários dos três volumes encontra-se distribuídos por três páginas, optei por

condensar cada sumário em uma única imagem, permitindo que se possa acompanhar mais facilmente a

distribuição do conteúdo ao longo da coleção.

67

Tabela 1- Sumário do volume 1

Unidade Conteúdo da unidade Capítulo Conteúdo do capítulo

1 Mudanças climáticas Introdução O que é Química?

1 Grandezas físicas

2 Estados de agregação da matéria

3 Outras propriedades da matéria

4 Substâncias e misturas

5 Separação de misturas

2 Oxigênio e ozônio 6 Reações químicas

7 Átomos e moléculas

8 Notações químicas

9 Fórmulas químicas

10 Alotropia

3 Poluição

eletromagnética

11 Eletricidade e radioatividade

12 Evolução dos modelos atômicos

13 Modelo básico de átomo

14 A eletrosfera

15 Tabela periódica

4 Poluição de interiores 16 Ligações covalentes

17 Ligação polar e apolar

18 Forças intermoleculares

19 Compostos orgânicos

5 Chuva ácida 20 Ligação metálica e ligas especiais

21 Ligações iônicas

22 Oxidação e redução

23 Compostos iônicos

68

Tabela 2- Sumário do volume 2

Unidade Conteúdo da unidade Capítulo Conteúdo do capítulo

1 Umidade relativa do ar 1 Teoria cinética dos gases

2 Equação geral dos gases

3 Misturas gasosas

4 Cálculo estequiométrico

5 Rendimento e pureza

2 Poluição da água 6 Expressões físicas de concentração

7 Concentração em quantidade de matéria

8 Mistura de soluções

9 Propriedades coligativas

3 Poluição térmica 10 Reações exotérmicas e endotérmicas

11 Entalpia-padrão e lei de Hess

12 Cálculos de variação de entalpia-padrão

13 Cinética química

14 Lei de ação das massas

4 Corais 15 Equilíbrio dinâmico

16 Deslocamento de equilíbrios

17 Equilíbrios iônicos

18 Produto iônico da água

5 Lixo eletrônico 19 Introdução à Eletroquímica

20 Pilhas e baterias

Tabela 3- Sumário do volume 3

Unidade Conteúdo da unidade Capítulo Conteúdo do capítulo

1 Petróleo 1 Conceitos básicos

2 Nomenclatura

3 Hidrocarbonetos

4 Petróleo, hulha e madeira

5 Haletos orgânicos

2 Drogas lícitas e ilícitas 6 Funções oxigenadas

7 Funções nitrogenadas

8 Isomeria constitucional

9 Estereoisomeria

3 Consumismo 10 Reações de substituição

11 Reações de adição

12 Reações de eliminação

13 Reações de oxidação e de redução

14 Polímeros de adição

15 Polímeros de condensação

4 Alimentos e aditivos 16 Polímeros naturais

17 Carboidratos

18 Proteínas

5 Atividade nuclear 19 Leis da Radioatividade

20 Período de meia-vida

21 Radioatividade artificial

22 Fissão e fusão nuclear

69

Figura 12 - Sumário do volume 1

70

Figura 13 - Sumário do volume 2

71

Figura 14 - Sumário do volume 3

72

Considerando ser a transformação química o objeto central de tudo que a Química

estuda, é razoável planejar o início dos estudos dos conteúdos dessa disciplina escolar a partir

do reconhecimento e do entendimento de transformações que os estudantes vivenciam, que eles

conheçam ou, mesmo que lhes sejam estranhas, ou que apresentem alguma importância para a

sociedade. Ao longo da história da humanidade, o homem vem modificando o ambiente e seu

modo de vida, criando objetos e materiais a partir dos recursos naturais. Essa característica pode

ser entendida como um vínculo construído entre a ciência Química, as sociedades humanas e a

natureza que possibilita à disciplina escolar Química se apresentar com um perfil que transita

entre finalidades educacionais acadêmicas, utilitárias e pedagógicas como propostas por

Goodson (1983 apud GOMES, SELLES & LOPES, p.478).

Assim sendo, observo, na estruturação dos conteúdos de ensino da obra analisada, que

os diálogos entre finalidades acadêmicas, utilitários e pedagógicas podem produzir uma

ampliação dos sentidos no ensino de Química. A Química pode ser um meio para o exercício

da cidadania e a compreensão dos mecanismos sociais desde que o conhecimento químico seja

fomentado como uma ferramenta para interpretar o mundo e intervir na realidade. Estas

possibilidades não podem ser mutuamente exclusivas, sob risco de que os conteúdos de

Química que integram o saber escolar mediatizem apenas uma perspectiva pragmática,

irreflexiva deixando de se vincular à reflexão cobre o próprio indivíduo e sua existência. É

importante e desejável que o conhecimento químico seja apresentado como uma construção

social e histórica, com seus conceitos, seus métodos e suas linguagens próprias, relacionada não

apenas ao desenvolvimento tecnológico mas também aos muitos aspectos da vida em sociedade.

A finalidade, em especial nas séries do Ensino Médio, é favorecer a compreensão por parte dos

estudantes, dos processos químicos em uma relação com suas aplicações tecnológicas,

ambientais e sociais, de maneira a formar um juízo de valor, decidir individual e coletivamente

de maneira responsável e crítica.

Mortimer & Santos (1999b) sustentam que o ensino tradicional de Química no Brasil

geralmente é fruto de um processo histórico de repetição de fórmulas didáticas bem sucedidas,

fazendo com que o estudante assimile, memorize alguns procedimentos relacionados à

Química. Este tipo de currículo dá destaque aos aspectos conceituais da química sob uma ótica

segundo a qual a cultura escolar química torna-se algo alienado de suas origens científicas e de

qualquer contexto social ou tecnológico, uma Química descontextualizada. Para esse autor, não

há nesses currículos tradicionais, um limite claro entre conceitos e definição, o que leva o aluno

a usar mecanicamente os conceitos em alguns tipos de problemas específicos. É imensa a

quantidade de conceitos/definições apresentados a cada capítulo dos livros didáticos, para que

73

o aluno consiga, em pouco tempo, compreende-los e ligá-los logicamente numa estrutura mais

ampla que dê significado e que contextualize a aprendizagem da química. Afinal, aprender uma

definição não corresponde necessariamente à aprendizagem do conceito.

Dentre as tradições curriculares, na acepção de Goodson (2001) que vêm,

historicamente, conformando a disciplina escolar Química, destaco a sequenciação dos

assuntos. Na primeira série, por exemplo, é comum dar ênfase, logo no início dos conteúdos da

Química para o Ensino Médio, a aspectos microscópicos, apresentando os modelos atômicos

de Dalton, Rutherford, Bohr e o quântico, a distribuição eletrônica em camadas ou níveis e

subníveis energéticos, seguidos da tabela periódica e do estudo das ligações iônicas, covalentes

e metálicas. Essa sequência didática, que parte da apresentação de um modelo atômico

microscópico e abstrato, exige que o aluno compreenda uma possível explicação microscópica

para propriedades macroscópicas dos materiais, antes mesmo de conhecer fatos químicos. Por

isso, concordo com Mortimer & Santos (1999b), a aprendizagem pode se tornar mecânica e

pouco significativa.

Observando a proposta programática dos livros desta coleção nota-se uma ênfase na

articulação entre as questões ambientais e os conteúdos da Química, embora a sequenciação

destes conteúdos siga uma orientação mais tradicional no ensino de Química, que é a de iniciar

o primeiro ano com a Química Geral e Atomística, passando para os conteúdos de Físico-

Química no segundo ano e, no terceiro ano, a Química Orgânica, Bioquímica e Química

Ambiental. Ou seja, a autora organizou os conteúdos de Química buscando associá-los a

temáticas ambientais, mas sem deixar de valorizar mais fortemente aqueles conteúdos

referenciados pela ciência de referência. Entretanto, mesmo percebendo esta valorização, é

interessante notar que as temáticas ambientais aparecem ao longo dos três volumes como eixos

organizadores da apresentação e discussão dos conteúdos de ensino de Química.

74

Figura 15 - Página de apresentação de cada volume

75

No início de cada volume, há uma explicação sobre a organização da obra e uma breve

apresentação dos conteúdos. A autora faz uso de algumas seções que são constantes ao longo

de toda a coleção para apresentar o livro. São estas os “Textos de abertura”, “Explorando os

textos”, “Questões”, “Exercitando o raciocínio”, “Experimentos” e “Cotidiano do químico”.

Os “textos de abertura” são trechos de publicações jornalísticas relacionadas às

discussões de cidadania, tecnologia e meio ambiente com propostas para debates ao longo dos

capítulos. Em “Explorando os textos” há recortes dos textos, para serem explorados e discutidos

ao longo dos capítulos. Nestas seções são formuladas algumas perguntas, a propósito dos temas

em questão, para que sejam discutidas de forma concomitante ao conteúdo do capítulo. Foi

neste tipo de seção que se evidenciou a maior quantidade de referências à temática “lixo”. As

seções intituladas “Enriquecendo o aprendizado” apresentam trechos com informações

complementares para auxiliar a discussão das propostas de “Explorando os textos”. Já

“Resgatando o que foi visto” está presente com o propósito de finalizar os debates da unidade.

Por fim, os exercícios de fixação estão dispostos em duas seções intituladas “Questões” e

“Exercitando o raciocínio”.

Há também as seções “Experimentos”, entremeadas às demais, com a proposta de

apresentar conhecimentos químicos e questões a serem respondidas com estes experimentos,

sempre simples, utilizando materiais de fácil obtenção e com orientações acerca dos cuidados

para a condução segura das práticas. Em “Cotidiano do químico” são discutidas também

práticas, mas na forma como elas se dão em laboratórios reais, com equipamentos próprios além

de processos de análise e síntese. E em “Curiosidade” são apresentados pequenos textos com o

intuito de enriquecer o conteúdo, discutindo peculiaridades da produção científica ou histórias

da vida e da obra de cientistas.

Por fim, o livro traz uma marca de coerência com a proposta de uso das temáticas

ambientais como eixos organizadores dos conteúdos de Química: um “carimbo” lembrando os

estudantes de não escrever no livro didático. Afinal, ele não é descartável e deverá ser utilizado

por pelo menos três anos, respondendo a uma demanda das orientações oficiais nacionais de

não produzir mais livros descartáveis e remetendo ao conceito de preservação.

Figura 16 - "Carimbo" de conservação dos livros didáticos

76

Esta marca que aparece ao longo dos três volumes, em todas as unidades e capítulos,

pode ser considerada como uma influência resultante de demandas das orientações oficiais

nacionais de que os livros didáticos devem ser reutilizados. Tal influência se coordena com as

propostas delineadas pela obra relacionadas à valorização das questões ambientais.

Há porém, muito mais que observar nos volumes desta coleção, para além a

estruturação básica aqui delineada. Por isso, passo a apresentar as inserções da temática lixo ao

longo destes três volumes na seção a seguir.

3.3 – As inserções da temática “lixo” na coleção analisada

Na análise aqui apresentada procuro organizar a discussão em torno das intenções,

modos de inserção e configurações explícitas e implícitas em imagens e textos que nos livros

didáticos remetem à temática “lixo”22 ao longo dos três volumes desta coleção. Com esse

propósito, proponho três focos de análise: (i) o “lixo” como parte das tradições de ensino da

Química: (ii) o “lixo” em suas relações com questões sociais contemporâneas que são parte do

cotidiano da vida dos estudantes; e (iii) o “lixo” como algo que é parte da cadeia produtiva

industrial. Esses três aspectos são o resultado das discussões teóricas que apresentei nos

capítulos 1 e 2 em diálogo com a análise dos próprios conteúdos dos materiais analisados. Ao

enfrentar a análise, dos conteúdos sobre o “lixo”, em meio a todos os outros, nos livros

didáticos, só foi possível colocar ordem nos resultados a partir das discussões teóricas sobre a

disciplina escolar Química e suas relações com aspectos do cotidiano tais como as

problemáticas ambientais. Desse modo pude ir compreendendo como o “lixo” se insere nesses

materiais em meio a tendências de pesquisa e ensino tais como as do ensino de Química

(SCHNETZLER, NIEVES & CAMPOS, 2007) e as da Educação Ambiental (LAYRARGUES,

2011; 2012) e considerando um modo de olhar para os conhecimentos com base na ecologia

dos saberes (SANTOS, 2010).

Nessa seção da dissertação, pretendo que os comentários e as análises de cada inserção

sejam apresentados preferencialmente na ordem em que estão distribuídos ao longo dos três

volumes da coleção e, estes volumes, serão analisados na sucessão em que se apresentam. Não

obstante, ficam ressalvadas deste critério, situações particulares em que foi possível estabelecer

comparações importantes entre informações coletadas fora desta ordem. Esta escolha deve-se

22 Considero importante esclarecer que não estão inclusos nesta discussão todas as imagens e textos que tratam da

temática “lixo” na coleção analisada, mas apenas uma parte que permitiu estabelecer correspondências e construir

discussões consistentes. Isso não significa, no entanto, que as demais imagens e textos sejam divergentes dos

escolhidos.

77

ao fato de que, por haver estabelecido que a análise se restringiria aos conteúdos comuns a

professores e alunos, decidi acompanhar a sequência que mais provavelmente seria a adotada

em sala de aula.

Cada livro desta coleção apresenta, após o sumário, uma tabela periódica dos

elementos químicos. Exclusivamente no volume 1, segue-se a esta tabela, um capítulo de

introdução intitulado “O que é Química?”. Já nos volumes 2 e 3, há um texto de uma página

resgatando o que foi “visto” no volume anterior. Se, no que diz respeito à organização dos

conteúdos desta disciplina escolar, os sumários (figuras 18, 19 e 20) demonstram uma

orientação voltada para uma tendência mais “tradicional” do ensino de Química já conhecida,

parece haver algum nível de ruptura com esta visão no texto que compõe o capítulo introdutório

do primeiro volume.

No contexto desse capítulo introdutório, aparecem as primeiras evidências da relação

do lixo com aspectos relacionados a questões sociais levantados a partir de uma discussão em

torno da pergunta “O que é a Química?” (volume 1, p.8-13). Lembrando que alunos do

primeiro ano do Ensino Médio têm contato, com a disciplina Química, de um modo mais geral

e introdutória no Ensino Fundamental, é interessante que esta discussão seja o marco inicial dos

temas da Química. Ao final desta discussão e em meio a temas como “A Química é natural ou

artificial?” (v. 1, p.12) e “A Química polui?” (v. 1, p.12), são mostrados de um lado uma

imagem de gado em meio ao lixo, relacionando-a ao risco de morte de animais pela ingestão de

restos de plástico indevidamente descartados e, da página seguinte, aparece uma figura que irá

se repetir – posteriormente – na metade final do volume 3.

78

Figura 17 - Volume 1, Introdução, páginas 12 e 13

O texto apresentado no volume 1, a propósito das imagens apresentadas na figura 17,

trazem menções – por texto ou pela legenda da foto à direita, sobre a agenda verde através da

Química Verde, e marrom ao discutir as consequências de um modo produtivo altamente

impactante. Mas fica a impressão de que a Química Verde se limita a colocar uma solução

esverdeada em um recipiente de laboratório, ao lado de uma flor, que a solução para a

degradação ambiental e humana se resolve. As duas faces do mesmo contexto, – o mundo

natural de onde vêm os recursos – e o mundo social, onde se acumulam os problemas e as

consequências de uma produção irrefletida em sua dimensão ambiental, não são associadas.

São apresentadas como discussões que não se articulam. Assim, parece ser assumida uma

posição pragmática que não é explorada para possibilidades de propostas pedagógicas que

explorem visões mais críticas a esse respeito. Pode ser considerada uma perspectiva “ingênua”23

23 Cabe uma explicação do sentido desta palavra que se repetirá ao longo das discussões e análise, sempre entre

aspas: “ingênua”. Sua escolha foi uma opção por refletir uma credulidade excessiva ou uma falta de análise mais

amiúde, que permita expor as reais intenções de ações educativas que não são isentas, são parciais e que

representam os valores e o ideário de forças hegemônicas. No caso particular da educação ambiental, esta

79

e limitada que não explora o potencial educativo da problemática ambiental. Estas informações

são apresentadas numa localização privilegiada da coleção – o começo do volume 1 (p.12-13)

– que é onde a Química começa a ser conceituada associando-a a questões ambientais.

