CURSO DE DIREITO “O Princípio da Insignificância ... -...

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1 FMU QUALIDADE CURSO DE DIREITO “O Princípio da Insignificância no Direito Penal Nome: Érika Scudeler Paulino RA: 459741/7 Turma: 3209D Fone: 3733.6369 E-mail: [email protected] São Paulo 2006

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FMUQUALIDADE

CURSO DE DIREITO

“O Princípio da Insignificância no Direito Penal”

Nome: Érika Scudeler Paulino RA: 459741/7

Turma: 3209D Fone: 3733.6369 E-mail: [email protected]

São Paulo 2006

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Erika Scudeler Paulino

“O Princípio da Insignificância no Direito Penal”

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Edson Luz Knippel.

São Paulo 2006

3

Banca Examinadora

Professor Orientador _________________________

Professor Argüidor __________________________

Professor Argüidor ___________________________

4

Agradecimentos sinceros ao Professor

Edson Luz Knippel pela excelente

orientação durante a elaboração deste

trabalho.

Agradeço a Deus pela proteção e a minha

família pelo apoio, paciência e

compreensão.

5

SINOPSE

O objetivo central deste trabalho é defender a aplicação do princípio da insignificância, buscando questionar se as pequenas ofensas ao bem jurídico tutelados pelo Estado justificam ou não a incidência do Direito Penal. Para sua elaboração foram realizadas pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais, além de artigos publicados em sites jurídicos. Abordamos desde a definição de princípio, passando pela teoria geral do crime, até a forma como se configura a insignificância, registrando ainda as principais críticas argüidas por parte da doutrina. Ressaltamos também os fundamentos constitucionais e penais que contribuem para a defesa deste princípio, bem como a limitação do poder de punir do Estado na aplicação das leis penais, de forma a garantir e preservar a paz social.

6

SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................... 9

CAPÍTULO I – OS PRINCÍPIOS NO DIREITO

1.1 - Os Princípios .......................................................................................... 11

1.2 - Princípios Explícitos e Implícitos ............................................................. 17

CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DO CRIME

2.1 - Conceito de Crime ................................................................................... 19

2.2 – Fato Ilícito ............................................................................................... 20

2.3 – Fato Culpável .......................................................................................... 21

2.4 – Fato Típico .............................................................................................. 21

2.4.1 – Tipicidade ................................................................................. 24

2.4.1.1 Adequação Típica ........................................................... 25

2.4.2 – Função do Tipo Penal .............................................................. 26

2.4.3 – Elementos Estruturais do Tipo ................................................. 26

2.5 – Dolo e Culpa ........................................................................................... 27

7

CAPÍTULO III – O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

3.1 – Origem .................................................................................................... 29

3.2 – Conceito .................................................................................................. 32

3.3. – Fundamentos do Princípio da Insignificância ........................................ 34

3.3.1 – O Princípio da Igualdade ........................................................... 34

3.3.2 – O Princípio da Liberdade ........................................................... 36

3.3.3 – O Princípio da Razoabilidade .................................................... 37

3.3.4 – A Hermenêutica Penal .............................................................. 39

3.3.5 – O Princípio da Fragmentariedade ............................................. 40

3.3.6 – O Princípio da Subsidiariedade ................................................. 41

3.3.7 – O Princípio da Proporcionalidade da Pena ............................... 41

3.4 – Relação do Princípio da Insignificância com os demais princípios de

Direito Penal

3.4.1 – Legalidade e Princípio da Insignificância .................................. 42

3.4.2 – Princípio da Insignificância e da Intervenção Mínima ............... 43

3.4.3 – Princípio da Insignificância e Lesividade ................................... 46

3.5 – Poder de Punir do Estado e Política Criminal ........................................ 48

8

3.6 - A exclusão da tipicidade material do crime nos casos em que se aplicam o

Princípio da Insignificância .............................................................................. 53

3.7 – A Caracterização da Insignificância ........................................................ 54

CAPÍTULO IV – A DESCRIMINALIZAÇÃO

4.1 O fracasso do tratamento ressocializador ................................................. 56

4. 2 Meios de penetração do Princípio da Insignificância no sistema penal

4.2.1 A Desinstitucionalização .............................................................. 58

4.2.2 A Despenalização ........................................................................ 60

4.2.3 A Descriminalização .................................................................. 60

CAPÍTULO V – CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ......................... 66

Conclusão ....................................................................................................... 69

Bibliografia........................................................................................................ 72

ANEXOS

I - O Princípio da Insignificância perante a jurisprudência brasileira

II - Estudo de Casos

9

INTRODUÇÃO

O interesse em elaborar um trabalho sobre o princípio da

insignificância surgiu após algumas aulas de Direito Processual Penal com a

Profª Juliana Belloque, no 3º ano da faculdade.

Nestas aulas, pela primeira vez, ouvimos falar deste

princípio. E, embora este tema não tenha sido aprofundado na ocasião, por não

constar na grade curricular, o interesse em ampliar o conhecimento acerca

deste permaneceu.

Adquirimos uma visão mais crítica do direito penal e

principalmente do sistema penitenciário brasileiro. Deixamos de lado opiniões e

pensamentos leigos, que até então prevaleciam, para adquirir uma visão mais

democrática do Direito penal.

Com o estudo deste tema buscamos definir o que é o

princípio da insignificância, através de bases constitucionais. Procuramos

explicar qual é a sua aplicabilidade, seus fundamentos e críticas.

No primeiro capítulo explicamos o que são os princípios,

de que forma eles atuam no ordenamento jurídico e qual é a distinção entre

princípios implícitos e explícitos.

No segundo capítulo abordamos por meio de uma breve

análise a Teoria Geral do Crime, partindo do conceito de crime até os

elementos estruturais do tipo penal.

No terceiro capítulo entramos no objetivo central deste

trabalho: o princípio da insignificância, desde sua origem, conceito,

fundamentos, sua relação com os demais princípios previstos no ordenamento

jurídico. Abordamos ainda a questão da política criminal e o poder de punir do

10

Estado, passando pela exclusão da tipicidade material nos casos em que se

aplica o princípio da insignificância, até chegarmos a caracterização deste

princípio.

No quarto capítulo abordamos a idéia da

descriminalização, partindo da idéia do fracasso do tratamento ressocializador;

dos meios de penetração da insignificância no sistema penal, através da

descriminalização, despenalização e desinstitucionalização.

No quinto capítulo buscamos transmitir ao leitor quais são

as principais críticas ao princípio de sua insignificância e porque elas não

devem prevalecer.

Registramos ainda algumas jurisprudências que refletem

o entendimento dos nossos Tribunais acerca do princípio da insignificância e

sua aplicabilidade prática.

A importância em elaborar este trabalho consiste na

necessidade de aprofundamento do tema em questão, diante de sua

importância e aplicabilidade prática, de forma a propiciar um conhecimento

aprofundado deste princípio, sua importância para a sociedade e para o

ordenamento jurídico.

Pessoalmente, este trabalho visa transmitir ao leitor uma

visão doutrinária do princípio da insignificância, baseada em princípios penais e

constitucionais, bem como seus fundamentos, caracterização e principais

críticas sofridas.

11

CAPÍTULO I

OS PRINCÍPIOS NO DIREITO 1.1 OS PRINCÍPIOS De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello1, “o

direito é um conjunto de normas – princípios e regras – dotadas de

coercibilidade, que disciplinam a vida social. Enquanto uno, o direito se divide

em dois grandes ramos: o direito público e o direito privado. Este último se

ocupa dos interesses privados, regulando relações entre particulares. É

conduzido pela autonomia da vontade, haja vista que nele vigora o princípio

fundamental de que as partes elejam as finalidades que desejam alcançar,

propondo-se (ou não) a isto conforme desejem e servem-se para tanto dos

meios que elejam a seu livre-arbítrio, contanto que tais finalidades ou meios

não sejam proibidos pelo direito”.

Inversamente, o direito público se ocupa de interesses da

sociedade como um todo, interesses públicos, cujo atendimento não é um

problema pessoal de quem os esteja a curar, mas um dever jurídico

inescusável. Assim não há espaço para a autonomia da vontade, que é

substituída pela idéia de função, de dever de atendimento do interesse público.

Para quem se ocupa do estudo do Direito e para aqueles

que o operam nada mais interessa senão saber quais princípios e quais regras

se aplicam perante tais ou quais situações. Por isso mesmo, um ramo jurídico é

verdadeiramente “autônomo” quando nele se reconhecem princípios que

formam em seu todo uma unidade e que articulam um conjunto de regras de

maneira a comporem um sistema, “um regime jurídico” que o peculiariza em

confronto com outras regras.

1 Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 25-26.

12

Segundo Maria Helena Diniz2 “nas linguagens jurídicas,

princípio pode significar um preceito; norma de conduta; máxima; opinião,

maneira de ver; parecer; código de boa conduta através do qual se dirigem

ações e a vida de uma pessoa; educação; doutrina dominante; alicerce; base.

Filosoficamente é a origem ou causa da ação [...] cada uma das proposições

diretivas ou características a que se subordina o desenvolvimento de uma

ciência ...”

Princípios, segundo Miguel Reale3 são: "Verdades ou

juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um

conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada

porção da realidade. Às vezes, também se denominam princípios, certas

proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências,

são assumidas como fundantes de validez de um sistema particular de

conhecimentos, como seus pressupostos necessários”.

Temos então que os princípios gerais do direito são

enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a

compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração,

quer para a elaboração de novas normas.

Conforme ensina Carlos Ari Sundfeld4 “os princípios são

as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso,

racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”.

A enunciação dos princípios dentro de um sistema tem a

utilidade primordial de ajudar no ato do conhecimento. O cientista, para

conhecer o sistema jurídico precisa identificar quais os princípios que o

ordenam, para só assim, poder trabalhar com o direito, já que o jurista

2 Maria Helena Diniz. Dicionário Jurídico. v. 3. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 717. 3 Miguel Reale. Lições Preliminares de direito. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 305 e ss. 4 Carlos Ari Sundfeld. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros. 2002. p.143.

13

determina que normas se aplicam a cada caso, e os princípios são verdadeiras

normas jurídicas.

A identificação dos princípios é o meio mais eficaz para

distingui-lo de outros sistemas e assim possibilita a compreensão global do

mesmo. Sendo assim, temos que é o fato de se organizarem por princípios

opostos que permite afirmar a distinção entre sistemas diferentes.

Ao se afirmar a existência de sistemas diferentes, p. ex.,

o publico e o privado, deve-se demonstrar as razões pelas quais as normas de

um são separadas do outro. Para obter êxito faz-se necessário exprimir quais

são os princípios de um sistema e do outro, mostrando a diferença.

Cumpre ressaltar que toda classificação em ciência é

feita sob o critério da utilidade, ou seja, devem servir para algum fim. Elas não

existem por si só, isto é, não derivam da natureza das coisas. Um mesmo

grupo de objetos pode ser dividido de diferentes formas, através de várias

classificações5.

Para Carlos Ari Sundfeld6 a classificação do Direito em

dois grandes ramos, o público e o privado, não passa de uma proposta de

estudo das normas jurídicas. Para ser útil, deve estar montada a partir de

critérios que permitam demonstrar diferenças juridicamente fundamentais entre

as normas alojadas em cada ramo.

Diante disto, torna-se claro que a ciência jurídica só pode

ser construída a partir da enunciação dos princípios.

Os princípios são verdadeiras normas jurídicas, portanto,

devem ser levados em consideração para a solução de problemas jurídicos

5 Op. Cit. p. 144 6 Op. Cit. p. 144-145

14

concretos, ou seja, que normas se aplicam a que situações da vida. Esta é a

grande busca do jurista.

O ordenamento jurídico contém duas espécies de

normas: regras e princípios. As regras encontram-se na legislação ordinária,

enquanto os princípios tem por base a Constituição Federal. Os princípios são,

tanto quanto as regras, parte integrante do ordenamento jurídico.

Carlos Ari Sundfeld7 transcreve em sua obra trecho

narrado pelo ilustre Jesus Gonzalez Peres: “os princípios jurídicos tem em si

valor normativo; constituem a própria realidade jurídica. Em relação à ciência

do direito, constituem seu objeto. Existem independentemente de sua

formulação; são aplicáveis ainda que a ciência os desconheça. A missão da

ciência com relação aos mesmos não é outra senão a de sua apreensão. E a

ciência será mais ou menos perfeita, segundo logre ou não sua determinação.

Porque se o ordenamento jurídico constitui o objeto da ciência do direito

positivo, esse conhecimento não será completo enquanto não se alcance a

determinação dos princípios que o informam.

Os princípios jurídicos constituem a base do

ordenamento jurídico, ‘a parte permanente e eterna do direito e também a

cambiante e mutável, que determina a evolução jurídica’, são as idéias

fundamentais e informadoras da organização jurídica da Nação.

“Em conseqüência (...) os princípios jurídicos tem pleno

valor de fonte jurídica, integram o ordenamento jurídico”.

Pelo exposto, temos que o princípio jurídico é uma norma

de hierarquia superior à das regras, porque determina o sentido e o alcance

destas, que não poderão contrariá-lo, sob pena de se colocar em risco todo um

7 Op cit. p. 145 e ss.

15

sistema jurídico. Por isso, deve haver coerência entre os princípios e as regras,

a fim de obtermos um ordenamento legítimo.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello8 princípio é o

“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito

e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente

por definir a lógica a e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere

a Tonica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que

preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há

por nome sistema jurídico positivo”.

Desta forma, entendemos que conhecer os princípios do

direito é condição fundamental para poder aplicá-lo corretamente. Quem

apenas conhece as regras, ignora a parcela mais importante do direito – a que

faz delas um todo coerente, lógico e ordenado. Logo, aplica o direito de forma

incompleta.

A necessidade do jurista trabalhar com os princípios

existe em todos os ramos do direito, entretanto, no direito público é bem maior.

Vejamos: os princípios pertinentes ao direito privado normalmente estão

contidos em leis, em regras específicas. Assim, não se faz tão necessário se

utilizar dos princípios para resolver as questões deste ramo. O direito público,

por ser formado por legislação esparsa, jovem e produzida sem método, traz

uma aparente desordem, solucionada apenas com a consideração dos

princípios. Eles permitem ao aplicador do direito organizar as regras existentes

e extrair soluções coerentes com o sistema jurídico como um todo.

Ademais, por não estar integralmente codificado, no

direito público existem muitas lacunas de lei, especialmente no que diz respeito

às garantias individuais dos indivíduos perante o exercício do poder político. 8 Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 1999. p. 545-546.

16

Nestes casos, os princípios gerais são indispensáveis para o suprimento das

referidas lacunas, revelando então as regras omitidas pelo legislador9.

Na aplicação do direito os princípios cumprem duas

funções, quais sejam, determinam a adequada interpretação das regras e

permitem o preenchimento de suas lacunas, integrando-as.

