Curso de direito_constitucional

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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL

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SENADO FEDERALSECRETARIA ESPECIAL DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES

SUBSECRETARIA DE EDIÇÕES TÉCNICAS

CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL

HENRIQUE SAVONITTI MIRANDA

3ª edição, revista e atualizada até a EC 48/05

BRASÍLIA – 2005

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Capa: Palácio Monroe, Rio de Janeiro – RJ.Inaugurado em 23/07/1906, foi sede da Câmara dos Deputados (1914-1922) e do Senado Federal (1925-1960). Em 11/10/1975, o Presidente Ernesto Geisel autorizou o Patrimônio da União a providenciar a demolição do Palácio Monroe, sob o argumento de que atrapalharia o trânsito e as obras do metrô. Em 1976 o Palácio foi demolido.

Editor: Senado FederalImpresso na Secretaria Especial de Editoração e PublicaçõesProduzido na Subsecretaria de Edições TécnicasDiretor: Raimundo Pontes Cunha NetoPraça dos Três Poderes, Via N-2 Unidade de apoio IIICEP 70165-900 Brasília, DFTelefones: (61) 3311-3575, 3311-3576 e 3311-3579Fax: (61) 3311-4258E-mail: [email protected]

Miranda, Henrique Savonitti

M672c Curso de direito constitucional / Henrique Savonitti

Miranda; Prefácio do Ministro Carlos Mário da Silva Velloso.-- 3. ed., rev. e atual. Brasília : Senado Federal, 2005.

725 p.

ISBN 85-70182-40-6

1. Direito Constitucional 2. Direito Constitucional

positivo 3. Ciência do Direito Constitucional

4. Hermenêutica e Interpretação Constitucional.

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Para Guilherme e Isabela que, na alegria

do sorriso ou na irreverência do protesto,

estimulam, ensinam, divertem, realizam.

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Sumário

PREFÁCIO ............................................................................................. 31NOTA À TERCEIRA EDIÇÃO ................................................................ 33NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO ................................................................ 35APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO ........................................... 37

CAPÍTULO I DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO E CIÊNCIA DO DIREITO

CONSTITUCIONAL

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 411.1. Posição enciclopédica .............................................................. 42

2. DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO E CIÊNCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL2.1. Objetivos ................................................................................... 442.2. Linguagens ............................................................................... 452.3. Lógicas ..................................................................................... 472.4. Discursos .................................................................................. 482.5. Conceitos ................................................................................. 492.6. Quadro comparativo ................................................................. 50

CAPÍTULO II ESTADO E CONSTITUIÇÃO

1. ESTADO E SOCIEDADE ................................................................. 51

2. CONCEITO E NATUREZA DO ESTADO ......................................... 52

3. PODER E SOCIEDADE ................................................................... 53

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4. CONCEITOS DE “CONSTITUIÇÃO” ................................................ 55

4.1. Constituição em sentido muito amplo ....................................... 55

4.2. Constituição em sentido material ............................................. 56

4.3. Constituição em sentido substancial ........................................ 59

4.4. Constituição em sentido formal ................................................ 61

5. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES ..................................... 62

5.1. Constituições rígidas, flexíveis e semi-rígidas .......................... 63

5.2. Constituições escritas e consuetudinárias ............................... 64

5.3. Constituições promulgadas e outorgadas ................................ 65

5.4. Constituições sintéticas e analíticas ......................................... 65

CAPÍTULO III PODER CONSTITUINTE

1. NOÇÕES INICIAIS ........................................................................... 67

2. NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE ...................................... 68

2.1. O pensamento de Emmanuel Sieyès ....................................... 70

3. TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE ................................ 73

4. AGENTES DO PODER CONSTITUINTE ........................................ 74

5. ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE ........................................ 75

5.1. Poder constituinte originário ..................................................... 75

5.2. Poder constituinte derivado ................................................... 77

5.2.1. Espécies de Poder constituinte derivado .......................... 77

5.2.1.1. Poder constituinte derivado revisional ......................... 77

5.2.1.2. Poder constituinte derivado reformador ...................... 78

5.2.1.3 Poder constituinte derivado decorrente ....................... 79

5.2.2. Limitações ao Poder constituinte derivado ........................ 79

5.2.2.1. Limitações materiais explícitas .................................... 80

5.2.2.2. Limitações materiais implícitas ................................... 81

5.2.2.3. Limitações circunstanciais .......................................... 82

5.2.2.4. Limitação procedimental ............................................. 82

5.2.3. O pensamento de Jorge Reinaldo Vanossi e o problema das limitações ao Poder constituinte derivado ......................... 82

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6. EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE ...................................... 84

CAPÍTULO IV HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 87

2. TEXTO DE DIREITO POSITIVO E NORMA JURÍDICA ................... 88

3. EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ............................. 913.1. Eficácia técnica ........................................................................ 913.2. Eficácia social ........................................................................... 933.3. Eficácia jurídica ........................................................................ 93

4. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ................. 944.1. Normas constitucionais de eficácia plena ................................ 954.2. Normas constitucionais de eficácia contida ou restringível ........ 954.3. Normas constitucionais de eficácia limitada ............................. 96

4.3.1. Aplicabilidade prática das normas constitucionais de eficácialimitada ................................................................................ 97

5. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ................ 101

6. PRESSUPOSTOS HERMENÊUTICO-CONSTITUCIONAIS ........... 1036.1. Supremacia da Constituição .................................................... 1046.2. Unidade da Constituição .......................................................... 1046.3. Maior efetividade possível ........................................................ 1066.4. Harmonização .......................................................................... 106

7. AGENTES DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL .................. 1087.1. Interpretação político-legislativa ............................................... 1097.2. Interpretação jurisdicional ........................................................ 1107.3. Interpretação promovida pelo Poder Executivo ........................ 110

7.3.1. Recusa a cumprir leis ou atos normativos reputados incons-titucionais ............................................................................ 111

7.4. Interpretação doutrinária .......................................................... 1157.5. Fontes interpretativas genéricas: a sociedade aberta dos

intérpretes da Constituição ...................................................... 115

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8. APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO TEMPO ................... 119

8.1. Recepção ................................................................................. 120

8.2. Repristinação ........................................................................... 121

8.3. Desconstitucionalização ........................................................... 123

9. APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO ESPAÇO ................ 124

10. INTEGRAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS .................... 126

CAPÍTULO V CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS

LEIS E ATOS NORMATIVOS

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 129

1.1. Origem histórica ....................................................................... 130

2. INEXISTÊNCIA DA NORMA INCONSTITUCIONAL: PRESSUPOSTOPARA O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ...................... 132

2.1. Requisitos essenciais de validade das normas jurídicas ......... 138

3. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL ................... 140

4. INCONSTITUCIONALIDADES POR AÇÃO OU OMISSÃO ............ 141

5. CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE ............ 141

5.1. Controle preventivo realizado pelo Poder Legislativo ............... 142

5.2. Controle preventivo realizado pelo Poder Executivo ................ 143

5.3. Controle preventivo realizado pelo Poder Judiciário ................. 144

6. CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE .......... 145

6.1. Controle difuso de constitucionalidade ..................................... 145

6.2. Controle concentrado de constitucionalidade ........................... 148

7. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ............................ 150

7.1. Finalidade ................................................................................. 150

7.2. Competência para julgamento ................................................. 150

7.2.1. Princípio da reserva de plenário ......................................... 151

7.3. Legitimados .............................................................................. 153

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7.4. Cabimento de medida cautelar ................................................ 1547.5. Advogado-Geral da União ........................................................ 1557.6. Procurador-Geral da República ................................................ 1577.7. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade e suas atuais

implicações .............................................................................. 158

8. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO ..... 1608.1. Finalidade ................................................................................. 1618.2. Competência para julgamento ................................................. 1628.3. Legitimados .............................................................................. 1628.4. Cabimento de medida cautelar ................................................ 1628.5. Advogado-Geral da União ........................................................ 163

8.6. Procurador-Geral da República ................................................ 163

9. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA ........... 163

10. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE ............... 16510.1. Finalidade ............................................................................... 16510.2. Competência para julgamento ............................................... 16610.3. Legitimados ............................................................................ 16610.4. Cabimento de medida cautelar .............................................. 16710.5. Efeitos da decisão de mérito ................................................. 167

10.6. Procurador-Geral da República .............................................. 168

10.7. Críticas à Ação declaratória de constitucionalidade ............... 168

11. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDA-MENTAL ................................................................................. 171

11.1. Finalidade ............................................................................... 17111.2. Competência para julgamento ............................................... 17311.3. Legitimados ............................................................................ 17311.4. Concessão de liminar ............................................................. 17311.5. Efeitos da decisão de mérito .................................................. 17311.6. Procurador-Geral da República .............................................. 17411.7. Problemas conceituais ........................................................... 174

12. EFEITOS E IMPLICAÇÕES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONA-LIDADE NA UNIDADE DO SISTEMA JURÍDICO ......................... 176

12.1. Interpretação conforme a Constituição e inconstitucionalidade parcial sem redução do texto ................................................... 178

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12.2. Declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para ainconstitucionalidade e mutação constitucional ........................... 179

12.3. Declaração de inconstitucionalidade como apelo ao legislador ... 180

CAPÍTULO VI DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDA-MENTAIS ......................................................................................... 181

1.1. Direitos de primeira dimensão .................................................. 183

1.2. Direitos de segunda dimensão ................................................. 184

1.3. Direitos de terceira dimensão ................................................... 185

1.4. Direitos de quarta dimensão ................................................... 186

2. DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .. 189

3. DIREITO À VIDA .............................................................................. 191

3.1. Aborto ....................................................................................... 193

3.2. Eutanásia ................................................................................. 195

3.3. Pena de morte .......................................................................... 196

4. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ........................................................... 196

4.1. Ações afirmativas ou discriminações positivas ........................ 197

5. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ......................................................... 198

6. PROIBIÇÃO DE TORTURA, TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRA-DANTE ............................................................................................. 201

7. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DIREITODE RESPOSTA ................................................................................ 202

8. LIBERDADES DE CONSCIÊNCIA, DE CRENÇA, DE CULTO RELI-GIOSO E DE CONVICÇÕES FILOSÓFICAS OU POLÍTICAS ...... 203

8.1. Liberdade de consciência e de crença ..................................... 203

8.2. Liberdade de culto religioso ..................................................... 204

8.3. Objeção de consciência ........................................................... 205

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9. LIBERDADE DE EXPRESSÃO DA ATIVIDADE INTELECTUAL,ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E DE COMUNICAÇÃO ......................... 206

10. INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA EIMAGEM ......................................................................................... 20810.1. Indenização por dano material ou moral ............................... 210

11. INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO ............................................... 21111.1. Exceções à inviolabilidade de domicílio ................................ 212

12. SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E DE COMUNICAÇÂO ......... 21412.1. Sigilo das comunicações telefônicas .................................... 21412.2. Amplitude do sigilo de correspondência, das comunicações

telegráficas e de dados ........................................................ 215

13. LIBERDADE DE PROFISSÃO ....................................................... 218

14. DIREITO À INFORMAÇÃO ............................................................ 219

15. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO .................................................... 21915.1. Direito de locomoção no território nacional em tempo de paz ......... 22015.2. Direito de entrar, permanecer e sair com o patrimônio .................... 221

16. DIREITO DE REUNIÃO ................................................................. 221

17. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO .................................................... 22217.1. Abrangência e garantias do direito de associação ............... 22217.2. Representação dos associados ............................................ 223

18. DIREITO DE PROPRIEDADE ....................................................... 22318.1. Função social da propriedade ............................................... 22418.2. Competência legislativa ........................................................ 22518.3. Requisição administrativa ..................................................... 22518.4. Desapropriação ..................................................................... 226

18.4.1. Modalidades .................................................................... 227

18.4.1.1. Desapropriação por razões de “utilidade pública”, “neces-sidade pública” ou “interesse social” ................................ 227

18.4.1.2. Desapropriação para realização de reforma agrária ...... 230

18.4.1.3. Desapropriação para observância de Plano Diretormunicipal .................................................................... 231

18.4.1.4. Desapropriação-confisco ............................................ 231

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19. PROPRIEDADE AUTORAL ........................................................... 232

19.1. Direito autoral ....................................................................... 233

19.2. Direitos conexos ao direito do autor ..................................... 234

20. PROPRIEDADE INDUSTRIAL ....................................................... 236

20.1. Inventos e criações industriais .............................................. 236

20.2. Proteção às marcas, nomes de empresas e outros signosdistintivos .............................................................................. 237

21. DIREITO DE HERANÇA ................................................................ 237

22. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR ................................................... 238

23. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ...................................................... 238

24. PRINCÍPIO DO AMPLO ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO ........ 239

24.1. Inexistência de jurisdição condicionada ............................... 239

24.1.1. Exceção ........................................................................... 240

25. PROTEÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO, ATO JURÍDICO PERFEITOE COISA JULGADA ....................................................................... 240

25.1. Direito adquirido e ato jurídico perfeito .................................. 241

25.1.1. Direito adquirido e regime institucional ............................ 24325.2. Coisa julgada ....................................................................... 245

26. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL .................................................... 247

27. DIREITO A NÃO-EXTRADIÇÃO ................................................... 248

27.1. Estrangeiro ........................................................................... 24927.2. Extradição, expulsão e banimento .............................................. 250

28. DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL .................................. 251

29. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ................... 253

29.1. Contraditório e inquérito policial ........................................... 253

30. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ........................................ 254

31. DIREITO À RAZOABILIDADE E CELERIDADE PROCESSUAL ................ 256

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32. EQUIPARAÇÃO DOS TRATADOS A EMENDAS CONSTITUCIONAIS ... 254

33. DIREITOS E GARANTIAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ...... 255

CAPÍTULO VII GARANTIAS FUNDAMENTAIS

1. INTRODUÇÃO ................................................................................ 267

2. HABEAS CORPUS .......................................................................... 268

2.1. Objeto ....................................................................................... 269

2.2. Habeas corpus preventivo e suspensivo ................................. 270

2.3. Legitimidade ativa ..................................................................... 270

2.4. Sujeição passiva ....................................................................... 271

2.5. Competência para julgamento ................................................. 272

2.6. Situações que autorizam a medida .......................................... 274

2.7. Custas ...................................................................................... 2742.8. Transgressões disciplinares militares ....................................... 274

3. MANDADO DE SEGURANÇA ......................................................... 275

3.1. Objeto .................................................................................... 276

3.2. Mandado de segurança preventivo e suspensivo ................. 277

3.3. Legitimidade ativa .................................................................. 277

3.4. Sujeição passiva .................................................................... 278

3.5. Competência para julgamento .............................................. 279

3.6. Situações que autorizam a medida ....................................... 280

3.7. Medida liminar ....................................................................... 280

3.8. Prazo para impetração .......................................................... 281

3.9. Custas ................................................................................... 281

3.10. Cabimento da medida liminar após denegação da segu-rança ................................................................................. 281

3.11. Recurso administrativo e mandado de segurança ................ 283

4. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ...................................... 284

4.1. Legitimidade ativa ..................................................................... 285

4.2. Beneficiários ............................................................................. 286

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5. MANDADO DE INJUNÇÃO ............................................................. 286

5.1. Objeto ....................................................................................... 287

5.2. Legitimidade ativa ..................................................................... 288

5.3. Sujeição passiva ....................................................................... 288

5.4. Competência para julgamento ................................................. 289

5.5. Efeitos da decisão .................................................................... 290

5.6. Distinção entre mandado de injunção e ação direta de inconstitu-cionalidade por omissão ........................................................... 294

5.7. Custas ...................................................................................... 296

5.8. Liminar ...................................................................................... 296

6. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO .......................................... 296

7. HABEAS DATA ................................................................................. 2987.1. Objeto ....................................................................................... 2987.2. Legitimidade ativa ..................................................................... 2997.3. Sujeição passiva ....................................................................... 3007.4. Competência para julgamento ................................................. 3017.5. Dados sigilosos ........................................................................ 3037.6. Procedimento ........................................................................... 3037.7. Custas ...................................................................................... 305

8. AÇÃO POPULAR ............................................................................. 3058.1. Objeto ....................................................................................... 306

8.1.1. Moralidade administrativa ................................................... 306

8.1.2. Ilegalidade e lesividade ao patrimônio público .................... 308

8.2. Legitimidade ativa ..................................................................... 309

8.3. Sujeição passiva ....................................................................... 310

8.4. Liminar e ação popular preventiva ............................................ 311

8.5. Custas ...................................................................................... 311

9. AÇÃO CIVIL PÚBLICA ..................................................................... 311

9.1. Objeto ....................................................................................... 312

9.2. Legitimidade ativa ..................................................................... 313

9.3. Sujeição passiva ....................................................................... 314

9.4. Ação cautelar ........................................................................... 314

9.5. Custas ...................................................................................... 314

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10. DIREITO DE PETIÇÃO .................................................................. 315

10.1. Objeto .................................................................................... 315

10.1.1. Direito de petição e prestação jurisdicional ...................... 316

10.2. Legitimidade ativa .................................................................. 318

10.3. Sujeição passiva .................................................................... 318

10.4. Custas ................................................................................... 319

11. DIREITO DE CERTIDÃO ............................................................... 319

11.1. Objeto ................................................................................... 320

11.2. Legitimidade ativa ................................................................. 320

11.3. Sujeição passiva ................................................................... 320

11.4. Prazo .................................................................................... 321

11.5. Custas .................................................................................. 321

CAPÍTULO VIII DIREITOS SOCIAIS

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 323

2. OS “DIREITOS SOCIAIS” NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ........ 324

3. DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS AOS TRABALHADORES ........... 325

3.1. Direitos individuais dos trabalhadores urbanos e rurais ........... 325

3.2. Direitos coletivos dos trabalhadores ......................................... 329

3.2.1. Direito a associação profissional ou sindical ...................... 329

3.2.1.1. Contribuição assistencial e sindical ............................... 330

3.2.1.2. Princípio da unicidade sindical ...................................... 331

3.2.2. Direito de greve ................................................................... 332

3.3. Direito de participação laboral .................................................. 333

3.4. Direito de representação nas empresas .................................. 333

CAPÍTULO IX DIREITOS DA NACIONALIDADE

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 335

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2. CONCEITOS CORRELATOS ........................................................... 335

3. FORMAS DE AQUISIÇÃO .............................................................. 337

3.1. Brasileiros natos ....................................................................... 3373.1.1. Nascimento no território brasileiro ...................................... 3383.1.2. Nascimento no exterior, de pai ou mãe em missão pelo Estado

brasileiro ............................................................................... 3383.1.3. Nascimento no exterior, de pai ou mãe brasileira ............... 338

3.2. Brasileiros naturalizados .......................................................... 3413.2.1. Naturalização tácita ............................................................. 3413.2.2. Naturalização por radicação precoce .................................. 3423.2.3. Naturalização por conclusão de curso superior .................. 3423.2.4. Naturalização de estrangeiros originários de países de língua

portuguesa .......................................................................... 3433.2.5. Naturalização de estrangeiros originários de outras partes do

mundo ................................................................................. 343

4. RECIPROCIDADE EM FAVOR DOS PORTUGUESES ................... 344

5. PERDA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA ................................... 344

5.1. Cancelamento de naturalização .............................................. 344

5.2. Naturalização voluntária ........................................................... 345

6. DISTINÇÕES CONSTITUCIONAIS ENTRE BRASILEIROS NATOSE NATURALIZADOS ........................................................................ 346

7. POLIPÁTRIDAS E APÁTRIDAS ...................................................... 347

CAPÍTULO X DIREITOS E PARTIDOS POLÍTICOS

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 349

2. NACIONALIDADE E CIDADANIA .................................................... 350

3. MODALIDADES DE DIREITOS POLÍTICOS ................................... 351

4. SUFRÁGIO, VOTO E ESCRUTÍNIO ................................................ 3514.1. Características do voto ............................................................. 352

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4.1.1. Voto direto ........................................................................... 352

4.1.2. Voto secreto ........................................................................ 353

4.1.3. Voto igual ............................................................................. 353

4.1.4. Voto universal ...................................................................... 354

4.1.5. Voto periódico ...................................................................... 354

4.1.6. Caráter personalíssimo ........................................................ 355

4.1.7. Liberdade ............................................................................ 355

4.2. Exercício dos direitos políticos ................................................. 356

5. DIREITOS POLÍTICOS POSITIVOS ............................................... 357

5.1. Capacidade eleitoral ativa ........................................................ 357

5.1.1. Direito e dever de voto ........................................................ 358

5.1.2. Inalistáveis ........................................................................... 358

5.2. Capacidade eleitoral passiva .................................................... 358

5.2.1. Nacionalidade brasileira ...................................................... 359

5.2.2. Pleno exercício dos direitos políticos .................................. 360

5.2.3. Alistamento eleitoral ............................................................ 360

5.2.4. Domicílio eleitoral ................................................................ 361

5.2.5. Filiação partidária ................................................................ 361

5.2.6. Idade mínima ...................................................................... 361

CAPÍTULO XI ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 365

2. FEDERALISMO ............................................................................... 365

2.1. Características de um Estado federado ................................... 367

3. O FEDERALISMO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ....... 367

4. INEXISTÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE AS UNIDADES FEDE-RADAS ............................................................................................ 369

5. BRASÍLIA ......................................................................................... 370

6. UNIÃO .............................................................................................. 371

6.1. Bens da União .......................................................................... 372

Page 20: Curso de direito_constitucional

6.1.1. Caráter exemplificativo do rol constitucional ....................... 3726.1.2. Terras devolutas .................................................................. 3736.1.3. Domínio hídrico ................................................................... 3746.1.4. Recursos minerais ............................................................... 3776.1.5. Cavidades naturais e sítios arqueológicos .......................... 3786.1.6. Terras indígenas .................................................................. 378

7. ESTADOS-MEMBROS ..................................................................... 3797.1. Autonomia dos Estados ............................................................ 380

7.1.1. Auto-organização ................................................................ 3807.1.1.1. Princípios constitucionais sensíveis e estabelecidos ............... 381

7.1.2. Autolegislação ..................................................................... 3837.1.2.1. Medida Provisória estadual ........................................... 383

7.1.3. Autogoverno ........................................................................ 3847.1.3.1. Poder Executivo estadual .............................................. 3847.1.3.2. Poder Legislativo estadual ............................................ 3847.1.3.3. Poder Judiciário estadual .............................................. 386

7.1.4. Auto-administração ............................................................. 386

8. MUNICÍPIOS .................................................................................... 3878.1. Autonomia dos Municípios ....................................................... 387

8.1.1. Auto-organização ................................................................ 3888.1.2. Autolegislação ..................................................................... 388

8.1.2.1. Medida Provisória municipal ......................................... 3898.1.3. Autogoverno ........................................................................ 389

8.1.3.1. Poder Executivo municipal ............................................ 3908.1.3.2. Poder Legislativo municipal ........................................... 390

8.1.3.2.1. Número de vereadores ........................................... 3908.1.3.2.2. Subsídio e limitação de despesas .......................... 392

8.1.4. Auto-administração .............................................................. 394

9. DISTRITO FEDERAL .................................................................... 3949.1. Autonomia do Distrito Federal ............................................. 395

9.1.1. Auto-organização ............................................................. 3959.1.2. Autolegislação ................................................................. 3969.1.3. Autogoverno .................................................................... 396

9.1.3.1. Poder Executivo distrital ............................................ 3969.1.3.2. Poder Legislativo distrital ........................................... 397

9.1.4. Auto-administração ............................................................. 398

Page 21: Curso de direito_constitucional

10. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ............................................ 398

10.1. Competências da União ....................................................... 399

10.1.1. Competências exclusivas ................................................ 399

10.1.1.1. Competências internacionais ..................................... 400

10.1.1.2. Competências políticas .............................................. 400

10.1.1.3. Competências financeiras e monetárias .................... 400

10.1.1.4. Competências administrativas ................................... 401

10.1.1.5. Competências em matéria urbanística ...................... 401

10.1.1.6. Competências sociais ................................................ 402

10.1.1.7. Competências econômicas ........................................ 402

10.1.1.8. Competências na prestação de serviços ................... 402

10.1.2. Competências privativas ................................................. 403

10.1.3. Competências materiais comuns .................................... 405

10.1.4. Competências concorrentes ........................................... 407

10.1.5. Competências tributárias ................................................ 411

10.2. Competências dos Estados .................................................. 411

10.2.1. Competências residuais ................................................... 412

10.2.2. Competências materiais comuns ..................................... 413

10.2.3. Competências concorrentes ............................................ 413

10.2.4. Competências suplementares ......................................... 413

10.2.5. Competências tributárias ................................................. 414

10.3. Competências dos Municípios .............................................. 414

10.3.1. Competência legislativa exclusiva .................................... 415

10.3.2. Competência suplementar ............................................... 416

10.3.3. Competências materiais exclusivas ................................. 417

10.3.4. Competências materiais comuns ..................................... 417

10.3.5. Competências tributárias ................................................. 418

10.4. Competências do Distrito Federal .......................................... 418

11. INTERVENÇÃO ............................................................................. 419

11.1. Intervenção federal ............................................................... 419

11.1.1. Procedimento da intervenção .......................................... 421

11.1.2. Requisitos da intervenção ............................................... 422

11.2. Intervenção nos Municípios .................................................. 422

11.2.1. Procedimento da intervenção .......................................... 423

11.2.2. Requisitos da intervenção ............................................... 425

Page 22: Curso de direito_constitucional

CAPÍTULO XII ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 425

2. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA BRASILEIRA .......................... 426

2.1. Centralização e descentralização ............................................. 427

2.2. Desconcentração administrativa .............................................. 428

2.3. Administração indireta .............................................................. 429

2.3.1. Autarquias .......................................................................... 430

2.3.1.1. Criação, extinção e responsabilidade ........................... 431

2.3.1.2. Controle ........................................................................ 432

2.3.1.3. Conselhos de fiscalização de profissões ...................... 433

2.3.1.4. Outros aspectos ............................................................ 434

2.3.2. Fundações públicas ........................................................... 435

2.3.3. Empresas públicas ............................................................. 438

2.3.4. Sociedades de economia mista ......................................... 439

2.3.5. Semelhanças e diferenças existentes entre empresas públicase sociedades de economia mista ....................................... 440

2.3.5.1. Falência ......................................................................... 441

2.3.5.2 Penhora de bens ........................................................... 444

3. REFORMA ADMINISTRATIVA DE 1995, ENTIDADES DO TERCEIROSETOR E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ............................................ 445

3.1 Introdução ................................................................................. 445

3.2 A Reforma Administrativa de 1995 ............................................ 446

3.2.1 Os quatro núcleos do Estado e os modelos a serem seguidos . 448

3.3. Figuras jurídicas criadas a partir da Reforma Administrativa ............... 450

3.3.1. Agências executivas ............................................................ 451

3.3.2. Agências reguladoras ......................................................... 452

3.3.3. Contratos de gestão ............................................................ 453

3.3.4. Organizações sociais .......................................................... 454

3.3.5. Organizações da sociedade civil de interesse público ........ 458

4. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................... 459

4.1. Princípio da supremacia do interesse público ........................ 460

Page 23: Curso de direito_constitucional

4.2. Princípio da legalidade ........................................................... 461

4.3. Princípio da finalidade ............................................................ 462

4.4. Princípio da razoabilidade ...................................................... 463

4.5. Princípio da proporcionalidade ............................................... 464

4.6. Princípio da motivação ........................................................... 465

4.7. Princípio da impessoalidade ................................................... 4664.8. Princípio da publicidade ......................................................... 4674.9. Princípios do devido processo legal e ampla defesa .............. 4684.10. Princípio da moralidade administrativa ................................... 4694.11. Princípio da inafastabilidade do controle judicial dos atos admi-

nistrativos ............................................................................... 471

4.12. Princípio da responsabilidade do Estado por comportamentos administrativos ........................................................................ 472

4.13. Princípio da eficiência ............................................................ 473

4.14. Princípio da segurança jurídica .............................................. 474

5. AGENTES PÚBLICOS ..................................................................... 4755.1. Classificação dos agentes públicos .......................................... 476

5.1.1. Agentes políticos ................................................................ 4775.1.2. Agentes profissionais .......................................................... 479

5.1.2.1. Servidores públicos ....................................................... 4795.1.2.2. Servidores vitalícios ...................................................... 4805.1.2.3. Empregados públicos .................................................... 4815.1.2.4. Agentes temporários ..................................................... 4815.1.2.5. Agentes militares ........................................................... 483

5.1.3. Particulares colaboradores ................................................. 4835.1.3.1. Agentes honoríficos ....................................................... 4835.1.3.2. Delegatários de serviços públicos ................................. 4835.1.3.3. Gestores voluntários ..................................................... 484

5.2. Cargo, emprego e função pública ............................................ 4845.3. Acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas ........... 4855.4. Proibição de acumulação remunerada de cargos, empregos e

funções públicas ...................................................................... 4875.5. Estabilidade e vitaliciedade ...................................................... 4885.6. Formas de provimento .............................................................. 4915.7. Vencimento, remuneração e subsídio ....................................... 4925.8. Aposentadoria do servidor ....................................................... 495

Page 24: Curso de direito_constitucional

5.8.1. Modalidades de aposentadoria ........................................... 4965.8.2. Regras de transição para aposentadoria dos servidores após o

advento da Emenda Constitucional nº 41/03 ...................... 4985.8.2.1. Preenchimento dos requisitos antes da publicação da EC

nº 41/03 .......................................................................... 4985.8.2.2. Ingresso no serviço público antes da entrada em vigência

da EC nº 20/98 ............................................................... 4995.8.2.3. Ingresso no serviço público antes da entrada em vigência

da EC nº 41/03 ............................................................... 5005.9. Pensão ..................................................................................... 5015.10. Contribuição previdenciária de inativos e pensionistas .......... 502

5.11. Contribuição previdenciária dos servidores em atividade .............. 507

5.12. Tempo de serviço e de contribuição ....................................... 508

5.13. Sindicalização e direito de greve do servidor ......................... 509

6. LICITAÇÃO ....................................................................................... 511

6.1. Obrigatoriedade de licitação ..................................................... 5116.1.1. Alcance do imperativo constitucional que obriga a realização

de licitações públicas ........................................................... 513

6.2. Legislação aplicável ................................................................. 515

6.3. Finalidades ............................................................................... 517

7. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO ......... 517

7.1. Delimitação do tema ................................................................. 518

7.2. Teoria da irresponsabilidade ..................................................... 519

7.3. Teorias civilistas ........................................................................ 520

7.4. Teorias publicistas .................................................................... 522

7.5. Responsabilidade extracontratual do Estado por comportamentosadministrativos no direito brasileiro ........................................... 523

7.5.1. Responsabilidade objetiva aplicável na “ação” ................... 524

7.5.2. Responsabilidade objetiva por dano nuclear ...................... 525

7.5.3. Responsabilidade subjetiva aplicável na “omissão” ............ 526

7.6. Excludentes da responsabilidade do Estado ......................... 527

7.7. Responsabilidade por atos dos “agentes nessa qualidade” ......... 529

7.8. Reparação do dano, ação regressiva e denunciação da lide ....... 530

7.9. Responsabilidade do Estado por atos legislativos ................. 532

7.10. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais ................ 535

Page 25: Curso de direito_constitucional

CAPÍTULO XIII ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

E FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 539

2. PODER LEGISLATIVO ..................................................................... 540

2.1. Composição do Congresso Nacional ....................................... 541

2.2. Câmara dos Deputados ........................................................... 542

2.3. Senado Federal ........................................................................ 544

2.4. Competências legislativas ........................................................ 544

2.4.1. Competências do Congresso Nacional ................................ 545

2.4.2. Competências exclusivas do Congresso Nacional ............. 546

2.4.3. Competências privativas da Câmara dos Deputados ......... 5472.4.4. Competências privativas do Senado Federal ...................... 548

2.5. Controle externo da Administração Pública ............................. 5492.5.1. Convocação de autoridades .............................................. 5502.5.2. Comparecimento voluntário ................................................ 5512.5.3. Pedido de informações por escrito ...................................... 5512.5.4. Diferenças ........................................................................... 552

2.6. Sessões legislativas ................................................................. 5532.6.1. Sessão legislativa ordinária ................................................ 5532.6.2. Sessão legislativa extraordinária ........................................ 5542.6.3. Sessões ordinárias ............................................................. 5552.6.4. Sessões extraordinárias ...................................................... 5552.6.5. Sessões preparatórias ........................................................ 556

2.6.5.1. Eleição das Mesas diretoras ......................................... 5562.7. Reuniões conjuntas .................................................................. 5572.8. Mesa do Congresso Nacional .................................................. 5572.9. Quorum para deliberações ....................................................... 5582.10. Comissões .............................................................................. 559

2.10.1. Comissões permanentes ................................................. 559

2.10.2. Comissões temporárias ................................................... 560

2.10.3. Comissões parlamentares de inquérito ............................ 560

2.10.4. Comissão representativa .................................................. 561

2.11. Estatuto dos Congressistas .................................................... 562

Page 26: Curso de direito_constitucional

2.11.1. Prerrogativas .................................................................... 5622.11.1.1. Inviolabilidade parlamentar ........................................ 5632.11.1.2. Imunidade parlamentar .............................................. 5632.11.1.3. Foro ............................................................................ 5652.11.1.4. Prisão ......................................................................... 5652.11.1.5. Limitação ao dever de testemunhar ........................... 5662.11.1.6. Serviço militar ............................................................. 5672.11.1.7. Estado de sítio ............................................................ 567

2.11.2. Incompatibilidades ............................................................ 5682.11.3. Perda do mandato ............................................................. 568

2.11.3.1. Renúncia ..................................................................... 570

2.11.4. Hipóteses que não importam a perda do mandato parla-mentar ......................................................................... 570

3. PODER EXECUTIVO ....................................................................... 571

3.1. Presidencialismo ...................................................................... 5723.2. Eleição do Presidente e Vice-Presidente da República ........... 5733.3. Posse ........................................................................................ 5743.4. Atribuições do Vice-Presidente ................................................ 5753.5. Sucessores do Presidente ....................................................... 5753.6. Atribuições do Presidente da República ................................... 576

3.6.1. Poder regulamentar ............................................................ 5783.7. Crimes de responsabilidade e processo de impeachment ............. 580

3.7.1. Julgamento .......................................................................... 5823.7.2. Penas .................................................................................. 583

3.8. Dos Ministros de Estado .......................................................... 585

4. PODER JUDICIÁRIO ....................................................................... 5854.1. Emenda Constitucional nº 45/04 .............................................. 5864.2. Estrutura do Poder Judiciário ................................................... 5874.3. Seleção dos membros do Poder Judiciário ............................... 588

4.3.1. Quinto constitucional ........................................................... 5904.3.2. Nomeação dos Ministros .................................................... 591

4.4. Funcionamento dos juízos e tribunais .................................... 5914.5. Supremo Tribunal Federal ....................................................... 592

4.5.1. Competências ................................................................... 5934.5.2. Súmula vinculante ............................................................. 594

4.6. Conselho Nacional de Justiça ................................................. 5974.7. Superior Tribunal de Justiça ..................................................... 601

4.7.1. Competências ................................................................... 602

Page 27: Curso de direito_constitucional

4.8. Tribunais Regionais Federais e Juízos Federais ................... 6044.8.1. Competências ................................................................... 605

4.9. Tribunais e Juízos do Trabalho .............................................. 6074.9.1. Competências ................................................................... 608

4.9.1.1. Competência para o julgamento das matérias envol-vendo servidores públicos ........................................... 609

4.9.2. Tribunais Regionais do Trabalho ........................................ 6124.10. Tribunais e Juízos Eleitorais ................................................. 612

4.10.1. Tribunais Regionais Eleitorais .......................................... 613

4.11. Tribunais e Juízos Militares .................................................... 614

4.12. Tribunais e Juízos dos Estados, Distrito Federal e Terri- tórios ..................................................................................... 614

4.13. Subsídio ................................................................................ 6164.14. Aposentadoria dos Magistrados ........................................... 6164.15. Garantias .............................................................................. 6174.16. Proibições ............................................................................. 618

5. MINISTÉRIO PÚBLICO ................................................................... 6195.1. Conceito ................................................................................... 6195.2. Princípios institucionais do Ministério Público .......................... 620

5.2.1. Unidade ............................................................................... 6205.2.2. Indivisibilidade ..................................................................... 6205.2.3. Independência funcional ..................................................... 621

5.3. Funções .................................................................................. 6215.4. Conselho Nacional do Ministério Público ............................... 6235.5. Aposentadoria dos membros do Ministério Público ............... 6255.6. Garantias ................................................................................ 6255.7. Proibições ............................................................................... 626

6. ADVOCACIA PÚBLICA .................................................................... 628

7. ADVOCACIA .................................................................................... 630

8. DEFENSORIA PÚBLICA ................................................................. 630

CAPÍTULO XIV PROCESSO LEGISLATIVO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 633

Page 28: Curso de direito_constitucional

2. FASES DO PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO ..................... 634

2.1. Iniciativa .................................................................................. 6362.1.1. Iniciativa privativa do Presidente da República ................. 6372.1.2. Iniciativa privativa do Poder Legislativo ............................. 6382.1.3. Iniciativa privativa do Poder Judiciário ............................... 6392.1.4. Iniciativa privativa do Ministério Público ............................ 639

2.2. Discussão ............................................................................... 6402.3. Votação ................................................................................... 6412.4. Sanção ou veto ....................................................................... 6422.5. Promulgação .......................................................................... 6442.6. Publicação .............................................................................. 644

3. EMENDA À CONSTITUIÇÃO .......................................................... 644

4. MEDIDA PROVISÓRIA .................................................................... 645

4.1. Aspectos históricos ................................................................. 6454.2. Medida Provisória na Constituição originária de 1988 ........... 6464.3. Regime jurídico da Medida Provisória após a edição da EC

nº 32/01 ........................................................................................... 647

4.3.1. Delimitação das matérias .................................................. 6484.3.2. Matéria tributária ............................................................... 6494.3.3. Deliberação ....................................................................... 6494.3.4. Prazo de validade e regime de urgência ........................... 650

4.3.5. Situações ocorridas durante a vigência de MP rejeitada ouprejudicada ........................................................................ 652

4.3.6. Medidas provisórias anteriores a Emenda Constitucionalnº 32/01 ................................................................................ 652

5. LEI DELEGADA ............................................................................... 653

6. DECRETO LEGISLATIVO ................................................................ 654

7. RESOLUÇÃO ................................................................................... 655

CAPÍTULO XV ORDEM SOCIAL

1. INTRODUÇÃO ................................................................................. 657

Page 29: Curso de direito_constitucional

2. DA SEGURIDADE SOCIAL ............................................................. 658

2.1. Saúde ....................................................................................... 660

2.2. Previdência social ..................................................................... 662

2.2.1. Aposentadoria e pensão ..................................................... 663

2.2.2. Previdência privada ............................................................. 664

2.3. Assistência social .................................................................... 665

3. EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO .......................................... 666

3.1. Educação ................................................................................ 666

3.1.1. Autonomia universitária, autorização de cursos e avaliação doensino privado ..................................................................... 668

3.2. Cultura ...................................................................................... 670

3.3. Desporto ................................................................................... 672

4. CIÊNCIA E TECNOLOGIA ............................................................... 673

5. COMUNICAÇÃO SOCIAL ................................................................ 673

6. MEIO AMBIENTE ............................................................................. 676

7. FAMÍLIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO ............................ 676

7.1. Família ...................................................................................... 676

7.2. Criança e adolescente .............................................................. 678

7.3. Idoso ......................................................................................... 679

8. ÍNDIOS ............................................................................................. 681

CAPÍTULO XVI HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

1. CONSTITUIÇÃO DE 1824 ............................................................... 685

1.1. Divisão dos Poderes Políticos .................................................. 685

1.2. Semi-rigidez da Constituição do Império .................................. 686

1.3. Centralização político-administrativa ........................................ 687

1.4. Ideologia liberal da Constituição de 1824 ................................ 688

1.5. Reformas .................................................................................. 689

Page 30: Curso de direito_constitucional

2. CONSTITUIÇÃO DE 1891 ............................................................... 6892.1. Federalismo e República .......................................................... 6902.2. Sistema de governo .................................................................. 6912.3. Rigidez constitucional ............................................................... 6922.4. Declaração de direitos .............................................................. 692

3. CONSTITUIÇÃO DE 1934 ............................................................... 6933.1. Características principais ......................................................... 6943.2. Senado Federal ........................................................................ 6953.3. Controle de constitucionalidade ............................................... 6963.4. A influência da Constituição de Weimar ................................... 6973.5. Momento político ...................................................................... 698

4. CONSTITUIÇÃO DE 1937 ............................................................... 6994.1. A Constituição “polaca” ............................................................. 6994.2. Momento histórico .................................................................... 6994.3. Características principais ......................................................... 7004.4. Inaplicabilidade da Constituição de 1937 ................................. 701

5. CONSTITUIÇÃO DE 1946 ............................................................... 7025.1. Estrutura da Constituição de 1946 ........................................... 7035.2. Características principais ......................................................... 7035.3. O municipalismo e a política do homem ................................... 7045.4. A Reforma agrária .................................................................... 7065.5. O fim da Constituição ............................................................... 706

6. CONSTITUIÇÃO DE 1967 ............................................................... 7076.1. Características principais ......................................................... 7086.2. Centralização político-administrativa ........................................ 7096.3. O Ato Institucional nº 5 ............................................................. 709

7. CONSTITUIÇÃO DE 1969 ............................................................... 7107.1. Caráter autoritário da Carta de 1969 ....................................... 7107.2. A redemocratização ................................................................. 711

8. CONSTITUIÇÃO DE 1988 ............................................................... 7128.1. Funcionamento da Assembléia Constituinte ............................ 7138.2. A Constituição cidadã ............................................................... 715

REFERÊNCIAS ...................................................................................... 717

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Prefácio

Um livro que contenha um Curso deveria “ser a penúlti-ma obra do escritor de Direito: depois dele, resta o Tratado”. A sentença é de Mozart Victor Russomano, com quem tive a honra de conviver, em Brasília, nos anos oitenta, ele ministro do Tribunal Superior do Trabalho e eu do Tribunal Federal de Recursos. É que, acrescenta Russomano, o Curso “necessita ser claro e conciso, para que o aluno compreenda, mas deve esconder, sob a aparente superficialidade das lições, uma pro-vocação doutrinária aos juristas”. Mozart Russomano cumpriu o que dizia. O seu Curso de Direito do Trabalho somente veio a lume em 1972, editado por José Konfino, que, na sua “nota do editor”, lembrou a lição de Russomano.

Faço esse registro, porque o Curso de Direito Constitucio-nal, de Henrique Savonitti Miranda, cujos originais tive o prazer intelectual de ler, me surpreendeu. É que Henrique, que já es-creveu outros livros, é certo – “Licitações e Contratos Admi-nistrativos” e “Manual de Direito Administrativo” – é, entretanto, muito jovem, um jovem publicista, que não terá este livro como a sua penúltima obra, ele que tem muito que fazer, ainda, e que está em vésperas de grandes realizações no campo do direito público.

Mas, dizia, o livro me surpreendeu. E me surpreendeu, sobretudo, pelo que ele contém. Numa linguagem escorreita, concisa, enxuta, Henrique Savonitti Miranda expõe e analisa os grandes temas do Direito Constitucional, propiciando compre-

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ensão ao aluno que principia no estudo do Direito e servindo de norte para os já iniciados.

Começa o Curso por distinguir o Direito Constitucional Po-sitivo da Ciência do Direito Constitucional, fazendo-o com rigor científico, rigor científico que é uma constante nos demais ca-pítulos do livro. O conceito de Constituição é exposto de forma perfeita, em seus diversos aspectos. A questão das limitações constitucionais ao poder de revisão, que os publicistas brasilei-ros optam por denominar de cláusulas pétreas, assenta-se no discurso teórico a respeito do poder constituinte. Segue-se o estudo a respeito da hermenêutica, em que o autor cuidou dos pontos principais da interpretação constitucional. No estudo do controle de constitucionalidade dos atos normativos, Henrique explora todos os ângulos do tema. No que toca ao controle con-centrado, vai longe, não se esquecendo das inovações trazidas pelas Cortes Constitucionais européias. Os direitos fundamen-tais e as garantias constitucionais são examinados e expostos de modo conciso, claro, sem perda do rigor científico. A organi-zação do Estado brasileiro, a Administração Pública, nos seus diversos aspectos, a organização dos poderes e das funções essenciais à Justiça, a ordem social, todas essas questões fa-zem parte da exposição teórica e, sobretudo, didática, do Cur-so, que culmina com o histórico das Constituições brasileiras, a partir da Constituição do Império, de 1824.

Estou certo de que o Curso de Direito Constitucional que está sendo tirado a lume por Henrique Savonitti Miranda vai servir de guia para os alunos das Faculdades de Direito e in-dispensável à leitura de todos os que lidamos com o Direito Público, especialmente com o Direito Constitucional.

Brasília, DF, junho de 2004.

Carlos Mário da Silva Velloso Ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.

Professor Emérito da PUC/MG e da UnB.

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Nota à terceira edição

Eis mais uma edição, a terceira, de nosso Curso de Direito Constitucional!

Para esta edição, atualizamos o livro à luz da Emenda Constitucional nº 48, de 11 de agosto de 2005, que prevê a instituição do Plano Nacional de Cultura.

Queremos agradecer aos nossos alunos, especialmente aos de Brasília, pela enorme receptividade aos nossos livros, o que fez com que essas primeiras edições se esgotassem em menos de três meses após os lançamentos.

Homenageamos, também, a todos os professores, de universidades ou cursos preparatórios, que adotam ou reco-mendam nossas publicações, e agradecemos pelas sugestões apresentadas, sempre tão pertinentes.

Renovamos nossos agradecimentos, da mesma forma, ao Dr. Júlio Werner Pedrosa, por todo o apoio que nos tem ofe-recido, ao Dr. Raimundo Pontes Cunha Neto, pelo cuidado na estruturação e distribuição de nossas obras, ao Dr. José Farias Maranhão, pela presteza na produção de todos os nossos tra-balhos, e a todos os profissionais da Secretaria Especial de Editoração e Publicações direta ou indiretamente envolvidos neste projeto.

Brasília, inverno de 2005.

Henrique Savonitti Miranda

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Nota à segunda edição

Com satisfação chegamos à segunda edição do nosso Curso de Direito Constitucional poucos meses após seu lança-mento, em dezembro de 2004.

A primeira edição, ressalte-se, esgotou-se em menos de dois meses após a publicação, o que atribuímos, fundamentalmente, aos nossos alunos, pela carinhosa acolhida ao nosso trabalho, e a generosidade de todos os colegas que o recomendaram.

Nesses menos de seis meses, atualizamos o livro à luz das Emendas Constitucionais nos 46 e 47/05, e das repercussões jurisprudenciais provocadas pela reforma do Poder Judiciário, promovida pela Emenda Constitucional nº 45/04, a qual fomos os primeiros a comentar.

Além disso, fizemos algumas alterações pontuais ao longo do texto objetivando corrigir pequenos erros, dos quais, infeliz-mente, não se está imune.

Renovamos nossos agradecimentos ao Dr. Júlio Werner Pe-drosa, por todo o apoio que nos tem oferecido, ao Dr. Raimundo Pontes Cunha Neto, pelo cuidado na produção e distribuição de nossas obras, e a todos os profissionais da Secretaria Especial de Editoração e Publicações direta ou indiretamente envolvidos neste projeto.

Brasília, inverno de 2005.

Henrique Savonitti Miranda

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Apresentação da primeira edição

Dizem que um livro nunca fica pronto: chega um momen-to em que o abandonamos. É que depois de inúmeras horas de trabalho solitário, buscando abordar os principais aspectos relacionados a cada um dos temas que julgamos importantes, damo-nos conta de que se trata de tarefa infindável, tamanha a riqueza e a variedade que envolve o fenômeno jurídico. E, neste momento, sentimos vontade de compartilhar aquele pouco que conseguimos aprender e sistematizar.

É com esse espírito que apresentamos à comunidade jurí-dica este trabalho, no qual procedemos uma análise dos princi-pais institutos jurídicos relacionados ao Direito Constitucional, procurando disponibilizar um instrumental que, embora com profundo embasamento teórico e rigor científico, seja de fácil compreensão para os que se iniciam no estudo de nossa disci-plina, bem como aos que se preparam para enfrentar os mais variados concursos públicos, de carreiras jurídicas ou não.

O estudo ora apresentado é fruto de uma concepção episte-mológica dogmática, contrariando a tendência dominante que bus-ca aproximar o Direito Constitucional da Ciência Política, sob o ar-gumento de que com isso estar-se-ia humanizando o aplicador do Direito, chegando-se a resultados socialmente mais aceitáveis.

Como pano de fundo deste trabalho, pretendemos demons-trar que um dos valores mais importantes de um Estado Demo-crático de Direito é a segurança jurídica, e que esta reside na correta aplicação da norma jurídica – que se apresenta como

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a atualização do sentido da lei, a partir de sua conjugação com os fatos e valores sociais – sendo instrumento último de von-tade popular. E, mais ainda, que embora o Direito Constitucio-nal traga na sua formação uma enorme conotação política, ele pode ser sistematizado de forma científica, a partir do respeito à Teoria Geral do Direito e à Lógica Jurídica.

Este enfoque exclusivamente dogmático, decorrência lógi-ca da limitação metodológica que nos impusemos, obrigou-nos à formulação de afirmações difíceis de serem sustentadas du-rante todo o trabalho, como quando pugnamos pela inexistên-cia da norma jurídica inconstitucional, no capítulo dedicado ao estudo do controle de constitucionalidade, obrigando-nos a ne-gar validade às inovações oriundas das Cortes Constitucionais européias; quando elaboramos as distinções entre o texto de direito positivo, a norma jurídica e sua interpretação obrigando-nos, entre outras coisas, a inserir a integração constitucional no processo de interpretação jurídica ou, ainda, quando anali-samos o problema da eficácia das normas constitucionais e a legitimidade das fontes interpretativas genéricas.

O livro encontra-se atualizado até a Emenda Constitucio-nal nº 45/04. Quando já havíamos encerrado este trabalho e dado início ao processo de produção do livro, cujo lançamen-to estava confirmado para o dia 9 de dezembro, na Biblioteca do Senado Federal, em Brasília, sobreveio a aprovação da referida Emenda, trazendo profundas reformas constitucio-nais, especialmente no tocante ao capítulo do Poder Judici-ário. A Proposta de Emenda Constitucional foi aprovada em segundo turno no Senado Federal no dia 17 de novembro e a promulgação prevista para o dia 24. Todavia, em razão da proximidade do Dia da Justiça (8 de dezembro) optou-se por postergar a promulgação para esta data, com a conseqüen-te publicação no dia seguinte. No dia 24 de novembro tive-mos acesso à redação final do texto que vai à promulgação e procedemos às diversas modificações pertinentes no livro, o que possibilitou seu lançamento, atualizado até a Emenda

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Constitucional nº 45/04, exatamente na data prevista para sua publicação no Diário Oficial da União.

Renovamos o agradecimento aos nossos alunos, pela enor-me receptividade aos nossos trabalhos e pela contribuição que oferecem diuturnamente para o enriquecimento de nossos livros e ao Conselho Editorial do Senado Federal, pela honra que nos dá em incluir mais essa obra no Catálogo de Publicações que traz algumas das mais importantes obras já produzidas no país.

Dentre as pessoas diretamente responsáveis pela concreti-zação deste projeto, ressalte-se o empenho do Dr. Júlio Werner Pedrosa, idealizador da publicação de nossos trabalhos pelo Conselho Editorial, a atenção dos Professores Carlos Henrique Cardim, Carlyle Coutinho Madruga, João Almino e Raimundo Pontes Cunha Neto, além do profissionalismo, competência e solicitude de todos os servidores da Secretaria Especial de Edi-toração e Publicações do Senado Federal, direta ou indireta-mente envolvidos nessa empreitada.

Agradecimento especial à Olga Maria Guerra Fontes Santos, pela paciência e dedicação quando das leituras de cada um dos capítulos do original e pelas sugestões elaboradas visando ao aprimoramento do texto.

Não poderíamos terminar esta apresentação sem render nos-sas homenagens ao Professor Celso Ribeiro Bastos, cujas lições serviram de inspiração para a realização deste trabalho e a quem devemos a paixão pelo Direito Constitucional, iniciada em maio de 1997 no primeiro Congresso do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC que tivemos a oportunidade de freqüentar. Quando terminávamos a elaboração deste livro veio-nos a notícia de que o Mestre nos deixara, impedindo-nos de apresentar-lhe o fruto da semente que ajudara a plantar. À guisa de homenagem, todas as citações à sua pessoa foram mantidas no presente, por ser assim que suas lições encontram-se nesta obra.

Brasília, DF, primavera de 2004.

Henrique Savonitti Miranda

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Capítulo I

DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO E CIÊNCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

1. INTRODUÇÃO

Antes de iniciarmos a análise das principais categorias de Direito Constitucional, não podemos perder de vista que o Di-reito é algo uno e indecomponível. Isto porque ele é compos-to por alguns elementos que o diferenciam de outros ramos do conhecimento humano como a Física, a Economia, a Medicina, entre outros.

Miguel Reale afirma que “deve existir, com efeito, algo de co-mum a todos os fatos jurídicos, sem o que não seria possível falar-se em Direito como uma expressão constante da experiência social”1.

Assim, o Direito é dividido em várias disciplinas unicamen-te por razões didáticas. Tal divisão tem por objetivo facilitar seu estudo, pois seria humanamente impossível ministrar-se um curso de Direito sem se saber por onde começar, ou como ex-por seu conteúdo aos alunos.

1 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 3.

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42 Curso de Direito Constitucional

Lembrem-se sempre: o Direito é indivisível, não existin-do ramos autônomos, mas ramos didaticamente autônomos do conhecimento jurídico.

1.1. Posição enciclopédica

O Direito encontra-se dividido em uma série de discipli-nas, o que tem por objetivo a facilitação de seu estudo. Tal divi-são denomina-se “Enciclopédia Jurídica”. Não é nosso papel aprofundarmos no estudo deste tema. Contudo, cabe-nos ofe-recer-lhes uma visão geral de como ela é realizada, utilizando-nos das palavras de Miguel Reale:

“O Direito divide-se, em primeiro lugar, em duas grandes classes: o Direito Privado e o Direito Público. As relações que se referem ao Estado e traduzem o predomínio do interesse coletivo são chamadas relações públicas, ou de Direito Público. Porém, o homem não vive apenas em relação com o Estado, mas também – e principalmente – em ligação com seus seme-lhantes: a relação que existe entre pai e filho, ou então, entre quem compra e quem vende determinado bem, não é uma re-lação que interessa de maneira direta ao Estado, mas sim ao indivíduo enquanto particular. Essas são as relações de Direito Privado.

Essas classes, por sua vez, se subdividem em vários ou-tros ramos, como, por exemplo, o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, no campo do Direito Público; o Direito Civil, o Direito Comercial, no campo do Direito Privado. O Direi-to é, pois, um conjunto de estudos discriminados; abrange um tronco com vários ramos; cada um desses ramos tem o nome de disciplina”2 (grifos nossos).

Assim, resta-nos salientar que o Direito Constitucional não é uma ciência autônoma, que existe independentemente

2 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 4.

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43Direito constitucional positivo e Ciência do Direito Constitucional

de outras disciplinas jurídicas, por não apresentar os requisi-tos necessários que possam lhe conferir autonomia científica, quais sejam, objeto e método próprios, o que só ocorre com o Direito, considerado como um todo.

2. DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO E CIÊNCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

Não é tarefa fácil delimitar com exatidão a área de inte-resse do Direito Constitucional, ainda que tal esforço possua finalidades exclusivamente didáticas, em virtude do caráter de unidade do sistema jurídico, acima mencionado.

Paulo de Barros Carvalho, ao enfrentar o problema quando pretendeu traçar os limites de estudo do Direito Tributário, asse-verou que esta delimitação “mesmo em obséquio a finalidades didáticas, não deixaria de ser a cisão do incindível, a seção do inseccionável” (grifos no original)3.

A uma tarefa árdua soma-se outra: além de tracejar a fron-teira de interesse do estudo do Direito Constitucional, necessi-tamos distingüir as realidades do direito positivo e da Ciência do Direito.

Para Paulo de Barros Carvalho, “são dois mundos que não se confundem, apresentando peculiaridades tais que nos levam a uma consideração própria e exclusiva. São dois corpos de linguagem, dois discursos lingüísticos, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas” (grifos nossos)4.

O direito constitucional positivo é o conjunto das nor-mas jurídico-constitucionais válidas, em um determinado momento histórico, em certo país.

3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 13.

4 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 1.

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44 Curso de Direito Constitucional

A Ciência do Direito Constitucional ou Dogmática Jurí-dica constitucional é o ramo científico que preocupa-se com o estudo dessas normas jurídicas, buscando analisá-las sob o ponto de vista de sua validade, para que, organizando-as sob um prisma sistêmico, o estudioso do Direito possa conhecer o exato sentido e alcance das prescrições normativas.

Seguindo as lições de nosso mestre Paulo de Barros Car-valho, procederemos a uma análise das principais distinções existentes entre essas duas realidades, confrontando, princi-palmente, seus objetivos, linguagens, lógicas e discursos.

2.1. Objetivos

Como vimos, o direito constitucional positivo é o con-junto das normas constitucionais válidas, em um determinado momento histórico, em certo país. Tem por objetivo discipli-nar as condutas intersubjetivas, procurando direcioná-las ao cumprimento de certos valores que a sociedade acredita que devam ser prestigiados.

Paulo de Barros Carvalho, nesse sentido, afirma que “ao Direito não interessam os problemas intra-subjetivos, isto é, da pessoa para com ela mesma, a não ser na medida em que esse elemento interior e subjetivo corresponda a um comportamento exterior e objetivo”5.

No meio jurídico, é muito difundida a seguinte afirmativa: “No Direito não existe lugar para a Psicologia, assim como que para a Psicologia não há lugar para o Direito”. Tal frase preten-de significar que a cada ciência correspondem métodos e ins-trumentos próprios de investigação científica. A Ciência do Di-reito ocupa-se, tão-somente, do estudo das condutas humanas que venham, efetivamente, a alterar o mundo exterior. Assim é que, v.g., em meu íntimo posso realizar, impunemente, os mais

5 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 2.

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45Direito constitucional positivo e Ciência do Direito Constitucional

atrozes pensamentos. Todavia, se exteriorizá-los de alguma forma, estarei sujeito às sanções que a lei, eventualmente, estabeleça.

Assim, à Ciência do Direito Constitucional ou Dogmáti-ca Jurídica Constitucional compete analisar o ordenamento constitucional vigente de um país (direito positivo), a partir de sua validade, para que, conhecendo-o, seja possível determinar a forma como esse Estado está estruturado e quais os valores fundamentais desse sistema social, veiculados em sua Consti-tuição, o mais importante de seus instrumentos jurídicos.

Nesse sentido, são as lições do mestre Paulo de Barros Carvalho: “O cientista do Direito vai debruçar-se sobre o uni-verso das normas jurídicas, observando-as, investigando-as, interpretando-as e descrevendo-as segundo determinada me-todologia. Como ciência que é, o produto de seu trabalho terá caráter descritivo, utilizando uma linguagem apta para transmitir conhecimentos, comunicar informações, dando conta de como são as normas jurídicas, de que modo se relacionam, que tipo de estrutura constróem e, sobretudo, como regulam a conduta intersubjetiva”6.

2.2. Linguagens

Não existe Ciência do Direito Constitucional sem uma lin-guagem que fale de um determinado objeto (direito constitucio-nal positivo). Também não poderia existir direito positivo sem o uso da linguagem. Seria impossível tentarmos conceber o di-reito positivo sem uma linguagem própria, pois o sentido comu-nicacional é da própria essência do Direito. Se a finalidade do Direito é regular as condutas intersubjetivas, como pretender fazê-lo sem expressar-se? Sem dizer o que deve ou não ser realizado?

6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 2.

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46 Curso de Direito Constitucional

Miguel Reale explica-nos: “Cada ciência exprime-se numa linguagem. Dizer que há uma Ciência Física é dizer que existe um vocabulário da Física. (...) Cada cientista tem a sua maneira própria de expressar-se, e isto também acontece com a Juris-prudência, ou Ciência do Direito. Os juristas falam uma lingua-gem própria e devem ter orgulho de sua linguagem multi-mile-nar, dignidade que bem poucas ciências podem invocar”7.

Assim, não podemos perder de vista que o legislador edita as normas jurídicas por meio de uma linguagem. Também, em nosso caso específico, não existe outra maneira de nos expres-sarmos senão por ela.

Por tudo isso, a linguagem do legislador (direito positi-vo) é uma linguagem prescritiva, porque prescreve condutas. Prescrever condutas é o mesmo que determinar, impor com-portamentos ou, ainda, em linguagem trivial, “dizer o que as pessoas podem ou não podem fazer”. Como já dissemos, visa a direcionar o meio social para a realização ou não de certos comportamentos.

Já a linguagem do jurista (Ciência do Direito ou Dogmá-tica Jurídica) é uma linguagem descritiva, na medida em que descreve o que as normas jurídicas pretendem. Dessa forma, procura explicitar o conteúdo e o sentido daquela comunica-ção legislada.

Daí porque se afirmar que a linguagem do Cientista do Direito Constitucional é uma metalinguagem. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho: “Tomada com relação ao direito po-sitivo, a Ciência do Direito é uma sobrelinguagem ou linguagem de sobrenível. Está acima da linguagem do Direito positivo, pois discorre sobre ela, transmitindo notícias de sua compostura como sistema empírico”8.

7 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 8.

8 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 3.

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2.3. Lógicas

O direito positivo é o meio hábil para regular as con-dutas das pessoas, em virtude do já referido caráter prescriti-vo de suas proposições. Seu objetivo, assim, é o de interferir nos comportamentos, não se limitando a narrar o que ocorre, como no caso da Ciência, mas a determinar como as coisas devem ocorrer. Tem postura ativa sobre o mundo social em que atua.

Suas proposições, destarte, são regidas pela Lógica Deôntica (Lógica das normas ou Lógica do dever-ser), expressando-se, exclusivamente, pelos modais deônticos obrigatório, proibido e permitido que, a despeito de nar-rar situações de causalidade natural, veiculam uma relação imputativa.

A lógica da Ciência do Direito, por sua vez, em razão de seu caráter científico, limita-se a narrar ou a descrever o seu objeto, a partir de inferências (relações premissas-conclusões), elaboradas à luz de três pressupostos fundamentais: o da iden-tidade, o do terceiro excluído e o da não-contradição.

Assim, tem por objetivo dizer-nos o que os comandos le-gislados pretendem regular. Apenas nos narra uma relação de causa e efeito. Comporta-se passivamente diante da realida-de, simplesmente nos dizendo o que as normas estão deter-minando que façamos, deixemos ou estamos permitidos de fazer, sem a legitimidade e possibilidade de interferir nesses eventos.

A essa lógica da Ciência do Direito Constitucional dá-se o nome de Lógica Clássica (ou Lógica Apofântica, Lógica Alética, Lógica das Ciências)9.

9 Cf.: COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de lógica jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997.

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2.4. Discursos

O discurso do legislador (que elabora o direito positivo) também difere daquele utilizado pelo jurista (Cientista do Direito).

Isso porque, especialmente nos países democráticos, em que as Casas Legislativas possuem composições heterogêneas, representando os vários segmentos de sua sociedade, a maio-ria de seus membros não possuem formação jurídica. Em sua grande maioria são médicos, metalúrgicos, jornalistas, empre-sários, ruralistas, sindicalistas, entre outros. E, nada mais natural que isso, na medida em que, se fosse exigida formação jurídica a todos os membros, certamente a representação de-mocrática restaria comprometida.

Em razão disso, as várias espécies de normas jurídicas promulgadas apresentam, na grande maioria das vezes, im-propriedades legislativas. O legislador utiliza-se da linguagem natural e, sem o conhecimento das categorias básicas do Direito e da forma pela qual se relacionam, cometem alguns equívocos e aparentes contradições, que devem ser dissipa-dos pelo Cientista do Direito. Por isso, o discurso do legis-lador é equívoco, ao contrário do discurso científico, que deverá ser unívoco.

Alguns juristas, principalmente quando tratam do tema da interpretação jurídica, utilizam o seguinte jargão: “A lei não traz expressões inúteis”.

Ora, tal afirmativa não subsiste à análise que vimos reali-zando, de sorte que, se todos os seres humanos estão sujeitos ao erro, com maior razão está o legislador, exatamente em ra-zão desse caráter de heterogeneidade que mencionamos e da ausência de formação técnica específica.

Nesse diapasão, Paulo de Barros Carvalho alerta que “se de um lado cabe deplorar produção legislativa tão desordena-da, por outro sobressai, com enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que surge nesse momento como

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a única pessoa credenciada a desvelar o conteúdo, sentido e alcance da matéria legislada.

Sua linguagem, sobre ser técnica, é científica, na medida em que as proposições descritivas que emite vêm carregadas da harmonia dos sistemas presididos pela lógica clássica, com as unidades do conjunto arrumadas e escalonadas segundo critérios que observam, estritamente, os princípios da identi-dade, da não-contradição e do meio-excluído, que são três imposições formais do pensamento, no que concerne às propo-sições apofânticas”10 (grifos nossos).

Assim é que, cabe ao cientista do Direito a tarefa de orga-nizar o discurso desordenado e, aparentemente, contraditório do legislador. Cabe ao jurista dar uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico, livrando-o dessas aparentes contradições e dúvidas, tornando-o um todo harmônico e uni-forme.

2.5. Conceitos

Com base no que foi explicitado, e relembrando a dificul-dade dessa empreitada, em razão da unidade e indecomponi-bilidade do sistema jurídico, podemos definir o direito cons-titucional positivo como o ramo didaticamente autônomo do Direito, composto pelo conjunto de normas jurídicas válidas que digam respeito, direta ou indiretamente, ao conceito agluti-nador de Constituição, tomada em seus aspectos substancial e formal.

Uma melhor compreensão desta definição será exposta a se-guir, quando elaborarmos o conceito de Constituição, mostrando-lhes as várias acepções de base em que o termo é empregado.

Já a Ciência do Direito Constitucional é o ramo do co-nhecimento humano que compete descrever o enredo norma-

10 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. pp. 4-5.

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tivo-constitucional, desvendando as articulações lógicas e o conteúdo do qual é formado, com vistas à unidade do sistema normativo-jurídico brasileiro.

2.6. Quadro comparativo

DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO

CIÊNCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

OBJETIVO Elaborar leis regulando as condutas intersubjetivas

Estudar o direito posi-tivo analisando a for-ma pela qual regula as condutas

LINGUAGEM Prescritiva Descritiva

LÓGICA Deôntica (“Dever-ser”) Clássica (“Ser”)

DISCURSO Equívoco (contraditório) Unívoco (isento de contradições)

ENUNCIADOS Válidos / inválidos Verdadeiros / falsos

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Capítulo II

ESTADO E CONSTITUIÇÃO

1. ESTADO E SOCIEDADE

No mundo moderno, as teorias contratualistas, expres-sadas por figuras notáveis do pensamento humano, como Hobbes, Locke e Rousseau, sempre admitiram que, mesmo antes da celebração do “contrato social” e da formação de uma sociedade organizada, os homens já viviam em coleti-vidade. Segundo alguns, viviam muito bem dessa maneira, segundo outros, viviam em guerra constante. Porém, o con-senso está em que, embora por razões diversas, os homens resolveram fazer um pacto, abdicando de parte de seus di-reitos para constituir um poder que lhes garantissem estabi-lidade e ordem.

A vida em sociedade exige o estabelecimento de normas jurídicas que regulem os atos de seus componentes: são os mandamentos dirigidos à liberdade humana, no sentido de res-tringi-la em prol da coletividade, pois esta não pode ser om-nímoda, o que levaria ao caos. As normas de Direito visam a delimitar a atividade humana, pré-estabelecendo o campo den-tro do qual se pode agir. Sua finalidade é traçar as diretrizes do comportamento humano na vida social, para que cada um

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tenha o que lhe é devido, e dirigir a liberdade, no sentido da justiça, estabelecendo, para vantagem de todos, os marcos das exigibilidades recíprocas11.

De tudo isso, podemos concluir que não existe maneira melhor de controlar os egoísmos e apetites humanos, senão por meio do Direito que, como veremos, encontra sua forma de manifestação nas normas jurídicas. A mais importante delas é o Texto Constitucional, que apresenta-se como o diploma norma-tivo que cria e organiza o Estado. Destarte, não existe Estado sem Constituição, tampouco Constituição sem Estado, daí a relevância dessas breves noções.

2. CONCEITO E NATUREZA DO ESTADO

Não é nosso objetivo tecer profundas considerações sobre as razões que levaram o homem a socializar-se. Tal preocu-pação compete à Sociologia, ciência que possui os métodos adequados para a realização desse estudo.

Celso Ribeiro Bastos ressalta que “um Estado não é se-não uma modalidade muito recente na forma de a humani-dade organizar-se politicamente. Antes do Estado o homem passou por estruturas bastante diferentes de organização do poder político. Mas, já aqui, não há que se falar em formação da sociedade, uma vez que esta já estava formada e já trazia dentro de si o próprio fenômeno político. É interessante notar, contudo, que a idéia do político se mantém relativamente imu-tável através dos tempos. O político como próprio do coletivo, do geral, do comum a todos, presente até os nossos dias.

O Estado – entendido portanto como uma forma específica da sociedade política – é o resultado de uma longa evolução na maneira de organização do poder”12.

11 RECASÉNS SICHES, Luís. Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y logica razonable. México: Nacional, 1994. pp. 162-191.

12 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4.

Curso de Direito Constitucional

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53Estado e Constituição

Nessa concepção atual, o Estado surge da necessidade histó-rica de concentrar o Poder nas mãos de uma única pessoa, como forma de enfrentar os problemas pelos quais as sociedades vinham passando ao longo dos séculos, mormente do século XVI.

Celso Ribeiro Bastos lembra que, a partir desse momento, “atividades que outrora comportavam um exercício difuso pela sociedade são concentradas nas mãos do poder monárquico, que assim passa a ser aquele que resolve em última instância os problemas atinentes aos rumos e aos fins a serem impres-sos no próprio Estado”13.

3. PODER E SOCIEDADE

Mesmo com o surgimento do Poder, a sociedade jamais deixou de existir, tampouco de desempenhar papel relevantís-simo na condução da vida humana. Assim é que, nas mais va-riadas épocas do pensamento político mundial, atribuiu-se ao Estado maior ou menor quantidade de poderes e atribuições.

Na Europa pós-guerra vimos surgir (e desaparecer) o Welfare State, o conhecido “Estado de bem-estar social”, cuja filosofia era a de propiciar ao cidadão o maior número de ser-viços possíveis. A sociedade, por outro lado, recobrou sua im-portância, o que resultou na desconcentração desses Poderes, voltando o Estado a expressões mais reduzidas, tendência que se verifica nos dias atuais.

Assim, para que o Estado possa cumprir sua finalidade precípua, qual seja, conduzir a sociedade para o atingimen-to do bem comum, faz-se necessário que ele se imponha so-bre os interesses individuais. Na realidade, como bem observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, embora a expressão “‘poder’ dê a impressão de que se trata de faculdade do Estado, na rea-

13 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 5.

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54 Curso de Direito Constitucional

lidade trata-se de ‘poder-dever’, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade. Os po-deres são, pois, irrenunciáveis.

Todos eles encerram prerrogativas de autoridade, as quais, por isso mesmo, só podem ser exercidas nos limites da lei”14 (grifos no original).

Nesse sentido, já eram as lições de Santi Romano, cor-roboradas por Celso Antônio Bandeira de Melo que, além de ressaltar a instrumentalidade dos poderes do Estado, que se justificam em razão do desempenho da função administrati-va, faz uma ressalva quanto à terminologia utilizada: para ele, não se tratam de “poderes-deveres”, mas de “deveres-poderes”. Ouçamo-lo:

“Esses caracteres, que sem dúvida informam a atuação administrativa, de modo algum autorizariam a supor que a Administração Pública, escudada na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pode expressar tais prerro-gativas com a mesma autonomia e liberdade com que os parti-culares exercitam seus direitos. É que a Administração exerce função: a função administrativa. Existe função quando alguém está investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse de outrem, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos para supri-las. Logo, tais poderes são ins-trumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles, o sujeito investido na função não teria como desincumbir-se do dever posto a seu cargo. Donde, quem os titulariza maneja, na verdade, ‘deveres-poderes’, no interesse alheio” (grifos no ori-ginal).

E conclui: “Quem exerce ‘função administrativa’ está adscrito a

satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de ou-

14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 85.

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trem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Ad-ministração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido”15 (grifos nossos).

4. CONCEITOS DE “CONSTITUIÇÃO”

A expressão “Constituição”, como a grande maioria das palavras, padece do problema semântico da ambigüidade. Por essa razão, o mesmo termo tem sido utilizado para designar diversas realidades. Todavia, essa questão não deve assustar o cientista do Direito que, como vimos, possui os atributos neces-sários para o deslinde dessa questão, valendo-se dos recursos que a Lógica Jurídica e a Teoria Geral do Direito lhes oferece.

Nessa análise, o cientista do Direito irá perceber que o termo “Constituição” possui variações, que se apresentam de acordo com a ênfase que o utente da linguagem pretendeu dar-lhe.

É o mesmo que ocorre com o vocábulo “direito”. Na disci-plina “Introdução ao Estudo do Direito” demonstra-se que essa expressão, às vezes, é utilizada para designar a norma jurídica, em outras, o valor, o fato, a faculdade do agente e, até mesmo, a ciência que se ocupa desse objeto.

Assim como o que ocorre com esses dois vocábulos, mui-tos outros termos jurídicos apresentam tal equivocidade.

4.1. Constituição em sentido muito amplo

Nas lições de Celso Ribeiro Bastos, em sentido muito amplo, “constituição significa a maneira de ser de qualquer coisa, sua particular estrutura. Nessa acepção, todo e qual-quer ente tem a sua própria constituição. Fala-se, assim, da

15 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 32.

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constituição de uma cadeira, de um planeta, do homem. Esta utilização feita pela linguagem comum, nada apresenta de próprio a qualquer ramo científico. Seu uso, pois, nestes ca-sos é atécnico ou acientífico, pelo que, da mesma forma que se fala da constituição de um organismo vivo, se pode referir a uma determinada constituição, de um ordenamento jurídico, reportando-se ao seu esquema fundamental, à sua ossatura mínima, determinados pelo conjunto de suas principais insti-tuições”16 (grifos nossos).

Por certo, essa concepção, proveniente de uma significa-ção acientífica, é imprestável para o Cientista do Direito Cons-titucional, que necessita, para a formulação de seu discurso científico, de conceitos precisos e portadores de conotação ca-pazes de designar realidades próprias do fenômeno jurídico.

4.2. Constituição em sentido material

O conceito de Constituição, em seu sentido material, tam-bém conhecido como Constituição em sentido sociológico, foi elaborado por Ferdinand Lassalle, em conferência sobre a essência da Constituição, proferida em uma associação libe-ral-progressista de Berlim, em 16 de abril de 1862, e acabaria por dar origem a sua clássica obra denominada, em português, “Que é uma Constituição?”.

Segundo essa concepção, uma “Constituição” nada mais seria do que uma fotografia dos fatores reais de poder, apre-sentando-se como um reflexo dos aspectos econômicos, polí-ticos e ideológicos de determinada sociedade.

Nesse sentido, Lassalle afirma que os fatores reais do poder são “a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são”. E exemplifi-

16 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 42.

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57Estado e Constituição

ca: “Vamos supor, por um momento, que um grande incêndio ir-rompeu e que nele queimaram-se todos os arquivos do Estado, todas as bibliotecas públicas, que o sinistro destruísse também a tipografia concessionária onde se imprimia a Coleção Legis-lativa e que ainda, por uma triste coincidência – estamos no terreno das suposições –, igual desastre ocorresse em todas as cidades do país, desaparecendo inclusive todas as bibliote-cas particulares onde existissem coleções, de tal maneira que em toda a Prússia não fosse possível achar um único exemplar das leis do país. Suponhamos que um país, por causa de um sinistro, ficasse sem nenhuma das leis que o governam e que, por força das circunstâncias, fosse necessário decretar novas leis. Nesse caso, o legislador, completamente livre, poderia fa-zer leis de capricho ou de acordo com o seu próprio modo de pensar?”17 (grifos no original).

Segundo Konrad Hesse, seu ferrenho opositor, para Las-salle “questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. É que a Constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes: o poder militar, representado pelas Forças Armadas, o poder social, represen-tado pelos latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria e pelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se equipare ao significado dos demais, o poder intelectual, representado pela consciência e pela cultura gerais. As rela-ções fáticas resultantes da conjugação desses fatores consti-tuem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que essas expressem, tão-somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder. Esses fatores reais do poder formam a Constituição real do país. Esse documento chamado Constituição – a Constituição jurídica – não passa, nas palavras de Lassalle, de um pedaço de papel (ein Stück Papier). Sua capacidade de regular e de

17 LASSALLE. Ferdinand. A essência da Constituição. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 11.

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motivar está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real. Do contrário, torna-se inevitável o conflito, cujo desfecho há de se verificar contra a Constituição escrita, esse pedaço de papel que terá de sucumbir diante dos fatores reais de poder dominantes no país”18 (grifos no original).

Na última página de seu clássico “Que é uma Constitui-ção?”, Ferdinand Lassalle desenvolve suas conclusões:

“Os problemas constitucionais não são problemas de di-reito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores reais do poder que imperam na realidade social: eis aí os cri-térios fundamentais que devemos sempre lembrar”19 (grifos no original).

Hesse se contrapõe às idéias defendidas por Lassalle argumentando que “essa negação do Direito Constitucional importa na negação do seu valor enquanto ciência jurídica. Como toda ciência jurídica, o Direito Constitucional é ciência normativa. Diferencia-se, assim, da Sociologia e da Ciência Política enquanto ciências da realidade. Se as normas cons-titucionais nada mais expressam do que relações fáticas alta-mente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que a ci-ência da Constituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausência do direito, não lhe restando outra função senão a de constatar e comentar os fatos criados pela ‘Realpolitik’. Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão-somente a miserável função – indigna de qualquer ciência – de justificar as relações de po-der dominantes. Se a Ciência da Constituição adota essa tese

18 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad.: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 9.

19 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 40.

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59Estado e Constituição

e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência normativa, operando-se a sua conversão numa simples ciência do ser. Não haveria mais como diferenciá-la da Sociologia ou da Ciência Política”20 (grifos nossos).