Como uma consequência de um processo de forte industrialização observado na

década de 1970, a Química enquanto ciência tem sido associada a problemas oriundos de

atividades industriais. Nesse sentido, as consequências nocivas de tais práticas são associadas

a ideias sobre as possibilidades de minimização dos riscos socioambientais. Segundo Ferreira,

da Rocha & da Silva (2013), o entendimento de que processos ambientalmente amigáveis, ou

seja, aqueles que buscam minimizar ou mesmo eliminar qualquer efeito prejudicial que um

processo pode gerar no meio ambiente, são necessários levou os químicos Paul Anastas e John

C. Warner a estabelecerem em 1998, os doze princípios da Química Verde, que são: 1.

Prevenção; 2. Economia atômica; 3. Síntese de produtos menos perigosos; 4. Modelo de

produtos seguros; 5. Solventes e auxiliares mais seguros; 6. Busca pela eficiência de energia;

7. Uso de fontes renováveis de matéria-prima; 8. Minimização da formação de subprodutos; 9.

Catálise; 10.Desenho para a degradação; 11. Análise em tempo real para a prevenção da

poluição; 12. Química intrinsecamente segura para a prevenção de acidentes (FERREIRA, DA

ROCHA & DA SILVA, 2013, p.88). Mais que uma ciência em si, a Química Verde é um ramo

da Química industrial voltada para a manutenção/recuperação da saúde e da qualidade

ambiental, mas ainda há muito que discutir sobre os meios e os fins desta proposta quando

colocada em prática. Esta Química intenciona possibilitar a execução de projetos com

aplicações mais “amigáveis” ao ambiente.

A Química Verde é a parte da Química que envolve o planejamento da síntese e dos

produtos químicos. Ela busca evitar a poluição e os problemas ambientais sobre os

seres vivos; eliminar os processos químicos prejudiciais ao ambiente e substituí-los

por outros menos agressivos, sustentáveis, recicláveis e não persistentes; implementar

métodos sintéticos para substâncias de alta eficácia com reduzida toxicidade para a

saúde humana e para o meio ambiente; minimizar o uso de energia e usar reagentes

preferencialmente na escala catalítica. (FERREIRA, DA ROCHA & DA SILVA,

2013, p.91)

O principal propósito da Química Ambiental, ou Química Verde é minimizar ao

máximo, o uso e a geração de substâncias perigosas para a saúde humana e para o meio

ambiente, ao longo do processo produtivo. Incentiva assim que este seja mais limpo, com menor

“ingenuidade” aparecerá ao longo desta dissertação, principalmente associada às chamadas “boas práticas” e às

leituras reducionistas da sustentabilidade, que resumem a análise dos problemas ambientais às questões do

consumo, sem fazer uma análise crítica do processo produtivo e das questões sociais que estão envolvidas. É uma

ingenuidade acreditar que o processo econômico se resume ao consumo, sem discutir a organização da sociedade

e transpondo os problemas coletivos para um âmbito em que as soluções são dadas por ações individuais.

80

emissão de poluentes industriais, e com maiores responsabilidades dos fabricantes para com

aquilo que produzem. Porém, a Química Verde perde seu propósito central caso se esteja atento

apenas a parte desses objetivos, sob o risco de se ter uma ação “sustentável” que não se relaciona

à Agenda Verde, mas apenas tinge de verde a pauta marrom.

Para que um produto seja fabricado rigorosamente de acordo com os critérios da

Química Verde, deve-se levar em consideração todo o impacto ambiental desde a sua fabricação

até o fim do seu ciclo de vida, e não é comum encontrar este tipo de informação disponível aos

consumidores, em rótulos ou embalagens. Ao contrário: muitos dados associados àqueles

critérios – tais como “reciclável”, “matérias primas naturais”, “não produz resíduos” – são

informações colocadas à vista do público, agregando algum apelo ou destaque, no mínimo,

falacioso. Alumínio ou aço é reciclável e, por isso, essa é uma informação irrelevante frente aos

impactos ambientais causados pelo processo de extração e produção. Naturais também são os

elementos radiativos – como o urânio – ou tóxicos – como o arsênio e o mercúrio –e o fato de

serem naturais em nada diminui sua periculosidade. Se uma embalagem é feita de papel

reciclado ou se um produto de limpeza alegadamente não deixa resíduos, novamente não se está

discutindo os possíveis danos causados até chegar ao produto final. Produtos em spray com

embalagens que informam serem inofensivos à camada de ozônio porque “não contém C.F.C.”

fazem marketing sobre o óbvio porque o uso dessa substância já está proibido por lei desde

setembro de 2000, quando o Conselho Nacional do Maio Ambiente (CONAMA) implantou a

Resolução 267, regulamentando o uso e comercialização dessas substâncias e sua proibição

total em 2007.

O mais grave desse panorama de desinformação é que ele me leva a crer que, critérios

de produção que deveriam ofertar produtos menos nocivos ao ambiente desde sua fabricação

até o final do processo de consumo, acabam sendo usados enganosamente como um “valor

agregado” que incentiva o aumento do consumo. Aumentar o consumo de qualquer bem para

além das necessidades reais vai contra a lógica da própria Química Verde, uma vez que uma de

suas metas é a economia de átomos.

Esta é a discussão, mais aprofundada, que se apresenta no volume 3 como ilustrado na

figura 18.

81

Figura 18 - Volume 3, Unidade 3, capítulo 10, página 213

82

Neste volume, é retomada a discussão de uma forma menos “ingênua”, com uma

discussão um pouco mais crítica na medida em que aborda o processo industrial, mas ainda

assim não há uma reflexão sobre a cadeia produtiva. A própria retomada de uma discussão

distante no tempo sugere que, se a autora imprime à sua coleção uma noção de complexidade

crescente das discussões ambientais, é pouco provável que um estudante de terceiro ano do

Ensino Médio se recorde do que foi discutido em uma de suas primeiras aulas de Química no

primeiro ano.

Além disso, a autora propõe no capítulo 5 do volume 1 – como mostrarei adiante -

reflexões acerca dos riscos e consequências da disposição inadequada do lixo, do

aumento de sua produção mas, paralelamente a isso, enaltece a indústria da reciclagem

com uma forma de enriquecimento e de “sustentabilidade” do sistema produtivo.

Adota assim uma perspectiva que à primeira vista, pode parecer “ingênua”, não

crítica, mas suspeito que este enfoque desprovido de crítica tem um caráter pragmático

pois, se no volume 3 a autora propõe uma postura mais consciente em termos de

hábitos de consumo, faz – por outro lado- uma apologia à sustentabilidade dos

recursos.24

Retomando as observações do volume 1, é possível reconhecer mais fortemente a

relação do lixo com conteúdos ensinados tradicionalmente na disciplina Química. Um exemplo

disto poder ser observado no capítulo 5 (figura 19) da unidade 1, no qual o lixo é inserido no

assunto “Separação de Misturas” (p. 71). Servindo-me de minha experiência como professora

de Química, posso afirmar que esta é uma associação interessante que permite discutir e

exemplificar processos tais como a catação e a separação magnética. Assim, na primeira página

(p. 71) deste capítulo, a autora propõe uma reflexão acerca da reciclagem de lixo relacionada

ao processo de separar, de uma quantidade de lixo diversificada, os materiais com interesse

comercial. Este texto aparece ladeado pela imagem de uma comunidade de moradias de baixa

renda construídas às margens de um lixão. A despeito de o texto da legenda tratar dos possíveis

prejuízos desta situação para a vida humana, não se estabelece uma relação de causa e

consequência entre o lixo e o problema social. Ao contrário, as explicações e exemplos

apresentados ao longo do capítulo 5 sugerem que, mais importante que um processo de

produção de bens de consumo que produza menos lixo, ou uma mudança de hábitos neste

sentido, a aspecto mais importante é a reciclagem. O lixo não chega sequer a ser considerado

um problema decorrente do processo produtivo ou do consumo supérfluo mas ganha bastante

destaque a perspectiva da importância da reciclagem para o sistema produtivo.

24 Refiro-me a uma inserção presente no volume 3 e que será exibida mais adiante nesta seção (figura 43), na qual

a autora se refere ao vídeo “A carne é fraca”, o qual considero bastante impactante principalmente levando em

consideração que os usuários destes livros didáticos são adolescentes, com poucas exceções.

83

Figura 19 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 71

84

Nas figuras 20 e 21 há imagens e textos apresentados para tratar do conteúdo de

Química proposto para este capítulo – separação de misturas – A autora explora esse tema

servindo-se de exemplos cotidianos que são a separação de impurezas do feijão, a peneiração

da areia e a separação dos componentes do lixo dando destaque para a reciclagem de metais

(Volume 1, capítulo 5, páginas 72 e 73) enfatizando a economia de recursos e energética. Não

obstante, a autora também aborda a importância da reciclagem de outros materiais, como papel

e vidro, novamente relacionando com a economia energética mas também a redução de

consumo de água, de recursos naturais.

No entanto, outra foto (figura 22) também ilustra o conteúdo da reciclagem do lixo no

contexto da separação de misturas, mas esta retrata a condição social de um cidadão

transportando um fardo imenso de metal reciclável. Esta fotografia, embora ilustrativa de como

as questões sociais estão sempre relacionadas com a temática “lixo”, não é aprofundada no texto

que a acompanha. Não há qualquer informação ou discussão a respeito dessas condições de

trabalho. Apenas há uma legenda acerca do fato de que o homem retratado está transportando

as embalagens para a reciclagem. Neste exemplo, além de uma postura pragmática, percebo

também uma tendência a naturalizar as condições subumanas de existência de alguns tipos de

trabalhadores. Não há uma crítica à condição de exploração à qual o indivíduo está sujeito para

minimamente tentar assegurar sua sobrevivência. Há somente a valorização da reciclagem.

Esta mesma situação se repete mais adiante, na página76 do volume 1 (figura 23) onde

é apresentada uma questão em que, apenas a título de ilustração e sem qualquer comentário ou

proposta de reflexão, está posta uma imagem de crianças em uma área de “lixão” e, a título de

esclarecimento, um pouco mais abaixo desta foto está posta seguinte nota (ambas destacadas

em vermelho na imagem): “Lembre-se que lixões são formados pela disposição de lixo a céu

aberto, sem impermeabilização do terreno nem controle posterior” (volume 1, página 76).

85

Figura 20 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 72

86

Figura 21- Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 73

87

Figura 22- Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 74

88

Figura 23 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 76

Novamente são tratados os problemas decorrentes do acúmulo e da disposição

incorreta dos resíduos mas não há uma menção sequer acerca das responsabilidades dos meios

de produção ou mesmo de qualquer outra ação preventiva. Se o lixo é consequência de um

processo produtivo que não respeita a paisagem e os seres vivos que nela habitam, neste

exemplo são discutidas as “consequências das consequências” de um processo produtivo que

acumula e não distribui os bens e as riquezas de forma justa, mas não são abordadas as causas

destes problemas. E tipo de abordagem repete-se em diversos outros exemplos ao longo dos

três livros da coleção. Na figura 24, esta retirada do volume 2, o “lixo” é apresentado como

responsável pelos problemas ambientais.

89

Figura 24 - Volume 2, unidade 2, Texto de abertura do capítulo 6, página 82

90

Retomando a análise das inserções finais da temática “lixo” no volume 1 da coleção,

um outro exemplo é explorado na seção “Resgatando o que foi visto” (figura 25), em que no

contexto de uma reflexão sobre as relações entre a temática ambiental organizadora da unidade

- “Mudanças climáticas” - e o lixo, são propostas mudanças de comportamento no que diz

respeito ao consumo e também à ação política dos cidadãos. A proposta de redução da produção

de lixo através de uma “reeducação de hábitos”, subentendidos os de consumo, presente nessa

seção do capítulo 5/volume 1, não é esclarecida nem posta em discussão. Sem a presença de

uma discussão que esclareça o que se pretende atingir com esta mudança de hábitos de

consumo, fica visível uma sugestão de que a melhoria ambiental – ou pelo menos, a redução

dos danos – passa não pela redução do consumo desnecessário mas sim pela escolha de produtos

“ambientalmente corretos”, expressão esta que também não é esclarecida. Nada é mencionado

sobre as responsabilidades do sistema produtivo ou sobre a lógica de mercado que incentiva o

consumo pelo consumo em si mesmo, e não como algo associado a necessidades básicas.

Embora o texto destacado na figura 25 se refira a uma tomada de atitude, o que se propõe é, na

verdade, uma mudança de comportamento. Mészaros (2008 apud Loureiro, 2012) esclarece a

importante diferença entre estes dois conceitos.

As atitudes são um sistema de verdades e valores que o sujeito forma a partir de suas

atividades no mundo. Os comportamentos, por sua vez, são ações objetivas no mundo,

o momento final do processo. Qualquer um de nós pode mudar o comportamento por

força de uma necessidade material, exigência do Estado ou por imposição de alguém,

sem que isso signifique que mudou de atitude. As escolhas pessoais são, assim,

situadas por condições que afetam a cada um em intensidades diferentes. A simples

adequação comportamental, mesmo que relevante imediatamente, não implica a

capacidade cidadã de definir, escolher livremente e exercer o controle social

(regulação democrática) no Estado, e pode apenas expressar a conformação de uma

pessoa à sociedade tal como se configura contemporaneamente (relações assimétricas

de poder, desigualdade econômica e expropriação do trabalhador, preconceitos e

utilização intensiva da natureza para fins de acumulação de riqueza material (p. 85).

Sendo assim, o texto na figura 25 não esgota as possibilidades de discussão que

excedem a sugestão de uma simples mudança de comportamento para propiciar uma real

mudança de atitudes, uma vez que não são discutidas as causas da necessidade destas mudanças.

Ao se referir à necessidade de diminuição da geração de lixo, o texto incentiva o consumo de

uma forma dita “ambientalmente correta”, mas não aprofunda os sentidos que essa expressão

pode possibilitar na formação dos estudantes. Citando Loureiro (2012a), o problema passa a ser

do indivíduo, uma vez que quem decide o que é correto ou incorreto são os grupos hegemônicos

de nossa cultura.

91

Figura 25 - Volume 1, unidade 1, capítulo 5, página 91

92

No volume 2 da coleção escolhida, as primeiras inserções da temática “lixo”

identificada aparecem na página 85, nos textos de abertura do capítulo 6, (figura 26) e, logo em

seguida, na seção “Explorando os textos” da mesma unidade 2 (p.86), apresentadas

respectivamente nas figuras 26 e 27.

A imagem que se vê na figura 26 repete a mensagem de contaminação de corpos de

água pelo descarte impróprio de lixo (já observado na figura 24) e, de novo, a discussão se

limita ao impacto ambiental sem analisar as causas desta ação, se são de natureza educacionais

ou sociais, como a falta de estrutura adequada para o descarte. Nessa figura, se repete a

responsabilização da disposição imprópria de resíduos, sucata, rejeitos e todas as demais

denominações empregadas para referir-se ao lixo, pelos danos ambientais. Ao abordar a

contaminação de corpos de água pelo despejo de esgoto irregular, a autora relaciona este

lançamento à presença de lixões e ilustra com imagens que mostram, uma delas, as margens de

um corpo de água cobertas de resíduos de diversas naturezas e, em outra foto, uma grande

mortandade de peixes identificada (na legenda) como consequência da produção de substâncias

tóxicas pelo acúmulo de material em lixões. No exemplo desse texto em particular, embora

novamente não esteja presente uma crítica explícita à falta de cuidado com a disposição dos

rejeitos do processo produtivo, há pelo menos o estabelecimento de uma conexão entre a

poluição das águas e a geração de lixo.

As associações entre o descarte impróprio de rejeitos, da geração de lixo e da poluição

das águas propostas nos textos de abertura e na seção “Explorando os textos”, e retratados nas

figuras 26 e 27, sugere que este debate permeará os conteúdos de Química apresentados ao

longo, senão da unidade (cujo tema ambiental é a poluição da água), ao menos no capítulo que

trata de expressões físicas de concentração. Entretanto, a única vez que se repete no volume 2

esta importante questão acerca do lixo, que é a relação entre seu descarte e a poluição das águas

da coleção escolhida, acontece na página 320, já no capítulo 18 (que trata de Produto iônico e

Kps) que é parte da unidade 14, cuja temática ambiental são os corais.