Quanto à função dos princípios na interpretação das

regras podemos afirmar que será incorreta quando dela derivar contradição,

tácita ou não com os princípios; prevalecerá a que melhor se afinar com os

princípios quando a regra admitir logicamente mais de uma interpretação; e,

quando a regra tiver sido redigida de modo que resulte mais extensa ou mais

restrita que o princípio, justifica-se a interpretação extensiva ou restritiva,

respectivamente, para calibrar o alcance da regra com o princípio.

Em caso de lacuna, podemos nos utilizar da regra

contida no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Quando a lei for

omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os

princípios gerais do direito”.

Portanto, para saber a possibilidade a aplicar por

analogia uma regra a hipótese em questão, é primordial considerarmos os

princípios. A analogia somente poderá ser utilizada se houver similitude das

situações e esta só existe quando o princípio realizado pela regra é também

aplicável à situação não regulada. A integração por analogia implica na

aplicação à hipótese não tratada por lei, do princípio embutido na regra que se

vai transpor. Assim, temos que a analogia é uma forma abreviada de preencher

lacunas através dos princípios.

9 Carlos Ari Sundfeld. Op cit. p. 147

17

1.2 PRINCÍPIOS EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS

É o conhecimento dos princípios e a habilitação para

manejá-los que distingue o jurista do mero conhecedor de textos legais, já que

a aplicação das regras não se faz de modo isolado, mas em conjunto com todo

o ordenamento10.

Ocorre que os princípios nem sempre estão inscritos

explicitamente em algum texto normativo. Em muitos casos estão apenas

implícitos, tornando-se necessário descobri-los. Um exemplo de princípio

implícito é o da função entre os 3 poderes, que resulta da lógica própria do

Estado de Direito, implantado pela Constituição Federal11.

Primordial ressaltar que todos os princípios jurídicos,

inclusive os implícitos, têm sede direta no ordenamento jurídico, portanto, o

aplicador do direito deve extraí-los do ordenamento, porque, apesar de não

estarem expressamente enunciados, estão inseridos no seu bojo.

Os princípios implícitos são tão importantes quanto os

explícitos, haja vista que constituem verdadeiras normas jurídicas. A dificuldade

de se perceber os princípios implícitos aplicáveis a cada situação nasce do fato

de exigir o conhecimento do ordenamento como um todo, o que não se adquire

tão facilmente. Por isso, é pressuposto indispensável para alguém ser

especialista em uma área do direito que antes o estude em sua generalidade12.

Aliás, é preciso saber operá-los em conjunto, aplicando o

peso relativo a cada um, portanto, não há como predeterminar, para todos os

casos, o peso que terá cada princípio, e qual deverá prevalecer. Deve o jurista

se reportar a ideologia de sistema jurídico, para não trazer para o caso

concreto soluções conflitantes com o ordenamento.

10 Carlos Ari Sundfeld. Op cit. p. 148. 11 Ib idem. P. 149. 12 Ib idem. p. 150.

18

Diante do aqui exposto, temos que os princípios são

fundamentais para entender o ordenamento jurídico e para aplicar o direito da

melhor forma possível, seguindo a coerência e lógica.

No que tange ao tema deste trabalho – O Princípio da

Insignificância - entender como funcionam os princípios é primordial, haja vista

que somente à partir da compreensão destes podemos verificar porque

podemos nos socorrer do princípio da insignificância para melhor aplicação do

direito, sem ferir as normas jurídicas.

19

CAPÍTULO II

TEORIA GERAL DO CRIME 2.1 CONCEITO DE CRIME

Existem variados conceitos para definir o que é crime,

dependendo sempre do ângulo adotado13.

Pelo critério formal, crime é o que a lei define como tal.

Vejamos a redação do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro:

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou

de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a

pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina,

isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou

cumulativamente”. Embora este conceito não esteja errado, podemos

considerá-lo ultrapassado, tendo em vista que ao invés de trazer um conceito,

acaba por traçar as diferenças entre crimes e contravenções no que diz

respeito a pena aplicada.

Para o critério material, crime é o fato humano que lesa

ou expõe a perigo bens jurídicos penalmente protegidos. Este critério traz

apenas a conseqüência do crime, mas não o define, ou melhor, define apenas

o resultado do crime.

Já o critério analítico leva em consideração os elementos

estruturais do crime, ou seja, o crime sob o aspecto de sua estrutura.

Adotamos a Teoria Tripartida, qual seja, a que

preconiza que existem três elementos estruturais, quais sejam, crime é fato 13 Edson Luz Knippel. Aulas de Direito Penal. 2003. 2º ano do Curso de Direito. Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas.

20

típico, ilícito e culpável. Esta corrente é defendida por Magalhães Noronha,

Nelson Hungria, Cezar Roberto Bitencourt entre outros.

Conceituamos crime como o fato típico, ilícito e culpável.

A divisão do delito em três aspectos, para fins de avaliação e valoração –

tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade – facilita e racionaliza a aplicação do

direito, garantindo a segurança contra as arbitrariedades e as contradições que

freqüentemente poderiam ocorrer. Essa divisão tripartida da valoração permite

um resultado final adequado e justo14.

2.2 FATO ILÍCITO

Fato ilícito é aquele que contraria a lei, o ordenamento

jurídico, é anti-jurídico, ou seja, é contrário ao próprio direito.

O fato típico nem sempre é ilícito, já o fato ilícito é

sempre típico. Quando o fato for ilícito e típico recebe o nome de injusto

penal15.

De acordo com Heleno Cláudio Fragoso16 entende-se por

antijuridicidade formal a que resulta da realização da conduta típica, sendo,

como é, o tipo, tipo de injusto. Diz-se que há antijuridicidade material na ação

típica a que não corresponde causa de exclusão da ilicitude (estado de

necessidade, legítima defesa, exercício regular do direito e estrito cumprimento

do dever legal).

Para Cezar Roberto Bitencourt17 “antijuridicidade formal

consiste na violação de um comportamento do dever de atuar ou de omitir 14 Cezar Roberto Bitencourt. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.1997. p. 255. 15 Edosn Luz Knippel. Op. Cit. 16 Heleno Cláudio Fragoso. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 182. 17 Cezar Roberto Bitencourt. Op cit. p. 259.

21

estabelecido por uma norma jurídica, ou seja, é a contradição da ação com o

mandamento da norma. Já a antijuridicidade material se constitui da lesão

produzida pelo comportamento humano que fere o interesse jurídico protegido.

Essa lesão ... deve ser entendida como contradição do valor ideal que a norma

jurídica deve proteger”.

2.3 FATO CULPÁVEL

Fato culpável é aquele sobre o qual recai um juízo de

censura, de reprovação, ou seja, a culpabilidade é a elementar do crime que

constitui pressuposto para a aplicação da pena, caracterizando-se por um juízo

de reprovação ao agente do delito.

Existem três teorias que explicam a culpabilidade,

adotamos a Teoria Normativa, a qual preconiza que a culpabilidade é apenas

um juízo de reprovação. Esta teoria compõe-se dos seguintes elementos:

inexigibilidade de conduta diversa, potencial consciência da ilicitude e

imputabilidade. A ausência de qualquer destes elementos é suficiente para

impedir a aplicação de uma sanção penal18.

2.4 FATO TÍPICO

O fato típico é aquele previsto em lei como criminoso, p.

ex., homicídio (art. 121, CP), furto (Art. 155, CP) etc. É um tipo penal, um

modelo legal, abstrato. Sobre este modelo deve recair o fato concreto.

No exemplo acima “matar alguém” sobre este modelo

deve recair um fato concreto que se encaixe perfeitamente, “A”mata “B”.

Quando isso ocorre recebe o nome de tipicidade. É uma subsunção.

18 Cezar Roberto Bitencourt. Op cit. p.293.

22

O tipo penal possui um único elemento indispensável: é o

núcleo do tipo. Todo tipo penal possui um núcleo correspondente ao verbo,

todo e qualquer tipo penal possui um verbo, p. ex., furtar, matar, constranger

etc.

Nos crimes materiais, para haver o fato típico, devem

estar presentes todos os elementos que o configuram, são cumulativos. São

eles: a conduta, resultado, o nexo causal e a tipicidade. Já nos crimes de mera

conduta e nos formais, bastará a conduta e tipicidade, tendo em vista a

ausência de resultado naturalístico em ambas as hipóteses19.

Conduta é a ação dirigida a produção de um resultado

consistente na violação ou na exposição a perigo de um bem protegido pela lei

penal que pode ser praticada pelo ser humano ou por pessoa jurídica, sendo

que para esta última apenas nos crimes ambientais, por ser a única exceção20.

A conduta se encaixa nos atos executórios do crime,

quando o individuo pratica a primeira ação, p. ex., efetua o primeiro disparo da

arma de fogo.

O resultado pode ser conceituado sob duas espécies: o

jurídico e o naturalístico. O resultado jurídico consiste na violação de bem

jurídico tutelado. É a quebra da paz social, da ordem jurídica. O Estado zela

para que os bens jurídicos sejam protegidos. Todo crime possui um resultado

jurídico, em razão da tutela destes bens21.

Já o resultado naturalístico consiste na substancial

alteração do mundo físico, como p. ex., um incêndio, crimes ambientais. É

passível de observação, o resultado se dá no campo material, ou seja, ele pode

ser visualizado. Este resulta traz três espécies de efeitos, quais sejam, o efeito

19 Edson Luz Knippel. Op. Cit. 20 Ib. Idem. 21 Edson Luz Knippel. Op cit.

23

físico, quando recair sobre um coisa ou um objeto, p. ex., o roubo; o efeito

fisiológico, quando recair sobre o corpo humano, p.ex., o homicídio, lesão

corporal; e o efeito psicológico, quando recair sobre o aspecto psicológico do

indivíduo, p. ex., o crime de ameaça.

O nexo causal é o vínculo, o elo de ligação entre a

conduta e o resultado.

Causa é todo fato sem o qual o resultado não teria

ocorrido. Tudo que antecede ao resultado e que seja imprescindível para a sua

produção é considerado como causa. As causas não possuem hierarquia entre

si, são de igual relevância.

Para identificarmos o que é causa, devemos indagar as

seguintes questões: excluindo determinado fato antecedente ao resultado este

teria ocorrido? Se excluirmos determinado fato teria ocorrido o crime do modo

como o foi? No tempo que ocorreu? Naquele local? Se a resposta for “sim” o

fato não é causa, se a resposta for “não” o fato é causa22.

Temos então que, em regra, causa é a condição apta a

produzir o resultado, conforme preconiza o art. 13 do Código Penal Brasileiro:

“O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a

quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o

resultado não teia ocorrido”.

Para serem considerados causa os fatos devem ter sido

praticados por dolo ou culpa, estes configuram os elementos subjetivos ao

conceito de causa.

22 Edson Luz Knippel. Op. Cit.

24

2.4.1. TIPICIDADE

Quanto à tipicidade, quando nos referimos a esta,

estamos falando sempre de normas penais incriminatórias.

A lei, ao definir o que são crimes, limita-se a dar uma

descrição objetiva do comportamento proibido, p. ex., matar alguém.

Entretanto, em muitos delitos o legislador se utiliza de outros recursos,

chamados de elementos normativos ou subjetivos do tipo. Tipo é o conjunto

dos elementos do fato punível descrito na lei penal. O tipo exerce uma função

limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É

uma construção que surge da imaginação do legislador que descreve

legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Cada tipo possui

características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros,

desempenhando uma função particular, e a ausência de um tipo não pode ser

suprida por analogia ou interpretação extensiva23.

Portanto, a tipicidade funciona como um indício de

ilicitude, que pode ou não se confirmar. Ela é o encaixe entre a norma e o fato,

p. ex., quando A mata B. Só deixará de ser ilícito se o indivíduo agir em

legítima defesa.

Para que haja crime a tipicidade é imprescindível.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt24, a tipicidade é uma

decorrência natural do princípio da reserva legal: “nullum crimem nulla poena

signe praevia lege”. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente

com a moldura abstratamente descrita na lei penal.

23 Op. Cit. p. 222 24 Op. Cit. p. 223.

25

Para Damásio E. de Jesus25 tipicidade é a

correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada

espécie de infração contida na lei penal incriminadora. Um fato para ser

adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto

é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na

lei.

2.4.2 ADEQUAÇÃO TÍPICA

A adequação típica pode se dar direta ou indiretamente.

Diretamente se dá entre o fato e a norma, sem a necessidade do emprego de

um outro dispositivo. A adequação típica indireta (ou extensão) é aquela que se

dá entre o fato e a norma com o auxílio de outro dispositivo26.

Exemplo: tipo penal – matar alguém:

- quem disparou a arma é o autor do crime (adequação direta). Art. 121,

CP.

- alguém que emprestou a arma para A matar B, para punir este terceiro é

necessário adequar o art. 121 com o art. 29, caput, CP. C empresta a

arma para A matar B (adequação indireta).

O tipo penal matar alguém é uma conduta dolosa (art. 18,

II, CP). A mata B culposamente (adequação indireta). Quem auxilia A é

considerado como partícipe ou co-autor. A mata B dolosamente (adequação

direta). A é autor de crime doloso consumado.

25 Damásio E. de Jesus. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 228. 26 Edson Luz Knippel. Op. Cit.

26

2.4.3 FUNÇÃO DO TIPO PENAL

Atribui-se duas funções fundamentais ao tipo penal, quais

sejam, a função indiciária e a função de garantia.

Na função indiciária o tipo circunscreve a delimita a

conduta penalmente ilícita, ou seja, a circunstancia de uma ação ser típica

indica que, provavelmente, será também antijurídica27.

Pela função de garantia o tipo de injusto é a expressão

mais elementar, ainda que parcial, da segurança decorrente do princípio da

reserva legal. Todo cidadão ante de realizar um fato, deve ter a possibilidade

de saber se sua ação é ou não punível.

O tipo cumpre, além da função fundamentadora do

injusto, também uma função limitadora do âmbito do penalmente relevante.

Assim, tudo o que não corresponder a um determinado tipo de injusto será

penalmente irrelevante28.

2.5 ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO TIPO

O tipo compõe-se de elementos descritivos, normativos e

subjetivos29.

Os elementos objetivos-descritivos referem-se a objetos,

seres, animais, coisas ou atos perceptíveis pelos sentidos. Eles não oferecem,

em regra, nenhuma dificuldade, a não ser a sua cada vez menor utilização na

definição das infrações penais.

27 Cezar Roberto Bitencourt. Op cit. p 224. 28 Op cit. p. 225. 29 Edson Luz Knippel. Op. Cit.

27

Já os elementos normativos são circunstancias que não

se limitam a descrever o natural, mas implicam um juízo de valor. P. ex., “sem

justa causa”, “alheia”, “injustamente” etc.

Por fim, os elementos subjetivos são constituídos pelo

elemento subjetivo geral, o dolo e a culpa.