De fato, a concepção exposta por Lassalle é de uma de-finição que interessa aos estudiosos da Ciência Política ou da Sociologia, nunca ao cientista do Direito. Isto porque tal idéia relaciona-se com o mundo do ser, e não o do dever-ser, do qual o Direito faz parte. É uma mera constatação da realidade, típica daquelas ciências que se pautam pela descrição de fenô-menos de causalidade natural, sem se preocupar em interferir e regular as condutas intersubjetivas para o alcance de certas finalidades, como é o caso do Direito.

Por certo, as normas jurídicas não devem prescrever o ab-surdo, pois os fatos não se concretizam exclusivamente por cons-tarem do texto constitucional. Todavia, se a finalidade do Direito é regular as condutas intersubjetivas e dirigir a sociedade para o alcance do bem comum, faz-se necessário que os comandos normativos excedam a mera constatação social para determinar comportamentos visando o bem jurídico a ser atingido.

4.3. Constituição em sentido substancial

Essa definição certamente apresenta maior interesse ao estudioso da Dogmática jurídica comparada a formulada por Lassalle, na medida em que toma por base o conteúdo das normas jurídicas constitucionais e não um aspecto socioló-gico ou político.

Celso Ribeiro Bastos esclarece-nos: “A Constituição, nesta acepção, procura reunir as normas que dão essência ou substância ao Estado. É dizer, aquelas que lhe conferem a estrutura, definem

20 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad.: Gilmar Fer-reira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 11.

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as competências dos seus órgãos superiores, traçam limites da ação do Estado, fazendo-o respeitar o mínimo de garantias indivi-duais. Em suma, ela é definida a partir do objeto de suas normas, vale dizer, o assunto tratado por suas disposições normativas.

Pode-se, segundo esta acepção, saber se uma dada norma jurídica é constitucional ou não, examinando-se tão-somente o seu objeto. Se regular um aspecto fundamental da comunida-de política, indispensável à sua concepção ou à sua perma-nência, se tratar da disposição do poder dentro da sociedade, se versar, enfim, sobre algo que, alterado, abalaria as próprias vigas mestras do ente político, será constitucional, fará parte da Constituição. Se não satisfizer a este requisito de ser norma relativa às relações basilares, fundamentais, entre os órgãos e o Estado ou entre estes e os indivíduos, ela não fará parte da Constituição”21 (grifos nossos).

Destarte, assim como o Direito Civil trata do assunto cível, que consiste nas relações jurídicas firmadas entre particulares, o Direito Comercial trata da matéria empresarial, o Direito Tributá-rio preocupa-se com o conceito enucleador de tributo, e o Direito Penal, com o de crime, o Direito Constitucional estaria relaciona-do às normas alusivas ao conceito aglutinador de Estado.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta essas normas como sendo as alusivas diretamente à forma do Estado, as que versam sobre a forma de governo, ao modo de aqui-sição e exercício do poder, à estruturação dos órgãos do poder e aos limites de sua atuação.22

21 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 43-4.

22 Ressalte-se, ainda, que Manoel Gonçalves Ferreira Filho utiliza-se da denominação “Constituição material” para referir-se a essa realidade, diferenciando-se da terminologia por nós adotada, designada “Consti-tuição substancial”. Para nós, conforme demonstrado no item anterior, “Constituição material” apresenta significação diversa.

Cf: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 10.

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61Estado e Constituição

Por essa definição, pouco importa por qual veículo a norma foi introduzida no sistema (se pela própria Constituição, se por via de lei ordinária, de decreto legislativo, entre outras). Identi-ficada uma norma que se enquadre naqueles itens acima des-critos, estaremos diante de uma norma com status de constitu-cional.

Tal conceito apresenta grande relevância em países com tradição consuetudinária, como a Inglaterra. Nesses locais, onde a Constituição não se apresenta sistematizada na forma escrita, surge essa necessidade de vasculhar-se os usos e cos-tumes locais procurando identificar as normas que devam ser tidas por superiores às demais. No Brasil, como veremos a se-guir, cuja tradição constitucionalista provém do Direito romano, torna-se desnecessária tal tarefa, esvaziando a importância do conceito de Constituição substancial.

4.4. Constituição em sentido formal

Para Celso Ribeiro Bastos, a expressão “Constituição”, em seu sentido formal ou jurídico, “seria um conjunto de normas legislativas que se distinguem das não-constitucionais em ra-zão de serem produzidas por um processo legislativo mais di-ficultoso, vale dizer, um processo formativo mais árduo e mais solene. Esta dificuldade acrescida pode consistir em múltiplos fatores: a criação de um órgão legislativo com a função especial de elaborar a Constituição, chamado Assembléia Constituinte; a exigência de um quorum especial, mais expressivo que o re-querido pelas leis ordinárias, e de votações repetidas e distan-ciadas temporalmente; ou, ainda, a sujeição do projeto de lei constitucional à aprovação popular (referendum)”23.

Assim, na Constituição formal cabem as normas que o legislador entenda serem pertinentes a esse tipo de diploma

23 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 46.

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legislativo, bastando, para tanto, que seja observado um pro-cedimento especial para discussão e aprovação das mesmas. Com isso, não raro são inseridas inúmeras normas que não são substancialmente constitucionais apenas para que se tenha a garantia própria do Texto Supremo.

A concepção formalista de Constituição foi mundialmente difundida pelo pensamento de Hans Kelsen, e de sua importan-te investigação e formalização acerca da hierarquia das normas jurídicas. São normas constitucionais, portanto, todas aquelas que o legislador houve por bem colocar no texto com o nome de “Constituição”.

Assim, mesmo que não versem sobre matéria (assunto) constitucional, ao serem introduzidas no diploma normativo que leva o nome de “Constituição”, adquirem forma de Constituição.

5. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

As idéias expostas de Constituição em sentidos material, substancial e formal não se apresentam como simples clas-sificações, mas como acepções de base da idéia central do estudo da nossa disciplina.

Além delas, a doutrina aponta algumas importantes clas-sificações das constituições, que levam em conta o aspecto jurídico, e não critérios sociológicos, como na proposta apre-sentada por Lassalle.

Ressalte-se que uma classificação jurídica, como bem lembra Roque Carrazza, deverá levar em conta o dado jurídico por excelência, que é a norma jurídica, ponto de partida indis-pensável de qualquer classificação que pretenda ser jurídica24.

Nesse sentido, faz-se importante colacionar as lições do Minis-tro Carlos Mário da Silva Velloso que, discorrendo sobre a suprema-cia constitucional, lembrou que “a Constituição britânica, por exem-

24 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. pp. 320-1.

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63Estado e Constituição

plo, não escrita, flexível, sob o ponto de vista jurídico, é, entretanto, sob o ponto de vista sociológico, de maior rigidez que a Constituição americana, que é rígida, sob o ponto de vista jurídico”25.

5.1. Constituições rígidas, flexíveis e semi-rígidas

José Afonso da Silva oferece-nos os melhores conceitos, no que concerne à classificação das constituições quanto à mutabilidade. Vejamos:

“Rígida é a Constituição somente alterável mediante pro-cessos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação das leis ordinárias ou com-plementares. Ao contrário, a Constituição é flexível quando pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mes-mo processo de elaboração das leis ordinárias. Na verdade, a própria lei ordinária contrastante muda o texto constitucional. Semi-rígida é a Constituição que contém uma parte rígida e outra flexível, como fora a Constituição do Império do Brasil, à vista de seu art. 178”26 (grifos no original).

Sintetizando, podemos concluir que os conceitos de rigi-dez ou flexibilidade da Constituição dizem respeito ao proce-dimento legislativo competente para alterá-la. Nas consti-tuições rígidas, como é o caso da brasileira, exige-se procedi-mento mais rigoroso do que aquele destinado à alteração das normas infraconstitucionais. Aqui, como se sabe, para ocorrer a alteração do Texto Constitucional são necessários os votos de três quintos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação em cada uma delas.

Destarte, o que faz de uma Constituição rígida é a exigên-cia de alteração por um procedimento legislativo mais gra-

25 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O controle de constitucionalidade na Constituição brasileira de 1988. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, nº 178, 1989. pp. 6-7.

26 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 45-6.

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voso que o destinado a elaboração das leis ordinárias, e não necessariamente um quorum mais qualificado para tanto. As-sim, um país imaginário onde as leis ordinárias são aprovadas pela maioria dos votos em um turno de votação em cada Casa e no qual as emendas constitucionais são aprovadas pelo mes-mo número de votos, mas em dois turnos de votação em cada Casa Legislativa, apresentará Constituição rígida, não obstante o quorum exigido seja o mesmo.

Celso Ribeiro Bastos alerta, ainda, para a inexistência de constituições imutáveis nos dias atuais. E lembra que, “a distinção entre constituições rígidas e flexíveis não significa que existam, de um lado, Constituições imutáveis (hoje em dia já se toma por absurdo que um Texto Constitucional se pretenda perpétuo, quan-do se sabe que é destinado a regular a vida de uma sociedade em contínua mutação) e, de outro, Constituições mutáveis. O que tal distinção se propõe a registrar é a circunstância de certas Constituições escritas só poderem ser modificadas por um procedimento mais complexo e solene que aquele previsto para a elaboração de leis ordinárias”27 (grifos nossos).

Observa-se que todas as constituições brasileiras foram rígidas, exceto a de 1824, classificada como semi-rígida, em virtude do que dispunha seus artigos 174 e 178, conforme já mencionado.

5.2. Constituições escritas e consuetudinárias

Quanto à forma, uma Constituição pode ser escrita ou consuetudinária. A Constituição escrita é aquela que deriva de um documento formal, sistematizado. Já a consuetudiná-ria (ou costumeira) advém dos costumes, ou seja, da prática reiterada de atos por determinada sociedade.

Atualmente, o exemplo clássico de Constituição consue-tudinária que temos é a Constituição inglesa. Todavia, resta

27 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 51.

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importante salientar que tal Constituição também se funda em alguns documentos escritos, como a Magna Carta do Rei João Sem Terra (de 1215), o Act of Habeas Corpus, o Bill of Rights e a Petition of Rights. Assim, o que a caracteriza como costumei-ra não é basear-se, exclusivamente, nos usos e costumes, mas o fato de não pautar-se em um documento sistematizado com o nome de Constituição28.

5.3. Constituições promulgadas e outorgadas

Outra classificação das Constituições leva em conta sua origem. Assim, são promulgadas as Constituições que advêm de assembléias constituintes eleitas pelo povo, ao passo que, são outorgadas aquelas elaboradas por grupos minoritários, à revelia popular. Quanto à origem, também costuma-se falar em Constituições democráticas (as promulgadas) e autocráticas (outorgadas).

A história constitucional brasileira equilibra a existência de ambas as realidades. Foram promulgadas as Constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988. Em contrapartida, em 1824, 1937, 1967 e 1969 assistiu-se ao surgimento de Constituições outorgadas.

5.4. Constituições sintéticas e analíticas

Quanto à extensão da matéria, as Constituições podem ser classificadas em sintéticas (também conhecidas por ne-gativas, garantias ou concisas) e analíticas (denominadas, ainda, dirigentes ou prolixas).

28 Paulo Bonavides, contrariando o entendimento por nós esposado, afirma que existiriam, ainda, constituições parcialmente costumeiras, como seria a Constituição inglesa, “cujas leis abrangem o direito estatutário (statute law), o direito casuístico ou jurisprudencial (case law), o costu-me, mormente o de natureza parlamentar (Parliamentary custom) e as convenções constitucionais (constitucional conventions).”

Cf.: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 67.

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A Constituição sintética possui um número reduzido de dispositivos e busca controlar o poder estatal, estabelecendo os princípios gerais e as regras que irão determinar a organiza-ção do Estado, a forma e os limites de exercício do poder.

A Constituição analítica, por sua vez, é aquela que trata de matérias que não são substancialmente constitucionais, além de estabelecer programas a serem perseguidos em busca de uma sociedade melhor, sem dizer, objetivamente, como isso será efe-tivado.

São Constituições sintéticas, a americana de 1787, as chilenas de 1833 e 1925, a dominicana de 1947 e a francesa de 1946. Por outro lado, são analíticas as Constituições mexicana de 1917, indiana de 1950 e portuguesa de 1976.

Exemplo clássico, ainda, de constituição analítica é a Car-ta brasileira de 1988, que conta, atualmente, com 344 artigos (sendo 250 do Texto Constitucional permanente e 94 do Ato das Disposições Constitucionais “Transitórias” que, diga-se de passagem, até hoje vem sofrendo emendas).

Tal fato deveu-se ao momento histórico pelo qual surgiu nossa atual Constituição e do equívoco do legislador consti-tuinte em pensar que, inserindo o maior número possível de dispositivos na Constituição, os direitos ali veiculados estariam automaticamente protegidos.

Entre os exageros do legislador da Carta da República de 1988 podemos lembrar o parágrafo 2º do art. 242, ao prescrever que “o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”.

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Capítulo III

PODER CONSTITUINTE

1. NOÇÕES INICIAIS

Para José Cretella Júnior, o Poder Constituinte apresen-ta-se como “o órgão legislativo do Estado, dotado de autoridade política, cuja finalidade é a de criar a Constituição ou de revê-la, o que só ocorre nos casos de Constituição rígida”29.

Celso Ribeiro Bastos o define como “aquele que põe em vigor, cria, ou mesmo constitui normas jurídicas de valor cons-titucional. Com efeito, por ocuparem estas o topo da ordenação jurídica, sua criação suscita caminhos próprios, uma vez que os normais da formação do direito, quais sejam, aqueles ditados pela própria ordem jurídica, não são utilizáveis quando se trata de elaborar a própria Constituição”30.

Michel Temer ensina que, o Poder Constituinte, que deriva do “poder de constituir”, consiste na “manifestação soberana de

29 CRETELLA JR., José. Elementos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 89.

30 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 20.

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vontade de um ou alguns indivíduos capazes de fazer nascer um núcleo social”31. Para ele, tais noções refugiriam da preocupa-ção do jurista, na medida em que tal fato dar-se-ia em momento anterior à formação do Estado. Assim também é o pensamento de grande parte da Dogmática jurídica mundial que conta, en-tre tantos, com os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello e Luís Recaséns Siches, como veremos a seguir.

Ressalte-se que o Poder Constituinte referido por Celso Ribeiro Bastos e Michel Temer é apenas o que dá início a uma nova ordem estatal: o Poder Constituinte originário. Este, não se confunde com o Poder Constituinte derivado, que é aque-le que se manifesta quando da necessidade de proceder-se alguma alteração no Texto Supremo que inaugura o Estado e busca seu fundamento de validade no poder anterior, conforme adiante será abordado.

2. NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE

A natureza do Poder Constituinte é tema bastante controver-tido na Dogmática jurídica mundial. Os autores de cunho normati-vista não reconhecem existir juridicidade nesse Poder, atribuindo-lhe características históricas e políticas, afirmando que sua origem advém da força ou energia social. Assim sendo, não seria objeto de estudo da Ciência do Direito, mas de outros ramos do conheci-mento humano que se preocupam com esses dados sociais.

Outros autores, entretanto, como o abade Emmanuel Joseph Sieyès, sustentam a juridicidade do Poder Constituinte, atribuindo-lhe uma explicação jusnaturalista.

Celso Antônio Bandeira de Mello manifesta-se: “A primeira indagação que ocorreria é se o Poder Constituinte é um Poder Jurídico ou não. Se se trata de um dado interno ao mundo do direito, ou se, pelo contrário, é algo que ocorre no plano das rela-

31 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 31.

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69Poder Constituinte

ções político-sociais, muito mais do que no plano da realidade do direito. E a minha resposta é que o chamado Poder Constituinte originário não se constitui num fato jurídico. Em rigor, as carac-terísticas, as notas que se apontam para o Poder Constituinte, o ser incondicionado, o ser ilimitado, de conseguinte, o não conhecer nenhuma espécie de restrição, já estão a indicar que ele não tem por referencial nenhuma espécie de norma jurídica, pelo contrário, é a partir dele que vai ser produzida a lei suprema, a norma jurídica suprema, o texto constitucional; tem-se concluir que o Poder Constituinte é algo pré-jurídico, precede, na verdade, a formação do direito” 32 (grifos nossos).

Na mesma linha de raciocínio, Recaséns Siches afirma que tal problema não poderia ser explicado pelo puro jurista, na medida em que este move-se dentro do campo do ordena-mento jurídico positivo. Produzido o fato violento que arruína o sistema, ele sente como se estivesse destruída a esfera onde morava. “Poderá transportar-se para a nova esfera, para o novo sistema criado pelo movimento triunfante; mas não poderá adu-zir para isto razões jurídico-positivas, mas sim outro tipo de ra-zões (históricas, políticas, sempre em conexão com pontos de vistas estimativos)”33.

Finalmente, cremos que seja pertinente referirmo-nos ao pensamento de Georges Burdeau, que – em posição diame-tralmente oposta aos demais – aponta três características es-senciais ao Poder Constituinte: “É inicial, porque nenhum outro poder existe acima dele, nem de fato nem de direito, exprimindo a idéia de direito predominante na coletividade; é autônomo, porque somente ao soberano (titular) cabe decidir qual a idéia de direito prevalente no momento histórico e que moldará a es-trutura jurídica do Estado; é incondicionado, porque não se

32 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista de direito constitucional, v. 4, p. 69.

33 RECASÉNS SICHES, Luís. Tratado general de filosofia del derecho. 2. ed. México: Porrúa, 1953. pp. 297-8.

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subordina a qualquer regra de forma ou de fundo. Não está regido pelo direito positivo do Estado (estatuto jurídico an-terior), mas é o mais brilhante testemunho de um direito anterior ao Estado. Para Burdeau seria paradoxal recusar a qualidade jurídica de um poder mediante o qual a idéia de di-reito se faz reconhecer e, por conseqüência, se impõe no orde-namento jurídico inteiramente”34 (grifos nossos).

Note-se o nítido caráter jusnaturalista do pensamento de Burdeau, ao afirmar que o Poder Constituinte “é o mais brilhan-te testemunho de um direito anterior ao Estado”.

Assim, para alguns autores, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Recaséns Siches, Michel Temer e Celso Ribeiro Bas-tos, o Poder Constituinte originário possui natureza metajurídi-ca, por não encontrar fundamento em direito (natural) anterior, mas em uma manifestação social.

Para outros, como Georges Burdeau e Emmanuel Sieyès o Poder Constituinte originário teria natureza jurídica, advindo do Direito natural. Como agora veremos, Sieyès defendia que o poder de fazer a Constituição seria um direito natural da bur-guesia, por ser ela quem suportava todas as atividades produ-tivas do Estado.

O que todos concordam é que, pelo caráter de inicialida-de do Poder Constituinte originário, este jamais poderá bus-car fundamento em Direito positivo anterior. Assim, ou o Poder Constituinte originário terá fundamento em Direito natural (va-lores eternos e universais), ou em manifestações sociais não explicáveis pelo Cientista do Direito.

2.1. O pensamento de Emmanuel Sieyès

Na árdua tarefa de investigação acerca da natureza do Poder Constituinte, necessitamos incursionar pelo pensamen-

34 BURDEAU, Georges apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 25.

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71Poder Constituinte

to do abade Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836), manifes-tado por um pequeno panfleto intitulado Que é o Terceiro Es-tado?, publicado sem o nome de seu autor no início de janei-ro de 1789, que acabou por tornar-se um dos deflagradores da Revolução Francesa, graças ao seu teor de reivindicação burguesa contra o privilégio e o absolutismo.

Segundo as lições de Celso Ribeiro Bastos, para Sieyès, “a nação (ou o povo) se identificava com o Terceiro Estado (ou a burguesia). Demonstrava isto, afirmando que o Terceiro Estado suportava todos os trabalhos particulares (a ativida-de econômica, desde a exercida na indústria, no comércio, na agricultura, e nas profissões científicas e liberais, até os serviços domésticos) e ainda exercia a quase-totalidade das funções públicas, excluídos apenas os lugares lucrativos e ho-noríficos, correspondentes acerca de um vigésimo do total, os quais eram ocupados pelos outros dois Estados, o clero e a nobreza, privilegiados sem mérito. A classe privilegiada cons-tituía um corpo estranho à nação, que nada fazia e poderia ser suprimida sem afetar a subsistência da nação; ao contrário, as coisas só poderiam andar melhor sem o estorvo deste corpo indolente”.

E conclui: “O poder constituinte é, assim, um poder de di-reito, que não encontra limites em direito positivo anterior, mas apenas e tão-somente no direito natural, existente antes da na-ção e acima dela. Além disso, o poder constituinte é inalienável, permanente e incondicionado”35.

Suas idéias reivindicavam uma representação por meio de deputados que pertencessem, realmente, ao Terceiro Estado, eleitos por seus integrantes e que comporiam o parlamento igualitariamente, ao lado dos representantes das outras duas classes (nobreza e clero). Para isso, necessitava-se de uma

35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 21-2.

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Constituição que definisse as formas, os órgãos e as funções do Estado, bem como a maneira de exercício do Poder36.

Para Sieyès, o Terceiro Estado era uma nação completa, porque o que se precisava para que uma nação subsistisse e prosperasse eram trabalhos particulares e funções públicas e isto, como vimos, a burguesia detinha.

Em belíssimo trecho de sua obra, Emmanuel Sieyès afir-ma que “em toda nação livre – e toda nação deve ser livre – só há uma forma de acabar com as diferenças, que se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis que se deve recorrer, é a própria nação. Se precisamos de Constituição, devemos fazê-la. Só a nação tem direito de fazê-la. Se temos uma Constituição, como alguns se obstinam em afirmar, e que por ela a assembléia geral é dividida, de acordo com o que pretendem, em três câmaras de três ordens de cidadãos, não podemos, por isso deixar de ver que existe da parte de uma dessas ordens uma reclamação tão forte, que é impossível avançar sem julgá-la. E quem é que deve resolver tais diver-gências?”37.

36 Moacyr Amaral Santos, em primoroso estudo sobre o Poder Constituin-te, ensina que: “Em seu livro Manifesto, empenhou-se Sieyès em salien-tar o anacronismo do absolutismo vigente, regime de privilégios odiosos sustentado por um injusto sistema de votação por estamentos, que fazia prevalecer a vontade da nobreza e do clero em detrimento do Terceiro Es-tado (...) O abade de Chartres, contudo, se consagrou no mundo jurídico por ter tido a primazia de conceber a existência de um poder criador da Constituição, poder estabelecedor da organização político-jurídica do Es-tado, que denominou Poder Constituinte. Sobre esse poder que antecede a Constituição, poder não compreendido entre os poderes constituídos, o ilustre Cura desenvolveu longamente seu pensamento nas páginas do seu citado opúsculo. Do tema ainda cuidou em estudos esparsos e em pronunciamentos feitos perante a Assembléia Nacional Francesa”.

Cf.: SANTOS, Moacyr Amaral. O poder constituinte. p. 20.37 SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa. Trad.: Norma

Azevedo. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 45.

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3. TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE

A questão da titularidade do Poder Constituinte encontra-se absolutamente atrelada ao problema de sua natureza.

Conforme demonstrado por trechos extraídos das obras de juristas internacionais de renome – e, também, para que sejamos coerentes com a linha de raciocínio que vimos desen-volvendo desde nosso primeiro capítulo – encontramo-nos em consonância com o pensamento de Celso Bastos, que afirma “parecer certo concluir que o poder constituinte não é um poder jurídico e, em conseqüência, não existe um problema de sua titularidade dentro da ciência do Direito”38.

Explicitemos melhor, utilizando as palavras de Jorge Rei-naldo Vanossi:

“A interrogação sobre a titularidade, o sujeito do Poder Constituinte, aponta sobretudo o plano das crenças. É uma questão cuja resposta é dada pela filosofia política. Quem detém o Poder Constituinte? A quem pertence? A quem cor-responde? Quem é o titular? Isto só pode ser respondido nos termos de crença, que são os termos da legitimidade. A legi-timidade, como bem dizia Weber, é a crença numa certa lega-lidade. Portanto, ao problema da titularidade do Poder Cons-tituinte correspondem tantas respostas quantas posturas filosófico-políticas possam ser imaginadas. Antigamente, na época do apogeu das crenças teocráticas, em que se afirmava que todo o poder provinha de Deus, obviamente que também o Poder Constituinte provinha de Deus. Nas épocas monárquico-aristocráticas, o Poder Constituinte provinha do rei, da nobre-za; ou seja, dos estamentos privilegiados; ao passo que, nas concepções democráticas, o Poder Constituinte pertence ao povo, entendendo por povo a cidadania que se expressa de forma direta ou representativa através do sufrágio universal”.

38 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 28.

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E conclui: “No século atual, com a aparição dos fenômenos totalitários, o tema da titularidade do Poder Constituinte cobra nova atualidade, devendo ser encarado atendendo às novas pos-turas que têm aparecido; por isso, hoje, pode-se dizer que há duas respostas ao tema da titularidade do Poder Constituin-te: a resposta autocrática e a resposta democrática. A respos-ta autocrática fará fundar a titularidade do Poder Constituinte no princípio minoritário. Ao passo que a resposta democrática ubica-rá a titularidade do Poder Constituinte no princípio majoritário. O que significa isto? É que para as novas tendências autocráticas o Poder Constituinte sempre vai estar protagonizado como sujeito por uma minoria, bem seja, por uma minoria de raças, de reli-gião, de classe social, de grupo militar que detenha o poder ou uma minoria oligárquica econômica. Já, para a concepção democrática, o Poder Constituinte residirá sempre na soberania do povo, que se expressa através de um princípio precisamente majoritário, que é o da metade mais um e que requer uma veri-ficação do processo através do único mecanismo possível, que é o das eleições. Enquanto as tendências autocráticas falam do assentimento popular, as tendências democráticas só podem falar do consentimento popular. Assentimento é assentir, tolerar, aceitar resignadamente. Com isto, os autocratas invocam a presença do povo, mas não indicam o seu consenso. Ao passo que na demo-cracia, requer-se uma verificação concreta, objetiva, matemática, do consenso que só pode se realizar através de eleições livres, como meio de absoluta liberdade de expressão”39 (grifos nossos).

4. AGENTES DO PODER CONSTITUINTE

Manoel Gonçalves Ferreira Filho chama a atenção para a distinção que deve haver entre os temas da “titularidade” e dos “agentes” do Poder Constituinte.

39 VANOSSI, Jorge Reinaldo. Revista de direito constitucional, v. 1, pp. 16-7.

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75Poder Constituinte

Para ele, o agente do Poder Constituinte seria o homem ou o grupo de homens que, em representação do titular (nas concepções democráticas, o povo) elabora a nova Lei Funda-mental de um país.

E, nesse diapasão, chama a atenção para duas conse-qüências importantes que surgem da diferenciação entre titular e agente: “Uma, a de que o Poder Constituinte do titular perma-nece, não se exaurindo depois de sua manifestação, enquanto o do agente se esgota, concluída a sua obra. Outra, a de que a obra do agente está sempre sujeita a uma condição de eficá-cia. Com efeito, antes disso não é uma verdadeira Constituição, para seguir as lições de Kelsen”40.

5. ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE

Examinadas as questões da natureza, da titularidade e dos agentes do Poder Constituinte, cabe-nos versar sobre suas es-pécies, bem como quanto à forma de sua utilização. A dogmá-tica constitucionalista pátria distingue duas espécies de poder constituinte: o originário ou genuíno e o derivado ou cons-tituído.

5.1. Poder constituinte originário

O poder constituinte originário apresenta-se como a prerro-gativa de elaboração da nova ordem estatal. Possui três caracte-rísticas fundamentais: é inicial, autônomo e incondicionado.

A inicialidade do poder constituinte originário advém de seu caráter revolucionário. Seu surgimento representa uma ruptura com a ordem jurídica estabelecida anteriormente. Tanto assim que ele é o responsável pelo surgimento de um novo Estado, na hipótese de elaboração da primeira Constituição de

40 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 22.

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um país, ou de profundas alterações em país já constituído, re-presentando, de qualquer forma, o término de um ciclo e início de outro. É autônomo, por apresentar-se como causa de si, não dependendo de nada para existir. É, ainda, incondicionado, por não demonstrar qualquer limitação de forma ou conteúdo.

Todavia, cremos que entender o poder constituinte origi-nário como incondicionado, apresenta-se como prerrogativa exclusiva daqueles que defendem que sua natureza é meta-jurídica, firmando sua origem por meio da força ou energia social, não encontrando, assim, explicação em direito natural. Para aqueles que advogam a natureza jurídica desse poder, a única solução possível está em vislumbrá-lo como condiciona-do, na medida em que estaria limitado pelos valores eternos e universais do Direito natural. Não teria, pois, caráter absoluto.

Lembra, ainda, Celso Ribeiro Bastos, que “o poder consti-tuinte originário sempre cria uma ordem jurídica, ou a partir do nada, no caso do surgimento da primeira Constituição, ou me-diante a ruptura da ordem anterior e a implantação revolucioná-ria de uma nova ordem. O poder reformador apenas modifica a Constituição”41.

Muitos autores afirmam que apenas o Poder Constituinte originário é Poder Constituinte, porque apenas ele possui cará-ter inicial e ilimitado, obrigando o Poder Constituinte derivado a retirar da própria Constituição já posta seu fundamento de validade42.

Na verdade, podemos dizer que existem duas espécies de Poder Constituinte que, de fato, possuem natureza diversa. Ao passo que um é ilimitado e inicial, o outro é limitado e condi-cionado. Feitas essas importantes distinções, não há nada que desautorize a utilização da expressão “Poder Constituinte” pelo

41 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 31.

42 Neste sentido são as lições de Carl Schimitt, Luís Recaséns Siches e Celso Antônio Bandeira de Mello, entre outros.

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segundo, bastando que não nos esqueçamos que tais expres-sões possuem conteúdos semânticos diferenciados.

5.2. Poder constituinte derivado

O Poder constituinte derivado, ao contrário do que se verifica com o poder constituinte originário, não é inicial, autô-nomo e incondicionado, mas secundário, dependente e con-dicionado.

É secundário porque pressupõe a existência de uma Constituição vigente, sobre a qual serão realizadas alterações, ou que servirá como parâmetro objetivo à elaboração das Cons-tituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais e distrital. Tam-bém não é autônomo, mas dependente, pois tem sua atuação diretamente ligada à Constituição pré-existente. E, finalmente, é condicionado, por encontrar quatro ordens de limitações à sua atuação.

Vejamos, pois, quais as três espécies de Poder consti-tuinte derivado para, depois, analisarmos as limitações que a Constituição Federal de 1988 impõe ao seu exercício.

5.2.1. Espécies de Poder constituinte derivado

O Poder constituinte derivado, prerrogativa de alterar o texto da Constituição originária, bem como de os Estados-membros, Municípios e Distrito Federal elaborarem suas Cons-tituições Estaduais e Leis Orgânicas, apresenta três espécies: a) poder constituinte derivado revisional; b) poder consti-tuinte derivado reformador, e; c) poder constituinte deriva-do decorrente.

5.2.1.1. Poder constituinte derivado revisional

O Poder constituinte derivado revisional consistia na possibilidade de elaboração de uma revisão constitucional, a partir do quinto ano de promulgação da Constituição, conforme

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determinação expressa do art. 3º do Ato das Disposições Cons-titucionais Transitórias – ADCT.

Durante o período de revisão constitucional, as alterações no Texto Supremo seriam realizadas pelo voto da maioria ab-soluta dos membros do Congresso Nacional, reunidos em ses-são unicameral.

Essa prerrogativa já foi exaurida, tendo dado origem a seis Emendas Constitucionais de Revisão, sendo a de nº 1, de 1º de março de 1994, e as de números 2 a 6, de 7 de junho de 1994.

5.2.1.2. Poder constituinte derivado reformador

O Poder constituinte derivado reformador apresenta-se como a prerrogativa de elaborar Emendas ao Texto Supremo, observado o procedimento previsto no art. 60 da Constituição Federal de 1988.

A proposta de Emenda à Constituição poderá ser encami-nhada: a) por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; b) pelo Presidente da República; c) por mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, incluindo-se a Câmara Legislati-va do Distrito Federal, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Segundo previsão do parágrafo 2º do art. 60, “a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em am-bos, três quintos dos votos dos respectivos membros”.

A promulgação será feita pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

É importante ressaltar, com vistas ao que fora exposto, na oportunidade em que conceituamos e classificamos as Consti-tuições, que o poder reformador só encontra razão de ser nos ordenamentos jurídicos firmados por Constituições rígidas ou

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semi-rígidas, na medida em que nos demais (compostos por constituições flexíveis), o poder reformador confunde-se com o próprio procedimento utilizado para a elaboração das leis ordi-nárias, não havendo distinção formal entre os veículos introdu-tórios de normas ordinárias e constitucionais.

5.2.1.3. Poder constituinte derivado decorrente

Uma importante espécie de Poder Constituinte derivado, esquecido por parte dos constitucionalistas nacionais, trata-se do Poder Constituinte derivado decorrente.

Consiste na prerrogativa que detém os Estados-mem-bros de elaborarem suas próprias Constituições Estaduais e os Municípios e Distrito Federal de elaborarem suas Leis Orgânicas.

É bom que se esclareça que os diplomas normativos mu-nicipais possuem um conteúdo bem mais delimitado do que o das Constituições Estaduais e o da Lei Orgânica Distrital, mes-mo porque a natureza de menor circunscrição territorial do Mu-nicípio assim exige.

Todavia, seu estudo, dentro deste tópico, justifica-se pelo fato de apresentarem-se como a lei máxima de um Município, dotada de características que fazem lembrar a natureza de uma Constituição em sentido substancial, qual seja, a de dispor so-bre a organização e estruturação de um ente político.

É mister lembrar que, por se tratar de manifestação do Poder Constituinte derivado, tal prerrogativa não se apresenta ilimi-tada e incondicionada, mas retira seu fundamento de validade e os limites de sua atuação da própria Constituição originária vigente.

5.2.2. Limitações ao Poder constituinte derivado

O Poder Constituinte derivado ou instituído encontra limita-ções na esfera lícita de seu atuar.

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Tais limitações são de quatro ordens, podendo ser classifi-cadas em materiais explícitas, materiais implícitas, circuns-tanciais e procedimental.

5.2.2.1. Limitações materiais explícitas

A maior limitação ao poder constituinte derivado encontra-se insculpida no parágrafo 4º do art. 60 da Constituição Federal, que traz o conjunto de normas que a doutrina convencionou de-nominar “cláusulas pétreas”. Vejamos:

“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;II – o voto direto, secreto, universal e periódico;III – a separação dos Poderes;IV – os direitos e garantias individuais.”Tratam-se, portanto, de limitações materiais explícitas

ao poder de alteração constitucional, que não permitem sequer a deliberação sobre proposta que objetive ferir essas matérias tidas por insuprimíveis pelo legislador constituinte, tamanha a relevância que este lhes atribuíra.

Ressalte-se que a expressão “tendente a abolir”, utilizada pelo legislador constituinte, chegou a ser objeto de alguma controvérsia doutrinária. Para alguns, a Constituição Federal vedaria a “abolição de tais direitos”, sendo que a supressão de tópicos de alguns dos itens relacionados não caracterizaria uma abolição. Para outros, no entanto, qualquer supressão de direitos é uma abolição – mesmo que parcial – e, portanto, es-taria vedada pelo constituinte originário. Atualmente, predomi-na o segundo entendimento, considerando-se inconstitucional a tentativa de eliminar-se quaisquer desses direitos.

Note-se que o legislador constituinte originário houve por bem vedar qualquer “abolição”, restando permitido que o cons-tituinte derivado faça alterações sobre esses tópicos que visem ao acréscimo de outros direitos inicialmente não previstos, bem

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como a reestruturação dos já existentes, conforme ocorreu com a edição da Emenda Constitucional nº 45/04 que acrescentou mais um inciso e dois parágrafos no rol do art. 5º da Constituição Federal.

5.2.2.2. Limitações materiais implícitas

Segundo as lições de Michel Temer, “são implícitas as ve-dações atinentes à supressão do próprio artigo que impõem ex-pressamente aquelas proibições. Não teria sentido emenda que suprimisse o disposto no § 4º do art. 60, da CF. Outra vedação implícita é a impediente de reforma constitucional que reduza as competências dos Estados federados. Assim, não é permitido ao exercente da competência reformadora localizar as competên-cias residuais dos Estados e, por emenda aditiva, acrescentá-las às da União ou do Município, pois isto tende a abolir a federação. É que, em dado instante, o Texto Constitucional, embora manti-vesse intacta a sua letra, estaria substancialmente modificado na medida em que os Estados federados não tivessem nenhuma competência. Também se veda, implicitamente, alteração cons-titucional que permita a perpetuidade do mandato, dado que a temporariedade daqueles é assento do princípio republicano. Finalmente, é proibição implícita aquela que atina ao procedi-mento de criação da norma constitucional, em nível derivado. Isto porque o constituinte estabeleceu procedimento rígido para a reforma e em grau determinado”43 (grifos no original).

Em razão desta última restrição relacionada por Michel Temer, que impediria a alteração do procedimento constitucio-nalmente previsto para edição das emendas constitucionais, podemos afirmar que fica vedada qualquer tentativa de nova revisão constitucional, assegurada uma vez pelo art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e já realiza-da, pois isso implicaria em alteração do rito constitucionalmen-te previsto, representando ofensa a essa limitação implícita.

43 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 37.

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5.2.2.3. Limitações circunstanciais

Por fim, são limitações circunstanciais ou temporais aquelas contidas no parágrafo 1º do art. 60, que impedem a edição de Emenda Constitucional durante a vigência de estado de defesa, estado de sítio ou intervenção federal.

Tal fato justifica-se pelo grave abalo da serenidade e do equilíbrio nacional causados por esses eventos. Com essa de-terminação, o constituinte pretendeu vedar que o Texto Consti-tucional – Lei Maior que cria e organiza um Estado – pudesse vir a ser alterado em situações que, pelo seu alto grau de insta-bilidade, levassem à adoção de medidas casuísticas, provoca-das pelas circunstâncias.

5.2.2.4. Limitação procedimental

A limitação procedimental ao poder de alteração consti-tucional está veiculada pelo parágrafo 5º do art. 60 da Consti-tuição da República, que veda que a matéria constante de pro-posta de emenda rejeitada ou prejudicada possa ser objeto de nova proposição na mesma sessão legislativa.

A sessão legislativa ordinária apresenta-se como o ano parlamentar que, nos termos do art. 57 da Constituição Federal, corresponde ao período compreendido entre 15 de fevereiro a 30 de junho e 1º de agosto a 15 de dezembro.

5.2.3. O pensamento de Jorge Reinaldo Vanossi e o problema das limitações ao Poder constituinte derivado

As limitações materiais expressas ao poder de alteração constitucional, vale dizer, as chamadas “cláusulas pétreas”, que no ordenamento jurídico brasileiro encontram-se insculpidas no parágrafo 4º do art. 60 da Constituição da República, possuem defensores na maior parte da dogmática constitucionalista mundial.

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Todavia, alguns autores falam da insustentabilidade e do mal que, muitas vezes, essa impossibilidade de mudança aca-ba trazendo ao ordenamento jurídico de determinado Estado. Dentre esses autores, ressaltamos o jurista argentino Jorge Reinaldo Vanossi, que relaciona uma série de argumentos con-tra essa medida, sendo os principais citados na obra de Celso Ribeiro Bastos, que abaixo transcrevemos:

“a) a função essencial do poder reformador é a de evitar o surgimento de um poder constituinte revolucionário e, pa-radoxalmente, as cláusulas pétreas fazem desaparecer essa função; b) elas não conseguem se manter além dos tempos normais e fracassam nos tempos de crise, sendo incapazes de superar as eventualidades críticas; c) trata-se de um ‘renasci-mento’ do direito natural, perante o positivismo jurídico; d) antes de ser um problema jurídico é uma questão de crença, a qual não deve servir de fundamento para obstaculizar os reformado-res constituintes futuros. Cada geração deve ser artífice de seu próprio destino; e) argumento de Biscaretti: admite-se que um Estado pode decidir sua própria extinção; ‘não se compreende porque o estado não poderia, então, modificar igualmente em forma substancial seu próprio ordenamento supremo, ou seja, sua própria Constituição, ainda atuando sempre no âmbito do direito vigente. Por esses motivos, Vanossi conclui pela inutilida-de e relatividade jurídica das cláusulas pétreas expressas. Sua virtualidade jurídica se reduz a zero nas seguintes hipóteses: a) a cláusula proibitiva é desrespeitada e a reforma do conteúdo proibido torna-se eficaz, com vigência perante os órgãos do Es-tado e acatamento comunitário; b) superação revolucionária de toda a Constituição, em que desaparece a própria norma proi-bitiva; c) derrogação da norma constitucional que estabelece a proibição, mediante procedimento regular, e ulterior modifica-ção do conteúdo proibido”44.

44 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 36.

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Note-se que a idéia defendida por Vanossi assemelha-se ao modelo de uma constituição semi-rígida, como tivemos em 1824. Nada seria imutável, porém, determinada categoria de normas exigiria um procedimento extremamente gravo-so para que pudesse sofrer alterações. Lembre-se que na Constituição de 1824, existiam normas que se modificavam pelo simples procedimento utilizado para a elaboração de uma lei ordinária (normas formalmente constitucionais) ao passo que, outras, só poderiam sofrer alterações após qua-tro anos do juramento da Constituição Brasileira e, ainda, se aprovadas em uma determinada legislatura, tal ato fosse ratificado na legislatura subseqüente (normas materialmente constitucionais).

É certo que as “cláusulas pétreas não se sustentam além dos tempos de crise” e que “cada geração deve ser artífice de seu próprio destino”, como assevera Vanossi. Todavia, se é verdade que em situações absolutamente extremas as limita-ções ao poder de reforma não conseguem impor-se, também é verdade que, em situações de crise menos acentuada, as restrições ao poder constituinte derivado possuem importante papel na tarefa de proteção ao núcleo essencial da Constitui-ção, constituindo-se como indispensável elemento de seguran-ça jurídica.

É importante notar que, em provas objetivas de concursos públicos, não devem ser consideradas as posições defendidas por Vanossi – a menos que as afirmações sejam expressamen-te atribuídas a ele – por tratar-se de ponto de vista que não encontra guarida no direito positivo brasileiro, apresentando-se apenas como especulação científica.

6. EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE

Atualmente, é consenso afirmar-se que a titularidade do Poder Constituinte pertence ao povo. Tal fato justifica-se pela grande aceitação que a ideologia democrática adquiriu em todo o contexto mundial nos dias atuais.

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Embora tenhamos afirmado que a natureza do Poder Constituinte encontra uma explicação metajurídica, seu exer-cício é assunto que concerne ao estudioso do Direito Consti-tucional.

Celso Ribeiro Bastos relaciona, com sua habitual pro-priedade, as formas de exercício do Poder Constituinte. Ve-jamos:

“As distintas respostas ao exercício desse poder estão da-das pelos diversos mecanismos que as Constituições contem-plam para efeitos de funcionamento dos procedimentos de re-visão ou de emenda constitucional, e aqui, sim, cabem formas de exercício muito variadas: os regimes autocráticos praticam formas de exercício autocrático. Estes são os casos típicos dos atos institucionais ou estatutos do processo, como se de-nominam na Argentina.

Nas concepções democráticas, o exercício do poder constituinte pode-se realizar através da democracia direta ou da democracia representativa, ou de fórmulas mistas que combinem ambas as formas.

Democracia direta, em matéria de poder constituinte, são os referendos de aprovação da Constituição.

Democracia representativa são os sistemas de conven-ções constituintes, em que o povo é convocado para eleger uma assembléia que especificamente e unicamente vai exercer o poder constituinte.

Já os sistemas mistos são aqueles que combinam a nota representativa com a participação direta do povo”45 (gri-fos nossos).

O Estado brasileiro adotou a forma representativa (ou indireta) para o exercício do Poder Constituinte originário que culminou na Constituição de 1988. Deixou, todavia, uma

45 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 32.

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possibilidade para o exercício da Democracia direta quando da atuação do poder constituinte derivado, prevendo a pos-sibilidade de recurso ao plebiscito e ao referendo popular para a decisão de questões que se apresentarem polêmicas, bem como para que se examinasse, após cinco anos da elaboração do Texto Supremo (o que ocorreu em 7 de setembro de 1993), a conveniência da manutenção da forma e do regime de governo vigentes.

Ressalte-se que, embora a iniciativa popular também seja forma de manifestação de democracia direta, nos termos do inciso III do art. 14 da Constituição Federal de 1988, ela só tem lugar quando da propositura de projetos de lei ordinária, conforme prevê o parágrafo segundo do art. 61, não se reve-lando, assim, forma direta de exercício do poder constituinte derivado.

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Capítulo IV

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

1. INTRODUÇÃO

Segundo as lições de Maria Helena Diniz, “o homem é, ao mesmo tempo, indivíduo e ente social. Embora seja um ser independente, não deixa de fazer parte, por outro lado, de um todo, que é a comunidade humana.

Para que as criaturas racionais atinjam seus objetivos, a condição fundamental é a de se associarem. Sozinho, o homem é incapaz de vencer os obstáculos que o separam de seus ob-jetivos fins”.

E conclui: “O fundamento das normas está na exigência da natureza humana de viver em sociedade, dispondo sobre o comportamento dos seus membros. A sociedade sempre foi regida e se há de reger por um certo número de normas, sem o que não poderia subsistir”46 (grifos no original).

Já afirmamos que é inato ao ser humano viver em socieda-de, conforme reconhecem os filósofos desde a antigüidade.

46 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 301.

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Podemos concluir que não existe maneira melhor de controlar os egoísmos e apetites humanos, senão por meio do Direito que, como veremos, encontra sua forma de manifesta-ção nas normas jurídicas.

2. TEXTO DE DIREITO POSITIVO E NORMA JURÍDICA

Verificados os aspectos históricos e sociais que justificam a existência das normas jurídicas, passemos ao exame de sua natureza e conformação sob a ótica do Direito positivo.

Norma jurídica pode ser conceituada, segundo as lições de Paulo de Barros Carvalho, como “a significação que colhe-mos da leitura dos textos do direito positivo”47.

Assim, a norma jurídica consiste no juízo implicacional que a leitura do texto provoca em nosso espírito.

“Por analogia, podemos dizer que o texto escrito está para a norma jurídica tal qual o vocábulo está para sua sig-nificação”48 (grifos nossos).

Aí reside a diferença essencial entre a norma jurídica e os textos do direito positivo. É muito comum encontrarmos as expressões “lei” e “norma” sendo utilizadas como sinônimas. Porém, segundo nossa concepção epistemológica, entre elas existem profundas diferenças. Vejamos:

Os textos de direito positivo (Constituição, leis, decre-tos, portarias) são apenas o suporte físico de significação das normas jurídicas. A norma jurídica é o significado que o jurista constrói a partir da leitura desses textos. As normas jurídicas estarão sempre na implicitude dos textos do direito positivo.

47 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 6.

48 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 7.

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89Hermenêutica Constitucional

Sabemos que o Direito consiste em um objeto cultural, e, por isso, é classificado como ciência social e não natural. Diferente dos objetos naturais, não pode ser expressado em verdades absolutas: os objetos culturais ou sociais expressam-se em valores. Tomemos o seguinte exemplo, que facilitará o entendimento:

Se perguntarmos a qualquer aluno qual o resultado da adi-ção “2 + 2”, por certo que este dirá ser “4”. É essa a caracterís-tica fundamental das ciências naturais. Em qualquer lugar do mundo, “2 + 2 = 4”; assim como, em qualquer lugar do mundo, um objeto que for largado ao chão cairá, por força da gravida-de; ou, ainda, a formulação quântica de um elemento químico será a mesma. Não existe a possibilidade lógica de chegar-se a opiniões diferentes. O resultado correto será, em regra, apenas um. As leis da natureza submetem-se ao princípio da “causali-dade física”.

O mesmo não se verifica com os objetos do mundo cultural, do qual o Direito faz parte. Se trouxermos à sala de aula vários poemas, distribui-los a todos, e lhes fizermos as seguintes perguntas: “O que vocês entenderam? Qual deles é mais belo?” Certamente encontraremos as mais variadas respostas, sem que isso signi-fique afirmar, necessariamente, que uma delas estará incorreta. Cada um de nós possui seus próprios valores, que se refle-tem em opiniões, gostos, preferências. Essa é a característica do mundo cultural ou social: não existem verdades absolutas, mas apenas as impressões que cada pessoa obtém, ao depositar seus valores culturais na análise de determinado objeto.

Essa é a razão das enormes divergências interpretativas doutrinárias e jurisprudenciais que determinadas matérias suscitam. Os temas jurídicos que apresentam valores sociais não tão sedimentados (assuntos polêmicos) tendem a ocasio-nar um maior número de interpretações e, conseqüentemente, de opiniões divergentes.

Daí porque havermos dito que “a norma jurídica é o signifi-cado que o jurista constrói a partir da leitura dos textos legais”.

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Durante muito tempo, vigorou a idéia de que “a norma jurídica é o sentido que se extrai...” Tal proposição apresentava-se in-correta.

Nós podemos extrair, v.g., o suco de uma laranja, mas nunca a norma jurídica que encontra-se na implicitude de um texto legal. Assim é que, se fosse entregue a cada leitor uma laranja, e lhes fosse pedido que fizessem uma “laranjada”, cer-tamente todos chegariam ao mesmo resultado, mesmo que cada um se utilizasse de um método diferente de extração do sumo.

Não é o que ocorre com os textos do Direito positivo. Se entregarmos um texto legal para cada aluno, e perguntarmos qual o seu sentido, certamente chegaremos a conclusões dife-rentes. Não há nada para ser extraído daquela folha de papel borrada de tinta. Há, sim, o que se construir, a partir do depó-sito dos valores e princípios que cada um de nós possuímos. Dificilmente, na análise desse texto legal, duas pessoas chega-rão a impressões absolutamente idênticas.

Todavia, apesar da existência de subjetivismo na atividade intelectual promovida pelo jurista, convém ressaltar as lições de Pontes de Miranda, lembradas por Miguel Reale:

“A norma não é também uma coisa assim, que se puxe para lá e para cá. Pontes de Miranda dizia, sabiamente, que a norma jurídica tem certa elasticidade. A norma é elástica. Mas chega um certo momento em que a elasticidade não resiste e a norma se rompe. Logo, as variações na interpretação da norma devem ser compatíveis com sua elasticidade. Pois bem, quando uma norma deixa de corresponder às necessidades da vida, ela deve ser revogada, para nova solução normativa adequa-da, o que nos revela a riqueza das soluções que a vida jurídica apresenta” 49 (grifos no original).

49 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 127.

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Todavia, é importante ressaltar que isso tudo, ainda, não consiste na interpretação constitucional. Esta será realizada quando o intérprete, após haver construído o sentido do tex-to legislado (norma jurídica), aplicá-lo a um caso concreto, jurisdicizando-o, conforme veremos a partir do item 4.

3. EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Tema sempre recorrente é o que tange à eficácia das nor-mas constitucionais.

A eficácia das normas jurídicas consiste na aptidão que possuem para produzir os efeitos desejados. Pressupõe, por óbvio, estarmos diante de norma jurídica válida e vigente. O mestre Paulo de Barros Carvalho aponta três aspectos que uma norma jurídica deve contemplar para desencadear os efei-tos para os quais está pré-ordenada, quais sejam: aspectos técnico, jurídico e social.

3.1. Eficácia técnica

A eficácia técnica, nas lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, diz respeito à presença de “requisitos técnicos, sem os quais a norma não pode produzir seus efeitos. Por exemplo, a norma prescreve que crimes hediondos serão inafiançáveis, mas transfere para outra norma a definição de hediondo. En-quanto esta não existir, a primeira não poderá produzir efeitos. Fala-se, então, de eficácia ou ineficácia técnica”50 (grifos no original).

No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho afirma: “Pode acontecer que uma norma válida assuma o inteiro teor de sua vigência, mas por falta de outras regras regulamentadoras, de igual ou inferior hierarquia, não possa jurisdicizar o fato, inibin-

50 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 199.

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do-se a propagação de seus efeitos. Ou ainda, pensemos em normas que façam a previsão de ocorrências factuais possíveis, mas, tendo em vista dificuldades de ordem material, inexistam condições para que se configure em linguagem a incidência jurídica. Em ambas as hipóteses teremos norma válida dotada de vigência plena, porém impossibilitada de atuar. Chamemos a isso de ‘ineficácia técnica’”51.

Existem importantes divergências doutrinárias quanto a presença de eficácia técnica em todas as normas jurídicas. Para alguns, como Paulo de Barros Carvalho, Tércio Sampaio Ferraz Júnior e Vezio Crisafulli, nem todas as normas possuem eficácia técnica, conforme acima demonstrado. Entre essas nor-mas, ressalte-se, em Direito Constitucional, estariam as normas de princípio institutivo e normas de princípio programático, que apenas ganhariam eficácia após a edição de norma que viesse a regulamentá-las.

Outros autores, como José Afonso da Silva e Michel Temer, afirmam que todas as normas possuem essa eficácia (que denominam “eficácia jurídica”, contrariamente à concep-ção terminológica que vimos adotando).

Neste sentido, Michel Temer afirma que toda norma é do-tada de eficácia, pois “já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as nor-mas anteriores que com ela conflitam. Embora não aplicada a casos concretos, é aplicável juridicamente no sentido negativo antes apontado. Isto é: retira a eficácia da normatividade an-terior. É eficaz, juridicamente, embora não tenha sido aplicada concretamente”52 (grifos nossos).

Em Direito Constitucional, cresce o entendimento de que todas as normas jurídicas possuem eficácia técnica, inclusive

51 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 54.

52 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 50.

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as normas de princípio institutivo e de princípio programático, conforme demonstraremos quando analisarmos as normas constitucionais de eficácia limitada, dentro do estudo da classi-ficação das normas constitucionais.

3.2. Eficácia social

Já por eficácia social, Tércio Sampaio Ferraz Júnior en-tende a aptidão que possui uma norma jurídica para produzir efeitos no mundo social. “Uma norma se diz socialmente efi-caz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos. Assim, se uma norma prescreve a obri-gatoriedade do uso de determinado aparelho para a proteção do trabalhador, mas este aparelho não existe no mercado nem há previsão para a sua produção em quantidade adequada, a norma será ineficaz neste sentido”53.

3.3. Eficácia jurídica

Finalmente, a eficácia jurídica “é o mecanismo de inci-dência, o processo pelo qual, efetivando-se o fato relatado no antecedente, projetam-se os efeitos prescritos no conseqüente. É o fenômeno que acontece com as normas vigentes, sem-pre e quando os fatos jurídicos se instalam. Tudo por força da causalidade jurídica, decretada pela imputação normativa. É a propriedade do fato jurídico de provocar os efeitos que lhe são próprios”54.

Assim, o desrespeito às normas jurídicas que podem per-feitamente ser aplicáveis é caso de ineficácia jurídica. É o caso, v.g., de não se apenar alguém que possui uma banca de “jogo do bicho” ou uma casa de prostituição.

53 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 198.

54 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. pp. 54-5.

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Note-se que, diferentemente do que se verifica na ineficá-cia social – quando a norma jurídica não pode ser aplicada por falta de condições econômicas ou tecnológicas – na ineficácia jurídica existem perfeitas condições sociais para o cumprimen-to do mandamento normativo, que não é aplicado por falta de vontade da sociedade.

4. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Sabemos que, como bem lembrava Augustín Gordillo, citado por Roque Antônio Carrazza, em Direito não existem classificações certas ou erradas, mas classificações mais úteis ou menos úteis. Assim é que, uma classificação das normas constitucionais quanto à origem (se provenientes do poder constituinte originário ou derivado) apresentaria pouca utilidade ao Cientista do Direito, pois, uma vez integradas vali-damente ao ordenamento jurídico, todas as normas passam a ser constitucionais, ocupando o ápice da pirâmide normativa.

Lembramos mais uma vez que uma classificação jurídica, como observa Roque Carrazza, deverá levar em conta o dado jurídico por excelência, que é a norma jurídica, ponto de par-tida indispensável de qualquer classificação que pretenda ser jurídica56.

Neste diapasão é a classificação de José Horácio Meireles Teixeira, difundida por José Afonso da Silva, segundo a qual as normas constitucionais, quanto à eficácia, podem ser divididas em três categorias: a) normas constitucionais de eficácia plena; b) normas constitucionais de eficácia contida, e; c) normas constitucionais de eficácia limitada55.

55 TEIXEIRA, José Horácio Meireles. Curso de direito constitucional. Atualização: Maria Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. passim.

56 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. pp. 320-1.

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4.1. Normas constitucionais de eficácia plena

As normas constitucionais de eficácia plena são as de aplicabilidade imediata. Uma vez promulgado o Texto Constitucional, essas normas encontram-se aptas a desencadear imediata, ple-na e integralmente os efeitos que justificaram sua edição. Nem mesmo por legislação infraconstitucional será possível restringir os comandos veiculados por essas normas, pois isso significaria uma afronta ao postulado da “supremacia da constituição”. Tais normas não necessitam e nem podem sofrer intermediação pela legislação ordinária, se isso limitar ou restringir o direito ali veiculado.

Como exemplo de normas constitucionais de eficácia plena, podemos lembrar o direito à vida humana (caput do art. 5º); as garantias constitucionais (incisos LXVIII a LXXIII do art. 5º); a nor-ma que dispõe sobre o federalismo brasileiro (art. 18); a norma que ressalta a “tripartição dos poderes” (art. 2º), entre outras.

4.2. Normas constitucionais de eficácia contida ou restringível

Normas constitucionais de eficácia contida, por seu turno, são aquelas que, apesar de terem aplicabilidade plena e imediata, poderão sofrer restrições pelo legislador infra-constitucional, por intermédio da edição de leis ordinárias ou complementares.

Nas lições de Michel Temer, “são aquelas que têm aplica-bilidade imediata, integral, plena, mas que podem ter reduzido seu alcance pela atividade do legislador infraconstitucional. Por isso mesmo, aliás, preferimos denominá-las de normas cons-titucionais de eficácia redutível ou restringível. Desse teor é o preceito do art. 5º, XIII: ‘é livre o exercício de qualquer traba-lho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’”57 (grifos no original).

57 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 26.

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Ainda como exemplo de normas de eficácia contida, restringível ou redutível, ressaltamos a norma que garante ao civilmente identificado o direito de não ser submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (inciso LVIII do art. 5º); a que trata da inviolabilidade do ad-vogado, por seus atos e manifestações no exercício da pro-fissão, nos termos da lei (art. 133); a que concede imunidade tributária a pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel (parágrafo 4º do art. 153) e a determinação que, ressalva-dos os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições (inciso XXI do art. 37).

4.3. Normas constitucionais de eficácia limitada

Finalmente, normas constitucionais de eficácia limitada, nas lições de José Afonso da Silva, são as que não se encon-tram aptas a produzirem plenos efeitos enquanto não for elabo-rada legislação integradora.

Michel Temer, ainda valendo-se das lições de José Afonso da Silva, divide essa categoria de normas em dois grandes gru-pos: normas de princípio institutivo e normas de princípio programático. Ouçamo-lo:

“As primeiras são as que dependem de lei para dar corpo a instituições, pessoas, órgãos, previstos na norma constitu-cional. Desse teor é a prescrição do art. 18, § 3º da CF: ‘os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou des-membrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da po-pulação diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar’. As últimas (pro-gramáticas) são as que estabelecem um programa constitu-cional a ser desenvolvido mediante legislação integrativa da

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vontade constituinte. Desse teor é a norma do art. 205: ‘a edu-cação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, vi-sando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’”58 (grifos no original).

Ressalte-se, ainda, como exemplos de normas constitucio-nais de princípio constitutivo: o preceito que faculta a criação de regime de previdência privada, de caráter complementar, regu-lado por lei complementar (art. 202), e de princípio programá-tico os mandamentos normativos que colocam como objetivos fundamentais a erradicação da pobreza e redução das desi-gualdades sociais (inciso III do art. 3º) e também a que dispõe sobre a formação de uma comunidade latino-americana de na-ções (parágrafo único do art. 4º).

4.3.1. Aplicabilidade prática das normas constitucionais de eficácia limitada

É grande a discussão sobre a possibilidade de produção de efeitos práticos por parte das denominadas normas constitu-cionais de eficácia limitada, mormente no que concerne às de-nominadas normas programáticas. A jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal adota a classificação ora exposta e posiciona-se pela inaplicabilidade das normas constitucio-nais de eficácia limitada, nos termos acima expostos59. Todavia, cresce o entendimento de que todas as normas constitucionais possuem eficácia, inclusive as normas de princípio institutivo e de princípio programático.

Podemo-nos utilizar da denominação “direitos de satis-fação progressiva” para nos referirmos às normas originaria-

58 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 26.

59 STF – RE 159.694 – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 02.03.1995; RE 161.962 – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 06.05.1994.

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mente conceituadas como programáticas, na medida em que, embora não estejam aptas a produzir plenos efeitos, também não é possível admitir-se que a Constituição seja, tão-somente, um aglomerado de boas intenções.

Cremos que a questão passa pela velha celeuma acerca da natureza ontológica da norma jurídica e da existência de sanção (conseqüência) em todas as normas jurídicas.

Para alguns autores não existe norma jurídica sem san-ção, de sorte que a estrutura lógica da norma jurídica consis-tiria sempre em um imperativo ou proposição hipotética que pode ser representada pela oração: se A é, deve ser B.

Outros, no entanto, afirmam que existem dois tipos de nor-mas jurídicas: as que incidem diretamente sobre as condutas sociais, e que, portanto, apresentam-se de forma condicional ou hipotética, e; aquel’outras que, dispondo sobre normas de organização ou competência do Estado, não têm lugar para a condicionalidade, apresentando-se como obrigatórias ou ca-tegóricas, não possuindo sanção.

A imprescindibilidade de sanção em todas as normas jurí-dicas é o entendimento de grande parte da Dogmática jurídica que desenvolve os ensinamentos do austríaco Hans Kelsen, porque é esse aspecto que diferencia o Direito das demais ci-ências normativas. Admitir-se que a sanção não é elemento integrante da norma jurídica acabaria por impedir-nos de dife-renciar o Direito, categoria do dever-ser, de outros ramos cien-tíficos, por exemplo, a Sociologia.

A estrutura lógica da norma jurídica, assim, revela um juízo hipotético-condicional, em que se atribui uma conseqü-ência à hipótese de um fato. A norma jurídica qualifica um fato que, caso ocorra, poderá desencadear uma conseqüên-cia. Eis aí a estrutura lógica da norma jurídica, formulada pelo jusfilósofo Hans Kelsen a partir dos ensinamentos de Kant. Segundo seus ensinamentos, a norma jurídica é sempre um imperativo ou proposição hipotética, que encontra, em sua

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composição, dois elementos essenciais: o antecedente e o conseqüente60.

Como vimos, o antecedente normativo consiste na descri-ção de um fato qualquer que, caso ocorra, deverá acarretar um determinado resultado, designado conseqüente. Nas lições de nosso mestre Paulo de Barros Carvalho, “a proposição ante-cedente funcionará como descritora de um evento de possível ocorrência no campo da experiência social”61.

O conseqüente normativo, por outro lado, corresponde ao comportamento intersubjetivo que deverá advir sempre que o evento descrito anteriormente surja no mundo dos fatos sociais.

Todavia, alguns jusfilósofos da importância de Miguel Reale discordam desse pensamento. Vejamos:

“Essa estrutura lógica corresponde apenas a certas cate-gorias de normas jurídicas, como, por exemplo, às destinadas a reger os comportamentos sociais, mas não se estende a todas as espécies de normas como, por exemplo, às de organização, às dirigidas aos órgãos do Estado ou às que fixam atribuições, na ordem pública ou privada. Nestas espécies de normas nada é dito de forma condicional ou hipotética, mas sim categórica, excluindo qualquer condição”.

E conclui: “Se desejarmos alcançar um conceito geral de regra jurídica, é preciso, por conseguinte, abandonar a sua re-dução a um juízo hipotético, para situar o problema segundo outro prisma. A concepção formalista do Direito de Kelsen, para quem o Direito é norma, se harmoniza com a compreensão da regra jurídica como simples enlace lógico que, de maneira hi-potética, correlaciona, através do verbo dever-ser, uma conse-

60 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. passim.

61 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 24.

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qüência C ao fato F, mas não vemos como se possa vislumbrar qualquer relação condicional ou hipotética em normas jurídicas como estas: a) ‘Compete privativamente à União legislar sobre serviço postal’ (Constituição, art. 22, V); b) ‘Brasília é a Capital Federal’ (Constituição, art. 18, § 1º)”62.

Paulo de Barros Carvalho, no entanto, contraria a posição defendida por Miguel Reale quando leciona: “Existe norma sem sanção? E a resposta é esta: absolutamente, não. Aquilo que há são enunciados prescritivos sem normas sancio-natórias que lhes correspondam, porque estas somente se associam a outras normas jurídicas prescritoras de deve-res”63. (grifos no original)

Assim é que, em nosso entendimento, aquilo que Miguel Reale denomina “normas jurídicas obrigatórias ou categóricas” – nas quais se enquadram, perfeitamente, as normas constitu-cionais de eficácia limitada – nada mais são que enunciados prescritivos. Estes, diferente do que ocorre com as normas jurídicas, não se apresentam expressos em um dos operadores deônticos (obrigatório, permitido ou proibido), tampouco pos-suem a sanção como elemento primordial.

Isso porque não encerram “uma unidade completa de sig-nificação deôntica, na medida que permanecem na expectativa de juntar-se a outras unidades da mesma índole. Com efeito, terão de conjugar-se a outros enunciados, consoante especí-fica estrutura lógico-molecular, para formar normas jurídicas, estas, sim, expressões completas de significação deôntico-jurí-dica”. (grifos no original)

Simplificando: toda e qualquer norma jurídica, obriga, per-mite ou proíbe uma determinada conduta. As estruturas lógi-

62 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 94.

63 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 21.

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cas que não sejam, por si só, suficientes para atingirem a este objetivo, não podem ser denominadas “normas jurídicas”64. São, apenas, enunciados prescritivos. Possuem sentido e importân-cia. Todavia, devem ser relacionados a outros enunciados pres-critivos para, aí sim, poderem regular as condutas intersubjeti-vas, e serem considerados “normas jurídicas”.

As anteriormente denominadas normas programáticas, que agora denominamos “direitos de satisfação progressi-va”, tratam-se, na realidade, de enunciados prescritivos, que necessitam estar associados a outros comandos constitucio-nais para deflagrarem os efeitos que lhe são próprios e, nesta qualidade, realmente não têm a possibilidade de desencadear efeitos práticos, pela ausência de sanção.

Todavia, associados a dispositivos constitucionais que prescrevem, principalmente, as competências constitucionais dos entes federados e a responsabilidade civil do Estado e de seus agentes em caso de descumprimento, tornam-se normas jurídicas, impondo-se seu cumprimento pelos entes políticos, ainda que o alcance das metas não ocorra instantaneamente.

Destarte, cremos que nem sempre será necessária a ela-boração de legislação infraconstitucional integradora para que as normas constitucionais de eficácia limitada iniciem a produ-ção dos efeitos que justificaram sua edição, por ser possível en-contrar, no próprio texto constitucional, outros dispositivos que as complementem e as tornem unidades completas de sentido. Porém, em outras hipóteses, a elaboração da norma integrado-ra apresentar-se-á indispensável.

5. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Interpretar consiste em conferir ou irrogar um sentido à norma, com vistas à sua aplicação em um caso concreto. A in-

64 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 58.

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terpretação jurídica é a reconstrução do conteúdo da norma, visando deixar-se a abstração da norma para chegar-se a um comando individual e concreto.

Isso porque não se podem aplicar somente preceitos ge-néricos, sendo necessário chegarmos a um comando para uma hipótese determinada, ou seja, para um caso que ocor-reu ou que poderia ocorrer. A interpretação, portanto, percorre este caminho, fazendo com que a norma saia de sua abs-tração, assumindo um conteúdo para aquele caso concreto posto à exame.

O objeto da interpretação jurídica, portanto, é a norma ju-rídica, com todas as implicações de ordem prática que essa locução desencadeia, sobre as quais já nos referimos no início deste capítulo. O móvel da interpretação jurídica é o fato ocor-rido ou que se supõe poder ocorrer no mundo social. Assim, construído o real sentido e alcance da comunicação legis-lada, chegamos à norma jurídica (um comando geral e abstra-to), a qual, num segundo procedimento, aplicaremos ao caso concreto levado à nossa apreciação (transformando-a em um comando individual e concreto).

Alguns autores falam da desnecessidade de interpretar ou pretendem que a interpretação se limite a uma análise literal do dispositivo legal. Como veremos, essas correntes atualmente estão superadas, predominando como verdade o fato de que a linguagem normativa não possui significações unívocas. Assim, mesmo as normas que são muito claras, se entregues a diversas pessoas para isoladamente as inter-pretarem, resultarão em interpretações diferenciadas para o mesmo texto.

A interpretação, portanto, justifica-se pela plurisignificação das normas jurídicas, que transformará essa plurivocidade em normas ou preceitos unívocos, verdadeiros comandos para o caso concreto.

O esforço do intérprete encontra como ponto de partida a “letra” da Constituição até se chegar ao caso concreto. É pre-

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ciso enveredar-se na lei pura, não sendo possível infringir-se a Constituição, nem mesmo em nome da aplicação de princípios, quando isso envolva a distorção do significado de uma palavra para atribuir-lhe outra acepção diversa.

O primeiro problema que se coloca por ocasião da inter-pretação é o de escolher, dentre as múltiplas normas constitu-cionais, qual é aquela que melhor se enquadra dentro do fenô-meno analisado: é a seleção da norma aplicável.

A partir daí, valendo-se de diretrizes hermenêuticas, vai-se procedendo a uma concreção crescente da norma, ao ponto desta perder seu caráter abstrato, para converter-se numa nor-ma específica que é aplicada à espécie.

6. PRESSUPOSTOS HERMENÊUTICO-CONSTITU-CIONAIS

A interpretação das normas de Direito Constitucional pos-sui alguns traços peculiares, o que a distingue da interpreta-ção de outros ramos didaticamente autônomos do Direito. Na realidade, podemos afirmar que a cada disciplina jurídica cor-respondem alguns “pressupostos de interpretação” ou “pressu-postos hermenêuticos”, que se justificam pela particularidade inerente a cada um desses sistemas. É o que Miguel Reale chama de “objetividade normada”, pretendendo significar que a cada disciplina existem problemas próprios, e uma forma di-ferenciada de se focalizar seu objeto65.

As diretrizes hermenêuticas são verdadeiros postulados, verdades que, todo aquele que interpreta, deve admitir, sob pena da total invalidade de seu esforço científico. São eles: a supremacia da Constituição, a unidade da Constituição, a maior efetividade possível e a harmonização.

65 REALE, Miguel. O direito como experiência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 244.

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6.1. Supremacia da Constituição

O primeiro deles diz respeito ao fato de a Constituição ser a norma superior em qualquer ocasião.

Celso Ribeiro Bastos afirma que “o postulado da supre-macia da Constituição repele todo o tipo de intervenção que venha de baixo, é dizer, repele toda a tentativa de interpretar a Constituição a partir da lei. O que cumpre ser feito é sempre o contrário, vale dizer, procede-se à interpretação do ordenamen-to jurídico a partir da Constituição”66.

Trata-se, assim, da adoção da concepção de Constituição em sentido formal, exposta quando analisamos os conceitos de Constituição, no capítulo destinado à Teoria da Constituição.

6.2. Unidade da Constituição

O segundo pressuposto hermenêutico – postulado da uni-dade da Constituição – determina que a Constituição deve ser analisada como algo uno e indecomponível, de sorte que não deixe margem a contradições entre suas normas. Tal pos-tulado, segundo as lições do constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho “obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar”67.

Trata-se, no fundo, de afirmarmos que a Constituição deve ser entendida como um sistema, ou seja, como um conjunto de elementos que mantém entre si intrínseca relação de pertinen-cialidade, de sorte que modificado um, o próprio todo constitu-cional resultará modificado.

66 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 102.

67 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 232.

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Celso Ribeiro Bastos afirma que “como conseqüência deste princípio, as normas constitucionais devem sempre ser consideradas como coesas e mutuamente imbricadas. Não se poderá jamais tomar determinada norma isoladamente, como suficiente em si mesma. É que a Constituição pode perfeita-mente prever determinada solução jurídica num determinado passo seu, para noutro tomar posição contrária, dando lugar a uma relação entre norma geral e outra específica. Esta predo-mina no espaço que abrange (...)

Pode-se dizer, pois, que a Constituição não é um conglo-merado caótico e desestruturado de normas. Pelo contrário, não obstante apresentarem o mesmo grau hierárquico, é possí-vel identificar certas normas que, à medida que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, ascendem para uma posição que lhes permite sobrepairar uma área muito mais ampla. O que elas perdem, pois, em carga normativa, ganham como for-ça valorativa a espraiar-se por um sem-número de outras nor-mas, inclusive da própria Carta Magna, sem que com isso se possam considerar como de escalão superior. No fundo, tanto são normas as que encerram princípios quanto as que encer-ram preceitos, podendo-se dizer que é desse entrelaçamento que o todo constitucional sai fortalecido (e nunca prejudicado, com o afastamento de qualquer de suas regras). O reflexo mais imediato é o caráter de sistema que os princípios imprimem ao corpo constitucional”68.

Merecem transcrição, ainda, as palavras de outro cons-titucionalista português, Jorge Miranda, para quem “o Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de actos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais ar-ticuladas entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto sig-nificativo e não conjunção resultante de vigência simultânea; implica coerência, ou, talvez mais rigorosamente, consistên-

68 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 103.

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cia; projeta-se em sistema; é unidade de sentido; é valor in-corporado em regra”69.

6.3. Maior efetividade possível

Tal primado determina que se proceda a interpretação da Constituição, sempre que possível, atribuindo ao dispositivo constitucional, sob exame, um máximo de eficácia. Faz-se im-portante ressaltar que esse axioma não tem por objetivo promo-ver a interpretação ampliativa dos dispositivos constitucionais, fazendo sempre prevalecer a interpretação mais abrangente, o que se apresentaria como inegável subversão dos fins para os quais a Constituição fora criada.

Celso Ribeiro Bastos afirma que “o postulado é válido na medida em que por meio dele se entenda que não se pode empo-brecer a Constituição. O que efetivamente significa este axioma é o banimento da idéia de que um artigo ou parte dele possa ser considerado sem efeito algum, o que equivaleria a desconsiderá-lo mesmo. Na verdade, neste ponto, acaba por ser um reforço do postulado da unidade da Constituição. Não se pode esvaziar por completo o conteúdo de um artigo, qualquer que seja, pois isto representaria uma forma de violação da Constituição”70.

6.4. Harmonização

Tal postulado apresenta-se como decorrência natural dos três pressupostos já relacionados. Pretende harmonizar as nor-mas e princípios constitucionais, para que nenhum deles fique prejudicado em razão de outro.

Celso Ribeiro Bastos, no entanto, lembra que o princípio da harmonização, embora decorrente dos demais, com eles

69 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. II. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 255.

70 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 105.

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não se confunde: “Mais do que possibilitar a máxima efetividade possível, o postulado da harmonização relaciona-se com o da unidade, na medida em que não se podem admitir contradições. O que é uno não é divisível, muito menos em partes opostas.

Nesse sentido, a harmonização é como o postulado da máxima efetividade transportado para o preceito fundamental considerado em sua unidade. Só através da harmonização das diversas normas da ordem constitucional é que se poderá dar ao texto a mais ampla aplicação que ele exige.

Por fim, na Constituição, a norma especial tem de harmo-nizar-se com a de caráter geral (ao passo que na legislação ordinária, prevaleceria a especial). É o caso da possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária. Aqui, deve haver uma compatibilização com a regra geral que consagra a pro-priedade privada, o que significa dizer que os prejuízos para o proprietário da terra deverão ser mínimos”71.

Essa aplicação da norma específica sem o descarte por com-pleto da norma geral só se torna possível, em matéria constitu-cional, em virtude do grande caráter principiológico de seus co-mandos normativos. Os princípios são, pois, enunciados bastante genéricos (normas de estrutura), o que torna possível a aplicação de um, sem a desconsideração completa do outro. Já na legis-lação infraconstitucional, em razão do predomínio de normas de comportamento, voltadas especificamente para regular as condu-tas intersubjetivas, a utilização de um comando resultará, quase sempre, no abandono, para aquele caso específico, de outro.

Daí a possibilidade, lembrada por Celso Ribeiro Bastos, de aplicação do comando normativo que prevê a hipótese de desapropriação, respeitando-se ao máximo o direito de proprie-dade do administrado, de forma que isso transcorra da maneira que lhe seja menos gravosa. Ou, ainda, de um policial proceder a revista do porta-malas de um veículo, em nome do primado

71 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 107.

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da segurança, sem desrespeitar o direito à intimidade do con-dutor, não expondo o conteúdo de caráter íntimo encontrado à apreciação dos transeuntes ou das dezenas de pessoas envol-vidas na operação policial.

7. AGENTES DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Os agentes da interpretação constitucional são múltiplos. Atualmente, ganha simpatia a tese de que todos os indivíduos acabam interpretando o Texto Supremo, muito embora existam algumas classes de pessoas que necessitam constantemente de procederem a este trabalho, como forma de desincumbirem-se dos deveres que o Estado lhes atribui.

Celso Ribeiro Bastos lembra-nos que isso ocorre em vir-tude da importância que o Texto Constitucional possui: “Como bem observa Usera, encontrar-se-á uma multiplicidade de in-térpretes da Constituição, e a causa dessa pluralidade não é outra senão o nível hierárquico superior no qual se encontra a Carta Magna. Todos estão submetidos aos mandamentos da Constituição, e o estão de forma mais imperativa os órgãos pú-blicos incumbidos de aplicá-los através de sua atividade”72.

Procederemos, agora, a elaboração de um rol exemplificati-vo de intérpretes da Constituição incluindo-se, aí, as interpreta-ções promovidas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciá-rio. Todavia, desde já faz-se importante ressaltar que não existem três poderes estatais, como se convencionou denominar, mas três funções do Estado: executiva, legislativa e judiciária. O po-der, pois, como prerrogativa estatal, é uno, conforme demonstra-remos no capítulo destinado à “Organização dos Poderes”.

Assim é que o Poder Executivo, que tem por finalidade pre-cípua administrar, também legisla, quando, v.g., edita medidas provisórias e leis delegadas, e julga, quando aprecia os proces-

72 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 66.