93

Figura 26- Volume 2, unidade 2, foto do texto de abertura do capítulo 18, página 85

Na figura 27 observamos uma foto em que uma pilha de lixo formada por materiais

variados e entre os quais se pode evidenciar alguns recicláveis, porem a legenda não usa a

palavra “lixo”, preferindo tratar como “resquícios”. Ou seja, esta específica problemática perde

destaque após uma apresentação inicial de sua importância ambiental e social, caminhando para

quase nenhuma discussão.

94

Figura 27- Volume 2, unidade 4, capítulo 18, página 320

Figura 28- Volume 2, unidade 2, Explorando os textos (capítulo 6), página 86

95

No segundo volume da coleção, a temática “lixo” se apresenta, além do contexto das

temáticas ambientais que organizam o livro25, dialogando com visões mais contemporâneas. Ao

abordar o “lixo” é usada sucata eletrônica. Dessa forma, é relacionado aos padrões dos currículos

tradicionais de Química, nos quais o conteúdo de segundo ano contempla Físico-Química, entre

estes a Eletroquímica, tema muito alinhado ao lixo eletrônico. Neste caso, considero que este livro

traz uma contribuição que representa uma ruptura nesta tradição de ensino. Ao invés de limitar-

se aos dispositivos eletroquímicos tais como pilhas, bateria e células eletrolíticas, são explorados

aspectos para um panorama mais contemporâneo, abordando também as questões ambientais com

potencial de interlocução com esses conteúdos de ensino mais tradicionais.

O grande destaque que a autora dá à disposição imprópria do lixo e de suas consequências

é visível também no terceiro volume, no âmbito da Química Orgânica. Ao apresentar a imagem de

um depósito clandestino de lixo, é feita uma associação com a produção de um dos principais gases

do efeito estufa, que é o metano (imagem e legenda destacados na figura 29).

Figura 29 - Volume 3, unidade 3, capítulo13, página 249

25 As unidades de 1 a 5 são intituladas, respectivamente, “A umidade relativa do ar”, “Poluição da água”, “Poluição

térmica”, “Corais” e “Lixo eletrônico”.

96

A mesma discussão acerca do descarte do lixo aparece no volume 3 (p.236) ao discutir

a alternativa da reciclagem de lixo tecnológico como opção para minimizar a geração de lixo,

como se pode observar na figura 30.

Figura 30 - Volume 3, unidade 3, capítulo11, página 236

Retomando a análise das inserções da temática “lixo” na coleção segundo a ordem

numérica de volumes e capítulos, retomo aquelas que estão presentes no segundo volume da

coleção, onde a autora lançou mão de forma mais evidente da relação entre o “lixo” e a Química,

ao determinar “Lixo Eletrônico” como eixo ambiental de discussão, relacionando-o aos

conteúdos de Eletroquímica. A presença destes no segundo ano do Ensino Médio pode ser

considerada como parte de uma tradição de ensino desta disciplina. E, no contexto dessa

97

tradição de ensino, a sua abordagem à luz de uma questão ambiental como a disposição final

de pilhas, baterias e dispositivos eletrônicos pode ser considerado como um avanço em relação

ao caráter relacional dos saberes. Assim, ao exceder os limites das discussões essencialmente

tecnológicas e dialogar com problemáticas ambientais amplia-se as possibilidades do ensino

para abordagens que têm um caráter crítico.

Embora os textos de abertura do capítulo 19 (p. 326), mostrados na figura 31, alertem

para os riscos de que o descarte de resíduos eletroeletrônicos possa levar a situações

potencialmente perigosas para a saúde das pessoas e do ambiente, a imagem de pessoas lidando

com a reciclagem deste tipo de lixo não deixa claras marcas sociais de separação que

determinam quem lida com esse processo.

O texto da figura 31 aponta para o perigo da acumulação de lixo eletrônico e para as

medidas que estão sendo tomadas para minimizar os seus prejuízos. Alerta ainda para o seu

avanço em progressão geométrica, uma vez que a substituição de equipamentos eletrônicos por

outros de tecnologia mais recente, torna-se cada vez mais rápida e a produção de lixo,

proporcionalmente maior.

98

Figura 31 - Volume 2, unidade 5, Texto de abertura do capítulo 19, páginas 326 e 327

Como se pode constatar na foto abaixo e à direita da figura 32, o livro novamente

apresenta ainda que apenas em imagens, pessoas desfavorecidas, ou trabalhadores de condições

humildes envolvidas na lida do lixo. Agora o lixo aparece também associado às questões

99

sociais, conforme uma das categorias escolhidas para o exame desta coleção didática. Esse

trecho repete a sugestão de segregação social que se havia evidenciado na figura 22. Embora o

subtítulo do texto retratado na figura 32 deixe claro os riscos envolvidos na lida do lixo, não se

vê na foto menor mais que uma máscara facial à guisa de equipamento de proteção. Numa

lógica de exclusão social, o trabalho com o que há de mais desagradável, com o que é perigoso

ou simplesmente com os restos do consumo de outrem, cabe aos mais pobres. Se há riscos, eles

não receberão destaque porque, aproveitando o pensamento de Boaventura Santos (2010), estas

pessoas e suas atividades estão no lado invisível da linha abissal.

Aliás, nas imagens da figura 32, observa-se pelo menos dois aspectos que se remetem

à cartografia abissal de Boaventura Santos (2010): o “norte” industrializado, consumista e

poluidor, e um “sul” ao qual restam as atividades que ninguém mais quer desempenhar, sem a

preocupação de que apesar de se tratarem de pessoas de segmentos sócio/culturais/econômicos

distintos, ainda são pessoas que tratadas de forma desigual. O próprio texto dá indícios

geográficos para que se possa localizar os indivíduos retratados nas fotos: uma cena de lixo se

acumulando em calçadas da cidade de Nápoles e um trabalhador de alguma região na Ásia ou

África trabalhando na separação do lixo.

100

Figura 32 - Volume 2, unidade 5, Texto de abertura do capítulo 19, páginas 328 e 329

No término deste capítulo, a seção “Explorando os Textos” (figura 33) novamente se

curva para a lógica de mercado, de atendimento não às necessidades sociais, mas sim aos

interesses hegemônicos. O texto lança uma pergunta para reflexão intitulada “Quais os metais

valiosos que podem ser encontrados no lixo?” (p.330). Então, a reciclagem de materiais

101

provenientes de dispositivos eletroquímicos interessa mais a quem utiliza as matérias primas

separadas a partir desta reciclagem para aumentar seu lucro, do que aos grupos sociais

vulneráveis, a quem interessa pelo menos sobreviver.

Figura 33 - Volume 2, unidade 5, Explorando os textos (capítulo 19), página 330

102

A discussão do descarte do lixo eletrônico em aterros sanitários e a própria

conceituação destas áreas, aparece ainda no volume 2, algumas páginas mais adiante, conforme

de pode observar na figura 34.

São discutidos os aspectos ambientais e químicos que relacionam a disposição de

pilhas, baterias e demais equipamento eletrônicos em ambientes controlados, de que forma se

faz este descarte e como o aterro sanitário se configura de forma a não representar um perigo

ao ambiente e aos indivíduos da mesma que nos lixões. Aqui, os conteúdos de Química parecem

dialogar com aspectos tanto da Biologia quanto da própria Educação Ambiental e este diálogo

vai retornar ainda neste segundo volume, na página 363 (figura 35) porem retomando os

aspectos nos quais o lixo passa a ser encarado como algo errado na cadeia produtiva, mas sem

crítica a esta cadeia. Neste ponto (página 363) a autora retoma a abordagem dos riscos advindos

de resíduos de metais pesados, proveniente de lixo contendo pilhas que não estão em

conformidade com as disposições legais e propõe uma discussão intitulada “Como é feita a

reciclagem responsável do lixo eletrônico?” (figura 35).

Figura 34 - Volume 2, unidade 5, capítulo 20, páginas 350 e 351

103

Figura 35 - Volume 2, unidade 5, capítulo 20, página 363

Destaco do texto observado da página 363 (volume 2, unidade 5, capítulo 20) um

parágrafo sublinhado pela contradição que representa a uma abordagem crítica da exploração

104

de recursos naturais.

A princípio isso não seria um problema já que, desde o ano 2000, uma nova legislação

impôs uma séria redução nos níveis de materiais tóxicos que poderiam estar presentes

em pilhas e baterias, como chumbo e cádmio e assim, alguns tipos de pilha- com as

alcalinas – cujos níveis de resíduos tóxicos ficaram abaixo do limite estabelecido no

artigo 6º dessa lei, agora podem ser descartados diretamente no lixo doméstico para

serem encaminhados, segundo consta no artigo a “aterros sanitários licenciados”.

O problema é justamente esse. Como já dissemos, não há danos ao meio ambiente

quando as pilhas vão parar em um aterro sanitário, mas apenas 10% dos aterros

brasileiros, segundo estimativa do instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) atendem esse quesito.26

Também é preciso considerar que nem todas as pilhas que compramos estão dentro

do padrão. Segundo o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) cerca de

33% das pilhas e baterias existentes no país são provenientes de contrabando ou de

outras origens, ou seja, temos em circulação cerca de 400 milhões de pilhas e baterias

que podem estar fora do padrão de segurança. E depois, ainda que a quantidade de

substâncias tóxicas seja mínima em cada pilha vendida dentro da lei, são milhões de

pilhas descartadas que, juntas, somam uma quantidade considerável dessas

substâncias.

Num mesmo trecho em que a autora argumenta em prol de uma atitude de preservação

ambiental, faz uma ressalva de que o “único problema” é o descarte impróprio das pilhas, como

se a própria extração, progressivamente maior para acompanhar a demanda, de todos os metais

necessários a estes dispositivos, não trouxesse danos à natureza. Como se a extração exaustiva

de recursos naturais não fosse nociva aos homens e, mais especialmente, às comunidades que

vivem próximas às áreas de extração e processamento. Novamente a responsabilidade sobre a

geração de lixo e suas consequências socioambientais é deslocado do processo produtivo

exclusivamente para os indivíduos. Como se o consumo e a produção não se alimentassem

mutuamente.

No terceiro volume da coleção, a autora traz a discussão de hábitos de consumo como

contexto para a apresentação de conhecimentos do currículo de Química, trazendo o lixo como

viés ambiental, reaparece no terceiro volume, conforme se observa na figura 36.

Conforme propus no início desta seção, as categorias de análise da forma como a

temática “lixo” está distribuída ao longo da coleção, foi inicialmente delimitada como: (i) o

“lixo” como parte das tradições de ensino da Química: (ii) o “lixo” em suas relações com

questões sociais contemporâneas que são parte do cotidiano da vida dos estudantes; e (iii) o

“lixo” como algo que é parte da cadeia produtiva industrial. Já foram destacados exemplos das

tradições de ensino da Química – como o relatado sobre a separação de substâncias, no volume

1 e também das relações “lixo” com a cadeia produtiva, numa abordagem acrítica.

26 Grifo meu.

105

Figura 36- Volume 3, unidade 3, textos de abertura do capítulo 10, páginas 206

Na unidade 3 do volume destinado ao terceiro ano do Ensino Médio, o consumismo é

a temática ambiental que permeia o conteúdo do currículo de Química, que são as reações

orgânicas. Essas reações são as responsáveis pelo processamento do petróleo, pela produção de

106

polímeros e de outros materiais plásticos, o que por sua vez, contribui para a produção de lixo

principalmente na forma de embalagens descartáveis. Os resíduos de plásticos mais encontrados

na composição dos lixos são aqueles provenientes de embalagens (polietileno, politereftalato

de etileno, polipropileno e PVC, entre outros).

O problema é que, embora todas as variedades de materiais plásticos possam ser

recicladas somente cerca de 15% dos plásticos rígidos e filmes consumidos no Brasil retornam

à produção como matéria-prima (ALBUQUERQUE, 2000, p.262). A situação torna-se ainda

pior ao considerarmos que a maioria dos plásticos não é biodegradável o que significa que eles

levarão um longo tempo para se decomporem. Há uma relação direta entre o aumento de

consumo e o aumento do descarte de embalagens – entre estas, as de plástico. Aí retoma-se a

discussão sobre o impacto do aumento de produção de um tipo de lixo que ainda não é

reaproveitado em seu pleno potencial no Brasil e que, como já ficou evidenciado em figuras

anteriores, compõe uma grande parte do lixo disposto incorretamente no Brasil.

Os textos de abertura da unidade 3 do terceiro volume (onde está a figura 36), propõem

uma reflexão sobre práticas de consumo não apenas dos materiais plásticos (que integram o

conteúdo de Química dessa unidade), mas também no tocante a hábitos alimentares (figura 37).

A autora do texto lança mão de argumentos de natureza emocional, como os trechos

transcritos mostram (Volume 3, unidade 3, capítulo 10, página 220.)

Podemos criar um estilo de vida mais simples, que não apenas requeira muito menos

dinheiro, como também nos proporcione tempo para as tarefas que realmente

importam.

Confeccionar algo por conta própria ou preparar uma comida favorita ou sobremesa

especial, sair para um passeio ou nadar, ver um filme juntos pode ser mais

significativo.

O texto retratado na figura 37 não é da autora da coleção mas sua escolha aponta para

uma concordância com as ideias nele contidas. Os trechos que destaquei permitem supor que a

autora situa a questão ambiental fora do terreno político mas apenas dentro do âmbito da

mudança de comportamento e não incentiva uma reflexão dos possíveis ganhos sociais. Propõe

que se destine tempo para as “tarefas que realmente importam” mas não discute quais sejam

estas. Além disso, sugere um novo “estilo de vida” e não a “promoção de uma mudança

cultural”. Nesse sentido, como afirma Layrargues (2006)

Um cidadão “ecologicamente correto”, preocupado com a construção da

sustentabilidade planetária, pode ser um cidadão que adote comportamentos que

favorecem o capital ou o trabalho, o mercado ou a sociedade, os princípios liberais ou

o ideal da justiça distributiva. E tantas outras implicações e decorrências das escolhas

que são feitas, para se corrigir o rumo civilizatório... (p. 2)

107

Figura 37- Volume 3, unidade 3, textos de abertura do capítulo 10, página220.

108

O texto destaca mais a relação dos seres humanos com a natureza do que dos seres

humanos entre si, não discute padrões de riqueza e consumo e propõe mudanças superficiais de

atitude mas associa-as aos aspectos econômicos.

Figura 38- Volume 3, unidade 3, capítulo 10, página 220

109

Se nos textos de abertura do capítulo 10 do volume 3, a autora expõe um

posicionamento superficial e “ingênua” na abordagem de problemas ambientais,

negligenciando seus aspectos sociais, na página 220 do mesmo volume, ela lança mão de uma

perspectiva pragmática de sustentabilidade (figura 38).

A legenda da foto à esquerda do texto da página 220 (figura 38) apresenta a seguinte

legenda:

“Poder de compra: atributo extremamente valorizado na sociedade capitalista, cujos

padrões de consumo já se tornaram insustentáveis. A única saída é o consumo

consciente e sustentável”.

Ao abordar novamente o consumo mas não às questões sociais relacionadas a ele, a

autora sugere que o consumo consciente é sustentável, mas não expõe de qual sustentabilidade

está se referindo. Este tipo de associação, se não reflete uma postura “ingênua”: remete aos

interesses hegemônicos. Consumo sustentável é uma expressão que traz em si sua própria

contradição, pois a preservação dos recursos naturais remanescente depende da redução do

consumo até os níveis da necessidade objetiva (LAYRARGUES, 2002)

Segundo Loureiro & Lima (2012),

No âmbito do debate sobre sustentabilidade, necessidades são vistas tanto no sentido

material quanto simbólico – portanto, econômico e cultural (...). Portanto, sustentável

não é o processo que apenas se preocupa com uma das duas dimensões, mas que

precisa contemplar ambas, o que é um enorme desafio diante de uma sociedade que

prima pelos interesses econômicos acima dos demais. (p.293)

Nessa mesma unidade e capítulo, a autora retoma a discussão da Química Verde

iniciada na abertura do volume 1 da coleção, e já comentada anteriormente. Esta apresentação

da Química Verde é precedida de um parágrafo que procura estabelecer uma relação entre a

temática ambiental – Consumismo – e os conteúdos de Química da unidade, que são as reações

orgânicas.