2.5.1 DOLO E CULPA

Dolo e culpa são elementos da teoria geral do crime que

animam a conduta. São elementos subjetivos que estão presentes no

inconsciente do agente.

Pelas suas naturezas jurídicas, são elementos do fato

típico.

O dolo é a vontade livre e consciente ou a aceitação da

produção do resultado. Pela redação do art. 18, I do Código Penal, diz-se o

crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-

lo.

O dolo é composto pela vontade de realizar a conduta

típica, ou seja, quando o agente quer praticá-la, e, pelo conhecimento dos

elementos do fato típico na sua totalidade. Neste último caso, à guisa de

exemplo, podemos citar o aborto (art. 126, CP). É necessário que o agente

saiba que a mulher está grávida.

O dolo pode ser direto ou indireto e genérico ou

específico. Será direto quando o agente quer a produção do resultado, p. ex.,

quer matar, e indireto, quando o agente não quer a produção do resultado, mas

com a sua conduta assumiu o risco de produzi-lo.

28

O dolo indireto ainda pode ser classificado em eventual

ou alternativo. Será eventual quando o agente não quer o resultado, mas aceita

a riso de produzi-lo. Neste caso a palavra chave é “aceitação do risco”.

O dolo será alternativo quando o agente possuir duas

opções claras, quais sejam, cometer ou não o crime, independente do que

acontecer o agente se satisfaz.

Já a culpa, pode ser dividida em três modalidades, quais

sejam, a imprudência, imperícia e negligencia.

A imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou

perigosa e tem caráter comissivo. Negligencia é a displicência de agir, a falta

de precaução, a indiferença do agente, que podendo adotar as cautelas

necessárias, não o faz. É não fazer o que deveria ter feito. A imperícia é a falta

de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o

exercício de arte, profissão ou ofício30.

Existem ainda três espécies de culpa, são elas: a culpa

consciente, a culpa inconsciente e a culpa imprópria. Há a culpa consciente

quando o agente, embora prevendo o resultado, espera sinceramente que este

não se verifique. Já a culpa inconsciente se configura pela ação sem previsão

do resultado previsível. Ela se caracteriza pela ausência absoluta de nexo

psicológico entre o autor e o resultado de sua ação. Por último, temos a culpa

imprópria que só pode decorrer de erro culposo sobre a legitimidade da ação

realizada31.

30 Op cit. p. 249-250 31 Ib idem. p. 250-251

29

CAPÍTULO III

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 3.1 ORIGEM

O Princípio da Insignificância já vigorava no Direito

Romano, onde o pretor não cuidava de causas ou delitos de bagatela,

conforme o brocardo “mínima non curat pretor”32.

Tal princípio, de acordo com os doutrinadores alemães, a

“criminalidade de bagatela” - Bagatelledelikte, surge na Europa, em razão das

crises sociais decorrentes das duas grandes guerras mundiais. O excessivo

desemprego e a falta de alimentos, dentre outros fatores, provocou um surto de

pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a

denominação “criminalidade de bagatela”33.

Desta forma, podemos concluir que a origem deste

princípio se relaciona com a questão econômica e patrimonial haja vista que

apenas as ações que provocavam um pequeno e irrisório dano a outrem era

considerada como um delito de bagatela, não sendo necessário a aplicação

das normas de Direito Penal.

Destarte, Maurício Antônio Ribeiro Lopes34 critica essa

origem em razão da ausência de especificidade do princípio, que servia para

justificar menos a ausência de providências estatais na esfera penal do que no

32 Diomar Ackel Filho apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Princípio da Insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 41. 33 Extraído do site Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Mauricio Macedo dos Santos; Viviane Amaral Sega. Análise do Princípio da insignificância após a edição da Lei 9.099/95. Disponível em http://www.ibccrim.org.br/juridico.php?PHPSESSID=893a653de08fcb746443f51f4d00fc4c&tipo=n&id=83. Acesso em 26.01.2006. 34 Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Princípio da Insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 41-42.

30

Direito Civil. Afirma ainda que os romanos tinham bem desenvolvido o Direito

Civil, mas questiona a noção do princípio da legalidade penal, asseverando que

existe naquele brocardo menos do que um princípio, um mero ditado, que

serve apenas como referência.

Ressalta ainda o Autor que tem-se pretendido revestir o

princípio da insignificância com um caráter exclusivamente econômico,

entretanto, o Bagatelledelikte não é uma regra de cunho patrimonial, mas um

princípio de direito penal e como tal sujeito a influir, direcionar e determinar o

conteúdo de todas as normas penais. É um juízo de valor social que deve ser

projetado sobre todas as condutas definidas como crime, informando o tipo

penal com um conteúdo substantivo a apenas autorizando a sua incidência

diante de uma avaliação positiva do grau de repercussão jurídico-social de que

deve se revestir um fato para ingressar no terreno da incidência das normas

penais35.

O princípio da insignificância se originou e evoluiu

historicamente sempre fortemente ligado ao princípio da legalidade em matéria

penal - nullum crimen nulla poena sine lege -, passando por transformações

que o tornaram “a mais sólida garantia conferida à liberdade individual dentro

de um estado de regime democrático”36.

Mais adiante, foram surgindo gradativamente os

princípios da anterioridade, da irretroatividade da lei penal incriminadora e da

retroatividade da lei penal mais benéfica. À partir daí, diversos outros princípios

penais foram surgindo, quais sejam, o princípio da taxatividade, princípio

nullum crimem nulla poena sine lege stricta (proibia o emprego da analogia

para a criação de delitos, ou para agravar ou justificar a pena); o princípio

nullum crimen nulla poena sine iuria, segundo o qual havia a necessidade da

relevância do mal que justificasse a aplicação de pena. E é neste último que

podemos verificar o indício de se evitar que delitos insignificantes a 35 Op cit. 36 Ib idem. p. 44.

31

determinados bens jurídicos protegidos pelo Estado ensejassem uma sanção

penal.

A partir do Iluminismo, com a propagação do

individualismo político e desenvolvimento do princípio da legalidade, vários

autores jusnaturalistas e iluministas propuseram um estudo mais sistematizado

do princípio da insignificância37.

Segundo Hans-Heinrich Jescheck38, a origem se assenta

na teoria do contrato social do Iluminismo, segunda a qual a construção do

Estado teria origem no contrato social, fazendo deste um mero instrumento de

garantia dos direitos do homem. O Estado tinha como missão estabelecer a

proteção efetiva desses direitos. Dentro desses direitos estaria inserto o

princípio da reserva legal, ou seja, que dispunha que somente a lei, e anterior

ao fato, poderia estabelecer o que era delito e qual a pena aplicável.

Desta forma, o Iluminismo preconizava a limitação do

poder do Estado, somente era ilícito aquilo que a lei proibia. Seus pensadores

achavam necessária a contenção do arbítrio judicial com a conseqüente

submissão do magistrado à norma, único elemento capaz de estabelecer o que

é antijurídico e as sanções pertinentes39.

Dentro deste contexto, Cesare Bonesana (ou Marquês de

Beccaria), em sua obra Del delitti e delle pene, de 1764, argumentava ser o

legislador o único agente capaz de estabelecer normas, por representar toda a

sociedade unida por um contrato social, e que, apenas estas leis, poderiam

37 Extraído do site Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Mauricio Macedo dos Santos; Viviane Amaral Sega. Análise do Princípio da insignificância após a edição da Lei 9.099/95. Disponível em http://www.ibccrim.org.br/juridico.php?PHPSESSID=893a653de08fcb746443f51f4d00fc4c&tipo=n&id=83. Acesso em 26.012006. 38 Jescheck, Hans- Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general. Barcelona: Bosch. 1981. p. 177 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Princípio da Insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 45. 39 Extraído do site Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Mauricio Macedo dos Santos; Viviane Amaral Sega. Op cit.

32

indicar as penas de cada delito. Quanto à medida dos delitos, Beccaria

entendia que “a exata medida do crime é o prejuízo causado à sociedade40”.

Assim, o princípio da legalidade foi agregado às

constituições inglesa e americana, e também, sendo o princípio da

insignificância absorvido por elas de forma implícita. Já a França, com a sua

Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em

1789, traz notável expressão do princípio da legalidade, bem como do princípio

da insignificância em seu art. 5º, ao dizer que a lei não proíbe senão as ações

nocivas à sociedade41.

Porém, na Alemanha nazista foi instituída a idéia de que

o delito não previsto em lei seria castigada por uma que melhor se encaixasse

a ele.

Diante do aqui exposto, percebemos que o princípio da

insignificância teve sua origem e evolução histórica sempre relacionadas ao

princípio da legalidade, mas apenas neste século ganhou força e seriedade,

podendo ser aplicado em casos concretos.

3.2 CONCEITO DE INSIGNIFICÂNCIA

No Brasil, o princípio da insignificância é um princípio

puramente doutrinário, não existe definição no ordenamento jurídico, seja em

leis, códigos ou até na Constituição Federal. Apenas doutrina e a jurisprudência

afirmam e defendem sua existência e aplicabilidade, procurando conceitua-lo.

40 Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1983. 41 Sidnei Agostinho Beneti. A Constituição e o Sistema Penal. AJURIS, Porto Alegre, n. 56, ano IX, nov/1992 apud Mauricio Macedo dos Santos; Viviane Amaral Sega. Op. Cit.

33

Segundo Diomar Ackel Filho42 “o princípio da

insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a

tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de

bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração

da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta o juízo

de censura penal”.

Insignificante que dizer ninharia, algo irrisório, que não se

trata de um ataque intolerável a determinado bem jurídico, que justifique a

intervenção penal.

Os delitos de bagatela seriam as infrações que produzem

uma lesão de mínima repercussão social, razão pela qual não se justifica a

aplicação das normas penais.

Para Cezar Roberto Bitencourt43, “é necessário uma

efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e

a drasticidade da intervenção estatal. Freqüentemente, condutas que se

amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não

apresentam nenhuma relevância material. Essas circunstâncias, podem-se

afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não

chegou a ser lesado. [...] Assim, a irrelevância ou insignificância de

determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação a importância do

bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua

intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida”.

Adotamos, portanto, a teoria de que por este princípio

exclui-se a tipicidade material do crime por ausência de seu elemento material,

como será demonstrado neste trabalho mais adiante.

42 Diomar Ackel Filho. O princípio da insignificância no direito penal. Revista de jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, v. 94, p. 72-77, abr-jun. 1988 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Princípio da Insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 51. 43 Cezar Roberto Bitencourt. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais. 4ª edição. 1997 p. 45-46.

34

Vale ressaltar, a primeira vez que surgiu o nome

“princípio da insignificância” foi no julgamento pelo STF do Habeas Corpus nº

66.869-1/PR em 06.12.1988, num caso de lesão corporal culposa em acidente

de transito, onde ficou comprovada a inexpressividade de lesão (pequena

equimose) e em razão disto entendeu-se pela não configuração do crime,

impedindo assim a instauração da ação penal44.

3.3 FUNDAMENTOS DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

A fim de delimitarmos o que vem a ser o princípio da

insignificância, devemos abordá-lo levando-se em consideração os demais

princípios de direito penal. Podemos dizer que tais princípios fundamentam o

princípio doutrinário da insignificância. Vejamos:

3.3.1 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Segundo Maurício Antonio Ribeiro Lopes45 “o princípio da

insignificância se ajusta à equidade e correta interpretação do Direito. Por

aquela acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em

uma sociedade, liberando-se o agente, cuja ação, por sua inexpressividade,

não chega a atentar contra os valores tutelados pelo Direito Penal. Por esta, se

exige uma hermenêutica mais condizente do Direito, que não pode se ater a

critérios inflexíveis de exegese, sob pena de se desvirtuar o sentido da própria

norma e conduzir a graves injustiças”.

Afirma ainda que essa conexão é uma das bases de

sustentação da bagatela como força excludente do crime.

44 Luis Flávio Gomes. Revista Diálogo Jurídico. Delito de Bagatela: Princípio da Insignificância e da irrelevância penal do fato. Ano 1 – Vol. I. N.º 1. Abril de 2001. Salvador/BA. Disponível no site: www.direitopublico.com.br. Acesso em 15.03.2005. 45 Op cit. p. 55.

35

Entendemos que nem sempre a pena privativa de

liberdade seja a punição ideal para determinados crimes, tais como os delitos

de bagatela. Aplicar a lei, porque está escrito em um papel que assim deve ser

feito não nos parece o mais coerente com a finalidade social e ética que o

Direito possui. Assim não se faz justiça, pelo contrário, ofende o Estado

Democrático de Direito.

O indivíduo não pode ser tratado de maneira desigual

pelo Estado, ou seja, não se pode aplicar sanções penais sem considerar todas

as circunstâncias que envolvem o delito, principalmente, a sua relevância para

a sociedade.

Desta forma, nos casos de infrações de bagatela, deve

ser aplicado ao princípio da insignificância com o intuito de propalar o princípio

da igualdade, previsto no artigo 5º, CF.

Igualmente, seja para identificar a conduta, seja para

estabelecer a sanção penal desta, ou para aplicar a lei penal, deve valer

sempre uma regra típica que deve ser geral, impessoal e igualitária. É a

manifestação da igualdade perante a lei46.

Penas igualmente impostas podem ser desigualmente

cumpridas como nova forma de garantia da isonomia material entre os

sentenciados, conforme venham, de acordo com o mérito, demonstrar melhor

receptividade às finalidades da pena47.

46 Op. cit. p. 57. 47 Ib idem. p. 58.

36

3.3.2 O PRINCÍPIO DA LIBERDADE

O princípio constitucional da liberdade é um dos pilares

de sustentação da democracia. O art. 3º, I, localizado no preâmbulo da

Constituição Federal estabelece como objetivo fundamental do Estado

brasileiro a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Portanto, é o

reconhecimento jurídico de determinado âmbito de autodeterminação

individual, onde o Estado não pode adentrar. São os direitos do homem ou as

liberdades fundamentais, e ainda, o núcleo inviolável do sistema político da

democracia constitucional48.

Vale dizer, o princípio da liberdade traz a noção de

liberdade de ação em sentido geral, pela adoção do princípio da legalidade

geral, segundo o qual, ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo

senão em virtude de lei. Refere-se a liberdade física do homem, liberdade de

locomoção, aquela atingida diretamente pela pena criminal que sempre, direta

ou indiretamente, põe em risco pelo instituto da pena criminal49.

O princípio da insignificância funciona como um momento

de intervenção da pena criminal aos momentos máximos de gravidade no

instrumento representativo do direito de liberdade, conferindo um determinado

padrão de atuação ética ao Direito Penal e valorizando o princípio da dignidade

da pessoa humana em sua expressão libertária.

A sociedade brasileira que queremos construir deve ser

livre, estabelecendo políticas que tragam a inserção de modelos alternativos e

substitutivos para as penas que contrariam a liberdade. Há a valorização da

liberdade individual, limitando as possibilidades e o tempo de cárcere.