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sos administrativos. O Poder Legislativo, que tem a prerrogativa de elaborar as espécies normativas, administra quando trata de sua organização, polícia e serviços internos, e julga, entre ou-tros, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade, bem como o Presidente da República e Vice-Presidente, os Ministros de Estado e os Comandantes das Forças Armadas nos crimes de responsabilidade conexos aos do Presidente. Finalmente, o Poder Judiciário, além de aplicar as leis aos casos concretos, legisla quando elabora seus regi-mentos internos, e administra, dispondo sobre férias, licenças e afastamentos de seus servidores, entre outras hipóteses.

7.1. Interpretação político-legislativa

Dentre agentes da interpretação do Texto Supremo, temos o Poder Legislativo que, ao realizar sua função precípua, discu-tindo, deliberando e aprovando os projetos de lei e de Emendas à Constituição está, também, analisando os fundamentos consti-tucionais e, conseqüentemente, interpretando a Constituição.

“Quando o legislador, ao editar novas normas, procede a uma interpretação das normas já existentes, para a partir delas criar outras, estamos diante do que se denomina em doutrina de interpretação autêntica (...)

Voltando ao órgão que mais comumente exerce a fun-ção legislativa, o parlamentar, vem a pêlo consignar que tem ele necessariamente de se reportar à Constituição, como se viu. Prova disso é a atividade desenvolvida pela Comissão de Constituição e Justiça no Congresso Nacional, que procede à verificação preventiva da constitucionalidade dos projetos de lei e das propostas de emendas à Carta Magna”73 (grifos nossos).

73 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 67.

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7.2. Interpretação jurisdicional

O Poder Judiciário, por intermédio de seus juízes e tribu-nais, tem a virtude de proceder à interpretação constitucional de forma definitiva. É o que se denomina interpretação operativa.

Em nossa opinião, trata-se do mais importante agente de interpretação constitucional, em virtude das enormes conse-qüências sociais que desencadeia. Isso porque a interpreta-ção emanada pelo Judiciário aliada à força da coisa julgada – que consiste na impossibilidade de modificação da decisão pelo próprio Poder Judiciário – torna a interpretação defini-tiva.

Ao realizar essa tarefa cabe, ainda, ao Magistrado, verificar a adequação da lei à Constituição Federal, realizando aquilo que se denomina controle de constitucionalidade das leis. Caso a norma invocada pela parte para tutelar seu direito esteja con-trariando a Constituição, o julgador deixará de aplicá-la, reali-zando aquilo que se denomina controle difuso de constitucio-nalidade, que será pormenorizado no próximo capítulo desta obra.

7.3. Interpretação promovida pelo Poder Executivo

O Poder Executivo realiza importante tarefa de interpreta-ção da Constituição Federal, que pode ser verificada com clare-za em dois momentos distintos: a) em sua atividade administra-tiva de gerenciamento dos interesses estatais, que consiste no exercício de prerrogativas como as manifestadas pelo poder de polícia administrativa, a prática de atividades de fomento ou a prestação de serviços públicos, e; b) no uso de seu poder regulamentar, quando da edição de decretos, portarias, instru-ções, circulares, entre outros.

Além disso, o Poder Executivo legisla, quando edita me-didas provisórias e leis delegadas, e julga, quando aprecia os processos administrativos.

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7.3.1. Recusa a cumprir leis ou atos normativos reputados inconstitucionais

Tema que desperta grande polêmica é o da possibilidade de descumprimento de normas reputadas inconstitucionais. Se-ria lícito a Administração Pública deixar de cumprir normas con-sideradas inconstitucionais, ou a presunção relativa de consti-tucionalidade das leis obrigaria ao cumprimento?

O entendimento da grande maioria da dogmática constitu-cionalista pátria é pela possibilidade do descumprimento das normas reputadas inconstitucionais, como forma de prestigiar-se a própria supremacia da Constituição.

É esse o entendimento esposado por juristas do quilate de Carlos Maximiliano74, Francisco Campos75, José Celso de Mello Filho que cita, ainda, Caio Tácito, José Frederico Marques, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Orlando Miranda de Aragão e Themístocles Brandão Cavalcanti76, Pontes de Miranda77, entre outros.

Nesse mesmo diapasão, merecem transcrição as lições de Miguel Reale, para quem, “se o próprio particular pode recusar cumprimento a uma determinação legal eivada de inconstitucionalidade, sujeitando-se às conseqüências des-se seu entendimento, afigura-se-me incompreensível que se persevere em recusar-se ao Governo igual prerrogativa, má-xime em se tratando do exercício de um dos três poderes do Estado”.

74 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1918. p. 252.

75 CAMPOS, Francisco. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. v. 1. p. 443.

76 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 346.

77 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. t. III. p. 624.

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À guisa de arremate, lembremos as lições do saudoso Hely Lopes Meirelles, que em seu Direito Municipal brasileiro, tocou no ponto crucial: “Os Estados de Direito, como o nosso, são dominados pelo princípio da legalidade. Isto significa que a Ad-ministração e os administrados só se subordinam à vontade da lei corretamente elaborada. Ora, as leis inconstitucionais não são normas jurídicas atendíveis, pela evidente razão de que colidem com mandamento de uma lei superior, que é a Constituição. Entre o mandamento da lei ordinária e o da Cons-tituição deve ser atendido o desta, e não o daquela, que lhe é subordinada. Quem descumpre lei inconstitucional não co-mete ilegalidade, porque está cumprindo a Constituição”78 (grifos nossos).

Contrariando a tese de que a Administração Pública pode deixar de cumprir leis que reputa inconstitucionais, erguem-se vozes como as de Celso Antônio Bandeira de Mello, Zeno Velo-so e do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

Segundo Bandeira de Mello, o problema passaria pelo ha-bitual desrespeito ao ordenamento jurídico que vem pautando as atividades do Poder Executivo ao longo dos tempos, aliado ao silêncio conivente dos outros dois Poderes. Em suas duras palavras, “o Executivo, no Brasil, abomina a legalidade e tem o costumeiro hábito de afrontá-la, sem ser nisto cortado, como devido”79.

Para Gilmar Ferreira Mendes, a Constituição Federal de 1988 teria ampliado consideravelmente o rol dos legitimados para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade, nele tendo sido incluídos os Chefes dos Executivos federal e estadual, razão pela qual restaria difícil justificar o descumpri-mento de leis sob o argumento da inconstitucionalidade, deven-

78 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 538.

79 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 175.

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do o Chefe do Executivo, caso assim entenda, desencadear o processo de controle perante o Poder Judiciário80.

Zeno Veloso – cujo trabalho orientou a elaboração dessas considerações – entende que “permitir que este Poder, ex pro-pria auctoritate, cancele a eficácia de norma jurídica, porque a reputa contrária à Constituição, é consagrar tese perigosíssi-ma, que pode pôr em risco a Democracia, num país em desen-volvimento como o nosso, com tantas e tão graves limitações e carências, com uma vocação histórica – e até o momento incontrolável – para o autoritarismo, com um Executivo verda-deiramente formidável e imperial, significando o princípio da di-visão de poderes quase uma letra morta no Texto Magno”.

E conclui, afirmando haver exagero na concepção de que a lei inconstitucional é simplesmente nula, e que “não se deve sinonimizar inconstitucionalidade e nulidade. Em nosso siste-ma, a inconstitucionalidade, em regra, determina ou acarreta a nulidade. A inconstitucionalidade é prius, do qual resulta a nuli-dade. A conseqüência – nulidade – é um corretivo que o dogma da supremacia constitucional exige, diante de uma violação da Carta Magna, que precisa ser declarada judicialmente. E a Lei 9.868/99 veio trazer importantes inovações nesta matéria”81.

Em que pesem os argumentos de Zeno Veloso, não podemos concordar com suas afirmações. A norma inconstitucional é, mais do que nula, absolutamente inexistente – e as inovações trazidas pelas novas leis que tratam do controle abstrato de constituciona-lidade, inconstitucionais – pelas razões que teremos a oportuni-dade de demonstrar no próximo capítulo, quando analisaremos o problema da validade das normas jurídicas e os efeitos temporais das decisões no controle concentrado de constitucionalidade.

80 MENDES, Gilmar Ferreira. O poder executivo e o poder legislativo no controle de constitucionalidade. Revista arquivos do Ministério da Justiça. jul. a dez., 1995.

81 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. pp. 322-4.

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Resta salientar que o Supremo Tribunal Federal e o Supe-rior Tribunal de Justiça, mesmo após a entrada em vigência da Constituição Federal de 1988, continuam a admitir a possibili-dade de o Chefe do Executivo determinar o descumprimento de normas reputadas inconstitucionais.

Mais do que isso, podemos afirmar que tal prerrogativa não se manifesta como exclusiva do Chefe do Poder Executivo, mas de quaisquer dos “poderes” da Federação, apresentando-se lí-cito, portanto, que o Chefe do Poder Legislativo – o Presidente do Congresso Nacional, na órbita federal – e do Poder Judiciário – como, v.g., o Presidente do Supremo Tribunal Federal – possam determinar o descumprimento de norma tida por inconstitucio-nal, o que fazem na qualidade de autoridade máxima da ativi-dade administrativa realizada por esses órgãos.

Para finalizar o assunto, emprestamos mais uma vez as pa-lavras de Celso Ribeiro Bastos que, com sua habitual proprieda-de, resume o assunto, e a nossa opinião, que com a dele se co-aduna, ressalvando-se, como vimos, a ampliação das hipóteses de descumprimento para os demais “poderes”. Ouçamo-lo:

“No Brasil, a tese de que o Poder Executivo pode dei-xar de aplicar a lei que seja inconstitucional recebe o aval da maioria da doutrina. Ademais, é a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que aponta nesse sentido. Prevale-ce, contudo, o entendimento de que, por se tratar de uma me-dida grave, a suspensão do cumprimento de lei só poderá ser determinada pelo Chefe do Poder Executivo, e não por qual-quer funcionário. Além disso, espera-se que a decisão seja suficientemente motivada, pois configura inclusive crime de responsabilidade do Presidente da República, ou dos demais chefes do Executivo, os atos que atentem contra o cumpri-mento de leis (art. 85, VII, da Constituição Federal)”82.

82 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 73.

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7.4. Interpretação doutrinária

A interpretação doutrinária é realizada por todos aqueles que escrevem cientificamente sobre o Direito, elaborando hipóte-ses, pressupondo casos ou refletindo sobre outros já ocorridos.

Se, conforme mencionamos acima, a interpretação promo-vida pelo Poder Judiciário é a que apresenta a maior importân-cia prática, por ser ele o órgão constitucionalmente incumbido de dizer o Direito de forma definitiva, cremos que a interpreta-ção doutrinária seja a mais importante do ponto de vista teó-rico, em virtude de ser realizada pelo Cientista do Direito que, amparado nos ensinamentos advindos da Teoria Geral do Di-reito e da Lógica Jurídica, possui o cabedal de conhecimentos necessários para formular as proposições jurídicas, demons-trando o modo como se articulam e o modo de funcionamento das normas jurídicas, conforme demonstramos no início desta obra, ao diferenciarmos o direito constitucional positivo da Ci-ência do Direito Constitucional.

Por certo, a interpretação realizada pelo cientista do Direi-to possuirá maior força moral e persuasiva perante os demais aplicadores da Constituição, quanto mais seus ensinamentos vierem ao encontro da realidade normatizada, aclarando e des-trinchando os comandos legislados.

7.5. Fontes interpretativas genéricas: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição

Para alguns autores, os agentes da interpretação constitu-cional não se restringem àqueles citados nos tópicos acima. Na realidade, como já dissemos neste capítulo, a Constituição é a lei suprema de uma sociedade, influenciando, diretamente, na vida de todos nós, razão pela qual ganha importância a doutri-na que defende que todos interpretam a Constituição.

Essa tese foi defendida por Peter Häberle, em sua obra de-nominada Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos

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intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição.

Segundo essa concepção acadêmica, a teoria da inter-pretação constitucional sempre esteve ligada a uma “socieda-de fechada” de intérpretes, relacionada aos agentes estatais. Häberle propõe, então, uma democratização desse rol de in-térpretes, na medida em que “no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os ór-gãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cer-rado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Consti-tuição”. E conclui: “Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a so-ciedade”83.

Celso Ribeiro Bastos, em seu já clássico Hermenêutica e interpretação constitucional, nos dá notícia do início do desen-volvimento dessa teoria, ao lembrar que “em outro trabalho, já havia anotado Häberle que não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada (Es gibt Keine Rechtsnormen es gibt nur interpretierte Rechtsnormen), ressaltando que interpre-tar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública”84.

Atualmente, a tese defendida por Häberle tem a simpatia da quase unanimidade da dogmática constitucionalista mundial, inclusive daqueles que, embora a defendam, apresentam-se fa-voráveis à ampliação do controle concentrado de constitucionali-dade das leis e atos normativos. Com a devida vênia dos insignes juristas que pensam dessa forma, isso se apresenta como um

83 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação plu-ralista e ‘procedimental’ da Constituição. Trad.: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997. p. 13.

84 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 76.

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contra-senso, porque não existe nada que contrarie mais a teoria do jurista alemão do que a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, unilateralmente, decidir sobre a constitucionalidade das leis e atos normativos, decisão que se estenderá a toda a socie-dade, com efeitos erga omnes e, mais do que isso, vinculante, obrigando os demais juízes, tribunais e, até mesmo, as Adminis-trações Públicas federal, estadual e municipal, conforme teremos a oportunidade de demonstrar no próximo capítulo.

Em nosso entendimento, a teoria defendida por Häberle possui um caráter extremamente político, que ele próprio admite, quando em seu catálogo provisório dos intérpretes da Constituição relaciona os grupos de pressão organizados, os requerentes ou partes nos procedimentos administrativos de caráter participativo e a opinião pública democrática e plura-lista, que manifesta-se, principalmente, pela mídia (jornais, rá-dio, televisão)85.

Tal posicionamento, assim, não se coaduna com nossa concepção filosófica, eleita desde o primeiro capítulo desta obra, quando ilustramos ser o Direito uma ciência autônoma, com método e objetos próprios, nos termos demonstrados por Hans Kelsen. O enfoque exclusivamente dogmático deste nosso tra-balho, decorrência lógica do corte epistemológico por nós rea-lizado, manifesta-se – esperamos – com clareza, quando apre-sentamos as características da Ciência do Direito stricto sensu, quando versamos sobre a importância do respeito à Teoria Geral do Direito e à Lógica Jurídica, quando tratamos do problema da validade das normas jurídicas dentro do capítulo dedicado ao estudo do controle de constitucionalidade e, notadamente, quando neste mesmo capítulo, elaboramos as distinções entre o texto de direito positivo, a norma jurídica e sua interpretação,

85 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação plu-ralista e ‘procedimental’ da Constituição. Trad.: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997. pp. 22-3.

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bem como quando analisamos o problema da eficácia das nor-mas constitucionais.

Destarte, resta-nos evidente que a atividade hermenêutica é tarefa árdua e cognoscitiva, que exige conhecimentos pro-fundos que só o jurista possui, a partir de noções advindas da Teoria Geral do Direito e da Lógica Jurídica. Não há dúvidas de que toda a sociedade pretende interpretar a Constituição, e o faz quando, por exemplo, um sindicato deflagra uma greve com base no que está disposto no art. 9º da Constituição da República; o que não se pode, porém, é atribuir cunho de cien-tificidade a essa atividade.

Nossas críticas à teoria defendida por Häberle podem ser amenizadas caso ela seja entendida dentro de seu contexto, qual seja, o da sociedade alemã, por pressupor a existência de uma democracia consolidada. Aliás, não é só nesse aspecto que o Brasil vive uma verdadeira febre de aplicação de teorias jurídicas alemãs, desprovidas de qualquer embasamento sociológico86.

Nesse diapasão também são as palavras de Paulo Bonavides, para quem “o método concretista de ‘Constituição aberta’ de-manda para uma eficaz aplicação, a presença de sólido con-senso democrático, base social estável, pressupostos institu-cionais firmes, cultura política bastante ampliada e desenvolvi-da, fatores sem dúvida difíceis de achar nos sistemas políticos e sociais de nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, circunstância essa importantíssima, porquanto logo invalida como terapêutica das crises aquela metodologia cuja flexibili-dade engana à primeira vista”87.

86 É importante ressaltar que a referência à falta de um embasamento sociológico não invalida nosso enfoque dogmático, porque os fatos e os valores, além do texto de Direito positivo, são indispensáveis para a construção da norma jurídica, conforme demonstramos no início deste capítulo.

87 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 472.

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Com a devida vênia dos constitucionalistas pátrios que de-fendem a aplicabilidade da teoria de Häberle, entendemos que a afirmação de que o povo deva participar da tarefa de inter-pretação constitucional em um país com condições sociais tão adversas, como o nosso, é uma visão, se não irresponsável, no mínimo romântica. Afirmar que a mídia ou grupos de pressão organizados possam contribuir para o processo hermenêutico significa admitir a possibilidade de distorção do Texto Supremo para lhe conferir um sentido que, verdadeiramente, não possui.

Por conseguinte, não seria mais prudente afirmar-se que o povo, detentor do poder constituinte e legiferante, deva par-ticipar mais ativamente do processo de elaboração da Consti-tuição e das leis, e não de sua interpretação, que é atividade que exige o profundo conhecimento dos instrumentais herme-nêuticos?

Assim, pensamos que a teoria desenvolvida por Peter Häberle dá um caráter extremamente político a um problema jurídico: o de sistematização e aplicação normativa. Ninguém nega que o povo deva participar ativamente do processo de elaboração do direito, pois é este o fundamento de um Es-tado Democrático. Porém, o fortalecimento da Democracia pressupõe segurança jurídica, que reside na correta aplica-ção da norma, como instrumento último de vontade popular.

Por essa razão, afirmar-se que o povo possa participar ativamente do processo de aplicação do direito, embora seja mais simpático do que a visão que ora apresentamos, parece-nos demagógico.

8. APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO TEMPO

As normas jurídicas são produzidas com vista à sua aplica-ção, vale dizer, voltadas à produção de efeitos concretos. Não poderia ser diferente às normas constitucionais.

Todavia, a aplicação das normas constitucionais no tempo não é determinada pela Lei de Introdução ao Código Civil, mas

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tem início, salvo disposição em contrário, com a publicação do Texto Constitucional.

Isso porque a elaboração de um novo Texto Supremo, com a conseqüente quebra da ordem anteriormente estabelecida – característica do surgimento do poder constituinte originário – denota claramente a insatisfação da sociedade com o Diplo-ma normativo anterior, impossibilitando a continuidade de pro-dução de seus efeitos.

Todavia, é possível pensar-se na existência de uma vaca-tio constitutionis quando a Constituição Federal expressamente determinar, como fez a Carta de 1967 que, outorgada em 24 de janeiro de 1967, iniciou vigência em 15 de março do mesmo ano88.

8.1. Recepção

Elaborada uma nova ordem constitucional, com vista à substituição de um ordenamento jurídico pretérito, surgem al-gumas questões que devem ser enfrentadas pelos estudiosos do Direito constitucional, para que seja possível delinear-se o novo contorno que o ordenamento jurídico pátrio, a partir de então, assumirá.

A primeira dessas questões diz respeito ao problema da validade das normas infraconstitucionais vigentes sob a égide da norma constitucional pretérita. E a dúvida que surge é a se-guinte: elaborado um novo ordenamento jurídico que, por-tanto, terá a inicialidade como seu aspecto fundamental, como ficam as normas infraconstitucionais, promulgadas sob a égide da Constituição anterior?

A resposta mais apressada poderia ser no sentido de que, elaborado um novo ordenamento jurídico, todas as nor-mas infraconstitucionais deveriam ser elaboradas novamente,

88 PINHO, Rodrigo César Rabello. Teoria geral da Constituição e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 29.

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com vista à sua adequação à nova realidade que surge, até pela característica de inicialidade do Texto Constitucional. To-davia, admitir essa tese seria dizer que, promulgada a nova Constituição, ficaríamos sem leis e códigos. Poderíamos, en-tão, matar alguém, porque “não há crime sem lei anterior que o defina”?

Por vezes, ainda, as normas infraconstitucionais anteriores não se incompatibilizam com a Constituição nova, razão pela qual tal procedimento – além de demandar tempo excessivo e onerosidade aos cofres públicos – se limitaria a reproduzir normas já existentes.

Para se enfrentar esse problema, surgiu o instituto da re-cepção constitucional. Por ele, nas palavras de Michel Temer, “a Constituição nova recebe a ordem normativa que surgiu sob o império de Constituições anteriores se com ela forem compa-tíveis. É o fenômeno da recepção, que se destina a dar conti-nuidade às relações sociais sem necessidade de nova, custosa, difícil e quase impossível manifestação legislativa ordinária.

Ressalte-se, porém, que a nova ordem constitucional recep-ciona os instrumentos normativos anteriores, dando-lhes novo fundamento de validade e, muitas vezes, nova roupagem”89.

Assim, podemos afirmar que a nova Constituição recepcio-na as matérias infraconstitucionais do sistema anterior, e não a forma por elas adotada. É o que ocorreu com o Código Tributário Nacional que, sendo um Decreto-lei (equivalente, portanto, à lei ordinária) foi recepcionado com status de lei complementar.

8.2. Repristinação

Outro problema que se apresenta é o de sabermos se a or-dem infraconstitucional incompatível com a ordem jurídica que está sendo no momento revogada, e que, agora, não mais se

89 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 38.

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apresenta incompatível com a nova ordem que surge, seria au-tomaticamente restaurada pela edição do novo texto. Estamos certos que não.

Uma vez revogada uma norma jurídica, de cunho cons-titucional ou infraconstitucional, ela jamais se restaurará pela extinção da norma revogadora, salvo disposição expressa em contrário. Nesse sentido, é a redação do parágrafo 3º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, ao prescrever que “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. O mesmo ocorre no Direito Constitucional.

Admitir a repristinação de normas jurídicas seria o mesmo que, mal comparando, afirmar que a morte do assassino traria a vítima de volta à vida.

Michel Temer assevera que “a legislação infraconstitucio-nal que perdeu sua eficácia diante de um texto constitucional não se restaura pelo surgimento de nova Constituição. Essa restauração de eficácia é categorizável como repristinação, inadmitida em nome do princípio da segurança e da estabi-lidade das relações sociais. O permanente fluxo e refluxo da legislação geraria dificuldades insuperáveis ao aplicador da lei, circunstância não desejada pelo constituinte”90 (grifos nossos).

Atualmente, contudo, ganha força a tese de que a decla-ração de inconstitucionalidade de uma lei traria de volta ao sis-tema jurídico a norma anterior, por ela revogada. Esse posicio-namento, que traz implícita a idéia de nulidade da lei ou ato normativo inconstitucional, vem sendo esposado por parte da doutrina constitucionalista e corroborado pelo Supremo Tribunal Federal91.

90 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 38.

91 Neste sentido, ver decisão prolatada pelo Ministro Celso de Mello, quan-do do julgamento de pedido de medida cautelar, ajuizado na Ação direta de inconstitucionalidade nº 2215-PE.

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123Hermenêutica Constitucional

Todavia, nossa concepção acerca da natureza ontológica da norma inconstitucional não se coaduna com esse entendi-mento. Para nós, a lei inconstitucional não é nula, mas simples-mente inexistente, não tendo o condão de ingressar no siste-ma jurídico e, conseqüentemente, de revogar a norma anterior válida. Daí que a declaração de inconstitucionalidade não trará de volta a primeira norma pois, se a suposta norma revogadora não ingressou no sistema, a que estaria sendo revogada tam-bém não saiu92.

8.3. Desconstitucionalização

Finalmente, analisaremos a hipótese de desconstitucio-nalização das normas da Constituição pretérita. Alguns auto-res sustentam que, produzido o novo Texto Constitucional, as normas que faziam parte da Carta anterior, passariam, automa-ticamente, a integrar o novo sistema jurídico, porém não mais como normas constitucionais, mas infraconstitucionais.

Cremos que tal tese não procede, na medida em que não existe qualquer razão de cunho lógico que justifique a adoção de tal remédio, mesmo porque, se aquela Constituição está sendo posta em derrocada, é sinal de que suas normas já não são mais capazes de regular a nova realidade, razão pela qual não há motivo para que continuem a existir.

Entretanto, caso o legislador constituinte verifique a perti-nencialidade de se manter alguma das normas da Constituição revogada, deverá adotar uma destas três soluções: a) incluí-la no novo Texto que está sendo elaborado, como fez, na nova Carta Política, com os institutos da divisão dos poderes, do federalismo, do habeas corpus e do mandado de segurança, entre outros; b) editar uma lei ordinária que passe a tratar da

92 Para nosso posicionamento detalhados sobre o tema ver Capítulo V, des-tinado ao Controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, item número 2.

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matéria, depois de promulgada a nova Constituição; c) deter-minar, expressamente, que as normas da Carta anterior, que não contrariem a nova, ingressam na atual ordem jurídica com status de lei ordinária.

Alguém, então, poderia nos questionar: essa terceira solu-ção não estaria a configurar hipótese de desconstitucionaliza-ção? E a resposta seria: absolutamente não.

Desconstitucionalização, como se vê na dogmática cons-titucional mundial, é um fenômeno que ocorre automaticamen-te, independentemente de qualquer referência expressa, como se vê no instituto da recepção que, mesmo sem determinação constitucional, é admitida pela unanimidade da dogmática cons-titucionalista. Até porque, se o Poder constituinte originário é ini-cial, autônomo e, principalmente, ilimitado, podendo dispor sobre todos os assuntos, com maior razão pode determinar que tais dispositivos da Constituição anterior continuem vigentes.

O mesmo ocorre com o Poder constituinte decorrente: a Constituição do Estado de São Paulo de 1967, em seu art. 147, previa que continuavam vigentes as normas da Constituição de 9 de julho de 1947 que não a contrariassem.

9. APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO ESPAÇO

As normas jurídicas – entre elas as constitucionais – são elaboradas para possuir vigência em um determinado espaço, sendo que, além dele, perdem a aplicabilidade. Fundamental-mente, as normas de um Estado são aplicáveis dentro de seu território. Destarte, a tudo o que aconteça em seu território e nos desdobramentos deste, como, v.g., no mar territorial e no espaço aéreo de um país, aplica-se a lei nacional.

Hoje, porém, a aplicação das normas constitucionais no espaço não se procede, unicamente, mediante a observação de normas do sistema pátrio.

Já vem de muito – propriamente da Idade Média – a noção de que as relações jurídicas, por vezes, ganham uma complexi-

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dade maior, pelo fato de envolverem, nesta relação, um ou mais elementos provindos de outro sistema jurídico.

Atualmente isso tornou-se muito mais complexo, na medida em que são muito mais intrincadas as espécies de interseção de uma ordem jurídica com outra, por força de relações ou de atos e de contratos editados com elementos de conexão com outras soberanias. É imperioso que a resolução dessas questões não se dê mediante o arbítrio, mas procedendo como os Estados hoje fazem: obedecendo a algumas normas que eles mesmos editam, fixando critérios para determinar qual a lei aplicável em determinado ato ou contrato.

Embora os Estados estejam abertos à lei estrangeira, permi-tindo que leis alienígenas disciplinem atos que, mesmo em parte, passaram-se em seu território, em um espírito de cooperação in-ternacional, em um intercâmbio de aplicação das leis e de valida-de das mesmas, não se pode negar que isso é sempre feito pela autoridade ou pela soberania do próprio Estado que a pratica.

Dessa forma, se este resolver não aceitar a aplicação de qualquer lei em seu território, a conseqüência que poderá re-sultar é a retaliação dos outros Estados, que também não re-conhecerão a sua lei como passível de aplicação ou, em casos extremos, a guerra.

Assim é que, por vantagens recíprocas, os Estados adotam essa postura de colaboração, que nada mais significa que uma tentativa de facilitar o funcionamento da ordem jurídica. Mas eles não podem ficar descobertos contra a infiltração de princípios e costumes visceralmente contrários à sua realidade cultural.

Tomemos como exemplo a poligamia, que não representa uma simples ilegalidade, mas algo que ofende a própria cultura brasileira. Por essa razão, não se pode ver uma relação poli-gâmica prevalecer no país, ainda que venha sob o manto da aplicação do direito estrangeiro.

Assim, todas as decisões estrangeiras, para terem força no Brasil, dependem de uma homologação, agora pelo Superior Tribunal de Justiça que, antes de concedê-la, não examina o

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mérito da questão, mas apenas investiga a existência de ele-mentos contrários à nossa cultura. Isso ocorrendo, o STJ nega-rá o exequator, é dizer, a autorização para essa sentença ser aplicada no Brasil.

Portanto, esse intercâmbio de leis, essa multiplicação de normas que podem incidir sobre o mesmo ato jurídico, não fi-cam totalmente ao sabor das vicissitudes de cada caso. Há mo-mentos em que a ordem jurídica tem de se defender, porque aquilo que poderá restar ofendido vai além da mera ordem jurí-dica, para atacar a própria alma do sistema.

10. INTEGRAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Um tema de grande importância é o da integração das normas constitucionais. Quando estudamos os conceitos e classificações das constituições, vimos que estas são, em re-gra, sintéticas, ao contrário da nossa, que apresenta-se analíti-ca – e excessivamente analítica – pretendendo representar um apanhado de normas de grande abstração.

Esse caráter reduzido de normas encontradas no bojo da maioria das constituições mundiais vai demandar um preenchi-mento dos vazios, ou dos claros deixados pela Lei Maior. Tra-tam-se das lacunas constitucionais, que a atividade posterior procurará desfazer.

Embora a lacuna constitucional não seja tão freqüente como a das leis – e o tema seja polêmico, sendo que alguns autores chegam a negar que possam existir lacunas na Cons-tituição, porque, segundo eles, todo vazio constitucional signi-ficaria uma transferência de competência para a lei ordinária – em alguns casos, contudo, somos forçados a reconhecer que a Constituição deu lugar a uma lacuna.

Os recursos disponíveis para comatar essas lacunas têm-se resumido à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito, que vêm sendo repetidos em vários diplomas jurídicos, in-cluindo-se o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916.

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A dogmática constitucionalista pátria entende que o tema da integração não se confunde com o da interpretação jurí-dica. Afirmam tratar-se de realidades que, embora parecidas, pois voltadas a se obter o conteúdo do Direito Constitucional local, possuem características diversas.

Segundo Celso Ribeiro Bastos, “a interpretação transcorre den-tro do âmbito normativo, vale dizer: trata-se de extrair a significação de preceito normativo diante de uma hipótese por ele regulada.

Já com relação à integração, a preocupação é encontrar uma solução normativa para uma hipótese que não se encontra regulada pela Lei Fundamental.

Há uma nítida co-relação entre a idéia de lacuna norma-tivo-constitucional e a de incompletude, entendendo-se esta como aquele vazio que nos causa uma insatisfação”93.

Com a devida vênia do professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cremos que a integração constitucio-nal deve ser tida como um dos mecanismos de interpretação constitucional. Isso porque defendemos que a interpretação jurídica é a reconstrução do conteúdo da norma, visando deixar-se a abstração da norma para chegar-se a um coman-do individual e concreto. Pressupõe-se, pois, um fato social real ou imaginário.

Quando se fala em lacuna constitucional, se está, na realidade, referindo-se à ausência do texto de direito posi-tivo (suporte físico de significação), e não da norma jurídi-ca (juízo implicacional construído a partir do texto de direito positivo).

Destarte, na tarefa de interpretação jurídica, já se está diante da subsunção do conceito da norma – construída me-diante o uso da analogia, dos costumes e dos Princípios Gerais do Direito – ao conceito do fato.

93 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 71.

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Capítulo V

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E ATOS NORMATIVOS

1. INTRODUÇÃO

O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos consiste no conjunto de ações e caminhos pelos quais a Constitui-ção permite o controle do exercício do Poder Constituinte derivado e da elaboração do ordenamento infraconstitucional. São meios ofertados pela Carta Magna para garantir sua própria suprema-cia, o que se manifesta em não se admitir que leis ou atos nor-mativos que a contrariem possam produzir efeitos.

Isso porque, sendo a Constituição a suprema das normas, ela não pode ser subvertida por mandamentos legais inferiores. Assim, toda vez que isso ocorre, desencadeia-se um mecanismo que visa expelir os efeitos materiais desta lei do ordenamento jurídico, ao fim do processo. A esse procedimento, denomina-se “controle de constitucionalidade”.

A idéia da supremacia da Constituição foi desenvolvida e mundializada por Hans Kelsen, muito embora o primeiro reco-nhecimento significativo de tal superioridade tenha acontecido por meio da jurisprudência americana, conforme se verá no próximo subtítulo.

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O instituto foi introduzido em nosso direito positivo em 1891, vindo, a partir de então, gradativamente aperfeiçoando-se e acrescentando novos métodos ou modalidades de controle, de sorte que pode-se afirmar que o Brasil possui, atualmente, um dos mais ricos sistemas de controle de constitucionalidade, tais são os caminhos pelos quais a inconstitucionalidade das leis pode ser atacada.

Isso porque o direito positivo brasileiro uniu os dois gran-des sistemas de controle de constitucionalidade existentes no mundo, que são o americano (sistema difuso) e o europeu (sistema concentrado).

É importante ressaltar, ainda, que a existência de um con-trole de constitucionalidade de leis só encontra razão de ser nos ordenamentos jurídicos firmados por constituições rígidas ou semi-rígidas, porque nos demais (compostos por constituições flexíveis), o poder reformador confunde-se com o próprio pro-cedimento utilizado para a elaboração das leis ordinárias, não havendo distinção formal entre normas constitucionais e infra-constitucionais.

1.1. Origem histórica

O controle da constitucionalidade das leis aparece, mun-dialmente, em 1803, logo depois de aprovada a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, em um caso que ficou mundialmente famoso e ganhou o nome de Marbury X Madison, no qual a Suprema Corte americana se viu confron-tada com o seguinte desafio: aplicar a Constituição e com isso fazer justiça ao caso (porque a lei era contrária à Constituição) ou aplicar a lei, cometendo, na verdade, um atentado à própria Constituição formal.

Todo o problema surgiu em razão da inexistência de previ-são desse controle na Carta de 1787. O caso então foi encami-nhado ao juiz John Marshall que, em uma belíssima exposição, demonstrou que decretar a inconstitucionalidade de uma lei es-

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tava ínsito à própria função jurisdicional, sendo desnecessária a existência de determinação expressa neste sentido, na me-dida em que o controle apresenta-se inerente ao exercício da jurisdição94.

Em outras palavras: aplica-se a lei segundo a hierarquia que ela possui no ordenamento jurídico. Se – como era o caso – existe um comando constitucional que está sendo con-trariado por norma infralegal, há que se aplicá-lo, retirando-se do ordenamento jurídico os efeitos da lei que a afrontava.

Também neste sentido são as lições de Hans Kelsen, de-senvolvidas mais de 130 anos depois95, para quem as normas jurídicas possuem validade quando buscam legitimidade nas normas situadas em posição hierarquicamente superior, bem como quando possuem um mínimo de eficácia.

94 Eis uma das principais passagens dessa memorável decisão: “Ou havemos de admitir que a Constituição anula qualquer medida legis-lativa, que a contrarie, ou anuir que a legislatura possa alterar a Constitui-ção por medidas ordinárias. Não há por onde se contestar o dilema. Entre as duas alternativas não se descobre meio-termo. Ou a Constituição é uma lei superior, soberana, irreformável mediante processos comuns, ou se nivela com os atos da legislação usual, e, como estes, é reformável à vontade da legislatura. Se a primeira é verdadeira, então o ato legislativo contrário à Constituição não será lei; se é verdadeira a segunda, então as Constituições escritas são esforços inúteis do povo para limitar um poder pela sua própria natureza ilimitável. Ora, com certeza, todos os que têm formulado Constituições escritas, sempre o fizeram no objetivo de determinar a lei fundamental e suprema da nação; e conseqüente-mente, a teoria de tais governos deve ser a da nulidade de qualquer ato da legislatura ofensivo à Constituição. Esta doutrina está essencialmente ligada às Constituições escritas, e, assim, deve-se observar como um dos princípios fundamentais de nossa sociedade”.

Cf.: The Writings of John Marshall, late Chief-Justice of the United States, upon the Federal Constitution, Boston, 1939.

95 A primeira edição de sua obra foi tirada à lume em 1934, na Alemanha, publicada sob o título Einleitung in die rechstswissenschaftliche Proble-matik (Introdução à problemática científica do direito); depois veio a pri-meira edição da Teoria Pura do Direito, em 1940, e a segunda, reformu-lada e ampliada, publicada em 1960.

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Este é o fundamento da famosa pirâmide kelseniana. Consiste em uma cadeia normativa, na qual as normas su-periores servem de fundamento de validade para as inferio-res. Assim, v.g., uma sentença apenas será válida se não confrontar a lei ordinária em vigor, e assim sucessivamente, até se chegar à norma máxima de um Estado, que é a Cons-tituição.

Portanto, a mais importante norma de um sistema jurídi-co é a Constituição, que ocupa o ápice da pirâmide normativa, razão pela qual pode-se afirmar que é dela que todas as demais normas do ordenamento retiram seu fundamento de validade.

Paulo Dourado de Gusmão ensina que, “nessa concepção do direito estratificado em pisos, a validade de uma norma depende de ela estar inserida em uma ordem jurídica válida, e nada mais. A validade das normas de grau imediatamente inferior decorre da validade da norma situada no plano imedia-tamente superior e assim, sucessivamente, até a norma supre-ma”96 (grifos no original).

2. INEXISTÊNCIA DA NORMA INCONSTITUCIONAL: PRESSUPOSTO PARA O CONTROLE DE CONSTI-TUCIONALIDADE

Validade, segundo os ensinamentos do mestre Paulo de Barros Carvalho, é a relação de pertinencialidade que uma norma jurídica mantém com o sistema jurídico no qual está inserida. Assim, afirmar que uma norma jurídica é válida, é o mesmo que dizer que esta faz parte de um determinado sis-tema legal97.

96 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1995. pp. 417-8.

97 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 50.

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Isto porque a lógica das normas não se compatibiliza com os valores “verdadeiro ou falso”. Tais valores se aplicam à Ciên-cia do Direito. Para o direito positivo, trabalhamos com o binô-mio “validade ou invalidade”. Não seria coerente com a lógica deôntica afirmar que uma norma jurídica é “verdadeira ou não”. Ela, simplesmente, existe ou não existe.

Esta afirmação decorre do princípio – agora da lógica clássi-ca – do meio-excluído, segundo o qual não é dado a um mesmo objeto possuir duas naturezas distintas simultaneamente. Assim, uma senhora encontra-se esperando um bebê ou não; uma pes-soa é honesta ou não; não existem, pois, o “meio honesto” ou a “meio grávida”. Do mesmo modo, ou as normas jurídicas exis-tem, e são válidas, ou não existem, sendo inválidas.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, esclarece-nos que, “para a dogmática jurídica, para que se reconheça a validade de uma norma, é preciso, em princípio e de início, que a norma esteja integrada no ordenamento. Exige-se, pois, que seja cumprido o processo de formação ou produção normativa, em conformi-dade com os requisitos do próprio ordenamento. Cumprido este processo, temos uma norma válida” (grifos no original)98.

Muito se discute sobre a natureza ontológica da norma jurídica inválida. Seria ela nula, anulável, ou, simplesmente, inexistente? A eleição dessa premissa trará importantes con-seqüências para o estudo do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, notadamente no que se refere aos efeitos produzidos pela declaração de inconstitucionalidade.

Francisco Campos e Thomas Cooley defendem que a lei inconstitucional é absolutamente inexistente. Nesse sentido são as palavras do primeiro, para quem “um ato ou uma lei inconstitucional é um ato ou uma lei inexistente; uma lei incons-titucional é lei apenas aparentemente, pois que, de fato ou na

98 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 196.

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realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou é para o Direito como se nunca houvesse existido”99.

No mesmo diapasão, o professor da Universidade de Mi-chigan afirma que uma lei inconstitucional “é meramente uma fútil tentativa para estabelecer uma lei”100.

Para Hans Kelsen, a “validade de uma norma é a sua es-pecífica existência ideal. O fato de que uma norma ‘seja válida’ significa que existe. Uma norma que não seja válida não é uma norma, por não ser uma norma que existe”101.

Assim, a norma inválida simplesmente não existe, jamais tendo ingressado no ordenamento jurídico. É de se ressaltar, contudo, que os requisitos atribuídos por Kelsen para caracteri-zar a validade de uma norma jurídica diferem daqueles aponta-dos por nós no subtítulo subseqüente. Para o Mestre de Viena, uma norma será válida quando: a) for editada por autoridade competente, ainda que não se compatibilize com o comando normativo que lhe é hierarquicamente superior; b) possua um mínimo de eficácia; c) exista eficácia global da ordem jurídica a que pertence102.

Advogando a tese de nulidade da norma inconstitucio-nal e a conseqüente repristinação da lei anterior, Clèmerson Merlin Clève afirma: “Porque o ato inconstitucional, no Brasil, é nulo (e não, simplesmente, anulável), a decisão judicial que

99 CAMPOS, Francisco. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. v. 1. p. 430.

100 COOLEY, Thomas. Princípios gerais de direito constitucional dos Estados Unidos da América do Norte apud VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 60.

101 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução de José Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris, 1996. p. 54.

102 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 39.

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assim o declara produz efeitos repristinatórios. Sendo nulo, do ato inconstitucional não decorre eficácia derrogatória das leis anteriores. A decisão judicial que decreta (rectius, que declara) a inconstitucionalidade atinge todos os ‘possíveis efeitos que uma lei constitucional é capaz de gerar’, inclusive a cláusula expressa ou implícita de revogação. Sendo nula a lei declara-da inconstitucional, diz o Ministro Moreira Alves, ‘permanece vigente a legislação anterior a ela e que teria sido revogada não houvesse a nulidade’”103.

Com a devida vênia, cremos que o reconhecimento da na-tureza declaratória da decisão judicial de inconstitucionalidade só pode levar à conclusão da inexistência da lei inconstitucio-nal. E, mais ainda, se em razão dessa nulidade conclui-se que “do ato inconstitucional não decorre eficácia derrogatória das leis anteriores”, só podemos concluir, também, pela inocorrên-cia de repristinação. Ora, como é possível que volte ao sistema jurídico uma lei que nunca o deixou, em virtude da lei incons-titucional que a revogaria não o ter feito, por não haver sequer ingressado no ordenamento jurídico?

Celso Antônio Bandeira de Mello também discorda do en-tendimento exposto por Kelsen, segundo o qual a norma inváli-da seria, por conseguinte, inexistente.

Para o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, validade e existência são conceitos que, abso-lutamente distintos, não se confundem. Criticando a posição adotada por Kelsen, afirma que “a demonstração mais cabal e irretorquível de que existência, pertinência de uma norma a dado sistema, e validade são noções absolutamente incon-fundíveis tem-se no fato de que, no exame da inconstitu-cionalidade incidenter tantum, o juiz não aplica uma norma jurídica por considerá-la inconstitucional, ou seja ‘carente

103 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constituciona-lidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pp. 249-50.

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de validade’, ‘inválida’, mas nem por isto a expulsa do sis-tema (falece-lhe atribuição para fazê-lo), o que só ocorre na ação direta de inconstitucionalidade. A norma em questão continuará a existir dentro do sistema, mas sua validade terá sido questionada como algo autônomo em relação à existên-cia e proclamada como suficiente para impedir sua aplicação ao caso concreto. Vale dizer: o juiz assume que a invalidade de uma norma é coisa diversa de sua existência ou pertinência ao sistema. Para incidenter tantum desaplicar uma regra que houve por inconstitucional, o pronunciamento judicial restrin-ge-se ao tema da validade da lei perante a Constituição. É o quanto bastaria para ter-se que rejeitar a tese kelseniana de que ‘validade é a forma específica de existência de uma nor-ma jurídica’. Não é. Deveras, como visto, nega-se validade a ela, por ser este o único fundamento para desaplicá-la no caso concreto, mas não se nega, nem se interfere com sua existência”104 (grifos no original).

Com a devida vênia de Bandeira de Mello, ousamos defen-der, mais uma vez, que a razão esteja com aqueles que defen-dem a inexistência da norma inconstitucional. Não é verdade que quando o Magistrado, no controle difuso de constitucionali-dade, deixa de aplicar uma norma jurídica por reputá-la incons-titucional, está se limitando a alegar sua invalidade, continuan-do a norma a pertencer ao ordenamento jurídico. O Magistrado, na qualidade de aplicador do direito, não teria poderes para recusar a aplicação de um comando integrado em um sistema normativo.

Na realidade, quando o juiz deixa de aplicar a lei que reputa inconstitucional ao caso concreto, está, por fim, reconhecendo a completa inexistência desse comando normativo, o que o impede de aplicá-lo e, também, de expulsá-lo do sistema, posto

104 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Leis originariamente inconstitucio-nais incompatíveis com Emenda Constitucional superveniente. Revista trimestral de direito público. 23/16.

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que nele nunca ingressou. Ninguém pode determinar que saia o que nunca entrou. Daí porque a decisão da Suprema Corte na ação direta de inconstitucionalidade ter sempre produzido efeitos ex tunc, ou seja, desde a edição da norma juridicamente inexistente.

Assim, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato nor-mativo, o Supremo Tribunal Federal está reconhecendo que a norma impugnada nunca existiu, razão pela qual jamais pro-duziu efeitos jurídicos, podendo até haver desencadeado efei-tos materiais, o que justifica a retroatividade da decisão judicial sempre à data da edição, pelo menos até o advento das absurdas leis que, inconstitucionalmente, pretendem regular o controle de constitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal Federal.

Se a lei inconstitucional existisse no ordenamento jurídico até a manifestação judicial que decidisse pela inconstitucionali-dade, o efeito desta deveria ser sempre ex nunc, forçando-nos ao reconhecimento de que, durante o período de sua existên-cia, teria desencadeado efeitos materiais e jurídicos, mesmo que momentaneamente.

Ademais, a tese de nulidade da norma jurídica inválida – e seu conseqüente ingresso no ordenamento jurídico, mesmo que viciada – importaria o reconhecimento da revogação da norma jurídica anterior, já que a norma inválida haveria ingressado no sistema jurídico, trazendo o grave problema da repristinação da primeira, quando da decisão pela inconstitucionalidade da nor-ma revogadora. É sabido, pois, que o instituto da repristinação não tem sido aceito na maioria dos países do mundo, em razão da grave ofensa que representa ao primado da segurança jurí-dica, princípio basilar de um Estado Democrático de Direito.

É de se ressaltar, contudo, que a posição defendida por nós – que pugna pela inexistência da norma inconstitucional – é tese absolutamente minoritária, notadamente nos dias atuais, em virtude da grande influência que vimos recebendo do Direi-to Constitucional alemão. Atualmente, entende-se que a lei ou

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ato normativo inconstitucional seria nulo. Todavia, esta posição, como várias outras que desenvolveremos no curso deste traba-lho, resulta de uma investigação realizada exclusivamente sob a ótica dogmática ou da Ciência do Direito stricto sensu, que se ocupa em descrever o direito positivo hic et nunc, desprovido de quaisquer conotações metajurídicas, premissa que elegemos para o desenvolvimento desses estudos.

2.1. Requisitos essenciais de validade das normas jurídicas

Para uma norma jurídica existir e, por conseguinte, ser vá-lida e pertencer ao sistema do direito positivo, faz-se necessá-rio que reuna três requisitos, a saber: a) elaboração por órgão competente; b) que a matéria versada pela lei seja de com-petência do ente que pretende editá-la, e; c) observância do procedimento legislativo apropriado a cada espécie normativa. Analisemos, um a um, os três requisitos essenciais para confe-rir validade a uma norma de Direito.

A exigência de elaboração por órgão competente impõe que a norma que se pretende editar o seja pelo responsável pela feitura das leis, qual seja, o Poder Legislativo. Apenas em escassas exceções, a Carta da República faculta a este delegar ao Poder Executivo a competência para elaborar determinadas leis ou prevê a possibilidade de edição de Medidas Provisórias. Em regra, quem o faz é o Legislativo. Portanto, as leis, para terem validade, necessitam ser elaboradas, em regra, por este Poder.

Tomemos um exemplo: imaginem que o Supremo Tribunal Federal, inconformado com uma determinada situação que ve-nha acarretando grande comoção nacional como, v.g., o au-mento nos índices de ocorrência de seqüestros relâmpagos, resolva pôr fim a esse problema, editando uma lei para atacá-lo. Por certo esta lei será inconstitucional, pois o STF (órgão do Poder Judiciário) não possui competência constitucional para editar esse tipo de norma.

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Como segundo requisito, impõe-se que a matéria versada pela lei seja de competência do ente político que pretende edi-tá-la. É a chamada competência ratione materiae, ou compe-tência em razão da matéria. Sabemos que o Poder Legislativo existe nas quatro ordens de pessoas jurídicas de direito cons-titucional interno: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Sabemos, ainda, que federalismo é sinônimo de divisão de competências. Por essa razão, as competências le-gislativas são distribuídas, dentro da Constituição Federal, a esses quatro entes federativos. Cada qual encontrará, dentro da Carta Magna, os limites de sua atuação. Ressalte-se, ainda, que algumas matérias não são de competência de nenhum dos entes federativos, em virtude de vedações constitucionais sobre sua deliberação: são as denominadas “cláusulas pétre-as”, já analisadas.

Exemplifiquemos: a Constituição Federal confere aos Municípios competência para instituir, fiscalizar e arrecadar o IPTU (imposto predial e territorial urbano). Imaginemos que a União pretenda editar uma norma sobre essa matéria. Será inconstitucional, portanto inválida. Algum desavisado poderá dizer: “Mas a União é superior ao Município, e a norma edi-tada por ela deve prevalecer sobre a do Município”. Errado. O princípio federativo não admite esse tipo de interferência. Não há, entre as pessoas políticas (União, Estados-mem-bros, Distrito Federal e Municípios), qualquer espécie de hierarquia. O que existem são competências. Cada qual tem o seu campo de atuação estritamente delineado na Cons-tituição da República, sendo qualquer invasão tida por in-constitucional, tornando inválida a norma que se pretendeu editar.

Finalmente, requer-se observância do procedimento legis-lativo apropriado a cada espécie normativa. É o que se deno-mina devido processo legislativo. Cada espécie normativa re-quer um procedimento apropriado para sua discussão, votação, aprovação, sanção, promulgação e publicação. Tal procedimen-

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to encontra-se inserto na Constituição Federal, ou até mesmo, nos Regulamentos Internos das Casas Legislativas.

Assim é que, v.g., uma Emenda Constitucional necessita, para sua aprovação, dos votos de 3/5 dos membros da Câmara dos Deputados e 3/5 dos membros do Senado Federal, em dois turnos de votação em cada Casa. Desobedecida essa regra, a norma que eventualmente for aprovada será inválida, por des-respeito ao procedimento apropriado.

Outro exemplo, da lavra de Miguel Reale: “Se a Assembléia de São Paulo fizer uma lei passando uma esponja sobre ele-mentos essenciais de seu Regimento Interno, teremos o caso de uma lei inválida, apesar de sancionada pelo Poder Execu-tivo, e de conter matéria pertinente à competência da Assem-bléia e do Estado”. Note-se que o procedimento contemplou dois, dos três requisitos essenciais, quando diz: “Matéria per-tinente à competência da Assembléia” (legitimidade do órgão), “e do Estado” (competência em razão da matéria). No entanto, a ausência de apenas um dos requisitos é suficiente para eivar a norma com o vício da invalidade105.

Havendo qualquer defeito, material ou formal, nesse pro-cesso legislativo, desencadear-se-á o processo de controle de constitucionalidade das leis, visando a manutenção da supre-macia constitucional.

3. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL

A inconstitucionalidade consiste na existência de uma lei, ato normativo ou até mesmo de uma Emenda Constitucional, que tenha sido elaborada em desconformidade com a Consti-tuição, lei máxima de determinado país.

Destarte, tanto pode haver uma inconstitucionalidade pro-cessual (ou formal), ocorrida no trâmite de aprovação da lei ou

105 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 110.

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da Emenda Constitucional, quanto uma inconstitucionalidade material, vale dizer, o assunto tratado pelo dispositivo aprovado contrariar algum dispositivo da Constituição.

Tanto as Emendas Constitucionais quanto as leis e os atos normativos estão sujeitos a esse controle, na medida em que, muito embora seja lícito a Emenda modificar a própria Consti-tuição, acrescendo ou eliminando algum dispositivo, isso deve se dar pelo órgão competente e de acordo com o procedimen-to legislativo adequado (exigências formais), respeitando-se as limitações materiais (cláusulas pétreas), que são princípios e normas que se encontram fora do alcance do poder reformador (exigência material).

4. INCONSTITUCIONALIDADES POR AÇÃO OU OMISSÃO

A inconstitucionalidade por ação se verifica no caso supra mencionado, vale dizer, quando da ocorrência de elaboração de uma Emenda Constitucional, lei ou ato normativo que con-traria a Constituição Federal, quer quanto à matéria, quer quan-to à forma.

Já a inconstitucionalidade por omissão restringe-se às hi-póteses nas quais a falta de elaboração de uma norma regula-mentadora impossibilita o exercício de direitos fixados nas nor-mas constitucionais. Isso porque, tanto na Constituição quanto nas leis, verifica-se a existência de normas que não permitem sua aplicabilidade imediata, exatamente por estarem depen-dentes de uma legislação posterior que as complemente, for-necendo-lhes os elementos integradores.

5. CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALI-DADE

O controle de constitucionalidade de leis ou atos normati-vos, em nosso direito, realiza-se em dois momentos diversos, quais sejam, antes ou depois de sua entrada em vigência. As-

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sim, não se apresenta como prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário, após a entrada em vigência da lei ou ato normativo, mas também é realizado pelos outros dois “poderes”.

Denomina-se controle preventivo aquele efetuado quan-do da fase de elaboração de um projeto de lei ou proposta de Emenda à Constituição. Realizam controle preventivo o Congresso Nacional, o Presidente da República e, até mes-mo, o Supremo Tribunal Federal, conforme se explicitará a seguir.

5.1. Controle preventivo realizado pelo Poder Legislativo

A previsão de controle preventivo pelo Poder Legislativo vem insculpida no art. 58 da Constituição da República, ao de-terminar que “o Congresso Nacional e suas Casas terão comis-sões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação”.

Entre as várias comissões permanentes e temporárias existentes nas duas Casas, há na Câmara dos Deputados (art. 32, inciso IV, de seu Regimento Interno, por força da Re-solução nº 20/04) e no Senado Federal (art. 101 do Regimento Interno do Senado Federal) as Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania, ambas com competência para analisar previamente a constitucionalidade, juridicidade e regimentali-dade de proposições normativas. Note-se que na Câmara ela também possui a incumbência de examinar a técnica legisla-tiva, razão pela qual assume, ainda, a função de comissão de redação.

Vale lembrar que, quando se tratar de inconstitucionalida-de parcial, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal poderá oferecer emenda corrigindo o vício.

No Congresso Nacional, contudo, a tarefa de controlar preventivamente a constitucionalidade dos projetos não se res-tringe às mencionadas Comissões. É o caso das Comissões

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Especiais, constituídas com o objetivo de apreciar as emen-das à Constituição, quando “por razões de economia proces-sual, prefere-se a reunião dos diversos colegiados envolvidos – representados pelos respectivos membros – numa só Co-missão. Ainda assim a proposição não fica sem uma análise de constitucionalidade, porquanto haverá membros da CCJR participando do processo e, mais ainda, é de se considerar que a referida Comissão Especial absorverá também a com-petência regimental da própria Comissão de Justiça. Do seu parecer final, portanto, deverá constar, além da análise do mé-rito, o contraste da proposição, com o texto da Constituição. Quanto ao projeto de Código, a Comissão Especial, de igual modo, absorverá a competência de tantas quantas Comissões que tenham pertinência temática com o assunto, e também da CCJR. Mais uma vez haveria a análise da constitucionalidade da proposição”106.

5.2. Controle preventivo realizado pelo Poder Executivo

Já o controle preventivo exercido pelo Poder Executivo ocorre quando o projeto de lei, aprovado pelo Congresso Nacio-nal, segue para a manifestação do Chefe do Poder Executivo. Conforme determina o parágrafo 1º do art. 66 da Constituição Federal, “se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto” (grifos nossos).

Tal dispositivo veicula os denominados vetos jurídico (quando o Presidente considera o projeto ou parte dele inconstitucional) e político (se o entende contrário ao interesse público). A pri-

106 AZEVEDO, Luiz H. Cascelli de. O controle legislativo de constitucio-nalidade. Porto Alegre: Fabris. passim.

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meira hipótese apresenta-se como importante instrumento de controle preventivo de constitucionalidade.

Ressalte-se que esse mecanismo de controle aplica-se apenas aos projetos de lei, excluindo-se da possibilidade do veto jurídico as Emendas à Constituição, na medida em que o Chefe do Executivo não é chamado a opinar nas manifestações do Poder Constituinte derivado. Neste caso, é o próprio Con-gresso Nacional que promulga a Emenda.

Michel Temer – valendo-se de sua reconhecida experiência parlamentar – alerta-nos, ainda, que “nem todos os projetos de atos normativos se submetem, constitucionalmente, a esse controle preventivo. Inocorre, por exemplo, no caso de medidas provisórias, resoluções dos Tribunais e decretos. Decretos são atos a cujo procedimento o constituinte não impôs fórmulas de apreciação formal”107.

5.3. Controle preventivo realizado pelo Poder Judiciário

É possível falar-se, ainda, em controle preventivo realizado pelo Poder Judiciário. A tese tem por fundamento o parágrafo 4º do art. 60 da Carta da República, instituidor das denominadas “cláusulas pétreas”, e teria por fundamento assegurar o direito dos parlamentares ao devido processo legislativo, já explicita-do quando tratamos dos requisitos necessários para a validade das proposições normativas, neste mesmo capítulo.

É que a Constituição Federal, no mencionado dispositi-vo, prescreve que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir”, passando, então, ao rol dos assuntos que não podem ser suprimidos pelo poder consti-tuinte derivado. Daí se poder concluir que a mera iniciativa e discussão de proposta de Emenda Constitucional que atinja as cláusulas pétreas já configura inconstitucionalidade, razão pela

107 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 43.

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qual estaria ocorrendo violação ao direito público subjetivo do parlamentar de apenas participar de procedimento legislativo saneado.

O instrumento adequado para o controle é o Mandado de Segurança, impetrável exclusivamente por parlamentar (deten-tor do direito público subjetivo), que deverá versar apenas sobre o andamento do processo legislativo tido por inconstitucional, não sendo admitido para questionar violação ou desobediência a normas regimentais, por se entender que se trata de assunto interna corporis108.

6. CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE

Após a entrada em vigência de Emenda à Constituição, lei ou ato normativo, pode-se chegar à declaração de sua in-constitucionalidade por dois caminhos: um denominado via de exceção ou defesa (controle difuso ou em concreto), e o outro, via de ação (controle concentrado ou em abstrato).

6.1. Controle difuso de constitucionalidade

No controle de constitucionalidade por via de exceção a pessoa que se sente lesada por uma norma provocará o con-trole incidentalmente, no curso de uma ação da qual é parte, como meio de se defender ou de exigir a observância de um direito. Destarte, o questionamento acerca da constitucionalida-de do ato normativo surge em um caso concreto, como “pano de fundo” dessa discussão, não se apresentando como a pre-ocupação principal dos litigantes. O sujeito ativo dessa ação, portanto, será a pessoa atingida pela norma reputada incons-titucional.

108 Neste sentido é a posição majoritária da Suprema Corte brasileira, ma-nifestada pelas decisões proferidas nos julgamentos dos Mandados de Segurança nos 20.257/DF e 22.503/DF.

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Essa pessoa, ao ingressar com uma ação ou ao se defen-der de qualquer pleito, relata o caso, fundamentando seu pleito ou defesa na alegação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica. Por força disso, os diversos juízes e tribunais terão que examinar, no curso do processo principal, a questão incidental da validade dessa lei, e aceitá-la ou não como pertencente ao ordenamento jurídico.

Com o trânsito em julgado do processo – que poderá ocor-rer apenas no Supremo Tribunal Federal, caso a ação chegue até lá, por via de recurso extraordinário – a decisão ganhará um caráter de definitividade, embora os efeitos da declaração de inconstitucionalidade não cheguem imediatamente a produzir efeitos para todos (erga omnes), e os efeitos materiais da nor-ma ainda possam permanecer na sociedade. Assim, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade no controle difuso são, a princípio, inter partes, atingindo apenas os envolvidos no pro-cesso.

Todavia, é possível que o processo chegue ao Supremo Tribunal Federal pela via mencionada, e este, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma impugnada, encaminhe ofício ao Senado Federal para que, por meio de uma Resolução, pro-videncie a suspensão da executoriedade da norma declarada inconstitucional do ordenamento jurídico, o que importa dizer que os efeitos desse diploma estarão definitivamente expelidos do nosso direito, tendo a decisão da Suprema Corte produzido efeitos para todos (erga omnes).

Os efeitos temporais da decisão que declara a inconstitu-cionalidade da norma impugnada, no controle difuso, sempre foram ex tunc, vale dizer, retroagiam à data da publicação da lei ou ato normativo.

Nesse sentido também são as lições de Zeno Veloso, para quem “a declaração de inconstitucionalidade não fere de morte a norma; proclama que ela é natimorta. Entendemos, pois, que o que se convencionou chamar de suspensão da execução de lei declarada inconstitucional é a retirada da lei do ordenamento

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jurídico, pelo mais grave dos vícios, não podendo esta provi-dência deixar de ter efeito retroativo. Aliás, este é o posiciona-mento do STF (RMS 17.976, Relator Ministro Amaral Santos, RDA 105/100)”109 (grifos nossos).

Ademais, a tese exposta de que a decisão jurisdicional que declara a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo possui efei-tos ex tunc, é a única que mantém coerência com nosso pensa-mento sobre a validade das normas jurídicas, acima demonstrado. E, nesse diapasão, ousamos, ainda, discordar da afirmação de Zeno Veloso: é que a decisão que declara a inconstitucionalidade da norma não produz a “retirada da lei do ordenamento jurídico”, mas apenas afasta definitivamente seus efeitos materiais, eis que ela nunca ingressou no sistema, por nunca haver existido, apre-sentando-se incapaz de desencadear efeitos jurídicos.

Todavia, quando analisarmos o controle concentrado, veremos que a Lei Federal nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que pretendeu disciplinar o “processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”, em seu art. 27, faculta ao Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixa-do. Tal dispositivo autorizaria, portanto, a atribuição de efeitos ex nunc nas decisões de controle concentrado de constitucio-nalidade julgadas perante o Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, em decisão proferida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917, a partir de voto da lavra do Ministro Gilmar Mendes, a Suprema Corte passou a admitir, também em sede de controle difuso de constitucionalidade, a regulação dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade. Segundo seu voto, “no caso em tela, observa-se que eventual declaração

109 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 60.

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de inconstitucionalidade com efeito ex tunc (que retroage) oca-sionaria repercussões em todo o sistema vigente, atingindo de-cisões que foram tomadas em momento anterior ao pleito, e que resultou na atual composição da Câmara Municipal: fixação do número de vereadores, fixação do número de candidatos, defi-nição do quociente eleitoral. Igualmente, as decisões tomadas posteriormente ao pleito também seriam atingidas”.

No mesmo diapasão, sustentou que, “sem dúvida, afigura-se relevante no sistema misto brasileiro o significado da decisão limitadora tomada pelo Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de normas sobre os julgados proferidos pelos demais juízes e tribunais no controle difuso”110.

6.2. Controle concentrado de constitucionalidade

No controle por via de ação, diferentemente do que ocorre no controle difuso, não existe a disputa sobre uma relação jurídi-ca determinada, a não ser sobre a própria declaração de consti-tucionalidade ou inconstitucionalidade da norma questionada.

Trata-se, portanto, de uma ação cujo objeto não é dirimir uma controvérsia entre partes – como no caso da via de defesa – mas atingir uma pronúncia do tribunal competente, eis que é diretamente perante ele que se propõe esta ação de controle de constitucionalidade.

110 O Recurso Extraordinário mencionado deu-se em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que reconhecera a validade da Lei que fixara discricionariamente o número de vereadores do Muni-cípio paulista de Mira Estrela (Lei Orgânica municipal nº 226/90). O STF reformou a decisão, entendendo que o inciso IV do art. 29 da Carta da República estabelece um critério de proporcionalidade aritmética para o cálculo do número de cadeiras, não tendo os municípios autonomia para fixar esse número discricionariamente, desencadeando a redução do número de Vereadores em todo o país, conforme demonstraremos quando analisarmos os Municípios, no Capítulo destinado ao estudo da Organização do Estado Brasileiro.STF – RE 197.917 – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 25/03/2004.

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Portanto, há dois pontos que marcam bem a diferença exis-tente entre as duas modalidades: a) a declaração da inconstitu-cionalidade ser o próprio objeto da lide; b) a ação ser interposta diretamente em um tribunal que, neste caso, ao proferir sua decisão, já o fará com força de coisa julgada, atingindo a todos, produzindo, portanto, efeitos erga omnes.

A competência para julgamento das ações de controle de constitucionalidade é, via de regra, do Supremo Tribunal Federal, que opera, nessas situações, como guardião da Constituição111.

Todavia, o Ministro Carlos Mário Velloso lembra que “ao Supremo Tribunal Federal a Constituição confere outras compe-tências, além da competência maior de guardá-la e defendê-la. Segundo a Constituição de 1988, ao Supremo Tribunal Federal são conferidas competências em três planos: em primeiro lugar, competências originárias; depois, competência recursal ordiná-ria e, finalmente, competência recursal extraordinária. Nesta úl-tima, mediante o recurso extraordinário, o Supremo Tribunal re-aliza o controle de constitucionalidade na sua forma difusa”112.

Atualmente, o Direito brasileiro conta com cinco espécies de ações de controle de constitucionalidade: a) a ação direta de inconstitucionalidade; b) a ação direta de inconstitucionalidade por omissão; c) a ação direta de inconstitucionalidade interven-tiva; d) a ação declaratória de constitucionalidade, e; e) a argüi-ção de descumprimento de preceito fundamental.

Examinemos, pois, uma a uma.

111 A exceção fica por conta de ação que objetive atacar lei ou ato normativo estadual ou municipal que esteja sendo questionado em face de Constitui-ção Estadual ou da Lei Orgânica do Distrito Federal, situação em que o tri-bunal competente para apreciar a demanda será o Tribunal de Justiça do respectivo Estado ou do Distrito Federal, conforme explicitaremos adiante.

112 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Supremo Tribunal Federal, Corte constitucional: uma proposta que visa a tornar efetiva a sua missão pre-cípua de guarda da Constituição. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, nº 192, pp. 1-28. 1993. p. 5.

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7. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade é um mecanismo processual que tem por finalidade questionar-se, abstratamen-te, a validade de Emenda, lei ou ato normativo, com vistas a retirada de seus efeitos do ordenamento jurídico.

7.1. Finalidade

A finalidade da ação direta de inconstitucionalidade con-siste em afastar do ordenamento jurídico os efeitos materiais produzidos por “lei ou ato normativo” elaborado em desconfor-midade com o sistema constitucional e legal vigentes.

Apresenta-se de suma importância a definição exata da expressão “lei ou ato normativo”, veiculada pela alínea “a” do inciso I do art. 102 da Constituição da República.

Na lição precisa de Michel Temer, “por ‘leis’ hão de enten-der-se todas as espécies previstas no art. 59: emendas à Cons-tituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos-legislativos e resoluções. Por ato normativo, entende-se: a) decretos do Poder Executivo; b) normas regimentais dos Tribunais federais e estaduais e suas resoluções. Exclui-se desse controle o prejulgado fixado pelos Tribunais”113.

7.2. Competência para julgamento

A competência para julgamento de lei ou ato normativo fe-deral ou estadual que esteja sendo questionado em face da Constituição Federal é do Supremo Tribunal Federal, conforme disposição expressa da alínea “a” do inciso I do art. 102 da Constituição da República.

113 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 48.

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Todavia, em se tratando de lei ou ato normativo estadual ou municipal que esteja sendo questionado em face de Constituição Estadual ou da Lei Orgânica do Distrito Federal, o tribunal com-petente para apreciar a demanda será o Tribunal de Justiça do respectivo Estado ou do Distrito Federal, conforme assegura o pa-rágrafo 2º do art. 125 da própria Constituição Federal, in verbis:

“Cabe aos Estados a instituição de representação de in-constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribui-ção de legitimação para agir a um único órgão”.

Ambos possuem competência originária e, em regra, deci-dirão definitivamente sobre a questão.

Entretanto, na hipótese específica de ação direta apreciada pelo Tribunal de Justiça contra lei estadual – ou, no caso espe-cífico do Distrito Federal, de lei distrital que trate de matéria de competência dos Estados-membros – que também contenha dispositivo ofensivo à Constituição Federal, torna-se possível a interposição de recurso extraordinário perante o Supremo Tri-bunal Federal, em razão do dispositivo insculpido na alínea “a” do inciso III do art. 101 da Carta da República, que confere a esta Corte competência para apreciar recurso extraordinário de decisão que contrarie dispositivo da Constituição Federal.

Ressalte-se, ainda, que os dispositivos constitucionais su-pramencionados não fazem alusão à possibilidade de se ques-tionar ato normativo ou lei municipal em face da Constituição Federal, o que só veio a ocorrer com a regulamentação da ar-güição de descumprimento de preceito fundamental, que trata-remos posteriormente.

7.2.1. Princípio da reserva de plenário

O princípio da reserva de plenário confere competência ao Tribunal Pleno para o julgamento da ação direta de inconstitu-cionalidade. Isso porque, em razão de sua importância, essa decisão não poderia estar sujeita às variações das composi-

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ções de Turmas, Grupos, Câmaras ou Sessões. Assegurando-se a todos os integrantes do Tribunal a possibilidade de se pro-nunciarem sobre o tema, tem-se a certeza de que a decisão adotada refletirá o pensamento majoritário da Corte.

A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstituciona-lidade da lei ou do ato normativo impugnado será tomada em sessão na qual estejam presentes ao menos 2/3 dos membros do respectivo tribunal ou, quando houver, dos integrantes do Órgão Especial, pela maioria absoluta de votos, conforme de-termina o art. 97 da Constituição Federal de 1988, dispositivo que remonta ao art. 179 da Constituição de 1934.

A previsão de criação de Órgão Especial para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais, delegadas da competência do Tribunal Pleno, justifica-se em virtude do gran-de número de membros que determinados tribunais possuem, o que retardaria excessivamente o julgamento das ações. Por essa razão, os tribunais que possuam mais de vinte e cinco jul-gadores poderão constituir o Órgão Especial, que contará com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, pro-vendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo Tribunal Pleno, nos exatos termos do inciso XI do art. 93 da Carta da República, com nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04.

Todavia, em se tratando de assunto sobre o qual já tenha ha-vido julgamento por parte do Pleno ou do Órgão Especial, torna-se desnecessária nova manifestação, conforme dispõe o parágrafo único do art. 481 do Código de Processo Civil, abaixo transcrito:

“Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionali-dade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.

Alexandre de Moraes, no entanto, alerta que “a cláusula de reserva de plenário não veda a possibilidade de o juiz mono-crático declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, mas, sim, determina uma regra especial aos

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tribunais para garantia de maior segurança jurídica. Além disso, não se aplica para a declaração de constitucionalidade dos ór-gãos fracionários dos tribunais”114.

7.3. Legitimados

Se o controle de constitucionalidade por via de exceção pode ser deflagrado por qualquer pessoa que, incidentalmente, suscita no curso de uma ação a inconstitucionalidade de uma norma, o mesmo não se verifica com o controle concentrado.

Os legitimados à propositura da ação direta de inconsti-tucionalidade são apenas os constantes do rol do art. 103 da Constituição Federal, a saber: a) o Presidente da República; b) a Mesa do Senado Federal; c) a Mesa da Câmara dos Deputa-dos; d) a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legis-lativa do Distrito Federal; e) o Governador de Estado ou do Dis-trito Federal; f) o Procurador-Geral da República; g) o Conselho Federal da OAB; h) os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, e; i) as confederações sindicais ou entida-des de classe de âmbito nacional.

A Reforma do Poder Judiciário, instituída pela Emenda Constitucional nº 45/04, alterou a redação dos incisos IV e V do art. 103 da Constituição Federal para prever expressamente, como legitimados ativos, a Câmara Legislativa e o Governador do Distrito Federal, o que já se admitia por analogia.

Alguns dos sujeitos acima referidos, no entanto, possuem atuação mais restrita que os demais, pois devem demonstrar interesse específico na propositura da ação, em virtude da possibilidade de haver situações nas quais pode não restar demonstrada qualquer relação direta entre o dispositivo legal controvertido e o interesse institucional por eles tutelados: tra-tam-se dos legitimados ou autores especiais.

114 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 567.

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São legitimados ou autores universais: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com re-presentação no Congresso Nacional. Em contrapartida, são legiti-mados especiais, precisando demonstrar interesse na obtenção da declaração de inconstitucionalidade da norma: a Mesa de As-sembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

A essa exigência de demonstração de interesse por parte de alguns autores dá-se o nome de pertinência temática.

7.4. Cabimento de medida cautelar

Admite-se a concessão de medida cautelar nas ações di-retas de inconstitucionalidade, conforme previsão constante da letra “p” do inciso I do art. 102 da Carta Política de 1988.

Tal dispositivo vem, ainda, corroborado pela Seção II da Lei Federal nº 9.868/99, cuja intenção é disciplinar o “processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal” que, em seus arts. 10 a 12, disciplina a matéria.

A medida cautelar, que visa suspender a aplicabilidade da lei até a decisão final de mérito da ação direta, poderá ser concedida pela maioria absoluta de votos do respectivo Tribunal, presentes 2/3 de seus membros, salvo em períodos de recesso, nos quais o relator a concederá ad referendum do Pleno (art. 10). Poderão ser ouvidos o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da Re-pública, no prazo de três dias (parágrafo 1º), além de estar faculta-da a sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela edição do ato (pará-grafo 2º), salvo em caso de excepcional urgência (parágrafo 3º).

Os efeitos da medida cautelar, segundo dispõe o parágrafo 1º do art. 11 serão erga omnes e com eficácia ex nunc, “salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa”.

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A eficácia ex tunc, assim, não se presume, mesmo naque-las situações em que a decisão retroativa apresente-se indis-pensável para o alcance do interesse público, dependendo de manifestação expressa do Supremo Tribunal Federal115.

Alexandre de Moraes alerta para o fato de que a jurispru-dência do Supremo Tribunal Federal tem entendido ser indevida concessão de liminar em ação direta quando tenha transcorrido significativo lapso temporal entre a data da publicação da norma impugnada e o ajuizamento da ação, por restar caracterizada a ausência do indispensável requisito do periculum in mora116.

É importante ressaltar, também, que a distinção entre as ex-pressões “liminar” e “cautelar”, realizadas hodiernamente no âmbi-to do direito processual civil, não se aplicam ao caso em exame.

Desde a Constituição Federal de 1967/69, na alínea “p”, do inciso I do art. 119, tem-se utilizado a expressão “cautelar” para designar a medida que suspende a aplicabilidade da lei ou ato normativo impugnado. A Constituição Federal de 1988 também se valeu desta terminologia, agora na letra “p” do inciso I do art. 102. Também o faz o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que no inciso IV de seu art. 21, prevê a concessão de “medidas cautelares” nas hipóteses “necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa”117.

7.5. Advogado-Geral da União

Nas ações diretas de inconstitucionalidade faz-se indis-pensável a presença do Advogado-Geral da União, conforme

115 Neste sentido, cf.: RTJ 124/80; RTJ 138/86; RTJ 164/506-9.116 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo:

Atlas, 2001. p. 595. 117 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo:

Saraiva, 2002. pp. 266-7.

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exigência do parágrafo 3º do art. 103 da Constituição Federal, ao determinar que “quando o Supremo Tribunal Federal apre-ciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato nor-mativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”.

Segundo as lições de Alexandre de Moraes, fundamenta-das em entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Fe-deral, “compete ao Advogado-Geral da União, em ação direta de inconstitucionalidade, a defesa da norma legal ou ato impug-nado, independentemente de sua natureza federal ou estadual, pois atua como curador especial do princípio da presunção da constitucionalidade das leis e atos normativos, não lhe compe-tindo opinar nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao Procurador-Geral da República, mas a função eminentemente defensiva.

Dessa forma, atuando como curador da norma infracons-titucional, o Advogado-Geral da União está impedido constitu-cionalmente de manifestar-se contrariamente a ela, sob pena de frontal descumprimento da função que lhe foi atribuída pela própria Constituição Federal, e que configura a única justificati-va de sua atuação processual, neste caso”.

Zeno Veloso, no entanto, apresenta duras críticas ao po-sicionamento esposado pelo Pretório Excelso, quando afirma que “erigir-se o Advogado-Geral da União curador especial das normas federais e estaduais, numa homenagem ao princípio da presunção da constitucionalidade das leis, parece-nos des-piciendo e desarrazoado, além de afrontar a meta da economia processual ... Se, analisando friamente, do ponto de vista teóri-co, é fácil dizer que, diante do art. 103, § 3º, da CF o Advogado-Geral da União, instituído curador especial da presunção do ato normativo impugnado, exerce uma atribuição especial, extraor-dinária, anômala, diferente de sua função orgânica, estrutural, definida no art. 131, caput, da Carta Magna, na prática, a situ-ação se apresenta muito diferente, podendo gerar incômodos e constrangimentos. Basta lembrar a hipótese de ser obriga-

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do o Advogado-Geral da União a defender uma lei estadual, manifestamente inconstitucional, por ter regulado matéria de competência privativa da União. E o dilema assume proporção kafkiana se o autor da ação de inconstitucionalidade tiver sido o próprio Presidente da República”118.

E conclui: “A nosso ver, o art. 103, § 3º, da Constituição Federal foi muito mal inspirado, complica o sistema, descarac-teriza a natureza objetiva do processo de controle da constitu-cionalidade. Se fosse eliminado, não faria falta alguma”119.

7.6. Procurador-Geral da República

A Constituição Federal exige, ainda, a participação do Pro-curador-Geral da República nas ações de controle de constitu-cionalidade. Segundo o parágrafo 1º do art. 103, “o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de compe-tência do Supremo Tribunal Federal”.