110

Figura 39- Volume 3, unidade 3, capítulo 10, página 213

111

A unidade 3 do terceiro volume, encerra a apresentação dos conteúdos relacionados à

química orgânica pois as duas unidades subsequentes tratam de bioquímica e radioatividade.

Há uma relação conceitual que pode explicar a copresença dos temas petróleo

(Unidade 1), química orgânica (Unidade 3) e bioquímica (Unidade 4) num mesmo volume da

coleção: os conteúdos de química orgânica constituem um importante fundamento para a

química do petróleo e a bioquímica. Mortimer, Machado e Romanelli (1999, p. 278-279)

propõem que o currículo de Química para o terceiro ano do Ensino Médio contemple os

conteúdos de química orgânica, bioquímica, química ambiental, radioatividade e química e

saúde. Na coleção de livros didáticos analisada, os temas ambientais que perpassam esses

conteúdos são: (i) Consumismo, (ii) Alimentos e aditivos e (iii) Atividade nuclear. Entendo que

esta escolha se deve ao fato de que em currículos tradicionais de Química, a discussão de

assuntos voltados ao meio ambiente, como a própria Química Ambiental é oferecida aos

estudantes do terceiro ano do Ensino Médio.

Para além das tradições escolares, uma razão que aponto como possível para que, junto

à química orgânica, bioquímica, química ambiental, esteja proposta também a Radioatividade

e seus temas afins para o terceiro ano do Ensino Médio – e por decorrência, para o volume final

das coleções de Química – é que, dentre os nove temas estruturador es propostos no PCN+

(BRASIL, 2002) para o ensino desta disciplina, estes dois assuntos estão entre os quatro

últimos. Estes temas são: Reconhecimento e Caracterização das Transformações Químicas;

Primeiros Modelos de Constituição da Matéria; Energia e Transformação Química; Aspectos

dinâmicos das Transformações Químicas; Química e a Atmosfera; Química e a Hidrosfera;

Química e a Litosfera; Química e a Biosfera; e Modelos Quânticos e Propriedades Químicas.

Ao apresentar a organização do trabalho escolar, o texto do próprio PCN+ aponta:

Os quatro primeiros temas estruturadores apresentam uma sequência na qual o

entendimento da transformação química se dá em níveis de complexidade crescentes,

tanto em termos macroscópicos quanto microscópicos, com conteúdos básicos que

favorecem uma visão ampla da Química.

Os quatro temas relacionados à química e sobrevivência (Q5 a Q8), não são

sequenciais, sendo que o entendimento da transformação química é ampliado, em cada

um deles, possibilitando uma visão mais integrada do mundo físico, natural e

construído. (BRASIL, 2002, p.144-145)

Isso pode ser uma explicação para a aparente descontinuidade dos assuntos integrantes

do currículo de Química no terceiro ano do Ensino Médio, retratados pela organização da

coleção didática escolhida bem como outras. Nesta medida, a autora da coleção analisada

aproveita os conteúdos e Radioatividade para discutir as implicações ambientais do uso desta

tecnologia, entre estas, retorno ao tema ambiental focado por esta dissertação, que é o lixo,

112

agora em sua apresentação radioativa.

Ao término do capítulo 20 do terceiro volume, intitulado Período de meia-vida, a

autora apresenta um texto na seção “Curiosidades”, denominado “O acidente de Goiânia”

(página 392). Algumas das personagens reais enunciadas neste texto (ver figura 40) são

relembradas no fechamento desta unidade, do volume e da coleção, na seção “Resgatando o

que foi visto” (página 415) estabelecendo assim, através das pessoas citadas, um fio condutor

do assunto, que é a radioatividade, ao longo da unidade 5(ver figura 42).

O primeiro desses textos é a transcrição de uma matéria jornalística narrando os fatos

que conduziram ao acidente ocorrido em 1987, na cidade de Goiânia, quando uma cápsula de

césio-137, parte integrante de um equipamento de radiologia, foi rompida por dois catadores de

lixo.

Segundo a apostila “Radioatividade” publicada em 2000 pela Comissão Nacional de

Energia Nuclear (CNEN), qualquer instalação que utilize fontes radioativas, deve ter pessoas

qualificadas em radioproteção, para que o manuseio do material seja realizado de forma

adequada (CARDOSO, 2000, p.16). Os locais destinados ao armazenamento provisório de

fontes ou rejeitos devem conter estes materiais com segurança física e radiológica, até que

possam ser removidos para outro local, com aprovação da CNEN.

Anjos et al. (2000) relatam que em setembro de 1987, uma parte de um equipamento

de radioterapia em cujo interior havia uma cápsula com Césio-137, foi retirado dos escombros

do antigo Instituto Goiano de Radioterapia, o qual havia se transferido para outras instalações,

deixando para trás aquele equipamento, sem dar baixa do mesmo junto à CNEN. A sucata foi

desmantelada e as partes metálicas, vendidas para um ferro velho. Ao romper a blindagem,

ficou à mostra o césio, na forma de cloreto, que tem uma cor azul brilhante visível mesmo no

escuro. Cerca de 19 gramas deste material foram distribuídos entre familiares e vizinhos dos

envolvidos na venda da sucata e este contato com o cloreto de césio, causou a morte de quatro

pessoas, dentre 249 contaminadas.

O texto da página 392 do volume 3 (figura 40) foi retirado da edição de número 40 da

revista Ciência Hoje e, apesar de não ser muito extenso, é satisfatoriamente detalhado para

esclarecer aos leitores um panorama de como o acidente ocorreu, suas causas e consequências.

Embora não traga em seu conteúdo qualquer menção ao lixo radioativo, presta-se como uma

boa introdução para as informações que são apresentadas na página subsequente do livro

(p.393) e, nesse caso, imagens e texto tratam com detalhamento suficiente e num nível

apropriado para que um estudante de Ensino Médio seja capaz de acompanhar os aspectos

técnicos do processo químico de descontaminação de lixo radioativo.

113

Figura 40 - Volume 3, unidade 5, capítulo 20, página 392

114

Figura 41 - Volume 3, unidade 5, capítulo 20, página 393

115

Embora o rigor científico das informações contidas no texto da página 39327 (figura

41) seja satisfatório considerando-se que é destinado a estudantes de nível médio, a discussão

que se faz acerca do acidente radioativo não excede a esfera do conhecimento técnico. Não se

observa nenhum comentário que denuncie os motivos pelos quais as pessoas envolvidas,

desmontaram a sucata que continha o Césio-137, para vender o material metálico. O

desconhecimento, a desinformação e, acima de tudo, a necessidade de viver às custas do

comercio do lixo, são questões totalmente negligenciadas nesta inserção da temática “lixo”.

Ao final do capítulo 22, algumas reflexões são propostas na seção “Recuperando o que

foi visto”. O texto (figura 42) destaca a importância do cuidado no uso e descarte de materiais

de tecnologia nuclear, associando também os exemplos dos “acidentes” de Three Miles Island

e de Chernobyl.

Ao citar estes dois exemplos juntamente ao evento brasileiro, aponto para uma

intenção da autora em superar diferenças políticas, geográficas e socioeconômicas, destacando

a necessidade de que todos deem o tratamento apropriado aos rejeitos radioativos. Este tipo de

discussão alinha-se não apenas aos aspectos tecnológicos destes conteúdos mas também às

questões sociais, uma vez que vidas foram perdidas.

Mas a autora também é exemplo da desatenção com as questões afeitas a

radioatividade, na medida em que informa que “uma bomba de cobalto não pode ser deixada

abandonada em um prédio vazio, como se fosse lima sucata qualquer”. Ao tecer estes

comentários, a autora estabelece uma escala de importância/risco entre diferentes tipos de

lixo/sucata/resíduo, abordagem que não tinha feito anteriormente em nenhuma das incidências

desta temáticas observadas e relatadas, ao longo de toda a coleção. O equipamento que a própria

autora mencionou como origem da contaminação, em suas palavras, continha césio e não

cobalto. Revela assim, um descuido na discussão de um assunto que a própria enuncia como de

relevante importância. Além disso, novamente culpabiliza os indivíduos e não o sistema pelo

ocorrido. Embora destaque que os dois catadores não tinham noção do material com que

estavam lidando, não crítica os fatos que levaram estas pessoas a viverem “do lixo”, e a

desconhecerem os sinais de alerta que deveriam mantê-los afastados da lida com este tipo de

material. Ao não criticar o sistema e novamente apontar a culpa para os indivíduos, a autora

mantem uma postura acrítica acerca das implicações sociais e ambientais da radioatividade.

27 Este texto também não é da autora da coleção. Trata-se de uma reprodução do texto de Sonia Fonseca da Rocha

publicado em 20 de agosto de 2009, publicado na revista Navigator Especial.

116

Figura 42 - Volume 3, unidade 5, capítulo 22, página 415

117

Considerações Finais

Ao propor para este trabalho, a temática “lixo” em livros didáticos de Química para o

Ensino Médio, tem sido de grande importância procurar manter o foco na ideia de que venho

estudando uma materialização do currículo escolar. Entendo que esses livros, que integram um

programa governamental de material didático, evidenciam que o currículo não é um território

neutro de escolha do que se ensina para quem, quando e como, mas sim um espaço de conflitos

e disputas entre variadas perspectivas sociais, projetos de organização, produção e transmissão

do conhecimento escolar. Aliás, o próprio processo de disputas também é o que chamamos de

currículo (SILVA, 2012)

Também a escolha de conduzir esta análise segundo uma abordagem prioritariamente

crítica foi feita à luz da certeza de que, embora esta não dê conta de alguns aspectos importantes

da organização curricular, mostrou-se por certo a de maior abrangência, inclusive no que diz

respeito ao espectro de autores com cujos textos pude dialogar. Optei por trabalhar na linha

critica mas com abertura para perspectivas pós-críticas e tendo em vista que, ao se delimitar um

currículo disciplinar existem forças que falam da importância que se atribui aos saberes

contemplados neste currículo, mas existe também a força de onde este currículo é enunciado.

Não há desinteresse ou neutralidade na delimitação de um conjunto de saberes. Os saberes

elencados estão diretamente relacionados com os conceitos de cultura que se pode vislumbrar

nos textos dos livros didáticos. O próprio processo de seleção destes saberes é tão importante

quanto o resultado das escolhas, uma vez que revela as intencionalidades, as visões políticas e

as expectativas dos diferentes grupos que em função disso se articulam para procurar fazer as

suas escolhas se sobressaírem em relação às de outros grupos, de modo acabam sendo

perpetuadas percepções escolares, sociais e culturais consideradas válidas.

Entretanto, se o livro didático tem um potencial para a reprodução dos valores culturais

hegemonicamente ratificados e que criam um padrão repetitivo, ao se expor estes valores, abre-

se um espaço para a contestação destes mesmos padrões. Soma-se a essa importância dos

conteúdos intencionalmente selecionados para integrar os livros didáticos, a importância deste

recurso em si. Segundo Midões (2009),

O livro didático é um dos recursos pedagógicos mais utilizados em sala de aula,

exercendo grande influência nos processos de ensino e aprendizagem. Assim, é

relevante analisar como os conteúdos e metodologias são apresentados por este

material. No ano de 2005, foi lançado o edital do Programa Nacional do Livro

Didático para o Ensino Médio (PNLEM-2007), que divulgou os princípios e as

orientações para a avaliação dos livros didáticos. No caso do PNLEM de Química, de

um total de 21 livros submetidos, apenas seis foram recomendados, sendo dois deles

oriundos de projetos de pesquisa em Ensino de Química. (p.1)

118

Levando em consideração a tendência CTS no ensino de Química, a temática

socioambiental “lixo” pode se relacionar a qualquer uma destas categorias – ciência, tecnologia,

sociedade – ou mesmo a nenhuma, dependendo da forma como é apresentada e discutida. Na

coleção escolhida para esta dissertação, esta temática dialoga e se mescla aos textos principais,

sendo tema de discussões de conteúdos de Química e trazendo a disciplina escolar Química

para o centro das discussões de questões sociais e ambientais em diversos momentos. Esta

temática excede a condição de coadjuvante do currículo apresentado nos livros. Ao longo dos

três volumes da coleção escolhida para esta dissertação, a temática “lixo”, foi- se delineando

não apenas como um tema ambiental mas, pela discussão de aspectos sociais relacionados ao

lixo, este foi tratado com uma questão socioambiental. A inserção da temática não se deu apenas

em boxes, texto paralelos ou complementares, ou ainda limitando-se a exemplos úteis aos

conteúdos gerais de Química destinados ao Ensino Médio. Este assunto estava também no

centro das discussões, associado aos conhecimentos da Química, em propostas de discussão e

reflexão.

A forma entrelaçada como a temática “lixo” apresenta-se distribuída ao longo dos três

volumes da coleção escolhida representou um ponto de interrogação ao longo de minha análise.

Uma vez que a escolha para esta dissertação foi a de conduzir uma análise pontual, que não

levava em consideração mudanças ao longo do tempo, faltavam-me dados para entender se a

discussão dessa temática ou, pelo menos, de temas CTS ficavam à margem dos componentes

curriculares da Química ou a eles se mesclavam. A resposta para essa questão veio através da

dissertação de mestrado de Midões (2009), que analisou os livros de Química integrantes do

PNLEM de 2007. Nessa edição, de um total de vinte e uma submissões, somente seis títulos –

entre coleções de três volumes e volumes únicos - foram aprovados. Em seus resultados, essa

autora relata que “apenas um livro apresentou uma organização curricular centrada em temas

de interesse social e os demais foram organizados a partir dos conteúdos específicos de Química

(p.1). Na maioria dos livros as interrelações Ciência, Tecnologia e Sociedade não permeiam o

texto principal, sendo apresentadas na forma de box ou ao final dos capítulos. Assim, observou-

se que tais relações têm a função de motivação ou de ilustração, estando distantes da abordagem

CTS defendida por muitos pesquisadores que visa à formação do cidadão, como SANTOS e

MORTIMER (2001). ”

O trabalho de Midões (2009) foi uma contribuição oportuna que me permitiu pensar

que a coleção “Química: meio ambiente, ciência e tecnologia” de Martha Reis Marques da

Fonseca pode ser percebida em suas relações com as coleções analisadas nesse trabalho, uma

vez que trata da mesma disciplina do Ensino Médio e integra o mesmo programa

119

governamental. Neste caso, a coleção “Química: meio ambiente, ciência e tecnologia” é uma

das cinco coleções integrantes do PNLEM de 2012, resultantes de uma seleção a partir de

dezenove títulos.

Os movimentos sociais das décadas de 1960 e 1970 concorreram para uma reflexão

sobre os progressos científicos e tecnológicos e suas consequências e, por decorrência para uma

proposta de reorientação destes avanços. O movimento CTS surgiu no âmbito destas discussões,

como uma proposta de caráter interdisciplinar que relaciona a natureza social do conhecimento

científico e tecnológico com suas implicações nos diferentes âmbitos econômicos, sociais,

ambientais e culturais (OSÓRIO, 2002). Este movimento critica a separação entre bem estar

social e desenvolvimento científico e tecnológico, assumindo que a melhoria da qualidade de

vida deveria acompanhar os avanços da tecnologia. Propõe que se discuta como as descobertas

científicas e suas consequentes aplicações tecnológicas relacionam-se com outros

desenvolvimentos sociais, na cultura, na ética e nas questões ambientais.