48 Op. cit. p. 58. 49 Ib idem. p. 59.

37

Para Maurício Antonio Ribeiro Lopes50 este princípio leva

a descaracterização do modelo penitenciário fechado e à eliminação gradual

dos processos de prisionização por um constante avanço de propostas e

perspectivas deslegitimadoras e abolicionistas das penas de prisão.

Desta forma, não se visa permissões sem limites,

irresponsabilidade, mas tão somente a aplicação de um modelo mais justo,

igualitário e eficiente, que deve ser cumprido de forma integral, responsável e

fiel, garantindo as hipóteses de intervenção do estado na liberdade do homem

e nos bens jurídicos.

A lei é um critério para aplicação da justiça, mas não é o

único, ela pode e deve ser superada através da interpretação do Juiz, seus

limites pode ser rompidos em benefício do interesse da liberdade e da justiça.

Sendo assim, estabelecer regras de compreensão e aceitação das condutas

humanas justificadoras do tratamento penal mais brando trata-se de elevar o

valor ético, prestigiando a solidariedade no modelo social constitucional.

A lei serve como estímulo aos impulsos de solidariedade

social, tendo papel relevante quanto às regras operacionais da execução penal,

pois através da inserção na sociedade dos limites da finalidade da pena pode

obter o efetivo alcance da lei51.

3.3.3 O PRINCIPIO DA RAZOABILIDADE

A razoabilidade é um princípio geral informativo do

sistema jurídico positivo, é ela que dá consistência à possibilidade material de

realização da justiça na aplicação concreta da lei penal, pois opera um limite

para redução da normatividade positiva do Direito através de uma fixação

50 Op. cit. p. 60. 51 Op. cit. p. 61.

38

criteriosa de métodos conhecedores e desconhecedores da relevância ético-

jurídica dos fatos praticados, através de uma interpretação da própria norma e

do Direito como um todo.

O Direito, por ser uma ciência de natureza social, que lida

com valores humanos, não pode ser interpretado de modo inflexível, apenas

com base na lógica pura. Afinal, o direito não pode ser aplicado

matematicamente, de forma intransigente, sob pena de se distanciar da

realidade humana. É necessário um equilíbrio na sua atuação e na utilização

das decisões judiciais.

Desta forma, entendemos ser plenamente válida a

conclusão obtida por Diomar Ackel Filho52, ao afirmar que é o que justamente

ocorre no caso da insignificância, qual seja, “a interpretação com bases em

critérios de razoabilidade, desconsidera um determinado fato como obre

criminosa, valorando-a como insignificante e, portanto, destituído de

reprovabilidade, de modo a impedir que se possa subsumir num standart de

tipicidade da lei penal”.

Concluímos então que é irrelevante para o Direito

ofensas mínimas, como p. ex., um leve arranhão como resultado de uma lesão

corporal. O direito deve se ocupar apenas das ofensas efetivas e idôneas à

integridade corporal ou à saúde. No caso do exemplo acima falta a

reprovabilidade do fato, que não tem valor penal relevante. Entretanto, a

conduta típica nunca é isenta de valor, mesmo quando ocorre a ilicitude.

52 Diomar Ackel Filho. O princípio da Insignificância no direito penal apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. 62.

39

3.3.4 A HERMENÊUTICA PENAL Como ensina Maurício Antonio Ribeiro Lopes53, a

subsunção de um fato a um conceito normativo é uma relação que se

estabelece a partir de se considerar o fato como um conceito também.

Somente à partir daí pode considerar a subsunção.

A fixação de um conceito para se atingir o conteúdo

jurídico do princípio da insignificância realiza o juízo para o que seja o fato

sobre o qual incidirá a norma. A conceituação do fato deve conter um mínimo

ético-jurídico de relevância social para que possa ser objeto de incidência da

sanção penal.

Apenas há incidência da norma sobre o fato se

confirmado um valor pressuposto pelo Direito.

No direito penal há o depósito de um determinado valor

que apenas diante da confirmação mínima de igualdade (entre o tipo sobre o

fato), autoriza a incidência da sanção penal. Ou seja, os tipos penais estão

previamente informados de uma noção de valor social. O tipo expressa esse

valor por diversos meios, quais sejam, a classificação do delito, o objeto

jurídico, sujeitos etc.

Apenas quando diante do valor social expresso no tipo se

depositar a noção de “mais valia jurídico-penal”do fato em relação à norma é

que se poderá definir o fato como crime54.

Concluímos então que a conduta criminosa só existirá

quando se confirmar os valores que formam o fato típico e aqueles ocorridos no

caso concreto.

53 Op. cit. p. 64. 54 Op. Cit. p. 64.

40

3.3.5 O PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE

Segundo Damásio de Jesus55, este princípio é

decorrência dos princípios da reserva legal e da intervenção necessária

mínima. O autor ensina que o direito penal não protege todos os bens jurídicos

de violações, só os mais importantes. E, dentre estes, não os tutela de todas as

lesões, intervém somente nos casos de maior gravidade, protegendo um

fragmento dos interesses jurídicos. Por isso é fragmentário.

O legislador ao estipular o tipo penal, visa apenas o

prejuízo relevante que aquela conduta criminosa possa causar a sociedade e a

ordem jurídica, sem ter, como evitar que esta disposição legal atinja, também

os casos leves, de maneira desproporcional.

É o que preceitua Carlos Vico Mañas56 ao afirmar que o

princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa

espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal,

com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra

constitucional do nullum crimen sine lege, nada mais faz do que revelar a

natureza subsidiária e fragmentária do Direito Penal”.

Em síntese, entendemos que o Direito Penal possui um

caráter fragmentário, haja vista que deve se preocupar somente dos casos em

que há uma ameaça grave aos bens jurídicos protegidos pelo Estado, portanto,

não deve se preocupar com delitos insignificantes.

55 Damásio de Jesus. Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 02. 56 Carlos Vico Mañas apud Mauricio Macedo dos Santos; Viviane Amaral Sega. Análise do Princípio da insignificância após a edição da Lei 9.099/95. Disponível em http://www.ibccrim.org.br/juridico.php?PHPSESSID=893a653de08fcb746443f51f4d00fc4c&tipo=n&id=83. Acesso em 26.01.2006.

41

3.3.6. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

A subsidiariedade do direito penal, que pressupõe sua

fragmentariedade, deriva de sua consideração como remédio sancionador

extremo, que deve, portanto, ser ministrado apenas quando qualquer outro se

revele ineficiente57.

O direito penal deve ser o último remédio, ou seja, ser

aplicado em último caso. Não se pode aplicar uma sanção mais grave quando

atinge-se o mesmo resultado se aplicar uma sanção mais leve.

A utilização do direito penal onde bastem outros

procedimentos mais suaves para preservar e reinstaurar a ordem jurídica não

dispõe da legitimação da necessidade social e perturba a paz jurídica,

produzindo efeitos que contrariam o Direito58

3.3.7. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DA PENA

De acordo com Damásio de Jesus59, este princípio

também chamado de “princípio da proibição de excesso”, determina que a

pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato.

Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. Daí dizer-se

que a culpabilidade é a medida da pena”.

Para Eugenio Raúl Zaffaroni60, o fundamento do princípio

da insignificância está na idéia de proporcionalidade que a pena deve guardar

em relação à gravidade do crime. Assim, nos casos de mínima afetação ao

57 Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 68 58 Claus Roxin. Política Criminal y sistema Del derecho penal, Barcelona: Bosch, p. 53 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op cit. p. 68. 59 Damásio de Jesus. Op. cit. p. 03. 60 Eugenio Raúl Zaffaroni. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Ediar, vol III, p. 554 et seq apud Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 69.

42

bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma

razão para o fator ético de aplicação da pena.

Portanto, ao não se respeitar este princípio, há afronta a

finalidade do Direito Penal e principalmente o Estado Democrático de Direito.

3.4 RELAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS

DE DIREITO PENAL

3.4.1 LEGALIDADE E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da legalidade possui uma função de garantia

aos cidadãos. Não se pode criar uma espécie de crime após a realização da

conduta. Tem por alcance as infrações penais: crime e contravenção penal e

por finalidade garantir a segurança, seja com a pena ou medida de segurança.

A legalidade possui quatro desdobramentos, para ser

válida e eficaz ao caso concreto, de modo a garantir a correta e justa

cominação das normas penais, quais sejam:

a) a lei deve ser prévia: a previsão do crime deve vir anteriormente à prática

dele.;

b) a lei deve ser escrita: deve estar redigida, codificada;

c) a lei deve ser estrita: apenas a lei pode definir o que é crime e criar as penas

aplicáveis a cada espécie de crime,

d) a lei deve ser certa: deve ser dotada de clareza, didática.

Para Maurício Antonio Ribeiro Lopes61 um direito penal

que se pretenda moderno e que viceje no interior de um espírito típico de um

Estado Democrático de Direito não se contenta com uma garantia da

61 Op. cit. p. 75.

43

legalidade que se limite ao plano formal, qual fosse o princípio na verdade e na

essência, uma reles projeção da anterioridade da lei penal. Impõe-se a

descrição de condutas marcadas de um sentido

Além disso, a marca evolutiva do princípio da legalidade

levou à construção do nullum crimem nulla poena sine injuria, ou seja, não há

crime sem dano relevante a um bem jurídico penalmente protegido; este

desdobramento do princípio da legalidade é o que mais se relaciona ao

princípio da insignificância, visto que traz como premissa o espírito deste, isto

é, casos que não tenham relevância social não devem sobrecarregar o Poder

Judiciário, pois não acarretam um resultado significante, assim, desconsidera-

se a tipicidade, já que não houve um dano considerável a um bem jurídico

protegido62.

Uma parte da doutrina afirma ser inaplicável o princípio

da insignificância por não estar previsto na legislação e, portanto, não

incorporado ao ordenamento jurídico. Entendemos que esta é uma posição

mais formalista, que, não merece proceder, pois nem todos os princípios estão

necessariamente expressos no ordenamento jurídico. Assim, existem

princípios que são normativos e outros que são meramente doutrinários, como

é o caso do princípio da insignificância, o que não implica considerá-lo menos

importante, já que não está em hierarquia inferior a nenhum outro princípio,

pois, os princípios não possuem hierarquia entre eles, aliás, podem até ser

aplicados simultaneamente.

3.4.2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Segundo Damásio de Jesus63 “procurando restringir ou

impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária

62 Mauricio Macedo dos Santos; Viviane Amaral Sega. Op cit. 63 Op. cit. p. 02

44

de crimes e a imposição e penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de

tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só devendo intervir o

Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do direito não

conseguem prevenir a conduta ilícita”. Esta é a definição de princípio da

intervenção mínima para o referido Autor.

Conforme Maurício Antônio Ribeiro Lopes64 parte da

doutrina confunde o princípio da insignificância com o da intervenção mínima,

criando às vezes um problema conceitual insolúvel.

Apesar de serem institutos correlatos eles guardam uma

independência facilmente visível.

O princípio da intervenção mínima surgiu em razão do

princípio da legalidade não ter tido força suficiente para eliminar do direito

penal o arbítrio do Estado, uma vez que este poderia respeitar a prévia

legalidade dos delitos e penas, mas poderia criar penas vexatórias. Por tal

razão surgiu o princípio da intervenção mínima.

Claus Roxin65 entende que a pena é a intervenção mais

radical na liberdade do indivíduo que o ordenamento jurídico permite ao

Estado, desta forma, o Estado não deveria recorrer ao direito penal se existir a

possibilidade de garantir uma proteção suficiente com outros instrumentos

jurídicos.

Por este princípio, entendemos que a pena só deve ser

aplicada em último caso, quando nenhum outro ramo do direito consiga

resolver o conflito. Se outras formas de sanção previstas no ordenamento são

suficientes para proteger determinado bem jurídico, não há cabimento para a

criminalização. Além disso, quando se exagera no uso da pena, ela perde sua

função de intimidar e ressocializar os indivíduos.

64 Op. Cit. p. 78 65 Claus Roxin. Iniciación al derecho penal de hoy, Universidad de Sevilla, 1981, p. 23 apud Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 79.

45

A criminalização de determinada conduta que ofenda

bens ou valores fundamentais de forma grave ou que os tenha exposto a

perigo idôneo só se justifica se a controvérsia não pôde ser resolvida por outros

meios de controle social, seja formal ou informal, menos onerosos (princípio da

necessidade), o que caracteriza o direito penal como sendo subsidiário66.

Como forma de solução a Declaração de Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789, no artigo 8º determinou que a lei apenas deve

estabelecer penas estrita e devidamente necessárias. Assim, surgiu um

princípio orientador e limitador do poder criativo do crime pelo legislador, qual

seja o princípio da necessidade ou da intervenção mínima.

Assim como o princípio da insignificância, o princípio da

intervenção mínima também não se encontra expresso em lei.

Francisco Munoz Conde67 defende que se trata de um

princípio de política criminal que limita o poder punitivo do Estado e ainda se

configura em um pressuposto político do Estado Democrático de Direito.

Distinguem-se os princípios da intervenção mínima e da

insignificância porque o primeiro busca uma transformação nos valores

abstratamente selecionados para compor o sistema penal, criando assim um

rigor maior ao se estabelecer as condutas, em razão do grau de gravidade

perante a sociedade, para determinar a valorização do bem jurídico objeto de

seu conteúdo. Já o princípio da insignificância “dirige uma hermenêutica

dinâmica projetada sobre o Direito Penal já construído, buscando atualizar e

66 Alice Bianchini. Pressupostos Materiais Mínimos da Tutela Penal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.142 apud Sandro Damato Nogueira. O princípio da intervenção mínima e a lei penal especial para os crimes de informática. Disponível em: http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos.crimes.informática.29.11.htm. Acesso em 07.02.2006. 67 Francisco Munoz Conde. Introducción al derecho penal, Barcelona: Bosch, 1975, p. 71 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. Cit. p. 80.

46

materializar a tipicidade e a ilicitude em função do resultado concreto da ação

inspiradora da conduta”68.

Desta forma, o princípio da intervenção mínima é definido

como regra de determinação qualitativa abstrata para o processo de tipificação

das condutas. O princípio da insignificância é definido como regra de

determinação quantitativa material ou intelectual no processo de interpretação

da lei penal para confirmação do preenchimento integral do tipo69.

Vale informar que o princípio da intervenção mínima está

diretamente ligado aos critérios do poder legislativo de elaboração de leis

penais, sendo sua utilização judicial mediata, cabível apenas como recurso

para dar unidade sistêmica ao Direito Penal. Já a insignificância é de utilização

judicial imediata como forma de determinar a existência do crime em face da

tipicidade material e da ilicitude concreta70.

3.4.3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E LESIVIDADE

Quando falamos em insignificância, é impossível não

falar em lesividade, haja vista que se a lesão é mínima, forçoso é admitir que o

bem jurídico tutelado pelo Direito penal não foi atingido.