Tal fato justifica-se pela própria natureza institucional do Ministério Público, cuja autoridade máxima é o Procurador-Ge-ral da República, que atua como fiscal da lei e defensor da or-dem jurídica.

Também causa polêmica a necessidade de novo pronun-ciamento do Procurador-Geral quando ele próprio for o autor da ação, conforme autoriza o inciso VI do art. 103 da Carta de 1988. Para alguns, seria um bis in idem desnecessário, que atravancaria o processo e retardaria a prolação da de-cisão120. Outros, no entanto, seguindo a linha de raciocínio

118 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. pp. 595-6.

119 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 93.

120 Nesse sentido: TUCCI, Rogério Lauria. TUCCI, José Rogério Cruz. Constituição de 1988 e processo. p. 107. VELOSO, Zeno, Controle jurisdicional de constitucionalidade. p. 91.

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adotada pelo Supremo Tribunal Federal121, entendem que o Procurador-Geral, mesmo tendo deflagrado o processo de controle, não perde sua qualidade de fiscal da aplicação da lei, tampouco sua imparcialidade, podendo, no instante de se pronunciar nos autos, manifestar seu juízo valorativo em sentido contrário.122

7.7. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade e suas atuais implicações

Como regra geral, os efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade da norma impugnada são ex tunc, vale dizer, retroagem à data da publicação da lei ou ato normativo.

Conforme já mencionamos no início deste capítulo, enten-demos que, para uma norma jurídica ingressar no ordenamento e ser capaz de jurisdicizar as relação sociais, é necessário que seja elaborada em conformidade com as regras previstas no ordenamento jurídico. Quando o tribunal competente declara a inconstitucionalidade de uma norma, está, em última análise, afirmando que ela nunca ingressou no sistema normativo, ten-do sido incapaz, portanto, de produzir efeitos jurídicos, produ-zindo, apenas e tão-somente, efeitos sociais.

Todavia, a Lei Federal nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que pretendeu disciplinar o “processo e julgamento da ação dire-ta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucio-nalidade perante o Supremo Tribunal Federal”, trouxe ao ordena-mento jurídico pátrio inovador dispositivo que dispõe:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou

121 STF – ADIn 97/RO – Rel. Min. Moreira Alves – RTJ 131/472.122 Comungam desse entendimento: MORAES, Alexandre de. Direito

constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 598. DANTAS, Ivo. O valor da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 113.

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de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Fe-deral, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, res-tringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momen-to que venha a ser fixado” (grifos nossos).

Tal dispositivo autoriza, portanto, a atribuição de efeitos ex nunc ou a partir de qualquer outro momento, nas decisões de controle concentrado de constitucionalidade julgadas perante o Supremo Tribunal Federal, desde que presentes os requisitos acima aludidos.

Embora seja possível vislumbrar-se a utilidade prática des-se dispositivo em algumas situações específicas, é inegável a afronta que representa à Teoria Geral do Direito e à Lógica Ju-rídica, na medida em que faculta ao STF pronunciar que, embo-ra tal norma jurídica jamais tenha ingressado no ordenamento jurídico, a Suprema Corte reconhece seus efeitos materiais e os jurisdiciza, o que importa flagrante violência ao princípio da legalidade, primado basilar de um Estado Democrático de Direito.

Ainda no que respeita aos efeitos produzidos, a decisão proferida nessas ações terá efeitos erga omnes e vinculante, obrigando os demais juízes, tribunais e, até mesmo, as Admi-nistrações Públicas federal, estadual e municipal.

É a redação do parágrafo único do art. 28 da norma legal em exame, in verbis:

“Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vincu-lante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administra-ção Pública federal, estadual e municipal” (grifos nossos).

Note-se, aí, a tentativa de inserção, por via infracons-titucional, de força vinculante de decisões judiciais prolata-das pelo STF. Ressalte-se que tal instituto é diferente da força que provém da coisa julgada ou do efeito erga omnes: estes

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permitem a invocação daquela decisão em outros casos, mas não têm a prerrogativa de compelir o juiz a adotá-las, enquanto que a força vinculante torna obrigatório, pelo juízes e tribunais inferiores, o cumprimento dessa decisão proferida pela Supre-ma Corte. Portanto, declarada constitucional ou inconstitucional uma lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, a efi-cácia dessa decisão atinge todos e sua aplicabilidade é obriga-tória, inclusive quanto aos feitos em andamento, por força do efeito vinculante do qual ela se reveste.

A discussão sobre a constitucionalidade desse dispositivo acabou sendo objeto de Questão de Ordem, na Reclamação nº 1.880, ajuizada pelo Município Paulista de Turmalina em face do TRT da 15ª Região.

Em decisão proferida em 6 de novembro de 2002, o Supre-mo Tribunal Federal entendeu constitucional a norma impugnada (parágrafo único do art. 28 da Lei Federal nº 9.868/99), vencidos os Ministros Ilmar Galvão, Moreira Alves e Marco Aurélio Mello.

Sustentando seu entendimento, o Ministro Marco Aurélio alertou que “as decisões do Supremo Tribunal Federal se im-põem, não pelo papel, pelo fato de um dispositivo de lei ordiná-ria dizer que essas decisões são obrigatórias, mas pela respei-tabilidade, pelo conteúdo dessas mesmas decisões. Devemos fugir de tudo que leve à generalização. A tendência do homem é se acomodar e a evitar o maior esforço”.

8. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

A declaração de inconstitucionalidade pode ser decretada por comissão, conforme já analisado acima, ou por omissão.

Essa modalidade foi introduzida em nosso direito pela Constituição de 1988, tendo como função reprimir a omissão por parte dos poderes competentes, que atentem contra a Cons-tituição. Restringe-se àquelas omissões que impossibilitem a aplicação de direitos fixados nas normas constitucionais.

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Tanto na Constituição quanto nas leis, verifica-se a existên-cia de normas que não permitem sua aplicabilidade imediata, por dependerem de uma legislação posterior, que as comple-mente, fornecendo-lhes os elementos integradores.

Ocorre que, algumas vezes, os órgãos incumbidos de su-prir tais omissões (que pode ser o Legislativo ou, até mesmo, o Executivo) deixam passar muito tempo sem que essa regula-mentação seja realizada.

A Constituição de 1988 procurou pôr fim a essa situação, criando uma modalidade de ação em que fica reconhecida a “inconstitucionalidade por omissão”.

8.1. Finalidade

O objeto dessa ação, conforme já mencionamos, não é nenhum ato comissivo praticado pelo Poder Público, mas sua inércia, que está a impedir o exercício de direitos ou prerrogati-vas constitucionalmente assegurados.

Destarte, toda vez que um comportamento omissivo do Poder Público, proveniente de um órgão administrativo ou do Poder Legislativo, estiver impedindo alguém do exercício de um direito, caberá a propositura dessa ação, com a finalidade de suprir-se essa lacuna descoberta.

Caso a omissão provenha da Administração Pública, o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade por omissão, a notificará para que adote as providências neces-sárias em 30 dias, sob pena de responsabilidade da autoridade competente, nos exatos termos do parágrafo 2º do art. 103 da Constituição Federal.

Todavia, caso a omissão seja proveniente do Poder Legis-lativo, a situação ficará desprovida de solução prática. Isso por-que a independência e harmonia que deve existir entre os três “poderes” acaba por esvaziar tal instituto, na medida em que a Constituição não trouxe previsão expressa de prazo, sanção ou alternativa para o suprimento da lacuna. Assim, não há como

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se obrigar o Poder Legislativo a suprir tal omissão normativa, o que representaria afronta à teoria da divisão dos poderes.

Para finalizar, resta importante consignar que a ação dire-ta de inconstitucionalidade por omissão não se confunde com o mandado de injunção, conforme teremos a oportunidade de detalhar quando analisarmos as garantias constitucionais. Nes-te – pelo menos em tese – a decisão jurisdicional é dotada de força normativa para o caso específico.

8.2. Competência para julgamento

A competência para julgamento da ação direta de inconsti-tucionalidade por omissão será do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, embora a alínea “a” do inciso I do art. 102 da Cons-tituição da República não o determine de forma expressa, fa-zendo apenas menção à competência da Suprema Corte para julgar “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato nor-mativo federal ou estadual ...”, tal tarefa é inerente à sua função de guardiã da Constituição.

Aplica-se a ela o mesmo rito de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade “por ação”, inclusive no que concerne ao quorum e ao princípio da reserva de plenário.

8.3. Legitimados

Os legitimados à propositura da ação são os mesmos da ação direta de inconstitucionalidade por ação, relacionados no art. 103 da Constituição da República, já mencionados.

8.4. Cabimento de medida cautelar

Diferente do que ocorre na ação direta de inconstituciona-lidade por ação, para a qual se admite a concessão de cautelar com vista à suspensão da aplicabilidade da lei até a decisão final de mérito da ação, pelo voto da maioria absoluta dos mem-bros do respectivo Tribunal, não é admissível a concessão de

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medida acautelatória na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, por se apresentar incompatível com o objeto da ação, pela inaptidão da medida em sanar o prejuízo causado pela omissão legislativa.

8.5. Advogado-Geral da União

Também não é necessária a presença do Advogado-Geral da União, por não haver “ato ou texto impugnado” que ele possa “defender”, conforme determina o parágrafo 3º do art. 103 da Cons-tituição Federal, quando dispõe sobre a obrigatoriedade de sua participação na ação direta de inconstitucionalidade por ação.

8.6. Procurador-Geral da República

Ao contrário do que ocorre com o Advogado-Geral da União, é obrigatória a oitiva do Procurador-Geral da República, em função da previsão constitucional expressa no parágrafo 1º do art. 103, que exige que “o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstituciona-lidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal” (grifos nossos).

Tal fato, conforme já aclaramos em passagens anteriores, justifica-se pela própria natureza institucional do Ministério Pú-blico, cuja autoridade máxima é o Procurador-Geral da Repúbli-ca, que atua como fiscal da lei e defensor da ordem jurídica.

9. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE IN-TERVENTIVA

A ação direta de inconstitucionalidade interventiva encon-tra seu fundamento no princípio federativo, na medida em que visa impedir que a ofensa a princípios sensíveis constitucionais possa desestruturar ou, até mesmo, fazer ruir o pacto federativo.

Os referidos princípios são aqueles que constam do inciso VII do art. 34 da Constituição da República, a saber: a) forma

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republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) presta-ção de contas da Administração Pública, direta e indireta, e; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento de ensino e nas ações e servi-ços públicos de saúde.

Segundo leciona Alexandre de Moraes, “são denominados princípios sensíveis constitucionais, pois sua inobservância pelos Estados-membros ou Distrito Federal no exercício de suas competências legislativas, administrativas ou tributárias, pode acarretar a sanção politicamente mais grave existente em um Estado Federal, a intervenção na autonomia política.

Assim, qualquer lei ou ato normativo do Poder Público, no exercício de sua competência constitucionalmente deferida, que venha a violar um dos princípios sensíveis constitucionais, será passível de controle concentrado de constitucionalidade, pela via da ação interventiva”123. (grifos no original)

O único legitimado para a propositura dessa ação é o Pro-curador-Geral da República, nos termos do que dispõe o inciso IV do art. 129 combinado com o inciso III do art. 36 da Consti-tuição Federal.

A competência para julgamento da ação é do Supremo Tribunal Federal, conforme determinação do mesmo inciso III do art. 36 da Carta de 1988, ao dispor que “a decretação da intervenção dependerá de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII”.

É importante ressaltar, ainda, que caso a sustação do ato impugnado seja suficiente para o restabelecimento da norma-lidade, o Governador ou Prefeito será mantido no cargo, não

123 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 604.

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sendo nomeado interventor, conforme determina o parágrafo 3º do art. 36 da Constituição Federal.

10. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

A Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, alterou a alínea “a” do inciso I do art. 102 da Constituição da República, acrescentando à ação direta de inconstitucionalida-de uma nova ação, qual seja, a “declaratória de constitucio-nalidade de lei ou ato normativo”.

10.1. Finalidade

Quanto à finalidade, a ação declaratória de constituciona-lidade busca eliminar a insegurança jurídica ou estado de incer-teza sobre a validade de lei ou ato normativo federal, confor-me a redação da alínea “a” do inciso I do art. 102 da Constitui-ção Federal, dada pela Emenda Constitucional nº 3/93.

Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal não pode se tornar mero órgão de consulta do Poder Executivo, razão pela qual tal ação não deve ser utilizada para dirimir qualquer dúvida em torno da constitucionalidade de lei, mas apenas para acla-rar uma situação realmente grave de incerteza, capaz de afetar a tranqüilidade geral.

Assim é que o inciso III do art. 14 da lei que regulamen-ta as ações de controle de constitucionalidade (Lei Federal nº 9.868/99), exige, para a propositura dessa ação, “a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da dispo-sição objeto da ação declaratória”. Destarte, não é suficiente a existência de controvérsia doutrinária, mas a existência de feitos em andamento para os quais estejam sendo dadas de-cisões desencontradas, devidamente comprovadas na petição inicial, como requisito de admissibilidade da ação.

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A procedência da ação declaratória de constitucionalidade transformará uma presunção relativa (juris tantun) de validade da norma suscitada em presunção absoluta (juris et de jure), em virtude, inclusive, dos efeitos erga omnes e vinculantes ine-rentes à decisão.

10.2. Competência para julgamento

O único órgão do Poder Judiciário que detém competên-cia para apreciar a questão é o Supremo Tribunal Federal.

Traço peculiar das ações de controle da constitucionalida-de das leis é o fato de que a Corte Suprema, ao analisar a questão, não fica adstrita a causa de pedir, como ocorre nos processos subjetivos ordinários mas, apenas e tão-somente, ao pedido. Destarte, é perfeitamente possível que o tribunal julgue procedente ou improcedente o pedido de declaração da cons-titucionalidade, calcado em fundamentos jurídicos diversos da-queles alegados na exordial. Isso se deve à natureza jurídica específica desse tipo de Processo Constitucional, como vere-mos a seguir.

Aplicam-se, ainda, as mesmas exigências referentes ao quorum e ao princípio da reserva de plenário já analisados quando do estudo da ação direta de inconstitucionalidade “por ação”.

10.3. Legitimados

A ação declaratória de constitucionalidade (assim como a ação direta de inconstitucionalidade) só pode ser movida pelas entidades ou autoridades especificamente mencionadas no Tex-to Supremo. Assim é que, no parágrafo 4º do art. 103, inicialmen-te encontrávamos como sujeitos legitimados à sua propositura um rol mais reduzido do que o destinado à interposição da ação direta de inconstitucionalidade, quais sejam: a) o Presidente da República; b) a Mesa do Senado Federal; c) a Mesa da Câmara dos Deputados, e; d) o Procurador-Geral da República.

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A Emenda Constitucional nº 45/04, no entanto, revogou o parágrafo 4º e alterou a redação do caput do art. 103 da Consti-tuição Federal, para conferir legitimidade à propositura da ação declaratória de constitucionalidade aos mesmos legitimados à interposição da ação direta.

10.4. Cabimento de medida cautelar

Admite-se a concessão de medida cautelar nas ações de-claratórias de constitucionalidade, conforme previsão constante do art. 21 da Lei Federal nº 9.868/99, in verbis:

“Art. 20. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maio-ria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consisten-te na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.

Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia”.

Note-se que, diferentemente do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, na qual a medida cautelar visa sus-pender a aplicabilidade da lei até a decisão final de mérito, na ação declaratória sua finalidade será a de suspender os feitos em andamento até a prolação da decisão final, a fim de se evi-tar que situações semelhantes tenham tratamento díspares.

Os efeitos da medida cautelar serão erga omnes e com eficácia ex nunc, tendo em vista não terem por objetivo atingir a aplicação da lei, mas paralisar os processos em andamento até a decisão final de mérito, que deverá se dar em até 180 dias, sob pena de perda de sua eficácia.

10.5. Efeitos da decisão de mérito

Como regra geral, a decisão que declara a constitucionali-dade da norma impugnada tem efeitos ex tunc, vale dizer, re-

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troagem à data da publicação da lei ou ato normativo. Possui, ainda, efeito vinculante, obrigando os demais juízes, tribunais e, até mesmo, as Administrações Públicas federal, estadual e municipal (art. 28, da Lei nº 9.868/99).

Assim, como exposto quando da análise da ação direta de inconstitucionalidade, nas ações declaratórias de constitucio-nalidade também se aplica o art. 27 da Lei Federal nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que prevê a possibilidade de atri-buição de efeitos ex nunc à decisão, desde que, obviamente, a Suprema Corte julgue improcedente a ação, declarando, assim, que a lei ou ato normativo julgado é inconstitucional.

Destarte, julgada procedente a ação declaratória (vale di-zer, reconhecida a constitucionalidade da lei ou ato normativo), a decisão proferida só poderá acarretar efeitos ex tunc, reco-nhecendo-se, assim, a constitucionalidade da norma desde seu ingresso no ordenamento jurídico. Todavia, julgada improceden-te (afirmando-se, portanto, que a norma é inconstitucional), o Supremo Tribunal Federal poderá regular os efeitos da declara-ção, por voto de 2/3 de seus membros, restringindo seus efeitos ou determinando que só tenham eficácia a partir de seu trânsito em julgado, ou de outro momento que venha a ser fixado.

10.6. Procurador-Geral da República

Aqui também há a necessidade de se ouvir o Procurador-Geral da República, em função da previsão constitucional ex-pressa no parágrafo 1º do art. 103, que exige sua manifestação em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal, conforme já aclaramos em passagens anteriores.

10.7. Críticas à Ação declaratória de constitucionalidade

Quando a ação declaratória de constitucionalidade surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da Emenda Cons-titucional nº 3, de 17 de março de 1993, aduziu-se que seu procedimento estaria eivado de vícios, o que comprometeria

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a legitimidade da medida. Juristas de renome argumentavam que o instituto em tela desrespeitava importantes princípios processuais constitucionais, como o do devido processo le-gal, o da ampla defesa, o do contraditório e o do duplo grau de jurisdição. Ao abolir o contraditório, a Emenda constitucio-nal teria criado um processo sem partes, sem duplo grau de jurisdição e sem recursos. Violaria, ainda, a presunção de le-galidade das leis e atos normativos que ingressam no ordena-mento jurídico.

De fato, o legislador constitucional, quando tratou de ins-tituto análogo a este, vale dizer, a ação direta de inconstitucio-nalidade, encontrou solução mais inteligente para o problema. Nela, o Advogado-Geral da União aparece como requerido, de-fendendo a constitucionalidade da lei impugnada, firmando-se, assim, o contraditório. Por certo que a solução adotada pelo Texto Constitucional, nesta hipótese, poderia ter sido mais feliz, prevendo, ainda, a participação do Procurador-Geral do Estado ou do Distrito Federal, quando se tratasse de lei ou ato norma-tivo estadual ou distrital impugnado em face da Constituição Federal, evitando-se a situação esdrúxula de se ver o Advo-gado-Geral da União defendendo lei estadual que invada, v.g., competências constitucionais da própria União.

De qualquer sorte, a solução pela triangulação processual, com um ou outro reparo que possa merecer, ainda é muito mais adequada que o processo sem partes, criado pela Emenda nº 3, que não elege ninguém para defender a inconstitucionalida-de da norma, não guardando, tampouco, qualquer simetria com a ação direta de inconstitucionalidade. Poderia ter sido designa-do, por exemplo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para tanto.

No julgamento da Questão de Ordem que decidiu pela constitucionalidade da ação declaratória de constitucionalida-de, cabe ressaltar, mais uma vez, o posicionamento do Minis-tro Marco Aurélio Mello que, isoladamente, argüiu a inconsti-tucionalidade da medida, alegando que a criação de mais um

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processo objetivo, além do já previsto pela Constituição origi-nária, “acaba por solapar direitos e garantias individuais que asseguram o acesso ao Judiciário e a tramitação e julgamento do pedido considerado o devido processo legal, no que tem como apanágios o contraditório, a ampla defesa e o deslinde da demanda ao sabor da formação humanística e profissional do órgão competente para o julgamento da demanda, sem as peias decorrentes da decisão, ainda que emanada da mais alta Corte do país, em processo do qual não participou o ci-dadão”124.

O certo é que, em que pese o posicionamento e as críticas acima, sustentados por juristas como o Ministro Marco Aurélio, o processualista civil Antônio Cláudio da Costa Machado, e os constitucionalistas Celso Ribeiro Bastos, Edvaldo Brito e Ives Gandra da Silva Martins, a doutrina majoritária e o próprio Supremo Tribunal Federal não reconhecem que a ação de-claratória de constitucionalidade padeça do aludido vício. Crê-em que, quando os tribunais exercem o controle da constitu-cionalidade pela via concentrada, estão exercendo jurisdição constitucional objetiva. Tais medidas não se submeteriam, necessariamente, aos princípios que disciplinam a atividade ju-risdicional em geral, consistente na solução de conflitos entre partes demandantes, pois essa ação não envolveria conflito so-bre interesses concretos.

O processo abstrato de controle não seria um processo contraditório, no qual as partes litigam pela defesa de interes-ses subjetivos. A ação declaratória de constitucionalidade inse-rir-se-ia num processo objetivo, sem contraditores e, portanto, sem a necessidade de respeito ao devido processo legal e à ampla defesa. Sua finalidade seria unicamente a de elidir a in-segurança jurídica, verificando a conformidade de uma norma vigente com a Constituição Federal.

124 STF – ADC nº 001-DF – Questão de Ordem – 27.10.93.

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11. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

No final de 1999, assistimos ao surgimento de duas leis que vieram introduzir importantes alterações no tema do controle da constitucionalidade das leis no direito positivo brasileiro. A Lei Fe-deral nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que pretendeu dis-ciplinar o “processo e julgamento da ação direta de inconstitucio-nalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”, sobre a qual já tivemos a oportunida-de de tecer importantes considerações quando examinamos os aludidos institutos e a Lei Federal nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que pretende dispor sobre “o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal”.

Seu ponto primordial é a regulamentação da “argüição de descumprimento de preceito fundamental”, prevista no parágra-fo 1º do art. 102 da Constituição da República, que será propos-ta perante o Supremo Tribunal Federal quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre ato fe-deral, estadual ou municipal, incluídos os anteriores a Consti-tuição vigente, e inexistir outro meio hábil para a solução da mesma. Note-se, aí, os dois requisitos para o conhecimento da ação, previstos no art. 4º do referido diploma normativo.

11.1. Finalidade

Sua finalidade principal, prevista no art. 1º da lei que a regula-menta, é “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”. E, nos termos do inciso primeiro do pará-grafo único do mesmo artigo, “caberá também argüição de descum-primento de preceito fundamental quando for relevante o fundamen-to da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.

Os dispositivos veiculados pelo inciso II do parágrafo único do art. 1º e pelo inciso II do art. 2º que permitiam, respectiva-

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mente, a argüição do descumprimento de preceito fundamen-tal, em face do Regimento de uma das Casas ou do Congresso Nacional e a interposição por qualquer pessoa lesada ou ame-açada pelo Poder Público foram vetados.

Na prática, portanto, pode-se dizer que a argüição será cabível para questionar a constitucionalidade de uma lei municipal promulgada sob a égide da Constituição vigen-te, na medida em que a alínea “a” do inciso I do art. 102 da Constituição Federal acabou por deixar uma lacuna sobre esse tema, quando não previu seu questionamento por via de ação direta de inconstitucionalidade, bem como para questionar a recepção de dispositivos promulgados anteriormente à Constituição Federal de 1988, quando for relevante o funda-mento jurídico da controvérsia sobre um desses assuntos.

Isso porque, consoante posicionamento firmado pelo Su-premo Tribunal Federal, não se admitem ações diretas de in-constitucionalidade que versem sobre direito anterior à pro-mulgação da Constituição Federal de 1988, por entender-se que, dispositivos infraconstitucionais anteriores que contrariem o Texto Magno vigente não são inconstitucionais, mas estão re-vogados, não tendo sido recepcionados pelo novo ordenamento. Por essa razão, não havia, até o final de 1999, qualquer possibi-lidade de se provocar a Corte Suprema com a finalidade de se obter a declaração da inconstitucionalidade desses dispositivos.

Como bem observou Zeno Veloso, há décadas, em nosso país, debate-se “a respeito de se considerar revogadas ou incons-titucionais as normas anteriores à Constituição que se tornaram incompatíveis com o superveniente Texto Magno, sendo antiquís-sima e expressiva a jurisprudência do Excelso Pretório de que não se trata de uma questão de inconstitucionalidade, de um proble-ma de hierarquia, mas de revogação, resolvendo-se o litígio pelas regras de direito intertemporal. Assim estabelecido, a matéria só chegaria ao Excelso Pretório por via de recurso extraordinário”125.

125 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 300.

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Ressalte-se, ainda, a necessidade da comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado, conforme exigência expressa do inciso V do art. 3º da lei analisada.

11.2. Competência para julgamento

Assim como ocorre na ação declaratória de constitucionali-dade, o único órgão do Poder Judiciário que detém competên-cia para apreciar a argüição de descumprimento de preceito fundamental é o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 1º da lei em exame.

11.3. Legitimados

Os legitimados para a propositura da argüição de des-cumprimento de preceito fundamental – ADPF são os mesmos que podem interpor a ação direta de inconstitucionalidade, vale dizer, aqueles constantes do rol do art. 103 da Constituição Fe-deral, conforme dispõe o art. 2º da lei sob exame.

11.4. Concessão de liminar

Há, ainda, a possibilidade de concessão de liminar, em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, por deci-são da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Fe-deral, ou, em períodos de recesso pelo relator, ad referendum do Tribunal Pleno (art. 5º).

11.5. Efeitos da decisão de mérito

Como regra geral, os efeitos da decisão que declara a in-validade da norma impugnada no processo de argüição de des-cumprimento de preceito fundamental são ex tunc, vale dizer, retroagem à data da publicação da lei ou ato normativo.

Todavia, a lei em exame repetiu, em seu art. 11, o que dis-põe o art. 27 da Lei Federal nº 9.868/99, que pretendeu discipli-nar o “processo e julgamento da ação direta de inconstituciona-

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174 Curso de Direito Constitucional

lidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”, autorizando a atribuição de efeitos ex nunc nas decisões de argüição de descumprimento de pre-ceito fundamental julgadas perante o Supremo Tribunal Federal, desde que presentes os requisitos de segurança jurídica e excepcional interesse social, e a decisão tenha aquiescência de 2/3 dos membros da Suprema Corte.

Como nas demais ações de controle de constitucionalida-de, a decisão proferida desencadeará efeito vinculante, obri-gando os demais juízes, tribunais e, até mesmo, as Administra-ções Públicas federal, estadual e municipal.

11.6. Procurador-Geral da República

Segundo determina o art. 7º da lei sob análise, “o Ministé-rio Público, nas argüições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para infor-mações”, confirmando a já mencionada previsão constitucional expressa do parágrafo 1º do art. 103, que exige a manifestação do Procurador-Geral da República em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.

11.7. Problemas conceituais

Ao que nos parece, o diploma legal em exame padece do vício de estar repleto de conceitos jurídicos indeterminados, quais sejam: “Argüição de descumprimento de preceito fundamen-tal”, “relevante fundamento da controvérsia constitucional”, “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”.

Marçal Justen Filho, analisando a competência para edição de “normas gerais” sobre licitações e contratos, reputou que o proble-ma residiria no fato de tal expressão apresentar-se como conceito jurídico indeterminado. Sua explicação, ao que nos parece, ajus-ta-se perfeitamente ao caso que ora examinamos. Ouçamo-lo:

“Como todo conceito jurídico indeterminado, a expressão ‘norma geral’ comporta dois núcleos de certeza. Há um núcleo

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de certeza positiva, correspondente ao âmbito de abrangência inquestionável do conceito. Há outro núcleo de certeza negativa, que indica a área a que o conceito não se aplica. Entre esses dois pontos extremos, coloca-se a zona de incerteza. À medida que se afasta do núcleo de certeza positiva, reduz-se a precisão na aplicação do conceito. Aproximando-se do núcleo de certeza ne-gativa, amplia-se a pretensão de inaplicabilidade do conceito. Não existe, porém, um limite exato acerca dos contornos do conceito.

A teoria dos conceitos jurídicos indeterminados não deságua na liberação do aplicador do Direito para adotar qualquer solução, a seu bel-prazer. Aliás, muito pelo con-trário. Conduz a restringir a liberdade na aplicação dos concei-tos jurídicos indeterminados. A incompatibilidade entre o limite do conceito e a atuação do aplicador resolve-se na invalidação dessa última”126 (grifos nossos).

Também é esse o entendimento do Ministro Carlos Mário Velloso que, em corajosa posição, defendendo a aplicabilidade imediata do dispositivo constitucional que vinha insculpido no parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal originária, o qual limitava as taxas de juros reais no país em 12% ao ano127, afirmou que “quando a norma constitucional contém um instituto cujo conceito jurídico é indeterminado, compete ao Juiz concreti-zar-lhe o conceito. Esta é mesmo uma tarefa do Poder Judiciário: concretizar conceitos jurídicos de institutos cujo conceito é inde-terminado. E como esse – juros reais – há inúmeros outros”128.

126 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 678.

127 Este polêmico dispositivo constitucional acabou revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003 que, alterando a redação do caput do art. 192 e revogando todos os seus incisos, alíneas e pará-grafos, transferiu a leis complementares a prerrogativa de normatizar o sistema financeiro nacional.

128 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A nova feição do mandado de injunção. Revista de direito público. São Paulo: Malheiros, nº 100, pp. 169-174, out-dez., 1991. p. 170.

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Por essa razão, cremos que surgirão inúmeras controvér-sias e polêmicas quando da implementação dos dispositivos legais aqui analisados, que só começarão a ser superadas no momento em que doutrina e jurisprudência forem expondo seus estudos sobre o exato conteúdo, sentido e alcance das diversas expressões mencionadas.

12. EFEITOS E IMPLICAÇÕES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA UNIDADE DO SISTEMA JURÍDICO

Alguns doutrinadores tratam a interpretação jurídica como uma atividade meramente cognoscitiva, ao passo que outros sustentam haver na interpretação um juízo decisório, dentro de uma gama de decisões possíveis.

Conforme já tivemos a oportunidade de nos manifestar, quando tratamos da hermenêutica jurídica, filiamo-nos à primei-ra corrente, que entende que o Cientista do Direito, após deixar o plano da linguagem do direito positivo (no qual a linguagem técnica do legislador manifesta-se de forma equívoca e repleta de imperfeições), passa por um processo de concreção cres-cente até que, valendo-se dos instrumentos que a Teoria Geral do Direito e a Lógica Jurídica lhes apresentam, chega-se a um discurso unívoco e isento de contradições ou dúvidas.

O mestre Paulo de Barros Carvalho ensina que “naque-le reduto formal (lógica jurídica), por haver uma estrutura de linguagem efetivamente unívoca, encontrará o cientista esque-mas seguros e precisos para captar o arcabouço da mensagem normativa, uma vez que os termos lógicos têm uma e somente uma significação”129.

Para aqueles que filiam-se à segunda teoria, contudo, os critérios últimos da interpretação resultam em um ato de von-

129 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 5.

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177Controle de constitucionalidade das leis e atos normativos

tade do intérprete. Seguindo a linha desenvolvida por Kelsen, argumentam que a interpretação da lei não conduz, necessa-riamente, a somente uma decisão correta, mas, por vezes, a várias, e que, em um ato de vontade, o jurista escolhe, den-tre as múltiplas significações normativas possíveis, aquela que pretende adotar.

As novas leis que vieram disciplinar o controle de constitu-cionalidade (Leis nº 9.868/99 e 9.882/99) adotaram essa segun-da concepção, na linha dos modernos estudos alemães acerca das implicações que a interpretação jurídica e, mais especifica-mente, que a escolha de uma ou outra significação normativa promove na unidade do ordenamento jurídico positivo.

É isso que pode ser constatado a partir da análise do pará-grafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/99, in verbis:

“Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vin-culante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Admi-nistração Pública Federal, estadual e municipal”.

A introdução de decisão judicial com efeito vinculante no Direito brasileiro já foi fartamente investigada, quando tratamos dos efeitos das decisões de mérito nas ações de controle. Pas-semos, então, à análise dos efeitos da decisão de inconstitu-cionalidade na unidade do sistema jurídico, a partir dos novos institutos acima destacados.

Ressaltamos que, embora não concordemos com a possibilidade de um mesmo intérprete concluir pela plurissignificação de uma norma jurídica, pelas razões de cunho lógico-jurídico delineadas desde o primeiro Ca-pítulo desta obra, quando apontamos as diferenças exis-tentes entre o direito constitucional positivo e a Ciência do Direito Constitucional, faz-se necessário o estudo desses institutos, em virtude do reconhecimento da constituciona-

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lidade do dispositivo supramencionado por parte do Supre-mo Tribunal Federal.

12.1 Interpretação conforme a Constituição e incons-titucionalidade parcial sem redução do texto

Segundo as lições de Celso Ribeiro Bastos, “pela inter-pretação conforme a Constituição, uma lei não deve ser de-clarada nula quando seja passível de uma interpretação que a coloque em plena sintonia com o conjunto normativo cons-titucional.

Quando uma norma infraconstitucional apresentar dúvidas em relação ao seu exato significado, deve dar-se preferência à interpretação que lhe coloque em conformidade com os pre-ceitos constitucionais. Isto nada mais é do que a aplicação do princípio da supremacia da Constituição dentro de um determi-nado ordenamento jurídico, aliado ao princípio de que, sempre que possível, uma regra deve ser compreendida de forma a ser dotada de eficácia, só devendo declarar-se sua inconstituciona-lidade como última ratio”130.

E, concluindo seu raciocínio em seu Hermenêutica e inter-pretação constitucional, o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, alertava, já em 1997, que a solução da interpretação conforme a Constituição seria inócua, se não fos-se atribuída força vinculante à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, pois a norma seria mantida no ordenamento jurídico, mas nada garantiria que os tribunais inferiores iriam utilizá-la de acordo com o entendimento manifestado pela Su-prema Corte.

Como já vimos, o Direito brasileiro acabou adotando a for-ça vinculante da decisão judicial nessas situações, acolhendo, assim, reivindicação de parte da doutrina, possibilitando uma

130 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 167.

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aplicação mais efetiva desse instituto. Vejamos o que o Diretor-Geral do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional escreveu à época:

“Sabe-se que na Alemanha a interpretação conforme a Constituição determina a procedência parcial da ação direta de inconstitucionalidade, declarando inconstitucionais aque-les sentidos que são incompatíveis com o Texto Constitucio-nal. No Brasil, a técnica difere na medida em que adotada a interpretação conforme à Constituição, a decisão da ação é de improcedência, já que a norma permanece no ordena-mento jurídico, com o sentido que a coloca em consonância com a Constituição. De qualquer forma, o que importa ob-servar é que os fundamentos da sentença, não gerando os efeitos da coisa julgada, abrem a possibilidade de descum-primento indireto da decisão da Corte pelos demais órgãos jurisdicionais. É que fica franqueada a possibilidade dos de-mais juízes e tribunais continuarem aplicando a norma infra-constitucional, já que não foi declarada inconstitucional, mas com algum dos sentidos apontados como inconstitucionais nos considerandos da decisão da Corte. A solução, ao me-nos no atual estágio, parece ser a incorporação do decisum da única interpretação da norma admitida pelo Tribunal, com a devida força vinculante”131.

12.2. Declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade e mutação constitucional

Nas palavras de Clèmerson Merlin Clève, “a Corte Consti-tucional, neste caso, declara constitucional a norma impugnada mas, ao mesmo tempo, alerta que ela encontra-se em trânsito para a inconstitucionalidade. Ou seja, a alteração das circuns-

131 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 167.

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tâncias fáticas ou mesmo da compreensão do significado da Lei Fundamental pode implicar, para a norma, o inserir-se num processo de ‘inconstitucionalização”132.

Para Celso Ribeiro Bastos, “no Direito Brasileiro, esta téc-nica decisória, que no Direito Alemão estaria inserida dentre as várias espécies do que lá se denomina de apelo ao legislador, pode ser aceita, desde que a norma não seja ainda plenamente inconstitucional, quer dizer, inconstitucional em todas as hipó-teses interpretativas que comporta. Vê-se, pois, que longe de ser uma hipótese apartada da anterior (inconstitucionalidade parcial sem redução do texto), com ela convive e, na maior par-te dos casos, será um plus à declaração de constitucionalidade da norma”133.

12.3. Declaração de inconstitucionalidade como apelo ao legislador

Finalmente, temos a figura da declaração de inconstitucio-nalidade como apelo ao legislador. No nosso sistema jurídico, tal sistemática perde bastante em importância na medida em que, uma vez reconhecida a inconstitucionalidade da norma, caberá ao órgão julgador pronunciá-la, o que não impede que indique os caminhos a serem percorridos pelo Legislativo, com vista à posterior regulamentação da matéria.

Não existem, porém, métodos efetivos para se exigir a mo-vimentação do aparato legislativo, o que, conforme já tivemos a oportunidade de analisar, inviabiliza, inclusive, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

132 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constituciona-lidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 174.

133 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 173.

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Capítulo VI

DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS E GARAN-TIAS FUNDAMENTAIS

Os direitos e suas garantias fundamentais constituem uma das partes mais importantes da Constituição Federal. Desde o início, eles foram concebidos como um meio, por excelência, de controle do poder estatal, na medida em que cada direito fundamental representa uma prerrogativa do indivíduo em face do próprio Estado, criando para este um dever de praticar ou não praticar algo. Como conseqüência, surge o Estado Demo-crático de Direito fundado, essencialmente, na distinção entre os direitos fundamentais – que são inseridos na própria Cons-tituição – e demais direitos que o indivíduo possa ter, inferidos do ordenamento jurídico como um todo.

A esses direitos fundamentais coube o importante papel de conter o Estado Absolutista. Sua implementação se deu no final do século XVIII, com a independência dos Estados Unidos da América e sua posterior Constituição, e com o desencadear da Revolução Francesa em 1789, que acabou por resultar na promulgação de uma “Declaração Universal dos Direitos do Ho-mem e do Cidadão”.

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Todavia, esse ideal não nasceu no século XVIII. Como aspiração e com manifestações tímidas, encontram-se traços seus em plena Idade Média, graças a importante colaboração dada pelo cristianismo. Esta é a razão, provavelmente, de os mundos romano e grego, antes do período marcado pela vinda do cristianismo, desconhecerem a noção de direitos individuais. Mesmo as comunidades políticas das cidades gregas, que se tornaram modelos de democracias diretas, não conheceram a figura dos direitos individuais. Ali, o indivíduo estava dissolvido na sociedade, de sorte que dispunha de prerrogativas de par-ticipação política em coletivo, na praça pública, jamais sendo considerado como um ser individualizado, portador de direitos e de significação, independentemente da comunidade na qual estava inserido.

Ainda assim foi possível, na Idade Média, impor-se algum privilégio ao Rei João Sem Terra, que em 1215 outorgou a Magna Charta Libertatum, na qual estão contidas as primeiras manifestações de conquistas dos nobres contra a soberania despótica do Rei. A partir daí forma-se o parlamento que vai absorver, gradativamente, poderes do Rei, sobretudo no campo das conquistas de proteção ao indivíduo e de contenção ao po-der estatal, sendo que, já em pleno século XVIII, pode-se dizer que a Inglaterra vivia sob o regime democrático, enquanto na Europa continental ainda predominavam as famílias reais todo poderosas.

O pensamento iluminista, de cunho racionalista, que pre-valeceu na França durante o século XVIII, teve extrema impor-tância nesse processo, propiciando que se revisse toda a reali-dade do homem no mundo, a partir de prismas racionais, o que levou ao questionamento do fundamento do poder e a razão de sua concentração na figura do Rei.

Até os dias atuais, podemos relacionar a existência de qua-tro dimensões de direitos fundamentais. Note-se que a grande maioria da dogmática constitucionalista prefere utilizar-se da expressão “gerações” para designar os vários grupos de direi-

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tos trazidos à lume ao longo dos tempos. Todavia, cremos que a expressão geração traz em seu bojo a idéia de renovação e sucessão, o que não ocorre com os direitos fundamentais, pois o surgimento de novos direitos não exclui os anteriormente prestigiados, vindo, ao contrário, somarem-se a eles.134

1.1. Direitos de primeira dimensão

É com esses antecedentes que se implementam mundial-mente os direitos fundamentais, na sua primeira manifestação ou sua primeira dimensão, que se dá com os direitos da Revo-lução Francesa, que garantiam a vida, a liberdade e a proprie-dade, além de outras manifestações típicas do estado liberal em matéria política, procurando se cercar de imunidade todas as manifestações individuais do homem.

Daí porque se falar, num período subseqüente de predomí-nio da burguesia, que os direitos fundamentais, embora fossem direitos benéficos a toda sociedade, foram institutos que viabili-zaram o surgimento do liberalismo econômico que predomina-ria no século XIX, na medida em que supriam exatamente as necessidades dessa classe, garantindo a igualdade de todos, a liberdade, o direito de livre trabalho, tornando possível o jogo do mercado e o desenvolvimento econômico.

Portanto, nessa primeira dimensão, deve-se notar o caráter negativo dos direitos, pois o Estado não se desincumbia deles, prestando certos serviços ou fornecendo algo, mas os cumpria na medida em que não os turbasse. Bastava que o Estado se abstivesse de praticar atentados à vida, à propriedade, prisões indevidas, desigualações entre os homens, restringindo-se à es-fera lícita de seu atuar, para que os direitos individuais estives-sem automaticamente implantados.

134 Neste sentido, cf.: TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitu-cional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 368.

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1.2. Direitos de segunda dimensão

Já na segunda dimensão de direitos, cuja concepção filo-sófica data do final do século XVIII, mas que obteve implemen-tação prática apenas no século XX, a ênfase já não foi o ho-mem exclusivamente em sua individualidade, mas a aquisição de prerrogativas do indivíduo em relação à coletividade. Daí porque serem denominados direitos sociais.

Celso Lafer ensina que esses direitos “têm como sujeito passivo o Estado, porque na interação entre governantes e go-vernados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los. O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua indivi-dualidade”135.

Na verdade, o livre jogo das leis de mercado deixou enor-mes seqüelas, sobretudo representadas por bolsões de pobre-za e miséria que cumpria, de alguma forma, diluir. E isso foi feito inicialmente na forma do pensamento, com diversas teorias so-cialistas, inclusive a de Karl Marx, postas em prática no século XX.

Nessa ocasião, vê-se o surgimento do direito ao tra-balho, à greve, à saúde, à educação, a esses bens que até hoje constituem, sem dúvida nenhuma, a aspiração de um Estado que atenda ao homem, tanto no seu aspecto individual como detentor de prerrogativas, quanto como ser social que pode, muitas vezes, desgarrar-se desse proces-so social, não conseguindo dele extrair o sustento para si e sua família.

Celso Lafer nos dá notícia histórica do surgimento dessa dimensão de direitos, ao afirmar que “no plano do Direito Posi-tivo o reconhecimento da importância dos direitos de segunda

135 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Le-tras, 1988. p. 127.

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geração já se encontra na Constituição Francesa de 1791, que no seu Título 1º, previa a instituição do secours publics para criar crianças abandonadas, aliviar os pobres doentes e dar tra-balho aos pobres inválidos que não o encontrassem”136.

No Brasil, seu surgimento data da Constituição promulga-da de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar, de 1919, mundialmente reconhecida por institucionalizar a so-cial-democracia. Além dela, merece menção a influência sofri-da pela Carta de 1934 da Constituição da República Espanhola de 1931.

1.3. Direitos de terceira dimensão

Se a primeira e a segunda dimensões de direitos fun-damentais tratam de direitos de titularidade individual, a terceira e a quarta dimensões veiculam direitos de titula-ridade coletiva. Assim é que, ainda durante o século XX, assistiu-se ao surgimento dos direitos políticos, indispen-sáveis para a consolidação da democracia e dos direitos difusos e coletivos.

Os direitos ou interesses difusos e coletivos somam-se às categorias clássicas de Direito Público e Privado, regulan-do situações que abarcam um grande número de pessoas: no caso de pessoas determinadas, temos os direitos coletivos; de pessoas indeterminadas, os interesses difusos.

Longe de pretender conceituar dispositivos da Constitui-ção Federal a partir da legislação infraconstitucional, o que traria por terra a supremacia constitucional sempre enfatiza-da, parecem-nos esclarecedores os conceitos trazidos pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, segundo o qual os interesses ou direitos difusos seriam “os transindividuais,

136 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 128.

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de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas inde-terminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, nos termos do inciso I do parágrafo único de seu artigo 81, ao passo que os interesses ou direitos coletivos apresentar-se-iam como “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”, nos termos do inciso subseqüente.

Finalmente, ainda como terceira dimensão de direitos fun-damentais, faz-se necessário enfatizar o aprimoramento dos direitos políticos.

Apresentam-se como o conjunto de regras que vão de-terminar a forma de participação dos cidadãos brasileiros nos rumos a serem adotados pela nação. Surgem como de-corrência do princípio democrático, insculpido no parágra-fo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Na elaboração e explicitação de seu conceito sobre direitos políticos, Celso Ribeiro Bastos não refoge às geniais palavras de Pimenta Bueno, que os definiu como sendo “prerrogativas, atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos. São o Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o di-reito de vontade ou eleitor, os direitos de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado”137.

137 BUENO, Pimenta apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito cons-titucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 71-2.

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187Direitos individuais e coletivos

Os direitos políticos serão amplamente analisados em capítulo próprio, para o qual reservamos considerações mais aprofundadas.

1.4. Direitos de quarta dimensão

A mais moderna das dimensões de direitos é a que pode-mos denominar republicanos.

Representam uma revolução no tratamento do tema, em virtude do fato de que, anteriormente, sempre se partia da exis-tência de dois pólos: o Estado e o cidadão. O cidadão ganhan-do, inicialmente, prerrogativas de abstenção do Estado (pri-meira dimensão); posteriormente, prerrogativas de prestação do Estado (segunda dimensão), e; por último, prerrogativas de interferência na composição dos governos, pelos direitos políti-cos (terceira dimensão).

Todavia, os direitos tradicionais, mesmo os direitos po-líticos por via da representação, não foram suficientes para garantir que o Estado viesse a ser um agente a serviço do bem comum. Durante décadas, imaginou-se que uma maior ou menor concentração de poderes nas mãos do Poder Pú-blico, por si só, seria suficiente para proporcionar o alcance da paz social. Discutia-se, assim, se o Estado deveria ser mais intervencionista, revelando uma ideologia de Estado social, ou menos intervencionista, em uma concepção de Estado liberal.

Percebe-se, atualmente, que a questão não passa, exclusi-vamente, por uma maior ou menor parcela de intervencionismo, mas pela tomada de consciência do papel que a sociedade civil organizada deve exercer na condução dos rumos estatais. Esta última dimensão de direitos, assim, permite o acesso da socie-dade, por meio de grupos especializados, no controle e na gestão da res publica.

Em virtude disso, são muito freqüentes os conselhos que atuam ao lado de serviços públicos que, anteriormente,

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eram prestados de forma unilateral pelo Estado, que apenas cede os bens, sendo o controle realizado por órgãos colegia-dos, de composição heterogênea, nos quais estão presentes representantes da sociedade civil.

Como exemplos dos direitos de quarta dimensão no tex-to constitucional, podemos lembrar: a) o disposto no art. 10 da Constituição Federal de 1988 que prevê “a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos pú-blicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação”; b) o inciso II do art. 29 que prescreve “cooperação das associações representati-vas no planejamento municipal”; c) o parágrafo 3º do art. 37 ao prescrever que “a lei disciplinará as formas de participa-ção do usuário na administração pública direta e indireta”; d) o inciso VII do art. 194, ao dispor ser objetivo da seguridade social assegurar o “caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participa-ção dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”; e) o inciso III do art. 198 que prevê a “participação da comunidade” nas ações e serviços públicos de saúde; f) o inciso II do art. 204, que deter-mina a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” nas medidas governamentais na área da assistência social; g) a previsão de “gestão demo-crática do ensino público”, prescrita no inciso VI do art. 206; h) o parágrafo 1º do art. 227 que impõe ao Estado promover “programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não gover-namentais”; entre outros.

Além disso, a legislação infraconstitucional prevê inúmeros outros mecanismos de participação da comunidade como, v.g., o orçamento participativo, adotado por vários entes federativos, no qual a sociedade civil, ao lado do Poder Público, prioriza os investimentos a serem realizados.

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Destaca-se, ainda, o surgimento de mecanismos de Parcerias público-privadas, instituídas a partir da edição da Lei Federal nº 11.079/04 que, a exemplo do que já ocorria com os contratos de concessão de obras públicas, prevê a possibilida-de de realização de investimentos na área de infra-estrutura por empresas privadas138.

Quando do estudo da Administração Pública, analisaremos, ainda, as “organizações sociais” e as “organizações da so-ciedade civil de interesse público”, oportunizando visualizar um pouco mais a importância dessa interferência da sociedade civil na gestão e controle do Estado, assumindo contornos essenciais para o desenvolvimento nacional.

Assim, estamos certos de que os direitos ora denomina-dos republicanos serão, seguramente, a forma dos direitos do futuro, que se voltarão a controlar o Estado, que acabou se tornando muito grande durante o século XX, a partir de instrumentos mais eficazes do que os tradicionais, da repre-sentação política.

2. DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS NA CONSTI-TUIÇÃO DE 1988

O art. 5º da Constituição Federal traz o rol de direitos e garantias individuais na Constituição Federal de 1988, que se apresentam como comandos de forte cunho principiológico. É assim quando consagra os direitos à vida, igualdade, legali-dade, liberdade, segurança, propriedade, com todos os seus desdobramentos.

A doutrina é unânime em afirmar que o tema de maior importância, quando do estudo de uma disciplina jurídica, é a

138 Para maiores considerações sobre esses temas, remetemos o leitor ao nosso Licitações e Contratos Administrativos.

Cf.: MIRANDA, Henrique Savonitti. Licitações e contratos administrativos. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2005. pp. 115-120 e 199-202.

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análise dos princípios que norteiam toda a atividade de inter-pretação e aplicação das normas jurídicas desse ramo didatica-mente autônomo do conhecimento jurídico.

Isso porque os princípios jurídicos são, na visão de Roque Antônio Carrazza, as “vigas mestres” e os “alicerces” sobre os quais se erige todo o ordenamento jurídico positivo, de sorte que a violação de um princípio pode acarretar o desmorona-mento de todo o “edifício jurídico”139.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua princípio ju-rídico como “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre di-ferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de cri-tério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normati-vo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. E conclui:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofen-sa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegali-dade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” 140 (grifos nossos).

Os princípios são, pois, algo que se sobrepõe a todas as demais normas do sistema, na medida em que se apresentam como postulados de orientação que se colocam como premis-sas inafastáveis das relações jurídicas sobre as quais atuam.

139 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributá-rio. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. pp. 30-1.

140 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 747-8.

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Por essa razão, dizemos que os princípios apresentam-se como normas de estrutura, vale dizer, são comandos que versam sobre a produção de outros mandamentos normativos, as nor-mas de comportamento.

Destarte, as primeiras direcionam-se basicamente à ativi-dade do legislador e do administrador público, em suas tarefas de criar as segundas, quais sejam, as normas infraconstitucio-nais, que irão ferir diretamente as condutas intersubjetivas, e os atos normativos infralegais que as regulamentarão.

Vejamos, pois, os aspectos de maior relevância de alguns dos mais importantes princípios consagrados pelo legislador constituinte de 1988.

3. DIREITO À VIDA

A vida humana, objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, da Constituição da República, segundo as lições de Ale-xandre de Moraes, apresenta-se como “o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existên-cia e exercício de todos os demais”141.

No mesmo diapasão, José Afonso da Silva afirma: “De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamen-tais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos”142.

Assim, não é necessário realizarmos considerações meta-jurídicas para enfatizar a importância da prescrição normativa que tutela o direito à vida humana: a Constituição Federal o consagra e, ainda que quiséssemos, não poderíamos negar-lhe existência. Ademais, toda a doutrina reconhece tal importân-cia, o que se depreende da análise apurada das mais variadas

141 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 61.

142 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 201.

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obras jurídicas, apontando-a como o principal direito a ser tu-telado por qualquer ordem jurídica, porque é pressuposto da existência dos demais.

O legislador constituinte simplesmente garantiu o direito “à vida”, sem traçar qualquer outra referência. No seio de nossa As-sembléia Constituinte, existiam três importantes correntes que versaram o assunto, como bem asseverou José Afonso da Silva: uma delas queria assegurar o direito à vida, desde a concepção; outra, o direito à vida, desde o nascimento, o que possibilitaria o aborto, e; finalmente, havia aqueles que entendiam que a Consti-tuição deveria omitir-se, garantindo apenas o direito à vida143.

Cremos que, nesse ponto, o legislador constituinte andou bem, porque adotou a terceira proposta, delegando àqueles que têm capacidade para tanto, a tarefa de demonstrar, cientificamente, o exato momento do surgimento da vida humana.

Atualmente, é praticamente unânime dentre a comunidade médico-científica o entendimento de que a vida humana tem início com a concepção. Nesse sentido, o Comitê do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina manifestou-se, em 8 de outubro de 1991, no jornal The New York Times: “O Comitê Nobel obser-vou que a vida tem o seu início com a ativação dos canais do íon, à medida que o espermatozóide se une ao óvulo durante a fertilização. Todas as células possuem cargas elétricas dentro e fora da célula, e a diferença é conhecida como o potencial da membrana. A fertilização altera o potencial para evitar que ou-tros espermatozóides se unam ao óvulo fertilizado”.144

A partir dessas informações oriundas da comunidade cien-tífica mundial, os juristas – que até então não enfrentavam o tema – começaram a se posicionar sobre o assunto. Dentre eles, Alexandre de Moraes lembra que:

143 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 206.

144 CLOWES, Brian. Os fatos da vida. Miami: Human life international, 1997. p. 204.

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“Conforme adverte o biólogo Botella Lluziá, o embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga gené-tica própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe. A constituição, é importan-te ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive uterina”145 (grifos nossos).

A Constituição Federal, portanto, protege a vida humana, apresentando como única exceção o disposto na alínea “a” do inciso XLVII do art. 5º, que prevê a possibilidade da instituição de pena de morte, na eventualidade da ocorrência de uma guerra. Não existe, no direito constitucional positivo brasileiro, qualquer outra exceção ao direito à vida.

3.1. Aborto

Tema sempre polêmico é o que versa sobre a constitucio-nalidade de dispositivos que autorizem o abortamento. Confor-me já mencionado – e analisando o problema exclusivamente sob a ótica dogmática – a Constituição Federal consagra o di-reito à vida humana, sem qualquer restrição, senão aquela que prevê a possibilidade de aplicação de pena de morte em caso de guerra declarada.

Ora, o que o legislador constituinte não excepciona, não é dado ao legislador infraconstitucional fazê-lo. Se a norma cons-titucional que tutelasse o direito à vida não fosse de eficácia plena, e o protegesse “nos termos da lei” ou “nos termos de lei complementar”, seria perfeitamente lícito ao legislador ordinário traçar limitações a este direito constitucionalmente assegurado. Mas não é o que ocorre.

À guisa de exemplo, podemos citar o direito à propriedade, consagrado pelo legislador constituinte, sem restrições, ao lado

145 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 62.

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do direito à vida, no próprio caput do art. 5º da Constituição da República. Embora o legislador não excepcione imediatamente o direito à propriedade, ele o faz quando, v.g., menciona que a pro-priedade atenderá a sua função social (inciso XXII, art. 5º); que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por ne-cessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, median-te justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição (inciso XXIV, art. 5º); e, mais ainda, quando nos arts. 184 a 186, no Capítulo da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária vem traçar as demais hipóteses e procedimentos para a realização de desapropriações.

Note-se que, no caso do direito à propriedade, o legisla-dor constituinte, no próprio Texto Constitucional, oferece os limites que julga adequados à utilização desse direito, o que é perfeitamente possível, em razão do postulado da unidade da Constituição.

Isso não acontece no que se refere ao direito à vida huma-na, exceto na hipótese já mencionada de guerra declarada. Não havendo outras exceções previstas no Texto Constitucional, o legislador ordinário não poderá criá-las, em razão do mais im-portante dos pressupostos hermenêutico-constitucionais, qual seja, o postulado da supremacia da Constituição.

O Código Penal, no entanto, autorizaria a realização do abortamento em duas hipóteses: a) quando não houver outro meio para salvar a vida da mãe, e; b) quando a gravidez resultar de estupro, nos termos de seu art. 128.

Entretanto, à luz do Direito Constitucional, cremos que o dispositivo autorizativo da realização do abortamento, quando a vida humana houver resultado de um estupro (inciso II do art. 128 do Código Penal), não se coaduna com ordenamento cons-titucional atual, em razão dos argumentos já aduzidos.

Ressalte-se que a mesma solução não deve ser adotada na hipótese do inciso I do mesmo art. 128, que dispõe sobre a pos-sibilidade da realização do abortamento quando não houver ou-tro meio para se salvar a vida da gestante. Neste caso, estamos

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diante de dois bens juridicamente tutelados de igual valor: a vida da mãe e a vida do nascituro. Assim, ante a impossibilidade de se manter ambas as vidas, o abortamento seria perfeitamente acei-tável, pelo risco da perda de ambos os bens constitucionalmente tutelados. É certo que, em razão da grande evolução da medicina, é praticamente impossível vislumbrar-se situações concretas nas quais o abortamento seja indispensável para a preservação da vida da gestante. Todavia, caso isso ocorra, estará autorizado.

Salientamos, para finalizar, que a posição acima demons-trada resulta de uma investigação realizada exclusivamente sob a ótica dogmática, ou da Ciência do Direito stricto sensu, que se ocupa em descrever o direito positivo hic et nunc, desprovido de quaisquer conotações metajurídicas. Nossas conclusões, por certo, não agradarão àqueles que, por convicções religiosas, sociológicas ou políticas, são contra a realização do aborta-mento, porque não o admitem em nenhuma hipótese, tampou-co agradarão os que são favoráveis, por quererem ampliar as possibilidades de efetivação; apenas manterão coerência com a linha epistemológica que vimos desenvolvendo.

3.2. Eutanásia

Nas lições de José Afonso da Silva, fala-se em eutanásia “quando se quer referir à morte que alguém provoca em outra pessoa já em estado agônico ou pré-agônico, com o fim de li-berá-la de gravíssimo sofrimento, em conseqüência de doença tida como incurável, ou muito penosa, ou tormentosa”146.

Atualmente, o Direito brasileiro veda a realização da euta-násia e, em virtude dos mesmos argumentos aduzidos quando estudamos o aborto, cremos que eventual introdução da medi-da apresentar-se-ia incompatível com a Constituição Federal, por ofensa ao direito à vida humana.

146 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 205.

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3.3. Pena de morte

Pelos argumentos já expostos, entendemos que padece da coima de inconstitucionalidade qualquer tentativa de introdução de pena de morte no ordenamento jurídico brasileiro, com a única exceção do já disposto na alínea “a” do inciso XLVII do art. 5º, que prevê a possibilidade da instituição de pena de morte, na eventualidade da ocorrência de guerra declarada. O Código Penal Militar, em seus arts. 55 a 57 disciplina a matéria.

Faz-se importante relembrar que os direitos e garantias individuais, conforme já estudado, apresentam-se como cláu-sulas pétreas, insuscetíveis de alteração, portanto, inclusive pelo exercício do poder constituinte derivado.

4. PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O princípio da igualdade se apresenta como a norma constitucional que detém a maior força principiológica, derra-mando-se sobre a totalidade do ordenamento jurídico e incidin-do, diretamente, no exercício dos demais direitos.

Tanto é assim, que vem insculpido na própria “cabeça” do art. 5º, que dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distin-ção de qualquer natureza...”.

Esse trecho já é suficiente para detectarmos o fundamento de um direito à igualdade. Todavia, o que convém examinarmos é o tipo de isonomia que a norma constitucional pretende prestigiar.

Sabemos que grande parte das expressões jurídicas são equívocas, vale dizer, portadoras de diversos significados, as-sim como as demais palavras da maioria dos idiomas. O desa-fio, por isso, consiste em construir o real significado semântico da expressão analisada.

Na realidade, podemos perceber que a isonomia aí refe-rida não representa a igualdade substancial, ou seja, o tra-tamento uniforme de todos os homens na fruição dos bens da vida, porque esta realidade não foi atingida em nenhum lugar

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do mundo, por diversos fatores que não cabe aqui delinear, mas a igualdade formal, que se consubstancia no tratamento iso-nômico de todos perante a lei. Nos dizeres de Aristóteles, iso-nomia consiste “em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualem e na exata pro-porção de suas desigualdades”.

Destarte, o que a Constituição pretende ver consagrado, como respeito à igualdade, é a circunstância de todos terem iguais possibilidades de manifestar as suas diferenças, vedan-do-se a elaboração de normas que discriminem os indivíduos por razões não legitimadas pela sociedade. O centro de gra-vitação do princípio da igualdade formal está na prerrogativa que todo cidadão possui em não ser desigualado pela lei, senão em consonância com critérios legítimos, albergados ou, ao menos, não vedados pelo ordenamento jurídico constitucional.

Não nos esqueçamos de que o papel da lei é, em regra, diferenciar, na medida em que separa aqueles para os quais ela se dirige, daquel’outros que estão fora do campo de incidência de seus comandos. No entanto, a norma é obrigada a respeitar a igualdade. Como isto é possível? Não fazendo distinções odio-sas, como diferenciações calcadas no sexo, na raça, na ideolo-gia, nos credos religiosos de seus destinatários, entre outras.

Há, portanto, necessidade de que as leis, ao distinguirem seus destinatários, o façam em nome de um critério legitima-do pela sociedade, em observância ao princípio da razoabili-dade, sob pena de estar instaurando o arbítrio. O princípio da igualdade visa impedir, assim, que as leis tenham um critério de discriminação não legitimado pela cultura e pelos valores vigentes em determinada sociedade.

4.1. Ações afirmativas ou discriminações positivas

Atualmente, tem ganhado espaço o debate acerca da cons-titucionalidade da existência das denominadas ações afirma-tivas ou discriminações positivas, que se apresentam como

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mecanismos de distinção que visam corrigir distorções culturais ou sociais surgidas em razão de injustiças históricas.

Como exemplo desses mecanismos, temos a recente dis-cussão sobre a reserva de vagas para afrodescendentes nas universidades públicas, a reserva de vagas para as candida-turas de mulheres para os cargos proporcionais (deputados e vereadores), previstos na Lei Eleitoral, ou os casos de reserva de vagas para deficientes físicos em concursos públicos.

Como já afirmamos, o princípio da isonomia não se coa-duna com o tratamento uniforme a todas as pessoas indistinta-mente, mas com a idéia de isonomia defendida por Aristóteles. Dessa forma, a ausência de condições igualitárias de competi-ção justifica a existência de mecanismos de compensação que, ao contrário do que se pensa, nem sempre são efetivados em favor de minorias, como é o caso, v.g., das mulheres e dos afro-descendentes no Brasil, que se apresentam, ao contrário, como a maioria da população.

As ações afirmativas, assim, não representam ofensa ao princípio da igualdade, por não serem realizadas a partir de critérios odiosos. Dessa forma, como seu objetivo não é o de prejudicar o destinatário da norma mas, ao revés, beneficiá-lo, cremos que com sua implantação, e desde que observado o princípio da razoabilidade, o Poder Público estará, na realidade, prestigiando o princípio constitucional da isonomia.

5. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Outro primado basilar para a consagração do Estado De-mocrático de Direito é o princípio da legalidade, insculpido no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, in verbis: “Nin-guém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.

Investigação importante relaciona-se ao deslinde do exa-to conteúdo da expressão “lei”, utilizada pelo legislador no dispositivo constitucional em análise. Teria ele se utilizado do

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vocábulo para designar apenas as “leis ordinárias”? Ou todo o ordenamento jurídico? Ou, ainda, apenas alguma classe de normas?

Para melhor compreender o assunto, faz-se necessário apontar os traços distintivos das espécies normativas presti-giadas pelo direito positivo brasileiro. São duas: as espécies normativas primárias e as secundárias. A elas, Paulo de Barros Carvalho dá a denominação de instrumentos introdutórios de normas primários e secundários.

Os instrumentos primários são aqueles que possuem o condão de inovar a ordem jurídica, estabelecendo novas per-missões, obrigações ou proibições. Os secundários detêm natureza meramente regulamentar, possuindo como finalidade possibilitar a aplicação das normas primárias, individualizando ou detalhando seus comandos.

Em suas palavras: “Entenda-se ‘lei’ no sentido amplo e tere-mos o quadro dos instrumentos primários de introdução de nor-mas no direito brasileiro, válido para as quatro ordens jurídicas que compõem o sistema total. A lei e os estatutos normativos que têm vigor de lei são os únicos veículos credenciados a pro-mover o ingresso de regras inaugurais no universo jurídico bra-sileiro, pelo que as designamos por ‘instrumentos primários’. Todos os demais diplomas regradores da conduta humana, no Brasil, têm sua juridicidade condicionada às disposições legais, quer emanem preceitos gerais e abstratos, quer individuais e concretos. São, por isso mesmo, considerados ‘instrumentos secundários’ ou ‘derivados’, não apresentando, por si só, a força vinculante que é capaz de alterar as estruturas do mundo jurídico positivo. Realizam os comandos que a lei autorizou e na precisa dimensão que lhes foi estipulada. Ato normativo infrale-gal, que ultrapasse os limites fixados pela lei que lhe dá sentido jurídico de existência, padece da coima da ilegalidade, que o sistema procura repelir.

Sintetizamos, para assertar que os instrumentos introdutó-rios de normas se dividem em instrumentos primários – a lei

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na acepção lata – e instrumentos secundários ou derivados – os atos de hierarquia inferior à lei, como os decretos regula-mentadores, as instruções ministeriais, as portarias, circulares, ordens de serviço etc.”147 (grifos nossos).

Os instrumentos primários, como a Constituição Federal, a lei complementar, a lei ordinária e o decreto legislativo, são edi-tados, em regra, pelo Poder Legislativo. Os instrumentos secun-dários, como o decreto regulamentar, as instruções ministeriais, as circulares, as portarias, as ordens de serviços, os ofícios, os memorandos, são produzidos pela Administração Pública.

Por certo que a expressão “lei”, utilizada pelo Texto Consti-tucional, foi tomada em seu sentido lato, pretendendo designar todos os veículos primários de introdução de normas no sis-tema jurídico, quais sejam, aqueles meios hábeis a criar novas obrigações, proibições ou permissões na esfera jurídica, re-lacionados nos sete incisos do art. 59 da Constituição Federal.

Os instrumentos secundários, por sua vez, como o decreto regulamentar, as instruções ministeriais, as circula-res, as portarias, as ordens de serviço, os ofícios, os me-morandos, detêm natureza meramente regulamentar, pos-suindo como finalidade possibilitar a aplicação das normas primárias, detalhando seus comandos, ou individualizado-ra, transformando os comandos gerais e abstratos das leis e atos normativos, em determinações individuais e concretas. Encerram, pois, o poder regulamentar da Administração Pública, que será pormenorizado no Capítulo destinado à Organização dos Poderes.

No campo do Direito Público, o princípio da legalidade, ainda, explicita a subordinação da atividade administrativa à lei. O administrador privado conduz seu empreendimento com do-minus, agindo com os poderes inerentes à propriedade em toda a sua extensão. Assim, tudo o que não é proibido, é permitido

147 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 42.

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ao gestor privado. Diga-se, ainda, que o administrador priva-do pode inclusive conduzir ruinosamente seu empreendimento sem que muito possa ser feito por terceiros.

Nesse sentido são as difundidas lições do saudoso Hely Lopes Meirelles, para quem “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administra-ção Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”148.

6. PROIBIÇÃO DE TORTURA, TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE

A vedação constitucional à tortura, tratamento desuma-no ou degradante vem prevista no inciso III do art. 5º que, ainda no seu inciso XLIII, prescreve que “a lei considerará cri-mes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a práti-ca da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

José Afonso da Silva, referindo-se a Cesare Beccaria, maior monografista do tema, leciona: “Beccaria, que escre-veu famoso libelo contra as penas cruéis, deixou páginas im-pressionantes na condenação da tortura. Para ele, ela é uma forma de terror, pelo qual se exige que ‘um homem seja ao mesmo tempo acusador e acusado’, enquanto a ‘dor se torna o cadinho da verdade, como se o critério desta residisse nos músculos e na fibra de um miserável’; que ela ‘é o meio seguro de absolver os robustos celerados, e de condenar os frágeis inocentes”149.

148 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 82.

149 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 207.

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A tortura caracteriza-se pela imposição de constrangimen-to a alguém, feito com emprego de violência ou grave ameaça, provocando à vítima sofrimento físico ou psicológico.

O tratamento desumano é a imposição de tratamento análogo ao de animal, como ocorre, v.g., com o trabalho escra-vo, a superlotação em celas de presídios ou penitenciárias, ou quando alguém mantém um filho acorrentado em casa.

O tratamento degradante é a imposição de condutas hu-milhantes, o que ocorreria se a legislação brasileira impusesse a pena de chibatadas nas nádegas, em praça pública, àqueles que cometessem determinados delitos.

A lei a que se refere o inciso XLIII do art. 5º, que considera crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prá-tica de tortura e outros crimes já foi editada. É a Lei Federal nº 9.455/97, que o faz em seu art. 1º.

7. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DIREITO DE RESPOSTA

A Constituição Federal consagra a liberdade de manifes-tação do pensamento, estando vedado o anonimato, bem como o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização pelo dano moral, material ou à imagem. É o que vem prescrito nos incisos IV e V do art. 5º da Carta Federal.

O art. 220 da Constituição Federal determina, ainda, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a infor-mação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

A vedação ao anonimato, prevista no inciso IV da Consti-tuição Federal não impede, v.g., o uso de pseudônimos. O que se pretende coibir no dispositivo em exame é que o corporati-vismo eventualmente existente nos meios de comunicação im-peça a identificação do autor de matéria causadora de dano material, moral ou à imagem. Assim, nada impede o uso de pseudônimos ou de matérias assinadas pela redação, desde

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que seja possível identificar o autor, em eventual ação penal ou de indenização.

Os abusos poderão acarretar, ainda, o direito de respos-ta proporcional ao agravo. Por ele, assegura-se ao lesado a prerrogativa de valer-se dos mesmos meios utilizados para a propagação do dano, para aduzir seus argumentos, contradi-tando a informação veiculada.

Por fim, fica assegurada a indenização pelo dano material (prejuízos patrimoniais), moral (dor, tristeza, indignação, revol-ta, sofrimento, humilhação) ou à imagem (utilização ou publi-cação indevida de seu retrato), em virtude de eventuais abusos cometidos quando da utilização da liberdade de manifestação do pensamento.

8. LIBERDADES DE CONSCIÊNCIA, DE CRENÇA, DE CULTO RELIGIOSO E DE CONVICÇÕES FILOSÓFICAS OU POLÍTICAS

As liberdades de consciência e de crença religiosa, de culto, de convicções filosófica e política, além do direito à prestação de assistência religiosa nas entidades civis e mili-tares de internação coletiva e da escusa de consciência, vêm disciplinadas pelos incisos VI a VIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988.

8.1. Liberdade de consciência e de crença

Faz-se importante salientar que a Constituição Federal de 1988 separa a liberdade de consciência da liberdade de cren-ça, diferentemente do que fazia a Constituição de 1967/69, que apenas fazia menção à liberdade de consciência, assegurando aos crentes o livre exercício dos cultos religiosos. A liberdade de crença era, assim, uma forma de liberdade de consciência.

Pontes de Miranda, em seu Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1 de 1969, ressaltava a importância de diferenciar-se essas duas liberdades, quando anotava que “am-

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bas são inconfundíveis, pois o descrente também tem a liberda-de de consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito”. E concluía afirmando que “a liberdade de crença com-preende a liberdade de ter uma crença e a de não ter crença”150.

Nesse sentido, resta claro que a liberdade de crença abarca a liberdade de descrença, a de não aderir a qualquer reli-gião e a de ser ateu.

8.2. Liberdade de culto religioso

Com relação à liberdade de culto religioso, cabe anotar que a Constituição Federal, no inciso VI do art. 5º, assegura o livre exercício dos cultos religiosos e garante, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Como forma de tutela da liberdade de culto religioso, a Carta Magna assegura, ainda, imunidade tributária aos tem-plos de qualquer culto, nos termos da alínea “b” do inciso VI de seu art. 150.

Todavia, faz uma ressalva, logo quando inicia a disciplina da Organização do Estado brasileiro: fica vedado à União, aos Esta-dos, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer cultos re-ligiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funciona-mento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colabora-ção de interesse público”. É o que dispõe o inciso I do art. 19.

Isso porque o Estado brasileiro não é um Estado teocráti-co, que adota uma religião oficial, como fizera a Constituição de 1824, que em seu art. 5º estabelecia que “a Religião Católica Apostólica Romana é a Religião do Império”. As demais religiões eram apenas toleradas e o Imperador, antes de tomar posse, deveria jurar manter a religião oficial, nos termos do art. 103.

150 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Consti-tuição de 1967: com a Emenda nº 1 de 1969. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. t.V, p. 119.

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Em 1890, ainda antes da promulgação da Constituição da República e durante o período de Governo Provisório, o Brasil estabeleceu a liberdade religiosa, separando o Estado da Igreja, o que, felizmente, perdura até os dias atuais. A história recente tem mostrado o enorme risco à humanidade da mistura entre Estado e religião.

Desde então, o Estado brasileiro apresenta-se leigo, laico ou não-confessional.

Assegura-se, ainda, a prestação de ensino religioso, de matrícula facultativa, nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Tal direito vem previsto no parágrafo 1º do art. 210 da Constituição Federal, estando a obrigatoriedade restrita à Rede Pública de Ensino Oficial.

8.3. Objeção de consciência

O direito à objeção de consciência ou escusa de cons-ciência vem disciplinado no inciso VIII do art. 5º da Constituição Federal, ao dispor que “ninguém será privado de direitos por mo-tivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, sal-vo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.

No parágrafo 1º do art. 143, ao disciplinar o Serviço Militar Obrigatório, dispõe que: “Às Forças Armadas compete, na for-ma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entenden-do-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar”.

Nas lições de Celso Ribeiro Bastos, a objeção de consciên-cia “é o direito reconhecido ao objetor de não prestar o serviço mi-litar nem de engajar-se no caso de convocação para a guerra, sob o fundamento de que a atividade marcial fere as suas convicções religiosas ou filosóficas. É verdade que o Texto fala em ‘eximir-se de obrigação legal a todos imposta’ e não em ‘serviço militar’. É fá-

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cil verificar-se, contudo, que a hipótese ampla e genérica do Texto dificilmente se concretizará em outras situações, senão naquelas relacionadas com os deveres marciais do cidadão. A experiência de outros países também confirma esse fato”151.

De fato, a hipótese mais comum de objeção de consciência refere-se a não-prestação do serviço militar obrigatório. Toda-via, poderíamos pensar, também, no caso de alguém que se recuse a votar, por se definir como anarquista e não acreditar em Estados ou governos. O voto no Brasil, como sabemos, é obrigatório aos maiores de dezoito e menores de setenta anos, por força do disposto no parágrafo 1º do art. 14 da Carta Fe-deral. Seria uma hipótese de escusa em virtude de convicções políticas.

Os dois comandos referidos se apresentam como normas constitucionais de eficácia limitada, pendentes, portanto, de re-gulamentação para que iniciem a produção dos seus efeitos práticos.

A regulamentação, na hipótese de recusa à prestação de serviço militar obrigatório, veio com a Lei Federal nº 8.239/91, regulamentada pela Portaria nº 2.681/92. Nos termos da refe-rida Lei, caracteriza-se “serviço militar alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar”.

9. LIBERDADE DE EXPRESSÃO DA ATIVIDADE INTELEC-TUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E DE COMUNICAÇÃO

O inciso IX do art. 5º da Constituição Federal dispõe que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cien-tífica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

151 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 192.

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Trata-se, na realidade, de um desdobramento do direi-to à livre manifestação do pensamento, já estudado acima, com ênfase às atividades intelectual, artística, científica e de comunicação.

Assegura, também, que essas manifestações não estarão sujeitas à uma censura prévia, conforme corrobora, ainda, o parágrafo 2º do art. 220 ao dispor ser “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Contudo, não se deve confundir – como alguns veículos de comunicação têm feito – censura com regulamentação.

Embora a Constituição Federal assegure a liberdade de manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, algumas dessas manifestações ficam sujeitas a uma regulamentação específica, conforme dispõe o parágra-fo 3º do art. 220 da Constituição Federal, que assegura compe-tir à Lei Federal:

“I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etá-rias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou pro-gramações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e ser-viços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

Assim, não padecem de inconstitucionalidade medidas le-gais que exigem que emissoras de televisão informem as faixas etárias a que não se recomendam determinados programas, que restrinjam o acesso de crianças a cinemas em determina-dos tipos de filmes, proíbam a propaganda de cigarros ou de bebidas alcoólicas em determinados horários, entre outras.

Pretendendo regulamentar o disposto no inciso II do dispo-sitivo em exame, ainda, veio à lume a Medida Provisória nº 195, de 29 de junho de 2004, que dispunha sobre a obrigatoriedade de os novos aparelhos de televisão, comercializados no mer-

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cado interno a partir de data a ser fixada em regulamento, não posterior a 31 de outubro de 2006, conterem dispositivo para bloqueio temporário da recepção de programação considerada inadequada. A Medida Provisória em questão acabou sendo rejeitada pelo Congresso Nacional.

Prevê o art. 221 da Constituição Federal, ainda, que a pro-dução e a programação das emissoras de rádio e televi-são deverão atender aos seguintes princípios: a) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; b) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; c) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei, e; d) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

10. INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM

Prescreve o inciso X do art. 5º da Constituição Federal que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Intimidade e vida privada apresentam-se como realida-des muito intrincadas, sendo a segunda, na realidade, ambien-te de manifestação da primeira.

A intimidade consiste na esfera particular do indivíduo, seus costumes, manias, cacoetes, fragilidades, sentimentos e sensações, ao passo que a vida privada apresenta-se como o local onde a pessoa manifesta sua intimidade, em suas rela-ções afetivas e pessoais. A proteção à vida privada, na verda-de, só tem razão de ser porque nela o indivíduo deposita traços de sua intimidade. O direito à vida privada é, pois, corolário do direito à intimidade.