Segundo Pinheiro e Bazzo (2005), o movimento CTS no âmbito internacional está

presente nos periódicos da área de Ensino de Ciências, com destaque para a Revista

Science & Education e International Journal of Science Education, que publicou um

volume especial, o Special Issues: Science, Technology and Society (v. 10, n. 4, 1988)

sobre a educação CTS. Mais recentemente, em 2006, a International Organization for

Science and Technology Education (IOSTE) realizou seu décimo segundo simpósio

internacional, com o intuito de discutir assuntos que envolvem o contexto científico,

tecnológico e social. (MASCIO, 2009, p.10)

Os objetivos principais da abordagem CTS são: desenvolver habilidades de previsão

das consequências de ações tecnológicas e científicas; e agir de forma social e ambientalmente

responsável para prevenir e/ou solucionar problemas decorrentes de processos produtivos. A

proposta CTS não pretende fazer uma crítica radical da ciência mas sim fazer do conhecimento

científico e tecnológico também um objeto de estudos das ciências sociais. A proposta de um

currículo de Química que ajude a desenvolver nos estudantes a possibilidade de decidir de

forma responsável, acerca de assuntos inerentes à ciência e tecnologia na sociedade, é o foco

do ensino CTS (SANTOS & MORTIMER, 2001). Desse modo, as questões da Educação

Ambiental e as propostas do ensino CTS podem dialogar no contexto do currículo de Química

para o Ensino Médio propondo debates sobre as atribuições da ciência, da tecnologia e de suas

relações com a sociedade e discutindo tantos os temas que tradicionalmente integram este

currículo como também assuntos tais como as consequências da produção industrial de bens.

Sendo assim, pode-se considerar que o tema “lixo” é de grande importância já que impacta não

apenas a cadeia produtiva mas igualmente o bem estar social.

Entretanto, seria muita “ingenuidade” assumir que o movimento CTS seria o bastante

120

para que a formação escolar viabilizasse apenas de per si uma formação mais cidadã dos

estudantes. Tratando mais especificamente das questões sócio ambientais, as distorções, a

exploração, o desrespeito às necessidades individuais das mais diversas naturezas, continua

posto. Educação escolar é um processo que repete a sociedade ao seu redor e não há mágica

para romper com a injustiça social. O que se observa de uma maneira quase que generalizada é

que o avanço da tecnologia contribui mais para o agravamento das mazelas socioambientais do

que para a melhoria da qualidade de vida.

Para Boaventura Santos (1998), o motivo deste agravamento de injustiças sociais se

deve a uma perspectiva pragmática de ciência que valida apenas o que se pode testar, quantificar

e generalizar, preservando assim, uma concepção simplista de ciência objetiva, neutra e alheia

ao uso que a sociedade faz da mesma, e que despreza os aspectos sócio-históricos relacionados

às atividades científicas e tecnológicas. Essa perspectiva tem levado a uma noção equivocada

de que é necessário estabelecer no ensino escolar atual, relações inequívocas entre a ciência, a

tecnologia e sociedade. Essa ideia vem na contramão da possibilidade de que cidadãos opinem

sobre os avanços científicos e tecnológicos contemporâneos e proponham ações sobre a

validade e a adequação desses avanços para suas vidas.

Como mencionado no início do capítulo 3, as obras inscritas no PNLD 2012 (BRASIL,

2011) foram avaliadas segundo critérios definidos previamente no Edital, alguns dos quais eram

específicos para a disciplina escolar Química, caracterizada como “como um conjunto de

conhecimentos, práticas e habilidades voltadas à compreensão do mundo material nas suas

diferentes dimensões”. (BRASIL, 2011, p.9). Dentre os parâmetros analisados, destaquei a

preocupação de que os livros didáticos apresentassem a Química como uma ciência interessada

com a dimensão ambiental dos problemas contemporâneos, levando em conta também os

processos humanos subjacentes aos modos de produção do mundo do trabalho; e de que é

falaciosa a perspectiva de uma permanente responsabilidade desta ciência por problemas

ambientais (BRASIL, 2011). Partindo destas orientações, assumi que o diálogo da Química

com as questões ambientais não apenas deveria estar presente nos livros didáticos submetidos

à apreciação para integrar o PNLEM-2012. A ausência desse diálogo seria, portanto, um critério

de exclusão no processo seletivo.

Essas informações vêm ao encontro da perspectiva de que, a despeito das iniciativas

de grupos disciplinares bem como das orientações legais, a disciplina escolar Química ainda

apresenta um vínculo importante com tendências à transmissão de informações, à aprendizagem

mecânica de definições e de leis, na memorização de fórmulas e equações, numa sucessão de

informações desligadas de suas reais compreensões. E mesmo quando o conteúdo do livro

121

didático contempla assuntos que escapam às tradições do ensino de Química, buscando

contextualizar os temas abordados, este não necessariamente traz este saber para perto da

realidade do aluno porque contextos e cotidianos são perspectivas múltiplas, são pontos de vista

que não necessariamente dialogam entre si. Ao contextualizar, o livro pode situar um saber em

um ambiente que continua distante da realidade do estudante. Assim, ao contextualizar o saber

num cotidiano distante dos estudantes, estes permanecem alienado do saber não porque não

lhes tenha sido apresentado um dado conteúdo, mas por desconhecerem a realidade ofertada

como contexto. Para Fracalanza, Amaral e Gouveia (1986), o interesse na cotidianidade

presente nos processos de contextualização, não é uma limitação dos conhecimentos dos alunos

à realidade imediata mas algo que possibilite ao estudante compreender melhor o conteúdo

escolar pela compreensão do contexto.

Uma forma de contextualização que não dialoga com a realidade do estudante pode

acabar por espoliá-lo do conhecimento. Isto pode criar, como proposto por Boaventura Santos

(2010), uma linha abissal entre o que o estudante pode e não pode perceber. E, ao contextualizar

os conteúdos escolares na perspectiva do cotidiano, emerge a necessidade de contextualizá-los

no conjunto das disciplinas escolares, relacionando e/ou situando os saberes no contexto de

cada disciplina escolar como entre as diferentes disciplinas do currículo escolar. De fato,

conforme apontado nas DCNEM (BRASIL, 1998), interdisciplinaridade e contextualização são

princípios organizadores do currículo que permitem ampliar as inúmeras possibilidades de

interação entre disciplinas e entre áreas nas quais estas disciplinas estão agrupadas.

Na coleção de livros didáticos analisada nesta dissertação está posta a proposta de

viabilizar a alunos e professores uma reflexão mais crítica sobre as relações que envolvem o

meio ambiente. Tal proposta é evidenciada nos conteúdos textuais e nas imagens. Entretanto,

na maioria das vezes, apresenta poucos questionamentos sobre os temas tratados não

aprofundando seu potencial crítico para a formação dos estudantes. Aspectos relacionados ao

“lixo” parecem se aproximar de ideais preconizados por uma Educação Ambiental crítica, mas

são tratados de forma pragmática, favorecendo um trabalho educacional mais voltado para a

aquisição de conceitos da Química. Dessa maneira, as questões socioambientais ligadas à

degradação ambiental e à redução da qualidade de vida dos seres humanos e demais seres vivos

são minimizadas. Esse tipo de abordagem não concorre para a formação de sujeitos críticos e

participativos.

Nessa coleção, os processos químicos e suas consequências são abordados, mas ainda

de forma dicotômica: o bem e o mal, o certo e o errado, o que preserva a natureza e o que a

destrói. As possibilidades de crítica parecem estar invisibilizadas como se não existissem. Isso

122

pode ser interpretado como um possível processo de descolamento de uma perspectiva

tradicional do ensino de Química, conteudista e apartada da realidade socioambiental para

perspectivas que valorizam a contextualização, a interdicisplinaridade e, portanto, o potencial

crítico do ensino de Química. Isso evidencia uma possibilidade de ruptura com modelos

ultrapassados ao enunciar e associar as questões ambientais aos conteúdos de Química logo a

partir do início do primeiro volume. Mas à medida que as discussões avançam, ao longo da

apresentação dos conteúdos de ensino dos três livros, observa-se que as abordagens

relacionadas ao “lixo” não são críticas. São pragmáticas, não aprofundando a discussão sobre

as consequências do processo industrial de produção de bens. O “lixo” é apresentado repetidas

vezes como algo problemático na cadeia produtiva, mas não há uma crítica a esta cadeia.

A temática ambiental “lixo” encontra-se dispersa ao longo dos três volumes – ainda

que existam pontos de concentração até porque alguns temas do currículo de Química parecem

ser mais propícios ao diálogo com essa temática, assim como com outros temas tais como a

poluição de corpos de água e do ar, a mudança no hábito alimentar de consumo de carne em

prol de uma menor geração de gases do efeito estufa. A presença desses assuntos indica a

existências de oscilações entre tradições curriculares acadêmicas, utilitárias e pedagógicas nas

disputas que ocorrem no interior dos grupos disciplinares de ensino de Química. (GOODSON,

2001).

Assim, quando os conteúdos da Química propostos nestes livros didáticos não

conseguem exceder os limites de modelos teóricos abstratos e desvinculados da realidade, por

mais que se apresentem exemplos e associações com a temática “lixo” ou quaisquer outras

temáticas ambientais, não são superadas as características de uma tradição acadêmica no ensino

desta disciplina. Além disso, essas associações acabam por se revestir por um conservacionista

ou pragmático, em relação ao campo da Educação Ambiental, não promovendo um avanço em

discussões que possam contribuir de maneira mais ampla para a compreensão do real. Não há

dúvida de que a geração de lixo deve ser minimizada, de que o descarte deve ser feito de forma

apropriada e que a reciclagem ajuda a minimizar os impactos perversos dos resíduos advindos

da produção de bens de consumo. No entanto, quando a discussão de temas ambientais como é

o “lixo”, naturaliza o óbvio e não possibilita uma discussão que exceda o consenso e a

experiência prática, quando não se promove o debate e a questão ambiental fica restrita a uma

associação de conteúdos escolares, o aprendizado que se efetiva é aquele que atende à

reprodução dos modelos hegemônicos.

A adoção de um estilo de vida “sustentável” como uma solução para a redução da

geração de lixo ou para um descarte adequado, sem discussões não é uma mera questão de

123

escolha. Qual é o tipo de sustentabilidade que advém desta educação sem reflexão? Esse tipo

de discussão consensual traz um apagamento dos conflitos sociais que permeiam as questões

ambientais, principalmente as que envolvem a geração, o descarte e a lida com o lixo. Há na

coleção escolhida, diversas imagens que associam pessoas a estas situações: crianças

manuseando resíduos em um “lixão”, cidadãos cuja apresentação sugere uma condição de

vulnerabilidade social (pobres, com menor escolaridade ou de etnias desprivilegiadas) lidando

com o lixo em processos de reciclagem, sem que estejam evidentes todos os necessários

equipamentos de proteção individual. Mas não há a necessária e suficiente discussão – ou pelo

menos a proposta para a mesma – do porquê que apenas estes segmentos sociais lidam com o

lixo.

Desta forma, a inserção da temática ambiental “lixo” em livros didáticos de Química

atende mais a uma macrotendência pragmática do que à crítica, pois dá mais destaque àquela

temática pelo foco da coleta seletiva, da reciclagem de resíduos como matéria prima para a

produção industrial, sem esclarecer sua orientação político-pedagógica nem interferir em

conflitos socioambientais, privilegiando ações individuais e comportamentais no âmbito

doméstico e privado, de forma a-histórica, apolítica, conteudística, instrumental e normativa

(LAYRARGUES, 2012).

Segundo Boaventura Santos (2010), o pensamento moderno estabelece linhas abissais

que dividem a realidade social em dois universos distintos que, nas suas palavras, podem ser

caracterizados como “deste lado da linha” e “do outro lado da linha”. Este último é produzido

enquanto não existência. Mas, “a característica fundamental do pensamento abissal é a

impossibilidade da copresença dos dois lados da linha” (SANTOS, 2010, p.31). O autor

argumenta que as linhas cartográficas "abissais" que demarcavam o Velho e o Novo Mundo na

era colonial perduram estruturalmente no pensamento moderno ocidental e continuam sendo

características das relações políticas e culturais excludentes mantidas no sistema mundial

contemporâneo. Estas linhas invisíveis que dividem o mundo em países desenvolvidos,

subdesenvolvidos e evidencia as dominações econômicas, políticas e culturais, são reveladas

por um lado na hierarquização dos saberes e, por outro, na negação de diversidades sociais.

Estas diversidades não podem ser entendidas apenas pela óptica do direito ao acesso a alguns

bens e serviços. É preciso considerar também os direitos de integração, que são aqueles que

faculta aos indivíduos o pleno direito de viver em sociedade, envolvidos no seu processo

político-democrático.

Na coleção aqui analisada, a perspectiva desse autor contribui para a identificação dos

diversos lados das linhas abissais. Os grupos socialmente vulneráveis, vítimas de alguma forma

124

de “racismo ambiental” (HERCULANO, 2006, p.11)28 aparecem, principalmente em imagens

(embora também haja, em menor quantidade, a menção em textos) associados à lida do lixo,

enquanto os tipos humanos associados às classes hegemônicas representam os geradores de lixo

pela ação do consumo. As imagens que evocam os danos ambientais estão sistematicamente

desprovidas de figuras humanas, como se a ação predatória não tivesse autores, como se o

consumo não tivesse consequências e como se os únicos responsáveis pela recuperação dos

danos fossem os grupos vulneráveis.

Como mencionado no capítulo 2, ao discutir “O lixo e as tradições do ensino de

Química” no Brasil há indícios históricos que sugerem a associação de cidadãos pobres, negros

e pardos à lida do lixo. Não se trata de uma questão de senso comum mas de uma condição de

vulnerabilidade e desprestigio social perpetuada ao longo da história. Imagens que reforçam

esta separação social, invisibilizam também o sentido de cidadania e de direitos destes grupos

sociais que ainda encontram um espaço relativamente pequeno na nossa sociedade, apesar da

luta de tantos movimentos e pessoas em favor de uma sociedade que não trate as diferenças

como desigualdades. Isso se reflete no campo ambiental, a falta de apreço pelo espaço comum

e pelo meio ambiente se confunde com o desprezo pelas pessoas e comunidades. Nesse sentido,

a coleção didática analisada traz as questões ambientais como conteúdos de Química, mas algo

continua invisível.

Foi possível perceber que, no material investigado, está posta a necessidade de

viabilizar a alunos e professores uma reflexão mais crítica sobre as relações que envolvem o

meio ambiente com seus conteúdos, imagens, atividades e atividades complementares. No

entanto, esses temas são tratados com pouca profundidade e carecem de abordagens que

explorem o seu potencial formativo dos estudantes. Determinados aspectos relacionados ao

“lixo”, por exemplo, são tratados de forma pragmática, favorecendo um trabalho educacional

mais voltado para a aquisição de conceitos da Química, sem possibilitar a discussão de questões

socioambientais ligadas à degradação ambiental e à redução da qualidade de vida dos seres

humanos e demais seres vivos. Esse tipo de abordagem não concorre para a formação de sujeitos

críticos e participativos.

28 Segundo Selene Herculano, o racismo ambiental é definido como, um conjunto de ideias e práticas das

sociedades e seus governos que aceitam a degradação ambiental e humana, sob uma alegada busca do

desenvolvimento que naturaliza implicitamente a inferioridade de segmentos da população afetados – negros,

índios, migrantes, extrativistas, pescadores, trabalhadores pobres, que sofrem os impactos negativos do

crescimento econômico e a quem é imputado o sacrifício em prol de um benefício para os demais. A autora propõe

que a primeira manifestação contra o racismo ambiental surgiu na década de 1990, na Carolina do Norte, Estados

Unidos, quando um grupo de indivíduos negros protestou contra a instalação de um aterro contendo compostos

organoclorados, na comunidade em que residiam.

125

Nesse sentido, nos livros didáticos analisados, há a proposição de reflexões acerca dos

riscos e consequências da disposição inadequada do lixo e do aumento de sua produção. Mas,

paralelamente a isso, há o enaltecimento da indústria da reciclagem como uma forma de

enriquecimento e de “sustentabilidade” do sistema produtivo. É adotada assim uma perspectiva,

que pode parecer “ingênua”, não crítica. Entendo que seu enfoque é, na verdade pragmático

pois, se num volume da coleção, propõe uma postura mais consciente em termos de hábitos de

consumo (volume 3), se servindo de estratégias de alto impacto visual29, num momento anterior,

faz uma apologia à sustentabilidade dos recursos.