Nas palavras de Damásio de Jesus71, segundo este

princípio, o Direito Penal só deve ser aplicado quando a conduta lesiona um

bem jurídico, não sendo suficiente que seja imoral ou pecaminosa. Segundo

este Autor, este princípio pode ser extraído do art. 98, I da Constituição

Federal, ao disciplinar as infrações penais de menor potencial ofensivo.

68 Op. cit. p. 82. 69 Ib idem. 70 Ib idem. 71 Damásio de Jesus. Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 02.

47

Especificamente, sobre a relação do princípio da insignificância e os crimes de

menor potencial ofensivo trataremos mais adiante, ainda neste capítulo.

O Direito Penal só pode assegurar a ordem pacífica

externa da sociedade, fora desse limite não está legitimado nem é adequado

para a educação moral dos cidadãos.

Desta forma, quando falamos em lesividade, queremos

dizer que apenas poderão ser punidas as condutas que lesionem efetivamente

os direitos de outras pessoas. Neste sentido não há que se falar em lesividade

nas condutas imorais, diferentes, escandalosas, porque nestas não incide a

intervenção do Direito Penal.

Nilo Batista72 afirma que existem quatro funções básicas

deste princípio, quais sejam, a) proibir a incriminação de atitudes internas, que

não são exteriorizadas, p. ex., desejos, intenções, sentimentos etc; b) proibir a

incriminação de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor, p. ex. a

auto lesão, os atos preparatórios; c) proibir a incriminação de estados ou

condições existenciais, p. ex. a culpabilidade pela conduta ao longo da vida e,

por fim, d) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem

qualquer bem jurídico, p. ex., aquela desaprovada pela sociedade.

Maurício Antonio Ribeiro Lopes73 afirma ainda que o

princípio da lesividade está diretamente posto em função da noção categorial

de bem jurídico, uma vez que este põe-se como sinal de lesividade do crime

que o nega, revelando e demarcando a ofensa. Essa materialização da ofensa,

de um lado, contribui para a limitação legal da intervenção penal, e por outro, a

legitima.

72 Nilo Batista. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990. p. 91. apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 83-84. 73 Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 85.

48

3.5 PODER DE PUNIR DO ESTADO E POLÍTICA CRIMINAL

Uma das funções primordiais do Estado é o poder de

punir, uma vez que a lei penal atribuiu somente a ele esta incumbência. A

nenhum cidadão por si só é permitido legalmente punir outrem por crimes e

delitos cometidos.

A Constituição Federal, no seu artigo 144, caput,

preconiza que “a segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e

da incolumidade das pessoas e do patrimônio...”

De acordo com José Frederico Marques74, o direito de

punir é “o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito

secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou

omissão descrita no preceito primário causando um dano ou lesão jurídica, de

maneira reprovável”.

Podemos afirmar que o poder de punir delegado ao

Estado é objeto de política criminal, pois cria mecanismos internos de controle

e adequação ética, controle social e político.

O Direito Penal tem por fim a proteção da sociedade e,

mais precisamente, a defesa dos bens jurídicos fundamentais, tais como a

vida, integridade física e mental, a honra, liberdade, patrimônio etc75.

Como assegura Maurício Antonio Ribeiro Lopes76, o

fundamento da existência do ordenamento punitivo se vincula à sua

necessidade para manter a ordem social. Afirma ainda que as finalidades a

74 José Frederico Marques. Tratado de Direito Penal. Campinas: Editora Bookseller. 1997. v. 1. p. 69-71. 75 Júlio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2001. p. 23. 76 Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 92.

49

serem alcançadas por um Estado Social e Democrático se orientam a fazer

possível chegar-se a alcançar um modelo de sociedade igualitária.

Assim, quando o Direito Penal intervém o fato já ocorreu e

o interesse maior da punição não é retribuir o mal causado, mas, por meio do

sofrimento do condenado, mostrar aos potenciais criminosos que não se deve

cometer crimes. Vê-se, assim, que o interesse é muito mais social do que

individual77.

Desta forma, a missão do direito penal seria possibilitar a

vida em comunidade, tendo presente só a danosidade social das condutas que

se quer evitar e, deste modo, assegurar o funcionamento e desenvolvimento de

um sistema social.

A fonte primária de legitimação do Direito Penal, como

instrumento de controle social de um determinado modelo de sociedade, reside

na capacidade que este venha a dispor de reduzir ao mínimo possível o grau

de violência que se gera em uma sociedade78.

Podemos afirmar que o Direito como um todo tem por

função atuar apenas quando for necessário para assegurar a ordem jurídica e

social, sem intervir imotivadamente na vida das pessoas.

Justamente por ser um instrumento de controle social, a

necessidade de que uma determinada conduta esteja punida com a cominação

de uma pena há de ser demonstrada e a demonstração há de se produzir em

todos os momentos por que passa o sistema penal79.

77 Alexandre Moreira Magno Fernandes. O Direito de Punir. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/31/1931/>. Acesso em: 12.02.2006. 78 Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 95 79 Op. cit. p. 93.

50

Desta forma é necessário que determinada conduta

esteja tipificada pelo legislador como delitiva e que sua realização esteja

ameaçada com uma pena de determinada intensidade. Que o cidadão que

realizou tal conduta seja castigado com uma certa quantidade de pena. E por,

fim, que o condenado a uma pena sofra em seus bens uma privação dessa

intensidade.

Como afirma Alberto Silva Franco80 qualquer que seja o

comprometimento assumido por uma pessoa em relação a um determinado

fato criminoso, tenha ela atuado como autora, como co-autora ou como

participe, responderá, penalmente, pela conduta posta em prática.

Como afirma Enrique Ordeig Gimbernart81 a reprovação

mais grave que se pode fazer ao legislador é que uma pena seja – em absoluto

ou em seu rigor – desnecessária, que se cause mais padecimento do que

aquele absolutamente imprescindível.

Outrossim, cabe observar que tal raciocínio corre rumo

ao princípio da intervenção mínima, banindo do sistema pela porta da

descriminalização as condutas que claramente não estiverem dispostas à

finalidade de controle social sob as regras da tipificação de fatos significativos à

ordem jurídica; mas corre também em socorro da validez do princípio da

insignificância, favorecido pela não legitimação da incidência do direito

repressivo penal sobre condutas que objetivamente não forem conteúdo de

relevância fática objetiva e material para justificação do recurso extremo da

pena criminal.

Entendemos então que o direito penal pode não só

criminalizar, como também descriminalizar determinadas condutas para assim

alcançar maior eficácia para com a sociedade.

80 Alberto Silva Franco. Crimes Hediondos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 21. 81 Enrique Ordeig Gimbernat. Tiene futuro la dogmática penal. Estúdios de derecho penal. Madrid: Tecnos, 1990 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 93.

51

O poder punitivo do Estado encontra seus limites nos

preceitos constitucionais estabelecidos como direitos e garantias individuais,

em especial, naqueles que resguardam a intangibilidade do jus libertatis

titularizado pelo réu.

Desta forma, direito de punir deve ser exercido pelo

Estado sempre vinculado às leis. Isto se justifica na medida em que, ao mesmo

tempo em que o ordenamento jurídico dá ao Estado o direito de punir, também

limita esse direito, que só pode ser exercido nas condições e limites

estabelecidos nas normas constitucionais, penais e processuais penais.

Em um Estado Democrático de Direito, em que a

Constituição Federal traz os as garantias fundamentais e os princípios que

devem reger o ordenamento, o legislador deve escolher a política criminal mais

adequada, não criminalizando condutas que não trarão prejuízo relevante para

a coletividade.

A política criminal que entendemos ser adequada deve

estar totalmente vinculada à realidade social, decidindo quais condutas devem

ser punidas levando-se em consideração a relevância de tais condutas e a

proteção da sociedade, respeitando sempre os ideais de proporcionalidade,

igualdade e liberdade.

A potestade punitiva somente se justifica para trazer a

harmonia entre o direito e a justiça.

Apesar destas considerações em nosso país na tentativa

de controlar o crescimento da criminalidade, o legislativo direciona sua atuação

em multiplicar as leis em matéria criminal, entendendo que esta seria a

resposta do Estado para diminuir a criminalidade.

52

Mas, como bem assevera Clovis Alberto Volpe Filho82

não é o número de condutas tipificadas que irão fazer diminuir a criminalidade,

pelo contrário, a sociedade sente-se desprotegida, pois o Estado não consegue

diminuir a violência e nem sequer garantir a segurança dos cidadãos. A

marginalidade e a criminalidade ganham uma força cada vez maior, em parte

pela certeza da impunidade e em outra pela corrupção que assola os entes

públicos, facilitando cada vez mais a vida dos criminosos.

O Direito Penal eficiente deve garantir a convivência

pacífica da sociedade, através de leis sérias, medidas retributivas,

ressocializadoras e em apenas casos efetivamente graves, medidas punitivas.

O Estado não pode punir todo e qualquer comportamento

humano sob a ameaça de uma pena. A lei deve definir como crimes aquelas

condutas que a sociedade efetivamente reprova e, em razão disso, reprimi-las

com as sanções mais graves. Não se pode usar o Direito Penal como um meio

de vingança, e muito menos banalizá-lo.

Quanto mais tipos penais são criados, mais normas são

infringidas e mais lotadas permanecem as cadeias, e nem por isso os crimes

deixam de serem cometidos.

Defendemos a idéia de que o Estado deve criar uma

política criminal em conjunto com os representantes da sociedade, reformando

as leis penais e as instituições públicas, ampliando os meios de participação da

sociedade, adotar medidas para combater e prevenir o crime, valorizar o

trabalho dos policiais, punindo aqueles que sejam corruptos e trabalhem para

os “dois lados”, combater o tráfico de drogas (que é a principal entrada para a

marginalidade), criando empregos, investindo em educação, habitação e

qualidade de vida para a população.

82 Extraído do site Jus Navigandi. Clovis Alberto Volpe Filho. Quanto mais comportamentos tipificados penalmente, menor o índice de criminalidade? Disponível em www.jus.com.br/principal/doutrina/direitopenal/direitopenalminimo Acesso em 20.01.2006.

53

Afinal, a luta contra a criminalidade não é exclusiva do

Direito Penal, mas sim de toda a população, principal beneficiária da paz

social.

3.6 A EXCLUSÃO DA TIPICIDADE MATERIAL DO CRIME NOS CASOS EM QUE SE

APLICAM O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Existem três teorias que procuram discutir e fundamentar

o princípio da insignificância, neste trabalho adotamos a teoria de que o

princípio da insignificância exclui a tipicidade material do crime, agindo como

descriminalizante. Vejamos:

A tipicidade formal caracteriza-se pelo ajuste de uma

conduta, efetivamente praticada, aos elementos do tipo legal do delito a ela

correspondente. Evidenciada a mera coincidência formal entre o fato real da

vida e a hipótese abstrata expressa na lei penal, o fato é formalmente típico.

A tipicidade material significa que não basta que a

conduta do agente se amolde ao tipo legal. É preciso que lesione ou coloque

em risco bens jurídicos penalmente relevantes, ou seja, se a conduta praticada

pelo autor não é capaz de lesionar bens jurídicos tutelados exclui-se a

tipicidade material do crime.

A aplicação do princípio da insignificância exclui a

tipicidade da conduta do agente frente à insuficiência de lesão ou exposição à

perigo do bem jurídico tutelado. A lesão que não representa uma danosidade

social, não seria significante, excluindo-se a tipicidade.

Como bem ressalva Júlio Fabrinni Mirabete83, a

excludente de tipicidade pelo princípio da insignificância, que a doutrina e a

83 Júlio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2001. p. 118

54

jurisprudência vem admitindo, não está inserta na lei brasileira, mas é aceita

por analogia, ou interpretação interativa, desde que não contrarie a lei.

É o que ocorre nos crimes em que se pode aplicar o

princípio da insignificância, p. ex., no furto de R$ 1,00 (um real), ou no furto de

uma galinha, uma cebola, um boné, uma lesão corporal levíssima ocorrida num

acidente de transito, ou num individuo consumindo uma quantidade ínfima de

maconha etc.

A ação descrita tipicamente há de ser geralmente

ofensiva ou perigosa a um bem jurídico. A redação do tipo penal deve portanto,

somente incluir prejuízos graves da ordem jurídica e social, porém não pode

impedir que entrem em seu âmbito os casos mais leves.

Desta forma o princípio da insignificância se caracteriza

pela conduta do agente que não ocasiona um resultado valorativo, não sendo

justificável a incidência do Direito Penal. Vale dizer, a insignificância se

fundamenta no desvalor do resultado84.

O Direito Penal só deve ir até onde seja necessário para

a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas. É preciso

considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca

insignificância para a vida em sociedade85.

3.7 A CARACTERIZAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA

Segundo Júlio Fabrinni Mirabete86 distingue-se a

criminalidade de bagatela dentre outras, pelas seguintes características:

84 Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. Cit. p. 114 – 122. 85 Carlos Vico Manas. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 53-54 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 117. 86 Júlio Fabbrini Mirabete. Op.cit. p. 119.

55

escassa reprovabilidade, ofensa a bem jurídico de menor relevância,

habitualidade, maior incidência nos crimes contra o patrimônio e no transito e

por questões de política-criminal.

No que tange à reprovabilidade, como bem assevera

Maurício Antonio Ribeiro Lopes87, sua noção está relacionada com um juízo de

censura projetado pela sociedade sobre a conduta, estabelecendo em relação

a ela um juízo de desvalor. Para ele, a reprovabilidade manifesta-se em função

da inadequação social. Se essa reprovabilidade for escassa, não há justificativa

social para incidir o Direito Penal.

Quanto ao bem jurídico de menor relevância, podemos

conceituá-lo como aquele que não foi suficiente para alcançar num grau

mínimo a legitimação da intervenção concreta do Direito Penal. Este, não se

confunde com as infrações de menor potencial ofensivo, previstas no art. 98, I

da Constituição Federal, uma vez que não há relação direta entre a

ofensividade e irrelevância do bem jurídico. A potencialidade ofensiva prende-

se à faculdade de ação lesiva a bem jurídico sobre o qual não existe nenhum

juízo de valor, seja relevante ou irrelevante88.

Já a habitualidade, relaciona-se com a freqüência com

que a conduta insignificante se realiza, não se enquadrando o fato criminoso

como uma bagatela quando este ocorre constantemente ocasionando maiores

prejuízos.

87 Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 142. 88 Op. cit. p. 148.

56

CAPÍTULO IV

DESCRIMINALIZAÇÃO

4.1 O FRACASSO DO TRATAMENTO RESSOCIALIZADOR

Segundo Hohmeir (1970)89 o sistema penitenciário

moderno teria optado claramente pela terapia social como forma de tratamento

ressocializador. Nesta, a idéia de sofrimento e castigo teria sido definitivamente

abandonada e substituída por outra mais humana: a ideologia do tratamento

que busca a recuperação do delinqüente para a sociedade.