Já a honra, nas lições de José Afonso da Silva, “é o con-junto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o

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respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É direito fundamental da pessoa resguardar essas qualidades. A pes-soa tem o direito de preservar a própria dignidade – adverte Adriano de Cupis – mesmo fictícia, até contra ataques da ver-dade, pois aquilo que é contrário à dignidade da pessoa deve permanecer um segredo dela própria. Esse segredo entra no campo da privacidade, da vida privada, e é aqui onde o direito à honra se cruza com o direito à privacidade”152 (grifos nossos).

O direito à imagem, por sua vez, não abarca apenas a proteção contra a exibição indevida da representação física do indivíduo, mas também da forma pela qual determinada pessoa é vista em seu meio social e profissional. A inviolabilidade da imagem garante à pessoa não ser exposta publicamente sem o seu consentimento, tanto no que concerne a seu aspecto físico quanto ao social, protegendo-lhe a forma como a sociedade o enxerga, sua reputação, a boa fama e o decoro.

Celso Ribeiro Bastos adverte-nos que “o problema deli-cado que esse direito suscita é que muitas pessoas vivem de sua imagem e conseqüentemente estão por decorrência da sua própria profissão colocadas em um nível de exposição pública que não é próprio das pessoas comuns153.

É curial, portanto, que essas pessoas, que profissional-mente estão ligadas ao público, a exemplo dos políticos, não possam reclamar um direito de imagem com a mesma extensão daquele conferido aos particulares não comprometidos com a publicidade. Isso não quer dizer que essas pessoas estejam sujeitas a ser filmadas ou fotografadas sem o seu consentimento em lugares não-públicos, portanto privados, e flagradas em si-tuações não das mais adequadas para o seu aparecimento”.

152 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 212.

153 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 194.

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10.1. Indenização por dano material ou moral

A Constituição Federal assegura, ainda, indenização pelo dano material ou moral decorrente de violação a esses bens.

O dano material consiste no prejuízo patrimonial ou eco-nômico suportado pelo indivíduo. Já vem de há muito, em nos-so direito, a tradição de indenizar-se o indivíduo pelos prejuízos paupáveis causados por comportamentos de outrem.

Mesmo antes da edição da Carta Política de 1988, a doutri-na já vinha reconhecendo que o direito de indenização deveria extrapolar o mero prejuízo econômico, para abarcar a dor, a tristeza, a indignação ou a revolta provocadas por atitudes ilíci-tas. Tal entendimento também já vinha sendo comungado pela jurisprudência predominante, embora alguns juristas entendes-sem que não havia como traduzir-se em pecúnia esse tipo de sentimento.

Todavia, a Constituição Federal de 1988 inovou ao pres-crever, explicitamente, o direito à indenização pelo dano moral.

Dá-se o dano moral sempre que ocorra dor corporal (pro-vocadas, v.g., por lesões ou agressões físicas) ou sentimental (causada por injúrias, exibições de imagens pessoais indevidas, humilhações, chacotas), em face de violação de um bem juri-dicamente tutelado, sem que isso acarrete, necessariamente, também um prejuízo patrimonial. Atinge-se, nesse caso, a es-fera ética da pessoa, de modo a causar ofensa à consideração social, ao decoro, ao renome, provocando, por conseguinte, in-tranqüilidade, tristeza, dor, vergonha, revolta, depressão.

Há, dessa forma, infringência ao direito constitucional à honra que, visto pela titularidade de pessoa física, visa à pro-teção do valor moral e íntimo do homem, como a estima dos outros, a consideração social, o bom nome ou a boa fama. Exis-te, outrossim, diminuição subjetiva da estima ou do prestígio público.

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Admite-se, ainda, a indenização pelo dano moral à pessoa jurídica, conforme dispõe a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que essa também possui imagem social passível de ser injustamente atacada.

Superada a discussão sobre o cabimento da indenização pelo dano moral – que atualmente é indiscutível, em virtude do explícito mandamento constitucional – um grande problema que os Tribunais vêm enfrentando é o da fixação do valor devi-do a título de indenização.

Isso porque a incomensurabilidade pecuniária da honra-bilidade ou da dor abre um campo de extrema vaguidade no que concerne ao valor prestável para sua compensação. Nesse caso, há de se louvar o trabalho que vem sendo realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de equalizar as deci-sões judiciais absolutamente díspares que vêm sendo prolata-das por juízes e tribunais.

11. INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO

Nos termos do inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de fla-grante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Trata-se do direito à inviolabilidade de domicílio, que tem por finalidade proteger a esfera íntima da pessoa, pois é no domicílio que a pessoa deposita traços de sua intimidade e exercita boa parte de sua vida privada. Pode-se dizer, assim, que o direito à inviolabilidade de domicílio é um desdobramento da proteção constitucional à intimidade, assegurado pelo inciso anterior.

É por essa razão que se reconhece uma interpretação ex-tensiva da expressão domicílio, para assegurar a inviolabilida-de não só da residência, mas de qualquer outro local privado onde o indivíduo manifeste sua intimidade, só ou acompanhado

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de sua família, resguardando-se interiormente da sociedade, como o quarto de hotel, de pensão, a sede de escritório, de estabelecimento comercial ou industrial e, até mesmo, a boléia de caminhão durante o repouso do motorista.

Nesse sentido foi o discurso proferido pelo Lord Chatham, no parlamento britânico, lembrado por Alexandre de Moraes: “O ho-mem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar”154.

11.1. Exceções à inviolabilidade de domicílio

O direito à inviolabilidade de domicílio, contudo, não po-deria ser absoluto, sob pena de ocorrência de algumas situa-ções que colocassem em risco a segurança da sociedade e acobertassem a prática de delitos.

Por essa razão, a Constituição Federal a excepciona em duas situações: a) em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro, nas 24 horas do dia, e; b) por determi-nação judicial, durante o dia.

A primeira hipótese é óbvia. Por certo não seria cabível esperar-se o amanhecer para adentrar na residência com a fi-nalidade de prestar socorro a um acidentado ou socorrê-lo em caso de desastre; nem para prender um criminoso em flagrante delito ou fazer cessar a ocorrência de um crime (como, v.g., quando ali estiver em curso um crime de cárcere privado ou extorsão mediante seqüestro). Também não se poderia preten-der que o acidentado ou criminoso autorizasse previamente o acesso ao domicílio.

Já no segundo caso, em que a Constituição autoriza o acesso por decisão judicial durante o dia, cabe-nos inves-

154 CHATHAM apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 75.

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tigar o real sentido e alcance dessas duas expressões, quais sejam, “decisão judicial” e “durante o dia”.

A expressão decisão judicial tem sido interpretada restri-tivamente, no sentido de acolher-se apenas decisões proferidas por autoridades judiciárias, revelando a denominada cláusula de reserva jurisdicional.

A dúvida que surgia era quanto à possibilidade de viola-ção domiciliar por determinação de Comissões Parlamentares de Inquérito, na medida em que, por força do parágrafo 3º do art. 58 da Constituição da República, estas gozam de “poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas” (grifos nossos).

A Suprema Corte, acertadamente, entendeu que tal prer-rogativa não poderia ser estendida às CPIs, em virtude da rele-vância do direito à inviolabilidade de domicílio. Nem se cogite, ainda, de violação de domicílio por ato de Polícia Judiciária, do Ministério Público ou de autoridade administrativa.

Finalmente, a expressão durante o dia tem admitido dois critérios: um cronológico, defendido por José Afonso da Silva, para quem a expressão corresponderia ao período compreendido entre seis e dezoito horas155. Para o Ministro Celso de Mello, no entanto, segundo um critério físico-as-tronômico, o dia é o intervalo de tempo situado entre a au-rora e o crepúsculo156.

Com a devida vênia de José Afonso da Silva, cremos não haver dúvidas de que a posição mais adequada é a que adota o critério astronômico. Isso porque, levando-se em conta que nosso país possui dimensões continentais, o que implica gran-de extensão longitudinal, a fixação de balizas rígidas para se

155 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 440.

156 MELLO FILHO, José Celso. Constituição federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 442.

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determinar o início do dia ou da noite, poderia levar a inúmeras incongruências. Isso sem falar na existência do “horário de ve-rão”, que retarda o nascer e o pôr do sol, fazendo com que, em muitas regiões do país, não seja dia às seis horas da manhã, nem noite às dezoito horas.

12. SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E DE COMUNI-CAÇÃO

O direito ao sigilo de correspondência e de comunicação vem insculpido no inciso XII do art. 5º da Carta da República, in verbis: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comuni-cações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (grifos nossos).

Tal dispositivo constitucional merece análise aprofunda-da, mormente no que concerne à determinação da exata abrangência do direito ao sigilo de correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas.

12.1. Sigilo das comunicações telefônicas

Pelo que se depreende da leitura do dispositivo constitu-cional, o único desses direitos que estaria sujeito à violação, nos termos a serem delimitados pelo legislador ordinário, se-ria o último, qual seja, o direito ao sigilo das comunicações telefônicas que, ainda assim, só poderia ser violado quando da conjugação de três fatores: a) ordem judicial; b) forma e hi-póteses expressamente consignadas em lei, e; c) finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal. Os outros direitos, pois, seriam invioláveis.

A Lei Federal nº 9.296, de 24 de julho de 1996, regulamen-ta a interceptação das comunicações telefônicas de qualquer natureza, pondo fim à longa celeuma sobre a possibilidade de

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escuta telefônica antes da edição dessa norma regulamentado-ra, o que o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, entendia impossível. Atualmente, a interceptação já é possível, mediante autorização judicial, desde que haja indícios razoáveis de auto-ria ou participação em delitos puníveis com reclusão.

A gravação clandestina de conversas (o chamado “gram-po” telefônico), por sua vez, constitui prova ilícita, imprestável para fins de instrução processual, nos termos do inciso LVI do mesmo art. 5º.

Entende-se lícita, no entanto, gravação feita por interlocu-tor de conversa telefônica, mesmo sem autorização judicial ou a aquiescência do outro, conforme demonstra decisão da lavra do Ministro Nelson Jobim157.

12.2. Amplitude do sigilo de correspondência, das comunicações telegráficas e de dados

O direito ao sigilo de correspondência guarda íntima liga-ção com o direito à intimidade e de livre manifestação do pen-samento. O direito à inviolabilidade de dados também tutela a intimidade da pessoa.

Se o inciso XII da Constituição Federal autoriza a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, desde que preenchi-dos os requisitos já apontados, o mesmo não se dá quanto aos sigilos de correspondência, das comunicações telegráficas e de dados.

Seriam esses direitos absolutamente invioláveis?Celso Ribeiro Bastos entende que sim, quando afirma, re-

ferindo-se ao direito de sigilo da correspondência, que “ficam, destarte, excluídas quaisquer ressalvas à inviolabilidade da cor-respondência nos presídios e mesmo nos hospícios”. E alerta: “As tentações, contudo, de fazer proliferar os casos excepcio-

157 STF, HC 75.338-RJ, Informativo STF, 124.

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nais são muito grandes, sobretudo sob o fundamento da des-vendação de crimes em cuja apuração não só as autoridades policiais como também os próprios particulares, à míngua de outros elementos probatórios, tentam fazer valer provas obtidas por meio da violação da correspondência”158.

José Afonso da Silva159, Pinto Ferreira160 e outros grandes constitucionalistas também não admitem a possibilidade de quebra desses sigilos.

Alexandre de Moraes, no entanto, sustenta posição diver-sa, quando afirma que “ocorre, porém, que apesar de a exceção constitucional expressa referir-se somente à interceptação tele-fônica, entende-se que nenhuma liberdade individual é absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspondências e comunicações telegráficas e de dados sempre que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”161.

A solução parece-nos ser dada a partir da aplicação dos pressupostos hermenêutico-constitucionais, já estudados.

Cremos, assim, que a aplicação do pressuposto herme-nêutico da unidade da Constituição autoriza, em situações extremas, a flexibilização de alguns desses direitos, sob pena de perecimento de outros bens constitucionalmente tutelados. Assim é que, v.g., a impossibilidade de se violar o sigilo da mis-siva do preso, colocaria em risco a segurança da sociedade, bem igualmente protegido pela Constituição Federal. Da mes-ma forma que impedir policiais de revistar o porta-luvas de um

158 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 201-2.

159 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 440-1.

160 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 123.

161 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 78.

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carro, sob o argumento de proteção à intimidade, viola o direito à segurança.

Nesses casos, o primado da supremacia do interesse público sobre o particular, aliado ao pressuposto hermenêu-tico da unidade da Constituição, autorizaria a flexibilização de alguns direitos individuais, para que outros possam ser prestigiados. Isso porque, em uma Constituição extremamen-te analítica como é a nossa, não é difícil vislumbrar situações nas quais alguns direitos assegurados possam aparentemente entrar em choque. Daí a importância do trabalho do intérprete, no sentido de equacionar esses comandos aparentemente con-traditórios, o que se dá com a aplicação de outro pressuposto hermenêutico-constitucional: o da harmonização.

Nesse sentido, o próprio Celso Ribeiro Bastos lembra-nos que “o que é uno não é divisível, muito menos em partes opos-tas”. E conclui: “Só através da harmonização das diversas nor-mas da ordem constitucional é que se poderá dar ao texto a mais ampla aplicação que ele exige”.

Todavia, cabe uma importante ressalva: muito embora alguns direitos individuais tenham que ser flexibilizados para possibilitarem a aplicação de outros, conforme tivemos a opor-tunidade de demonstrar, salta aos olhos a forma vergonhosa como alguns direitos individuais vêm sendo tratados em nosso país, em virtude da reiterada edição de legislação flagrante-mente inconstitucional, que os amesquinha.

É assim no que concerne à possibilidade de quebra de si-gilos fiscal e bancário por parte do Ministério Público, conforme disciplinado na Lei Complementar nº 75/93, que veda a alegação de sigilo frente às requisições formuladas pelo Parquet, mesmo sem autorização judicial; ou quando se autoriza as Comissões Parlamentares de Inquérito disporem de ampla ação nas pesqui-sas destinadas à apuração dos fatos que justificaram sua insti-

162 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 107.

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tuição. Tais entendimentos, lamentavelmente, encontram guarida em corrente majoritária no Supremo Tribunal Federal.

Recentemente, ainda, assistiu-se à edição das Leis com-plementares nº 104/01 e 105/01 que, no que concerne à pos-sibilidade de quebra de sigilos fiscal e bancário por parte das Receitas, trazem dispositivos desastrosos. A primeira lei prevê a possibilidade de a Fazenda Pública, por simples solicitação de autoridade administrativa, prestar informações fiscais re-lativas a determinado contribuinte, desde que se comprove a existência de processo administrativo regularmente instalado. A segunda, autoriza a violação do sigilo bancário quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, mediante simples requerimento da autoridade fazen-dária, quando esta considerar que os dados são indispensáveis às investigações. As duas normas – flagrantemente inconstitu-cionais – ainda não foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.

O direito ao sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, no entanto, pode sofrer restrições nas vigências de estado de defesa ou de sítio, nos termos do inciso I do pa-rágrafo 1º do art. 136 e do inciso III do art. 139 da Carta Política de 1988.

13. LIBERDADE DE PROFISSÃO

Dispõe o inciso XIII do art. 5º da Carta de 1988 que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Trata-se do direito de liberdade de profissão, que garan-te a qualquer pessoa poder exercer seu ofício livremente, sem ingerências de qualquer ordem, o que se apresenta indispen-sável à consagração da plena liberdade humana. A legislação infraconstitucional, no entanto, poderá estabelecer requisitos para o exercício desse direito, regulamentando-o. É, pois, nor-ma jurídica de eficácia restringível. A competência para a edi-

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ção da legislação integradora é da União, nos termos do inciso XVI do art. 22 da Constituição da República.

Assim é que, v.g., qualquer pessoa pode exercer a profis-são de chaveiro ou marceneiro, pois não há nenhuma exigência legal para tanto. Já para ser advogado, exigir-se-á comprovação de graduação no curso superior de Bacharelado em Ciências Jurídicas, além de aprovação em Exame de Ordem, nos termos do que dispõe a Lei Federal nº 8.906/94.

14. DIREITO À INFORMAÇÃO

O direito à informação vem assegurado pelo inciso XIV do art. 5º da Magna Carta. Dispõe que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Na realidade, a proteção à fonte nada mais é do que uma maneira de proteger-se o próprio direito de informar e ser informado. Se a garantia do sigilo da identidade não existisse, o prestador da informação por certo não se arriscaria a revelá-la e muitos direitos, inclusive esse, restariam amesquinhados, pois não se conseguiria acesso a muito do que se sabe e informa.

Assim, se o advogado estivesse obrigado a desvendar o conteúdo de sua conversa com um acusado, este não lhe faria certas revelações, e o direito ao livre exercício da profissão de advogado, bem como o de ampla defesa do acusado, estariam bastante mitigados. Se o jornalista, ainda, fosse obrigado a re-velar suas fontes políticas, não estaríamos tendo acesso a mui-to do que se vem descobrindo sobre desmandos e corrupções; igualmente, se fosse obrigado a identificar o traficante de entor-pecentes que lhe revelou o modo de funcionamento do narco-tráfico, o criminoso nunca lhe prestaria essas informações.

15. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO

A liberdade de locomoção é tratada em dois incisos do arti-go 5º da Constituição Federal, quais sejam, o XV e o LXI.

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Dispõe o inciso XV do art. 5º que “é livre a locomoção no terri-tório nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos ter-mos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Esse dispositivo constitucional possui, na realidade, duas normas: a que garante o direito de livre locomoção no terri-tório nacional em tempo de paz e a que tutela o direito de aqui entrar, permanecer ou sair com seus bens.

15.1. Direito de locomoção no território nacional em tempo de paz

O direito de livre locomoção no território nacional é inerente ao pacto federativo. Não é possível conceber-se, em um Estado federado, que o morador de um Estado-membro não possa ir e vir e, mais ainda, permanecer onde foi, transferindo sua residência para qualquer parte do país; afinal, são todos brasileiros.

Segundo o inciso LXI, ainda, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgres-são militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Tal dispositivo nada mais é do que corolário do direito aci-ma estudado, que admite apenas as seguintes restrições à liberdade de locomoção: a) prisão em flagrante delito ou por determinação judicial, para civis e militares, e; b) transgressão militar ou crime propriamente militar, para os últimos.

A ampla liberdade de locomoção no território nacional, se-gundo o próprio dispositivo em exame, é assegurada em tem-po de paz. Assim, esse direito poderá ser restrito na vigência de estado de defesa, conforme dispõe expressamente o inciso I do parágrafo 3º do art. 136 da Constituição Federal, que prevê a possibilidade de prisão por crime contra o Estado.

O remédio constitucional apto a tutelar o direito de ir e vir, prevenindo ou reprimindo sua violação é o habeas corpus, con-forme teremos a oportunidade de analisar no próximo capítulo.

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15.2. Direito de entrar, permanecer e sair com o patri-mônio

O direito de entrar, permanecer e sair com o seu patri-mônio do país é o direito de migrar e emigrar. É o direito de entrar e sair do Estado brasileiro. Este sujeita-se a restrições pela legislação infraconstitucional, como, v.g., a exigência de vistos de entrada e permanência para os estrangeiros ou a tri-butação sobre a entrada e saída de bens ou capitais.

16. DIREITO DE REUNIÃO

O direito de reunião, indispensável para a consolidação de nosso Estado Democrático de Direito, vem previsto no inciso XVI do art. 5º, in verbis: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anterior-mente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

Para o livre exercício do direito de reunião, a Constitui-ção Federal faz apenas três exigências: a) que a manifestação seja pacífica, o que impõe sua realização sem a utilização de armas; b) que não frustre outra reunião marcada anterior-mente para o mesmo local, o que tem por objetivo não tolher o exercício desse direito por outras pessoas ou grupos com convicções ideológicas diferentes, que já tenham exterioriza-do a intenção de ali se manifestarem, e; c) que se comunique previamente à autoridade competente, para que o Estado pos-sa cumprir seu papel de garantir segurança aos participantes do evento.

Durante a vigência de estado de defesa, a liberdade de reunião, ainda que exercida no seio das associações, poderá ser restringido, nos termos da alínea “a” do inciso I do parágrafo 1º do art. 136 da Constituição da República.

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17. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

O direito de associação, indispensável para a tutela dos direitos coletivos, detalhados quando do estudo da terceira di-mensão de direitos fundamentais, vem disciplinado pelos inci-sos XVII a XXI do art. 5º da Carta Federal de 1988.

Guarda grande relação com o direito de reunião, estudado acima, tendo como principal ponto de dissemelhança o caráter de temporariedade das reuniões, em contrapartida ao de per-manência das associações.

Nos dizeres de Pinto Ferreira, “a liberdade de reunião con-siste no poder que têm os indivíduos de se aproximarem em grupos, a fim de discutir e deliberar, enquanto a liberdade de associação consiste numa congregação permanente de pesso-as para efeito de conseguir um determinado fim lícito”163.

17.1. Abrangência e garantias do direito de associação

Atualmente, o direito constitucional brasileiro assegura grande amplitude ao direito de associação, quando prevê ser plena a liberdade de associação para fins lícitos, estando ve-dada, obviamente, a criação de associações com caráter para-militar, nos termos do inciso XVII do art. 5º.

Dispõe, também que “a criação de associações e, na for-ma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento” . É o que prescreve o inciso XVII do artigo, sob análise, que correlaciona as cooperativas com as associações, o que antes não se fazia no direito brasileiro. Ambas, portanto, podem ser criadas inde-pendentemente de autorização estatal e não podem sofrer ingerências em seu funcionamento. Mais do que não interfe-rir em sua gestão, o parágrafo 2º do art. 174 da Carta de 1988,

163 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 124.

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223Direitos individuais e coletivos

prescreve, ainda, que “a lei apoiará e estimulará o cooperativis-mo e outras formas de associativismo”.

Do direito de associar-se advém, em contrapartida, a proi-bição de manter-se alguém compulsoriamente associado. Qualquer um pode associar-se e, quando bem entender, deixar os quadros da associação, nos termos do inciso XX.

As associações, também, só poderão ser compulsoriamente dissolvidas por decisão judicial transitada em julgada, ou terem suas atividades suspensas por decisões judiciais prolatadas no cur-so de ações, mesmo antes da ocorrência do trânsito em julgado.

17.2. Representação dos associados

Finalmente, o legislador constituinte assegurou, no inciso XXI do art. 5º, a prerrogativa de as associações representarem seus filiados judicial ou extrajudicialmente, desde que ex-pressamente autorizadas para tanto.

Trata-se, portanto, de legitimidade ad causam para que, atuando como substitutas processuais, representem os inte-resses de seus associados. Ressalte-se que o ideal é que tal autorização conste expressamente dos atos constitutivos da entidade, de maneira genérica, o que a dispensará de colher a autorização de seus membros cada vez que surgir a necessida-de de intentar processo administrativo ou judicial.

18. DIREITO DE PROPRIEDADE

O direito de propriedade, disciplinado pelos incisos XXII a XXVI do art. 5º da Carta da República, assegurado como direito de primeira dimensão, desempenhou importante papel na imple-mentação do liberalismo em matéria econômica, possibilitando à burguesia libertar-se das amarras que o Estado absolutista lhe impunha, dando início ao processo industrial mundial.

Note-se aí o caráter negativo desse direito, que por certo não significa a obrigação do Poder Público de oferecer uma

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propriedade para cada pessoa, mas o dever de assegurá-la, não turbá-la, confiscá-la ou tolher-lhe o exercício, salvo quando o interesse público assim exigir.

18.1. Função social da propriedade

É sabido que, no mundo moderno, o exercício do direito de uso da propriedade encontra-se restringido por uma série de fatores, não assumindo mais o caráter omnímodo de outrora. Atualmente, o gozo dos direitos decorrentes da posse ou domí-nio deve coadunar-se com outros valores, igualmente tidos por relevantes pela sociedade, como a função social e o respeito aos interesses públicos.

Assim, em sendo conveniente e oportuno ao atendimento dos interesses públicos, o Estado poderá exercer intervenção na propriedade privada, objetivando a garantia ou preservação desses interesses.

Nesse diapasão, o saudoso Hely Lopes Meirelles ensina que “para o uso e gozo dos bens e riquezas particulares, o Poder Públi-co impõe normas e limites, e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa privada”164.

A intervenção do Estado na propriedade privada é tema de grande relevância para o direito administrativo. A Constituição Federal de 1988, no entanto, ao tratar do tema, limita-se apenas a garantir o direito de propriedade (inciso XXII), prescrever sua função social (inciso XXIII) e mencionar as hipóteses de requi-sição administrativa (inciso XXV) e desapropriações (previs-ta em vários dispositivos, conforme se verá), além de assegurar a impenhorabilidade da pequena propriedade rural (inciso XXVI).

164 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 503.

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225Direitos individuais e coletivos

Assim, as demais modalidades de intervenção do Estado na propriedade, como, v.g., as limitações administrativas, ser-vidões administrativas, ocupações temporárias, tombamentos, bem como o estudo pormenorizado das desapropriações, são tratadas apenas em nosso Curso de Direito Administrativo, ante a falta de dispositivos constitucionais que expressamente se re-firam a esses assuntos.

18.2. Competência legislativa

Os incisos II e III do art. 22 da Constituição da República determinam ser competência privativa da União legislar sobre desapropriação e requisição civil ou militar em tempo de guerra.

Por outro lado, a submissão de um bem, quase sempre par-ticular, ao regime expropriatório ou da requisição é competên-cia de União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. A intervenção na propriedade é sempre regulamentada por lei, encontrando como limite a satisfação do interesse público.

18.3. Requisição administrativa

A requisição administrativa vem prevista no inciso XXV do art. 5º da Constituição Federal, in verbis: “No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de pro-priedade particular, assegurado ao proprietário indenização ul-terior, se houver dano”.

Segundo leciona Hely Lopes Meirelles, “requisição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Po-der Público por ato de execução imediata e direta da auto-ridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias”165 (grifos no original).

165 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 590.

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226 Curso de Direito Constitucional

Assim, a requisição administrativa caracteriza-se por ser procedimento unilateral e auto-executório, por independer de aquiescência do particular e de prévia autorização do Poder Judiciário; é também oneroso, porque dá direito a uma indeni-zação, posteriormente.

A requisição pode ser, ainda, civil ou militar. A requisição civil tutela a vida, a saúde e o bem comum, ao passo que a requisição militar opera-se nas hipóteses de comprometimento da segurança nacional. Justifica-se, portanto, quando se verifi-que a presença de perigo público iminente.

18.4. Desapropriação

A desapropriação consiste na forma mais grave de inter-venção do Estado na propriedade, na medida em que, invaria-velmente, acarreta a transferência de domínio do bem sobre a qual incide. Dá-se de forma compulsória, mediante o paga-mento de indenização, como regra, e em observância a deter-minados requisitos legais.

Celso Antônio Bandeira de Mello a conceitua como “o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normal-mente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, res-gatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real”166.

A Lei Geral das Desapropriações, Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe, em seu art. 2º, que todos os bens são suscetíveis de

166 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 686.

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227Direitos individuais e coletivos

desapropriação, inclusive o espaço aéreo e o subsolo. Assim, há possibilidade de sua incidência sobre bens móveis, imóveis e semoventes, corpóreos ou incorpóreos, públicos ou priva-dos.

Apresenta-se como forma originária de aquisição da pro-priedade, porquanto não resulta de manifestação de vontade do antigo dono nem de título anterior e, uma vez efetivada, é causa autônoma capaz de instaurar a propriedade em favor do Poder Público, liberando o bem de quaisquer ônus reais eventualmen-te existentes. Assim, realizada a desapropriação, não há que se perquirir sobre o título anterior no qual o domínio se fundava; nem a indenização paga a quem não era legítimo proprietário será capaz de eivar de vício o procedimento realizado.

18.4.1. Modalidades

A desapropriação, sob a ótica constitucional, poderá ser comum ou especial. A primeira hipótese trata das desapropria-ções por utilidade pública, necessidade pública ou por interesse social, insculpidas no inciso XXIV do art. 5º da Constituição Fe-deral; a segunda é aquela que contempla as hipóteses de ob-servância do Plano Diretor Municipal, conforme dispõe o inciso II do parágrafo 4º do art. 182 da Constituição da República, e a realização de reforma agrária, insculpida no art. 184 do mes-mo Diploma. Além delas, anote-se a existência da denominada “desapropriação-confisco”, prevista no art. 243 da Constituição Federal de 1988.

Analisemos, detalhadamente, as modalidades de desapro-priação previstas na Carta de 1988.

18.4.1.1. Desapropriação por razões de “utilidade pública”, “necessidade pública” ou “interesse social”

Conforme mencionado, tratam-se de hipóteses de desa-propriação comum, aquelas realizadas para fazer frente a situa-

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ções de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social, previstas no inciso XXIV do art. 5º da Carta Política de 1988.

Nas lições de Seabra Fagundes, os três fundamentos para desapropriação condensam-se no conceito unitário de utili-dade pública, “que é em si tão amplo, que a menção apenas dessa causa bastaria a autorizar a incorporação ao patrimônio estatal da propriedade privada, tanto quando fosse útil fazê-lo, como quando tal se afigurasse necessário ou de interesse social”167 (grifos no original).

Todavia, Hely Lopes Meirelles não pactuava com a opinião do admirável juspublicista, entendendo que havia uma razão para que o legislador constituinte houvesse distinguido os três conceitos, que se justificava pela “natureza e grau dos interes-ses a serem atendidos pela Administração em cada ato expro-priatório”. E conceitua:

“Necessidade pública: a necessidade pública surge quando a Administração defronta situações de emergência, que, para serem resolvidas satisfatoriamente, exigem a trans-ferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato.

Utilidade pública: a utilidade pública apresenta-se quan-do a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível. A lei geral das desapropriações (Decreto-lei 3.365/41) consubstanciou as duas hipóteses em utilidade pública, pois só emprega essa ex-pressão em seu texto.

Interesse social: o interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias

167 FAGUNDES, Seabra apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito adminis-trativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 568.

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sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público. Esse interesse social justificativo da desapropriação está indi-cado na norma própria (Lei 4.132/62) e em dispositivos espar-sos de outros diplomas legais. O que convém assinalar, desde logo, é que os bens desapropriados por interesse social não se destinam à Administração ou a seus delegados, mas sim à coletividade ou, mesmo, a certos beneficiários que a lei creden-cia para recebê-los e utilizá-los convenientemente”168 (grifos no original).

Vejamos, pois, algumas hipóteses de desapropriações por necessidade pública ou por utilidade pública, a partir do art. 5º do Decreto-lei nº 3.365/41.

São hipóteses de desapropriação por necessidade públi-ca: segurança nacional, defesa do Estado, socorro público em caso de calamidade e salubridade pública. Constituem desa-propriação por utilidade pública: aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, abertura, conservação e melhora-mento de vias ou logradouros públicos, construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios, criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves.

Já as situações de interesse social, como visto, estão disciplinadas pelo art. 2º da Lei nº 4.132/62. Eis algumas de-las: o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico (inciso I); a ins-talação ou intensificação das culturas nas áreas em cuja ex-ploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola (inciso II); o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola (inciso III); a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham

168 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 568-9.

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construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de dez famílias (inciso IV); construção de casas popu-lares (inciso V); as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrifica-ção, armazenamento de águas e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas (inciso VI); a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais (inciso VII), e; a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas (in-ciso VIII).

18.4.1.2. Desapropriação para realização de reforma agrária

A desapropriação para reforma agrária, segundo disposi-ção dos artigos 184 a 186 da Constituição Federal, incide sobre áreas rurais que, não utilizadas ou sub-utilizadas, não atendem à função social da propriedade exigida pelo Texto Constitucio-nal. Assim, o latifúndio improdutivo ou, mesmo que produtivo, que esteja sendo utilizado muito aquém de seu potencial eco-nômico, estará sujeito a essa modalidade de intervenção pelo poder estatal.

Tal modalidade de expropriação é privativa da União, que a realiza por intermédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra.

O pagamento da indenização, justa e prévia, far-se-á “em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do se-gundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”, segundo disciplina o caput do art. 184 da Constituição Federal. As benfeitorias úteis e necessárias serão indeniza-das em dinheiro, conforme dispõe o parágrafo 1º do mesmo dispositivo legal.

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231Direitos individuais e coletivos

18.4.1.3. Desapropriação para observância de Plano Diretor municipal

A desapropriação, para atender ao disposto em Plano Di-retor, tem lugar quando um imóvel, situado no perímetro urba-no do Município ou do Distrito Federal, não estiver sendo utili-zado de maneira adequada. Note-se que, segundo disposição expressa da Constituição Federal, tal desapropriação apenas poderia se dar após a edição de Lei Federal regulamentado o assunto, o que ocorreu recentemente com a promulgação do “Estatuto da Cidade” (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001), que em seus artigos 5º a 8º regulamenta a matéria.

Segundo dispõe o parágrafo 4º do art. 182 da Constituição Federal, “é facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos ter-mos da Lei Federal, do proprietário do solo urbano não edifica-do, sub-utilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

progressivo no tempo;III – desapropriação com pagamento mediante títulos da

dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indeni-zação e os juros legais” (grifos nossos).

18.4.1.4. Desapropriação-confisco

Maria Sylvia Zanella Di Pietro menciona a possibilidade da desapropriação de áreas utilizadas para plantio de psi-cotrópicos ou substâncias entorpecentes, prevista no art. 243 da Constituição da República, esquecida por boa parte da dogmática administrativista pátria. Segundo a juspublicista pau-lista, a natureza dessa medida é confiscatória, em virtude da

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ausência de indenização dos proprietários, em caráter de pena imposta aos mesmos169.

A Lei Federal nº 8.257, de 26 de novembro de 1991, que re-gulamenta o art. 243 da Constituição Federal, em seu art. 1º re-pete o Texto Constitucional dispondo que “as glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamen-te destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de pro-dutos alimentícios e medicamentos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

Ressalte-se que essa modalidade de desapropriação apre-senta-se como pena imputada em decorrência de ilícito penal, e deverá ser processada mediante procedimento administra-tivo regular, limitando-se à área na qual se desenvolvia o cultivo das substâncias entorpecentes.

Finalmente, cabe salientar que a dogmática e a jurispru-dência administrativista sempre se utilizaram das expressões “desapropriação” ou “expropriação” como sinônimas, sendo absolutamente irrelevante a distinção feita pelo legislador cons-tituinte, que se utilizou do primeiro termo para denominar as modalidades especial e comum e, do segundo, quando se refe-riu ao confisco das áreas utilizadas para o plantio de psicotrópi-cos ou substâncias entorpecentes.

19. PROPRIEDADE AUTORAL

O respeito ao direito autoral apresenta-se indispensável para o desenvolvimento cultural e científico de um povo, esti-mulando novas investigações científicas e a livre criação e ex-ploração de suas manifestações culturais.

Nosso país, infelizmente, atravessa uma grave crise moral no que se refere ao respeito à propriedade intelectual, o que pas-

169 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 161.

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sa por uma absoluta banalização e institucionalização da “pira-taria”, jamais vista em outras épocas. A falta de rigidez da legis-lação ordinária, aliada à dificuldade que os órgãos competentes enfrentam em sua tarefa de fiscalização, bem como na arrecada-ção e repasse dos valores arrecadados aos autores, transforma o cenário brasileiro em um dos mais vergonhosos do mundo.

A propriedade autoral, atualmente, vem assegurada nos incisos XXVII e XXVIII do art. 5º da Constituição da República. Segundo o primeiro dispositivo, “aos autores pertence o direi-to exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.

19.1. Direito autoral

Regulamentando o referido dispositivo constitucional, a Lei Federal nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 assegura vitalicia-mente ao autor a possibilidade de explorar sua obra moral e patrimonialmente.

Os direitos morais do autor vêm previstos nos sete incisos do art. 24 da Lei dos Direitos Autorais, a saber: “I – o de reivindi-car, a qualquer tempo, a autoria da obra; II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; III – o de conser-var a obra inédita; IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações, ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI – o de retirar de circulação a obra, ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou au-diovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado”.

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Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunci-áveis, transmitindo-se, os constantes dos incisos I a IV do art. 24, aos herdeiros, conforme disposição expressa do parágrafo 1º do artigo transcrito.

Os direitos patrimoniais do autor, por sua vez, consistem na prerrogativa de utilizar, fruir e dispor, explorando-os econo-micamente ou autorizando a terceiros que o faça, podendo-se, inclusive, aliená-los.

Os herdeiros ou sucessores do autor poderão invocá-los, pelo prazo de setenta anos, a partir do dia 1º de janeiro imediata-mente subseqüente à morte do autor. Na hipótese de herança, ob-servar-se-á a ordem de vocação hereditária prescrita pelo Código Civil Brasileiro. Caso o autor morra sem deixar herdeiros e sem que haja alienado os direitos para além de sua morte – o que se fará pelo mesmo prazo máximo de setenta anos – a obra tornar-se-á domínio público, nos termos do art. 45 da Lei Federal nº 9.610/98.

Ressalte-se que os direitos autorais, quando se trata de obra literária, protegem apenas a literalidade do trabalho, e não as idéias nele contidas. Para a proteção destas, faz-se ne-cessário valer-se dos mecanismos de defesa da propriedade industrial, que será investigada no próximo item.

19.2. Direitos conexos ao direito do autor

O Texto Constitucional não protege apenas o direito do autor, mas de todas as pessoas que, de alguma forma, contribuem para a elaboração de obras coletivas, como filmes, novelas e apresentações teatrais, além dos direitos dos locutores que abrangem, inclusive, as narrações realizadas em competições desportivas.

Nesse sentido, tornou-se muito conhecido o caso de uma atriz, protagonista de telenovelas que garantiu na justiça o recebimento dos direitos referentes a venda dos direitos de transmissão desse programa para várias emissoras de diversos países do mundo.

Todavia, conforme mencionamos no subtítulo acima, tra-tam-se de direitos disponíveis, o que faz com que, já no mo-

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mento da assinatura dos contratos com as emissoras de rádio e televisão, os atores a eles renunciem ou os alienem em favor do veículo de telecomunicação.

Os direitos conexos aos do autor vêm previstos no inci-so XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, in verbis:

“XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:a) a proteção às participações individuais em obras cole-

tivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intér-pretes e às respectivas representações sindicais e associativas”.

A Constituição Federal assegura, também, o direito de fis-calização do aproveitamento econômico das obras individuais ou coletivas, pelos próprios autores e participantes dos espetá-culos, o que, na prática, apresenta-se de difícil implementação, demandando alterações legislativas urgentes que possibilitem a criação de mecanismos mais efetivos para tanto170.

170 Julgando a ADIn nº 2.054-DF ajuizada pelo Partido Social Trabalhista – PST, contra o caput e parágrafo 1º do art. 99 da Lei Federal nº 9.610/98, o STF entendeu constitucional a exigência de manutenção, pelas asso-ciações de titulares de direitos de autor, de um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalida-de, e da exibição de obras audiovisuais, no caso o ECAD.A Suprema Corte não vislumbrou ofensa aos incisos XVII e XX do art. 5º da Constituição Federal de 1988, que garantem a liberdade de associa-ção e o direito de não ser obrigado a manter-se associado, por entender que a lei não impõe a associação compulsória, já que a não-filiação ao ECAD das associações constituídas pelos autores e titulares de direitos conexos apenas priva as mesmas de participarem da gestão coletiva da arrecadação e distribuição de direitos autorais, sem prejuízo de que o próprio titular defenda judicial ou extrajudicialmente seu direito autoral. Vencidos os Ministros Ilmar Galvão, que relatou, e Marco Aurélio Mello.ADIn nº 2.054-DF, Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJU 02.04.2003.

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20. PROPRIEDADE INDUSTRIAL

O direito à propriedade industrial assegura “aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnoló-gico e econômico do País”. É o que dispõe o inciso XXIX do art. 5º da Constituição da República.

Assim como o direito autoral, a propriedade industrial tam-bém é imprescindível para o desenvolvimento de determinada sociedade, agora sob o aspecto científico e tecnológico. A proteção aos inventos estimula a realização de pesquisas e o desenvolvimento de novas tecnologias, indispensáveis para a melhoria das condições sociais e, até mesmo, para a continui-dade da existência humana, como se vê, v.g., nas descobertas de novos medicamentos.

Trata-se, assim, de direito indispensável para o progresso científico que, infelizmente, não vem tendo o reconhecimento que merece, mesmo por parte da dogmática constitucionalista. Se não fosse o direito à propriedade industrial, e a garantia da exclusividade da exploração econômica de uma descoberta durante certo período, não seriam investidos bilhões de dólares em estudos de cunho científico.

20.1. Inventos e criações industriais

No direito infraconstitucional brasileiro, a propriedade in-dustrial vem regulada pela Lei Federal nº 9.279/96, que substi-tuiu o antigo Código da Propriedade Industrial.

Atualmente, os direitos dos inventores são assegurados por um período que varia de dez a vinte anos, caso se trate de patente de invenção, ou de sete a quinze anos para o mode-lo de utilidade, após o término da patente.

A propriedade industrial deverá atender a sua função so-cial, ainda nos termos do inciso XXIII do art. 5º da Constituição

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Federal. Assim é que, após o registro da patente, o inventor obriga-se a explorar sua descoberta, pessoalmente ou por in-termédio de terceiro, por meio de concessão, em um prazo má-ximo de três anos.

20.2. Proteção às marcas, nomes de empresas e ou-tros signos distintivos

O mesmo dispositivo constitucional assegura, ainda, a pro-teção às marcas, aos nomes das empresas e outros signos distintivos. Esse direito, diferentemente do que se verifica com a proteção aos inventos e criações industriais, é assegurado de forma permanente, desde que atendidos os interesses social e de desenvolvimento econômico e tecnológico do país.

21. DIREITO DE HERANÇA

A Constituição Federal consagra o direito de herança, como corolário do direito à propriedade. Trata-se do direito de transferência dos bens de uma pessoa falecida a seus herdei-ros ou legatários, conforme disciplina o Código Civil.

O direito de herança vem disciplinado pelo inciso XXX do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Ainda no que concerne ao direito de sucessão dos bens, dispõe o inciso subseqüente que “a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos fi-lhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do ‘de cujus’”.

Trata-se de assegurar aos herdeiros brasileiros de es-trangeiro que tenha deixado bens em nosso país, o direito de ver o inventário ser processado no Brasil ou no país de origem do falecido, com vista à escolha do local em que a legislação sobre sucessões lhes seja mais favorável, tanto no aspecto pro-cessual, quanto no que concerne à ordem de vocação hereditá-ria, tributação sobre a herança, entre outros.

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22. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR

O direito de proteção ao consumidor vem consagrado no inciso XXXII do art. 5º da Constituição da República de 1988. Dispõe que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. É, pois, norma constitucional de eficácia limita-da, indispensável à tutela dos direitos difusos que envolvem relação de consumo, que atualmente está integrada pelo Códi-go de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990).

23. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da publicidade, quando afirma que “to-dos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à seguran-ça da sociedade e do Estado”.

Trata-se de primado indispensável à manutenção de um Estado Democrático de Direito, na medida em que, por meio dele, é assegurado ao cidadão o acesso às informações da Administração Pública sempre que julgar conveniente. Com isso, objetiva-se conferir maior transparência no desempenho das funções estatais, possibilitando aos cidadãos exercer um efetivo controle e a defesa da res publica.

Mais do que isso, a publicidade dos atos públicos – reali-zada, em regra, por meio da imprensa oficial – é requisito de validade dos atos administrativos.

Por óbvio, existem exceções à publicidade. Na esfera ad-ministrativa, o único caso autorizado de sigilo ocorre quando este apresenta-se imprescindível à segurança nacional, confor-me dispõe a parte final do inciso em exame. No campo judicial, podemos destacar os processos cíveis que correm em segredo

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de justiça (ação de alimentos, separação, divórcio, entre outras) e as investigações policiais nas quais o sigilo seja indispensá-vel para o deslinde da questão.

24. PRINCÍPIO DO AMPLO ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO

Estabelece o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se do princípio do amplo acesso ao Judiciário ou princípio da inafastabilidade da ju-risdição.

O Direito brasileiro reconhece e regulamenta a atuação dos tribunais administrativos. Todavia, diferentemente do que ocorre na maioria dos países do mundo, as decisões emitidas por esses tribunais, no sistema constitucional brasileiro, não possuem o condão de fazer “coisa julgada”. Aqui, sempre é possível recorrer-se ao Poder Judiciário, para que este decida definitivamente sobre a questão

Por esse princípio, a lei não poderá restringir o acesso ao Poder Judiciário para solucionar qualquer conflito de interesses entre particulares ou reapreciar decisão proferida por qualquer órgão ou entidade administrativa, cabendo sempre a ele a úl-tima palavra sobre qualquer demanda instaurada. É o que se denomina sistema de jurisdição una.

24.1. Inexistência de jurisdição condicionada

O acesso ao Poder Judiciário, em nosso Direito, é amplo e pode se dar a qualquer tempo, independentemente do esgo-tamento prévio das vias administrativas.

Não se admite mais no Direito brasileiro, como regra, a denominada jurisdição condicionada ou instância adminis-trativa de curso forçado, que era prevista no parágrafo 4º do art. 153 da Carta de 1967/69. Por ela, exigia-se o término do processo administrativo como condição para o ingresso na

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via judicial. Atualmente, é possível socorrer-se imediatamente da tutela jurisdicional, sempre que ocorrer lesão ou, tão-somen-te, a efetiva ameaça a um direito.

24.1.1. Exceção

A única exceção ao princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário encontra-se insculpida no parágrafo 1º do art. 217 da Constituição Federal, que dispõe: “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei”. Prevê, ainda, no parágrafo 2º do mesmo artigo, que “a justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final”.

Nessa hipótese, portanto, faz-se necessário o recurso pré-vio às instâncias desportivas, aguardando-se a publicação da decisão final ou o transcurso do referido prazo sem manifesta-ção final, para, só então, o interessado estar autorizado a valer-se da tutela jurisdicional.

25. PROTEÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO, ATO JURÍ-DICO PERFEITO E COISA JULGADA

Um dos dispositivos mais complexos do art. 5º da Consti-tuição Federal de 1988 é o inciso XXXVI, que assegura o res-peito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

Tratam-se, na realidade, de dispositivos que visam con-ferir segurança jurídica frente a alterações promovidas pelo legislador infraconstitucional, ou mesmo trazidas pelo exercício do poder constituinte derivado. E esta é indis-pensável para a pacificação social, porque permite a pessoa programar-se para o futuro, dando-lhe a previsibilidade de que certas situações jurídicas fundamentais para a continui-dade de sua existência humana não serão alteradas ao sa-bor do acaso.

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O problema todo, no entanto, surge em virtude da difícil conceituação desses institutos. A doutrina manifesta diversas opiniões sobre o real sentido e alcance dessas expressões, notadamente no que concerne às diferenças existentes entre direito adquirido e ato jurídico perfeito.

25.1. Direito adquirido e ato jurídico perfeito

Na diferenciação desses dois institutos, apresenta-se-nos mais adequadas as elaborações realizadas por Celso Ribeiro Bastos, para quem o direito adquirido seria aquele já incor-porado à esfera pessoal do indivíduo, e que não guarda qual-quer relação com um fato atual, ao passo que o ato jurídico perfeito estaria um passo atrás, representando a situação na qual se encontra a pessoa que, à época própria, houvesse preenchido todos os requisitos exigidos pela lei para iniciar o exercício de um direito, o que não fez em virtude de sua exclusiva vontade.

Seguindo, ainda, essa linha de raciocínio, a idéia de direito adquirido no campo do direito privado, trazida pelo art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, é diferente daquela aplicável ao direito público, pois, nesse caso, são comuns as situações nas quais a pessoa já esteja no gozo de um direito, sem que isso represente falar-se em direito adquirido. Daí a exigência, conforme conceituamos, de que o direito assegurado não guarde relação com um fato atual.

Assim é que, v.g., não se pode falar em direito adquirido ao porte de arma, quando a Administração já o concedeu, e o ato de autorização já iniciou a produção de seus efeitos; ou de direito adquirido do dono da banca de revistas, quando o Poder Público tenha lhe conferido a permissão de uso de bem públi-co, porque a Administração pode revogá-los a qualquer tempo, sem que isso acarrete direito à indenização. Também não há direito adquirido à renovação ou não-revogação de licença de funcionamento de estabelecimento industrial: caso mude o Pla-no Diretor do Município, a pessoa jurídica pode ser obrigada a

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mudar a sede de seu estabelecimento. Isso ocorre porque, em todos os exemplos mencionados, referimo-nos a fatos atuais.

Nas palavras de Celso Bastos “são dois os critérios que podem fornecer resposta quanto à configuração ou não do direito adquirido nas relações de direito público: em primeiro lugar, a referência expressa que a lei possa fazer a esta cir-cunstância. Isto se dá toda vez que a própria lei instituidora da vantagem deixa claro o caráter perpétuo ou vitalício da mes-ma ou se utiliza da expressão incorporação para tornar certo que se trata de vantagem ou benefício não mais submetido à força cambiante da lei.

O segundo critério é o que poderíamos chamar de teleo-lógico. Aqui trata-se de examinar não a literalidade da norma, mas sua racionalidade ou sua finalidade”.

E conclui que “a pergunta a fazer-se é a seguinte: teria sen-tido esta norma sem admitirmos o caráter de perdurabilidade do benefício por ela criado? Se a resposta for negativa, estare-mos diante de um direito adquirido. Figuremos como exemplo uma lei em que o Estado outorgasse uma pensão mensal para praticantes de ato de bravura em guerra. Seria uma profunda deslealdade, incongruente com o sentido de justiça próprio do direito, admitirmos que, três meses após sua instituição, esta vantagem viesse a ser cassada em virtude de uma suposta re-vogação da lei que a criou”171 (grifos nossos).

Já o ato jurídico perfeito, conforme mencionado, é aquele que faculta ao interessado o exercício de um direito, o que não se dá por vontade do próprio titular.

Nas oportunas lições de Celso Bastos, “o ato jurídico perfeito está compreendido no direito adquirido. Em outras palavras, não se pode conceber um direito adquirido que não advenha de um ato jurídico perfeito. Parece que o constituinte teve mais em mira, ao cogitar desta matéria, de seus aspectos formais, vale dizer, é o ato

171 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 219-20.

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jurídico perfeito aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários à sua formação, debaixo da lei velha”172.

Um exemplo bom, para diferenciarmos os dois institutos, veio com a edição da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de de-zembro de 1998, que alterou as regras para a concessão dos be-nefícios de aposentadoria. Questionava-se muito como ficaria a situação daqueles que já estavam aposentados, e daquel’outros que, embora ainda não estivessem requerido a aposentação, pre-enchiam os requisitos constitucionais para fazê-lo (idade e tem-po de contribuição), sob as regras anteriores, mas ainda não haviam pedido o recebimento do benefício por vontade própria, encontrando-se, portanto, na atividade. Ora, os que já estavam aposentados estão com seus direitos assegurados em virtude da proteção que lhes confere o direito adquirido, ao passo que, aqueles que já haviam preenchido as exigências legais sob a égide do que dispunha a Constituição originária, mas ainda não estavam aposentados, também estavam resguardados, agora sob o manto do ato jurídico perfeito.

25.1.1. Direito adquirido e regime institucional

A Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, em flagrante desrespeito ao instituto do direito adquirido – que, como tudo aquilo que vimos analisando neste capítulo, apresenta-se como cláusula pétrea, insusceptível, pois, de al-terações pelo poder de reforma – pretendeu inserir na Consti-tuição Federal de 1988 dispositivos que previam a possibilidade de redução do vencimento de agentes públicos para se ajustar a um limite que seria fixado como “teto”, bem como a exone-ração de servidores efetivos estáveis para atender a limite de gastos com pagamento de pessoal.

É o que dispõe o inciso XV do art. 37 da Constituição da República, que prevê a possibilidade de redução do subsídio

172 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 220.

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e vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, salvo o disposto, entre outros, no inciso XI deste artigo, que determina que ninguém, na Administração direta ou indireta de qualquer poder ou ente federado, poderá receber valor superior ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

E o parágrafo 4º do art. 169, quando determina que “se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável pode-rá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.”

Afirma-se, para justificar a edição dessas medidas, que não existe direito adquirido frente a regime institucional. Com a devida vênia daqueles que sustentam essa tese, cremos que a afirmação é absurda e não encontra nenhum amparo constitucional. A Constituição Federal, quando trata do instituto do direito adquirido, não o excepciona, sendo impossível, por-tanto, que o legislador ordinário ou reformador constitucional o faça, até porque a finalidade do instituto em tela é exatamente a proteção do indivíduo face a essas alterações.

Por certo que não há direito adquirido à manutenção de regime institucional. Todavia, os direitos já incorporados ao pa-trimônio individual como, v.g., a estabilidade de servidores con-quistada antes de junho de 1998, não podem estar sujeitos a alterações circunstanciais.

Ressalte-se que ninguém é contra o estabelecimento de li-mites rígidos para se fixar a remuneração dos agentes públicos, o que se apresenta indispensável para a efetiva implementação do princípio da moralidade administrativa, bem como para con-ter o enorme déficit da previdência pública brasileira. Todavia, isso não pode ser feito em desrespeito ao direito adquirido de alguns. O Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou sobre o assunto, o que esperamos seja feito pela inconstitucio-nalidade dos referidos dispositivos.

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25.2. Coisa julgada

Outro instituto indispensável à proteção da segurança ju-rídica é a coisa julgada. Trata-se da imutabilidade dos efeitos da sentença.

Conforme já analisamos quando do estudo do princípio da inafastabilidade da jurisdição, o Brasil adota o sistema de ju-risdição una, conferindo, exclusivamente, aos órgãos do Poder Judiciário, a prerrogativa de se manifestar definitivamente sobre os conflitos de interesses. A coisa julgada vem com o término do processo judicial, quando a decisão proferida pelo Magis-trado torna-se imutável.

Faz-se necessário, no entanto, diferenciarmos coisa jul-gada formal e coisa julgada material.

A primeira é a que provém da decisão judicial transitada em julgado, ao término da ação, restringindo seus efeitos ao âmbito do próprio processo, sem extrapolá-lo. No entan-to, é possível que surjam novos elementos probatórios, não conhecidos à época do processo, mas suficientemente fortes para alterar a decisão final proferida. Nesse caso, admite-se a propositura de uma ação rescisória, com vista à anulação do primeiro processo, possibilitando que a questão seja reapre-ciada. Esta é absolutamente imutável173.

173 Nesse sentido também é o entendimento de Antônio Carlos de Araú-jo Cintra, Ada Pellegrine Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, se-gundo os quais “a coisa julgada formal é pressuposto da coisa julgada material. Enquanto a primeira torna imutável dentro do processo o ato processual sentença, pondo-a com isso ao abrigo dos recursos defini-tivamente preclusos, a coisa julgada material torna imutáveis os efeitos produzidos por ela e lançados fora do processo. É a imutabilidade da sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro, entre as mesmas partes. Em virtude dela, nem o juiz pode voltar a julgar, nem as partes a litigar, nem o legislador a regular diferentemente a relação jurídica”.CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et alii. Teoria geral do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 310.

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Isso porque, há de chegar um tempo em que as situações se resolvam definitivamente, sob pena do peso que representa-ria passar a vida toda sob a ameaça de, em algum momento, al-guém reabrir um processo judicial de décadas atrás, e reiniciar toda a discussão. Se assim não fosse, o direito não cumpriria seu principal papel de pacificação social e estabilização das relações humanas.

Nas lições de Antônio Cláudio da Costa Machado – cuja ma-neira de ensinar inspira nosso magistério – “coisa julgada mate-rial é a qualidade de imutabilidade que reveste os efeitos naturais da sentença (o conjunto de efeitos que a sentença produz na con-dição de decisão final do litígio, como qualquer outro ato do Esta-do). Já a coisa julgada formal é a imutabilidade da própria sen-tença como ato do processo (e não dos seus efeitos), em virtude de não mais caberem quaisquer recursos ou em decorrência da não utilização dos recursos cabíveis. A distinção de conceitos aqui estabelecida é fruto do gênio e obra de Enrico Tullio Liebman”174.

Resta salientar que existem alguns processos nos quais a coisa julgada material nunca irá se operar como, v.g., no proces-so penal, em prejuízo do réu. Isso se dá em virtude da relevância do bem que essa ação tutela. A possibilidade de propositura de nova ação se justifica, pois, em virtude da proteção à liberdade e à honra daquele que tenha sido condenado criminalmente por engano, razão pela qual se admite a propositura de revisão cri-minal a qualquer tempo, mesmo pela família de pessoa já morta, desde que surjam provas robustas a favor do condenado, não conhecidas à época da instrução processual penal.

Assim é que, José Afonso da Silva – de cujo entendimento comungamos – afirma que a proteção constitucional alcança apenas a coisa julgada material e, em precisa lição, afirma que “o que se protege é a prestação jurisdicional definitivamen-te outorgada. A coisa julgada formal só se beneficia da prote-

174 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 480.

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ção indiretamente na medida em que se contém na coisa jul-gada material, visto que é pressuposto desta, mas não assim a simples coisa julgada formal”.

E conclui: “A proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para a sua res-cisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o art. 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio de ação resci-sória”175 (grifos nossos).

Dessa forma, quando a Constituição Federal, no dispositivo sob exame, afirma que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, está, obviamente, refe-rindo-se à impossibilidade de uma lei ou Emenda Constitucional atacar esses bens, depois das relações jurídicas definitiva-mente constituídas. Nada impede, contudo, que o ordenamento jurídico discipline as diretrizes para o alcance dessas prerrogati-vas que, uma vez alcançadas, estarão protegidas contra futuras alterações normativas. É por essa razão que, quando estudamos os institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, afir-mamos que eles se relacionam à tutela de fatos pretéritos, e o mesmo ocorre no que se refere à proteção da coisa julgada.

26. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Por este primado, insculpido nos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da Carta da República de 1988, fica vedada a criação dos tribunais de exceção.

Dessa forma, os julgamentos apenas poderão ser realiza-dos por membros do Poder Judiciário e observando-se as re-

175 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 435.

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gras de competência e organização judiciária de cada Tribunal. A inclusão deste princípio visa a conferir justiça e imparciali-dade às decisões, evitando-se que, em situações de crise, as pessoas pudessem ser julgadas por julgadores específicos, ou por tribunais criados com essa finalidade exclusiva.

As justiças especializadas não ofendem o dispositivo constitucional em exame, por haverem sido expressamen-te previstas pela Constituição Federal e por serem criadas dentro dos limites de competência das leis de organização judiciária.

Como decorrência, ainda, do princípio do juiz natural, advém o primado do promotor natural, que visa a impedir a designação arbitrária de promotores para determinados ca-sos específicos, o que se apresenta como decorrência do princípio institucional da indivisibilidade do Ministério Público, conforme teremos a oportunidade de detalhar no capítulo es-pecífico.

27. DIREITO A NÃO-EXTRADIÇÃO

Nas lições de Celso Ribeiro Bastos, “a extradição consiste na transferência compulsória de um indivíduo de um Estado para outro, requerida por este último para que aí responda a processo ou cumpra pena. A extradição, pois, funda-se no po-der soberano do Estado e decorre da preexistência de tratados ou compromissos de reciprocidade que vinculam estes mes-mos Estados”176.

A Constituição Federal disciplina a matéria em seus incisos LI e LII do art. 5º que, respectivamente, dispõe: “Nenhum bra-sileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,

176 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 223.

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na forma da lei” e “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.

Note-se, aí, a absoluta impossibilidade de extradição do brasileiro nato, estando o naturalizado sujeito à extradição em duas situações específicas: a) crime comum praticado antes da naturalização, e; b) envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, antes ou depois da natu-ralização.

27.1. Estrangeiro

Como vimos, o direito à não-extradição é assegurado cons-titucionalmente aos brasileiros, natos ou naturalizados, com-portando, ainda, exceções com relação aos últimos. Aos es-trangeiros, o direito de não-extradição fica restrito à hipótese de crimes políticos ou de opinião, nos termos do inciso LII do dispositivo sob estudo. A Constituição Federal ou a legislação infraconstitucional não conceituam o que seja “crime político ou de opinião”, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, com exclu-sividade, analisar a natureza da infração, prerrogativa que lhe confere a Lei Federal nº 6.815/80.

Doutrinariamente, José Afonso da Silva afirma que “é, por-tanto, inconstitucional o § 1º do art. 77 da Lei 6.815/80 ao decla-rar que o fato político não impedirá a extradição quando consti-tuir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir fato princi-pal. Ora, o fato principal, para a tutela constitucional, é sempre o crime político. Este é que imuniza o estrangeiro da extradição. Logo, onde ele se concretize, onde ele exista, predomina sobre qualquer outra circunstância, e, portanto, não cabe a medida, pouco importando haja ou não delito comum envolvido, que fica submergido naquele”177. (grifos nossos)

177 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 344.

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De fato, é inconcebível admitir que, em sendo o fato princi-pal um crime comum, possa-se assegurar ao estrangeiro o di-reito à não-extradição. A razão da proteção constitucional asse-gurada ao estrangeiro que esteja no país é fundamentalmente ideológica. Não pode servir, assim, para acobertar a prática de outros crimes comuns que, muitas vezes, apresentam-se como verdadeiros atentados à humanidade.

Atualmente, as regras que disciplinam a extradição es-tão veiculadas pelo Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal nº 6.815/80), Lei Federal nº 6.964/81 e pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

27.2. Extradição, expulsão e banimento

Finalmente, resta-nos consignar que extradição, expul-são e banimento apresentam-se como institutos absolutamen-te distintos.

O primeiro, conforme analisado, consiste na possibilidade de entregar um estrangeiro a outro Estado, para que responda pela prática de crime. Já a expulsão opera-se em virtude de conveniência do Estado brasileiro.

Se na extradição é outro Estado soberano que reclama a entrega de alguém acusado ou já condenado criminalmente, na expulsão é o Brasil quem não deseja mantê-lo aqui, em virtude de ilícitos cometidos em nosso território, ou de atos que o tornem inconveniente. A decretação da expulsão, ou a revogação da medida, é ato de competência exclusiva do Pre-sidente da República, estando sujeito ao controle jurisdicional de legalidade.

O art. 75 da Lei Federal 6.815/80 veda a expulsão de es-trangeiro que: a) tenha cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de cinco anos, e; b) tenha filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e viva sob a sua dependência econômica.

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Já a pena de banimento é aplicável quando o estrangeiro tenha ingressado ilegalmente no país. A Constituição Federal, na alínea “d” do inciso XLVII do art. 5º veda taxativamente a aplicação dessa medida a brasileiros.

Assim, a extradição é pena aplicável a quem esteja sendo acusado ou tenha cometido crime em outro país, ao passo que a expulsão justifica-se nas hipóteses de ilícitos praticados no Brasil e o banimento, por sua vez, tem por fundamento o ingresso ou a permanência irregular no terri-tório nacional.

28. DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

De todos os princípios constitucionais processuais, cremos que o de maior magnitude seja o princípio do devido processo legal, insculpido no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal de 1988 que assegura a todos o direito de não ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem sua observância.

Tal primado teve sua origem mundial em 1215, na Inglater-ra, onde constava, de maneira implícita, da Magna Carta do Rei João Sem Terra. Somente em 1354 aparece de forma expressa, no art. 39 do mesmo diploma normativo. Surge, inicialmente, para tutelar o processo penal, como uma garantia dos nobres contra o Rei. Atualmente, aplica-se a todos os demais proces-sos, inclusive ao procedimento administrativo.

Por influência inglesa, o due process of law ou due pro-cess clause chega aos Estados Unidos da América, ganhando uma dimensão infinitamente superior àquela em que havia sido concebido, subdividindo-se em substantive due process e pro-cedual due process.

O primeiro pode ser entendido como o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Assim é que, antes mesmo da pro-mulgação da constituição americana, qualquer norma jurídica que violasse essa “tríplice garantia” seria taxada de ilegal. Toda-via, por razões metajurídicas – como, v.g., a existência da pena

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de morte em alguns Estados americanos – a Suprema Corte americana jamais explicitou o conceito do substantive due pro-cess .

O procedual due process é mais uma garantia do que pro-priamente um direito. Por ele, objetiva-se a proteção da pessoa contra a ação arbitrária do Estado. Vislumbra-se, portanto, a aplicação da lei.

No direito constitucional positivo brasileiro, o conceito de devido processo legal compreende, tão-somente, o aspecto processual (procedual due process), estando, o que os norte-americanos denominam de “tríplice garantia” (substantive due process), tutelado por regras próprias, já investigadas nos itens acima.

Mesmo nessa acepção pátria, Celso Ribeiro Bastos afirma que “o princípio se caracteriza por sua excessiva abrangência, e quase que se confunde com o próprio Estado de Direito. A partir da instauração deste, todos passaram a se beneficiar da proteção da lei contra o arbítrio do Estado”178.

Assim, falar-se em sua existência é o mesmo que fazer referência aos princípios da publicidade dos atos proces-suais, da impossibilidade do uso em juízo de prova obtida por meio ilícito, do juiz natural, do contraditório e da ampla defesa.

Eis a síntese do que dissemos, nas palavras de José Frederico Marques: “Devido processo legal é a garantia, aos litigantes, de julgamento imparcial, em procedimento regular, onde haja plena segurança para o exercício da ação e do direito de defesa”179.

178 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 226.

179 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito processual penal, v.1., passim.

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29. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

Conforme já asseveramos, os direitos ao contraditório e à ampla defesa, assegurados pelo inciso LV do art. 5º da Carta Magna aos processos administrativos e judiciais, apresen-tam-se como corolário do princípio do devido processo legal, caracterizado por sua excessiva abrangência. Dessa forma, podemos afirmar que esses preceitos estão contidos na idéia acima pormenorizada.

O princípio da ampla defesa impõe que o acusado possa valer-se de quaisquer meios que julgar necessário para provar sua inocência. Veda-se, apenas, as provas obtidas por meios ilícitos, nos termos do inciso LVI do artigo em comento. Fora essa hipótese, qualquer outro dado ou instrumento que possa comprovar sua versão, ainda que não conste expressamente do Código de Processo Civil ou Penal, poderá ser utilizado. A jurisprudência tem admitido a validade da prova obtida ilicita-mente apenas no processo penal, quando for a única forma de provar a inocência da vítima e exclusivamente para esse fim. Nessa hipótese, a prova obtida por meio ilícito torna-se lícita, para aquele desiderato específico, em razão da relevância do bem juridicamente tutelado.

O princípio do contraditório é indispensável para a con-solidação do direito à ampla defesa. Implica dizer que o proces-so caminha de forma dialética, havendo sempre a oportunidade de uma parte contradizer a afirmação da outra, propiciando, assim, que se chegue a verdade.

29.1. Contraditório e inquérito policial

A jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal en-tende que o primado do contraditório não se aplica aos inqué-ritos policiais, por se tratarem de atos preparatórios para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, quando só então, haverá formalmente um acusado, instaurando-se a rela-ção processual.

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O inquérito policial, no entretanto, é típico procedimento administrativo e, como tal, deveria respeitar o direito ao con-traditório e à ampla defesa, por força de afirmação taxativa do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, razão pela qual advogamos que a natureza inquisitiva do inquérito policial viola o Texto Supremo.

30. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Muito se discute sobre a existência constitucional do prin-cípio do duplo grau de jurisdição, que consiste na possibili-dade de alteração, por via de recurso, das decisões proferidas pelo juiz de primeira instância, garantindo, pois, um novo julga-mento por parte de órgãos colegiados.

O problema surge em razão da falta de previsão explí-cita desse princípio na Constituição Federal de 1988. Con-forme analisamos acima, o inciso LV do art. 5º da Carta da República garante “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

É certo que os recursos, aí referidos, são aqueles que possibilitem o exercício da amplitude de defesa. Será, porém, que os recursos referentes ao duplo grau de jurisdição não teriam sido prestigiados de forma implícita pelo constituinte de 1988?

Cremos que sim, na medida em que o princípio do duplo grau de jurisdição tem como fundamento a possibilidade de erro na decisão proferida em primeiro grau, o que desencade-aria a necessidade de reforma em grau de recurso, apresen-tando-se como algo inerente ao conceito de devido processo legal, já investigado.

Por essa razão, o duplo grau de jurisdição é acolhido pela generalidade dos sistemas processuais contemporâneos, in-

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clusive, quase que na totalidade dos casos, pelo ordenamento infraconstitucional brasileiro.

Contudo, alguns diplomas o excepcionam, como é o caso da Consolidação das Leis do Trabalho, que considera irrecor-ríveis as sentenças proferidas em causas de pequenos valor, salvo se versarem sobre matéria constitucional, nos termos do parágrafo 4º do art. 893. O art. 34 da Lei das Execuções Fis-cais (Lei Federal nº 6.830/80) e o parágrafo 2º do art. 4º da lei que organiza a Justiça Federal (Lei Federal nº 6.825/80), ainda, ressuscitam os velhos “embargos de alçada”, do art. 839 do Código de Processo Civil de 1939, só admitindo, em causas de pequeno valor econômico, a interposição de embargos infrin-gentes, vale dizer, dirigidos ao mesmo juiz que prolatou a decisão.

Cremos que tais dispositivos apresentam-se inconstitucio-nais, inclusive nas hipóteses mencionadas da Lei de Execuções Fiscais e daquela que organiza a Justiça Federal, em virtude da absoluta inocuidade de se dirigir um recurso ao próprio juiz pro-lator da sentença de primeiro grau.

Ademais, a própria expressão “duplo grau” traz implícita a idéia de divisões, ou, como quer Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “pontos ou estágios sucessivos de uma progressão”. Como uma mesma pessoa, em um único momento, poderia fazer parte de duas divisões, ou de estágios sucessivos?

Isso não significa dizer que o recurso necessite, impreteri-velmente, ser destinado a um Tribunal dito “superior”, para que o princípio esteja respeitado.

É o que ocorre na lei que criou os Juizados Especiais (Lei Federal nº 9.099/95) que prevê, no parágrafo 1º do art. 41, que o recurso seja endereçado a um órgão colegiado composto de juízes de primeiro grau; ou no anteprojeto de Código de Processo Penal, que adotaria a mesma solução para o procedimento su-maríssimo, previsto para as contravenções e os crimes de lesão corporal culposa, homicídio culposo e os punidos com detenção até um ano.

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O Supremo Tribunal Federal, no entanto, não comunga de nosso entendimento, posicionando-se pela não-existência de inconstitucionalidade nos referidos dispositivos legais, pelo fato de o princípio do duplo grau de jurisdição não estar constitucio-nalmente assegurado.

31. DIREITO À RAZOABILIDADE E CELERIDADE PRO-CESSUAL

A Reforma do Poder Judiciário, promovida pela Emenda Constitucional nº 45/04, inseriu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal para assegurar a todos os litigantes, no âmbito administrativo e judicial, “a razoável duração do pro-cesso e os meios que garantam a celeridade de sua tramita-ção”.

Trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, de princípio programático, que objetiva reiterar a disposição do constituinte derivado de reformulação da estrutura processual brasileira. Não traz nada de novo.

Isso porque o princípio da celeridade processual já é co-nhecido na dogmática processualista e apontado, por muitos, como um dos mais importantes princípios processuais, ao lado do primado da economia processual. O mesmo ocorre com o princípio da razoabilidade, consagrado principalmente na dog-mática administrativista, e que agora se volta, agora, expressa-mente ao processo judicial.

32. EQUIPARAÇÃO DOS TRATADOS A EMENDAS CONSTITUCIONAIS

A Emenda Constitucional nº 45/04 inseriu mais dois pará-grafos ao art. 5º da Constituição da República para prever, no parágrafo 3º, que “os tratados e convenções internacionais so-bre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos vo-tos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas

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constitucionais”, e no parágrafo 4º, que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

O constituinte reformador, no parágrafo 3º do art. 5º da Carta da República, confere status de Emenda Constitucional a Tratados, desde que aprovados pelo mesmo procedimento le-gislativo exigido para a validação das Emendas, qual seja, três quintos dos votos, em dois turnos de votação em cada uma das Casas do Congresso Nacional.

O dispositivo inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04 é inspirado no Direito Constitucional alemão, que prevê a pos-sibilidade de se conferir status constitucional a Tratados no número 1 do art. 24 de sua Lei Fundamental. Assim como no Brasil, o art. 79 da Constituição alemã condiciona a medida à aprovação pelo mesmo procedimento destinado à elaboração das Emendas Constitucionais.

No parágrafo 4º do art. 5º, o ordenamento jurídico brasilei-ro reconhece, com status constitucional, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, que o país já integra. Destarte, na eventual intenção de retirada, deverá fazê-lo pelo procedimento destina-do à elaboração das Emendas Constitucionais.

33. DIREITOS E GARANTIAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, traz o rol dos direitos e garantias fundamentais. É importante ressaltar que tais direitos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição, como bem as-severa o parágrafo segundo do referido artigo.

Vejamos, pois, quais os direitos e garantias previstos no art. 5º da Constituição da República, a partir da redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual-quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

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residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algu-ma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agra-vo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e ga-rantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistên-cia religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de cren-ça religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comuni-cações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,

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salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profis-são, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguar-dado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele en-trar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autoriza-ção, desde que não frustrem outra reunião anteriormente con-vocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a in-terferência estatal em seu funcionamento;

XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judi-cial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados ju-dicial ou extrajudicialmente;

XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapro-

priação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressal-vados os casos previstos nesta Constituição;

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XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produ-tiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvi-mento;

XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utili-zação, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:a) a proteção às participações individuais em obras cole-

tivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e as-sociativas;

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interes-se social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

XXX – é garantido o direito de herança; XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no

País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorá-vel a lei pessoal do “de cujus”;

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coleti-vo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de

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responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja impres-cindível à segurança da sociedade e do Estado;

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defe-sa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciá-rio lesão ou ameaça a direito;

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurí-dico perfeito e a coisa julgada;

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organi-

zação que lhe der a lei, assegurados:a) a plenitude de defesa;b) o sigilo das votações;c) a soberania dos veredictos;d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos

contra a vida; XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem

pena sem prévia cominação legal; XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos

direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e

imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insusce-

tíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitu-cional e o Estado Democrático;

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XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do per-dimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos suces-sores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimô-nio transferido;

XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;b) perda de bens;c) multa;d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos ter-mos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;c) de trabalhos forçados;d) de banimento;e) cruéis;XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distin-

tos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de ama-mentação;

LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturaliza-do, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpe-centes e drogas afins, na forma da lei;

LII – não será concedida extradição de estrangeiro por cri-me político ou de opinião;

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LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

LVIII – o civilmente identificado não será submetido a iden-tificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;

LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação públi-ca, se esta não for intentada no prazo legal;

LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos pro-cessuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária compe-tente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propria-mente militar, definidos em lei;

LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se en-contre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assis-tência da família e de advogado;

LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela au-toridade judiciária;

LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

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LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do res-ponsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obri-gação alimentícia e a do depositário infiel;

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que al-guém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coa-ção em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para prote-ger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetra-do por:

a) partido político com representação no Congresso Na-cional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação le-galmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas ineren-tes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

LXXII – conceder-se-á habeas data:a) para assegurar o conhecimento de informações relati-

vas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade admi-nistrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judi-ciais e do ônus da sucumbência;

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LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judi-ciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:

a) o registro civil de nascimento;b) a certidão de óbito;LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e ha-

beas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fun-damentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repúbli-ca Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre di-reitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Con-gresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas consti-tucionais.

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

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Capítulo VII

GARANTIAS FUNDAMENTAIS

1. INTRODUÇÃO

Desde logo, percebeu-se que os direitos fundamentais não cumpririam sua função prática se não houvessem garantias que os cercassem.

E por garantias entendem-se meios processuais ou ins-trumentais mais rápidos, comportando medidas de maior for-ça, para se chegar a tempo de assegurar o direito lesado ou ameaçado de lesão.

Destarte, os direitos fundamentais tornar-se-iam letra mor-ta se não fossem acompanhados de ações judiciais que pudes-sem lhes conferir eficácia compatível com a própria relevância dos bens jurídicos que tutelam.

A Constituição Federal de 1988, em virtude de seu caráter democrático, ampliou sensivelmente o rol de garantias do indiví-duo contra o poder estatal, criando novas fórmulas daquilo que se convencionou denominar jurisdição constitucional. Nesse sentido são as palavras do Ministro Carlos Mário Velloso. Ouça-mo-lo:

“A Constituição de 1988 amplia a jurisdição constitucional. Quer a jurisdição constitucional propriamente dita, aquela que

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diz respeito ao controle de constitucionalidade, quer a jurisdição constitucional das liberdades, como a denominou Cappelletti”.

E, tratando especificamente das garantias fundamentais, chamou a atenção para as novas medidas surgidas, concluin-do: “A Constituição criou o mandado de segurança coletivo, ins-tituiu o mandado de injunção e o habeas data e ampliou o raio de ação popular ao estabelecer que a mesma protegeria tam-bém a moralidade administrativa”180.

2. HABEAS CORPUS

A primeira das garantias a surgir foi o habeas corpus, no século XIII, previsto no nº 29 da Carta Magna do Rei João Sem Terra, de 19 de junho de 1215, cuja tradução literal é “tenhas o corpo”, expressando o seguinte conteúdo: “Tomes o corpo do detido e venhas submeter à Corte o homem e o caso”.

Sem dúvida, o habeas corpus – também conhecido como writ – é a mais importante das medidas que visam a dar efetividade aos direitos fundamentais, na medida em que protege um dos bens ju-rídicos mais importantes do homem, qual seja, sua liberdade.

Márcio Fernando Elias Rosa lembra a importância que esse instituto desempenha, inclusive no controle da atividade administrativa: “O habeas corpus é instrumento de controle da Administração Pública, porquanto visa pôr fim a abuso de po-der ou ilegalidade que viole a liberdade de locomoção. A prisão ilegal decretada, a impossibilidade de reunião ou associação, a condução coercitiva ordenada, são exemplos de decisões oriundas de agentes públicos (políticos ou não) que podem en-sejar a impetração do habeas corpus”181.

180 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A nova feição do mandado de injunção. Revista de direito público. São Paulo: Malheiros, nº 100, pp. 169-174. out-dez. 1991. p. 170.

181 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 199.

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Embora tenha surgido com a Magna Carta, em 1215, verdadeiramente toma corpo após a edição da Petition of Ri-ghts, de 1628, que culminaria no habeas corpus act, de 1679, editado pelo Rei Carlos II. Todavia, nessa oportunidade, sua utilização restringia-se às situações nas quais a pessoa esti-vesse sendo acusada da prática de crime. Somente em 1816 teria seu campo de atuação ampliado para fins de colher a defesa rápida e eficaz da liberdade individual. Posteriormen-te, ainda, apareceria no art. 8º da “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 10 de dezembro de 1948.