Porém, é importante destacar que o professor tem o importante papel de transformar,

questionar e refletir sobre as informações contidas em livros didáticos. A figura do professor é

primordial na ação escolar, porque suas opções, relacionadas ao uso desses materiais em sala

de aula, são repletas de facetas e peculiaridades específicas (FERREIRA, 2013)30

"o professor tem uma função na educação que vai além daquela de um simples

reprodutor de saberes, superando isto ao compartilhar com os alunos novas visões de

mundo, estimular transformações e assumir um papel de professor que interfere

diretamente na realidade educacional, política, social e cultural dos educandos."(p.16)

Ao longo das muitas e variadas inserções da temática “lixo” e seus desdobramentos

que dialogam com outras temáticas ambientais, como a poluição de corpos d’água por exemplo,

é evocada a proteção ao meio ambiente, com pouco ou nenhum destaque para as relações com

a luta contra a pobreza e a desigualdade social. Como apresentei no começo destas

considerações finais, entendo que esta coleção representa um avanço ao trazer a temática

ambiental “lixo” para o centro dos conteúdos de Química, diferentemente do que relata Midões

(2009) quanto ao posicionamento das discussões ambientais em livros de Química do PNLEM

anterior. Porém, esta presença ainda se mostra muito voltada para uma perspectiva acrítica,

desenvolvimentista e cientificista de ciência, capaz de responder às expectativas hegemônicas

correntes que visam a rentabilização de capitais em nome da geração de emprego e renda, como

uma forma de legitimar questões ambientais.

O tema “lixo” permanece relacionado principalmente às tradições do ensino de

química, ou seja, como um conhecimento químico. Uma evidência é o fato de que a discussão

29 Refiro-me ao vídeo “A carne é fraca”, produzido em 2004 pelo Instituto Nina Rosa. No website do instituto, o

vídeo é apresentado da seguinte forma: “Alguma vez você já pensou na trajetória de um bife antes de chegar ao

seu prato? Nós pesquisamos isso para você e contamos neste documentário aquilo que não é divulgado. Saiba os

impactos que esse ato – de comer carne representa para a sua saúde, para os animais e para o planeta. Com

depoimentos dos jornalistas Washington Novaes e Dagomir Marquezi, entre outros”. Disponível em

http://www.institutoninarosa.org.br/site/material-educativo-2/a-carne-e-fraca/ . Acessado em 19/05/2014. 30

126

desta temática domina a apresentação dos conteúdos de “Separação de Misturas”, presentes no

volume 1. Nesta seção e em outras ao longo da coleção, a autora não faz uma crítica consistente

ao processo produtivo ficando prioritariamente no âmbito das considerações sobre a disposição

de resíduos. Os processos químicos e suas consequências são apresentados de forma

dicotômica: o bem e o mal, o certo e o errado; não há crítica, não há meio termo. A autora

demonstra boas intenções ao enunciar e associar as questões ambientais aos conteúdos de

Química logo no início do primeiro volume, mas não o faz de forma crítica pois não traz uma

discussão do processo industrial, deixando uma lacuna a ser ocupada pelo viés pragmático.

Entretanto, há que se destacar que o avanço nessas discussões se evidencia também em

pequenos indícios. Por exemplo, a autora imprime ao livro uma marca de coerência com a ideia

da conservação ao apresentar em diversas páginas – principalmente nos exercícios – um

“carimbo” (ver figura 22) para não escrever no livro didático.

É importante lembrar que, dos problemas ambientais contemporâneos, o lixo é

provavelmente o de origem mais antiga. Nas primeiras formas de sociedade, o homem convivia

em interior de cavernas que habitava, com os resíduos de caças e restos de animais com os quais

se alimentava. Ao construir seus primeiros aldeamentos, passou a jogar o lixo em sua periferia

(VALLE, 2004). A diferença entre ser um problema social ou um interesse para os processos

produtivos está na forma como ele impacta diferentemente os indivíduos, separando-os e

submetendo-os a condições desiguais e degradantes. É também indiscutível a importância da

reciclagem dos resíduos. Suspeito que com a mitigação dos recursos naturais e a elevação dos

custos e riscos da extração dos mesmos, a evolução de técnicas de reciclagem de materiais

poderá dar lugar a uma cultura da matéria-prima a ser reaproveitada e palavra lixo não venha

mais a ser usada, sendo substituída pela expressão “resíduos sólidos”. A questão é que esta

mudança tem que ser acompanhada de mudanças em seus componentes sociais, de forma que

o lixo não seja mais uma marca associada a negros, pobres e outros grupos em condições de

precária existência. Se o lixo pode ser reciclado, é imprescindível reciclar também as

concepções sócio ambientais associadas a estas pessoas.

Um último aspecto relacionado ao conteúdo da coleção escolhida que carecia de

discussão é o que trata da organização dos assuntos integrantes do currículo de Química para o

Ensino Médio. Como mencionei anteriormente, considero que uma das “tradições curriculares”,

como propostas por Goodson (2001), que vêm moldando os currículos da disciplina escolar

Química ao longo de sua história, é a sequência dos conteúdos a ensinar ao longo das três séries

do Ensino Médio. No primeiro ano, é comum dar ênfase à apresentação dos conteúdos de

atomística e constituição da matéria, sendo apresentados conceitos fundamentais da Química.

127

É ainda compartilhada a linguagem básica da Química. Em seguida, os conteúdos de físico

química são discutidos no segundo ano e, no terceiro ano, química orgânica, bioquímica e

química ambiental. Observando a proposta programática dos livros da coleção analisada, é

possível notar uma ênfase na articulação entre as questões ambientais e os conteúdos da

Química, embora a sequência destes conteúdos siga essa tradição característica do ensino de

Química. Ou seja, a autora organiza os conteúdos de Química na forma como usualmente se

apresentam nos livros didáticos de Química para o Ensino Médio31, mas buscando associá-los

a temáticas ambientais com as quais aqueles conteúdos tem capacidade de dialogar

“cientificamente”. E estas temáticas aparecem ao longo dos três volumes como eixos

organizadores da discussão das questões ambientais no âmbito dos conteúdos de Química. Mas

é arriscado imputar o adjetivo “tradicional” a esta forma de sequenciação, ainda que na análise

prévia das coleções integrantes do PNLEM de 2012, o mesmo tenha sido observado nas outras

quatro coleções que não foram discutidas nesta dissertação pois, como Neto (2003) aponta

A organização é um item bastante importante na avaliação de uma obra didática, uma

vez que pode implicar decisivamente no planejamento das atividades do professor que

adota o livro. Pode-se interpretar que o professor, via de regra, adota um livro porque

concorda com sua organização e assim sendo planeja executar suas atividades na

sequência que é proposta por ele. Um dos motivos para essa aceitação é o

entendimento que o professor tem a respeito da existência de relações de precedência

entre os temas ou conceitos presentes na obra. Por exemplo, se o tema C é precedido

por B que é precedido por A, implicando a relação {A, B, C}, não parece sensato

apresentar C antes de B ou de A, uma vez que podem existir noções ou conceitos

cruciais em A ou B que impeçam ou dificultem a correta apreensão do tema C. É claro

que o professor possui autonomia na execução de suas atividades e que poderia

apresentar o que considera necessário para a apreensão de um determinado tema, sem

se influenciar pela ordem que aparece no livro. No entanto, a literatura revela

(Santomé, 2000) que existe uma forte relação entre a organização apresentada nos

livros e a praticada pelos professores em sala de aula. (p.136).

Tendo analisado onze títulos de Química para o Ensino Médio, compreendidos entre

os anos de 1998 a 2001, alguns na forma de volume único e outros na forma do volume

destinado ao primeiro ano, esse autor identificou a existência de um padrão de grande

regularidade na sequência dos temas de primeiro ano. Embora não tenha relatado se o mesmo

fenômeno se repete para os conteúdos de segundo e terceiro anos do Ensino Médio, acho seguro

assumir que isso acontece. E considerando que os estudos que deram origem a sua dissertação

já distam onze anos do momento atual, aponto com segurança que a distribuição de temas

adotada na coleção por mim analisada, encaixa-se numa perspectiva de “tradição” do ensino de

Química, uma vez que segue uma distribuição que praticamente não difere da observada por

31 Essa consistência no padrão de sequenciação dos conteúdos de Química para o Ensino Médio pode ser constatada

pela observação das tabelas presentes no anexo A, que traz as inserções da temática “lixo” identificadas nas cinco

coleções previamente avaliadas.

128

Neto (2003).

Desta forma, após a seleção prévia de uma dentre as cinco coleções integrantes do

PNLEM-2012, a análise mais detalhada da coleção escolhida, me permite argumentar que a

temática ambiental “lixo” encontra-se entrelaçada aos conteúdos tradicionais do currículo de

Química. A sua posição não é periférica, tem a mesma relevância que outros conteúdos. Porém,

essa seleção curricular ainda se apresenta de forma muito subordinada aos currículos

tradicionais desta disciplina, revelando-os como um espaço de disputa por status e

reconhecimento. Nesse espaço já se pode reconhecer a importância da discussão de questões

ambientais, mas que ainda não avançou para uma perspectiva sócio ambiental contemporânea.

A presença deste conflito revela padrões de persistência curricular face ao ingresso de

inovações que buscam trazer em seu bojo os debates de legítimas preocupações ambientais e

sociais, relacionadas ao lixo, que é uma presença inevitável em uma sociedade industrializada,

que incentiva o consumo e que ainda busca naturalizar as relações de exploração exaustiva da

natureza sob a justificativa falaciosa do desenvolvimento como um bem para todos. Assim,

pude perceber que a presença do “lixo”, tão relevante dentre outros temas ambientais, ainda não

dá conta das questões que separam e diferenciam os indivíduos, invisibilizando estas distinções

e reforçando a necessidade de que este debate se aprofunde no âmbito escolar.

A investigação destes materiais reforçou a noção da grande representatividade dos

livros didáticos enquanto material escolar de mais ampla abrangência no Brasil e a necessidade

de se manter uma constante investigação do que neles se apresenta, sob o risco de que pelas

mãos e interesses de grupos hegemônicos, a construção do saber escolar atenda aos interesses

exclusivos daqueles grupos. Além disso, o trabalho trouxe à luz a persistência de conflitos

nestes materiais didáticos, que refletem os currículos da mesma disciplina, mas também

despertou em mim o interesse na continuidade do exame e da exploração dos currículos desta

disciplina ao longo de sua história e talvez em outros segmentos. Creio ser este um relevante

objeto de pesquisa que faz jus à continuidade de investigações posteriores. Por estas reflexões,

chego ao fim deste texto com a certeza de que todo o esforço resultou em informações

relevantes, que espero, possam contribuir também nas indagações de outros pesquisadores. Este

“fim”, como muitos outros, é transitório pois a cada ponto final segue-se uma nova frase e novos

questionamentos.

129

Bibliografia

ABREU, Rozana G.; GOMES, Maria Margarida; LOPES, Alice Casimiro. Contextualização e

tecnologias em livros didáticos de Biologia e Química. Investigações em Ensino de

Ciências, v.10, n.3, p. 405 - 417, 2005

ABREU, Rozana Gomes de; DIAS, Rosanne Evangelista. Discursos do mundo do trabalho nos

livros didáticos do ensino médio. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n.32,

maio/ago, 2006

ALBUQUERQUE, J. A. C. O Planeta Plástico. Porto Alegre: Sagra Seuzzatto, 2000, p. 258-

269.

ANATAS, P. T.; WARNER, J. Green Chemistry: Theory and Practice. Oxford: Oxford

University Press, 1998.

ANJOS. R. Meigikos et al. Estudo do acidente radiológico de Goiânia no ensino de Física

Moderna. Revista Brasileira do Ensino de Física. V.22, n.1, p.60-70, março 2000.

BEBER, Laís Basso Costa; MALDANER, Otávio Aloísio. Cotidiano e Contextualização na

Educação Química: discursos diferentes, significados próximos. Atas do VIII ENPEC.

Campinas, 2011

BESEN, Gina Rizpah. Programas municipais de coleta seletiva em parceira com organizações

de catadores na região metropolitana de São Paulo: desafios e perspectivas. 2006.

207 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

BRAILOVSKY, Antonio Elio Ésta, nuestra única tierra: introducción a la ecología y medio

ambiente. Ituzaingó: Editorial Maipue, 2004.

BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A.

(orgs.) Escritos de Educação, 3ª ed., Petrópolis: Vozes, 2001, pp.73-79.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.

CARDOSO, E. M. Radioatividade. Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; 2000.

Disponível em http://www.cnen.gov.br. Acessado em 02/05/2014

CHASSOT, Attico Inácio. A Educação no Ensino de Química. Ijuí: Unijuí, 1990.

CHASSOT, Attico Inácio. Uma história da educação química brasileira: sobre seu início

discutível apenas a partir dos conquistadores. Epistéme, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p.

129-146, 1996.

CHASSOT, Attico Inácio. Alfabetização Científica: questões e desafios para a educação. Ijuí:

Unijuí, 2003a. 3.ed.

130

CHASSOT, Attico Inácio. Attico. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão

social. Rev. Bras. Educ., Jan./Abr., nº.22, p.89-100, 2003b.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.

Teoria e Educação, Porto Alegre, v. 2, 1990, p. 177-229.

CRUZ, Maria Leonor Ferreira Rodrigues. A caracterização de resíduos sólidos no âmbito da

gestão integrada. 2005. 155 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Minho,

Braga, Portugal, 2005.

EIGENHEER, Emílio Maciel. Lixo: a limpeza urbana através dos séculos. Porto Alegre:

Gráfica Pallotti, 1992. Disponível em

http://www.lixoeeducacao.uerj.br/imagens/pdf/ahistoriadolixo.pdf. Acessado em 30

de janeiro de 2013.

FRACALANZA, H.; AMARAL, I. A.; GOUVEIA, M. S. F. O ensino de ciências no primeiro

grau. São Paulo: Atual, 1986

FERREIRA, Marcia. Serra; SELLES, Sandra. Escovedo. Análise de livros didáticos em

Ciências: entre as ciências de referência e as finalidades sociais da escolarização.

Educação em Foco (UFJF), Juiz de Fora, v. 8, n.1-2, p. 63-78, 2003.

FERREIRA, V. F., DA ROCHA, D. R., DA SILVA, F. C. Química Verde, Economia

Sustentável e Qualidade de Vida. Revista Virtual de Química, 2014, Vol. 6, N. 1, p.

85-111. Data de publicação na Web: 12 de outubro de 2013. Disponível em

http://www.uff.br/rvq. Acessada em 29/03/2014

FORQUIN, Jean Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento

escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

FREIRE, Leila Inês Follmann. O pensamento crítico no ensino de Química a partir do enfoque

CTS. Anais do XIV Encontro Nacional de Ensino de Química, Curitiba, 2008.

FREITAG, Bárbara, et. all. O Livro didático em questão. São Paulo: Cortez Autores

Associados, 1989.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1ª ed., 13ª reimpressão,

2008.

GOMES, Maria Margarida Pereira de Lima. Conhecimentos ecológicos em livros didáticos de

ciências: aspectos sócio-históricos de sua constituição. 260 f. Tese (Doutorado) -

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.

GOMES, Maria Margarida de Lima; SELLES, Sandra Escovedo; LOPES, Alice Casimiro.

Currículo de Ciências: estabilidade e mudança em livros didáticos. Educação e

131

Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 477-492, Junho/2013

GOODSON, Ivor F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: EDUCA 1997.

GOODSON, Ivor F. Para além do monólito disciplinar: tradições e subculturas. In: O

Currículo em Mudança: estudos na construção social do currículo. Porto: Porto Ed.,

p. 173-194, 2001.

GOODSON, Ivor F. Estudio del currículum. Casos y métodos. Buenos Aires: Amorrortu, 2003.

GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

GOODSON, Ivor F., & BALL, Stephen (Ed.). Defining the curriculum: Histories and

Ethnographies. London, New York and Philadelphia Falmer, 1984.

GORROÑO, Maria Eugênia Martínez. (2001). Currículum de Educación Física y

características de los materiales curriculares. In: Revista Tándem: Didáctica de la

Educación Física. Barcelona: Editorial Graó. Nº 4, julio. p. 7-17.

FERREIRA, Higor Figueira. O protagonismo social de professores negros da corte na

produção de experiências escolares independentes (Rio de Janeiro, século XIX),

XXVII Simpósio Nacional de História, Natal, julho 2013.

HERCULANO, S.; PACHECO, T. (Org.) Racismo Ambiental – I Seminário Brasileiro contra

o Racismo Ambiental. Rio de Janeiro: Fase, 2006. 331 p.

HOBSBAWM, Eric, RANGER, Terence. (Orgs.) Invenção das tradições. 2ª ed. São Paulo:

Paz e Terra, 2012.