Assim, atribui-se à execução das penas e medidas

penais privativas de liberdade a função de corrigir e educar o delinqüente. A

pena seria um tratamento que tende a ressocializar o indivíduo que demonstrou

sua inaptidão social. A aplicação da pena sairia das mãos dos juízes e passaria

às equipes de tratamento, que determinariam sua extensão, duração e tipo90.

Entretanto, ressocializar o delinqüente sem avaliar o

conjunto social no qual se pretende incorpora-lo significa aceitar a ordem social

vigente como perfeita, sem questionar nenhuma de suas estruturas, nem

sequer aquelas mais diretamente relacionadas com o delito cometido.

Como afirma Raul Cervini91, a principal idéia da

democracia é produzir um sistema de convivência no qual seja possível

coexistirem pacificamente sistemas de valores diferentes e distintas visões do

mundo, um referencial de convivência onde exista uma identidade básica entre

os que criam as normas e seus destinatários.

89 Hohmeir apud Raul Cervini. Os processos de descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995. p. 32 90 Raul Cervini. Os processos de descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995. p. 32 91 Op cit. p. 35.

57

Diz ainda que a sociedade não consegue resolver quais

métodos de tratamento podem ser aplicados para se atingir a terapia social.

Para ele, é muito fácil dizer que um delinqüente precisa ser tratado, mas não é

fácil dizer de que forma isto deve ser feito.

Questiona por que ressocializar indivíduos que cometem

crimes contra a propriedade e a vida, se a crise econômica, o desemprego e a

reprodução da violência pelos meios de comunicação continuam existindo, e

influenciando mais delitos.

Mas, para o tratamento ressocializador surtir algum

efeito, o delinqüente deverá aceitá-lo espontaneamente, e não a sociedade

impor tal tratamento a todos que cometeram crimes/delitos.

Durkheim (1974:61)92 afirma que a criminalidade é um

elemento integrante de uma sociedade sã. Mas, ao considerar-se que é essa

mesma sociedade que produz e define a criminalidade, não há sentido em se

falar na ressocialização do delinqüente em uma sociedade que produz, ela

mesma, a delinqüência.

Por tais motivos, além da insuficiência de investimentos

devido a falta de dinheiro, a idéia de tratamento ressocializador fracassou. Para

os governantes, prender um indivíduo atrás das grades seria mais eficiente,

demonstraria mais firmeza e além disso custaria mais barato.

Como bem observa Raul Cervini93, é um absurdo que os

fins do sistema penitenciário não possam ser alcançadas porque na prática

faltam meios, instalações adequadas e pessoal capacitado para realizar um

tratamento eficaz. Além disso, existe a questão da falta de consciência da

opinião pública, em seus representantes no governo de que os

92 Durkheim apud Raul Cervini. Op. cit. p. 37. 93 Op. cit. p. 45.

58

estabelecimento penitenciários devem ser melhorados e que sua melhoria e

reforma é tão importante quanto construir escolas e hospitais.

Acreditamos que o Estado deva buscar a ressocialização

dos presos, como principal regra de sua política criminal. O Estado deve

propiciar efetivamente uma vida digna dentro dos presídios.

Se os presos desejarem fazer parte deste programa de

ressocialização devem ter a oportunidade de concluir seus estudos, conhecer

seus direitos, trabalhar, prestar serviços a comunidade, ter aulas de cidadania,

de forma a propiciar valores para evitar a prática de novos crimes.

Desta forma, entendemos que seja possível iniciar um

programa de ressocialização dentro dos presídios, com o objetivo de que,

quando os presos terminarem de cumprir suas penas, possam sair dos

presídios como pessoas melhores, cidadãos conscientes e reeducados, com a

oportunidade de sobreviver do lado de fora, sem praticar novos crimes.

Defendemos ainda a idéia do Estado incentivar a

contratação de ex-presidiários, propiciando benefícios fiscais para as empresas

que assim fizerem, de forma a manter a ressocialização do ex-preso, evitando

ao máximo a reincidência e o retorno a criminalidade.

4. 2 MEIOS DE PENETRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO SISTEMA

PENAL 4.2.1 A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO

Em alguns países, as longas penas privativas de

liberdade forma descartadas, pela comprovação de que as prisões são fatores

59

criminalizantes de alto poder, que causam a desintegração social e psíquica do

indivíduo e também do seu círculo familiar.

Por outro lado, penas curtas não conseguem prevenir a

reincidência e nem sequer readaptar o delinqüente.

A desinstitucionalização passou a ganhar força devido a

crise da administração da justiça penal, em razão da inflação legislativa,

serviços policiais, judiciais e penitenciários com falta de preparo, sobrecarga

dos Tribunais, ineficácia das penas clássicas, demora na administração da

justiça e os custos sociais e individuais do delito, entre outros94.

Desinstitucionalizar significa ter a menor quantidade de

presos possível, e a institucionalizar somente em casos extremos, como p. ex.,

homicídios, roubos etc.

Segundo este sistema haveria em funcionamento

estabelecimentos com um número reduzido de internos, previamente

selecionados, organizando inclusive prisões abertas e albergues onde os

detentos participam de seu trabalho normal voltando aos locais de detenção

após o horário de trabalho.

Além disso, haveria uma busca pela substituição das

penas privativas de liberdade por outras penas, fundamentalmente as que

limitam certos direitos.

Segundo Raul Cervini95, o que predomina na doutrina

dos países centrais é a tendência à despenalização e à descriminalização,

deixando de lado as posições que enfatizam a repressão do sistema, p. ex., os

Estados Unidos, que defende a reimplantação da pena de morte e afirma que

os substitutivos penais não fazem mais do que instigar novos delitos. 94 Op. cit. p. 69. 95 Op. cit. p. 71.

60

4.2.2 A DESPENALIZAÇÃO

Por despenalização Raul Cervini96 entende o ato de

diminuir a pena de um delito sem descriminalizá-lo, sem tirar do fato o caráter

de ilícito penal.

Este conceito, inclui toda a gama de possíveis formas de

atenuação e alternativas penais: prisão de fim de semana, prestação de

serviços de utilidade pública, multa reparatória, indenização à vítima,

semidetenção, sistemas de controle de condutas em liberdade, prisão

domiciliar, inabilitação e todas as medidas reeducativas dos sistemas penais97.

Para Maurício Antonio Ribeiro Lopes98 o processo

despenalizador implica em elevação das permissividades jurisdicionais face ao

deferimento das prerrogativas de utilização mais amiúde da perdão judicial.

Assim, continuaria a existir a figura delitiva, mas o critério judicial permitiria

tornar isento de pena o autor de um crime considerado insignificante.

Como bem observa este Autor, esta técnica poderia

trazer conseqüências prejudiciais ao princípio da igualdade, uma vez que os

tribunais possuem uma tendência mais conservadora, o que poderia ensejar

interpretações mesquinhas sobre a abrangência de tal princípio.

4.2.3 A DESCRIMINALIZAÇÃO

A descriminalização é um sinônimo de retirar

formalmente do âmbito do Direito Penal certas condutas, não graves, que

deixam de ser delitivas.

96 Ib idem.. p. 75. 97 Comitê Europeu sobre problemas da criminalidade, 1980 apud Raul Cervini. Op. cit. p. 75-76. 98 Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 120.

61

Para Maurício Antonio Ribeiro Lopes99, descriminalizar

significa subtrair da estrutura constituidora do crime - fato típico, antijurídico e

culpável – um de seus elementos, com a conseqüente redução do fato a um

evento não cominado com a sanção penal como conseqüência de sua prática.

Diz ainda que em face do princípio da legalidade, os processos

descriminalizadores são, tecnicamente falando, processos de natureza

legislativa.

Ainda para esta autor, descriminalização é técnica de

processo legislativo pautado por razões de política criminal de extinção de

modelo de conduta pela superação, por qualquer meio, de sua estrutura típica,

ilícita ou da culpabilidade.

Segundo Carlos Vico Mañas a concepção material do

tipo é o caminho para que se possa obter a necessária descriminalização de

condutas que, embora formalmente típicas, não mais são objeto de reprovação

social, nem produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos pelo

Direito Penal100.

Para Raul Cervini101, a descriminalização pode se

manifestar sob três formas:

a) Descriminalização formal (de jure ou em sentido estrito) – que em

alguns casos, sinaliza o desejo de outorgar um total reconhecimento

legal e social ao comportamento descriminalizado, como p. ex., no caso

da relação homossexual entre adultos e do aborto consentido. Em

outros casos, esse tipo de descriminalização responde a uma

“apreciação que difere do papel do Estado em determinadas áreas”, ou

a uma valoração diferente dos Direitos Humanos que levam o Estado a

99 Op. cit. p. 120. 100 Carlos Vico Mañas. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 53-54 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 121 e ss. 101 Raul Cervini. Op. cit. p. 72.

62

abster-se de intervir, deixando em muitos casos a resolução desse fato

em si mesmo indesejável às pessoas diretamente interessadas

(autocomposição).

b) Descriminalização substitutiva – nesta, as penas são substituídas por

sanções de outra natureza, como p. ex., a transformação de delitos de

pouca importância em infrações administrativas ou fiscais punidas com

multas de caráter disciplinar.

Nestes dois casos, a conduta deixa de constituir um ilícito

penal, mas na descriminalização formal a solução é mais radical porque

significa a eliminação de toda ilicitude, enquanto na descriminalização

substitutiva, embora o comportamento perca a antijuridicidade penal, não fica

legalizado nem deixa de ser qualificado como antijurídico e indesejável.

Mas, quais seriam as razões que podem dar lugar ao tipo

de descriminalização substitutiva? Em certos casos, esse tipo de

descriminalização deriva da íntima convicção do legislador de que os custos

sociais da criminalização são maiores do que os benefícios e que não existem

instrumentos alternativos práticos para enfrentar, com certa possibilidade de

êxito, o comportamento ou a situação não desejada. Perante esta situação,

opta pela não intervenção.

Em outra hipótese, a descriminalização desse tipo ocorre

simplesmente porque considera-se mais apropriada uma resposta alternativa,

cuja variedade é muito grande e se ajustará conforme o diagnostico político-

criminal de cada caso.

c) Descriminalização de fato – defendida pela autora venezuelana Aniyar

de Castro, esta existe quando o sistema penal deixa de funcionar sem que

formalmente tenha perdido competência para tal, ou seja, do ponto de vista

63

técnico-jurídico, nesses casos, permanece ileso o caráter de ilícito penal,

eliminando-se somente a aplicação efetiva da pena.

Essa forma de descriminalização teria várias origens, tais

como, a sobrecarga do sistema penal ou dos critérios da polícia, que

constituem o primeiro filtro da criminalização; o não conhecimento do caráter

delitivo de um fato por parte do público, que não promove a ação; a

constituição de um subterfúgio para neutralizar os efeitos de uma

criminalização forçada ou legitimadora, e na prática muito delitos que se

encontram formalmente criminalizados serem descriminalizados, p. ex, os

crimes de “colarinho branco”; e ainda, a discricionariedade do acusador

público, dos tribunais ao impor as penas mínimas ou meramente formais.

Desta forma, a descriminalização de fato, assim como a

criminalização de fato, é o que contribui para delimitar as verdadeiras fronteiras

da delinqüência.

Segundo o Comitê Europeu sobre Problemas de

Criminalidade102 a descriminalização de fato consiste no “fenômeno da redução

gradual das atividades do sistema de justiça penal diante de certas formas de

comportamento ou de certas situações, desde que não tenha havido mudanças

na competência formal do sistema”.

Acrescenta ainda que esse processo se dá na maioria

dos casos por razões de conveniência e legalidade, produzindo-se em relação

aos delitos sem vítimas, e especialmente, em relação aos delitos menores

contra a propriedade e as infrações de transito. Muitas vezes o processo de

descriminalização de fato pode culminar em um ato de descriminalização de

jure. Portanto, podemos considerar a descriminalização de fato e a de jure

como partes de um mesmo processo contínuo.

102 Comitê Europeu sobre Problemas de Criminalidade. Informe sobre Descriminalização ao Conselho da Europa. 1980 apud Raul Cervini. Op. cit. p. 75.

64

No que tange ao princípio da insignificância, Maurício

Antonio Ribeiro Lopes103 afirma que não existe oportunidade para se falar em

descriminalização, a não ser como inspirador de política criminal para a fixação

de elementos quantitativos do tipo penal.

Para ele, o que se passa com o princípio da

insignificância é uma técnica de desconsideração judicial da tipicidade,uma vez

que tal princípio surge justamente para evitar situações em que sejam

alcançados com a pena criminal os casos demasiados leves, atuando como

instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado

sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional nullun

crimem sine lege, que revela a natureza subsidiária e fragmentária do Direito

Penal.

A diferença que se pode apontar entre os processos de

descriminalização e de desconsideração da tipicidade é que o primeiro é de

índole legislativa, enquanto o segundo é de natureza judicial, mas diferente da

despenalização.

Entendemos que existe mais de uma forma de

penetração do princípio da insignificância no sistema penal, mas a técnica da

desconsideração judicial da tipicidade nos parece a mais acertada, e talvez a

mais eficiente, haja vista que os crimes de bagatela são delitos que, num

primeiro momento, moldam-se ao fato típico, mas que, posteriormente, tem sua

tipicidade desconsiderada por tratarem-se de ofensas a bens jurídicos, que não

causam uma reprovabilidade social, de maneira a não ser necessária a

atuação do Direito Penal.

Concordamos com Maurício Antonio Ribeiro Lopes104 no

sentido do princípio da insignificância surgir como um movimento de política

103 Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 120-121. 104 Op. cit. p. 121.

65

criminal, que inspira a reordenação do sistema penal pela influencia do

princípio da intervenção mínima e da proporcionalidade em face das

conseqüências de sua atuação.

Cabe ressaltar que o princípio da insignificância tem

mostrado grande relevância para o cenário jurídico-penal, social e político, visto

que se baseia na desconsideração da tipicidade das infrações penais tidas

como levíssimas, isto é, evitar que casos de baixa ameaça a bens jurídicos

protegidos sobrecarreguem o tão assoberbado Poder Judiciário, vinculando-se,

desse modo, ao movimento que busca um direito penal mínimo105.

105 Extraído do Site Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Mauricio Macedo dos Santos; Viviane Amaral Sega. Análise do Princípio da insignificância após a edição da Lei 9.099/95. Disponível em http://www.ibccrim.org.br/juridico.php?PHPSESSID=893a653de08fcb746443f51f4d00fc4c&tipo=n&id=83. Acesso em 26.01.2006.

66

CAPÍTULO V

CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Por não encontrar previsão legislativa, sendo apenas

criação doutrinária, o princípio da insignificância não é plenamente aceito. Um

dos motivos seria que o seu reconhecimento ocasionaria um estado de

profunda insegurança jurídica, o que não merece prosperar. Vejamos.