No Brasil, surge em 1832, com a edição do Código de Pro-cesso Criminal, que em seu art. 340 dispunha: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constran-gimento ilegal, em sua liberdade, tem direito de pedir uma or-dem de ‘habeas corpus’ em seu favor”.

Ressalte-se que a primeira Constituição Brasileira, de 1824, embora se referisse ao direito à liberdade, não dispu-nha do remédio procedimental adequado para tutelá-lo. Tal ato, o habeas corpus, vem aparecer apenas oito anos mais tarde.

2.1. Objeto

O habeas corpus, conforme mencionado, tutela um dos principais atributos do homem: o de ser livre e se locomover. Evidentemente, qualquer medida que o cerceie nesse direito de locomoção tem que ser imediatamente reparada.

Trata-se, assim, da garantia dos direitos veiculados em dois incisos do artigo 5º da Constituição Federal, quais sejam, o XV e o LXI.

Dispõe o inciso XV do art. 5º que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pes-soa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Segundo o inciso LXI, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamen-

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tada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Tais dispositivos já foram detalhadamente analisados no capítulo anterior.

2.2. Habeas corpus preventivo e suspensivo

A Constituição Brasileira faz menção a duas modalida-des de habeas corpus, quais sejam, preventivo e suspen-sivo.

É o que se depreende da análise do inciso LXVIII do art. 5º da Carta de 1988, quando dispõe ser possível a interposi-ção de habeas corpus “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção ...” (grifos nossos).

Assim, o habeas corpus preventivo ou “salvo-conduto” poderá ser interposto antes da ocorrência de violência ou co-ação em liberdade de locomoção. Assim é que, a real ameaça de restrição ao direito de ir e vir já é suficiente para autorizar o ajuizamento da medida.

Caso mais comum, no entanto, é o do habeas corpus re-pressivo ou liberatório. Nessa hipótese, a ilegalidade ou abu-so de poder já se perpetrou, e a finalidade da medida será a de restabelecer o direito de locomoção do paciente.

2.3. Legitimidade ativa

A Constituição não traz em seu bojo o sujeito ativo da im-petração da medida. A matéria acabou regulada por normas infraconstitucionais. A que está atualmente em vigor – art. 654 do Código de Processo Penal – dispõe que “o ‘habeas corpus’ poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”.

Assim, a doutrina majoritária entende que a medida pode ser requerida pelo próprio paciente ou por qualquer

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pessoa, mesmo destituída de capacidade postulatória. A capacidade civil para interposição da medida é dispensada por uns (Antônio Macedo de Campos) e exigida por outros (Damásio E. de Jesus, Pontes de Miranda, José Celso de Mello Filho).

Outro tema que tem suscitado certa divergência doutri-nária concerne à possibilidade de interposição da medida por pessoa jurídica. Cremos não existir óbice. Isso porque a Cons-tituição Federal não traz qualquer restrição, e o Código de Pro-cesso Penal determina que o legitimado para a interposição da medida é “qualquer pessoa”.

Ora, em se entendendo que os direitos e garantias indivi-duais, sempre que possível, estendem-se às pessoas jurídicas – conforme anteriormente mencionado – não há nada que de-sautorize a interposição do habeas corpus por pessoa jurídica.

2.4. Sujeição passiva

O habeas corpus pode ser impetrado contra atos de auto-ridade. Assim, tratando-se de autoridade pública ou de quem exerça autoridade em razão funcional, a medida é perfeita-mente adequada.

São os casos, v.g., de alta médica de pacientes, quando haja um conflito entre os parentes do doente e o médico que não autorize a liberação; de diretor de hospital que impeça a saída de paciente sob o fundamento do não-pagamento das despesas; ou do diretor de uma faculdade que impeça alu-nos grevistas de saírem do recinto da instituição de ensino. Nesses casos, cremos que a medida apresenta-se indispen-sável.

Com relação a particulares que não exerçam atribuições conferidas pelo Poder Público, a simples denúncia da prática de cárcere privado na delegacia de polícia mais próxima será suficiente para a liberação do paciente.

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2.5. Competência para julgamento

A competência para o julgamento do habeas corpus de-penderá de quem seja a autoridade coatora. A Constituição Federal de 1988 traz o rol de competências para o julgamento da medida, a saber:

a) confere competência ao Supremo Tribunal Federal, quando os pacientes forem o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membros do Congresso Nacional, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, Ministro de Estado, comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, Membros dos Tribunais Superio-res, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missões diplomáticas de caráter permanente, nos termos da alínea “d” do inciso I do art. 102;

b) atribui, também, ao Supremo Tribunal Federal a prer-rogativa para julgá-lo “quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tri-bunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância”, consoante a alínea “i” do inciso I do art. 102;

c) ao Supremo Tribunal Federal, ainda, para julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, conforme determina a alínea “a” do inciso II do art. 102;

d) atribui ao Superior Tribunal de Justiça a competência para “julgar, em recurso ordinário, os ‘habeas corpus’ decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Fede-rais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Terri-tórios, quando a decisão for denegatória”, conforme disposição da alínea “a” do inciso II do art. 105;

e) igualmente ao Superior Tribunal de Justiça, julgá-lo “quando o coator ou paciente, nos crimes comuns, for Go-

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273Garantias fundamentais

vernador de Estado ou do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tri-bunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais, bem como quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáuti-ca, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”, conforme dicção da alínea “c” do inciso I do art. 105 e parágrafo 3º do art. 121;

f) do Tribunal Superior Eleitoral, em grau de recurso, quando os Tribunais Regionais Eleitorais o denegarem, confor-me prescreve o inciso V, do parágrafo 4º do art. 121;

g) aos Tribunais Regionais Federais para processar e julgar “os ‘habeas corpus’, quando a autoridade coatora for juiz federal”, nos termos da alínea “d” do inciso I do art. 108;

h) também aos Tribunais Regionais Federais quando o habeas corpus houver sido denegado “pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição”, conforme disciplina o inciso II do art. 108;

i) aos juízes federais para processar e julgar “os ‘habeas corpus’, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição”, conforme assegura o inciso VII do art. 109, e finalmente;

j) do órgão que os Estados-membros e o Distrito Federal designarem em suas Constituições Estaduais e Lei Orgânica, para o julgamento dos habeas corpus impetrados em virtude de ação ou omissão dos Magistrados ou Poder Público estadual ou distrital, nos termos em que dispõe o pa-rágrafo 1º do art. 125.

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2.6. Situações que autorizam a medida

Segundo dispõe o inciso LXIII do art. 5º da Carta Política de 1988, o habeas corpus é remédio constitucional apto a ata-car atos praticados com ilegalidade ou abuso de poder.

Nas lições de Michel Temer, “ilegalidade ou abuso de po-der, pois, ligam-se às idéias de afronta direta ou indireta à lei. É ilegal o ato que desborda dos limites legais. É abusivo o ato fundado na lei (que o autoriza) mas que se desvia de sua real finalidade” (grifos no original)182.

Com a devida vênia do grande constitucionalista, cremos que o legislador constituinte acabou por misturar gênero com espécie.

Isso porque o abuso de poder nada mais é que uma espé-cie de ilegalidade. Quando a autoridade pública exacerba ou se desvia na utilização de poderes que, a princípio, eram legítimos (abusa do poder), acaba por cometer ilegalidade.

Talvez o legislador constituinte tivesse desejado enfatizar o cabimento da medida quando da ocorrência do abuso de poder, pretendendo afirmar que o habeas corpus é cabível contra “atos praticados com ilegalidade, notadamente com abuso de poder”.

2.7. Custas

O habeas corpus é medida gratuita, em razão da relevân-cia do bem jurídico por ele tutelado, conforme dicção expressa do inciso LXXVII do art. 5º da Carta Magna, in verbis: “São gra-tuitas as ações de ‘habeas corpus’ e ‘habeas data’, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”.

2.8. Transgressões disciplinares militares

É importante ressaltar, ainda, que segundo dispõe o pará-grafo 2º do art. 142 da Constituição da República, “não caberá

182 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 186.

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‘habeas corpus’ em relação a punições disciplinares militares”. Tal dispositivo aplica-se, também, aos militares dos Estados Distrito Federal e Territórios, por força do que dispõe o parágra-fo 1º do art. 42 da Carta de 1988.

Esse dispositivo constitucional, no entanto, como bem já observava Pontes de Miranda, citado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, deve ser utilizado quando a punição disciplinar for aplicada de forma lícita, o que compreende: “1º) ‘hierarquia’: o transgressor deve estar subordinado a quem o pune; 2º) ‘poder disciplinar’: a lei deve atribuir poder de punir a esse superior; 3º) ’ato ligado à função’: o fundamento da punição deve ligar-se à função do punido; 4º) ‘pena’: ou seja, sanção prevista na lei”.

E conclui: “Se faltar qualquer desses pressupostos, não houve, na verdade, transgressão disciplinar. Daí decorre que o cerceamento da liberdade de locomoção é ilegal, donde deve ser concedida a ordem judicial”183 (grifos nossos).

3. MANDADO DE SEGURANÇA

Logo se viu, porém, que o habeas corpus não seria sufi-ciente como medida exclusiva. De fato, haveria muitas outras ocasiões em que direitos individuais poderiam ser lesados, por atividades da Administração Pública, e o bem jurídico ferido não seria a liberdade física, mas qualquer outra expressão da personalidade humana.

Tanto é assim, que, de 1891 a 1926, assistiu-se a uma exa-cerbação da aplicabilidade dessa garantia constitucional, para abarcar a proteção de qualquer direito cujo exercício se fizesse imprescindível à liberdade de locomoção, pois não havia outras garantias a serem adotadas. Em 1926, uma reforma acaba com a interpretação ampliativa, limitando o uso da medida à prote-ção do direito de locomoção.

183 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. pp. 309-10.

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Em 1934 surge, no Direito brasileiro, a figura do mandado de segurança – sem similar no contexto mundial – preenchen-do essa importante lacuna do nosso ordenamento.

Determinava a Constituição, no nº 33 do art. 113: “Dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito, certo e incon-testável, ameaçado ou violado por ato manifestamente incons-titucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pes-soa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes”.

Com poucas alterações em sua redação, tal medida per-petua-se até os dias atuais, tendo substituído-se, em 1946, a expressão “direito certo e incontestável” por “direito líquido e certo”.

3.1. Objeto

O objeto do mandado de segurança é a proteção do direi-to líquido e certo. Ao longo dos tempos, a investigação acerca do exato conteúdo e sentido dessa expressão deu margem a variadas interpretações.

Para Celso Ribeiro Bastos, a expressão deve ser compre-endida da seguinte forma: “Em síntese, direito líquido e certo é direito comprovado no momento da impetração. O mandado de segurança não comporta instrução probatória, por isso todas as provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direi-to devem acompanhar a inicial. Caso o documento necessário à prova do alegado se encontre em repartição ou estabelecimen-to público que recuse fornecê-lo por certidão, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição. Em se tratando de recu-sa de autoridade coatora, a determinação judicial será feita no próprio instrumento de notificação”184.

184 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 239.

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277Garantias fundamentais

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o conteúdo da ex-pressão é exatamente o mesmo, referindo-se ao “direito que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração”185 (grifos nossos).

Por tudo isso é que não se admite, em sede de manda-do de segurança, a abertura de instrução probatória, com a finalidade de se produzir prova em juízo. Todos os documentos capazes de demonstrar o direito do autor devem acompanhar a petição inicial, conforme dispõe o art. 6º da lei do mandado de segurança (Lei Federal nº 1.533/51).

Caso não se comprove a existência de direito líquido e cer-to, o processo deverá ser extinto por carência de ação.

3.2. Mandado de segurança preventivo e suspensivo

Assim como ocorre com o habeas corpus, o mandado de segurança também admite duas modalidades, quais sejam, a preventiva e a suspensiva.

O mandado de segurança preventivo poderá ser inter-posto antes da ocorrência de violação ao direito líquido e certo. Assim, a real ameaça de lesão a um direito de fácil comprova-ção é suficiente para autorizar o ajuizamento da medida.

O mandado de segurança repressivo, por sua vez, exige que a ilegalidade ou abuso de poder já tenha se consumado, e sua finalidade será a de sustar o ato comissivo ou impedir a continuidade da omissão do Poder Público que esteja lesionan-do um direito do impetrante.

3.3. Legitimidade ativa

Diferentemente do que ocorre com o habeas corpus, cuja medida pode ser requerida pelo próprio paciente ou por qual-

185 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos. p. 6.

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quer pessoa, ainda que destituída de capacidade postulatória, o mandado de segurança só poderá ser impetrato pelo interes-sado, representado por seu advogado.

O legitimado e beneficiário da medida, portanto, é o titular do “direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas data’”, conforme determina o inciso LXIX do art. 5º da Constituição da República. Note-se, aí, o caráter subsidiário da medida, que só poderá ser proposta quando um dos outros re-médios acima não estiver apto a tutelar o direito do impetrante.

3.4. Sujeição passiva

O mandado de segurança pode ser impetrado “quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

Destarte, da mesma forma que ocorre com o habeas cor-pus, o mandado de segurança também é utilizado contra atos de autoridade, podendo ser proposto quando se estiver dian-te de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições conferidas pelo Estado, tais como os concessionários, permissionários e autorizatários de serviços públicos, além dos representantes das entidades paraestatais que estejam em parceria com o Poder Público.

A expressão “autoridade pública”, aqui, deve ser entendi-da como sinônimo de agente público que exerça atribuições com poder de decisão. Com relação aos particulares que exercem função pública, Maria Sylvia Zanella Di Pietro menciona que a jurisprudência tem admitido mandado de segurança contra representantes de estabelecimentos particulares de ensino, de sindicatos, de agentes financeiros que executam planos governamentais, além dos serviços sociais autônomos186.

186 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 613.

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O mandado de segurança, ainda, deve ser proposto em face da pessoa física, sendo que a pessoa jurídica, por não ser “autoridade” coatora, não pode figurar no pólo passivo da ação, sendo admitido, apenas, que ingresse em juízo como assisten-te ou litisconsorte. Em caso de atos administrativos compostos ou complexos – aqueles nos quais a formação exige a mani-festação de vontade de mais de um agente público – todos os agentes envolvidos na elaboração do ato devem ser citados.

3.5. Competência para julgamento

A competência para o julgamento do mandado de segu-rança será, nos termos da Constituição Federal de 1988:

a) do Supremo Tribunal Federal, “contra atos do Presi-dente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procura-dor-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal”, nos termos da alínea “d” do inciso I do art. 102;

b) do Supremo Tribunal Federal, para julgar, em recurso ordinário, o mandado de segurança decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, conforme determina a alínea “a” do inciso II, do art. 102;

c) do Superior Tribunal de Justiça, “contra ato de Minis-tro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal”, conforme dicção da alínea “b” do inciso I do art. 105;

d) dos Tribunais Regionais Federais para processar e jul-gar o mandado de segurança contra atos do próprio Tribunal ou de juiz federal, nos termos da alínea “c” do inciso I do art. 108;

e) dos juízes federais para julgá-lo, se impetrado contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais, conforme assegura o inciso VIII do art. 109;

f) do Tribunal Superior Eleitoral, em grau de recurso, quando os Tribunais Regionais Eleitorais o denegarem, conforme prescreve o inciso V do parágrafo 4º do art. 121 e, finalmente;

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g) do órgão que os Estados-membros e o Distrito Federal designarem em suas Constituições Estaduais e Lei Orgânica, para o julgamento dos mandados de segurança im-petrados em virtude de ação ou omissão de autoridade pública estadual ou distrital, nos termos em que dispõe o parágrafo 1º do art. 125.

3.6. Situações que autorizam a medida

Segundo dispõe o inciso LXIX do art. 5º da Constituição Fe-deral, o mandado de segurança é garantia constitucional que visa a atacar atos praticados com ilegalidade ou abuso de poder.

Nesse sentido, valem as mesmas considerações que fize-mos quando tratamos do instituto do habeas corpus, quando afirmamos crer que o legislador constituinte acabara por mistu-rar gênero com espécie, na medida em que o abuso de poder nada mais seria do que uma espécie do gênero ilegalidade que, nesse caso, representa um ato comissivo ou omissivo do Poder Público, que afronta um direito líquido e certo do impetrante.

3.7. Medida liminar

A medida liminar consiste em uma providência cautelar, que tem por finalidade preservar a possibilidade de satisfação, pela sentença, do bem juridicamente tutelado. Daí porque ser possível sua concessão em sede de mandado de segurança, uma vez que: a) seja relevante e evidente o fundamento do pedido; b) do ato impugnado possa resultar dano não suscetível de reparação pela decisão final. São os conhecidos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, respectivamente, constantes do inciso II do art. 7º da Lei do Mandado de Segurança.

Assim, a medida liminar não envolve um pré-julgamento do mérito e não deve influenciar o Magistrado no momento da prolação da sentença. Trata-se, tão-somente, de uma medida acautelatória, concedida a revés do ex adverso, quando o jul-gador, tendo identificado indícios de que o postulante possa ter

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razão, e que sua inércia acarretará uma lesão irreparável, pos-sibilitará ao impetrante usufruir do direito em litígio, até decisão final de mérito, ou de surgimento de provas que alterem sua convicção sobre o caso.

3.8. Prazo para impetração

O prazo para interposição da medida é de cento e vinte dias, a contar do momento em que o interessado toma ciência da decisão a ser impugnada – que tem sido considerado a data da publicação da decisão em Diário Oficial – nos exatos termos do art. 18, da Lei nº 1.533/51. Tal prazo é decadencial, pelo que não se interrompe nem se suspende.

Discutiu-se muito se o aludido prazo decadencial represen-taria uma restrição à garantia constitucional do mandado de segurança. Cremos que não, pois, transcorrido esse prazo, com a inércia do titular, desapareceriam, em tese, os requisitos de relevância e perigo da demora, indispensáveis para fundamen-tar a concessão da medida.

Assim, o interessado decairá do direito de pleitear o man-damus, o que não o impedirá de valer-se das vias ordinárias, objetivando resgatar o direito pretensamente lesado.

3.9. Custas

Ao contrário do que se verifica com o habeas corpus, no mandado de segurança é necessário o recolhimento de emo-lumentos processuais, ficando vedada, contudo, a condenação em honorários advocatícios, nos termos da Súmula 512 do Su-premo Tribunal Federal.

3.10. Cabimento da medida liminar após denegação da segurança

Michel Temer, em seu Elementos de Direito Constitucional, desenvolve primoroso estudo sobre a possibilidade de conces-

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282 Curso de Direito Constitucional

são de liminar, mesmo que o juiz, em primeira instância, negue a segurança.

Antes da edição da Lei 6.014, de 27 de fevereiro de 1973, que possibilita apelação das sentenças proferidas em mandado de segurança e regulamenta as condições para a concessão da medida, a melhor doutrina, liderada por Hely Lopes Meirel-les, admitia a possibilidade de o Magistrado, em primeira ins-tância, manter a liminar, mesmo havendo negado a segurança, sob o argumento de que interpretação diversa poderia levar à ineficácia da garantia, caso as instâncias superiores viessem a concedê-la.

Ultimamente, em razão da referida alteração legislativa, o saudoso Magistrado paulista, em sua obra Mandado de Se-gurança e Ação Popular, vinha sustentando que o presidente do Tribunal, que é a autoridade competente para conhecer do mandamus e, posteriormente, o Relator, caso a apelação não tenha subido, decidiriam sobre o pedido de liminar. Ouçamo-lo:

“Agora, com a substituição do agravo de petição pela ape-lação em mandado de segurança, o juiz inferior já não pode mo-dificar a sentença e alterar a situação do julgado após a decisão do mérito, o que gera dificuldades para a preservação do direi-to a ser protegido pelo mandamus. Diante dessa nova situação processual, entendemos que cabe ao Presidente do Tribunal, e subseqüentemente ao relator da apelação, prover sobre a liminar que se fizer necessária ou inconveniente, após a prolação da sentença e oferecimento da apelação. Se o legislador do proces-so foi omisso ou imprevidente, nem por isso a garantia constitu-cional da segurança e a medida cautelar da liminar hão de ficar prejudicadas, em detrimento do direito individual, pela inépcia do redator das normas procedimentais aplicáveis ao mandado”187.

Aclarando ainda mais as palavras de Hely Lopes Meirel-les, Michel Temer conclui que, “se a apelação devolve ao co-

187 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 55.

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nhecimento do Tribunal todas as questões debatidas no juízo de primeiro grau (CPC, art. 515) há de devolver também a matéria atinente a liminar que é o primeiro juízo de conhe-cimento empreendido, pelo juiz no processo. É de relevância inquestionável, pena de ineficácia da medida, como já foi de-monstrado”188.

Ademais, quando o inciso II do art. 7º da Lei do Mandado de Segurança utiliza-se da expressão “juiz”, na verdade está pretendendo designar o membro do Poder Judiciário, na me-dida em que, exegese diversa, levaria ao entendimento de que um Desembargador ou Ministro nunca poderia conceder limi-nar, ficando sem solução as hipóteses de competência originá-ria dos Tribunais.

3.11. Recurso administrativo e mandado de segurança

A Lei 1.533/51, em seu art. 5º, estabelece que “não se dará mandado de segurança quando se tratar de ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo”.

Qual a correta interpretação desse dispositivo? Michel Temer nos esclarece:“Na verdade, impossível é coexistência de recurso admi-

nistrativo em tramitação – ao qual a lei atribuiu efeito suspensi-vo – com a impetração de mandado de segurança.

Essas medidas não podem ser intentadas concomitante-mente. Entretanto, nada impede que o interessado abandone a via administrativa e opte desde logo pela solução judicial.

A preservação da ordem social pela inexistência de confli-tos entre seres personalizados é a determinação máxima da or-dem jurídica. Por isto que, quanto antes se der solução a even-tuais controvérsias, maior estabilidade ganhará a ordem social.

188 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 179.

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Quando o interessado deixa de lado a via administrativa para, imediatamente, buscar o Judiciário, está, na verdade, buscando a solução definitiva ao litígio e a conseqüente pacificação da vida social”189.

A Súmula 429 do STF corrobora essa tese, ao dispor: “A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade”.

No mesmo sentido são os posicionamentos de Hely Lopes Meirelles, Othon Sidou, Ministro Rocha Lagoa (em julgamento do MS 177), Ministro Lafayete de Andrada (RE 22.212, de 12 de maio de 1953), dentre outros.

4. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

Até o advento da Constituição Federal de 1988, o orde-namento jurídico brasileiro previa somente a possibilidade da interposição do mandado de segurança individual.

Com a edição da nova Carta Política, surge o mandado de segurança coletivo, cujo objetivo principal é o de fortalecer a tutela dos direitos coletivos, mencionados por nós quando tratamos dos direitos fundamentais de terceira dimensão, além de pacificar as relações sociais, na medida em que dá deci-são uniforme a várias pessoas que se encontrem na mesma si-tuação, evitando decisões díspares e o indesejável sentimento de injustiça por parte de alguns.

O mandado de segurança coletivo guarda muita seme-lhança com o mandado de segurança individual, já analisa-do. Destarte, valem para o mandado de segurança coletivo as considerações que já traçamos acerca das modalidades, sujei-ção passiva, situações que autorizam a medida, direito líquido e certo, medida liminar, prazos, custas, concessão de liminar

189 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 182.

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em sede recursal e coexistência de recurso administrativo com efeito suspensivo e liminar em mandado de segurança.

Divergem, apenas, o fundamento constitucional (que no mandado de segurança individual é o inciso LXIX e no coletivo o LXX do art. 5º da Constituição da República), a legitimidade ativa e os beneficiários.

4.1. Legitimidade ativa

Segundo as duas alíneas do inciso LXX do art. 5º da Carta Magna de 1988, a competência para interposição do manda-do de segurança coletivo será de: “a) partido político com re-presentação no Congresso Nacional”; “b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interes-ses de seus membros ou associados”.

Cumpre salientar que nos primeiros anos de vida do insti-tuto exigia-se autorização expressa dos membros dessas enti-dades associativas previstas na alínea “b”, conforme dispõe o inciso XXI do artigo em comento, in verbis: “As entidades asso-ciativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.

Atualmente, contudo, firmou-se posicionamento, pelo STF, no sentido de que tal autorização é desnecessária, conforme demonstra, v.g., o voto da lavra do Ministro Marco Aurélio, pro-latado no mandado de segurança coletivo no 21.514-DF:

“Em elogiável avanço, nossos Constituintes de 1988 fize-ram inserir no art. 5º nova garantia constitucional – a do man-dado de segurança coletivo – e, então, quando a este, tiveram presentes as características de certos direitos, no que extrava-sam o âmbito simplesmente individual para irradiarem a ponto de serem encontrados no patrimônio de várias pessoas que, em virtude de um fio comum, formam uma certa categoria. Ten-do em vista esta peculiar situação é que se previu, na alínea b do inciso LXX do art. 5º, a prerrogativa das organizações sin-

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dicais, das entidades de classe e das associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, não para representar, mediante autorização expressa, como previs-to no inciso XXI, os filiados, mas para impetrar o mandado de segurança coletivo. Não se tratasse de algo diverso da deman-da plúrima ajuizada por força de representação, mister seria concluir pela inocuidade do preceito”190.

4.2. Beneficiários

O beneficiário do mandado de segurança individual, como vimos, é o impetrante, titular do direito líquido e certo, interessa-do em ver afastada a lesão ou ameaça de lesão a seu pretenso direito de fácil comprovação.

Se no mandado de segurança individual, legitimado e in-teressado são a mesma pessoa, o mesmo não ocorre no man-dado de segurança coletivo. Aqui, os legitimados à propositu-ra da medida são as entidades associativas supramenciona-das, ao passo que os beneficiários serão seus associados ou filiados, independentemente de terem seus nomes con-signados expressamente na petição inicial e de terem ingres-sado na entidade associativa antes ou depois do ajuizamento da medida.

5. MANDADO DE INJUNÇÃO

O mandado de injunção – igualmente uma inovação da Constituição Federal de 1988, sob a influência do writ of in-junction do Direito norte-americano – surge com a finalidade de tornar efetivos, isto é, fruíveis por seus destinatários, aqueles direitos que dependem de uma legislação integradora que não foi elaborada. É esse o teor do inciso LXXI do art. 5º da Carta Política de 1988 que prescreve:

190 MS Coletivo 21.514-DF, RTJ: 150:104, out. 1994.

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“Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direi-tos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.”

Já dissemos que a Constituição não pode ser vista como um repositório de boas intenções, que possam restar indefi-nidamente inaplicáveis. Para tentar pôr fim a esse problema, surge no Direito Constitucional brasileiro a figura do mandado de injunção.

5.1. Objeto

Nas palavras do Ministro Celso de Mello, o mandado de injunção “constitui-se em um dos mais expressivos instrumen-tos jurídicos de proteção jurisdicional aos direitos, liberdades e prerrogativas de índole constitucional. A tutela concretizado-ra desses direitos fundamentais, mediante a utilização desse singularíssimo meio formal, deriva da necessidade de tornar viável o seu exercício, que é obstado pela inércia do Estado em adimplir o dever de emanar normas, imposto pela Consti-tuição”191.

O mandado de injunção irá atacar, portanto, as denomi-nadas normas constitucionais de eficácia limitada, que são aquelas normas que não iniciam a produção de efeitos práticos, enquanto não for elaborada a legislação integradora que vise colmatar essa lacuna descoberta. Todavia, não será quaisquer dessas normas passível de mandado de injunção, mas apenas aquelas que já apresentem um contorno consti-tucional mínimo.

Não caberá mandado de injunção, portanto, em face de normas constitucionais de eficácia plena ou restringível, ou vi-sando à alteração de norma jurídica pré-existente, sob o pretex-to de conferir-lhe maior harmonia com o Texto Constitucional.

191 STF – MI no 164-2-SP, DJ, 24 out. 1989, pp. 16.230-2.

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Também não é possível pleitear-se o mandado quando a falta de atuação administrativa impedir o exercício de direitos constitucionalmente assegurados que não dependam de re-gulamentação legislativa. Nesse sentido, Michel Temer cita o exemplo da norma insculpida no art. 196 da Constituição da República, que prescreve que “a saúde é direito de todos e de-ver do Estado...”, e afirma: “É que, no caso, o que se demanda é a construção de hospitais, escolas, contratação de médicos, professores, aquisição de aparelhagem necessária, etc. Trata-se de atividade administrativa que dispensa legislação regula-mentadora. Não se trata, pois, de incidência do art. 5º, LXXI, que alude à ‘falta de norma regulamentadora’”.192

Ressalte-se, porém, que o mandado de injunção não po-derá ser utilizado indistintamente para qualquer omissão le-gislativa, tendo por objeto, apenas aquelas que impeçam o exercício dos “direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à ci-dadania”.

5.2. Legitimidade ativa

A legitimidade para a interposição da medida pertence a qualquer pessoa que esteja sendo turbada do exercício dos di-reitos supracitados, em razão da ausência de norma regula-mentadora que viabilize sua fruição.

5.3. Sujeição passiva

O mandado de injunção deverá ser impetrado contra quem possui o dever legal de emanar provimentos normativos. Em regra, será uma pessoa estatal, pois, comumente, esses de-veres são a elas atribuídos. Todavia, nada impede seu ajuiza-

192 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 199.

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289Garantias fundamentais

mento em face de pessoas físicas como, v.g., o Presidente da República, nas hipóteses de omissão no encaminhamento de projetos de lei de sua iniciativa privativa, conforme disposição do parágrafo 1º do art. 61 combinado com a alínea “q” do inciso I do art. 102 da Constituição Federal.

5.4. Competência para julgamento

A competência para o julgamento da medida será, nos termos em que dispõe a Constituição Federal de 1988:

a) do Supremo Tribunal Federal, “quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da Re-pública, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legisla-tivas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Su-periores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal”, nos termos da alínea “q” do inciso I do art. 102;

b) do Supremo Tribunal Federal, para julgar, em recurso ordinário, o mandado de injunção decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, conforme determina a alínea “a” do inciso II do art. 102;

c) do Superior Tribunal de Justiça, “quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetu-ados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal”, conforme dicção da alínea “h” do inciso I do art. 105;

d) do Tribunal Superior Eleitoral, em grau de recurso, quando os Tribunais Regionais Eleitorais o denegarem, con-forme prescreve o parágrafo 4º do inciso V do art. 121 e, final-mente;

e) do órgão que os Estados-membros e o Distrito Federal designarem em suas Constituições Estaduais e Lei Orgânica, para o julgamento dos mandados de injunção impe-

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trados em virtude de omissão do Poder Público estadual ou dis-trital em face de normas constitucionais estaduais ou orgânicas distrital, nos termos em que dispõe o parágrafo 1º do art. 125.

5.5. Efeitos da decisão

Tema bastante polêmico é o que se refere aos efeitos da decisão proferida em sede de mandado de injunção.

Em primoroso estudo, Alexandre de Moraes aponta as vá-rias posições doutrinárias e dos membros do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. Divide-as em quatro correntes: a) po-sição concretista geral; b) posição concretista individual direta; c) posição concretista individual intermediária; d) posição não-concretista193.

Segundo a primeira corrente – posição concretista geral – a ausência de norma integradora autorizaria o Supremo Tribu-nal Federal a legislar sobre o assunto, com efeito erga omnes, até que o Congresso Nacional elaborasse a norma que viesse a suprimir a omissão legislativa que impede o exercício do di-reito constitucionalmente assegurado. É esse o posicionamento adotado, notadamente, por Vicente Greco Filho.

Para os que seguem a corrente concretista individual di-reta, a decisão do Tribunal imediatamente produziria efeitos in-ter partes, independentemente de notificação ao órgão legisla-tivo. Filiam-se a essa corrente os Ministros Carlos Mário da Sil-va Velloso e Marco Aurélio Mello, além da maioria da doutrina, entre os quais se inclui Othon Sidou, Celso Antônio Bandeira de Mello, Michel Temer, Roque Carrazza, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Flávia Piovesan, Moacyr Amaral Santos, Marcelo Fi-gueiredo e José Afonso da Silva.

Este último, em passagem de seu Curso de Direito Cons-titucional positivo, afirma que “não é função do mandado de

193 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. pp. 177-181.

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injunção pedir a expedição de norma regulamentadora, pois ele não é sucedâneo da ação de inconstitucionalidade por omis-são (art. 103, § 2º). É equivocada, portanto, data venia, a tese daqueles que acham que o julgamento do mandado de injun-ção visa a expedição da norma regulamentadora do dispositivo constitucional, dependente de regulamentação, dando a esse remédio o mesmo objeto da ação de inconstitucionalidade por omissão. Isso quer apenas dizer que o mandado de injunção não passaria de ação de inconstitucionalidade por omissão subsidiária, a dizer: como os titulares dessa ação (art. 103) se omitiram no seu exercício, então fica deferido a qualquer interessado o direito de utilizar o procedimento injuncional para obter aquilo que primeiramente ocorria àqueles titulares bus-car. A tese é errônea e absurda, porque: (1) não tem sentido a existência de dois institutos com o mesmo objetivo e, no caso, de efeito duvidoso, porque o legislador não fica obrigado a le-gislar; (2) o constituinte, em várias oportunidades na elabora-ção constitucional, negou ao cidadão legitimidade para a ação de inconstitucionalidade; por que teria ele que fazê-lo por vias transversas?; (3) absurda mormente porque o impetrante de mandado de injunção, para satisfazer seu direito (que o moveu a recorrer ao Judiciário), precisaria percorrer duas vias: uma, a do mandado de injunção, para obter a regulamentação que poderia não vir, especialmente se ela dependesse de lei, pois o legislativo não pode ser constrangido a legislar; admitindo que obtenha a regulamentação, que será genérica, impessoal, abs-trata, vale dizer, por si, não satisfatória de direito concreto; a segunda via é que, obtida a regulamentação, teria ainda que reivindicar sua aplicação em seu favor, que, em sendo negada, o levaria outra vez ao Judiciário para concretizar seu interesse, agora por outra ação porque o mandado de injunção não cabe-ria”194 (grifo no original).

194 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 452-3.

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Para os defensores da terceira corrente – posição concre-tista individual intermediária – o órgão judiciário, após julgar procedente o mandado de injunção, fixaria ao Congresso Na-cional um prazo para a elaboração da norma regulamentadora, findo o qual, o Poder Judiciário prescreveria as condições ne-cessárias ao exercício desse direito pelo autor. Tem-se sugeri-do que esse prazo seja de cento e vinte dias, em analogia ao prazo para a impetração do mandado de segurança, mesmo porque a Lei Federal nº 8.038/90, no parágrafo único de seu ar-tigo 24, estabelece que enquanto não for elaborada legislação específica, o mandado de injunção deverá utilizar, subsidiaria-mente, as normas atinentes àquele instituto. O defensor dessa tese é o Ministro aposentado Néri da Silveira, que a expôs em pronunciamento realizado na 7ª sessão extraordinária do STF, em 16 de março de 1995, seguido, na doutrina, principalmente por Alexandre de Moraes.

Finalmente, a posição não-concretista, que se apresen-ta como corrente majoritária no STF, entende que o mandado de injunção possuiria a finalidade específica de reconhecer formalmente a inércia do Legislativo, que deveria ser notificado para que providenciasse a edição da norma integradora. Essa posição foi defendida pelos Ministros Octávio Galloti, Sepúl-veda Pertence, Moreira Alves, Ilmar Galvão, Celso de Mello, Sydnei Sanches, Maurício Corrêa e Nelson Jobim e, na doutri-na, por nomes como os de Hely Lopes Meirelles, Celso Ribei-ro Bastos, Paulo Lúcio Nogueira e Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

Analisando os argumentos exposados pelos insignes juris-tas, podemos concluir que as teses concretistas são as úni-cas capazes de conferir real utilidade prática e aplicabilidade ao instituto. Afirmar que o órgão judiciário competente para o julgamento da ação injuncional não possa legislar – com efeitos individuais – na falta de elaboração da legislação integradora, seria tornar o dispositivo constitucional “letra morta”, desvirtu-ando a determinação exarada pelo constituinte originário.

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Se – lamentavelmente – o legislador ordinário esquiva-se do cumprimento de seu papel constitucional, ao não elaborar a legislação integradora, cabe ao Poder Judiciário fazê-lo, até mesmo como forma de respeito – e não de ofensa – à teoria da separação dos poderes. Ao contrário do que se afirma, é a ado-ção da corrente não concretista que viola a divisão dos poderes, na medida em que faz o órgão julgador refém dos caprichos do legislador infraconstitucional que, mesmo ciente de sua inércia, pode desrespeitar o comando jurisdicional, não elaborando a norma, fraudando, assim, a prestação jurisdicional.

Com relação à teoria concretista individual intermediária, com a licença de seus ilustres defensores, cremos não haver nada no Texto Constitucional que nos autorize concluir que o legislador ordinário deveria ser notificado de seu dever consti-tucional, sendo-lhe, ainda, concedido prazo para a adoção de providências, para só então liberar a atuação pelo Poder Ju-diciário. O Poder Legislativo dispõe de tempo para elaborar a legislação integradora – até que alguém sinta-se prejudicado e reclame o prejuízo – momento em que decai, para aquele caso específico, do direito de editar a providência normativa. Ademais, admitir-se que um dos poderes pudesse exigir a ado-ção de providências por outro, não seria uma maneira de pres-tigiar a separação dos poderes mas, ao contrário, representaria outra forma de afrontá-la.

Destarte, cremos que a teoria concretista individual dire-ta, em razão dos argumentos acima delineados, apresenta-se como a única que pode ser defendida a partir da análise siste-mática da atual redação constitucional, enquanto não sobreve-nha a norma que regulamente adequadamente o mandado de injunção, sob pena de grave afronta ao Texto Constitucional e à Organização dos Poderes.

Para efeito de questionamentos realizados em provas de concursos públicos, porém, recomenda-se não esquecer o en-tendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal, para quem o objeto do mandado de injunção é a obtenção de sentença

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que declare a omissão legislativa suscitada com a finalidade de que se dê ciência ao órgão omisso dessa declaração, para que o mesmo adote as providências necessárias, à semelhan-ça do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

5.6. Distinção entre mandado de injunção e ação di-reta de inconstitucionalidade por omissão

O mandado de injunção não se confunde com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. A principal semelhança entre os dois institutos está no fato de visarem a combater uma omissão constitucional que esteja impedindo o exercício de direitos ou prerrogativas constitucionalmente assegurados.

Entre eles, no entanto, podemos apresentar cinco princi-pais dissemelhanças: a) o mandado de injunção tem cabimen-to diante de falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prer-rogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, ao passo que a ação direta de inconstitucionalidade tem objeto mais amplo, podendo ser proposta quando a omissão impeça a efetivação de qualquer norma constitucional; b) a propositura da ação injuncional cabe a qualquer pessoa que esteja sendo impedida do exercício de um daqueles direitos pela falta de le-gislação integradora, já que a ação direta de inconstituciona-lidade por omissão é prerrogativa das pessoas ou entidades arrolados no art. 103 da Constituição da República; c) os efeitos da decisão proferida em sede de mandado de injunção, atin-gem apenas o impetrante (são inter partes, como adiante se verá), enquanto os da sentença que declare a inconstitucionali-dade por omissão são erga omnes, atingindo toda a sociedade; d) a competência para o julgamento do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão pertence a tribunais diversos, conforme já demonstrado; e) o mandado de injunção pode ser proposto contra omissão de várias au-toridades, órgãos colegiados dos três poderes – inclusive do

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próprio Poder Judiciário – além da Administração Pública direta e indireta, conforme vimos acima, sendo que a ação direta de inconstitucionalidade pressupõe omissão advinda dos Poderes Legislativo ou Executivo.

Ressalte-se, ainda, que, quando não há direito subjetivo, mas mera expectativa de direito, o caminho a ser percorri-do é o da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, com vista a transformar essa expectativa de direito em direito subjetivo.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, nas pala-vras de Michel Temer, “é uma espécie de ataque em tese à ausên-cia de norma regulamentadora por inércia do poder competente para expedir o ato normativo”195, ao passo que a interposição do mandado de injunção pressupõe um efetivo prejuízo em virtude da ausência da legislação integradora (grifos no original).

De fato, podemos afirmar que o mandado de injunção trata-se de uma espécie de controle difuso da omissão le-gislativa, e a ação direta de inconstitucionalidade por omis-são, como vimos, apresenta-se como controle concentrado.

Nesse sentido, merecem transcrição as magistrais palavras do Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, que em seu Temas de Direito Público assevera que “a diferença entre mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão está jus-tamente nisto: na ação direta de inconstitucionalidade por omis-são, que se inscreve em contencioso jurisdicional abstrato, de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a matéria é versada apenas em abstrato e, declarada a inconstituciona-lidade por omissão, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias. Em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo no prazo de trinta dias (CF, art. 103, § 2º). No mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito que a Constituição concede é ineficaz

195 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 197.

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ou inviável em razão da ausência de norma infraconstitucional, fará ele, juiz ou Tribunal, por força do próprio mandado de injun-ção, a integração do direito à ordem jurídica, assim tornando-o eficaz e exercitável”.196

5.7. Custas

À semelhança do que se verifica no mandado de segu-rança, para a interposição do mandado de injunção faz-se ne-cessário o recolhimento de emolumentos processuais, ficando vedada, contudo, a condenação em honorários advocatícios, nos termos da Súmula 512 do Supremo Tribunal Federal.

Isso porque, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 24 da Lei nº 8.038/90, enquanto não for editada legislação espe-cífica, o mandado de injunção seguirá o procedimento previsto na lei do mandado de segurança (Lei Federal nº 1.533/51).

5.8. Liminar

Finalmente, não é admissível a concessão de liminar em mandado de injunção, por apresentar-se como medida incom-patível com a natureza do instituto, conforme já decidiu o pró-prio Supremo Tribunal Federal197.

6. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO

O mandado de injunção coletivo é uma construção dou-trinária, que tem por finalidade preencher uma lacuna cons-titucional, podendo ser inferido por analogia ao mandado de segurança coletivo e que tem por fundamento o inciso LXX do art. 5º combinado com o inciso III do art. 8º da Constituição da República.

196 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 193.

197 Tal entendimento foi esposado nos julgamentos dos MIs. nos 342-SP, 530-SP, 535-SP, 536-MG, entre outros.

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Um dos primeiros juristas a defender a possibilidade de sua existência foi o Ministro Carlos Mário Velloso que, em artigo publicado na Revista de Direito Público nº 100, lembrou que em despacho de Relator já havia admitido a medida, fundamentan-do-a “no inciso XXI do art. 5º, que estabelece uma hipótese de substituição processual, e no inciso III do art. 8º que estabelece uma hipótese de legitimação extraordinária”198.

No mesmo diapasão, José Afonso da Silva afirma que o mandado de injunção “também poder ser um remédio coletivo, já que pode ser impetrado por sindicato (art. 8º, III) no interesse de Direito Constitucional de categorias de trabalhadores quan-do a falta de norma regulamentadora destes direitos inviabilize seu exercício. Como, segundo o art. 8º, III, os sindicatos são partes legítimas para defender direitos e interesses da catego-ria, o mandado de injunção utilizado em tal situação, como o proposto por qualquer outra entidade associativa nos termos do art. 5º, XXI, assume a natureza de coletivo”199.

É importante ressaltar que, da mesma forma que no man-dado de segurança, ao oposto do que se verifica com a garan-tia individual, em que a figura do legitimado ativo coincide com a do beneficiário da medida, no remédio coletivo, o legitimado ativo é uma pessoa jurídica (neste caso, o sindicato) e os be-neficiários da medida são pessoas físicas (aqui, os sindicali-zados).

Atualmente, toda a doutrina reconhece sua existência, as-sim como o Supremo Tribunal Federal que, em diversos julga-dos, entendeu por sua admissibilidade200.

198 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A nova feição do mandado de injun-ção. Revista de direito público. São Paulo: Malheiros, nº 100, pp. 169-174. out-dez. 1991. p. 170.

199 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 463-4.

200 A título exemplificativo, podemos lembrar os mandados de injunção nos 20-DF, 73-DF, 342-SP e 361-RJ.

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7. HABEAS DATA

Outra inovação da Carta Política de 1988 foi a criação da garantia constitucional denominada habeas data, cuja inspira-ção deveu-se a José Afonso da Silva, na Comissão Provisória de Estudos Constitucionais.

Seu surgimento mundial deu-se nos Estados Unidos da América, no Freedom of Information Act, de 1974, podendo ser encontrados dispositivos similares em vários outros ordena-mentos jurídicos, como no art. 35 da Constituição de Portugal de 1976, no art. 18 da Constituição da Espanha e no ordena-mento infraconstitucional alemão e no francês.

Segundo dispõe o inciso LXXII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, o habeas data será concedido para “asse-gurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público” (alínea “a”), bem como “para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo” (alí-nea “b”).

7.1. Objeto

O objeto do habeas data é preservar os direitos à inti-midade, à vida privada e à honra dos indivíduos, na medida em que assegura a possibilidade de obtenção de informações pessoais do impetrante, constantes de banco de dados de en-tidades estatais ou de caráter público, para que, caso neces-sário, seja providenciada a retificação, exclusão ou comple-mentação desses registros.

Nesse diapasão, Celso Ribeiro Bastos leciona que “a ex-pressão ‘retificação de dados’ deve ser entendida amplamente para incluir a própria supressão quando se tratar de informa-ções pertinentes à vida íntima da pessoa. Tratam-se daquelas hipóteses em que os dados pessoais não mantêm qualquer re-

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lação com as finalidades legalmente definidas do órgão coletor. É preciso reconhecer-se que o possuir dados pessoais, embo-ra úteis em determinados campos da atuação administrativa, como é o caso da atividade policial, ainda assim esta posse há de ser vista sempre como algo excepcional, e é por isso que o controle nunca se poderá limitar apenas a levar a efeito uma correção de dados errôneos. Terá de entrar no mérito da posse daquela qualidade de dados. Não custa nada lembrar que o Estado de Direito marca sua atuação pelo cunho da impessoa-lidade e da igualdade”201.

A Lei 9.507, de 12 de novembro de 1997, que regulou o direito de acesso à informações e disciplinou o rito processual do habeas data, justifica nossa afirmação sobre a possibili-dade de complementação de dados nos registros, quando admite a interposição da medida para “anotação nos assen-tamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mais justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável”, conforme é a redação do inciso III de seu art. 7º.

7.2. Legitimidade ativa

Conforme determina o dispositivo constitucional em exa-me, o habeas data tem por objetivo assegurar o acesso a in-formações relativas à pessoa do impetrante. Assim, apenas o próprio interessado, pessoa física ou jurídica, nacional ou es-trangeira, poderá interpor a medida.

Nem se cogite da existência de um “habeas data coletivo”, conforme se fizera com o mandado de injunção coletivo, tendo em vista a natureza muitas vezes sigilosa, e personalíssima, das informações constantes desses bancos de dados, razão pela qual a possibilidade de acesso a essas informações por

201 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 249.

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intermédio de entidades associativas ou por alguém, que não o próprio impetrante, violaria o direito à intimidade, constitucio-nalmente assegurado, além de não trazer qualquer benefício ao paciente202.

7.3. Sujeição passiva

O Texto Constitucional, acima mencionado, determina que o habeas data tem por objeto a obtenção de informações rela-tivas à pessoa do impetrante, constante de banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público.

A lei do habeas data (Lei Federal nº 9.507, de 12 de no-vembro de 1997) apresenta a definição do que sejam essas entidades referidas no inciso LXXII da Constituição da Repú-blica quando, no parágrafo único do art. 1º, dispõe tratarem-se de “todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou de-positária das informações”.

São exemplos de entidades governamentais que possuem esse tipo de informação: o extinto Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, o Serviço Nacional de Informação – SNI, as secretarias de recursos humanos das administrações públicas, entre outras. Como exemplo de entidades privadas de caráter público, podemos lembrar os serviços de proteção ao crédito e o Serasa.

Alexandre de Moraes lembra-nos, ainda, que “a Constitui-ção Federal traz um rol exemplificativo de algumas autorida-des que podem ser sujeitos passivos do habeas data (CF, art. 102, I, d; art. 105, I, b), as quais terão que justificar a razão de

202 Excepcionalmente, o antigo TFR, no julgamento do habeas data nº 1, entendeu ser possível o ajuizamento da ação pela família de morto, visando impedir que a Administração continuasse a utilizar-se indevida-mente de informações relativas ao de cujus, afrontando sua memória.

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possuírem registros e dados íntimos sobre determinados indiví-duos sobre pena de responsabilização política, administrativa, civil e penal”203 (grifo nosso).

7.4. Competência para julgamento

A competência para o julgamento do habeas data será, nos termos da Constituição Federal de 1988, corroborada pelo art. 20 da Lei Federal nº 9507/97:

a) do Supremo Tribunal Federal, “contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal”, nos termos da alínea “d” do inciso I do art. 102 da Carta da República;

b) do Supremo Tribunal Federal, para julgar, em recur-so ordinário, o habeas data decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, conforme de-termina a alínea “a” do inciso II, do art. 102 da Constituição Federal;

c) do Superior Tribunal de Justiça, “contra ato de Minis-tro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal”, conforme dicção da alínea “b” do inciso I do art. 105 da Constituição de 1988;

d) dos Tribunais Regionais Federais para processar e julgar o habeas data contra atos do próprio Tribunal ou de juiz federal, nos termos da alínea “c” do inciso I do art. 108 da Carta Política;

e) dos juízes federais para julgar habeas data impetrado contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de com-petência dos tribunais federais, conforme assegura o inciso VIII do art. 109 da Magna Carta;

203 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 150.

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f) do Tribunal Superior Eleitoral, em grau de recurso, quando os Tribunais Regionais Eleitorais o denegarem, confor-me prescreve o inciso V do parágrafo 4º do art. 121 da Consti-tuição da República e, finalmente;

g) do órgão que os Estados-membros e o Distrito Federal designarem em suas Constituições Estaduais e Lei Orgânica, para o julgamento dos habeas datas impetrados em virtude de omissão do Poder Público estadual ou distrital em face de nor-mas constitucionais estaduais ou orgânicas distrital, nos ter-mos em que dispõe o parágrafo 1º do art. 125 da Constituição Federal.

7.5. Dados sigilosos

Questão polêmica é a que versa sobre a possibilidade de obtenção de habeas data em face de dados considerados sigi-losos.

Nas lições de Michel Temer, “todos os dados referentes ao impetrante devem ser fornecidos. Não valerá, na hipótese do habeas data, a alegação de sigilo em nome da segurança do Estado. Tal restrição está expressamente prevista no caso do art. 5º, XXXIII, por meio do qual se autoriza a certificação de informações, ressalvando-se ‘aquelas cujo sigilo seja impres-cindível à segurança da sociedade e do Estado’. No preceito referente ao habeas data não se verifica essa restrição. Não há como, em matéria de direito individual, utilizar-se de interpreta-ção restritiva. Ela há de ser, nessa matéria, ampliativa”204 (grifo no original).

Ora, se o habeas data surge na Constituição Brasileira de 1988 com os ares do Estado Democrático de Direito, como forma de reação ao triste período autoritário vivido sob a égide da Constituição de 1969, para possibilitar o

204 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 204.

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conhecimento de informações relativas à pessoa do impe-trante, não faria qualquer sentido excetuar de seu âmbito de abrangência informações ditas “imprescindíveis à segu-rança da sociedade e do Estado”. Foi exatamente sob esse pretexto que o habeas data surgiu: para assegurar-nos que, em nosso país, nunca mais haverá abusos praticados por órgãos de inteligência, sob o frágil argumento de proteção da segurança nacional.

Tal posicionamento é corroborado, ainda, por Alexandre de Moraes e outros constitucionalistas205.

7.6. Procedimento

A Lei Federal nº 9.507, de 12 de novembro de 1997, que “regula o direito de acesso à informação e disciplina o rito pro-cessual do ‘habeas data’”, guarda grandes semelhanças com a lei do mandado de segurança (Lei Federal nº 1.533/51) utiliza-da supletivamente até seu advento.

Exige, antes da propositura de qualquer medida judicial, uma fase administrativa prévia, na qual o interessado encami-nhará requerimento ao órgão ou entidade detentora do banco de dados, que será decidido no prazo máximo de quarenta e oito horas, comunicando-se, nas vinte e quatro horas subseqüen-tes, a decisão ao requerente. Se deferido, designar-se-á dia e hora para que o interessado tome ciência das informações e, constatada qualquer inexatidão, a retificação, complementação ou cancelamento dos registros deverá se dar no prazo máximo de dez dias, desde que estejam devidamente comprovados a inexatidão e os novos dados a serem assentados. Em caso de indeferimento expresso ou tácito, em virtude do desrespeito aos prazos supramencionados, o interessado poderá socorrer-se do Poder Judiciário.

205 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 155.

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Note-se que a exigência de fase administrativa prévia à propositura da ação judicial, ao nosso ver, não configura afronta ao inciso XXV do art. 5º da Constituição Federal, que assegura o direito de amplo acesso ao Judiciário, ao dispor que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Cremos que, no caso em análise, não se trata de restrição, pelo legislador infraconstitucional, do direito de amplo acesso ao Judiciário, mas de demonstração do inte-resse de agir. Ora, se o requerente não teve negado o direi-to de acesso ou à retificação de seus dados pessoais, como pode ingressar no Judiciário reclamando-o? Não estaria ca-racterizado o conflito de interesses, justificador da medida, e o processo deveria ser extinto por carência de ação, conforme, aliás, decidiu acertadamente o Supremo Tribunal Federal206.

Na fase judiciária, a petição inicial deverá contemplar os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil e, despachada, será o requerido notificado do conteúdo da mes-ma, por meio da entrega de cópia, para que, no prazo de dez dias, preste as informações que julgar necessárias. Após o de-curso desse prazo, o Ministério Público terá cinco dias para se manifestar, retornando-se os autos conclusos para a prolação da sentença. Desta, caberá recurso de apelação, exclusiva-mente com efeito devolutivo, e não sujeito ao reexame neces-sário, contrariando o que ocorre nas decisões concessivas do mandado de segurança.

206 O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de recurso impetrado no habeas data nº 22-DF, manifestou-se, em relatório da lavra do Ministro Celso de Mello, no sentido de que, “o acesso ao habeas data pressu-põe, dentre outras condições de admissibilidade da ação, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omis-são em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concre-tize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data”. RTJ 162/807.

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7.7. Custas

Assim como o habeas corpus, o habeas data é medida gratuita, em razão da relevância do bem jurídico por ele tu-telado, conforme dicção expressa do inciso LXXVII do art. 5º da Carta Magna, in verbis: “São gratuitas as ações de ‘habeas corpus’ e ‘habeas data’, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”.

8. AÇÃO POPULAR

A ação popular vem insculpida no inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal que dispõe: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência”.

Surge no direito romano, no qual se atribuía ao povo o direito de tutela dos interesses que não lhes pertenciam isoladamente, mas a toda coletividade. No direito constitucional brasileiro foi in-troduzida em 1934, vindo a ser suprimida na Constituição autoritá-ria de 1937 e reintroduzida no Texto de 1946. Atualmente, é regu-lamentada pela Lei Federal nº 4.717, de 29 de junho de 1965.

O instituto da ação popular é o mais expressivo mecanismo de controle externo da Administração Pública, pois ataca, direta-mente, atos e contratos administrativos lesivos ao patrimônio pú-blico, à moralidade administrativa e ao meio ambiente.

A ação popular encontra seu fundamento de validade no princípio republicano. Em sua obra República e Constituição, o saudoso Geraldo Ataliba lembrava que a res é pública, daí a república207. Se a coisa é do povo, assiste-lhe o direito de fisca-

207 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. passim.

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lizar aquilo que lhe pertence e impedir que atos lesivos a esse patrimônio se consumam.

8.1. Objeto

O objeto da ação popular contempla a proteção do patri-mônio público, histórico e cultural, a moralidade adminis-trativa e o meio ambiente, visando a anulação de ato lesivo a esses bens.

O conceito de “patrimônio público”, conforme adiante se verá, abarca também aquelas entidades cuja criação ou custeio seja promovido pelo tesouro público, que concorreu ou concor-re com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, embora sejam entidades privadas.

8.1.1. Moralidade administrativa

Outro aspecto que merece destaque é o da inclusão da proteção à moralidade administrativa. Sabe-se que moralida-de comum e moralidade administrativa são duas categorias que, absolutamente diversas, não se confundem. Isso porque o Direito e a Moral são duas realidades distintas.

Em Filosofia do Direito, quando estudamos as categorias do “dever-ser”, acostumamo-nos a diferenciar o “Direito” da “Moral”. Em síntese, podemos afirmar que três aspectos as diferenciam: a coercibilidade, a heteronomia e a bilateralidade atributiva. Analisemos um a um:

A coercibilidade do direito repousa na possibilidade da aplicação da sanção, em caso de descumprimento de determi-nado mandamento jurídico. Em muitos casos – é bem verdade – há a desobediência da norma jurídica sem que contudo, a respectiva sanção venha a ser aplicada. Pouco importa. O traço diferenciador essencial, neste caso, é a possibilidade do cons-trangimento. Muito embora o desrespeito a uma regra moral possa levar a sanções sociais, ao remorso ou a uma desapro-vação da opinião pública, não existe a possibilidade de aplica-

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ção dessa sanção com o uso da força, tampouco a garantia de que ela será mesmo aplicada. A sanção moral, diferentemente da sanção jurídica, é uma sanção amorfa.

A heteronomia consiste na imposição do Direito por meio do poder, mesmo que os destinatários dessa norma assim não o desejem. Na Moral, a imposição deriva única e exclusivamen-te da consciência do homem (autonomia), o que lhe confere traços de subjetividade, ao passo que algo que é “moral” para alguém, pode não o ser para outra pessoa.

Finalmente, a bilateralidade do Direito consiste na convi-vência entre Direitos e deveres, contrariamente à Moral, que é unilateral, não conferindo qualquer direito ou benefício àquele que cumpra seus mandamentos.

O grande problema que surge refere-se à exata determi-nação do que seja essa positivação da moral. Nesse senti-do, Maria Sylvia Zanella Di Pietro realizou precioso estudo em seu Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, no qual afirma: “Não é preciso penetrar na intenção do agen-te, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocor-re quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das ins-tituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a po-pulação precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar despesas desse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autorida-de; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética, a instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima

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pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade ad-ministrativa, é essencial o princípio da razoabilidade”208.

Assim, a moralidade administrativa estará presente quan-do o administrador público não se descurar dos princípios éti-cos que devem permear a atividade administrativa. Tendo sido verificada a ocorrência de ato desse jaez, o cidadão estará au-torizado à propositura da ação popular.

8.1.2. Ilegalidade e lesividade ao patrimônio público

Durante anos, a doutrina questionou se bastava a lesivi-dade ou se, também, era necessária a verificação da ilegalida-de para justificar a propositura da ação popular.

Em seu Mandado de Segurança e Ação Popular, o saudo-so Hely Lopes Meirelles asseverava que, “sem estes três requi-sitos – condição de eleitor, ilegalidade e lesividade –, que cons-tituem os pressupostos da demanda, não se viabiliza a ação popular”209.

Com a devida vênia do saudoso juspubliscista, atualmente está assente na dogmática pátria que não há a possibilidade de um ato lesivo apresentar-se legal. Isso porque o fator ile-galidade estará sempre presente no ato lesivo ao patrimônio do povo, até mesmo pelo que dispõe o princípio da moralidade administrativa, erigido explicitamente a patamar constitucional a partir de 1988. Assim, a simples ocorrência de lesividade ao patrimônio público já é suficiente para a interposição da medi-da, por trazer, em seu bojo, a idéia de ilegalidade. Interpretação diversa tornaria inócuo o princípio insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal, que exige que a Administração Pública se guie nas pautas da moralidade.

208 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 111.

209 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 23. ed. São Paulo: Maheiros, 2001. p. 121.

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Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro lembra-nos que “a Lei nº 4.717, embora definindo os atos nulos (art. 2º) e os atos anuláveis (art. 3º), dando a impressão de que exige demonstração de ilegalidade, no artigo 4º faz uma indicação casuística de hipóteses em que considera nulos determinados atos e contratos, sem que haja qualquer ilegalidade, como, por exemplo, no caso de compra de bens por valor superior ao cor-rente no mercado, ou a venda por preço inferior ao corrente no mercado. Trata-se de hipóteses em que pode haver imoralidade, mas não ilegalidade propriamente dita”210 (grifos no original).

8.2. Legitimidade ativa

A legitimidade para interpor a medida é do cidadão que é a pessoa que se encontra no gozo de seus direitos políti-cos, podendo eleger e ser eleito para participar dos negócios políticos do Estado. Quando a lei define que cidadão é aquele que se encontra no exercício dos direitos políticos refere-se à capacidade ativa (que só os maiores de 18 anos, dotados de capacidade civil possuem).

Bem por isso, Michel Temer afirma que “a idéia de ação popular está ligada à de discernimento, de convicção íntima, de juízo próprio, de apreciação individual. Isto exclui, também, as sociedades e associações – públicas ou particulares – da legi-timação ativa para a demanda popular. A referência a ‘cidadão’ significa ‘pessoa física’, nunca jurídica.

Em síntese: é legitimado para propor a ação popular o titu-lar da cidadania; não são os estrangeiros, os apátridas, os que não exercem seus direitos políticos (seja porque os perderam ou porque não os adquiriram) e as pessoas jurídicas”211.

210 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 631.

211 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 192.

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8.3. Sujeição passiva

No art. 6º da Lei da Ação Popular (Lei Federal nº 4.717/65) encontramos o sujeito passivo da ação popular. Segundo dispõe o referido diploma legislativo, “a ação popular será proposta con-tra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º 212, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo”.

Dispõe, ainda, o parágrafo 3º do referido artigo que “a pes-soa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente” (grifos nossos).

Vislumbra-se, aí, interessante dispositivo processual que confere à pessoa jurídica a possibilidade de mudar de pólo na ação popular, nas hipóteses em que, ignorando ato lesivo praticado por agente seu – normalmente ocorrido em governo anterior – venha a descobri-lo no momento em que toma ciên-cia da ação, passando a compor o pólo ativo do processo, como assistente do autor, com vista à defesa do interesse público.

212 O art. 1º da Lei que regula a ação popular, em dispositivo que inspirou o correspondente na Lei de Improbidade Administrativa, dispõe que: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a de-claração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, ... , de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entida-des subvencionadas pelos cofres públicos” (grifos nossos).

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311Garantias fundamentais

8.4. Liminar e ação popular preventiva

Assim como ocorre com o mandado de segurança, atu-almente também vem se admitindo que a ação popular seja proposta de maneira preventiva.

Isso porque alguns bens tutelados por essa medida são compatíveis com a concessão de liminar, conforme dispõe expressamente, inclusive, o parágrafo 4º do art. 5º da Lei da Ação Popular (Lei Federal nº 4.717/65), in verbis: “Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado”.

De fato, são várias as situações nas quais a concessão de medida liminar em ação popular apresenta-se indispensável à proteção do interesse público, como nos casos de ameaça de lesão ao patrimônio histórico e cultural, ou ao meio ambiente.

8.5. Custas

Conforme dispõe o inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, na ação popular o autor está isento de custas judi-ciais e do ônus da sucumbência, salvo se comprovada a má-fé.

Tal dispositivo busca não intimidar aqueles que, em defesa da res publica, disponham-se, em seu nome, a intentar essa medida judicial. Por certo que, se assim não fosse, poucos ani-mar-se-iam a interpor a ação popular, em virtude do receio de verem seu patrimônio pessoal respondendo por custas proces-suais e honorários de sucumbência que, invariavelmente, em virtude dos bens tutelados pela ação popular, apresentam-se como quantias vultosas. O interesse público, se assim fosse, acabaria desprestigiado.

9. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Outro importante instrumento de tutela dos direitos difusos e coletivos é a ação civil pública. Esquecida por grande parte

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da dogmática constitucionalista, vem prevista no inciso III do art. 129 da Constituição da República, que dispõe ser função institu-cional do Ministério Público, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Segundo, ainda, o parágrafo 1º do mesmo artigo, “a legiti-mação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, se-gundo o disposto nesta Constituição e na lei”.

Destarte, embora sempre afirmemos que o Ministério Pú-blico deve ser o tutor, por excelência, dos direitos difusos, a Carta Magna não restringe a ele a competência para a proposi-tura da ação civil pública, conforme analisaremos adiante.

A ação civil pública surgiu no Brasil com a edição da Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985 – que até hoje a regu-la, com alterações – e foi erigida a patamar constitucional com a Carta Política de 1988.

9.1. Objeto

Conforme já mencionado, a Constituição Federal atribui à ação civil pública competência “para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difu-sos e coletivos”.

Assim, é passível de tutela por este remédio constitucional qualquer direito difuso ou coletivo, notadamente o patrimônio público e social, e o meio ambiente.

O art. 1º da Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7.347/85), seguindo o dispositivo constitucional, menciona que a ação poderá ser proposta para tutelar danos causados: a) ao meio ambiente; b) ao consumidor; c) aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; d) a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; e) por in-fração da ordem econômica e da economia popular, e; f) à ordem urbanística.

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313Garantias fundamentais

Outros dispositivos legais, contudo, também prevêem a uti-lização da ação civil pública, em face do rol não exaustivo da Constituição Federal, compreendido na idéia de “outros interes-ses difusos e coletivos”. São eles: a) o próprio art. 232 da Consti-tuição Federal na proteção das comunidades indígenas; b) pa-rágrafo 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81, que menciona a ação para a reparação do dano ecológico; c) art. 3º da Lei nº 7.853/89, na tutela do direito de pessoas portadoras de deficiência; d) art. 1º da Lei nº 7.913/89, que protege os investidores no mercado imobiliário; e) inciso I do art. 210 da Lei nº 8.069/90, tutelando os direitos das crianças e adolescentes; f) art. 82, inciso I, da Lei nº 8.078/90, que protege o direito dos consumidores; g) art. 17 da Lei nº 8.429/92, que prevê sua propositura em face de atos de improbidade administrativa; h) inciso VIII do art. 25 da Lei nº 8.625/93, para responsabilização dos agentes condenados pelos Tribunais de Contas, e; i) parágrafo 6º do art. 13 da Lei nº 8.974/95, que prevê sua interposição nas hipóteses de violação a lei de engenharia genética.

9.2. Legitimidade ativa

A legitimidade para a propositura da medida, conforme mencionado, não pertence exclusivamente ao Ministério Pú-blico, embora seja ele quem tenha feito, exemplarmente, o maior uso dela, em índice que supera noventa por cento das ações propostas.

Além do Parquet, são legitimados ativos, nos termos do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, a União, os Estados, os Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, bem como as associações civis constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Ressalte-se que, caso o Ministério Público não intervenha na ação como parte, deverá fazê-lo como fiscal da lei (pará-

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grafo 1º do art. 5º), e prosseguir com ela em caso de desistên-cia do autor (parágrafo 3º do art. 5º), em sua função de tutor dos direitos difusos e coletivos.

9.3. Sujeição passiva

O sujeito passivo da ação civil pública poderá ser a Ad-ministração Pública direta ou indireta, ou qualquer particular, pessoa física ou jurídica, que esteja praticando ato lesivo aos bens tutelados pela medida.

9.4. Ação cautelar

Admite-se, na ação civil pública, a interposição de ação cautelar objetivando evitar dano aos bens por ela tutelados, nos termos do que dispõe os arts. 4º e 5º da lei sob exame.

9.5. Custas

Assim como ocorre na ação popular, na ação civil pública o autor particular (que, nesse caso, apenas podem ser as as-sociações supramencionadas) também está isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência, salvo se comprovada a má-fé.

Tal dispositivo, da mesma forma, busca não intimidar aqueles que, em defesa da res publica, disponham-se, em seu nome, a intentar essa medida judicial.

Nesse sentido dispõe o art. 18 da Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985, in verbis: “Nas ações de que trata esta Lei, não haverá adiantamento de custas emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da as-sociação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais”.

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10. DIREITO DE PETIÇÃO

O direito de petição, cuja origem data do right of petition, fruto das revoluções inglesas de 1628, consiste na prerrogativa de qualquer pessoa obter dos poderes públicos informações ou encaminhar requerimentos para a defesa de direitos indivi-duais ou coletivos (direito de petição, propriamente dito) ou de-nunciar a ocorrência de ilegalidades (direito de reclamação).

Na Constituição Federal de 1988, vem insculpido na alínea “a” do inciso XXXIV do art. 5º, que dispõe ser “a todos assegu-rados, independentemente do pagamento de taxas o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.

José Afonso da Silva leciona que “esse direito vinha ligado ao direito de representação. Este não foi repetido. É que o cons-tituinte deve ter raciocinado, e com razão, que a representação pode ser veiculada pela petição, de sorte que a legislação que regulamenta aquela permanece em vigor”213.

De fato, a parte final da redação da alínea constitucional que traz a expressão “ou contra ilegalidade ou abuso de poder” já confere ao impetrante a possibilidade de representar contra a ocorrência de ilegalidade, razão pela qual seria desnecessário repetir tal prerrogativa. As expressões “ilegalidade” e “abuso de poder” já foram analisadas quando versamos sobre a garantia constitucional do habeas corpus.

10.1 Objeto

O objeto do direito de petição é a preservação da ordem e da legalidade pública, porque assegura ao indivíduo a possibilidade de peticionar aos órgãos públicos com vista à reparação de lesões ou à denúncia de ilegalidades ou abusos de poder que, mesmo

213 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 445.

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316 Curso de Direito Constitucional

não afetando a pessoa individualmente considerada, possam es-tar causando danos à coletividade ou ao patrimônio público.

É importante enfatizar que a quase unanimidade da dog-mática constitucionalista pátria entende que o direito de petição é exclusivo em relação à atividade administrativa estatal que, como iremos estudar, manifesta-se nos poderes Executivo, Le-gislativo e Judiciário.

Por esse entendimento que, a nosso ver, deve ser conside-rado nos concursos públicos compostos por provas objetivas, caso a Administração não atenda ao pedido de informações formulado ou não reveja seu comportamento administrativo, será possível a interposição de mandado de segurança ou ação popular, com vista à reparação judicial do dano.

Note-se aí o estabelecimento da diferença que usualmente se faz entre as referidas garantias constitucionais: o direito de petição é instrumento exclusivamente utilizável por via admi-nistrativa, ao passo que as outras medidas assinaladas são garantais judiciais, que podem ser utilizadas, inclusive, quando essa medida administrativa não surtir o efeito desejado.

10.1.1. Direito de petição e prestação jurisdicional

Conforme mencionado, a doutrina majoritária e a jurispru-dência do Supremo Tribunal Federal vêm entendendo que o di-reito de petição é medida de aplicabilidade exclusiva no âmbito administrativo.

Todavia, cabe enfatizar o entendimento do Ministro Marco Aurélio de Mello que, falando à TV Justiça – cuja iniciativa de-mocratizadora do Poder Judiciário deve ser ressaltada – afir-mou, em entrevista concedida no dia 31 de agosto de 2002, que a cobrança de taxas e custas processuais representa ofensa ao direito de petição, assegurado pelo art. 5º da Cons-tituição da República.

Com a devida vênia dos grandes constitucionalistas que pensam de maneira diversa, entendemos que a razão esteja

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com o Ministro da Suprema Corte, eis que nada nos autoriza a crer que “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” restringe-se à esfera administrativa dos três poderes. Ademais, o entendimen-to tradicional ofende o pressuposto hermenêutico da maior efeti-vidade possível, já analisado, pelo qual a atividade do intérprete não deve empobrecer o texto da Constituição Federal.

Assim, cabe-nos afirmar que o direito de petição inde-pendentemente do pagamento de taxas, veiculado pelo in-ciso XXXIV do art. 5º, não é restrito à atividade administrativa estatal, mas se apresenta como uma garantia impetrável con-tra todas as faces dos “Poderes Públicos”, utilizável com vista à “defesa de direitos”, sem restrições, o que, por certo, inclui a prestação jurisdicional, último recurso daquele que está ven-do seu direito lesado pelo Estado ou por outro particular.

Isto sem falar na afronta que a cobrança de taxas judiciais representa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, veicu-lado pelo inciso XXXV (seguinte ao ora examinado) do art. 5º da Constituição de 1988, já analisado no Capítulo anterior.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, corroborando a tese tradicional, decidiu que “o exercício do direito de petição, junto aos Poderes Públicos ... não se confunde com o de obter decisão judicial, a respeito de qualquer pretensão, pois, para esse fim, é imprescindível a representação do peticionário por advogado”214.

Ora, com todo nosso respeito à Suprema Corte, parece-nos que a exigência de advogado para o ingresso em juízo não é, por si só, elemento suficiente para nos fazer concluir que o direito de petição não se estende à obtenção da prestação ju-risdicional, entendimento que advém da própria interpretação sistemática, corolário do pressuposto hermenêutico da unidade da Constituição.

214 Petição nº 762, Agravo regimental, STF/Pleno. RTJ 153/497.

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318 Curso de Direito Constitucional

10.2. Legitimidade ativa

A competência para a interposição da medida pertence ao interessado, seja ele pessoa física ou jurídica, não se dis-tinguindo, também, nacionais de estrangeiros.

É importante ressaltar que, embora a Constituição Federal do Brasil não o mencione de forma explícita, o direito de petição compreende o dever da autoridade administrativa de respon-der ao pedido formulado e, considerando-se que a prestação jurisdicional também seja conseqüência desse direito, a res-posta advém, ainda, com a prolação da sentença.

Se não existisse a necessidade de resposta, a inclusão deste dispositivo em nosso ordenamento jurídico não teria qual-quer sentido prático.

A falta de resposta da autoridade administrativa com-petente autorizará, pois, a interposição das medidas judiciais mencionadas (mandado de segurança ou, mesmo, ação popu-lar), além da possibilidade de desencadear-se processo admi-nistrativo para apuração de crime de responsabilidade, caso a denúncia seja de abusos praticados por autoridades públicas, nos termos do que dispõe a Lei Federal nº 4.898/65.

10.3. Sujeição passiva

Na hipótese de interposição por via administrativa – úni-ca admitida pela doutrina tradicional, conforme já examinado – a petição será dirigida ao órgão ou entidade detentora da informação ou onde esteja ocorrendo a ilegalidade, assegurada, ainda, a possibilidade de ser encaminhada ao Ministério Público. Na hipótese de se considerar a prestação jurisdicional representada por esse direito, segue-se, pois, as normas processuais estabelecedoras das competências jurisdicionais.

Note-se que a informação, aqui, não é de natureza pessoal, mas qualquer uma que se apresente indispensável ao exercício

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de um direito legalmente assegurado. Se assim não fosse, a medida judicial adequada seria o habeas data.

10.4. Custas

O dispositivo constitucional, em exame, assegura que esse direito poderá ser exercido “independentemente do pagamento de taxas”.

A proibição da cobrança de “taxas”, nesse caso, deve ser entendida como vedação a qualquer tipo de exigência pecu-niária que possa inviabilizar o exercício desse direito, seja ela, efetivamente, uma taxa, uma tarifa ou preço público, um emolu-mento, ou o nome que se queira dar.

Nesse sentido é mais feliz a redação da Lei Federal nº 9.265/96, que dispõe sobre a gratuidade dos atos necessá-rios ao exercício da cidadania, referidos no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, quando, em seu art. 1º, assegura serem “gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados” e complementa no inciso III: “os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a de-núncia de irregularidades administrativas na órbita pública” (grifos nossos).

11. DIREITO DE CERTIDÃO

O direito de certidão vem, juntamente com o já estu-dado direito de petição, previsto no inciso XXXIV do art. 5º da Constituição Federal. A alínea “b” do referido dispositivo prevê a todos, também independentemente do pagamento de taxas: “A obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”.

O direito de certidão é regulamentado pela Lei Federal nº 9.051, de 18 de maio de 1995.

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320 Curso de Direito Constitucional

11.1. Objeto

O objeto do direito de certidão é o esclarecimento ou de-finição de situações que se apresentem indispensáveis para o exercício de um direito, assegurando-se, para tanto, a obtenção de documentos, expedidos pela Administração Pública, que comprovem tais fatos.

11.2. Legitimidade ativa

A competência para a interposição da medida pertence ao interessado, seja ele pessoa física ou jurídica, não se dis-tinguindo, também, nacionais de estrangeiros.

Aplicam-se ao direito de certidão todas as observações que fizemos quanto ao direito de petição, inclusive no que con-cerne ao dever da autoridade administrativa de responder ao pedido formulado, bem como quanto à possibilidade de interpo-sição de mandado de segurança na hipótese de falta de res-posta da autoridade competente.

Da mesma forma que fizemos quando analisamos o direito de petição, cremos que o direito de certidão aplica-se perfei-tamente ao Poder Judiciário, porque ninguém pode negar seu enquadramento no conceito de “repartições públicas”, mencio-nado pelo Texto Constitucional, apresentando nítida natureza orgânica.

11.3. Sujeição passiva

O pedido será dirigido ao órgão ou entidade detentora da informação que se queira ver certificada. Nos termos do art. 1º da Lei Federal nº 9.051/95, “as certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações serão requeridas aos órgãos da Administração centralizada ou autárquica, às empre-sas públicas, às sociedades de economia mista, e às funda-ções públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ...”

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Trata-se, conforme já mencionado anteriormente, de infor-mação que não possua natureza pessoal, mas qualquer outra que se apresente indispensável ao exercício ou esclareça um direito legalmente assegurado. Se assim não fosse, a medida judicial adequada seria o habeas data.

O art. 2º da Lei Federal nº 9.051/95 exige que o interessa-do esclareça os fins e as razões do pedido de certidão.

11.4. Prazo

Segundo dispõe o art. 1º da Lei Federal nº 9.051/95, as certidões “deverão ser expedidas no prazo improrrogável de 15 (quinze) dias, contado do registro do pedido no órgão expedi-tor”. Após esse prazo, a Administração estará constituída em mora, assegurando-se ao interessado a possibilidade de fazer valer seu direito pelo remédio do mandado de segurança.

11.5. Custas

O dispositivo constitucional, em exame, assegura que esse direito poderá ser exercido “independentemente do pagamento de taxas”.

Vale mencionar a redação da Lei Federal nº 9.265/96, agora referindo-nos ao inciso V do art. 1º, que assegura serem gratuitos “quaisquer requerimentos ou petições que visem às garantias individuais e à defesa do interesse público”.