ISKANDAR, Jamil Ibrahim e LEAL, Maria Rute. Sobre positivismo e educação. Diálogo

Educacional, Curitiba, v. 3, n.7, p. 89-94, set/dez 2002.

IPT/CEMPRE. Lixo Municipal: manual de gerenciamento integrado. São Paulo, Publicação

IPT1995.

JACOBI, Pedro Roberto. Educação Ambiental: o desafio da construção de um pensamento

crítico, complexo e reflexivo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 233-250,

maio/ago. 2005

KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro. 1808-1850. Rio de Janeiro:

Companhia das Letras, 2000.

KRUGER, Verno; PORTO; Edimilson Antonio Bravo. Breve histórico do ensino de Química

no Brasil. Anais do 33º Encontro de Debates sobre o Ensino de Química, Ijuí, 2013.

LAJOLO, Marisa. Livros didáticos: um (quase) manual de usuário. In: Em Aberto, n. 69, ano

16, 1996.

132

LAYRARGUES, P. P. Muito além da natureza: educação ambiental e reprodução social. In:

Loureiro, C.F.B.; Layrargues, P. P. & Castro, R.C. De (Orgs.) Pensamento complexo,

dialética e educação ambiental. São Paulo: Cortez. p.72-103. 2006.

LAYRARGUES, P. P. Para onde vai a Educação Ambiental? O cenário político-ideológico da

Educação Ambiental brasileira e os desafios de uma agenda política crítica contra-

hegemônica. Revista Contemporânea de Educação, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, p. 398-

421, 2012

LAYRARGUES, P. P. O cinismo da reciclagem: o significado ideológico da reciclagem da lata

de alumínio e suas implicações para a educação ambiental. In: LOUREIRO, C.F.B.,

LAYRARGUES, P.P. & CASTRO, R. de S. (Orgs.) Educação ambiental: repensando

o espaço da cidadania. p. 179-219.São Paulo: Cortez. 2002)

.LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G. F. da C. Mapeando as macro-tendências político-

pedagógicas da Educação Ambiental contemporânea no Brasil. Anais do VI Encontro

“Pesquisa em Educação Ambiental”. Ribeirão Preto: USP. 2011.

LOGUERCIO, Rochele de Quadros; SAMRSLA, Vander Edier Ebling; DEL PINO, José

Claudio. A dinâmica de analisar livros didáticos com os professores de Química,

Química Nova, v.24, n.4, p.557-562, 2001.

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Livros didáticos: obstáculos ao aprendizado da ciência

Química – In: obstáculos animistas e realistas. Química Nova, São Paulo, v.15, n.3,

p.254-261, 1992.

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Livros didáticos: obstáculos verbalistas e substancialistas ao

aprendizado da ciência Química. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília,

v.74, n.177, p.309-334, maio/ago, 1993.

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Conhecimento escolar em química: processo de mediação

didática da ciência. Química Nova, v. 20, n. 5, p.563-568, 1997.

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. A disciplina Química: currículo, epistemologia e história.

Episteme, Porto Alegre, v.5, p.119 –142, 1998.

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Currículo e Epistemologia. Coleção Educação em Química,

Ijuí: Editora Unijuí, 2007.

LOPES, Alice C.; MACEDO, Elizabeth F. A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das

ciências. In: LOPES, A. C.; MACEDO, E. (Org.). Disciplinas e integração curricular:

história e políticas. Rio de Janeiro, DP&A, p. 73-94, 2002.

133

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo:

Cortez, 2011.

LOUREIRO, Carlos Frederico B. Sustentabilidade e educação: um olhar da ecologia política.

São Paulo: Cortez: 2012a.

LOUREIRO, Carlos Frederico B. (org.). Sociedade e Meio Ambiente: a educação ambiental

em debate. 7ª Ed. São Paulo: Cortez: 2012b.

LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; LIMA, Maria Jacqueline Girão Soares de. A

Hegemonia do discurso empresarial de sustentabilidade nos projetos de Educação

Ambiental no contexto escolar: Nova estratégia do capital. Revista Contemporânea de

Educação, v. 7, n. 14, 2012.

LUTFI, Mansur. Os aditivos em alimentos como proposta para o ensino de Química no segundo

grau. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1982,

372 p.

LUTFI, Mansur. Produção social e apropriação privada do conhecimento químico. Tese de

doutorado, Universidade Estadual de Campinas, 1989. 362 p.

MAIA, Juliana de Oliveira; SÁ, Luciana Passos; MASSENA, Elisa Prestes WARTHA, Edson

José. O Livro Didático de Química nas Concepções de Professores do Ensino Médio

da Região Sul da Bahia. Química Nova na Escola, v.33, n.2,, p. 115–124, maio/2011.

MASCIO, Carlos César. Exame Nacional para o Ensino Médio (ENEM): articulações entre a

educação Ciência, Tecnologia e Sociedade e a proposta nacional para o ensino de

Química, 100 f. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal de São Carlos, São

Carlos, 2009

MELO, Maria Jucilene de Macêdo; LIMA, Maria José Santos; SOUTO, Maria Veronilda

Macedo; SANTOS, José Carlos Oliveira. O lixo e o ensino de Química com foco na

cidadania. Anais da 62ª Reunião Anual da SBPC - Natal, RN - Julho/2010.

MÉSZÁROS, I. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2002.

MIDÕES, Ana Carla Dantas. (In)coerência entre as propostas pedagógicas e o desenvolvimento

dos temas nos livros didáticos de Química aprovados pelo Programa Nacional do Livro

Didático para o Ensino Médio (PNLEM-2007), 125 f. Dissertação (Mestrado) –

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.

MIRANDA, Luciana Campos; MARTINS, Carmen Maria De Caro. Critérios de escolha e formas de uso dos

livros didáticos de Química pelos professores do ensino médio. Anais do VI Encontro Nacional de Pesquisa em

Educação em Ciências (ENPEC), Florianópolis, 2007.

MOREIRA. Antonio Flávio Barbosa. Sociologia do Currículo: origens, desenvolvimento e

contribuições. Em Aberto. Brasília, ano 9, n. 46, p. 73-83, Abr/jun.1990.

134

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa (Org.). Currículo: questões atuais. São Paulo: Papirus,

1997.

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa, CANDAU. Vera Maria. Indagações sobre currículo:

currículo, conhecimento e cultura. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de

Educação Básica, 2007.48 p.

MORTIMER, Eduardo Fleury. A evolução dos livros didáticos de Química destinados ao ensino secundário. Em

Aberto, v.7, n.40, p.25-41, out./dez. 1988. Seção: Pontos de vista

MORTIMER, Eduardo Fleury. MACHADO, Andréa Horta, ROMANELLI, Lilavate Izapovitz.

A proposta curricular de Química do Estado de Minas Gerais: Fundamentos e

pressupostos. Química Nova Online, n. 23(2) (2000). Disponível em

http://quimicanova.sbq.org.br/qn/qnol/2000/vol23n2/V23_n2_00-editorial.pdf.

Acessada em 20/04/2014.

MORTIMER, Eduardo Fleury; SANTOS, Wildson L. P. A dimensão social do ensino de

Química – um estudo exploratório da visão de professores. Anais do II Encontro

Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), Valinhos 1999a.

MORTIMER, Eduardo Fleury; SANTOS, Wildson L. P. Concepções de professores sobre

contextualização social do ensino de química e ciências. Anais da 22ª Reunião Anual

da Sociedade Brasileira de Química. Poços de Caldas, 1999b.

NETO, Waldmir Nascimento de Araujo. Relações históricas de precedência como orientações

para o ensino médio de Química: a noção clássica de valência e o livro didático de

Química. 277 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói,

2003.

OSÓRIO, Carlos M. La Educación Científica y Tecnológica desde el enfoque em Ciencia,

Tecnología y Sociedad. Aproximaciones y Experiencias para la Educación Secundaria.

Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 28, enero-abril 2002. Disponível

em: <http://www.campus-oei.org/salactsi/osorio3.htm>. Acesso em: 10 de maio de

2014.

PAULILO, André Luiz Os manuais do professor como fonte de pesquisa. História: Questões

& Debates, Curitiba, v.56, n.1, p. 181-206, jan./jun. 2012.

PESTANA, Lilian Moraes. A agenda Marrom: o planejamento urbano-ambiental. Revista de

Direito da Cidade. Volume 1, n. 1, 2006. Disponível em http://www.e-

publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/4199/2940. Acessada em 29/03/2014.

PINHEIRO, N.A.M.; BAZZO, W.A. Educação crítico–reflexiva para um Ensino Médio

científico tecnológico: a contribuição do enfoque CTS para o ensino–aprendizagem

do conhecimento matemático. Tese (Doutorado em Educação Científica e

135

Tecnológica). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.

REBELO, Isabel Sofia; MARTINS, Isabel P.; PEDROSA, Maria Arminda. Formação Contínua de Professores

para uma Orientação CTS do Ensino de Química: Um Estudo de Caso. Química Nova na Escola, v.27, n.6,

fevereiro 2008.

ROSA, Maria Inês Petrucci; TOSTA, Andréa Helena. O lugar da Química na escola:

movimentos constitutivos da disciplina no cotidiano escolar. Ciência & Educação, v.

11, n. 2, p. 253-262, 2005.

ROSA, Maria Inês Petrucci; SCHNETZLER, Roseli Pacheco. Sobre a importância do conceito

de transformações química no processo de aquisição do conhecimento químico.

Química Nova na Escola, n. 8, p. 31-35, 1998.

SANTOMÉ, Jurjo T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. 3ª ed, Porto

Alegre: Artes Médicas, 2000, 275 p.

SANTOS, Boaventura S. Um discurso sobre as ciências. 10ª ed. Porto: Afrontamento, 1998.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade do século XXI. Para uma reforma democrática

e emancipatória da universidade. São Paulo, Cortez, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política, 2º ed.,

São Paulo, Cortez, 2008.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma

ecologia dos saberes. In SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul.

São Paulo: Cortez, 2010, p. 31-83.

SANTOS, P. T. A., DIAS, J., LIMA, V.E., OLIVEIRA, M. J., NETO, L. J. A., CELESTINO,

V. Q. Lixo e reciclagem como tema motivador no ensino de Química. Eclética

Química, São Paulo, 36 ,2011, p.78 – 92.

SANTOS, Sandra Maria de Oliveira. Critérios para Avaliação de Livros Didáticos de Química

para o Ensino Médio. Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Ensino de

Ciências) Universidade de Brasília, 2006.

SANTOS, Wildson L. P., MORTIMER, Eduardo Fleury. A dimensão social do ensino de

Química – um estudo exploratório da visão de professores, Anais do II Encontro

Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), Valinhos 1999.

SANTOS, Wildson L. P., MORTIMER, Eduardo Fleury. Concepções de professores sobre

contextualização social do ensino de química e ciências. Anais da 22ª Reunião Anual

da Sociedade Brasileira de Química. Poços de Caldas, 1999.

SANTOS, Wildson. L. P.; MORTIMER, Eduardo F. Tomada de decisão para ação social

responsável no ensino de ciências. Revista Ciência & Educação, São Paulo v. 7, n. 1,

p. 95-112, maio 2001.

136

SANTOS, Wildson L. P.; SCHNETZLER, Roseli Pacheco. Educação em Química:

Compromisso com a Cidadania. Coleção Educação em Química. 3ª ed. Ijuí: Unijuí,

2003. 144 p.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas:

Autores Associados, 2003

SCHNETZLER, Roseli Pacheco. A pesquisa em ensino de Química no Brasil: conquistas e

perspectivas. Química Nova, 2002, v.l, 25, supl.1, p.14-24, 2002.

SCHNETZLER, Roseli Pacheco; NIEVES, Karina; CAMPOS, Thiago. Tendências do ensino

de Química na formação e atuação docente. Anais do VI Encontro Nacional de

Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), Florianópolis, 2007.

SILVA, Tomás Tadeu. Documentos de Identidade – Uma introdução às teorias do currículo.

Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SILVA, T.T. da. Apresentação. In: GOODSON, I. Currículo: Teoria e história. 12ªed.

Petrópolis: Vozes, 2012

SOARES M. B. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na Cibercultura. Educação e

Sociedade, v.23, n 81, p.141-160, dez. 2002.

VALLE, C. E. Qualidade ambiental: ISO 14000. 5. ed. – São Paulo: Senac, 2004

VIEIRA, Nuno. Literacia Científica e Educação de Ciência. Dois objectivos para a mesma aula.

Revista Lusófona de Educação, n.10, p.97-108, 2007.

WARTHA, Edson José; FALJONI-ALÁRIO; Adelaide A contextualização do ensino de

Química através do livro didático. Química Nova na Escola, v.22, n.9, novembro 2005

WARTHA, Edson José. Cotidiano e Contextualização no Ensino de Química. Química Nova

na Escola, Vol. 35, N° 2, p. 84-91, maio 2013

WOJCIECHOWSKI, Tais. Projetos de Educação Ambiental no primeiro e nosegundo ciclo do

ensino fundamental: problemas socioambientais no entorno de escolas municipais de

Curitiba. 184 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,

2006.

WILLIAMS, Raymond. The analysis of culture. In: WILLIAMS, Raymond. The long

revolution, Londres: Chato & Windus. 1961.

Legislação

137

BRASIL. Decreto nº 19.890, de 18 de Abril de 1931. Disponível em

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19890-18-abril-1931-

504631-publicacaooriginal-141245-pe.html. Acesso em 3 de outubro de 2013.

BRASIL. Lei Nº 5.692, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 11 de agosto de

1971; Diário Oficial da União - Seção 1 - 12/8/1971, Página 6377.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes curriculares

nacionais para o ensino médio. Brasília: MEC/CNE, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação

Básica. Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da União, Brasília, 5 ago. 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros

curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999a.

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a

Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da]

República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 abr. 1999b.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio.

Brasília: MEC; SEB, 2000.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 267, de 14 de setembro de 2000. Publicada no D.O.U. nº

237, de 11 de dezembro de 2000, Seção 1, páginas 27-29.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Média e Tecnológica

(Semtec). PCN + Ensino médio: Orientações Educacionais Complementares aos

Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências da Natureza, Matemática e suas

Tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002.

BRASIL. Programa nacional de educação ambiental - ProNEA / Ministério do Meio Ambiente,

Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação. Coordenação Geral de

Educação Ambiental. – 3ª ed - Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005. 102 p.

BRASIL. Lei Federal 12.305/2010 de 2 de agosto de 2010; Política Nacional dos Resíduos

Sólidos. Diário Oficial da União de 03/08/2010, p. 2.

BRASIL. Decreto nº 7.494 de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei no 12.305, de 2 de

agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e dá outras

providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 de

dezembro de 2010.

BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Guia de livros didáticos:

PNLD 2012: Química, Brasília: Ministério da Educação, 2011b, 52 p.

138

BRASIL. Temas e agendas para o desenvolvimento sustentável. – Brasília: Senado Federal,

Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. 263 p.

Coleções de livros didáticos de Química para o Ensino Médio, integrantes do PNLEM de

2012

PERUZZO, Francisco Miragaia; CANTO, Eduardo Leite do. Química na abordagem do

cotidiano. 4ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.

FONSECA, Martha Reis Marques da. Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia. 1ª ed.

São Paulo: FTD, 2011.

LISBOA, Julio Cesar Foschini. Ser protagonista Química. 1ª ed. São Paulo: SM, 2010.

SANTOS, Wildson Luiz Pereira, MÓL, Gerson de Souza. Química cidadã. 1ª ed. São Paulo:

Nova Geração. 2010.

MORTIMER, Eduardo Fleury; MACHADO, Andréa Horta Química – ensino médio. 1ª ed. São

Paulo: Scipione, 2010.

139

Anexo A – Levantamento das ocorrências da temática “lixo” nos livros didáticos de Química do PNLEM 2012

LISBOA, Julio Cesar Foschini. Ser protagonista: Química. 1ª ed., São Paulo: SM, 2010.