O princípio da insignificância é uma construção

doutrinária baseada os fundamentos do Direito Penal, pelo seu caráter

subsidiário e fragmentário. Assim, o reconhecimento da insignificância decorre

do próprio Direito penal, fundado no princípio da intervenção mínima,

proporcionalidade e na busca pelo Estado Democrático de Direito.

Há ainda críticas no sentido do princípio da insignificância

padecer de uma imprecisão terminológica106, uma indeterminação conceitual.

Sem razão os que assim entendem, haja vista que tal princípio opera como um

limite tático da norma penal, no que tange a contenção dos excessos.

Segundo descreve Maurício Antonio Ribeiro Lopes107,

sustenta-se que em sistemas penais que expressamente criminalizam algumas

condutas imbuídas de um desvalor de resultado o princípio da insignificância

está implicitamente proibido de ser invocado. É o caso do Brasil, onde o Código

Penal prevê figuras privilegiadas ou com causa de diminuição de penas, dentre

as quais o furto de coisa de pequeno valor (art. 155, §2º), a apropriação

indébita de coisa de pequeno valor (art. 170), o estelionato onde o prejuízo à

vítima é pequeno (art. 171, §1º) e a receptação de coisas idênticas (art. 180,

§3º).

106 Mauricio Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 177. 107 Ib idem. p. 179.

67

Como bem observa este Autor, encontra-se em vigor

ainda a lei de contravenções penais, que nada mais é do que um repertório de

infrações penais reputadas de menor gravidade.

Equivocam-se os que assim entendem, pois nada impede

que, feita a valoração normativa da ofensa, nos moldes anteriormente

sugeridos, o legislador reconheça que, de tão ínfima, não se subsume sequer

aos tipos privilegiados ou contravencionais.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, os

críticos do princípio da insignificância reforçaram seus argumentos com o teor

do art. 98, I, que prevê a criação de juizados especiais para o julgamento das

infrações de menor potencial ofensivo.

Entretanto, tal expressão foi infeliz, pois se a infração é

de menor potencial ofensivo, não pode ter natureza penal. Além disso, o

preceito constitucional confirma a validade do princípio da insignificância, pois

não determina que se devam criminalizar casos de bagatela, mas apenas

estabelece diretriz destinada a regular o processo e julgamento dessas ofensas

menores108.

A última crítica comentada por Maurício Antonio Ribeiro

Lopes109, é aquela formulada pelos que vêem no princípio da insignificância

uma ausência de resposta jurídica dada a situações que implicam manifestas

violações e lesões a direitos. Ressalva ainda o argumento utilizado de que a

ausência de resposta estatal pode gerar o recurso à satisfação de um

sentimento pessoal de justiça, o que poderia quebrar a harmonia social.

108 Odone Sanguiné. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículos de Ciências Penais, Porto Alegre, Fabris, v. 3, n. 1, p. 48., jan/mar 1990 apud Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 179. 109 Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Op. cit. p. 180-181.

68

Ora, tal argumento é desprovido de fundamento válido,

uma vez que estamos falando de uma lesão ou violação insignificante a um

direito. Assim, de acordo com o princípio da proporcionalidade, a reação que

poderia ser gerada também resulta de mínima importância.

Outrossim, o legislador deve ter em vista o critério da

necessidade social - a época do delito, o bem tutelado e a pena atribuída - e se

este estiver ausente, o fato deverá ser tido como alheio ao interesse penal.

Além disso, para o Direito Penal mínimo o fim da pena

seria minimizar a reação violenta contra o delito, servindo ainda como um

instrumento apto a impedir a vingança.

69

CONCLUSÃO

Após as pesquisas bibliográficas foram extraídas as

seguintes conclusões:

1) Razão não assiste aqueles que resistem a aplicação

do princípio da insignificância, pelo fato deste possuir natureza doutrinária, e

não legal. Com bem ressaltamos ao longo deste trabalho, o ordenamento

jurídico não se resume apenas ao que está positivado. Os princípios

doutrinários existem para orientar a aplicação do Direito, configurando assim a

necessidade de sua utilização. Portanto, entendemos que o legislador e a

própria sociedade não podem permanecer apenas vinculados à legalidade, ao

que está positivado, afinal, o Direito é um conjunto de normas – princípios e

regras;

2) Entendemos serem improcedentes os argumentos de

que o princípio da insignificância não se constitui num verdadeiro princípio, por

ser um princípio implícito, integrado aos fundamentos do Estado Democrático

de Direito, já que tenta resguardar a dignidade da pessoa humana e a

proporcionalidade da aplicação da pena aos casos de mínima relevância,

impedindo que se cometam injustiças e utilizem o direito penal como

instrumento de vingança ou de demonstração do poder Estatal;

3) O Direito Penal deve ser usado apenas em último

caso, ou seja, sua aplicação só deve ser admitida quando nenhum outro ramo

do Direito puder solucionar a questão, ou seja, o Direito Penal apenas deve

incidir em casos de alta relevância, em situações que causem dano concreto e

real à sociedade, quando a proteção desta se efetivar por meio da aplicação

das sanções penais. Vale dizer, a aplicação do Direito Penal só é legítima em

casos que ocasionem a quebra da paz social, não devendo ser aplicado em

casos mínimos, como é o caso do princípio da insignificância ou criminalidade

70

de bagatela. Desta forma, resta configurado um fundamento jurídico apto a

ensejar o princípio da insignificância.

4) O Princípio da insignificância surge como uma das

formas de limitação do poder de punir do Estado. Assim, deve haver uma

efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e

a necessidade de intervenção do Estado. A insignificância, ou, como preferem

alguns, a bagatela representa algo que em função de seu desvalor não justifica

a intervenção estatal. Desta forma, este princípio surge como medida de

correção dos desvios decorrentes da aplicação das leis penais, visando

empregar o Direito Penal em conformidade com sua natureza subsidiária, ou

seja, somente depois de esgotados todos os outros meios legais de proteção

do indivíduo.

5) Cumpre ressaltar ainda que não se justifica a tipificação

penal de certas condutas e o aumento das penas, para combater a violência e

conter os índices de ocorrência de crimes. A lei deve definir como crimes

aquelas condutas que a sociedade efetivamente reprova e, em razão disso,

estas devem ser reprimidas com as sanções mais graves. Os meios de

comunicação e a falta de preparo e verbas da Administração Pública não

podem ser usados como fundamento para aumentar-se o número de condutas

tipificadas, em desrespeito aos princípios jurídicos.

6) Além disso, demonstramos os motivos que ensejaram

o fracasso da idéia do tratamento que buscava ressocializar o indivíduo

delinqüente, seja pela precariedade do sistema penitenciário brasileiro, pela

incerteza da aplicação da justiça para os mais pobres, ou pelo excesso de

pena aplicada em casos mínimos, que apenas aumentam a violência e a

criminalidade.

7) Defendemos neste trabalho que o que se passa com o

princípio da insignificância é uma técnica de desconsideração judicial da

71

tipicidade, uma vez que tal princípio surge justamente para evitar situações em

que sejam alcançados com a pena criminal os casos mais leves.

8) No que tange às críticas argüidas por parte da

doutrina, demonstramos os fundamentos fáticos e jurídicos que fazem cair por

terra tais argumentos. Defendemos a construção doutrinária do princípio da

insignificância, baseada em fundamentos penais e constitucionais; delimitamos

seu conceito, inclusive quanto a contenção dos excessos por parte do Estado;

comprovamos a diferença existente entre as infrações de menor potencial

ofensivo e condutas insignificantes, e registramos ainda que a aplicação deste

princípio jamais implicaria em ausência de resposta estatal, pelo contrário, se a

lesão é insignificante, a reação também deve ser, não se justificando a

incidência do Direito Penal.

9) Podemos asseverar que para a criação de um efetivo

Estado Democrático de Direito deve prevalecer a idéia do Direito Penal Mínimo,

servindo este apenas como uma forma de prevenção e garantia da ordem

social. Entendemos que o que causa a impunidade e o aumento da violência e

criminalidade é muito mais a ausência de resposta estatal efetiva aos grandes

crimes, bem como o não-atendimento das necessidades dos cidadãos.

10) Podemos concluir que a missão do Direito penal é

manter a harmonia social, e assim deve ser sempre utilizado. Não pode jamais

servir como instrumento de vingança, tampouco como demonstrativo da

efetivação da atividade jurisdicional.

72

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74

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75

Anexo I

O Princípio da Insignificância perante a jurisprudência brasileira A jurisprudência tem adotado o princípio da

insignificância, principalmente, nos casos de furto, lesão corporal, descaminho

e crimes contra a fauna. Entretanto, o entendimento adotado segue sempre

uma mesma linha, ou seja, a lesão ou o fato praticado, por ser insignificante,

torna-se atípico, além dos argumentos da proporcionalidade, da mínima

intervenção, da fragmentariedade e da subsidiariedade.

Os Tribunais Estaduais têm aplicado o princípio da

insignificância aos casos de furto e lesões corporais leves e levíssimas

consoante aos argumentos de irrelevância social e econômica da res furtiva, aliados à ausência de perigosidade da conduta incriminada, aos argumentos da

falta de potencialidade ofensiva do fato, à natureza levíssima das lesões

causadas e à falta de ameaça danosa ou concretamente perigosa que

justifique a imposição de uma pena.

Alguns exemplos: EMENTA: APELAÇÃO-CRIME. MEDIDA DE SEGURANÇA. IMPOSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO PELO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. Agente a subtrair objetos de pequeno valor, estes restituídos à vítima, sem lhe causar prejuízo. Incidente de insanidade mental afastado -para o caso- pela atipicidade do delito baseado no princípio da insignificância. Sentença monocrática reformada. Recurso provido. (Apelação Crime Nº 70011949658, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Foerster, Julgado em 22/12/2005. EMENTA: ECA. ATO INFRACIONAL. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA. APRECIAÇÃO DO MÉRITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IRRELEVÂNCIA SOCIAL DO ATO. CONDUTA ATÍPICA. APLICAÇÃO AO ECA. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. ADEQUAÇÃO PRELIMINAR A ausência de laudo elaborado realizado por equipe interdisciplinar não gera a nulidade quando, no caso, é desnecessário e não se verifica prejuízo. À UNANIMIDADE, AFASTARAM A PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE LAUDO. TIPICIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Premissa Maior. Só responde processo por

76

ato infracional quem comete fato similar a crime ou contravenção (Artigo 103 do ECA). Premissa Menor. Ora, quando incide o princípio da bagatela (furto de R$ 50,00) não há crime, nem contravenção (Apelação Cível nº 2. 96 030 976. Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira). Conclusão. Logo, quem furta R$ 50,00 não responde por ato infracional. POR MAIORIA, REJEITARAM A PRELIMINAR ARGÜIDA DE OFÍCIO PELO DES.-RELATOR, VENCIDO ESTE. MÉRITO Autoria Comprovada pela prova oral colhida em juízo. Materialidade Comprovada pelo boletim de ocorrência e prova oral judicializada. Medida socioeducativa Adequada a medida de prestação de serviços à comunidade em virtude do ato infracional não ser sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70012849949, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 15/12/2005) EMENTA: USO DE DOCUMENTO FALSO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Como corretamente afirmou a Magistrada em sua sentença, diante da pequenez do caso em exame ¿pelo que se verifica, não houve dano nenhum e efetivamente a carteira constante na fl. 10, visivelmente é falsificada. O direito penal moderno deve se preocupar com condutas que tragam efetivos danos à sociedade. Este não é o caso dos autos. Uma condenação traria maiores malefícios que benefícios à sociedade. O réu, devido ao tempo transcorrido, já deve ter um outro direcionamento em sua vida. Entendo que o processo em si já serviu para que o réu não utilize mais documentos falsificados, seja qual for o motivo. A política criminal deve limitar a aplicação da dogmática penal quando ela se mostra desnecessária. Este é o caso dos autos, em face da insignificância ao bem jurídico protegido.¿ DECISÃO: Apelo ministerial desprovido. Por maioria. (Apelação Crime Nº 70013271879, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 01/12/2005. EMENTA: ESTELIONATO. FATO INSIGNIFICANTE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Como destacou a Magistrada, analisando a questão em julgamento e absolvendo o recorrido, ¿a irrisória afetação do bem jurídico constitui, no ordenamento jurídico-penal brasileiro, causa de exclusão da tipicidade. Deve se levar em consideração que o prejuízo da vítima comparando-se com o salário mínimo atual, não ultrapassaria o percentual de 20% deste. Não obstante, é de se ter presente que o reconhecimento da culpabilidade no caso presente, com a imposição de uma pena que varia entre 1 a 5 anos de reclusão e multa, fere o princípio da proporcionalidade. Desse modo, aplica-se ao caso o princípio da insignificância, ante a irrelevância da conduta do réu para o Direito Penal, considerando-se, outrossim, que o delito, não foi cometido com grave ameaça ou violência à pessoa.¿ DECISÃO: Apelo ministerial desprovido. Unânime. (Apelação Crime Nº 70012892113, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 01/12/2005) EMENTA: FURTO. ABSOLVIÇÃO. INSIGNIFICÂNCIA. Se a coisa furtada é de pequeno valor e o réu é primário, sendo o delito praticado contra irmão, que mora na mesma casa, cumpre absolver o réu, a teor do art. 386, III, do Código

77

de Processo Penal. Preliminares de inépcia da denúncia e de prescrição rejeitadas. APELO DEFENSIVO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70010562015, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 30/11/2005) EMENTA: TENTATIVA DE FURTO PRIVILEGIADO. SENTENÇA QUE ABSOLVE POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO MINISTERIAL. IRRELEVÂNCIA PENAL. RES FURTIVA DE BAIXO VALOR E INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO POR PARTE DO OFENDIDO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70011550639, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 24/11/2005) EMENTA: CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO TENTADO EM SUPERMERCADO. VIGILÂNCIA PERMANENTE. CRIME IMPOSSÍVEL. INSIGNIFICÃNCIA. 1. O acusado, desde o momento em que ingressou no supermercado, foi monitorado por um dos seguranças que, em audiência, relatou ter deixado, propositadamente, o réu apoderar-ser de 4 barras de chocolate para, ao depois, detê-lo na posse da res furtiva. Configuração de crime impossível. 2. Inadmissível uma acusação de um desempregado, com 41 anos, que, em supermercado, tenta subtrair quatro barras de chocolate, avaliadas em R$ 9,20, por não causar lesão importante ao bem jurídico protegido. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70012831863, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 10/11/2005). Ementa - Crime contra o meio ambiente. Art. 34 da lei nº 9.605/98. Agente que, em período proibido, utilizando-se de rede, é surpreendido com apenas três peixes. Absolvição. Aplicação do princípio da insignificância. Jurisprudência citada. nº 1.325.247/1 - ApTACrim/SP – Pedreira DESCAMINHO - Princípio da insignificância Aplicabilidade - Mercadorias de pequeno valor - Ausência de lesão ao erário, objeto jurídico tutelado (TRF - 2ª Reg.) - RT 793/706 – TJ/SP CRIME CONTRA A FAUNA - Princípio da insignificância - Aplicabilidade - Ausência do intuito de caça predatória e do objetivo de comercialização, além de se tratar de lesão considerada de pequena monta - Consideração, ademais, da baixa escolaridade do acusado, seu despreparo e a realidade do meio em que habita (TRF - 3ª Reg.) RT 783/769

78

ANEXO II

ESTUDO DE CASOS

No intuito de demonstrar a importância do princípio da

insignificância dentro do ordenamento jurídico, passamos a relatar o conteúdo

de uma reportagem publicada pela Revista Isto É. Edição n.º 1874 Data:

14.09.2005. Disponível no site: htttp://www.terra.com.br/Istoé – Revista –

Edições Anteriores – 2005 – N.º 1874 14.09.2005 – Brasil – Pouco crime e

muito castigo.