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Capítulo VIII

DIREITOS SOCIAIS

1. INTRODUÇÃO

Conforme mencionamos quando tratamos do histórico dos direitos fundamentais, a segunda dimensão de direitos data do século XIX, obtendo implementação prática apenas no século XX. São os direitos sociais.

Seu surgimento deveu-se ao fato de o livre jogo das leis de mercado ter deixado enormes seqüelas, representadas por bol-sões de pobreza e miséria que cumpria, de alguma forma, diluir. E isso acaba sendo realizado, inicialmente, na forma filosófica, com diversas teorias socialistas, inclusive a de Karl Marx, pos-tas em prática no século XX.

Nesta ocasião vê-se o surgimento do direito ao trabalho, à greve, à saúde, à educação, entre outros, que até hoje cons-tituem a aspiração de um Estado que atenda ao homem, tan-to no seu aspecto individual, como detentor de prerrogativas, quanto como ser social. Este ser, no entanto, é muitas vezes alijado desse processo social, não conseguindo dele extrair o sustento para si e sua família.

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2. OS “DIREITOS SOCIAIS” NA CONSTITUIÇÃO BRA-SILEIRA

O art. 6º da Constituição Federal prescreve que “são direi-tos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”, conforme a redação dada pela Emenda Consti-tucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000.

José Afonso da Silva anota que, até a Constituição brasi-leira de 1934, os direitos sociais estavam contidos no capítulo destinado à ordem social, que sempre era tratada conjunta-mente, ainda, à ordem econômica215.

Atualmente, a Constituição Federal trata em momentos diversos desses três assuntos, apresentando os direitos so-ciais no Capítulo II do Título II (arts. 6º a 11), a ordem social no Título VIII (arts. 193 a 232) e a ordem econômica e finan-ceira no Título VII (arts. 170 a 192). Todavia, deve-se lembrar que tal separação não é absoluta, na medida em que não se pode negar que os direitos sociais estão inseridos na ordem social. Tanto é assim, que o supramencionado artigo 6º da Constituição Federal, que inaugura o capítulo destinado aos direitos sociais, menciona os direitos à educação, à saúde, à previdência social e à assistência aos desamparados (assistência social), que são detalhados no Título destinado à ordem social.

Segundo a classificação adotada por José Afonso da Sil-va, os direitos sociais podem ser divididos em seis categorias, a saber: a) direitos sociais relativos ao trabalhador; b) di-reitos sociais relativos à seguridade social, que compreen-dem a saúde, a previdência e a assistência social; c) direitos sociais relativos à educação e à cultura; d) direitos sociais

215 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 288.

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325Direitos sociais

relativos à moradia; e) direitos sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso, e; f) direitos sociais relativos ao meio ambiente216.

Neste capítulo, versaremos apenas sobre os direitos so-ciais relativos ao trabalhador, abstendo-nos de tecer conside-rações sobre os outros direitos mencionados, cuja análise será realizada em capítulo subseqüente, quando, aí sim, teremos a oportunidade de analisar aquilo que o legislador constituinte denominou “ordem social”.

3. DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS AOS TRABALHA-DORES

3.1. Direitos individuais dos trabalhadores urbanos e rurais

O art. 7º da Constituição da República enumera os direitos atribuíveis aos trabalhadores urbanos e rurais, alertando para o fato de que esses direitos não excluem outros que visem à melhoria de sua condição social.

A distinção entre trabalhadores urbanos e rurais, nos dias de hoje, não apresenta qualquer conseqüência prática, tendo em vista que a Constituição de 1988 atribui a ambos os mesmos direitos.

A única diferença que ainda se fazia entre os urbanos e os rurais vinha insculpida no inciso XXIX do artigo em comen-to, que concedia prazo de dois anos para a propositura da reclamação trabalhista para trabalhadores urbanos e rurais, mas restringia, aos primeiros, a percepção dos valores de-vidos nos últimos cinco anos, ao passo que os haveres dos rurícolas, respeitado o prazo para a propositura da ação, eram imprescritíveis. Atualmente, a Emenda Constitucional nº 28, de 25 de maio de 2000 dá nova redação ao dispositivo, conce-

216 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 290.

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326 Curso de Direito Constitucional

dendo prazo prescricional de cinco anos em ambos os casos, não existindo mais qualquer diferença de direitos entre empre-gados rurais ou urbanos.

Entre os trabalhadores urbanos, no entanto, deve-se lem-brar que o parágrafo único do referido artigo não estende ao trabalhador doméstico os mesmos direitos conferidos às de-mais categorias, que só farão jus, por força constitucional, às seguintes proteções: a) salário mínimo (inciso IV); b) ir-redutibilidade de salário (inciso VI); c) décimo-terceiro sa-lário (inciso VIII); d) repouso semanal remunerado (inciso XV); e) férias anuais remuneradas (inciso XVII); f) licença-gestante (inciso XVIII); g) licença-paternidade (inciso XIX); h) aviso prévio (inciso XXI); i) aposentadoria (inciso XXIV), e; j) integração à previdência social (parágrafo único).

Assim, não lhes são atribuídos, pelo Texto Constitucional, direitos como a proteção contra despedida arbitrária, seguro-desemprego, fundo de garantia do tempo de serviço, piso sa-larial, adicionais por trabalhos extraordinário ou noturno, entre outros, o que não impede que sejam concedidos pela legislação ordinária, como já houve, pois, conforme mencionado, esses di-reitos veiculados “não excluem outros que visem à melhoria de sua condição social”.

Vejamos, pois, o rol dos direitos atribuíveis aos trabalha-dores urbanos e rurais, veiculados no art. 7º da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrá-ria ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço; IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unifi-

cado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e

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327Direitos sociais

às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sen-do vedada sua vinculação para qualquer fim;

V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em conven-ção ou acordo coletivo;

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime

sua retenção dolosa; XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada

da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

XII – salário-família pago em razão do dependente do tra-balhador de baixa renda nos termos da lei;

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensa-ção de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo me-nos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

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328 Curso de Direito Constitucional

XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, median-

te incentivos específicos, nos termos da lei; XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo

no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio

de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII – adicional de remuneração para as atividades peno-

sas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV – aposentadoria;XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o

nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coleti-

vos de trabalho; XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do

empregador, sem excluir a indenização a que este está obriga-do, quando incorrer em dolo ou culpa;

XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os tra-balhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de de-ficiência;

XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, téc-nico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insa-lubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

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329Direitos sociais

XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vín-culo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos traba-lhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.”

3.2. Direitos coletivos dos trabalhadores

A Constituição Federal faz menção a duas ordens de direitos coletivos dos trabalhadores: o direito a associa-ção profissional ou sindical (art. 8º) e o direito de greve (art. 9º).

3.2.1. Direito a associação profissional ou sindical

Segundo os ensinamentos de Pinto Ferreira, o surgimento dos sindicatos no direito brasileiro data do início do século XX, mais precisamente em virtude da edição do Decreto nº 979, de 6 de janeiro de 1903, que instituiu os sindicatos agrícolas, estendido aos profissionais liberais com o advento do Decreto nº 1637, de 6 de janeiro de 1907217.

Atualmente, o direito à livre associação profissional ou sin-dical vem disposto no art. 8º da Constituição Federal, que pres-creve as seguintes diretrizes para o exercício desse direito:

“I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão compe-tente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindi-cal, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pe-

217 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 155-6.

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330 Curso de Direito Constitucional

los trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões ju-diciais ou administrativas;

IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tra-tando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical res-pectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas nego-ciações coletivas de trabalho;

VII – o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou re-presentação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.”

3.2.1.1. Contribuição assistencial e sindical

Também no que respeita ao direito de associação sindical, faz-se importante tecer algumas considerações sobre as dife-renças existentes entre a denominada contribuição assisten-cial ou confederativa e a contribuição sindical.

Ambas vêm previstas no inciso IV do art. 8º que pres-creve: “A assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sin-dical respectiva” (contribuição assistencial ou confedera-

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331Direitos sociais

tiva), “independentemente da contribuição prevista em lei” (contribuição sindical).

A primeira – contribuição assistencial ou confederativa – é obrigatória apenas aos sindicalizados, ao passo que a segunda – contribuição sindical – é obrigatória para todos, independentemente de filiação sindical, inclusive para os profis-sionais liberais, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal em vários julgamentos.

3.2.1.2. Princípio da unicidade sindical

A atual Constituição da República adota, ainda, o princí-pio da unicidade sindical. É o que determina o inciso II do art. 8º, que veda a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados e não pode ser inferior à área de um Município.

Destarte, é relevante diferenciarmos sindicatos de asso-ciações.

Os primeiros detêm as prerrogativas constitucionalmente asseguradas, como as de defender os interesses coletivos e individuais da categoria, em questões judiciais ou administrati-vas (inciso III), participar das negociações coletivas de trabalho (inciso VI) e instituir e arrecadar as contribuições confederativas (inciso IV). Possuem, conforme mencionado, exclusividade no exercício dessas prerrogativas e o monopólio da representação jurídica dos interesses da categoria em determinada base ter-ritorial.

Já as associações possuem atribuições diversas, limitan-do-se “a fins de estudo, defesa e coordenação dos interesses da categoria”, nas palavras de José Afonso da Silva218.

218 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 304.

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332 Curso de Direito Constitucional

3.2.2. Direito de greve

Nas lições de Alexandre de Moraes, “a greve pode ser defi-nida como um direito de autodefesa que consiste na abstenção coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos tra-balhadores de um ou vários departamentos ou estabelecimen-tos, com o fim de defender interesses determinados”219.

O art. 9º da Constituição Federal assegura o direito de gre-ve, “competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunida-de de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

Seu parágrafo primeiro determina que “a lei definirá os ser-viços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”.

Embora ainda exista alguma discussão jurisprudencial, tem-se entendido que o direito de greve é auto-aplicável, tratando-se, pois, de norma jurídica de eficácia restringível, ou seja, aquelas que irradiam seus efeitos desde quando editadas, podendo, po-rém, sofrer restrições pela legislação infraconstitucional.

José Afonso da Silva afirma, citando Miguel Rodríguez-Piñeiro, que “a melhor regulamentação do direito de greve é a que não existe”. E conclui: “Lei que venha a existir não deverá ir no sentido de sua limitação, mas de sua proteção e garantia. Quer dizer, os trabalhadores podem decretar greves reivindi-cativas, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou gru-pos reprimidos, ou greves políticas, com o fim de conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requei-ra, ou greves de protestos. Também não há mais limitações quanto à natureza da atividade ou serviços, como no sistema revogado, que vedava greve nas atividades ou serviços essen-ciais. A esse propósito, só cabe à lei definir quais serviços e

219 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 201.

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333Direitos sociais

atividades sejam essenciais e dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º)”220 (grifos no original).

O direito de greve dos servidores públicos, infelizmente, ainda não se apresenta da mesma forma, conforme teremos a oportunidade de analisar no capítulo apropriado.

Finalmente, dispõe o parágrafo 2º do art. 9º, que eventuais abusos cometidos quando do exercício do direito de greve sujei-tarão seus responsáveis às penalidades que a lei determinar.

3.3. Direito de participação laboral

O art. 10 da Constituição Federal de 1988 prescreve que “é assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação”.

É importante ressaltar que não se trata de um direito exclu-sivo do trabalhador, mas de direito social, extensível, também, aos empregadores.

3.4. Direito de representação nas empresas

Finalmente, o art. 11 da Carta Política de 1988 assevera que “nas empresas de mais de duzentos empregados, é asse-gurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os em-pregadores”.

Trata-se da figura do “delegado de fábrica”, que tem a res-ponsabilidade de levar ao empregador as reivindicações de seus colegas, buscando o diálogo que preserve os interesses da categoria.

220 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 308.

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335

Capítulo IX

DIREITOS DA NACIONALIDADE

1. INTRODUÇÃO

Pinto Ferreira define nacionalidade citando o concei-to clássico de Pimenta Bueno, que em seu Direito Público Brasileiro, de 1857, escreveu: “Sob o seu aspecto jurídico, a nacionalidade designa o laço que une o indivíduo a um Estado determinado. A teoria da nacionalidade é, portanto, aquela que tem por objeto indicar o Estado de que depende cada um”221.

O conceito de nacionalidade, pois, liga-se indissociavel-mente à idéia de povo, que traduz o elemento humano de um Estado, indispensável para sua existência. Não há Estado sem povo, território e soberania.

2. CONCEITOS CORRELATOS

O estudo da nacionalidade passa, necessariamente, pela investigação do exato sentido e alcance de algumas expres-

221 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 288.

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Curso de Direito Constitucional

sões que, para os leigos, muitas vezes são utilizadas como si-nônimas, quais sejam: povo, população, cidadão e nação.

O povo é o conjunto de pessoas que compõem o elemento humano de um Estado, quer porque ali tenham nascido, quer porque sejam filhos de outros provenientes dessa localidade, conforme adiante se detalhará.

Já a população é o conjunto de habitantes de um país. Não guarda qualquer relação com a idéia de povo, pois existem inúmeros estrangeiros que moram em certo Estado (e, portanto, não fazem parte do povo, mas fazem da população), ao passo que muitos nacionais podem estar residindo fora de sua pátria (sendo, pois, integrantes do povo e não da população).

Por sua vez, cidadão é a pessoa que se encontra no gozo de seus direitos políticos, podendo eleger e ser eleito para participar dos negócios políticos do Estado. A cidadania pode, ainda, ser relativa ou absoluta.

A cidadania absoluta ou plena relaciona-se à capacidade eleitoral passiva, que só os maiores de 18 anos, dotados de capacidade civil possuem. Esses podem votar e serem votados.

Já a expressão cidadania relativa ou parcial designa aque-les que, embora não tenham capacidade eleitoral passiva, não podendo ser votados, possuem a faculdade de votar, como é o caso dos maiores de dezesseis anos e menores de dezoito.

O termo nação, para a Sociologia, compreende um con-junto de pessoas que, fixados em um mesmo espaço geográfi-co, possuem afinidades históricas, culturais, artísticas, além de um mesmo idioma, costumes, tradições e ideais.

No entanto, quando juridicamente falamos em naciona-lidade, conferimos à expressão conteúdo semântico absoluta-mente diverso daquele utilizado pela Sociologia, pretendendo designar não aqueles que formam uma comunidade sócio-cul-tural, mas os que integram o elemento humano de um mes-mo Estado, conforme conceituamos no início do capítulo. Daí porque ser muito comum encontrarmos severas críticas ao uso dessa expressão pelo direito positivo brasileiro.

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337Direitos da nacionalidade

3. FORMAS DE AQUISIÇÃO

O art. 12 da Constituição Federal de 1988 traz as formas de aquisição da nacionalidade brasileira, quais sejam, a pri-mária ou originária e a secundária ou adquirida.

Note-se que a nacionalidade primária resulta do nasci-mento, e poderá ser atribuída por critério territorial, que leva em conta o local do nascimento (jus soli), ou por critério san-güíneo, atribuível em razão da nacionalidade dos ascenden-tes (jus sanguinis). Deriva, portanto, de um fato jurídico.

A nacionalidade secundária, por sua vez, adquire-se pela naturalização, nas hipóteses em que o ordenamento jurídico de cada país houver por bem concedê-la. Advém, assim, de um ato de vontade.

3.1. Brasileiros natos

Para a aquisição da nacionalidade primária o legislador constituinte de 1988 conjugou as duas hipóteses mais utiliza-das no mundo, prescrevendo, no inciso I do artigo 12 da Cons-tituição da República, que a nacionalidade brasileira resultará de dois critérios: o de solo (jus soli) e o de sangue (jus san-guinis).

Assim, são brasileiros natos:“a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda

que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a ser-viço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe bra-sileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe bra-sileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasi-leira”.

Examinemos cada uma dessas hipóteses.

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Curso de Direito Constitucional

3.1.1. Nascimento no território brasileiro

A alínea “a” do dispositivo sob análise traz o único critério de solo consagrado pela Carta Política de 1988 para a aquisi-ção da nacionalidade brasileira. Compreende o caso daqueles que tenham nascido no Estado brasileiro, mesmo que filhos de pais estrangeiros, desde que nenhum deles esteja a servi-ço de seu país.

A exceção se justifica com vista à preservação das relações diplomáticas, afinal, não seria razoável impor a quem estivesse no exterior representando seu país, estabelecer ao filho ali nasci-do, nacionalidade diferente da de seus pais. Ademais, caso fosse atribuída ao filho a nacionalidade do país onde serve, o agente diplomático ficaria em posição de suspeição, na medida em que passaria a ter algum motivo para, a partir de então, também se preocupar com os interesses desse Estado.

3.1.2. Nascimento no exterior, de pai ou mãe em missão pelo Estado brasileiro

O fundamento que alicerça a alínea “b” é rigorosamente o mesmo já analisado acima. Agora, a Constituição Federal reco-nhece ao filho de brasileiro ou brasileira em missão internacio-nal, a nossa nacionalidade.

Com isso, o filho daquele que se dispõe a deixar nossa pá-tria, para ir a outro local do mundo representar nossos interes-ses, também será, juridicamente, um brasileiro. Evita-se, pois, os mesmos problemas supramencionados.

3.1.3. Nascimento no exterior, de pai ou mãe brasileira

Finalmente, a alínea “c”, com nova redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3/94 assegura aos filhos nascidos no exterior, de pai ou mãe brasileira que não estiver a serviço do Brasil, a possibilidade de optar pela nacionalidade brasileira a qualquer tempo.

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339Direitos da nacionalidade

Trata-se, pois, de facultar-lhes a opção pela nossa nacionali-dade, o que se apresenta indispensável, mormente quando nas-cem de pais brasileiros e em países que adotam o critério consan-güíneo para a aquisição da nacionalidade, o que os leva a ficar, ao menos temporariamente, sem nacionalidade ou apátridas.

Os nascidos no exterior, de pai ou mãe brasileira, possuem uma nacionalidade potestativa, porque a aquisição da nacio-nalidade brasileira depende, exclusivamente, de sua própria vontade, não cabendo ao Poder Público a análise de qualquer outra condição.

Ressalte-se, ainda, que a nova redação do dispositivo ex-cluiu a obrigatoriedade de virem a residir no Brasil antes de completarem a maioridade, conforme dispunha o dispositivo originário, aplicável aos que não realizassem o registro consu-lar, in verbis: “c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Fede-rativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”.

Se por um lado o constituinte revisor andou bem, ao excluir a obrigatoriedade desses filhos de brasileiros virem a residir no Brasil como requisito para aquisição da nacionalidade brasilei-ra, por outro deixou sem proteção constitucional “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente”.

José Afonso da Silva nos apresenta as vantagens e des-vantagens dessa nova redação: “Pode-se estranhar que se tenha eliminado uma possibilidade da aquisição da nacionali-dade originária que favorecia o brasileiro. A existência dessa possibilidade poderia gerar um brasileiro nato que nada teria com o Brasil, já que a concessão da nacionalidade, no caso, não estava na dependência de residência no território brasi-leiro, e, assim, poderia ocorrer até que um brasileiro nato nun-ca viesse a conhecer seu País e talvez nem se expressasse na língua portuguesa. Essa circunstância pode ter levado o

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Curso de Direito Constitucional

constituinte revisor a eliminar o permissivo, já que tornou mais favorável a aquisição da nacionalidade brasileira por opção com a residência no País. Com essa mudança ficou reforçado o princípio da real vinculação territorial para a aquisição da nacionalidade brasileira nata.

Contudo, a supressão daquela possibilidade de registro consular pode trazer embaraços a filhos de brasileiros nascidos em Estados que prestigiem o princípio do ius sanguinis, caso em que eles ficarão sem nacionalidade. A providência, como ano-tamos nas edições anteriores, evitava que filho de brasileiro se tornasse heimatlos. Essa é uma situação intolerável para a De-claração Universal dos Direitos Humanos, que estatui que todos têm direito a uma nacionalidade (art. XV, 1)”222 (grifo no original).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no entan-to, reconhece ao filho de pai ou mãe brasileira nascido no es-trangeiro, que não estivesse a serviço do Estado brasileiro, uma nacionalidade provisória, a partir do momento de fixação de residência no país, que seria confirmada no momento em que a opção pela nacionalidade fosse realizada perante a Justiça Federal, após atingir-se a maioridade223.

Tal decisão, embora amenize o problema, não o resolve de forma definitiva, pois a solução mais adequada seria a manu-tenção da possibilidade da realização do registro consular, que protegeria o filho de brasileiro, independentemente de fixação de residência no país. Na sistemática atual, caso o filho de mãe ou pai brasileiro, nascido no exterior, sem que um de seus pais esteja a serviço do país, não opte por residir no Brasil, perma-

222 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 332-3.

223 “Compete à Justiça Federal a apreciação de pedido de transcrição do termo de nascimento de menor nascida no estrangeiro, filha de mãe brasileira que não estava a serviço do Brasil, por consubstanciar opção provisória de nacionalidade a ser ratificada após alcançada a maiorida-de (arts. 12, I, “c” e 109, X, da CF)” (STJ – Conflito de competência nº 18.074/DF – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJU, 17.11.1997).

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341Direitos da nacionalidade

necerá sem nacionalidade, resultando na indesejável condição de apátrida.

3.2. Brasileiros naturalizados

A nacionalidade secundária ou adquirida, por sua vez, vem prevista no inciso II do art. 12 da Carta de 1988, e se aplica aos brasileiros naturalizados, ou seja, aqueles que, em deter-minado momento e tendo comprovado os requisitos constitu-cionalmente exigidos, optaram pela nacionalidade brasileira.

Nesse sentido, são brasileiros naturalizados:

“a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade bra-sileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos inin-terruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a na-cionalidade brasileira”.

Antes de examinarmos as hipóteses de aquisição secun-dária da nacionalidade brasileira, faz-se importante salientar que, embora a Constituição Federal de 1988 traga apenas os dois casos acima mencionados de naturalização expressa, a legislação infraconstitucional continua prevendo a possibilidade de naturalização por radicação precoce e conclusão de cur-so superior. A hipótese de naturalização tácita, no entanto, prevista desde a Constituição de 1824, foi suprimida pelo cons-tituinte de 1988 por razões óbvias.

3.2.1. Naturalização tácita

A naturalização tácita, prevista no parágrafo 4º do art. 69 da Constituição do Império, impunha a nacionalidade brasileira aos estrangeiros que, estando no Brasil em 15 de novembro de 1889, não declarassem em seis meses o ânimo de manter a nacionalidade de origem.

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Curso de Direito Constitucional

Essa hipótese de naturalização tácita, quando aplicada aos pais, estendia seus efeitos aos filhos menores que vives-sem sob sua guarda.

Conforme já havíamos mencionado, essa previsão nor-mativa acabou por ser suprimida pelo constituinte de 1988, em virtude da desnecessidade de nova repetição do preceito, preservando-se a nacionalidade brasileira daqueles que a ad-quiriram e ainda sobrevivem, bem como dos referidos filhos menores.

3.2.2. Naturalização por radicação precoce

A naturalização por radicação precoce, prevista na Cons-tituição de 1967/69, autorizava naturalizar-se brasileiro aquele que, nascido no estrangeiro e vindo morar no Brasil até a idade de cinco anos, manifestasse inequivocadamente essa sua von-tade em um prazo decadencial de até dois anos do atingimento de sua maioridade.

Embora a Constituição da República de 1988 não traga mais essa hipótese em seu texto, a Lei Federal nº 6.964/81, recepcionada pela nova Carta Política, continua a prever essa situação no inciso I do parágrafo 2º do seu art. 115.

3.2.3. Naturalização por conclusão de curso superior

Já a naturalização por conclusão de curso superior, autorizada pelo inciso II do parágrafo 2º do art. 115 da Lei Federal nº 6.964/81, prevê a possibilidade de tornar-se brasi-leiro aquele que, vindo a residir no Brasil antes de completar a maioridade, conclua curso superior em estabelecimento ofi-cial de ensino brasileiro, e manifeste essa vontade até um ano depois de formado.

Da mesma forma que ocorre com a hipótese de naturali-zação por radicação precoce, a falta de previsão expressa da Constituição da República de 1988 não inviabiliza a hipótese de

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343Direitos da nacionalidade

aquisição da nacionalidade secundária aqui mencionada, por-quanto a Lei Federal nº 6.964/81 está recepcionada pela nova ordem jurídica.

A alínea “a” do inciso II do art. 12 da Constituição da Repú-blica corrobora essa exegese quando prevê serem brasileiros naturalizados “os que, na forma da lei, adquiram a nacionali-dade brasileira ...” (grifos nossos).

3.2.4. Naturalização de estrangeiros originários de paí-ses de língua portuguesa

A Constituição Federal exige aos estrangeiros originários de países de língua portuguesa apenas a comprovação de dois requisitos para sua naturalização, a saber: a) residência por um ano ininterrupto no país; b) idoneidade moral.

Tal dispositivo aplica-se aos naturais de Açores, Angola, Cabo Verde, Dio, Gamão, Goa, Guiné Bissau, Macau, Moçam-bique, Portugal, Príncipe e Timor.

3.2.5. Naturalização de estrangeiros originários de outras partes do mundo

Já com os estrangeiros oriundos de outros países do mun-do, que não aqueles acima mencionados, a Constituição da República é bem mais rigorosa, exigindo-se, para a aquisição da nacionalidade brasileira, a comprovação de: a) quinze anos ininterruptos de residência no país; b) ausência de condenação penal.

A concessão da nacionalidade brasileira ao estrangeiro, originário ou não de país de língua portuguesa, é ato discri-cionário da autoridade administrativa competente, qual seja, o Presidente da República, em processo administrativo desen-cadeado perante o Ministério da Justiça e após a homologação pela autoridade judiciária federal, consoante disposição expres-sa do inciso X do art. 109 da Constituição Federal.

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344 Curso de Direito Constitucional

4. RECIPROCIDADE EM FAVOR DOS PORTUGUESES

A Constituição de 1988 assegura aos portugueses com re-sidência permanente no país, desde que haja reciprocidade em favor dos brasileiros, os mesmos direitos inerentes ao brasilei-ro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

O dispositivo constitucional em tela é o parágrafo 1º do art. 12, regulamentado pelo Decreto nº 70.391, de 12 de abril de 1972.

5. PERDA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA

O parágrafo 4º do art. 12 da Constituição da República traz as hipóteses de perda da nacionalidade brasileira.

5.1. Cancelamento de naturalização

Segundo o inciso I do referido dispositivo, perderá a na-cionalidade aquele que “tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional”.

Trata-se, obviamente, de dispositivo aplicável exclusiva-mente aos brasileiros naturalizados. Neste caso, a perda da nacionalidade virá em virtude da prática de atividades consi-deradas nocivas ao interesse nacional. O ordenamento ju-rídico brasileiro não traz expressamente o que ou quais sejam as referidas atividades nocivas, cabendo ao Ministério Público Federal avaliar esse dado no caso concreto, antes do ofereci-mento da denúncia.

A decisão judicial que determina a perda da nacionalidade brasileira, trazendo como conseqüência o cancelamento da na-turalização, produzirá efeitos ex nunc, não sendo admitido novo processo para esse fim. Assim, a reaquisição da condição de nacional apenas poderá dar-se em virtude de decisão proferida em ação rescisória.

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345Direitos da nacionalidade

5.2. Naturalização voluntária

O inciso II do parágrafo 4º do art. 12, por sua vez, aplica-se a brasileiros natos ou naturalizados. Determina a perda da nacionalidade brasileira àquele que voluntariamente adquirir a de outro país, excetuando-se duas hipóteses: a) reconhecimen-to de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residen-te em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

As duas exceções veiculam, assim, hipóteses nas quais o brasileiro pode ter dupla nacionalidade. A redação atual do dispositivo vem dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3/94, em virtude da grande celeuma doutrinária causada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, notadamente no que se referia à questão da perda da nacionalidade daque-las pessoas que procuravam a nacionalidade de outros países, que lhes era atribuída em virtude da adoção do critério jus san-guinis. Questionava-se, assim, se a procura pela nacionalidade dos países de origem de seus pais e avós levaria o brasileiro nato à perda de sua condição de nacional.

A nova redação constitucional é bastante clara quando prescreve que o “reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira” não é caso de perda da nacionalidade bra-sileira, solucionando o problema.

Também não será caso de perda da nacionalidade brasilei-ra a naturalização em virtude de imposição pela norma estran-geira, ao brasileiro residente, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

O constituinte, no fundo, entendeu não se tratar de ato vo-luntário de aquisição de outra nacionalidade, visto que deriva de imposição de outro Estado soberano, razão pela qual hou-ve por bem preservar sua condição de brasileiro.

Resta salientar que, o brasileiro que perdeu essa condição em virtude de naturalização voluntária, nos termos aqui exami-

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Curso de Direito Constitucional

nados, poderá readquiri-la por decreto do Presidente da Repú-blica, mediante processo de naturalização, nos termos em que dispõe o art. 36 da Lei Federal 818/49.

6. DISTINÇÕES CONSTITUCIONAIS ENTRE BRASI-LEIROS NATOS E NATURALIZADOS

A Constituição Federal diferencia, em algumas situações, o brasileiro nato do naturalizado, como forma de preservação da soberania do Estado brasileiro e da manutenção da segurança na-cional.

As restrições impostas aos brasileiros naturalizados vêm previstas nos seguintes dispositivos constitucionais:

a) inciso LI do art. 5º, que dispõe que nenhum brasileiro nato será extraditado, podendo sê-lo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de com-provado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e dro-gas afins, na forma da lei;

b) parágrafo 3º do art. 12, ao determinar que são privati-vos de brasileiros natos os cargos de Presidente e Vice-Presi-dente da República, de Presidente da Câmara dos Deputados, de Presidente do Senado Federal, de Ministro do Supremo Tri-bunal Federal, da carreira diplomática, de oficial das Forças Ar-madas, de Ministro de Estado da Defesa;

c) inciso VII do art. 89, quando restringe a brasileiros na-tos, com mais de trinta e cinco anos de idade, a participação no Conselho da República, órgão superior de consulta do Pre-sidente da República, e;

d) art. 222, ao determinar que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é priva-tiva de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas, exigindo-se, no entanto, que o capital das empresas não exceda a trinta por cento, e que a gestão das atividades e definição do conteúdo da programação, bem como a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção

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347Direitos da nacionalidade

da programação veiculada continuem sendo privativas de brasi-leiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, conforme a nova redação constitucional dada pela Emenda Constitucional nº 36, de 28 de maio de 2002, que aboliu a vedação de participação de pessoas jurídicas no capital social dessas entidades.

7. POLIPÁTRIDAS E APÁTRIDAS

Também merece ser analisada a questão dos polipátridas e dos apátridas. Tratam-se, respectivamente, de pessoas que possuem duas ou mais nacionalidades, ou de pessoas que não detêm nacionalidade alguma.

O problema surge em razão dos critérios adotados pelos diversos países do mundo para a aquisição da nacionalidade. Isso porque, conforme já tivemos a oportunidade de analisar, a nacionalidade originária poderá ser atribuída por critério terri-torial, que leva em conta o local do nascimento (jus soli), ou por critério sangüíneo, atribuível em razão da nacionalidade dos ascendentes (jus sanguinis).

Como conseqüência disso, a criança nascida na Itália, filha de pais brasileiros que estejam fazendo turismo naquele país, será um apátrida ou heimatlo. Ela não é brasileiro, pois nosso país adota, como regra, o critério territorial, atribuindo a nacionalidade brasilei-ra àqueles que nasçam aqui. Também não é italiana, pois o país adota o critério de filiação para a atribuição da nacionalidade.

Por sua vez, um filho de pais brasileiros, nascido no Brasil, mas que tenha como avós um italiano, um espanhol, um fran-cês e um japonês, será um polipátrida, possuindo as cinco na-cionalidades, porque o Brasil adota o critério de solo (e ele aqui nasceu), e os outros países mencionados adotam o critério de consangüinidade.

Os principais problemas relacionados à condição do apá-trida já foram analisados quando tratamos da situação do filho nascido no estrangeiro, de pai ou mãe brasileira que não esti-vesse a serviço do Estado brasileiro.

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Capítulo X

DIREITOS E PARTIDOS POLÍTICOS

1. INTRODUÇÃO

Durante o século XX, assistiu-se ao surgimento dos direi-tos políticos, indispensáveis para a consolidação da democra-cia. O processo eleitoral se refinou, buscando-se uma maior isenção e estendendo-se o direito de voto, culminando em maior justiça eleitoral.

Assim, por direitos políticos entende-se o conjunto de re-gras que vão determinar a forma de participação dos cidadãos brasileiros nos rumos a serem adotados pela nação. Apresen-ta-se como decorrência do princípio democrático, insculpido no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Na elaboração e explicitação de seu conceito sobre direitos políticos, Celso Ribeiro Bastos não refoge às geniais palavras de Pimenta Bueno, que os definiu como sendo “prerrogativas, atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses

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350 Curso de Direito Constitucional

direitos. São o Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o di-reito de vontade ou eleitor, os direitos de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado”224.

2. NACIONALIDADE E CIDADANIA

Conforme tivemos a oportunidade de anotar, quando da análise dos direitos da nacionalidade, a atual Constituição Fe-deral, diferente do que ocorre em boa parte dos países do mun-do, obriga-nos a distingüir o nacional do cidadão.

A expressão nacionalidade designa os integrantes do ele-mento humano de um Estado, ao passo que a cidadania tem vez quando este nacional encontra-se no gozo de seus direi-tos políticos, podendo eleger e ser eleito para participar dos negócios políticos do Estado.

A cidadania, assim, advém da nacionalidade, apesar de nem todo nacional ser, necessariamente, um cidadão.

Nas lições de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a dis-tinção surge, e se desenvolve, na medida em que, admitido o indivíduo a participar do governo, essa participação não foi aberta a todos mas somente a parcela dos nacionais. Dessa distinção resulta o emprego do termo cidadão para designar quem conta com direito a intervir no processo go-vernamental, seja num regime democrático, seja num regi-me oligárquico”225.

224 BUENO, Pimenta apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito cons-titucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 71-2.

225 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucio-nal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 313.

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351Direitos e partidos políticos

3. MODALIDADES DE DIREITOS POLÍTICOS

Modernamente, admitem-se dois enfoques distintos na análise dos direitos políticos.

O primeiro deles relaciona-se com o direito de sufrágio, que se apresenta como a prerrogativa de votar e ser votado, e resultará na distinção entre capacidade eleitoral ativa e pas-siva.

O outro, que utiliza como critério determinante a possibili-dade de exercício dos direitos políticos, e não suas modali-dades, distingüe-os entre direitos políticos positivos e nega-tivos. Os primeiros referem-se à possibilidade de votar e ser votado, relacionando-se às idéias de capacidade eleitoral ativa e passiva supramencionadas. Os segundos, por sua vez, dizem respeito a vedações ao exercício dos direitos políticos, que irá resultar nas inelegibilidades.

Por essa razão, procederemos, primeiramente, à análise dos direitos políticos positivos, investigando as capacida-des eleitorais ativa e passiva, nele contidas. Posteriormente, trataremos das inelegibilidades, que compõem o núcleo dos direitos políticos negativos.

4. SUFRÁGIO, VOTO E ESCRUTÍNIO

Por sufrágio designa-se o direito subjetivo do cidadão de participar, ativa e passivamente, dos rumos que serão traçados para a gestão da coisa pública, a partir da escolha dos dirigen-tes estatais, ou de intervenções realizadas de maneira direta, por meio dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa po-pular, assegurados nos três incisos do art. 14 da Constituição da República.

José Afonso da Silva alerta-nos para a necessidade da de-finição precisa dos exatos contornos da expressão sufrágio, em virtude da recorrente confusão existente entre este concei-to, o de voto e o de escrutínio. Vejamos:

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352 Curso de Direito Constitucional

“As palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimas. A Constituição, no entanto, dá-lhes sentidos di-ferentes, especialmente no seu art. 14, por onde se vê que o su-frágio é universal e o voto é direto, secreto e tem valor igual. A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo a vontade num processo decisório. Escrutínio é outro termo com que se confundem as palavras sufrágio e voto. É que os três se inserem no processo de participação do povo no governo, ex-pressando: um, o direito (sufrágio); outro, o seu exercício (voto), e o outro, o modo de exercício (escrutínio)”226 (grifos no original).

4.1. Características do voto

O art. 14 da Constituição Federal prescreve que “a sobe-rania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Segundo, ainda, o inciso II do parágrafo 4º do art. 60, “não será objeto de deli-beração a proposta de emenda tendente a abolir: o voto direto, secreto, universal e periódico”.

Eis as características constitucionais explícitas do voto no direito brasileiro: direto, secreto, igual, universal e periódico. A elas a doutrina acrescenta a personalidade e a liberdade.

4.1.1. Voto direto

Por voto direto entende-se o direito do eleitor de escolher seus representantes sem a interjeição de intermediários. É o pró-prio povo quem escolhe, diretamente, os seus representantes.

No voto indireto, que perdurou no Brasil até a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 para os cargos de Presi-dente e Vice-Presidente da República, o povo elege seus repre-sentantes que, por sua vez, escolhem outros. São os chama-

226 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 212.

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353Direitos e partidos políticos

dos Colégios Eleitorais, que ainda persistem em alguns países, como nos Estados Unidos da América, onde os delegados dos eleitores escolhem o Presidente.

A Constituição Federal de 1988 traz uma única hipótese de voto indireto no direito brasileiro. Segundo o parágrafo 1º do art. 81, ocorrendo a vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República no último biênio do mandato, deverão ser realizadas eleições indiretas pelo Congresso Nacional den-tro do prazo de 30 dias.

4.1.2. Voto secreto

O voto é secreto, pois ninguém pode ser obrigado a revelar o seu conteúdo.

O art. 103 do Código Eleitoral traz as providências capazes de assegurar a indevassabilidade do voto, a saber: a) uso de cé-dulas oficiais, de acordo com modelo estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral e que impeça a identificação do eleitor, forneci-das pelos Tribunais Regionais Eleitorais; b) isolamento do eleitor em cabine indevassável; c) verificação da autenticidade da cédula oficial, à vista da rubrica dos mesários, e; d) emprego de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio e seja suficientemente am-pla para que não se acumulem as cédulas na ordem em que fo-rem introduzidas pelo eleitor, não se admitindo que outro o faça.

Atualmente, contudo, o Brasil começou a utilizar-se de ur-nas eletrônicas na realização do sufrágio, perdendo em impor-tância os dispositivos que tratam da segurança da cédula elei-toral. Resta-nos, somente, enfatizar a importância da utilização de cabines que assegurem o sigilo da votação, bem como de sistemas de segurança que evitem fraudes no recebimento e processamento dos votos eletrônicos.

4.1.3. Voto igual

O voto igualitário encerra o próprio princípio da isonomia, significando que todos têm direito a um voto que, na hora da

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354 Curso de Direito Constitucional

apuração, terá o mesmo valor que os demais. O voto igualitário contrapõe-se à idéia de votos plurais, múltiplos ou familiares, adotados em alguns regimes eleitorais do passado.

4.1.4. Voto universal

A universalidade do voto, medida indispensável ao exer-cício da democracia, foi instituída pela Constituição Federal de 1988. Em épocas passadas, o exercício do direito de sufrágio não era garantido a todos, tendo sido constitucionalmente de-ferido às mulheres apenas em 1934, e aos analfabetos com a Carta Política de 1988.

A atual Constituição da República traz uma única exceção – ainda assim, temporária – ao exercício desse direito: trata-se dos conscritos que, durante o período do serviço militar obriga-tório, são inalistáveis, conforme dispõe o parágrafo 2º do art. 14.

A Constituição veda, ainda no mesmo dispositivo, o alista-mento aos estrangeiros. Tal dispositivo não representa exceção ao sufrágio universal, já que estes não se enquadram no con-ceito de nacionais.

4.1.5. Voto periódico

A periodicidade do voto impõe seu exercício dentro de períodos espaçados, previamente determinados. Trata-se de requisito indispensável aos sistemas republicanos, que trazem como característica primordial a rotatividade no exercício do poder.

Nas precisas lições do saudoso Geraldo Ataliba, “a ex-celência do sistema periódico está em assegurar a fidelidade política dos mandatários, tanto mais eficazmente quanto mais breves sejam os períodos”227.

227 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Ma-lheiros, 1998. p. 101.

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355Direitos e partidos políticos

4.1.6. Caráter personalíssimo

O exercício do direito de voto é, ainda, personalíssimo, não sendo admitida a delegação desse direito. Assim, o direito constitucional brasileiro não admite a outorga de procurações para sua prática, exigindo-se o comparecimento pessoal do eleitor ao local de votação que, conforme mencionado, deverá depositá-lo pessoalmente na urna.

Nas lições de José Afonso da Silva, a personalidade do voto garante sua sinceridade e autenticidade228.

4.1.7. Liberdade

Por liberdade de voto deve-se entender a prerrogativa que detém o eleitor de anotar livremente o nome daquele que irá representá-lo, bem como de optar por não eleger ninguém, anulando seu voto ou depositando-o em branco. Daí doutrina-riamente falar-se que o voto não é obrigatório, mas apenas o comparecimento do eleitor à sua secção eleitoral para, caso queira, exercer seu direito subjetivo de escolher seu represen-tante.

Nesse sentido, José Afonso da Silva afirma que a obriga-toriedade de voto “é obrigatoriedade formal, que não atinge o conteúdo da manifestação da vontade do eleitor. O dever políti-co-social do voto é que exige uma tomada de posição positiva do eleitor, com efetiva participação no processo político e, por esse modo, nos órgãos governamentais por meio de seus re-presentantes. Por isso é que também dissemos que, a rigor, o voto branco, o voto vazio, ou o voto nulo não são votos, porque não têm eficácia política”229 (grifos nossos).

228 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 362.

229 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 362.

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356 Curso de Direito Constitucional

4.2. Exercício dos direitos políticos

Segundo o art. 14 da Constituição da República, “a so-berania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos ter-mos da lei, mediante: a) plebiscito; b) referendo; c) iniciativa popular”.

O sufrágio, conforme já consignamos, trata-se do direi-to subjetivo do cidadão de participar, ativa e passivamente, dos rumos que serão traçados para a gestão da coisa pú-blica, o que poderá ser feito com a escolha dos dirigentes estatais, ou a partir de intervenções realizadas de maneira direta, por meio dos institutos do plebiscito, referendo e ini-ciativa popular.

A primeira medida mencionada (escolha dos dirigentes) trata-se de manifestação de democracia indireta, ao passo que a segunda (plebiscito, referendo e iniciativa popular), dire-ta, fazendo do nosso sistema político uma democracia parti-cipativa.

Em nosso entendimento, tanto o plebiscito quanto o refe-rendum apresentam-se como formas de consulta à população sobre uma determinada alteração legislativa, que se pretende fazer em assunto de grande importância para a sociedade ou muito polêmico, antes ou depois da aprovação do texto final.

Assim, podemos dizer que o plebiscito é uma consulta so-bre um tema em aberto, sem que se saiba como o assunto aca-bará sendo regulado caso a população concorde com a propos-ta de alteração normativa, apresentando-se como um “cheque em branco” nas mãos do legislador, e o referendo pressupõe a aprovação prévia do projeto de lei ou Emenda à Constituição, para que o povo, tendo a exata consciência da forma como será realizada a alteração sobre a qual está aquiescendo, possa ma-nifestar-se antes de sua entrada em vigência.

Para Pinto Ferreira, no entanto, o referendo apresentar-se-ia como uma decisão do povo sobre uma medida legislativa,

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357Direitos e partidos políticos

já o plebiscito referir-se-ia a uma decisão popular sobre um ato do Poder Executivo230.

Já iniciativa popular designa o direito subjetivo dos mem-bros da coletividade de encaminharem ao Congresso Nacional um projeto de lei que queiram ver aprovado.

No direito positivo brasileiro é disciplinada pelo parágrafo 2º do art. 61 da Constituição Federal de 1988, que só a admite para leis ordinárias, e mediante a subscrição de um por cento do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos cinco unida-des da federação, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada uma delas.

5. DIREITOS POLÍTICOS POSITIVOS

Os direitos políticos positivos, consubstanciados pelo su-frágio, que é exercido pelo direito de voto, conforme já tive-mos a oportunidade de analisar acima, importam os direitos de participação eleitoral ativa e passiva. A primeira mani-festa-se pelo direito de voto, que se adquire com a alistabi-lidade, e o segundo, pela prerrogativa de ser escolhido para representar seus pares, o que vem com a elegibilidade.

5.1. Capacidade eleitoral ativa

A capacidade eleitoral ativa designa aqueles que, em-bora não sejam elegíveis, por lhes faltar a capacidade eleitoral passiva, possuem a faculdade de votar, como ocorre com os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito.

Esse direito adquire-se com a alistabilidade, o que poderá ocorrer a partir do preenchimento de alguns requisitos constitu-cionalmente exigidos, quais sejam: a) idade mínima de dezes-seis anos; b) a nacionalidade brasileira; c) o alistamento, na

230 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 168.

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358 Curso de Direito Constitucional

forma da lei, e; d) o pleno exercício dos direitos políticos, o que implica não estar privado deles, temporária ou definitivamente.

5.1.1. Direito e dever de voto

Já tivemos a oportunidade de anotar que o direito de voto, adquirido ao completar dezesseis anos, torna-se, também, um dever de voto, a partir dos dezoito.

Consoante as alíneas do inciso II do parágrafo 1º do art. 14 da Constituição Federal, só estão dispensados do dever de comparecer às urnas os maiores de dezesseis e menores de dezoito, os maiores de setenta anos e os analfabetos. Estes possuem o direito, mas não estão obrigados a exercê-lo.

5.1.2. Inalistáveis

A Constituição da República veda, porém, o exercício dos direitos eleitorais por parte das pessoas arroladas no parágrafo 2º do art. 14, in verbis: “Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos”.

A proibição de alistamento aos estrangeiros não se apli-ca aos portugueses com residência permanente no Brasil, em razão da reciprocidade existente em favor dos brasileiros que vivem em Portugal, nos termos da autorização veiculada pelo parágrafo 1º do art. 12 da Carta Política.

Atualmente, ainda, a capacidade eleitoral ativa estende-se aos analfabetos, corroborando o que já havia sido feito pela Emenda Constitucional nº 25/85 à Constituição de 1967/69.

5.2. Capacidade eleitoral passiva

A capacidade eleitoral passiva, por sua vez, relaciona-se à prerrogativa da elegibilidade, que só os maiores de 18 anos, dotados de capacidade civil possuem. Esses podem votar e ser votados.

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359Direitos e partidos políticos

São, pois, eleitores e elegíveis, sendo o primeiro direi-to pressuposto da existência do segundo, porquanto no direito brasileiro nunca se concebeu a possibilidade de alguém poder ser eleito sem, no entanto, poder eleger.

Todavia, consoante as precisas lições de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a elegibilidade “só se torna plena aos 35 anos, pois até essa idade o brasileiro não pode ser eleito para a presi-dência e vice-presidência da República e para o Senado”231.

Também nunca possuirão cidadania plena os brasileiros naturalizados, pois lhes é vedado o exercício dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, nos termos do pa-rágrafo 3º do art. 12 da Constituição Federal.

O parágrafo 3º do art. 14 da Constituição Federal traz os requisitos de elegibilidade, na forma da lei. Destarte, tais exi-gências constantes do Texto Constitucional serão regulamenta-das pela legislação eleitoral, a fim de pormenorizar os coman-dos exarados pelo Texto Supremo.

As condições veiculadas pela Constituição para o exercício da capacidade eleitoral passiva são: a) a nacionalidade brasi-leira; b) o pleno exercício dos direitos políticos; c) o alistamento eleitoral; d) o domicílio eleitoral na circunscrição; e) a filiação partidária, e; f) a idade mínima de trinta e cinco anos para Pre-sidente e Vice-Presidente da República e Senador; trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Es-tadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; dezoito anos para Vereador.

5.2.1. Nacionalidade brasileira

O primeiro dos requisitos de elegibilidade é a nacionalida-de brasileira. O conceito de nacionais já foi fartamente inves-

231 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucio-nal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 116.

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360 Curso de Direito Constitucional

tigado no capítulo anterior desta obra, cabendo ressaltar que a Constituição Federal, no que concerne ao exercício dos direitos políticos, não faz qualquer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, à exceção da proibição de exercício, pelos últi-mos, dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da Repúbli-ca, nos termos do parágrafo 3º do art. 12 da Constituição da República.

A elegibilidade também se estende aos portugueses com residência permanente no Brasil que, embora não possuam nacionalidade brasileira, detêm os mesmos direitos que os nacionais, em razão da reciprocidade existente em favor dos brasileiros que vivem em Portugal, nos termos da autorização veiculada pelo parágrafo 1º do art. 12 da Carta Política. A eles, obviamente, aplica-se a restrição de exercício dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República.

5.2.2. Pleno exercício dos direitos políticos

A Constituição Federal, quando trata dos requisitos para o exercício da capacidade eleitoral passiva, faz referência ao pleno exercício dos direitos políticos. Na realidade, tal exi-gência não diz respeito somente à exigibilidade, mas também ao exercício do direito de voto. Perdidos ou suspensos os direi-tos políticos, ficam obstadas as capacidades eleitorais ativa e passiva.

O tema das inelegibilidades será abordado a seguir, quan-do investigarmos os direitos políticos negativos.

5.2.3. Alistamento eleitoral

Para poder participar ativamente da vida política do Es-tado, exige-se do nacional a aquisição da cidadania, o que se dá com sua inscrição perante a Justiça Eleitoral. Com o alistamento eleitoral o nacional torna-se cidadão, sendo que tal comprovação acontece quando da apresentação do título de eleitor.

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361Direitos e partidos políticos

5.2.4. Domicílio eleitoral

Para o exercício da capacidade eleitoral passiva, o art. 9º da Lei Eleitoral (Lei Federal nº 9.504/97) exige que o candidato pos-sua domicílio eleitoral na respectiva circunscrição, fixado há pelo menos um ano da data na qual serão realizadas as eleições.

Note-se que, diferentemente do que ocorre com o domicílio civil, que nos termos do art. 71 do Código Civil pode ser múlti-plo, caso a pessoa natural tenha diversas residências, o domi-cílio eleitoral será único, qual seja, o da circunscrição eleitoral onde esteja registrado.

5.2.5. Filiação partidária

A filiação partidária também é requisito para o exercício da capacidade eleitoral passiva, e essa exigência vem corrobo-rada pelo artigo 9º da Lei Eleitoral.

O sistema eleitoral brasileiro não admite a possibilidade de candidaturas independentes ou extrapartidárias, razão pela qual todos quantos pretendam se candidatar devem pertencer a um partido político. Esse é o fundamento da democracia re-presentativa, que reconhece nos partidos políticos o fundamen-to da representatividade social e ideológica do candidato.

Esta é uma tendência das democracias mais desenvolvidas, segundo a qual deve-se votar em idéias e não em pessoas.

5.2.6. Idade mínima

Finalmente, resta salientar que a Constituição Federal exi-ge idades mínimas para o exercício de cada um dos cargos eletivos, o que se justifica em virtude do maior grau de res-ponsabilidade e preparo exigíveis para o exercício de cada um desses postos.

Segundo o parágrafo 2º do art. 11 da Lei Federal nº 9.504/97, as idades mínimas prescritas pela Constituição Fe-

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deral devem ser atendidas na data da posse, pois será a partir desse momento que o candidato eleito irá exercer as atribui-ções do cargo eletivo.

Todavia, não é esse o entendimento esposado pelo Tribu-nal Superior Eleitoral, para quem essa comprovação deveria se dar na data do certame eleitoral, e não no momento do alistamento, do registro da candidatura ou, ainda, da posse do eleito. Nesse sentido é a redação da Resolução nº 14.371/94 daquela egrégia Corte, da lavra do Ministro Marco Aurélio, cujo teor da ementa é o seguinte: “Relativamente à elegibilidade, os precedentes desta Corte assentam que a idade mínima há que ser atendida na data do certame eleitoral e não do alistamento ou mesmo na do registro”.

Com a devida vênia, cremos que a solução adotada pelo legislador seja a mais adequada. Conforme mencionamos aci-ma, a exigência de idades mínimas se justificam em virtude do maior grau de responsabilidade e preparo exigíveis para o exercício de cada um desses postos. Ora, o exercício do cargo eletivo só se inicia com a posse. É nesse momento que a pes-soa deve estar apta para enfrentar as turbulências e pressões que o desempenho dessas funções impõem, razão pela qual não se justifica a comprovação da idade mínima antecipada-mente.

É certo que o legislador constituinte exige a idade mínima quando, no inciso VI do parágrafo 3º do art. 14 da Constituição Federal, traz as condições de elegibilidade. Porém, também é certo que o legislador constituinte comete impropriedades, conforme já demonstramos em vários momentos, notadamente quando estudamos as diferenças entre o direito constitucional positivo e a Ciência do Direito Constitucional.

Cabe-nos enxergar o sistema constitucional de maneira lógica e racional e, a nosso ver, a ratio legis do dispositivo em exame não pode nos levar a outra conclusão, senão a de com-provação do requisito de idade na data da posse. Ademais, a elegibilidade não tem um fim em si mesma, mas deve ser vis-

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363Direitos e partidos políticos

lumbrada como a maneira de conduzir o cidadão ao exercício ativo das funções políticas232.

Mutatis mutantis, cremos tratar-se da mesma situação ocorrida com a comprovação da idade ou de escolaridade para o exercício de cargos públicos, veiculada pelo inciso I do art. 37 da Constituição da República. Para esses casos, a jurisprudên-cia do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “a esco-laridade é exigência que diz respeito ao desempenho do cargo, não com a inscrição em concurso para o provimento deste. É, portanto, somente no ato da posse que a comprovação deste requisito se faz necessária”233.

232 Contra, defendendo a inconstitucionalidade da norma e coadunando-se com a posição do TSE: MORAES, Alexandre de. Direito constitu-cional. 9 ed. São Paulo: Altas, 2001. p. 229.

233 STJ – 5ª Turma – ROMS nº 5.242 – Rel. Ministro Félix Fischer – DJ. 06.09.99. p. 91.

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Capítulo XI

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

1. INTRODUÇÃO

Desde 24 de fevereiro de 1891 nosso país adotou a forma federativa de Estado, fruto e gênio da obra de Rui Barbosa, a partir de seu vasto conhecimento do federalismo norte-americano, conforme teremos a oportunidade de de-monstrar no capítulo destinado ao histórico das constituições brasileiras.

A criação da Federação, que a Constituição determinava ser indissolúvel, resultou em outorga de poderes às antigas províncias, que assim passaram a governar seus assuntos com autonomia e finanças próprias, tornando-se Estados-membros, inclusive com poderes para editarem suas próprias Constituições Estaduais. Institui-se, ainda, o Distrito Federal, na cidade do Rio de Janeiro, que seria designado “Município neutro”.

2. FEDERALISMO

Nas lições de Sahid Maluf, “Estado federal é aquele que se divide em províncias politicamente autônomas, possuindo

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366

duas fontes paralelas de direito público, uma nacional e outra provincial. Brasil, Estados Unidos da América do Norte, México, Argentina, Venezuela são estados federais”234.

Para entendermos o surgimento do federalismo, devemos retornar ao final do século XVIII, mais precisamente a 1776, com a independência das treze colônias britânicas.

Uma vez independentes, deram origem a treze Estados soberanos e, em virtude do receio que tinham de sofrer uma contra-revolução e, conseqüentemente, voltar a ser anexadas pela colonizadora, firmaram um pacto internacional, em 1776, denominado “Artigos de Confederação”, criando a Confedera-ção dos Estados Americanos, que previa a possibilidade de os Estados Americanos se retirarem da Confederação a qualquer tempo, o que fragilizava o pacto.

Além disso, Sahid Maluf lembra-nos que “o governo resul-tante dessa união confederal, instável e precário como era, não solucionava os problemas internos, notadamente os de ordem econômica e militar. As legislações conflitantes, as desconfian-ças mútuas, as rivalidades regionais, ocasionavam o enfraque-cimento dos ideais nacionalistas e dificultavam sobremaneira o êxito da guerra de libertação”235.

Para enfrentar esse problema, os representantes dos di-versos Estados reuniram-se na Convenção de Filadélfia, du-rante noventa dias, fato que resultou na proclamação da Cons-tituição dos Estados Unidos da América do Norte, em 1787, quando os treze Estados oriundos das colônias tornadas inde-pendentes da Inglaterra, resolvem renunciar suas soberanias para criarem um único Estado soberano, conservando, po-rém, os agora Estados-membros, parcela de sua autonomia.

234 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 167.

235 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 169-70.

Curso de Direito Constitucional

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2.1. Características de um Estado federado

Dessas noções delineadas podemos inferir as quatro características capazes de distingüir o Estado confederado de uma Federação, quais sejam: a) na confederação os Es-tados signatários mantêm suas soberanias, ao passo que na Federação abdicam dela em nome de um novo Estado, restan-do apenas uma autonomia; b) a confederação sustenta-se por um Tratado, e a Federação por uma Constituição Federal; c) enquanto na confederação existe a possibilidade de retirada do Estado signatário, por não haver perdido sua soberania, o que se denomina direito de retirada ou de secessão do pacto, a federação é indissolúvel; d) na confederação os indivíduos possuem a nacionalidade de cada Estado signatário do acor-do internacional, já no Estado federal a nacionalidade será uma só, independentemente da unidade da federação na qual houve o nascimento.

O Estado unitário também não se confunde com um Es-tado federado, na medida em que: a) no Estado unitário todo o poder político-administrativo está centralizado, já na Federa-ção verifica-se a descentralização desse poder, manifestado em diversas Administrações Públicas autônomas; b) no Estado unitário as competências legislativas também encontram-se centralizadas, ao passo que na Federação as leis são elabo-radas pelos órgãos dos diversos entes federados; c) em uma Federação há a participação da vontade regional na forma-ção da vontade nacional, o que não se vê no Estado unitário; d) em uma Federação, os Estados-membros se organizam por Constituições Estaduais, elaboradas em conformidade com a Constituição Federal.

3. O FEDERALISMO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Para desempenhar as funções para as quais foi concebido, o Estado brasileiro comporta quatro ordens de pessoas políti-

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368 Curso de Direito Constitucional

cas, quais sejam, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, conforme se depreende da análise do art. 18 da Constituição Federal de 1988.

O art. 1º da Carta de 1988, no entanto, prescreve que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolú-vel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos ...” (grifos nossos).

A redação desse dispositivo originalmente deu margem a alguma divergência, tendo alguns doutrinadores chegado a sustentar que a União não faria parte do pacto federativo bra-sileiro.

Nesse sentido, faz-se oportuna a transcrição das palavras de José Afonso da Silva: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende, como se vê do art. 18, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí-pios. A Constituição aí quis destacar as entidades que integram a estrutura federativa brasileira: os componentes do nosso Estado Federal. Merece reparo dizer que é a organização po-lítico-administrativa quem compreende tais entidades, como se houvesse alguma diferença entre o que aqui se estabelece e o que se declarou no art. 1º. Dizer que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Muni-cípios e do Distrito Federal não é diverso de dizer que ela com-preende União, Estados, Distrito Federal e Municípios, porque união indissolúvel (embora com inicial minúscula) do art. 1º é a mesma União (com inicial maiúscula) do art. 18. Repetição inútil, mas que não houve jeito de evitar, tal o apego à tradição formal de fazer constar do art. 1º essa cláusula que vem de constituições anteriores, sem levar em conta que a metodologia da Constituição de 1988 não comportava tal apego destituído de sentido”236 (grifos no original).

236 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 470.

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369Organização do Estado brasileiro

Ademais, por tudo que escrevemos quando apontamos as características de um Estado federado, resta evidente que se-ria impossível concebê-lo sem a existência da pessoa jurí-dica da União, presente e indispensável em qualquer estrutura federativa. Tal aspecto fica ainda mais evidente se lembrarmos que o eixo-central de uma federação é a divisão de poderes entre um Estado central e os Estados-membros. Esse entendi-mento vem corroborado, ainda, por juspublicistas do quilate de Paulo Bonavides237, Celso Ribeiro Bastos238 e Manoel Gonçal-ves Ferreira Filho239.

4. INEXISTÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE AS UNIDA-DES FEDERADAS

Nosso país adota a forma federativa de Estado, o que signi-fica dizer que o poder de legislar e a atividade administrativa exercem-se de forma descentralizada, pelas quatro esferas de pessoas jurídicas de Direito constitucional interno já citadas (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios).

De tal divisão resulta uma conseqüência de relevante im-plicação prática, normalmente esquecida por juízes e doutri-nadores: cada um desses entes políticos é autônomo no de-sempenho de suas atribuições constitucionais, não existindo qualquer espécie de hierarquia entre eles. O que existe é um rígido esquema de competências constitucionais, delineado pela Constituição Federal, que é, por excelência, a “Carta das competências”.

Daí o profundo equívoco daqueles que pensam que a União é hierarquicamente superior aos Estados-membros e

237 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 312.

238 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 290.

239 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucio-nal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 56.

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370 Curso de Direito Constitucional

Municípios, e aqueles sobre estes. Não. Cada qual possui seu campo de atuação própria (rigidamente delineado pela Consti-tuição Federal, insisto) sendo que qualquer tentativa de invasão de competências constitui grave afronta ao pacto federativo.

A cada um desses entes políticos, portanto, corresponde a abrangência sobre uma determinada faixa de território, dentro da qual exercem as atribuições que lhes foram conferidas pela Constituição Federal. Nem o fato dessa faixa de território, por vezes, ser a mesma (isso porque a União possui abrangência sobre todo o território nacional, o que coincide com o território dos Estados, e dos Municípios) é capaz de alterar ou interferir no desempenho das “tarefas” constitucionalmente designadas a cada um.

Nem se argumente que a possibilidade de a União intervir nos Estados, e estes nos Municípios poderia ser uma caracte-rística que denotasse hierarquia. Ainda assim é uma questão de competência constitucional pois, como deixam bem claro os arts. 34 a 36, a regra é a não-intervenção, sendo que esta só se justifica em razões extremas. Ademais, a necessidade de previsão constitucional expressa e o rol taxativo de hipóte-ses que autorizam a medida só confirmam esse entendimento, como adiante se detalhará.

5. BRASÍLIA

O parágrafo 1º do art. 18 da Constituição da República dis-põe que “Brasília é a Capital Federal”.

Note-se que o legislador constituinte optou por designar Brasília como Capital Federal e não o Distrito Federal, no qual está contida. Por essa razão, detém características específicas na medida em que, embora seja cidade, não é sede de Muni-cípio, o que lhe confere características peculiares, como bem lembra José Afonso da Silva.

Ainda segundo suas palavras, “Brasília tem como função servir de Capital da União, Capital Federal e, pois, Capital da

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371

República Federativa do Brasil e, também sede do governo do Distrito Federal, conforme dispõe o art. 6º da respectiva Lei Or-gânica”240 (grifos no original).

6. UNIÃO

A União é a pessoa jurídica que representa a junção dos vários Estados, antes soberanos, que se fundem para a forma-ção de um novo país. Pressupõe, assim, a existência de uma federação.

Roque Antônio Carrazza – discípulo do saudoso Geraldo Ataliba, profundo conhecedor dos princípios federativo e republi-cano – lembra que a União, como pessoa jurídica de direito públi-co, atua em duas frentes: “No plano internacional, representa a totalidade do Estado brasileiro, isto é, atua perante o ‘direito das gentes’ em nome da República Federativa do Brasil, exercendo seus direitos e cumprindo seus deveres. Sob este enfoque, con-centra a soberania da Nação, que exerce, em pé de igualdade, perante os demais Estados independentes (art. 21, I e II, da CF). Desfruta, pois, da chamada personalidade de ‘direito das gen-tes’, status que é negado aos Estados que a compõe.

Já no plano interno, a União é pessoa política, autônoma, investida pela Constituição de atribuições privativas (arts. 21, 34, 145, 153, 154 etc.). Semelha-se, aqui, aos Estados-mem-bros, que, como ela, são autônomos. Estes, no entanto, são livres para se auto-organizarem, editando suas próprias Cons-tituições (art. 25 da CF), ao passo que ela já se encontra estru-turada na Lex Fundamentalis”241.

Vale lembrar, mais uma vez, as lições de Michel Temer quando, enfatizando a posição de igualdade que a União

240 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 470.

241 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 98.

Organização do Estado brasileiro

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detém em relação aos demais entes da federação, anota que quando ela mantém relação com Estados estrangeiros, participa de convenções, declara a guerra ou celebra a paz, revela a soberania nacional, que exerce, não titulariza, posto que a soberania pertence exclusivamente ao Estado brasileiro242.

6.1. Bens da União

O art. 20 da Constituição Federal traz o rol dos bens da União. Trata-se de um elenco meramente exemplificativo, não esgotando a totalidade dos bens que lhe pertence, conforme denota claramente o inciso I, abaixo analisado.

6.1.1. Caráter exemplificativo do rol constitucional

O inciso I do art. 20 da Constituição da República, objeto de muitas críticas por parte da doutrina, afirma serem bens da União “os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos”.

O dispositivo revela, pois, o caráter exemplificativo dos demais incisos que irão lhe suceder, e denota que todos os bens, sejam eles de uso comum do povo, de uso especial ou dominiais, que pertenciam à União na data da promulgação da Constituição continuam a serem seus.

Já escrevemos que o surgimento do poder constituinte ori-ginário traduz uma quebra da ordem estabelecida e o início de um novo ciclo. Por essa razão, a inexistência desse inciso po-deria complicar o sistema constitucional, ensejando discussões sobre a titularidade dos referidos bens, inclusive por parte dos demais entes da federação.

242 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 75.

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373Organização do Estado brasileiro

6.1.2. Terras devolutas

O inciso II, por sua vez, atribui à União “as terras devolu-tas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei”.

Para melhor intelecção do dispositivo, faz-se necessária a exata conceituação do que sejam terras devolutas, a partir de sua origem histórica, o que fazemos utilizando-nos das pa-lavras de Michel Temer que afirma que “originariamente, per-tenciam elas à Coroa portuguesa que as repassou, em parte, aos particulares, sob diversas formas de doação (concessões de ‘sesmarias’ e de ‘data’). Com a Independência, à Coroa su-cederam o Império e a República como proprietários das ter-ras públicas que, ainda, sob qualquer forma, não houvessem sido transferidas às pessoas privadas. Daí resultar o princípio vigente até hoje segundo o qual são do domínio público todas as terras relativamente às quais não possam os particulares, através de títulos hábeis, fazer prova da sua propriedade. O fato é que nem todas as terras foram trespassadas do domínio público para o particular, ou, embora o tendo sido, muitas de-las volveram a pertencer à Nação, em razão de não cumprirem os donatários com os ônus que lhes incumbiam. Pois bem, a estas terras, cujo domínio jamais saiu do Poder Público (ou tendo saído a ele tornou), e que não se encontrem afetadas a uma utilização pública, dá-se-lhes o nome de devolutas” 243 (grifos no original).

Ressalte-se, ainda, que a Constituição da República não atribuiu à União todas as terras devolutas, mas apenas as in-dispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e cons-truções militares, das vias federais de comunicação e à pre-servação ambiental. As demais pertencem aos Estados, nos

243 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 78.

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374 Curso de Direito Constitucional

termos em que dispõe o inciso IV do art. 26, conforme adiante se verá.

6.1.3. Domínio hídrico

Os incisos III a VII do artigo sob análise tratam dos recur-sos hídricos da União.

Nos termos do inciso III, pertencem à União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele prove-nham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”.

Trata-se, assim, de atribuir à União a propriedade dos re-cursos hídricos que envolvam relação de soberania, por ser-virem como fronteira ou banharem outros países, na medida em que a atribuição de sua titularidade aos Estados-membros poderia acarretar sérios incidentes diplomáticos, notadamente quando de sua utilização, v.g., para a construção de barragens ou usinas hidrelétricas.

Da mesma forma, ainda por força do inciso III, optou-se por designar à União aqueles rios que banhem mais de um Estado-membro, ou que lhes sirvam de fronteira, igualmente com vista à diminuição de incidentes entre as unidades da federação, o que poderia desestruturar o pacto federativo.

O inciso VI do art. 20 determina pertencer à União o “mar territorial”. O inciso V, “os recursos naturais da plataforma conti-nental e da zona econômica exclusiva”.

Tratam-se, pois, de normas constitucionais de eficácia li-mitada, que necessitam da implementação de legislação inte-gradora com a finalidade de designar quais sejam seus exatos contornos.

Tal ocorreu com a edição da Lei Federal nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, que em seu art. 1º prescreve que o mar territorial “compreende uma faixa de 12 (doze) milhas marí-timas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do

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375Organização do Estado brasileiro

litoral continental e insular brasileiro, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil”.

O referido diploma legal assegura, ainda, às embarcações estrangeiras de todas as nacionalidades o direito de passagem inocente pelo mar territorial, bem como a realização de procedi-mentos de parar e fundear em situações de emergência, desde que obedecidos os regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.

Ao mar territorial segue-se a zona contígua, delimitada pelo art. 4º da lei em análise, como a “faixa que se estende das 12 (doze) às 24 (vinte e quatro) milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial”, apresentando-se como uma área destinada à fiscalização e controle de embarcações, no que tange a aspec-tos fiscais, relativos a regulamentos aduaneiros, de imigração ou sanitários, além da repressão de infrações ao ordenamento jurídico brasileiro.

Por zona econômica exclusiva designa-se a faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, na qual o Brasil possui exclusividade na exploração e aproveitamen-to, conservação e gestão dos recursos naturais (art. 7º). Tem, ainda, a prerrogativa exclusiva de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas (art. 8º).

Finalmente, a plataforma continental brasileira, nos ter-mos do art. 11 da Lei Federal nº 8.617/93, “compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento na-tural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 (duzentas) milhas ma-rítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da mar-gem continental não atinja essa distância”.

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376 Curso de Direito Constitucional

Pertencem à União, ainda, “as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II”, conforme redação dada ao inciso IV do art. 20 da Carta da Repú-blica pela Emenda Constitucional nº 46, de 5 de maio de 2005.

Isso porque, se as águas que servem de fronteira com ou-tros países pertencem à União, as ilhas ali presentes, com toda razão, também devem pertencer-lhe. Se o mar territorial é da União, por força do inciso VI do art. 20 da Constituição de 1988, as praias marítimas, ilhas oceânicas e costeiras, como regra, também devem sê-lo. A exceção a que alude a parte final do dispositivo (art. 26, II) refere-se às áreas nas ilhas oceânicas e costeiras que estejam sob domínio dos Estados-membros.

O critério para o estabelecimento desse domínio federal ou estadual, nas precisas lições de Michel Temer, é o de seguran-ça nacional244.

Pertencem, ainda, à União, “os terrenos de marinha e seus acrescidos” (inciso VII), bem como “os potenciais de energia hidráulica” (inciso VIII).

Os terrenos de marinha, nos termos do art. 2º do Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, situam-se “em uma profundi-dade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do premar médio de 1831”, além dos situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, além dos que contornam as ilhas, até onde se faça sentir a influência das marés. Os terrenos acrescidos, por sua vez, incorporam-se por aluvião ou avulsão aos terrenos de marinha.

Os potenciais de energia hidráulica, por sua vez, pertencem à União, e constituem propriedade distinta em relação ao solo, nos termos em que dispõe o art. 176 da Constituição Federal.

244 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 79.

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377Organização do Estado brasileiro

6.1.4. Recursos minerais

Prescreve a Constituição Federal serem bens da União “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”. Assim como o que fez quando tratou dos potenciais de energia hidráulica, cujo re-gramento fora analisado acima, a Constituição Federal conside-rou os recursos minerais como propriedade distinta da do solo.

São, assim, de propriedade exclusiva da União, nos termos do já referido art. 176, podendo a pesquisa e a lavra desses recursos minerais e o aproveitamento dos referidos potenciais hidráulicos serem efetuados por particulares mediante autori-zação ou concessão da União, no interesse nacional, por bra-sileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas ativida-des se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indíge-nas, nos termos em que prescreve o parágrafo 1º deste artigo.

Ao proprietário do solo, o parágrafo 2º do art. 176 da Constituição da República assegura uma participação nos re-sultados da lavra, na forma e no valor que a lei dispuser.

Esse quantum foi fixado pela Lei Federal nº 8.901/94 que, alterando a alínea “b” do art. 11 do Código de Mineração (De-creto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967), estipulou-o em cinqüenta por cento do valor total devido aos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da Administração Direta da União, pago a título de compensação financeira pela exploração de re-cursos minerais, que deverá ser disponibilizado mensalmente, até o último dia útil do mês subseqüente ao do fato gerador.

O art. 177 afirma serem monopólios da União: a) a pes-quisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; b) a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; c) a importação e exportação dos produtos e deri-vados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; d) o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no

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378 Curso de Direito Constitucional

País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem, e; e) a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

Todavia, a Emenda Constitucional nº 9, de 9 de novembro de 1995, alterando a redação do parágrafo 1º do art. 177 da Car-ta Política, veio autorizar a União a contratar com empresas esta-tais ou privadas a realização das atividades previstas nos itens I a IV, restando como monopólio absoluto apenas as operações que envolvem minerais nucleares e seus derivados.

Resta lembrar, ainda, que o parágrafo 1º do art. 20 da Constituição Federal assegura, também aos Estados, ao Distri-to Federal e aos Municípios, bem como aos órgãos da adminis-tração direta da União, uma participação no resultado da explo-ração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração, conforme será definido em lei.

6.1.5. Cavidades naturais e sítios arqueológicos

Pertencem à União, nos termos do inciso X do art. 20 da Carta da República, “as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos”.

É forma de proteção ao patrimônio histórico-cultural, pois podem revelar informações sobre os antigos habitantes de nos-sas terras, razão pela qual foram destinados à União.

6.1.6. Terras indígenas

Também atribuiu-se à União “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, nos termos do inciso XI do art. 20 da Constituição Federal.

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Cabe, ainda, à União, demarcá-las, proteger e fazer res-peitar todos os seus bens, nos termos do art. 231 da Carta Magna, que assegura, aos índios sua posse permanente, ca-bendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

Dispõe o Texto Constitucional, no parágrafo 3º do art. 231, que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunida-des afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos re-sultados da lavra, na forma da lei. E que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis, nos exatos termos do parágrafo 4º do mes-mo artigo.

7. ESTADOS-MEMBROS

Os Estados brasileiros surgiram em 1889, com a implemen-tação do federalismo, a partir da outorga de poderes às antigas províncias, que assim passaram a governar seus assuntos com autonomia e finanças próprias, tornando-se Estados-membros, inclusive com poderes para editarem suas próprias Constitui-ções Estaduais.

Ressalte-se que, apesar de adotarmos a terminologia “Es-tados-membros” em diversas passagens nesta obra, tal se dá com a exclusiva finalidade de diferenciá-los do Estado brasilei-ro, único a possuir soberania, estando certo que o Texto Cons-titucional utiliza-se exclusivamente do termo “Estado” para de-signar esses componentes da Federação, nos termos do art. 1º da Carta Política de 1988.

A maioria dos Estados federados fazem uso da expressão “Estado” para designar as ordens jurídicas parciais, formadoras da ordem total, conforme se verifica no Brasil, Estados Unidos e Venezuela. Outras federações utilizam-se das expressões

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“Províncias”, como no caso da Argentina, “Cantões”, no modelo suíço ou, ainda, Länder, no federalismo alemão.

7.1. Autonomia dos Estados

A autonomia dos Estados-membros é uma característica indispensável à existência das federações. Ademais, é justa-mente essa descentralização dos poderes político e legislativo que as diferencia de Estados unitários. Nestes, todo o poder provém de núcleo único, ao passo que nas federações o poder de legislar e de administrar a res publica está repartido entre as várias unidades federadas.

Essa autonomia, assim, manifesta-se, principalmente, em quatro frentes, a saber: a) auto-organização; b) autolegisla-ção; c) autogoverno, e; d) auto-administração.

7.1.1. Auto-organização

A competência para auto-organização dos Estados-mem-bros revela-se pela prerrogativa que lhes é constitucionalmente assegurada de elaborarem suas próprias Constituições Esta-duais.

Trata-se, pois, de manifestação do poder constituinte decorrente, que por se apresentar como manifestação de Poder Constituinte derivado, não se apresenta ilimitado e incondicionado, mas retira seu fundamento de validade e os limites de sua atuação da própria Constituição originária vi-gente.

É o que se depreende da análise do art. 25 da Constituição da República, in verbis: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princí-pios desta Constituição” (grifos nossos).

O mesmo dispôs o artigo 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando estabeleceu que “cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará

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381Organização do Estado brasileiro

a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princí-pios desta”.

7.1.1.1. Princípios constitucionais sensíveis e estabele-cidos

Estabelecida a premissa de que a prerrogativa de auto-organização dos Estados-membros deve se dar em respeito a limites traçados pela Constituição Federal, cabe-nos analisar quais sejam esses princípios limitadores da autonomia dos Es-tados-membros.

A primeira ordem de limitações advém dos princípios constitucionais sensíveis, previstos no inciso VII do art. 34 da Constituição Federal. A ofensa a esses dispositivos desestrutu-raria o pacto federativo, tido por indissolúvel, razão pela qual o desrespeito a tais mandamentos acarretará a grave medida da intervenção federal no Estado.

São princípios constitucionais sensíveis: a) a forma re-publicana, o sistema representativo e regime democrático; b) os direitos da pessoa humana; c) a autonomia municipal; d) a prestação de contas da administração pública direta e indireta, e; e) a aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferên-cias, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Como limitadores da autonomia dos Estados na organiza-ção de sua estrutura, José Afonso da Silva aponta, ainda, a existência de princípios constitucionais estabelecidos.

Diferentemente do que ocorre com os princípios constitu-cionais sensíveis, cujo nome justifica-se pela clareza acaciana com que podem ser percebidos no Texto Constitucional, os princípios constitucionais estabelecidos encontram-se disper-sos pela Carta Magna, apresentando-se, por vezes, de manei-ra implícita.

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José Afonso da Silva divide-os em três categorias, a saber: a) limitações expressas ao constituinte estadual; b) limitações implícitas ao constituinte estadual; c) limitações decorrentes do sistema constitucional adotado.

As limitações expressas, como o próprio nome já deixa antever, aparecem como comandos explícitos, diretamente vol-tados a restringir a atividade do constituinte estadual. É assim quando, v.g., a Constituição Federal proíbe que os entes da Federação mantenham com igrejas relação de dependência ou aliança, criem distinção entre brasileiros ou preferências entre si, bem como neguem fé aos documentos públicos, conforme previsto no artigo 19 da Constituição Federal; quando estabe-lece as normas que limitam a atividade tributante dos entes federados, nos artigos 150 e 152; ou, ainda, quando impõe respeito a autonomia dos Municípios, no artigo 29, e quando obriga que sua Administração Pública siga as regras previstas nos artigos 37 a 41.