Volume Unidade Capítulo Título do capítulo Assunto Página Formato Imagem

1

1

1 1 Química: objeto de estudo e aplicações Normas de segurança, símbolos e

tratamento de resíduos (atividade

experimental)

23 TA DC (6)

2 5 Separação de misturas Despoluição de lagos e rios 75 TA, N DC(1)

2

2

3 6 A rapidez das reações químicas Decomposição rápida 129 N FC(1)

7 19 Aplicações da eletrólise Do pó ao cobre – Reciclagem de sucata

eletrônica permite obtenção de matéria

prima nobre (obs: lixo = sucata)

352 N FC(1)

8 22 Transmutações artificiais, fissão e fusão

nucleares

Lixo nuclear 389 TA GC(1)

3

3

2 3 Compostos da função hidrocarboneto Metano, gás natural, gás dos pântanos,

biogás ou gasolixo

4 6 Funções com nitrogênio Controle químico de plantas daninhas

aquáticas (eutrofização por lixo)

155 N FC(1)

8

8

21 Polímeros naturais e sintéticos Polímeros de adição (sacos de lixo feitos

com PET)

395 TA FC(1)

22 O ser humano e o meio ambiente Introdução (texto sobre lixo eletrônico) 416 TA FC(1)

Polímeros, ambiente, políticas públicas e

cidadania (apresenta definição de lixo)

417 N DP(1)

Aterros sanitários 418 TA DC(1)

Incineração/reciclagem 419 TA FC(2)

Lixo espacial (Ciência, tecnologia e

sociedade)

425 N FC(1)

140

FONSECA, Martha Reis Marques da. Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia. 1ª ed. São Paulo: FTD, 2011.

Volume Unidade Capítulo Título do capítulo Assunto Página Formato Imagem

1 1

1

Introd. O que é Química? Saneamento básico 10 E -

O que é Química? A Química polui? 12-13 TA FC(1)

5 Separação de misturas Reciclagem do lixo (5.1) 71 TA, CA FC(2)

Tratamento físico do lixo 72 TA, CA FC(3)

Reciclagem do vidro 73 TA, CA DC(1)

Reciclagem de papel e papelão 73 TA, CA FC(1)

Reciclagem de metais 73-74 TA, CA FC(2)

Reciclagem de plásticos 74-75 TA FC(1)

Reciclagem/aquecedor ecológico 75-76 CA DC(2)

Questões (lixão) 77 E FC(1)

“exercitando o raciocínio” (5.1) 89 E

(ENEM) -

“Resgatando o que foi visto” (retomando

o tema da unidade 1), RRR

91 CA

proposta

de

discussã

o

GC(1)

2

2

1 5 Rendimento e pureza “Resgatando o que foi visto” (retomando

temas do vol.1 – contaminação de corpos

de água)

81 CA

proposta

de

discussã

o

FC(1)

2

2

6 Expressões físicas de concentração Poluição da água (texto de abertura) 82 CA FC(2)

Mares mortos (texto de abertura) 85-86 CA

prop.

disc.

FC(1)

4 18 Produto iônico da água Como o turismo e o uso de fertilizantes

nas plantações próximas à costa podem

prejudicar os corais

320 - FC(1)

5 19 Introdução à Eletroquímica Lixo eletrônico à deriva (texto de 326- CA FC(4)

141

5 abertura) 327

Nápoles: lixo causa crise na segurança

(texto de abertura)

328-

329

CA FC(1)

Lixo eletrônico tem substâncias perigosas

p/a saúde humana (texto de abertura)

329 CA FC(1)

“Explorando os textos” 330 CA -

20 Pilhas e baterias O que é um aterro sanitário? Como os

resíduos do lixo eletrônico podem atingir

os corpos d’água

350-

352

TA, CA FC(3)

É possível obter um fertilizante adequado

a partir do lixo? E como ocorre a

contaminação deste fertilizante

353 TA, CA FC(3)

Como é feita a reciclagem responsável do

lixo eletrônico

363 TA FC(3)

Questões (n. 2) 376 E -

3 3

3

10 Reações de substituição Consumismo 206 TA FC(2)

11 Reações de adição Amar as coisas e usar as pessoas 207 TA FC(3)

13 Reações de oxidação e de redução “Explorando os textos” 208 CA -

5 20 Atividade nuclear Não existe nenhuma tecnologia sendo

desenvolvida com o intuito de reverter os

danos ao meio ambiente?

235-

236

TA FC(2)

20 Atividade nuclear (Nox (não há subtítulo) 249 - F(1)

(“curiosidade”) O acidente de Goiânia 392 N FC(1),GC

(1)

Como é feita a descontaminação de

pessoas que entram em contato com

material radioativo?

393 TA, CA FP(2)

Questões (n.2 – ENEM) 410 E -

Resgatando o que foi visto 415 TA -

Período de meia vida (lixo atômico) 390 TA, CA GC(1)

142

PERUZZO, Francisco Miragaia; CANTO, Eduardo Leite do. Química na abordagem do cotidiano. 4ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.

Volume Unidade Capítulo Título do capítulo Assunto Página Formato Imagem

1 - Não foram localizados textos, exercícios, complementos ou imagens em que estivesse presente o tema“lixo”.

22 -

-

4 Eletroquímica: celas galvânicas (6.6) Baterias de hidreto metálico 151 TA -

5 Eletroquímica: celas eletrolíticas “Exercícios adicionais” (n. 75) 188 E -

Informe-se sobre a Química – A

importância da reciclagem do alumínio

189-

190

CA FP(1)

9 Radioatividade: fenômeno de origem

nuclear

Fusão Nuclear 347 TA FV(1),

DC(1)

3

3

-

-

5 Reações de substituição A Química verde 177 TA -

9 Polímeros sintéticos

O que os ecologistas veem de errado na

água engarrafada

259 CA -

O impacto ambiental causado pelos

plásticos

260 CO GC(1)

Sacola plástica usada pelo comércio gera

problema ambiental no estado

260 N DC(4)

Exercício 268 E DC(1)

11 A Química orgânica e o ambiente

“Pare e situe-se” (texto de abertura sobre

combustíveis fósseis, aumento de

produção e de geração de lixo)

302 CA -

Biogás (item 4) 317 TA -

O lixo e seu destino (item 5) 319 TA -

O descarte do lixo (item 5.1) 320-

323

TA, CA FC(2),

GC (2)

O reaproveitamento do lixo (item 5.2)

Resíduos viram lucrativa biomassa 326 TA -

143

SANTOS, Wildson Luiz Pereira, MÓL, Gerson de Souza. Química cidadã. 1ª ed. São Paulo: Nova Geração. 2010.

Volume Unidade Capítulo Título do capítulo Assunto Página Formato Imagem

1 1

1

2 Materiais e processos de separação Reutilizar e reciclar: retornando o material

ao ciclo útil

46-48 CA DC(3),

QC(5)

Atitude sustentável: destino de resíduos

sólidos domésticos

51-52 TA DC(1)

...Pense, debata e entenda (questões sobre

lixo)

53 E TC

Lixo: tratamento e disposição final 70-75 CA FC(1),

TC (1)

...Pense, debata e entenda (questões sobre

lixo)

76 E GC(2),

TC(1)

(Observação: na discussão de consumo

sustentável, China associada ao “3º

mundo” – p.97)

3 8 Interações entre constituintes e

propriedades das substâncias

inorgânicas e orgânicas

Agricultura sustentável: opção inteligente 312-

313

CA FC(4)

4 9 Unidades utilizadas pelos químicos Na medida certa: evitando o desperdício 338 CA FC(4) –

fotos de

alimento

s jogados

no lixo,

DC(1)

2 1 2 Propriedades da agua, solubilidade e

propriedades coligativas

Gestão dos recursos hídricos 64-65 CA FC(3),

TC(1)

2 6 Modelos atômicos, radioatividade e

energia nuclear

Energia nuclear como fonte de produção

de energia elétrica

216-

221

FC(6),

GC(1)

Rejeitos nucleares 238-

240

FC(2),

TC(1)

144

9 Equilíbrio químico A Química, o tratamento da água e o

saneamento básico

353-

355 e

363

FC(1) de

lixo

acumula

do em

margens

de rio

3 11 4 Polímeros e propriedades das

substâncias orgânicas (texto de abertura

do cap.)

Os plásticos e o ambiente 132-

136

TA, CA FC(5),

GC(1)

5 Indústria química e síntese orgânica Indústria química e sociedade 166 - FC(1)

(de lixo)

(Observação: discussão sobre o discurso

da sustentabilidade sem consciência

social- p.173)

2

2

7 Pilhas e eletrólise Descarte de pilhas e baterias 238-

242

CA FC(5),

DP(4),

TC(1)

Metais, sociedade e ambiente (no contexto

de reciclagem, especialmente do Al)

250-

251

CA FC(2)

3

3

9 Transformações nucleares Lixo nuclear 345-

36

TA FC(1)

Acidente radioativo de Goiânia 348-

350

TA FC(3)

145

MORTIMER, Eduardo Fleury; MACHADO, Andréa Horta Química – ensino médio. 1ª ed São Paulo: Scipione, 2010.

Volume Unidade Capítulo Título do capítulo Assunto Página Formato Imag

em

1 -

-

- O que você vai estudar neste livro Apresentação do programa de Química do

1º ano (informa sobre o lixo no cap. 4)

11 - FC(1)

4 Aprendendo sobre o lixo urbano Conceitos, caracterização, separação de

lixo, lixo urbano, reciclagem

86-89 TA FC(5),

DC(3)

Atividade 1: Planejando um acampamento

selvagem.

90-91 TZ FC(5),

DC(3)

Texto 2: “Lixo do Rio se sofistica com o

plano Real”

91-92 CA, N -

Atividade 2: Determinando a composição

do lixo doméstico (critérios, coleta,

discussão)

93-96 TA FC(5)

Atividade 3:Mudança nos padrões de

consumo e de produção de lixo

96-97 TA FC(2)

Atividade 4: Ciclo de vida das embalagens 98-99 TA DC(1),

GC(3)

Texto 3:Produção mais limpa 100-

101

TA -

Atividade 5: Outros tipos de lixos

existentes no ambiente urbano

101 TA FC(3)

Atividade 6: Destinos finais do lixo 102-

103

TA FC(2)

Atividade 7:Como manter uma cidade

mais limpa

104 TA -

Atividade 8: O lixo como fonte de renda. 105 TA -

2 - - Observação: somente a foto das lixeiras

para descarte seletivo, presente no

sumário, se explicação ou legenda)

146

5 Movimento dos elétrons: uma

introdução ao estudo da Eletroquímica

Introdução ao estudo das reações de

oxirredução (comentários sobre descarte

de pilhas)

174 TA FC(3)

Descarte e reciclagem 211 T FC(1),

FP(5)

3 - 3 Água nos ambientes urbanos: Química

para cuidar do planeta

Texto 1: As águas de nossa cidade e sua

qualidade

144-

145

- FC(1)

foto

mostrado

coro de

água cm

lixo

5 Química de materiais recicláveis Texto 1: Qual parte do lixo d nossa casa é

reciclável (RRR; tipos de embalagens)

235-

238

TA FC(2)

Texto 5: Para onde vão as garrafas PET?

(reintrodução sobre matéria e energia)

247-

248

TA FC(2)

Texto 13: Ciclo de vida do Alumínio:

reciclagem (Observação: não usa a

palavra “lixo” mas sim a foto)

279-

280

TA FC(1)

foto

igual à

p.211 do

vol.2)

Formato: (TA) teoria/autor; (CA) texto complementar/autor, inclusive exemplo; (CO) complementar de outrem; (N) texto (com ou sem

imagem) de notícia, reportagem ou similar; (E) exercício; (O) outros.

Imagem: (FC) foto colorida; (FP) foto preto e branco; (GC) gráfico colorido; (GP) gráfico preto e branco; (DC) desenho colorido, (TC)

tabela colorida, (QC) quadro colorido

147

Anexo B - Levantamento de artigos em bases CAPES, SCIELO

e Google Schoolar

ABREU, Rozana Gomes. A concepção de currículo integrado e o ensino de Química no “novo

ensino médio”. 2001. Disponível em http://www.cefetes.br/gwadocpub/Pos-

Graduacao/Especializa%C3%A7%C3%A3o%20em%20educa%C3%A7%C3%A3o%

20EJA/Publica%C3%A7%C3%B5es/anped2001/textos/p1222391983927.PDF.

Acessado em setembro de 2013.

CARDOSO, Sheila Pressentin; COLINVAUX, Dominique. Explorando a motivação para

estudar química. Química Nova, v. 23, n. 3, p. 401-404, 2000.

CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Rev.

Bras. Educ., Jan./Abr., nº.22, p.89-100, 2003.

GOODSON, Ivor. Currículo, narrativa e o futuro social. Rev. Bras. Educ., Mai/Ago, v.12, nº

35, 2007.

LATINI, Rose Mary; SOUSA, Adryana da Conceição. Ensino de Química e ambiente: as

articulações presentes na Revista Química Nova na Escola. Investigações em Ensino de

Ciências, Porto Alegre, v. 16, nº 1, p 143-159, 2011.

LIMA, Jorge Ossian Gadelha. Do período colonial aos nossos dias: uma breve história do

Ensino de Química no Brasil. Revista Espaço Acadêmico, Londrina, v. 12, n. 140, pp.

71- 79, 2013.

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Por que somos tão disciplinares? ETD –Educação Temática

Digital, Campinas, Out.2008, vol. 9, n. esp., p.201-212.

MELONI, Reginaldo Alberto. A organização da disciplina de Physica-Chimica na escola

secundária no Brasil: o caso do Colégio Culto à Ciência de Campinas. QNESC,

Fevereiro 2012, vol. 34, nº 1, p. 35 – 40.

MENEZES, M. G.; BARBOSA, R. M. N.; JÓFILI, Z. M. S; Menezes, A. P. A. B. (2005) Lixo,

cidadania e ensino: entrelaçando caminhos. QNESC. Acesso em 29 de novembro, 2012.

NASCIMENTO, R. M. M.; VIANA, M. M. M., SILVA, G. G.; BRASILEIRO, L. B. (2007).

Embalagem Cartonada Longa Vida: Lixo ou Luxo? QNESC. Disponível em

http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc25/qs01.pdf. Acessado em 29 nov., 2012.

NASCIMENTO, Altem P., SERRÃO, Caio R. G., FREITAS, Cíntya K. A., SANTOS, Diellem

C. P., BATALHA, Sarah S. A. Ensino de Química no Nível Médio: Um Olhar a Respeito

da Motivação. Anais do XIV ENEQ (Encontro Nacional de Ensino de Química).

148

Disponível em http://www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/resumos/R0428-1.pdf.

Acessado em 27/10/2013.

QUADROS, Ana Luiza de et al. Ensinar e aprender Química: a percepção de professores de

Ensino Médio. Educar em Revista, v. 40, nº. 2, 2011.

RICARDO, E. C.; ZYLBERSZTAJN, Os Parâmetros Curriculares Nacionais para as Ciências

do Ensino Médio: uma análise a partir da visão de seus elaboradores. Investigações em

Ensino de Ciências, Porto Alegre, v.13, n.3, p. 257-274, 2008.

ROCHA, Zailene M., MILARÉ, Tathiane, SILVA, Camila S., MARQUES, Rosebelly N.,

OLIVEIRA, Luiz A. A., OLIVEIRA, Olga M. M. F. A química no universo dos alunos do

ensino médio. Atas do V ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em

Ciências. Nº 5. 2005, p. 2.

ROSA, Maria Inês Petrucci; TOSTA, Andréa Helena. O lugar da Química na escola:

movimentos constitutivos da disciplina no cotidiano escolar. Ciência & Educação

(Bauru), Ago 2005, vol.11, nº 2, p.253-262. ISSN 1516-7313.

SCHNETZLER, Roseli Pacheco. A pesquisa em ensino de Química no Brasil: conquistas e

perspectivas. Química Nova, 2002, nº 25.supl 1, p.14-24.

VIDAL, Paulo Henrique Oliveira; PORTO, Paulo Alves. A história da ciência nos livros

didáticos de Química do PNLEM 2007. Ciência & Educação (Bauru), Ago 2012,

vol.18. nº 2, p.291-308. ISSN 1516-7313.

THEODORO, Mônica E. C.; KASSELBOEHME, Ana C.; FERREIRA, Luiz H. Os aspectos

sócio-culturais e teórico-metodológicos recomendados pelo PCNEM: as contribuições

dos livros didáticos de Química para os objetivos do Ensino Médio, Revista Brasileira

de Pesquisa em Educação em Ciências, vol. 11, nº 2, 2011.