Crise Pouco Crime e muito castigo

No país do mensalão, do mensalinho e do auxílio-

bandejão, vai para a cadeia quem comete crimes pequenos, como furtar

frango, xampu e até capim.

Algema neles: a classe alta e os formadores de opinião

até podem saciar sua sede de Justiça com a cassação dos políticos. Mas, para

o povão, medidas punitivas como essas são o mesmo que nada. Eles querem

ver gente na cadeia. Esse é o resultado de uma pesquisa qualitativa realizada

nos últimos três meses pelo Ibope. “O povão acredita que tudo vai acabar em

pizza”, atesta Carlos Augusto Montenegro, presidente do grupo Ibope.

Segundo Montenegro, é incompreensível para as classes menos favorecidas

como pessoas acusadas de desviar dinheiro público, apesar da fartura de

evidências, podem desmentir tudo. Quando a Polícia Federal prendeu a dona

da Daslu ou o proprietário da cervejaria Schincariol, segundo o Ibope, o

impacto na população foi muito positivo.

79

Mensalão, mensalinho, propina, auxílio-bandejão. Assalto

indireto aos cofres públicos via imposto sonegado por caixa 2 (os acusados

preferem neologismos mais confortáveis, como recurso não faturado ou não

contabilizado).

O País tem cerca de 330 mil presos, praticamente nenhum

deles por causa das tradições centenárias e infelizes citadas acima. Nesta

nação do caixa 2 com batismo empolado, grande parte dessas pessoas foi

empurrada um dia para o xilindró por deslizes miúdos, comezinhos, fraquezas

geradas, digamos assim, na crueldade da vida severina. Segundo o Ministério

da Justiça, de todos esses presos, ao menos 66 mil poderiam cumprir penas

alternativas, por sinal já direcionadas a outros 30 mil condenados.

É o chamado crime de bagatela, produzido sem ameaça,

atitude violenta ou risco de agressão física e também sem gerar prejuízo capaz

de abalar o patrimônio da vítima. Nestes casos, quase sempre o mal é

insignificante diante do rigor desproporcional da pena aplicada. Dias atrás,

após uma longa e cara maratona judicial, a Sexta Turma do Superior Tribunal

de Justiça (STJ), em Brasília, trancou uma ação penal contra dois homens,

M.R.V. e M.H.C. Em outubro de 2000, eles furtaram frangos congelados do

frigorífico Arraial S/A Agro Avícola e Pecuária, em Itapira (SP). Agora, os dois

ladrões de galinha podem seguir a vida tranqüilos. No mesmo dia da decisão

do STJ, Cleiton Teixeira Santos foi solto em Goiânia após passar vários dias na

cadeia por roubar um produto popular de beleza em um supermercado. Coisa

para pagar com R$ 10 e voltar com troco no bolso.

Alto custo – A desproporção entre delito e pena nesses

crimes de bagatela chegou a um ponto inadmissível no caso de Maria

Aparecida de Matos, uma paulistana simpática com uma queda juvenil por um

creminho e um xampuzinho dos bons.

Uma nova vaga no sistema prisional custa R$ 15 mil e o

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gasto médio mensal para sustentar um detido é de R$ 1 mil. Esse mesmo

custo, para monitorar uma pena alternativa, cai para R$ 70, com índice de

reincidência de 5%. Entre os criminosos colocados na cela, esse porcentual

sobe para espantosos 65%. São dados do Ministério da Justiça. Por isso,

apesar de ainda não se tratar de lei expressa, mas de um princípio construído a

partir de valores constitucionais, um número cada vez maior de especialistas

defende a necessidade de se modificar leis para definir esses casos de forma

mais branda, ainda no limite da autoridade policial responsável pela prisão em

flagrante. Além da desproporção das penas em relação aos atos e do alto

custo, esses processos, alegam os juristas, emperram o sistema judiciário já

carente de fôlego para resolver questões mais urgentes.

Um dos defensores desta tese é o jurista Luiz Flávio

Gomes, professor e coordenador da rede de telensino Pro Omnis/Ielf. “Essas

regras mais sensatas trariam obrigações, mas como mecanismo de controle

social informal. Com algumas exceções, as coisas poderiam ficar no âmbito da

autoridade policial, do delegado, sem prejuízo do controle e da fiscalização do

Judiciário. Não se pretende incentivar infrações nem defender ausência de

respostas, mas as medidas longas, caras e desproporcionais de hoje são

inaceitáveis”, afirma Gomes. Num parecer escrito sobre o caso de Maria, antes

da decisão do STJ de soltá-la, Gomes sugere algumas dessas obrigações:

“advertir, admoestar, impor obrigações alternativas, pedidos de desculpa,

reparação de danos, devolução de objetos, prestação de serviços à

comunidade, cestas básicas, pagamentos ou até afastamento de cargos

públicos ou de profissões”.

Insignificância – Antes de ser presa pelo xampu, Maria

tinha furtado outros cremes e um par de tênis usado de um vizinho. As duas

atitudes renderam uma condenação anterior e serviram de base para o tribunal

paulista mantê-la presa até junho. Mesmo esses casos de reincidência com

histórico exclusivo de crimes de bagatela, sem contato com a vítima, violência

ou uso de armas, começam a ser fortemente condenados. O bombardeio vem

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até de onde, à primeira vista, não se esperava. “É inadmissível. Alguém precisa

mostrar-me o risco efetivo trazido à sociedade por essa moça”, desafia o

secretário de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Nagashi

Furukawa. Ele defende uma reforma legal para fixar um valor mínimo como

justificativa de detenção e abertura de processo nas delegacias. Abaixo disso,

a autoridade policial teria condições legais de liberar o infrator. “Se alguém

levar 100 vezes uma caixa de fósforo de uma loja, serão 100 insignificâncias.

Se outro levar 20 vezes uma caixa de chocolate, serão 20 casos de bagatela.

O status permanece de crime insignificante. Não é aceitável colocar na prisão

alguém envolvido apenas com este tipo de crime”, opina. “De tanto conviver

com esses exageros, já nem me impressiono mais”, atesta a americana Heidi

Cerneka, da Pastoral Carcerária de São Paulo.

Sem amparo legal – A necessidade de se buscar o

cumprimento das leis é inquestionável – o Brasil, como se tem visto, paga em

atraso e injustiça o fato de grande parte da sociedade insistir em não cumpri-

las. Não se faz também a defesa dessas medidas para criminosos escorados

em métodos como posse de armas, seqüestros, roubo com violência,

constrangimento, assassinato, ou para quem mistura atos leves a tudo isso.

Buscam-se regras inspiradas no bom senso para evitar casos como os

descritos nesta reportagem. Luis Flávio Gomes lembra de um rapaz mantido na

prisão no Estado do Rio por ter furtado um garrafão de vinho. É réu primário.

Para o autor da sentença, o princípio da insignificância não passa de “mera

construção doutrinária sem amparo legal”. O fato e o comentário do juiz

inspiraram a seguinte análise do jurista Gomes: “O positivismo jurídico

legalista, quando não temperado pela prudência e equilíbrio do juiz, conduz a

aberrações inomináveis.”

Sonia Drigo, advogada de Maria Aparecida e de outras

17 pessoas envolvidas em crimes de bagatela, destaca outro ponto. “Muitas

vezes, quem exige a prisão de uma pessoa por furto de uma besteira não

percebe que, no ambiente degradado da maioria das prisões, o autor do furto

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pode ter o caráter corroído e voltar, desta vez para violentar, seqüestrar ou

mesmo matar.” Só os crimes são insignificantes nesta reportagem. Os

argumentos, como se percebe, merecem uma reflexão profunda.

Um xampu de R$ 24,00. E um trauma para a vida inteira Em junho de 2004, a doméstica Maria Aparecida de Matos, 24 anos, entrou numa farmácia de São Paulo, deu uma voltinha, conferiu as prateleiras e não se segurou. Um golpe rápido e – vupt! – um frasco de xampu e outro de condicionador estavam na bolsa. Valor da operação: R$ 24. Saiu sem pagar, foi monitorada e grampeada pelos seguranças. No Brasil onde ainda prevalece um mínimo de sensibilidade, questões como essa costumam ser resolvidas com uma conversa firme e a retomada do produto. Não foi o caso. Levada a uma delegacia, Maria foi presa, processada e depois condenada a uma pena que poderia chegar a dois anos. “Fui agredida por presas várias vezes na cadeia. Numa dessas surras, jogaram uma água com uma coisa misturada no meu rosto. Queimou muito e me fez perder o olho direito”, conta. Maria faz tratamento psiquiátrico desde a infância. Em agosto passado, teve surtos e foi transferida para um manicômio judiciário. No total, cumpriu um ano e sete dias de cadeia. Só foi solta, no final de junho passado, por uma decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Antes disso, teve um pedido para esperar o julgamento em liberdade negado e uma solicitação de habeas-corpus rejeitada.

O preço era R$4,09. Mas custou bem mais caro.

A tarde de domingo estava nublada em São Paulo.

Aproveitando o sono da filha, a atriz Solange Coutinho, hoje com 37 anos, foi

até um supermercado, no bairro do Mandaqui, em julho de 2004. Pegou um

pacote de absorvente, um pote de margarina e uma caixa de biscoitos cobertos

de chocolate “sabor laranja”. R$ 7. Havia, no entanto, um detalhe além desta

modesta compra, devidamente quitada no caixa: um antisséptico bucal de R$

4,09 que ela, de acordo com a versão da segurança da loja, colocara no bolso

interno do sobretudo que segurava o friozinho daquele domingo. Solange, que

na Justiça negou a acusação, já tinha pago e recolhido o que trouxera na cesta

quando o segurança exigiu a devolução do produto que estaria acolchoado no

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casaco. Ela saiu, mas foi perseguida. Os dois discutiram na esquina, onde ela,

segundo conta, foi agredida antes de ser levada de volta à loja. A polícia foi

chamada e a levou para a delegacia. No mesmo dia foi para um presídio, onde

passou nove dias, o primeiro deles numa cela com mais 16 mulheres, algumas

com penas definitivas. Na cadeia voltou a fumar, depois de sete anos longe do

cigarro. Foi solta graças a uma advogada convocada pela Pastoral Carcerária.

Os registros policiais não apontam outra ocorrência em seu nome. O processo

corre. Ainda há chance de volta à prisão. “A Justiça vai entender que minha

prisão é exagero. Fora a cadeia, o que vier será bem-vindo.”

Um monte de capim. E 34 dias de xadrez.

Pescador de manjubas no rio Paraíba do Sul, que corta a

cidade de Campos, no Rio de Janeiro, Fabiano Monteiro de Oliveira, hoje com

29 anos, jamais teve problemas com a polícia. Até que aceitou fazer um serviço

para um vizinho. “Ele precisava de um saco de capim para os cabritos”,

lembrou. “Disse que, se eu arrumasse o capim, ele comprava um litro de leite

para minha filha Tália, que tinha um ano e pouco.” Como sabia que na beira

dos trilhos havia mato alto, Fabiano foi para a estação de trem. Analfabeto, não

percebeu os avisos de entrada proibida. Começava a cortar o capim quando o

vigia chegou. “Achava que não estava fazendo nada de errado”, resume,

exibindo os documentos de “pessoa de bem”. Depois de uma noite na

delegacia, o pescador foi despachado para uma cela com 60 presos, na Casa

de Custódia, em julho de 2001. O defensor público Tiago Abud da Fonseca só

conseguiu tirar Fabiano do xadrez 34 dias depois, ao recorrer ao Tribunal de

Justiça. “Ele foi submetido a uma via-crúcis por conta de uma moita de capim

que nem chegou a levar”, afirma o defensor público.

A Juíza deixa. E o diretor censura.

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Com capacidade para abrigar 512 presas, a Cadeia Pública 4, na capital paulista, encarcera cerca de 1,2 mil mulheres. Dessas, pelo menos 14% perderam a liberdade na esteira de algum furto, segundo levantamento feito pela Pastoral Carcerária. Entre elas estão Rosimeire Rosa de Jesus, 33 anos, e Sueli da Silva, 40. Em 20 de agosto do ano passado, Rosimeire tentou levar de um supermercado uma ducha de banheiro de R$ 19. Sueli, por sua vez, havia sido presa dois meses antes ao tentar furtar produtos no valor total de R$ 29,40. ISTOÉ obteve autorização judicial para entrevistar as duas presas, que, consultadas, concordaram em falar à revista. Emitida em 13 de julho, a autorização da juíza Ivana David Boriero não teve efeito real. Num prolongado jogo de empurra, o diretor José Gonzaga da Silva Marques barrou, na prática, as entrevistas. Vinculada à Secretaria de Segurança Pública, a cadeia que ele dirige é a mesma onde Maria Aparecida foi espancada e perdeu a visão do olho direito.

Uma bela alternativa

Se a sentença de um julgamento não for igual ou superior

a quatro anos, o crime não foi doloso nem houve violência ou ameaça à vítima,

o juiz pode trocar a pena tradicional por uma alternativa. Uma experiência no

Ceará produz resultados elogiáveis neste campo. Em 1998, o Estado instalou a

primeira vara especializada em penas alternativas do País. De lá para cá, o

índice de reincidência, antes maior que os 5% da média nacional, despencou

para 1%. Uma avaliação define o perfil do condenado e estabelece o

compromisso – trabalho manual, doação, visita a doentes, etc. Os mais

carentes, como parte da decisão do juiz da vara, Haroldo Máximo, participam

de programas educacionais e de qualificação. O mecânico Leonardo Farias, 46

anos, condenado a um ano e meio de alternativa por tentar furtar o CD de um

carro, estuda e cuida de um abrigo de velhinhos. A história de José do

Nascimento, 25 anos, é ainda mais bonita. Aos 20, ele tentou roubar uma

bicicleta. Ficou um mês preso e foi julgado. Pela pena alternativa, cumpriria

dois anos de serviços num asilo, onde hoje é funcionário. “Sou ‘cuidador’ de

idoso. E também um cara muito alegre.

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