Já as limitações implícitas cuidam de restringir a ativi-dade do constituinte estadual quando lhe vedam dispor so-bre os assuntos de competência privativa da União, estabe-lecidos no art. 22, ou dos Municípios, prescritos no art. 30, entre outras.

Finalmente, as limitações decorrentes do sistema cons-titucional são aquelas que advêm dos próprios preceitos cons-titucionais, como os decorrentes do federalismo (que impõem que uma unidade da federação não pode exercer coerção so-bre outra, vedam o estabelecimento de preferências a favor de uma das pessoas jurídicas de direito público, etc.), do Estado Democrático de Direito (que impõe a legalidade, a moralidade, a dignidade da pessoa humana), ou, ainda, dos primados de-mocráticos e da livre iniciativa245.

245 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 594-98.

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7.1.2. Autolegislação

Outra importante decorrência da autonomia dos Estados-membros da Federação é a possibilidade de elaborarem leis para tratar dos assuntos que lhe são afetos.

Trata-se, como vimos, de uma das principais característi-cas dos Estados federados, no qual as competências legisla-tivas também encontram-se descentralizadas, repartidas entre os vários entes da federação.

O estudo detalhado da competência dos Estados está re-servado para item subseqüente, no qual analisaremos cada uma dessas prerrogativas.

Deve-se lembrar, ainda, que como corolário do pacto fede-rativo, não se há de falar em hierarquia entre as espécies nor-mativas federais, estaduais e municipais, sendo certo que, na ocorrência de um aparente conflito entre normas das diversas unidades federadas, a solução deverá ser encontrada a partir da análise de quem seja o real detentor daquela competência legislativa. Essa resposta nos apontará a lei válida.

7.1.2.1. Medida Provisória estadual

Muito se discutiu, ao longo dos últimos anos, acerca da possibilidade de Estados-membros editarem Medidas Provisó-rias no exercício de suas competências legislativas.

O entendimento esposado pela melhor doutrina sempre foi no sentido de possibilidade de edição dessa espécie legislativa, na medida em que, como vimos, as Constituições dos Estados de-vem ser produzidas em conformidade com as diretrizes da Cons-tituição Federal, que servirá de paradigma para sua elaboração, bem como das Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios.

Assim, inexistindo dispositivo constitucional que vedasse a edição de Medidas Provisórias por parte de Governadores de Estado e Prefeitos Municipais, nada impediria sua adoção, até mesmo em virtude da ausência de limitações implícitas ou

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explícitas à utilização deste instituto em sede de Poder consti-tuinte decorrente, desde que a Constituição Estadual a preveja de forma expressa.

Mais do não-vedar, podemos afirmar que a Constituição Federal autoriza de forma implícita a edição de Medidas Pro-visórias pelos Estados quando, tratando de sua competência para a exploração do serviço de gás canalizado, no parágrafo 2º do art. 25, determina estar “vedada a edição de medida pro-visória para sua regulamentação”.

Tal entendimento acabou vindo a ser corroborado pelo Su-premo Tribunal Federal no dia 4 de setembro de 2002, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 425, ajuizada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro contra o então governador do Estado de Tocantins.

7.1.3. Autogoverno

Os Estados-membros também possuem autogoverno, outra nota característica de sua autonomia, conforme dispõe o art. 28 combinado com o art. 77 da Constituição Federal.

7.1.3.1. Poder Executivo estadual

O Chefe do Executivo estadual é o Governador do Es-tado, eleito com o Vice-Governador com ele registrado, pelo sistema majoritário, no cômputo da maioria absoluta dos votos válidos.

O mandato do Governador do Estado será de quatro anos, sendo possível que ele, ou quem o tenha sucedido ou substitu-ído no curso do mandato, seja reeleito para um único período subseqüente.

7.1.3.2. Poder Legislativo estadual

O Poder Legislativo dos Estados é exercido pela Assem-bléia Legislativa, órgão unicameral, cujos membros são elei-

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tos pelo sistema proporcional. O mandato dos Deputados Esta-duais, assim como o do Governador do Estado, será de quatro anos. Os Deputados Estaduais, diferentemente do que ocorre com o Governador, podem ser reeleitos tantas vezes quantas eleições disputem.

Nos termos do art. 27 da Constituição Federal, “o número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atin-gido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze”.

Destarte, o número de Deputados Estaduais é determina-do pelo número de Deputados Federais que, nos termos do pa-rágrafo primeiro do art. 45 da Constituição Federal varia entre oito e setenta.

Vamos aos exemplos, que auxiliam na compreensão: o Es-tado do Acre está entre as unidades da Federação que, por possuir um dos números mais reduzidos de habitantes, possui oito representantes na Câmara dos Deputados. Logo, o núme-ro de membros de sua Assembléia Legislativa será de vinte e quatro Deputados (8 X 3), pois este número apresenta-se como o triplo de sua representação na esfera federal.

Já o Estado de São Paulo é o mais populoso da Federação. Possui, por esta razão, setenta Deputados Federais. Mais do que doze, obviamente. Destarte, o total de cadeiras de sua Assem-bléia Legislativa será de noventa e quatro, que correspondem a trinta e seis deputados, somado ao número que ultrapassa doze, cinqüenta e oito. É que o triplo da representação do Estado na Câmara Federal, conta-se até atingir-se o número máximo de doze Deputados Federais. A partir daí, subtrai-se este número (doze) do que excede. Os que excedem doze, no caso de São Paulo que possui setenta Deputados Federais, são cinqüenta e oito. Assim, trinta e seis (triplo de doze) somados a cinqüenta e oito (70 – 12), totalizam noventa e quatro Deputados Estaduais.

Os Deputados Estaduais sujeitam-se, ainda, conforme de-terminação do parágrafo primeiro do art. 27 da Constituição de

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1988, às mesmas regras aplicáveis aos Deputados Federais e Senadores quanto ao sistema eleitoral, inviolabilidade, imu-nidade, remuneração, perda de mandato, licença, impedi-mentos e incorporação às Forças Armadas, que estudare-mos no Capítulo destinado à Organização dos Poderes.

Seu subsídio, contudo, não poderá exceder a setenta e cinco por cento do fixado para os Deputados Federais, sendo que a lei que os determina é de iniciativa da Assembléia Le-gislativa de cada Estado, nos termos do parágrafo segundo do mesmo artigo.

7.1.3.3. Poder Judiciário estadual

Os Estados também possuem Poder Judiciário próprio, composto pelos Juízos de Primeira Instância e pelos respecti-vos Tribunais de Justiça.

Faculta-se-lhes, ainda, a criação de Tribunais de Alçada e das Justiças Militares estaduais.

Os primeiros poderão ser criados pelas Constituições Es-taduais, que também definirão as competências dos tribunais, nos termos do parágrafo 3º do art. 125, combinado com o inciso III do art. 93 da Constituição Federal.

As Justiças Militares estaduais, por sua vez, poderão ser criadas mediante proposta do Tribunal de Justiça. Compõem-se, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segun-do, pelo próprio Tribunal de Justiça ou, nos Estados em que o efetivo da Polícia Militar seja superior a vinte mil integrantes, pelo Tribunal de Justiça Militar, nos termos do parágrafo 3º do art. 125 da Magna Carta.

7.1.4. Auto-administração

Última característica reveladora da autonomia dos Estados é a capacidade de auto-administração. Apresenta-se como a prerrogativa de administrar seus negócios, mantendo e pres-

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tando os serviços que lhe foram constitucionalmente atribuídos, como os de saúde, educação e segurança pública.

Para tanto, os Estados dispõem de seus próprios quadros de servidores estatais, com atribuições e regras específicas, estabelecidas, com autonomia, por cada uma das unidades fe-deradas, à luz das premissas gerais estipuladas pela Constitui-ção Federal, notadamente em seus artigos 37 a 41.

8. MUNICÍPIOS

Os Municípios brasileiros ganharam novo contorno a partir da edição da Constituição Federal de 1988, tendo sido erigidos a entes integrantes da Federação, por força do que dispõem os artigos 1º e 18.

O início do movimento municipalista no Brasil, data do ad-vento da Constituição de 1946, que ampliou sensivelmente sua autonomia, bem como suas competências e participação nas receitas tributárias, conforme teremos a oportunidade de deta-lhar no capítulo destinado à análise do histórico das Constitui-ções Brasileiras.

Atualmente, é inegável sua condição de ente da federa-ção, possuidor de autonomia e competências próprias, as quais passaremos a analisar.

8.1 Autonomia dos Municípios

A autonomia dos Municípios é um traço característico do federalismo brasileiro. Como regra geral, os Estados federados dividem as atribuições entre União e Estados-membros, incluin-do-se, por vezes, o Distrito Federal, mas nunca estendendo au-tonomia constitucional aos Municípios.

Por ser entidade autônoma possui as mesmas prerrogati-vas inerentes aos Estados-membros, já investigadas, a saber: a) auto-organização; b) autolegislação; c) autogoverno, e; d) auto-administração.

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388 Curso de Direito Constitucional

8.1.1. Auto-organização

A prerrogativa de auto-organização dos Municípios reside na competência que lhes é constitucionalmente assegurada de elaborarem suas próprias Leis Orgânicas.

Assim como o que ocorre com as Constituições Estaduais, trata-se de manifestação do poder constituinte decorrente, que por ser uma espécie de Poder Constituinte derivado, não se apresenta ilimitado e incondicionado, mas retira seu fun-damento de validade e os limites de sua atuação da própria Constituição originária vigente.

É o que advém da análise do art. 29 da Constituição de 1988, quando prescreve que “o Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabele-cidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.”

Note-se que, assim como ocorre com os Estados-mem-bros, que no exercício de suas autonomias devem pautar-se por balizas rigidamente delineadas pela Constituição Federal, as quais já tivemos a oportunidade de estudar, o mesmo se dá com os Municípios, sendo certo que suas Leis Orgânicas, ver-dadeiras “constituições municipais”, só serão válidas caso não contrariem princípios estabelecidos na Constituição Federal, bem como na Constituição Estadual da unidade da federação a que pertençam.

8.1.2. Autolegislação

Assim como vimos quando analisamos as características dos Estados-membros da Federação, a autonomia municipal também implica a possibilidade de elaboração de leis para tra-tar dos assuntos que lhe são afetos.

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O estudo das competências municipais será realizado em item subseqüente, no qual analisaremos cada uma dessas prerrogativas.

Conforme já nos referimos quando do estudo da prerroga-tiva de autolegislação estadual, é corolário do pacto federativo não haver hierarquia entre as espécies normativas federais, es-taduais e municipais, devendo a solução ser encontrada a partir do exame das competências de cada um.

8.1.2.1. Medida Provisória municipal

Também se admite a possibilidade de edição de medi-das provisórias por parte de Prefeitos Municipais, em virtude, como vimos, da ausência de limitações implícitas ou explíci-tas da utilização deste instituto em sede de Poder constituinte decorrente, desde que a Lei Orgânica do Município contenha autorização expressa nesse sentido.

Tal entendimento também foi corroborado pelo Supre-mo Tribunal Federal, no dia 4 de setembro de 2002, quando do já referido julgamento da Ação Direta de Inconstituciona-lidade nº 425, ajuizada pelo Partido do Movimento Demo-crático Brasileiro contra o então governador do Estado de Tocantins.

8.1.3. Autogoverno

Os Municípios também possuem autogoverno, outra nota característica de sua autonomia, conforme dispõe o art. 29 combinado com o art. 77 da Constituição Federal.

Ressalte-se que, diferentemente do que ocorre com União e Estados-membros, não se há de falar na existência de um Poder Judiciário municipal, sendo certo que suas causas se-rão julgadas pelas Justiças Estaduais ou, até mesmo Federal, quando, ao lado do interesse Municipal, também residir interes-se da União.

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8.1.3.1. Poder Executivo municipal

Assim como ocorre nos Estados-membros, o Chefe do Executivo municipal é o Prefeito, eleito juntamente com o Vice-Prefeito, com ele registrado, pelo sistema majoritário, no cômputo da maioria absoluta dos votos válidos.

O mandato do Prefeito será de quatro anos, sendo possível que o mesmo, ou quem o tenha sucedido ou substituído no curso do mandato, seja reeleito para um único período subseqüente.

8.1.3.2. Poder Legislativo municipal

O Poder Legislativo municipal é exercido pela Câmara Municipal, órgão unicameral, cujos membros são eleitos pelo sistema proporcional. O mandato dos Vereadores, assim como o do Prefeito, será de quatro anos. Sendo que, diferentemente do que ocorre com o Prefeito, podem ser reeleitos tantas vezes quantas eleições disputarem.

8.1.3.2.1. Número de vereadores

O inciso IV do art. 29 da Constituição Federal determina que o número de Vereadores deverá ser proporcional à população do Município, observados os seguintes limites: a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habi-tantes; b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes, e; c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes.

Discutiu-se muito se, respeitados esses limites mínimos e máximos estabelecidos pela Constituição da República, cada Município teria liberdade para estabelecer o número de com-ponentes de sua Câmara Municipal, conforme era o entendi-mento do Tribunal Superior Eleitoral, ou se a Constituição esta-belece uma proporcionalidade aritmética entre a população e o número de vereadores, restringindo a autonomia municipal.

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A questão foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em face do art. 6º da Lei Orgânica do Município paulista de Mira Estrela (Lei Municipal nº 226/90).

Mira Estrela possuía cerca de 2.651 habitantes e contava, até a data, com onze vereadores. A Suprema Corte, por oito votos a três, acompanhando o entendimento do relator Ministro Maurício Corrêa, conheceu e deu parcial provimento ao recurso para declarar inconstitucional o dispositivo da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela que estipulava em onze o número de representantes na Câmara Municipal, por entender que o inci-so IV do art. 29 da Carta da República estabelece um critério de proporcionalidade aritmética para o cálculo do número de cadeiras, não tendo os Municípios autonomia para fixar este número discricionariamente, sendo que, no caso concreto, o Município em questão deveria ter nove vereadores, sob pena de incompatibilidade com a referida proporção.

Como corolário disso, entendeu a Suprema Corte que os Municípios têm direito a um vereador para cada 47.619 habi-tantes, observados os limites mínimo e máximo estabelecidos pela Constituição Federal246.

A partir dessa decisão que, a princípio, atingiria apenas o Município de Mira Estrela, por desencadear efeitos inter partes, o Tribunal Superior Eleitoral, movido por representação formu-lada pelo Procurador-Geral Eleitoral, “objetivando assegurar a observância da orientação emanada da Corte Suprema, não apenas, evidentemente, para o Município de Mira Estrela, mas para todos os Municípios brasileiros, e considerando, ainda, a proximidade das eleições municipais” editou a Resolução nº 21.702, baixando instruções sobre o número de vereadores a eleger segundo a população de cada Município.

246 STF – RE 197.917 – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 25/03/2004.

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Posteriormente, a Resolução nº 21.803, de 8 de junho de 2004, baixada nos termos do disposto no inciso IX, do art. 23 do Código Eleitoral (Lei Federal nº 4.737/65), de relatoria do Ministro Carlos Velloso, determinou o número de cadeiras a serem preen-chidas nas Câmaras de Vereadores de cada Município, de acor-do com os critérios de eleitorado e população declarados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 197.917246-A.

8.1.3.2.2. Subsídio e limitação de despesas

O inciso VI do mesmo art. 29, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 14 de fevereiro de 2000, determina que o subsídio dos Vereadores deve ser fixado pela respectiva Câmara Municipal, em cada legislatura para a subse-qüente, em conformidade com critérios traçados pela Lei Orgâ-nica, e observados os seguintes limites: a) em Municípios de até dez mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corres-ponderá a vinte por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; b) em Municípios de dez mil e um a cinqüenta mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a trinta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; c) em Municípios de cinqüenta mil e um a cem mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a quarenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; d) em Municípios de cem mil e um a trezentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a cinqüenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; e) em Municípios de trezentos mil e um a quinhentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponde-rá a sessenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais, e; f) em Municípios de mais de quinhentos mil habitantes, o subsí-dio máximo dos Vereadores corresponderá a setenta e cinco por cento do subsídio dos Deputados Estaduais.

246-A Em julgamento realizado no dia 25.08.05, o STF declarou constitu-cionais as referidas resoluções do TSE.STF – ADI nº 3.345–DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 08.09.05.

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O total da despesa com a remuneração dos vereadores, ainda, não poderá ultrapassar o montante de cinco por cento da receita do Município, nos termos do inciso VII do art. 29 da Constituição Federal.

Além da fixação do número de Vereadores em função da população do Município, do percentual máximo que seu sub-sídio pode atingir, em contraposição ao valor pago aos Depu-tados Estaduais, e da limitação do total de despesas com o pagamento desses valores, a Emenda Constitucional nº 25/00 veio estipular, ainda, um percentual máximo do orçamento municipal que poderá ser comprometido com as despesas do Legislativo.

Segundo o art. 29-A, “o total da despesa do Poder Le-gislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5o do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior”: a) oito por cento para Municípios com população de até cem mil habitantes; b) sete por cento para Municípios com população entre cem mil e um e trezentos mil habitan-tes; c) seis por cento para Municípios com população entre trezentos mil e um e quinhentos mil habitantes; d) cinco por cento para Municípios com população acima de quinhentos mil habitantes.

E, ainda, previu que a Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vere-adores.

As garantias dos Vereadores são bem mais restritas do que as aplicáveis aos Deputados Federais, Estaduais e Sena-dores, restringindo-se a inviolabilidade por suas opiniões, pa-lavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município, nos termos do inciso VIII do art. 29. Não dis-põem, pois, de imunidade.

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8.1.4. Auto-administração

Da mesma forma que se verifica com os Estados-mem-bros, os Municípios também detêm capacidade de auto-admi-nistração, fruto de sua autonomia. Apresenta-se com a prerro-gativa de administrar seus negócios, mantendo e prestando os serviços que lhe foram constitucionalmente atribuídos, como os de saúde, educação e segurança pública.

Para tanto, dispõe de seus próprios quadros de servidores estatais, com atribuições e regras específicas, estabelecidas, com autonomia, por cada uma das unidades federadas, à luz das premissas gerais estipuladas pela Constituição Federal, notadamente em seus artigos 37 a 41.

9. DISTRITO FEDERAL

Conforme já observamos, o federalismo brasileiro, por força do que determinam os artigos 1º e 18 da Constituição Federal, comporta quatro ordens de pessoas estatais, dentre as quais inclui-se o Distrito Federal.

Trata-se de unidade federada criada com a finalidade de abrigar a sede do Governo Federal mas que, como qualquer outro ente federativo, possui competências próprias, constitu-cionalmente designadas.

Em virtude da vedação constitucional de sua divisão em Municípios, por força do que dispõe o caput do art. 32 da Cons-tituição Federal, detém, como regra, as prerrogativas constitu-cionais atribuídas aos Estados-membros e Municípios, como, aliás, prescreve expressamente o parágrafo 1º do mencionado dispositivo.

Sob esse enfoque, apresenta-se mais importante do que os Estados e os Municípios, na medida em que acumula as com-petências destinadas àquelas duas entidades federadas. Por outro lado, a Constituição lhe retira certas atribuições, como o faz quando confere à União competência para organizar e man-

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ter seu Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Públi-ca (inciso XIII do art. 21), além de legislar sobre esses assuntos (inciso XVII do art. 22), bem como organizar e manter sua polícia civil, militar e corpo de bombeiro militar (inciso XIV do art. 21).

Evidencia-se, com isso, que o Distrito Federal é ente políti-co que possui características absolutamente peculiares, distin-tas das demais unidades federativas. A discussão acadêmica travada entre aqueles que pretendem enquadrá-lo como Es-tado-membro, conforme querem alguns, ou como Município, segundo desejam outros, apresenta-se absolutamente estéril, destituída de qualquer utilidade prática.

9.1. Autonomia do Distrito Federal

Por ser entidade federada, o Distrito Federal possui as mesmas prerrogativas inerentes aos Estados-membros e Mu-nicípios, já investigadas, a saber: a) auto-organização; b) au-tolegislação; c) autogoverno, e; d) auto-administração.

9.1.1. Auto-organização

A competência de auto-organização do Distrito Federal reside na prerrogativa que lhe é constitucionalmente assegura-da de elaborar sua própria Lei Orgânica.

Note-se que, sob esse aspecto, o legislador constituinte deu ao Distrito Federal um tratamento assemelhado ao dado aos Municípios, que são regidos por Leis Orgânicas, diferen-temente dos Estados-membros, que possuem Constituições Estaduais.

Trata-se, igualmente, de manifestação do poder consti-tuinte decorrente, que por ser espécie de Poder Constituinte derivado, não se apresenta ilimitado e incondicionado, mas retira seu fundamento de validade e os limites de sua atuação da própria Constituição originária vigente.

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É o que prescreve o art. 32 da Constituição Federal, in ver-bis: “O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, re-ger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabe-lecidos nesta Constituição.”

9.1.2. Autolegislação

Assim como vimos, quando analisamos as características dos Estados-membros da Federação, a autonomia distrital tam-bém implica a possibilidade de elaboração de leis para tratar dos assuntos que lhe são afetos.

O estudo das competências será realizado no próximo item, detalhando-se, assim, as prerrogativas das quatro ordens de entes federados.

9.1.3. Autogoverno

O Distrito Federal, a partir da edição da Emenda Constitu-cional nº 25/85, editada ainda sob á égide da Constituição Fe-deral de 1967/69, passou a ter representantes diretamente elei-tos pelo povo, reforçando, ainda mais, sua condição de unidade federada, com a conseqüente ampliação de sua autonomia.

O Poder Judiciário do Distrito Federal, no entanto, continua sendo organizado e mantido pela União, mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988, conforme já mencionado.

9.1.3.1. Poder Executivo distrital

No âmbito do Distrito Federal, o Chefe do Executivo é o Governador, eleito com Vice-Governador com ele registrado, pelo sistema majoritário, no cômputo da maioria absoluta dos votos válidos.

O mandato do Governador será de quatro anos, sendo possível que o eleito, ou quem o tenha sucedido ou substituído no

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397Organização do Estado brasileiro

curso do mandato, seja reeleito para um único período subse-qüente.

9.1.3.2. Poder Legislativo distrital

O Poder Legislativo do Distrito Federal é exercido pela Câmara Legislativa, órgão unicameral, cujos membros são elei-tos pelo sistema proporcional. O mandato dos Deputados Distri-tais, assim como o do Governador, será de quatro anos. Aqueles, diferentemente do que ocorre com o Chefe do Executivo, podem ser reeleitos tantas vezes quantas eleições disputarem.

O parágrafo 3º do art. 32 da Carta Política prescreve que os Deputados Distritais, bem como a Câmara Legislativa, serão regidos pelas normas dispostas no art. 27, aplicáveis aos Es-tados.

Vale, portanto, a regra de número de Deputados Distritais correspondente ao triplo da representação do Distrito Federal na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, acréscimo de tantos quantos forem os Deputados Federais aci-ma de doze.

Assim, da mesma forma que ocorre com os Estados-mem-bros, o número de Deputados Distritais será determinado pelo nú-mero de Deputados Federais que, nos termos do parágrafo primei-ro do art. 45 da Constituição Federal, varia entre oito e setenta.

Como o Distrito Federal está entre as unidades da Fe-deração menos populosas, sua representação na Câmara dos Deputados restringe-se a oito Deputados Federais. Logo, o nú-mero de membros da Câmara Legislativa será de vinte e quatro Deputados (8 X 3), pois este número apresenta-se como o tri-plo de sua representação na esfera federal.

Os Deputados Distritais sujeitam-se, ainda, conforme de-terminação do parágrafo primeiro do art. 27 da Constituição de 1988, às mesmas regras aplicáveis aos Deputados Federais e Senadores quanto ao sistema eleitoral, inviolabilidade, imu-nidade, remuneração, perda de mandato, licença, impedi-

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398 Curso de Direito Constitucional

mentos e incorporação às Forças Armadas, que estudare-mos no Capítulo destinado à Organização dos Poderes.

Seu subsídio, contudo, não poderá exceder a setenta e cinco por cento do fixado para os Deputados Federais, sendo que a lei que os determina é de iniciativa da Câmara Legislati-va, nos termos do parágrafo segundo do mesmo artigo.

9.1.4. Auto-administração

Da mesma forma que os Estados-membros e os Municí-pios, o Distrito Federal também detém capacidade de auto-ad-ministração, fruto de sua autonomia. Apresenta-se com a prer-rogativa de administrar seus negócios, mantendo e prestando os serviços que lhe foram constitucionalmente atribuídos, como os de saúde, educação e segurança pública.

Para tanto, o Distrito Federal dispõe de seus próprios quadros de servidores estatais, com atribuições e regras es-pecíficas, estabelecidas, com autonomia, por cada uma das unidades federadas, à luz das premissas gerais estipuladas pela Constituição Federal, notadamente em seus artigos 37 a 41.

10. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Conforme já tivemos a oportunidade de anotar, uma das características principais de um Estado federado é a divisão de competências entre as diversas unidades da federação.

Na Constituição Federal de 1988 o tema vem tratado entre os artigos 21 a 30, dentro do capítulo destinado à Organização do Estado brasileiro.

O constituinte optou por arrolar de forma explícita as com-petências de cada unidade da federação, dividindo-as entre a União, os Estados-membros e os Municípios.

Ao Distrito Federal, segundo dispõe o parágrafo 1º do art. 32 da Constituição Federal, são destinadas as competên-

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399Organização do Estado brasileiro

cias atribuídas aos Estados e aos Municípios, salvo quando a Constituição determina expressamente de maneira diversa, como o faz quando confere à União competência para organi-zar e manter seu Poder Judiciário, Ministério Público e De-fensoria Pública (inciso XIII do art. 21), além de legislar sobre esses assuntos (inciso XVII, do art. 22), bem como organizar e manter sua polícia civil, militar e corpo de bombeiro militar (inciso XIV do art. 21).

Aos Estados-membros, a Constituição Federal de 1988 atribui, ainda, as competências residuais, quais sejam, aque-las que não foram expressamente designadas a nenhum outro ente da federação, nos termos do parágrafo 1º do art. 25, que será oportunamente detalhado.

10.1. Competências da União

Sem sombra de dúvidas, a União é o ente federativo que mais competências possui em nosso ordenamento jurídico, ocupando-se das principais atribuições constitucionais. Tal fato deve-se à forma como nossa federação fora estruturada, con-forme demonstrado quando tratamos da origem do federalismo brasileiro que, diferentemente do modelo norte-americano, é um federalismo por desagregação.

As competências da União federal podem ser divididas em cinco grupos distintos, a saber: a) competências exclusivas (art. 21); b) competências privativas (art. 22); c) competên-cias materiais comuns (art. 23); d) competências concor-rentes (art. 24), e; e) competências tributárias (arts. 145, 153 e 154).

10.1.1. Competências exclusivas

As competências exclusivas da União, previstas no art. 21 da Constituição Federal de 1988, tratam-se de matérias que devem ser cuidadas apenas por ela, estando vedada a delega-ção para qualquer outro ente da federação.

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400 Curso de Direito Constitucional

José Afonso da Silva, com sua habitual propriedade, divide as competências exclusivas da União em oito núcleos, abaixo relacionados.

10.1.1.1. Competências internacionais

Previstas nos incisos I a IV do artigo sob comento, tratam-se de competências que a União exerce em virtude de ser re-presentante do Estado brasileiro que, segundo parte da dou-trina, deveriam ter sido expressamente atribuídas ao Estado, enquanto ente soberano e não à União, por constituir-se, esta, mera unidade federada.

De qualquer sorte, fica evidente que nessa situação a União atua com soberania, como representante do Estado total, e não como parcela do poder interno.

As competências internacionais da União consistem em: a) manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais (inciso I); b) declarar a guerra e celebrar a paz (inciso II); c) assegurar a defesa nacional (inciso III), e; d) permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente (inciso IV).

10.1.1.2. Competências políticas

Tais medidas abarcam os denominados sistemas de emergência para a preservação do próprio Estado Democrá-tico de Direito, previstos no inciso V do art. 21, que consistem em decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a interven-ção federal, além da concessão de anistia, prevista no inciso XVII.

10.1.1.3. Competências financeiras e monetárias

Essas competências vêm previstas nos incisos VII e VIII do artigo 21, e consistem na emissão de moeda (inciso VII) e na

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401Organização do Estado brasileiro

administração das reservas cambiais do País e fiscalização das operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previ-dência privada (inciso VIII).

10.1.1.4. Competências administrativas

Disciplinadas em vários incisos, tratam-se de medidas que vão possibilitar o funcionamento coeso da Administração em geral. São elas: a) autorizar e fiscalizar a produção e o comér-cio de material bélico (inciso VI); b) organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Dis-trito Federal e dos Territórios (inciso XIII); c) organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio (inciso XIV); d) organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âm-bito nacional (inciso XV); e) exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e tele-visão (inciso XVI); f) instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso (inciso XIX); g) executar os serviços de polícia maríti-ma, aeroportuária e de fronteiras (inciso XXII), e; h) organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (inciso XXIV).

10.1.1.5. Competências em matéria urbanística

São medidas que visam ao desenvolvimento nacional, a partir de crescimento e ocupação ordenados do Estado brasi-leiro, a saber: a) elaborar e executar planos nacionais e regio-nais de ordenação do território (inciso IX); b) instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, sanea-mento básico e transportes urbanos (inciso XX), e; c) estabe-lecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação (inciso XXI).

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402 Curso de Direito Constitucional

10.1.1.6. Competências sociais

As competências sociais da União, ainda nas lições de José Afonso da Silva, responsável pela realização dessa classificação, compreendem a elaboração e execução de planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômi-co e social (inciso IX, parte final), além do planejamento e promoção da defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações (inciso XVIII).

10.1.1.7. Competências econômicas

Apresentam-se como duas medidas de caráter distinto: a) elaborar e executar planos nacionais e regionais de desenvol-vimento econômico e social (inciso IX, parte final), e; b) estabe-lecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa (inciso XXV).

10.1.1.8. Competências na prestação de serviços

Trata-se de um rol de serviços públicos que, por sua ab-soluta relevância, tiveram sua exploração e execução exclu-sivamente destinadas à União, a saber: a) manutenção do serviço postal e do correio aéreo nacional (inciso X); b) ex-ploração, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais (inciso XI); c) exploração, diretamente ou mediante autorização, con-cessão ou permissão, dos serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens, dos serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos, da navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária, dos serviços de transporte ferroviário

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403Organização do Estado brasileiro

e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território, dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, e finalmente, dos portos marítimos, fluviais e lacustres (inciso XII), e; d) explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamen-to, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições (inciso XXIII).

10.1.2. Competências privativas

As competências privativas da União estão expressas no art. 22 da Constituição Federal de 1988. Tratam-se de compe-tências legislativas, a serem exercidas pela própria União. O parágrafo único desse artigo, contudo, autoriza a União delegar aos Estados-membros competência para legislar sobre assun-tos específicos dessas matérias.

Tais competências vêm previstas nos vinte e nove incisos desse artigo, in verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrá-

rio, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;II – desapropriação;III – requisições civis e militares, em caso de iminente peri-

go e em tempo de guerra;IV – águas, energia, informática, telecomunicações e ra-

diodifusão;V – serviço postal;VI – sistema monetário e de medidas, títulos e garantias

dos metais;VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de

valores;

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404 Curso de Direito Constitucional

VIII – comércio exterior e interestadual;IX – diretrizes da política nacional de transportes;X – regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, maríti-

ma, aérea e aeroespacial;XI – trânsito e transporte;XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalur-

gia;XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização; XIV – populações indígenas; XV – emigração e imigração, entrada, extradição e expul-

são de estrangeiros; XVI – organização do sistema nacional de emprego e con-

dições para o exercício de profissões;XVII – organização judiciária, do Ministério Público e da

Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes;

XVIII – sistema estatístico, sistema cartográfico e de geo-logia nacionais;

XIX – sistemas de poupança, captação e garantia da pou-pança popular;

XX – sistemas de consórcios e sorteios; XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bé-

lico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;

XXII – competência da polícia federal e das polícias rodovi-ária e ferroviária federais;

XXIII – seguridade social; XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;XXV – registros públicos; XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza;XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em to-

das as modalidades, para as administrações públicas diretas,

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405Organização do Estado brasileiro

autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos ter-mos do art. 173, § 1º, III;

XXVIII – defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa ma-rítima, defesa civil e mobilização nacional;

XXIX – propaganda comercial.

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Es-tados a legislar sobre questões específicas das matérias rela-cionadas neste artigo”.

10.1.3. Competências materiais comuns

O art. 23 da Constituição Federal traz o rol das compe-tências materiais comuns entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Tratam-se de assuntos afetos aos diversos entes da federa-ção em virtude do enorme grau de generalidade e abrangência das matérias. Note-se que não se apresentam como competên-cias legislativas, mas como atividades e serviços que devem ser, conjuntamente, realizados.

O parágrafo único menciona, ainda, que uma lei comple-mentar fixará as diretrizes para a colaboração entre esses diversos entes federados. Celso Ribeiro Bastos critica dura-mente o dispositivo. Para o grande constitucionalista, “é sem dúvida dispositivo que quebra a rigidez das competências constitucionais. Por via desta lei complementar a União pode inequivocamente imiscuir-se em questões da alçada dos ou-tros entes políticos”247.

Eis o art. 23 da Constituição Federal de 1988:

247 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 297.

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406 Curso de Direito Constitucional

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das institui-ções democráticas e conservar o patrimônio público;

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de va-lor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o

abastecimento alimentar;IX – promover programas de construção de moradias e a

melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;X – combater as causas da pobreza e os fatores de margi-

nalização, promovendo a integração social dos setores desfa-vorecidos;

XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e mine-rais em seus territórios;

XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”

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407Organização do Estado brasileiro

10.1.4. Competências concorrentes

Finalmente, o art. 24 da Carta Política de 1988 traz a deno-minada competência concorrente. Apresenta-se como um rol de assuntos sobre os quais União, Estados-membros e Distrito Federal legislarão conjuntamente, sendo que a primeira elabo-rará as normas gerais, ao passo que Estados e Distrito Federal cuidarão das normas especiais.

O grande problema, no entanto, reside em determinar-se o exato conteúdo, sentido e alcance da expressão “normas ge-rais”, insculpida na Carta Magna. Isso porque o Texto Consti-tucional é claro e a doutrina unânime em afirmar que cabe à União elaborar normas gerais sobre a matéria, e aos demais entes federativos restaria a competência para a elaboração de normas especiais. Todavia, é enorme a dificuldade em se deli-mitar o que e quais são as normas gerais sobre cada um dos assuntos veiculados nos dezesseis incisos do art. 24. De fato, a dogmática constitucionalista brasileira carece de estudos apro-fundados sobre esse tema de difícil solução.

Rubens Gomes de Souza, em histórico colóquio manti-do com Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho sobre a interpretação de dispositivos do Código Tributário Nacional, afirmou que Aliomar Baleeiro, responsável pela constitucio-nalização da polêmica expressão, lhe confidenciara que essa não é dotada de qualquer sentido prático, apresentando-se, tão-somente, como um singelo compromisso político248. Por certo que, tão “singelo” argumento não pode ser utilizado para esvaziar o conteúdo jurídico de um instituto constitucional-mente assegurado.

Para Marçal Justen Filho, o problema reside no fato de a expressão “normas gerais” apresentar-se como conceito jurí-

248 SOUSA, Rubens Gomes de. ATALIBA, Geraldo. CARVALHO, Paulo de Barros. Comentários ao CTN. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 5.

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408 Curso de Direito Constitucional

249 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 678.

dico indeterminado, que, apesar de conferir certa margem de liberdade à atuação da União, não pode ser usado para justifi-car abusos. Ouçamo-lo:

“Como todo conceito jurídico indeterminado, a expressão ‘norma geral’ comporta dois núcleos de certeza. Há um núcleo de certeza positiva, correspondente ao âmbito de abrangên-cia inquestionável do conceito. Há outro núcleo de certeza ne-gativa, que indica a área a que o conceito não se aplica. Entre esses dois pontos extremos, coloca-se a zona de incerteza. À medida que se afasta do núcleo de certeza positiva, reduz-se a precisão na aplicação do conceito. Aproximando-se do núcleo de certeza negativa, amplia-se a pretensão de inaplicabilidade do conceito. Não existe, porém, um limite exato acerca dos con-tornos do conceito.

A teoria dos conceitos jurídicos indeterminados não desá-gua na liberação do aplicador do Direito para adotar qualquer solução, a seu bel-prazer. Aliás, muito pelo contrário. Conduz a restringir a liberdade na aplicação dos conceitos jurídicos inde-terminados. A incompatibilidade entre o limite do conceito e a atuação do aplicador resolve-se na invalidação dessa última”249 (grifos nossos).

Mais pragmático, Paulo José Villela Lomar afirma que “a principal restrição à extensão de seu conceito encontra-se exa-tamente na autonomia assegurada a todos os entes federados (União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios) no art. 18, da Carta de 1988. Em outras palavras, as normas ge-rais a que se refere o texto constitucional não podem ferir a autonomia legislativa, bem como a administrativa, dos demais entes federados. E os parâmetros substantivos desta limitação fixados no texto constitucional encontram-se nas atribuições, respectivamente: a primeira, deferida aos Estados Federados para suplementar a legislação federal de normas gerais com

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409Organização do Estado brasileiro

vistas a atender a suas peculiaridades, conforme os parágrafos segundo e terceiro do art. 24, e, a segunda, aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, consoante o inciso I do art. 30”250.

Embora tal problema não se apresente de fácil deslin-de, cremos que, em se tratando de assunto afeto ao Direito Público, a solução mais adequada consiste em contemplar a possibilidade de os demais entes federativos, que não a União, editarem normas específicas sobre a matéria que, re-lacionando-se diretamente às suas peculiaridades regionais, possibilitem a realização de cada um dos ideais constitucio-nalmente assegurados, a partir de diretrizes gerais desenha-das pela União.

Caso a União não exerça sua competência legislativa, ela-borando as normas gerais, a Constituição Federal assegura aos Estados-membros e ao Distrito Federal a prerrogativa de fazê-lo, legislando, pois, sobre normas gerais e especiais, sendo que, sobrevindo as normas gerais da União sobre o as-sunto, aquelas editadas pelos demais entes estariam automati-camente suspensas.

É o que se denomina competência suplementar, que tem por finalidade manter a harmonia do pacto federativo, na medida em que a inércia da União não impeça que Esta-dos-membros e Distrito Federal exerçam suas prerrogativas constitucionais.

Vejamos, então, a disciplina do art. 24 da Constituição Federal sobre o assunto:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

250 MEIRELLES, Hely Lopes apud LOMAR, Paulo José Villela. Curso avan-çado de licitações e contratos públicos. p. 20.

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410 Curso de Direito Constitucional

II – orçamento; III – juntas comerciais;IV – custas dos serviços forenses;V – produção e consumo;VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da nature-

za, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, tu-rístico e paisagístico;

VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, históri-co, turístico e paisagístico;

IX – educação, cultura, ensino e desporto;X – criação, funcionamento e processo do juizado de pe-

quenas causas;XI – procedimentos em matéria processual;XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;XIII – assistência jurídica e Defensoria pública;XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras

de deficiência;XV – proteção à infância e à juventude;XVI – organização, garantias, direitos e deveres das polí-

cias civis.§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência

da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas

gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.§ 3º – Inexistindo Lei Federal sobre normas gerais, os Es-

tados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º – A superveniência de Lei Federal sobre normas ge-rais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for con-trário.”

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411Organização do Estado brasileiro

10.1.5. Competências tributárias

Além dos assuntos acima dispostos, merecem menção as competências tributárias da União, dispostas nos artigos 145, 153 e 154 da Constituição Federal.

O primeiro dispositivo menciona as competências tribu-tárias comuns, assegurando à União, Estados-membros, Dis-trito Federal e Municípios a competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Os demais dispositivos, detalhando a competência para a instituição de impostos, veiculam as competências expressa, residual e extraordinária.

A competência tributária expressa para a instituição de im-postos, prevista nos sete incisos do art. 153, traduz a possibilida-de de tributação sobre: a) importação de produtos estrangeiros; b) exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou naciona-lizados; c) renda e proventos de qualquer natureza; d) produtos industrializados; e) operações de crédito, câmbio e seguro, ou re-lativas a títulos ou valores mobiliários, e; f) propriedade territorial rural; g) grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

O inciso I do art. 154, por sua vez, veicula a competência residual sobre impostos, que consiste na possibilidade de ins-tituição de outros, além dos acima delineados, por intermédio de lei complementar, desde que sejam não-cumulativos e não tenham a mesma hipótese de incidência ou base de cálculo de outros impostos já previstos na Constituição Federal.

A competência extraordinária vem insculpida no inciso II do art. 154, e se traduz na possibilidade de instituição de impos-tos na iminência ou no caso de guerra externa, que deverão ser suprimidos gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

10.2. Competências dos Estados

Aos Estados-membros ficam reservadas: a) competências residuais (parágrafo 1º do art. 25); b) competências materiais

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412 Curso de Direito Constitucional

comuns (art. 23); c) competências concorrentes (art. 24); d) competências suplementares (parágrafo 2º do art. 24), e; e) competências tributárias (arts. 145 e 155)

10.2.1. Competências residuais

As competências residuais dos Estados-membros vêm previstas no parágrafo 1º do art. 25 da Constituição Federal, in verbis: “São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”.

Trata-se de dispositivo que enaltece os Estados-membros da Federação, porque lhes destinam as competências que não es-tão expressamente designadas aos demais entes. Cabem-lhes, pois, os poderes reservados ou remanescentes.

José Afonso da Silva lembra-nos a origem terminológica ao afirmar que “a expressão poderes (ou competências) reser-vados é adequada à Federação americana, porque lá foram os Estados independentes que se uniram para a formação do Es-tado federal, abrindo mão de poderes soberanos reservando, no entanto, o quanto entenderam satisfatório à sua existência autônoma”251 (grifos no original).

Assim, restam aos Estados as competências que não lhes são vedadas explícita ou implicitamente.

Michel Temer ensina: “Em primeiro lugar, fica-lhes proibido dispor sobre as competências da União (arts. 21 e 22) e as dos Municípios (art. 30). Nada podem dispor, também, a respeito das competências tributárias da União e dos Municípios. A tais competências o Estado não tem acesso. É o que dispõe impli-citamente a Constituição.

Explicitamente se lhes nega a possibilidade de organizar-se e reger-se por normas que vulnerem os princípios mencio-nados no inciso VII do art. 34” (grifos no original).

251 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 509.

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413Organização do Estado brasileiro

A esses dispositivos acresce, ainda, as três vedações pre-vistas no art. 19 da Constituição Federal, aplicáveis à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, a saber: a) estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, em-baraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus re-presentantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; b) recusar fé aos documentos públicos, e; c) criar distinções entre brasilei-ros ou preferências entre si252.

10.2.2. Competências materiais comuns

Conforme já nos referimos quando do estudo das compe-tências da União, o art. 23 da Constituição Federal traz o rol das competências materiais comuns entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Assim, reportamos o leitor ao respectivo item onde, inclusi-ve, transcrevemos o rol das mencionadas competências.

10.2.3. Competências concorrentes

Igualmente já analisado, o art. 24 da Carta Política de 1988 traz a denominada competência concorrente. Apresenta-se como um rol de assuntos sobre os quais União, Estados-mem-bros e Distrito Federal legislarão conjuntamente, sendo que a primeira elaborará as normas gerais, e os Estados e o Distrito Federal cuidarão das normas especiais.

10.2.4 Competências suplementares

Em se tratando de competência concorrente, na qual a União deve predispor sobre normas gerais e Estados e Distrito Federal sobre normas específicas, a omissão da União no exer-

252 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 83.

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cício dessas prerrogativas assegurará aos Estados-membros e ao Distrito Federal a possibilidade de fazê-lo, legislando, pois, sobre normas gerais e especiais, sendo que, sobrevindo as normas gerais da União sobre o assunto, as editadas pelos demais entes estariam automaticamente revogadas.

A competência suplementar, assim, tem por finalidade manter a harmonia do pacto federativo, para que a inércia da União não impeça que Estados-membros e Distrito Federal exerçam suas prerrogativas constitucionais.

10.2.5. Competências tributárias

As competências tributárias comuns, previstas no art. 145 da Constituição Federal, asseguram à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios a competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Além delas, os Estados-membros dispõem de competên-cias tributárias expressas sobre impostos, previstas nos três incisos do art. 155, que autorizam a tributação sobre: a) trans-missão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre pres-tações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, e; c) propriedade de veículos automotores.

10.3. Competências dos Municípios

De todos os entes da federação, o Município é o que pos-sui o rol de competências mais reduzido. Isto se deve ao âmbito mais restrito de sua atuação, se comparado às atividades de-sempenhadas por União e Estados-membros.

O art. 30 da Constituição Federal de 1988 arrola as com-petências municipais, a saber: a) legislar sobre assuntos de interesse local; b) suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; c) instituir e arrecadar os tributos de sua com-petência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obri-

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415Organização do Estado brasileiro

gatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; d) criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; e) organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem ca-ráter essencial; f) manter, com a cooperação técnica e financei-ra da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; g) prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; h) promover, no que couber, adequado or-denamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, e; i) promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Michel Temer classifica as competências municipais em dois grupos: competências expressas e competências ex-pressas enumeradas. Denomina, simplesmente, competências expressas, as constantes dos dois primeiros incisos do referido artigo, porquanto traduzem idéias abrangentes, sem proceder um levantamento de quais sejam os assuntos de interesse local (inciso I), nem das hipóteses nas quais seria cabível a suple-mentação da legislação federal e estadual (inciso II).

Seguindo a linha de raciocínio que vimos desenvolvendo a partir do estudo das competências dos demais entes políticos, podemos classificar as competências municipais em: a) com-petência legislativa exclusiva (inciso I do art. 30); b) compe-tência suplementar (inciso II do art. 30); c) competências ma-teriais exclusivas (incisos III a IX do art. 30); d) competências materiais comuns (art. 23), e; e) competências tributárias (artigos 145 e 156).

10.3.1. Competência legislativa exclusiva

A competência legislativa exclusiva dos Municípios vem insculpida no inciso I do art. 30 da Constituição Federal, segundo o qual compete-lhes “legislar sobre assunto de interesse local”.

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416 Curso de Direito Constitucional

É o próprio Michel Temer quem, com absoluta precisão, apresenta o melhor conceito do que seja interesse local. Se-gundo ele, “doutrina e jurisprudência, ao tempo da Constituição anterior, se pacificaram no dizerem que é de peculiar interesse aquele em que predomina o do Município no confronto com os interesses do Estado e da União. Peculiar interesse significa interesse predominante. Interesse local é expressão idêntica a peculiar interesse.

Exemplificando: é da competência da União legislar sobre tráfego e trânsito nas vias terrestres (art. 22, XI). Entretanto, não se põe em dúvida a competência do Município para dispor sobre tais matérias nas vias municipais. Estacionamento, locais de parada, sinalização, mão e contramão de direção corporifi-cam matérias de peculiar interesse municipal. Afastam a legis-lação estadual e federal”253 (grifos no original).

Como outros exemplos, podemos lembrar o posicionamen-to do Supremo Tribunal Federal, materializado pela Súmula 419, segundo o qual os Municípios possuem competência para regular o horário de funcionamento do comércio. Ou a Súmula de número 19, do Superior Tribunal de Justiça, para quem a fixação de horário bancário para atendimento ao público não é de competência dos Municípios, descaracterizando o tema como de interesse local.

10.3.2. Competência suplementar

A competência suplementar ou supletiva, prevista no in-ciso II do art. 30, é alusiva à prerrogativa conferida ao Município de “suplementar a legislação federal e a estadual no que cou-ber”. Trata-se de uma importante inovação constitucional, que possibilita a esses entes da federação pormenorizar as legis-lações federal e estadual, ajustando-as à sua realidade local.

253 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 101.

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417Organização do Estado brasileiro

254 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 623.

Na lembrança de José Afonso da Silva, “certamente, competirá aos Municípios legislar supletivamente sobre: a) proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; b) responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico local; c) educação, cultura, ensino e saúde no que tange à prestação desses serviços no âmbito local, e; d) direito urbanístico local etc”.254

10.3.3. Competências materiais exclusivas

Previstas nos demais incisos do art. 30 da Carta Política (III a IX), tratam-se de assuntos que devem estar contem-plados pela atividade administrativa municipal em virtude da presença de interesse específico da comunidade local em matérias como a manutenção de programas de educa-ção pré-escolar e de ensino fundamental (inciso VI), ou de prestação de serviços de atendimento à saúde da população (inciso VII), ou, ainda, de promoção do adequado ordena-mento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inciso VIII), entre outros.

10.3.4. Competências materiais comuns

Conforme já nos referimos quando do estudo das compe-tências da União, o art. 23 da Constituição Federal traz o rol das competências materiais comuns entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Assim, reportamos o leitor ao respectivo item no qual, inclusive, transcrevemos o rol das mencionadas competên-cias.

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418 Curso de Direito Constitucional

10.3.5. Competências tributárias

As competências tributárias comuns, previstas no art. 145 da Constituição Federal – igualmente já investigadas – as-seguram à União, Estados-membros, Distrito Federal e Muni-cípios a competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Além delas, os Municípios dispõem de competências tributárias expressas sobre impostos, conforme referido no inciso III do art. 30, e veiculadas no art. 156 da Constituição Federal.

Tal dispositivo outorga-lhes competência para instituir impostos sobre: a) propriedade predial e territorial urbana; b) transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de di-reitos a sua aquisição, e; c) serviços de qualquer natureza, não compreendidos no inciso II do art. 155 (prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior), definidos em lei complementar.

10.4. Competências do Distrito Federal

O parágrafo 1º do art. 32 da Constituição da República re-serva ao Distrito Federal as competências legislativas atribuí-das aos Estados e Municípios.

Fizeram o mesmo os artigos 147, que atribuiu ao Distrito Federal a competência para instituir os impostos municipais, e o 155, que versa sobre a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal.

Todavia, faz-se importante uma ressalva: o Distrito Fe-deral é ente que possui características especiais e, mes-mo tendo-lhe sido atribuídas as competências dos Estados e dos Municípios, tal regra não se apresenta absoluta, pois,

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419Organização do Estado brasileiro

em algumas situações, a Constituição Federal retira parte de sua autonomia, transferindo-a à União. É o que faz quando confere à União competência para organizar e manter seu Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública (inciso XIII do art. 21), além de legislar sobre esses assun-tos (inciso XVII, do art. 22), bem como organizar e manter sua polícia civil, militar e corpo de bombeiro militar (inci-so XIV do art. 21).

11. INTERVENÇÃO

A intervenção é um procedimento encontrado exclusiva-mente em Estados federados, que se apresenta como medida extremamente grave, só tendo lugar em situações que possam levar à desestabilização das instituições democráticas ou que representem grave ameaça à indissolubilidade do pacto fede-rativo.

Tanto é assim que a Constituição Federal, em seus arti-gos 34 e 35, estabelece claramente a regra de não-intervenção, autorizando-a apenas na ocorrência de situações previamente determinadas.

Conforme já mencionamos, a necessidade de previsão constitucional expressa e o rol taxativo de hipóteses que autori-zam a medida denotam claramente a inexistência de hierarquia entre os entes da Federação, sendo a intervenção um dos mais importantes mecanismos de autodefesa do pacto federativo.

11.1. Intervenção federal

O art. 34 da Constituição Federal contempla as hipóteses de intervenção nos Estados e no Distrito Federal.

Celso Ribeiro Bastos, analisando as hipóteses justificado-ras da intervenção federal, afirma que “a regra é a não interven-ção. A intervenção é medida excepcional de defesa do Estado federal e de proteção às unidades federadas que o integram. É instituto essencial do sistema federativo e é exercido em função

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420 Curso de Direito Constitucional

da integridade nacional e da tranqüilidade pública. A interven-ção é autorizada para repelir invasão estrangeira e para impedir que o mau uso da autonomia pelos Estados-membros resulte na invasão de um Estado em outro, na perturbação da ordem, na corrupção do Poder Público estadual, no desrespeito da au-tonomia municipal”255.

Vejamos, pois, o elenco de hipóteses autorizadoras da inter-venção federal, a partir da transcrição do Texto Constitucional:

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I – manter a integridade nacional; II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da

Federação em outra;III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pú-

blica;IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas

unidades da Federação;V – reorganizar as finanças da unidade da Federação

que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de

dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fi-

xadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI – prover a execução de Lei Federal, ordem ou decisão judicial;

VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime de-mocrático;

255 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 318.

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421Organização do Estado brasileiro

b) direitos da pessoa humana;c) autonomia municipal;d) prestação de contas da administração pública, direta e

indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de im-

postos estaduais, compreendida a proveniente de transferên-cias, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.

11.1.1. Procedimento da intervenção

As regras de efetivação da intervenção federal vêm insculpi-das no art. 36 da Constituição Federal que, em seu parágrafo 1º, estabelece a instrumentalização por meio de decreto editado pelo Presidente da República, especificando a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor.

Note-se que, antes da edição do decreto, exige-se do Pre-sidente da República a oitiva do Conselho da República, nos termos do inciso I do art. 90 da Constituição da República. Após editado deve, ainda, ser submetido à apreciação do Congresso Nacional no prazo de vinte e quatro horas.

Estando o Congresso Nacional em recesso, far-se-á con-vocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro ho-ras, consoante dispõe o parágrafo 2º do mesmo dispositivo.

Nas hipóteses dos incisos VI e VII, quais sejam, provimen-to da execução de Lei Federal, ordem ou decisão judicial e as-segurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis, fica dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional, em vir-tude da simples determinação de sustação do ato impugnado pelo decreto, e da conseqüente desnecessidade de nomeação de interventor.

Finalmente, dispõe o parágrafo 4º do art. 36 da Consti-tuição de 1988 que, “cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal”.

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422 Curso de Direito Constitucional

11.1.2. Requisitos da intervenção

É importante ressaltar que não estão todas as hipóteses de intervenção federal sujeitas, exclusivamente, ao alvitre do Presidente da República. Assim, em algumas situações não é suficiente a edição do decreto por parte do Chefe do Executivo, fazendo-se necessária a requisição ou o provimento por parte de outras autoridades constitucionais.

Tais situações vêm previstas no art. 36 da Constituição Fe-deral, que arrola as seguintes exigências: a) no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo co-acto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário; b) no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral, e; c) de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da Re-pública, na hipótese do inciso VII do art. 34, e no caso de recusa à execução de lei federal.

A Emenda Constitucional nº 45/04 revogou o inciso IV do art. 36 da Constituição Federal que exigia provimento, pelo Su-perior Tribunal de Justiça, de representação do Procurador-Ge-ral da República, no caso de recusa à execução de Lei Federal, transferindo a prerrogativa para o Supremo Tribunal Federal.

11.2. Intervenção nos Municípios

O art. 35 da Carta Política, por sua vez, veicula as hipóte-ses de intervenção nos Municípios. Assim, a medida será rea-lizada pelos Estados em seus Municípios, ou pela União, nos Municípios situados em Território Federal.

O rol de hipóteses apresenta-se mais restrito por não abar-car, obviamente, situações que envolvam a soberania nacional, como se vislumbra nos primeiros incisos justificadores de inter-venção federal nos Estados-membros.

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423Organização do Estado brasileiro

Dessa forma, a intervenção em Municípios ficará restrita às seguintes hipóteses: a) deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; b) não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; c) não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvol-vimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde, e; d) o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegu-rar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

11.2.1. Procedimento da intervenção

As regras de efetivação da intervenção em Municípios são as mesmas aplicáveis à intervenção federal, insculpidas no art. 36 da Constituição Federal que, em seu parágrafo 1º, estabele-ce a instrumentalização por meio de decreto editado pelo Chefe do Executivo que, nesse caso, será o Presidente da República nas circunstâncias de intervenção em Municípios situados em Territórios Federais, ou o Governador do Estado, nas interven-ções a serem realizadas em seus Municípios.

Da mesma forma, o decreto especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor.

Tem-se entendido não ser necessário que o Presidente da República, nos casos de intervenção em Municípios situados no Território, ouça o Conselho da República, embora o inciso I do art. 90 da Constituição da República o preveja nas hipóteses de “intervenção federal”. Por certo, quis o constituinte referir-se às hipóteses de intervenção federal nos Estados, diante da gra-vidade da medida.

Após editado o decreto, deve-se submetê-lo à apreciação da Assembléia Legislativa ou do Congresso Nacional, no prazo de vinte e quatro horas.

Estando a Assembléia Legislativa ou o Congresso Nacio-nal em recesso, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo

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424 Curso de Direito Constitucional

prazo de vinte e quatro horas, consoante dispõe o parágrafo 2º do mesmo dispositivo.

Na hipótese do inciso IV, vale dizer, provimento pelo Tribu-nal de Justiça de representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial, fica dispen-sada a apreciação pela Assembléia Legislativa ou Congresso Nacional, em virtude da simples determinação de sustação do ato impugnado pelo decreto, e da conseqüente desnecessida-de de nomear-se um interventor.

Também aplica-se à hipótese, o parágrafo 4º do art. 36 da Constituição de 1988, que determina o retorno das autoridades afastadas a seus cargos, salvo impedimento legal.

11.2.2. Requisitos da intervenção

Assim como ocorre com a intervenção federal, a interven-ção em Municípios não está sujeita, exclusivamente, a um ato do Chefe do Executivo estadual ou federal.

Tal situação vem prevista no art. 36 da Constituição Federal, restringindo-se, ao caso, a hipótese de desobediência à ordem ou decisão judicial, situação na qual a intervenção dependerá de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribu-nal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral.

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Capítulo XII

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. INTRODUÇÃO

A expressão “Administração Pública”, como muitas outras em Direito, pode ser entendida em sentido amplo (lato sensu) ou em sentido estrito (stricto sensu).

Em sentido amplo, pretende designar tanto os atos polí-ticos ou de governo, quanto aqueles praticados no exercício das atividades gerenciais do Estado.

Os atos políticos ou de governo, praticados no exercício da função política, estão sujeitos a regime jurídico-constitucio-nal, por comporem a Administração Pública em sentido lato, apresentando-se, outrossim, como objeto de estudo do Direito Constitucional e da Ciência Política.

A Administração Pública em sentido estrito, por sua vez, é objeto de estudo do Direito Administrativo, encerrando apenas a noção de atividade administrativa-gerencial do Estado (e não administrativa e política), compreendendo as três ordens de funções estatais, quais sejam, executiva, legislativa e judi-ciária, incidente sobre o pessoal administrativo, os órgãos e os serviços estatais. Destarte, podemos afirmar que, em sentido estrito, a Administração Pública refere-se indistintamente ao

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426 Curso de Direito Constitucional

Poder Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário, e não somente ao Executivo.

As regras fundamentais acerca da Administração Pú-blica brasileira vêm previstas no Capítulo VII do Título III da Constituição Federal de 1988, que comporta os artigos 37 a 43.

Neste capítulo, limitaremo-nos a traçar as diretrizes cons-titucionais gerais sobre a Administração Pública pátria, repor-tando o leitor ao nosso Curso de Direito Administrativo, dessa mesma editora, para considerações mais aprofundadas, bem como sobre temas específicos do regime jurídico-administra-tivo.

2. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA BRASILEIRA

Para desempenhar as funções para as quais foi concebido, o Estado brasileiro comporta quatro ordens de pessoas políti-cas, quais sejam, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios.

A cada um desses entes corresponde a abrangência so-bre uma determinada faixa de território, dentro da qual exer-cem as atribuições que lhes foram conferidas pela Constitui-ção Federal. Nem o fato dessa faixa de território, por vezes, ser a mesma (isso porque a União possui abrangência sobre todo o território nacional, o que coincide com o território dos Estados e dos Municípios) é capaz de alterar ou interferir no desempenho das “tarefas” constitucionalmente designadas a cada um.

A Administração Pública Direta ou Centralizada é exer-cida pelas quatro ordens de entes políticos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), que exercem as prer-rogativas que lhes foram constitucionalmente atribuídas direta-mente por meio de seus órgãos, que consistem em unidades internas da estruturação administrativa.

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2.1. Centralização e descentralização

As atividades gerenciais a serem desempenhadas pelo Estado não comportam, exclusivamente, a forma de execução direta, acima mencionada.

A Constituição Federal, no inciso XIX de seu art. 37, faculta aos entes políticos desempenhá-las de maneira indireta, por meio de entidades criadas para tanto, que irão compor a deno-minada Administração Pública indireta. A tal fenômeno dá-se o nome de descentralização.

Diferentemente do que ocorre com os entes da Admi-nistração Direta, que possuem natureza política, as enti-dades da Administração indireta possuem natureza admi-nistrativa.

Nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, “na cen-tralização o Estado atua diretamente por meio dos seus órgãos, isto é, das unidades que são simples repartições interiores de sua pessoa e que por isto dele não se distin-guem. Consistem, portanto, em meras distribuições internas de plexos de competência, ou seja, em ‘desconcentrações’ administrativas. Na descentralização o Estado atua indire-tamente, pois o faz através de outras pessoas, seres juridi-camente distintos dele, ainda quando sejam criaturas suas e por isto mesmo se constituam, como ao diante se verá, em parcelas personalizadas da totalidade do aparelho adminis-trativo”256 (grifos nossos).

Lúcia Valle Figueiredo lembra-nos que “há descentrali-zação administrativa quando, por lei, determinadas com-petências são transferidas a outras pessoas jurídicas, destacadas do centro, que podem ser estruturadas à manei-ra do Direito Público (autarquias e fundações de Direito Públi-co), ou estruturadas sob forma de Direito Privado (empresas

256 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 324.

Administração Pública

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428 Curso de Direito Constitucional

públicas e sociedades de economia mista), sem embargo de não se submeterem inteiramente a esse regime jurídico”257

(grifos no original).Notem que no caso de descentralização administrativa

sempre haverá a necessidade da existência de duas pessoas jurídicas: a que detém a competência por designação consti-tucional e aquel’outra que recebe as atribuições para, em seu nome, realizá-las.

2.2. Desconcentração administrativa

A desconcentração consiste na distribuição das prerroga-tivas que determinado ente político possui (sempre, insistimos, extraídas da Constituição Federal) por meio dos variados órgãos que a estrutura administrativa de um ente da federação compor-ta. Com tal medida pretende-se descongestionar, tirando do foco central da Administração um volume grande de atribuições, que será melhor equacionado se realizado de forma paralela.

A desconcentração, pois, difere-se da descentralização, que pressupõe a existência de ao menos duas pessoas jurídicas, na medida em que se relaciona com a distribuição hierárquica das atribuições dentro da própria administração centralizada.

Lucia Valle Figueiredo oferece-nos um rol contendo as es-pécies de desconcentração:

“Na desconcentração não há criação de outras pessoas, mas sim atribuição de determinadas competências a serem exercidas no âmbito da mesma pessoa.

E na desconcentração, como o nome está a sugerir, tras-passam-se atribuições, competências, a outros órgãos dentro do mesmo centro.

A desconcentração pode ser geográfica ou territorial. É dizer, os serviços serão exercidos desconcentradamente, por

257 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 75.

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429Administração Pública

órgãos territorialmente espalhados. Como exemplo da descon-centração geográfica podemos citar as administrações regio-nais da Prefeitura de São Paulo, ou os serviços de saúde, de competência da União, exercidos em vários pontos do território nacional.

Pode-se dar a desconcentração por matéria. Exemplos tí-picos serão os Ministérios da Administração Federal, ou, então as Secretarias Estaduais ou Municipais.

Ainda, a desconcentração pode se dar estribada na hierar-quia, tal seja, na distribuição interna decisória: a desconcen-tração por grau. Determinadas matérias ficam afetas deciso-riamente a certas autoridades de escalão superior, descendo-se de grau em grau (departamentos, divisões, unidades, etc.)

Desnecessário afirmar-se que na descentralização tam-bém há, ou pode haver, desconcentração. Sirva de exemplo o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em que se encontra a desconcentração geográfica, de matéria e de grau”258 (grifos nossos).

2.3. Administração indireta

Como vimos, a Administração Direta é constituída pelos próprios governos das pessoas políticas, quais sejam, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios.

Resta-nos, destarte, proceder a análise do que seja a de-nominada Administração Indireta. Trata-se de uma ordem de entidades possuidoras de personalidade jurídica própria, cria-das com o objetivo de atingir determinadas finalidades de ordem pública. São elas: as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas.

Embora tenham sido criadas com vista à sua aplicação pela União (como vimos, por meio de um Decreto-Lei), tais figuras ajus-

258 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 75-6.

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430 Curso de Direito Constitucional

tam-se perfeitamente às demais esferas de poder federal, apre-sentando-se, quase que de maneira idêntica, na organização ad-ministrativa dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

2.3.1. Autarquias

Sinteticamente, podemos definir autarquias como sendo entidades com personalidade jurídica de Direito público, cria-das com a finalidade de realizar atividades tipicamente esta-tais destacadas da Administração Direta.

Segundo definição utilizada pelo Decreto-lei nº 200/67, as autarquias são consideradas “serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que re-queiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.

Como bem observa Celso Antônio Bandeira de Mello, tal definição apresenta-se inadequada por não permitir “ao intér-prete identificar quando a figura legalmente instaurada tem ou não natureza autárquica, pois deixou de fazer menção ao único traço que interessaria referir: a personalidade jurídica de Direito Público. Exatamente por serem pessoas de Direito Público é que as autarquias podem ser titulares de interesses públicos, ao contrário de empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais, sendo pessoas de Direito Privado, podem ape-nas receber qualificação para o exercício de atividades públi-cas; não, porém, para titularizar as atividades públicas”259.

As autarquias são, portanto, pessoas jurídicas, gozando de autonomia administrativa nos termos fixados pela lei que as institui, não sendo subordinadas a nenhum órgão do Estado, mas tão-somente estando sujeitas à fiscalização por parte do mesmo. Possuem competência e recursos financeiros próprios

259 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 130.

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431Administração Pública

(apesar de oriundos da pessoa jurídica de direito constitucional interno que as cria), o que nos autoriza a afirmar que gozam de autonomia jurídica e administrativa.

São exemplos de autarquias: INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social, DNER – Departamento Nacional de Estra-das de Rodagem e Bacen – Banco Central do Brasil.

2.3.1.1. Criação, extinção e responsabilidade

Conforme dicção expressa do inciso XIX do art. 37 da Cons-tituição Federal, as autarquias, diferentemente do que ocorre com as demais entidades da Administração Indireta, são cria-das e extintas por lei (as outras, que não possuem natureza autárquica, têm sua criação “autorizada por lei”) de sorte que apenas à Casa Legislativa pertencente ao ente federativo do qual esta fará parte é dada competência para realizar sua criação e, conseqüentemente, sua extinção.

Daí as lições precisas de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem, “na mesma linha e pelos mesmos fundamentos, doutrina e jurisprudência sempre consideraram, outrossim, que quaisquer pleitos administrativos ou judiciais, decorrentes de atos que lhes fossem imputáveis, perante elas mesmas ou contra elas teriam de ser propostos – e não contra o Estado. Disto se segue igualmente que, perante terceiros, as autarquias são respon-sáveis pelos próprios atos. A responsabilidade do Estado, em relação a eles, é apenas subsidiária. Finalmente, uma vez que lei crie uma dada entidade autárquica, o só fato de fazê-lo já implica, de per si, que a atividade que lhe seja cometida passe, ipso facto, a ser qualificada como típica da Administração Públi-ca e como tal terá de ser havida, se antes já não o fosse”260.

Ainda sobre a responsabilidade das autarquias por comporta-mentos que lesem terceiros, resta importante salientar que respon-

260 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 132.

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432 Curso de Direito Constitucional

dem da mesma maneira pela qual responde o Estado. A responsa-bilidade civil do Estado e dos prestadores de serviços públicos está insculpida no parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal. É im-portante ressaltar que, em caso de exaustão de seus recursos, per-manece a responsabilidade civil da pessoa política que as criou.

2.3.1.2. Controle

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, “todas as entidades da Administração indireta encontram-se sujeitas à supervisão da Presidência da República ou do Ministro a cuja Pasta estejam vinculadas. Este último a desempenha auxiliado pelos órgãos superiores do Ministério.

São objetivos deste controle ou ‘supervisão’ assegurar o cumprimento dos objetivos fixados em seu ato de criação; harmonizar sua atuação com a política e programação do Governo no correspondente setor de atividade; zelar pela obtenção de eficiência administrativa e pelo asseguramento de sua autonomia administrativa, operacional e financeira.

Para cumprir tais propósitos é de alçada ministerial designar os dirigentes da entidade; receber sistematicamente relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que lhe permitam acompanhar as atividades da entidade e a execução de seu or-çamento-programa, bem como da programação financeira apro-vada pelo Governo; aprovar-lhe a proposta de orçamento-pro-grama e programação financeira; aprovar balanços, balancetes e relatórios; fixar as despesas de pessoal e de administração; fixar critérios para gastos de publicidade e divulgação; realizar auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade; e, finalmente, nela efetivar intervenção, caso o interesse público o requeira (art. 26 do Decreto-lei 200)”261 (grifos nossos).

261 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 134.

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433Administração Pública

2.3.1.3. Conselhos de fiscalização de profissões

A Lei Federal nº 9.649, de 27 de maio de 1998, editada com a finalidade de reorganizar a Administração Pública Fe-deral, atribuiu aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, em seu art. 58, a personalidade jurídica de direito privado, dispondo que tal atividade, a partir de então, far-se-ia por intermédio de uma delegação do Poder Público.

É sabido que tais entidades (como a Ordem dos Advoga-dos do Brasil, os Conselhos Federais de Medicina, Odontologia, Farmácia, Engenharia, entre outros) possuem prerrogativas de polícia administrativa, inerentes a estes poderes de fiscaliza-ção. Além disso, possuem também capacidade tributária ativa, além da prerrogativa de adotar medidas punitivas em face de profissionais que cometam infrações.

É antiga a discussão na dogmática administrativista acerca da possibilidade de delegar-se poder de polícia administrativa para o exercício por entidades privadas, vale dizer, particulares, ainda que paraestatais.

A partir desses fundamentos, o presidente do Partido Co-munista do Brasil propôs uma Ação Direta de Inconstitucio-nalidade, (ADIn nº 1.717-DF) objetivando a declaração da in-constitucionalidade do art. 59 da Lei Federal em exame.

Apreciado o pedido de medida cautelar pelo Tribunal Ple-no, em 22 de setembro de 1999, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio de relatório da lavra do Ministro Sydney San-ches, houve por bem deferi-lo, para suspender a aplicabilida-de do referido dispositivo até o julgamento final de mérito, mantendo-se apenas o parágrafo 3º do art. 59, cuja apreciação fora prejudicada em razão das alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 19, de junho de 1998.

Do relatório, destaque-se a seguinte passagem: “Com efei-to, não parece possível, a um primeiro exame, em face do or-denamento constitucional, mediante a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e

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434 Curso de Direito Constitucional

175 da C.F., a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que tange ao exercício de atividades profissio-nais”.

No mesmo sentido já havia sido o entendimento do Ministro Carlos Velloso, proferido no julgamento do Mandado de Segu-rança nº 21.797-9-RJ, julgado em 11 de abril de 1996, segundo o qual “é estatal a atividade de fiscalização do exercício profis-sional (CF, art. 5º, XIII; art. 21, XXIV; art. 22, XVI). Daí a afirmati-va, que é correta, no sentido de que as entidades fiscalizadoras do exercício profissional ‘exercem funções tipicamente públicas e, por esta razão, regem-se pelas regras de direito público’”.

Finalmente, em 7 de novembro de 2002, julgando o mé-rito da ADIn nº 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão entendendo que os conselhos de fiscalização das profissões regulamentadas possuem natureza autárquica.

Destarte, dúvidas não há de que, assim como as demais entidades da Administração Pública indireta, esses conselhos encontram-se sujeitos ao regime jurídico licitatório.

2.3.1.4. Outros aspectos

Com relação aos bens das autarquias, vigora a impossibi-lidade de execução sobre eles, por serem considerados bens públicos, e se encontrarem sob a égide da legislação que proí-be a alienação (salvo cumpridas as exigências de autorização legislativa, avaliação prévia e, como regra, licitação, dispostas no art. 17 da Lei nº 8.666/93), o usucapião e a gravação de ônus reais.

O regime de pessoal é o mesmo que se aplica aos servi-dores da Administração direta, desde a edição da Lei Federal nº 8.112/90, que veio a atender aos reclamos do art. 39 da Cons-tituição Federal. A partir da Emenda Constitucional 19, no entanto, assistiu-se à alteração do art. 39 da Carta Magna, não mais exis-tindo a imposição do “Regime Jurídico Único”, ficando a matéria

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435Administração Pública

sujeita à regulamentação por legislação infraconstitucional (atual-mente, a Lei Federal nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000).

Aplica-se, ainda, às autarquias, instituto simétrico à imuni-dade recíproca a impostos sobre patrimônio, renda e serviços, que vigora entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, previsto na alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição da República. Por força do que dispõe o parágrafo 2º do mesmo dispositivo constitucional, a imunidade, no caso das autarquias, só se aplica aos bens diretamente vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

A prescrição de suas dívidas, em regra, é qüinqüenal, conforme dicção expressa do Lei Federal nº 4.597/42, além de seus procuradores deterem as mesmas prerrogativas proces-suais aplicáveis aos representantes dos entes da Administra-ção direta, como prazos em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, previstos no art. 10 da Lei Federal nº 9.469/97. Estão, ainda, dispensados da juntada do instrumento de mandato (“procuração”), conforme dispõe o art. 9º desta lei.

2.3.2. Fundações públicas

As fundações podem ser conceituadas como pessoas ju-rídicas de Direito Público ou Privado, criadas a partir da des-tinação de um patrimônio, e que têm por objetivo atender a uma determinada finalidade considerada relevante por seu fundador, sendo dirigidas por administradores ou curadores, conforme determinem seus estatutos.

O Decreto-lei nº 200/67 – com as posteriores alterações in-troduzidas pela Lei Federal nº 7.596/87 – define fundação públi-ca como “a entidade dotada de personalidade jurídica de Direi-to Privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exi-jam execução por órgãos ou entidades de Direito Público, com autonomia administrativa, patrimônio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”.

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436 Curso de Direito Constitucional

262 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 160-4.

263 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 371.

São exemplos de fundações públicas: Funai – Fundação Nacional do Índio e UnB – Universidade de Brasília.

Celso Antônio Bandeira de Mello refuta de forma veemente a afirmação legal de que as fundações são pessoas jurídicas com personalidade de Direito Privado, afirmando que só podem existir fundações assujeitadas ao regime jurídico de Direito Pú-blico262.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, porém, discorda desse en-tendimento, alegando, em síntese, que o poder público, ao instituir fundação, pode atribuir-lhe personalidade de Direi-to Público ou de Direito Privado, argüindo a viabilidade de se aplicar, no direito público, a distinção mencionada pelo Código Civil263.

Com a devida vênia de Celso Antônio Bandeira de Mello, cremos que a razão encontra-se com a professora da Universi-dade de São Paulo.

Não é verdade que o Texto Constitucional tenha reconhe-cido expressamente as fundações públicas como entidades ju-rídicas assujeitadas ao regime jurídico do Direito Público. Em-bora tenha se utilizado deste regime no capítulo pertinente à Administração Pública, ao controle pelo Tribunal de Contas, ao orçamento, entre tantos outros, em nenhum momento do Texto Constitucional encontramos fundamento jurídico para a tese de que apenas poderão existir fundações sujeitas ao regime do Direito Público.

Ademais, em pelo menos um aspecto a Constituição Fe-deral contraria a tese de Bandeira de Mello: a criação de fun-dações públicas é autorizada por lei, assim como a das em-presas estatais, que possuem, claramente, o regime jurídico de direito privado. As autarquias, que possuem regime jurídico de

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437Administração Pública

direito público, são criadas por lei. Note-se aí o caráter híbri-do (público e privado) dessas entidades administrativas.

Destarte, as fundações a que se referiam os arts. 24 a 30 do Código Civil de 1916, atualmente disciplinadas nos arts. 62 a 69 do Código atual, continuam a existir264. Estão quase sem-pre voltadas a seus próprios interesses e com a possibilidade de remunerarem-se pela prestação de seus serviços, detendo liberdade, inclusive, para determinarem sua própria extinção. As fundações públicas com regime jurídico público, instituídas pela Administração Pública, destinam-se, essencialmente, à realiza-ção de atividades essenciais e de interesse dos administrados, e estão impossibilitadas de extinguirem-se por vontade própria.

Recomendamos, assim, a adoção desse posicionamen-to tradicional e predominante de fundações públicas, que as classifica em fundações públicas sob regime jurídico de Direito Público e fundações públicas sob regime jurídico de Direito Pri-vado, com as características acima delineadas.

As fundações públicas com regime jurídico de Direito Público, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal em decisão prolatada no julgamento do “Conflito de Jurisdição” nº 6.728-3, do qual era parte a Funcep – Fundação Centro de Formação do Servidor Público, estão sujeitas ao mesmo trata-mento imposto às autarquias265. Já aquelas que possuem regi-me jurídico de Direito Privado sujeitam-se às regras impostas pela legislação às entidades da iniciativa privada, salvo dispo-sições constitucionais expressas em contrário. Seu regime, ain-

264 Note-se que Hely Lopes Meirelles e Manoel de Oliveira Sobrinho, em posição diametralmente oposta a tudo aquilo que dissemos até então, apenas admitiam a fundação como entidade jurídica de Direito Priva-do, isto é, instituída e organizada segundo as regras dos arts. 24 a 30 do Código Civil de 1916, tecendo profundas críticas à postura adotada pela Constituição Federal de 1988.

Cf: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

265 Neste sentido, ainda, c.f.: RDA 160/85, 161/50 e 171/124.

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438 Curso de Direito Constitucional

da, será muito parecido aquele aplicado às empresas estatais, diferenciando-se, fundamentalmente, em virtude da finalidade lucrativa destas últimas.

2.3.3. Empresas públicas

As empresas públicas possuem personalidade jurídica de Direito Privado, sendo, porém, integralmente constituídas com capital público, e que têm por finalidade a exploração de atividades econômicas ou a prestação de serviços públicos.

Diógenes Gasparini conceitua empresa pública como sen-do “a sociedade mercantil-industrial, constituída mediante au-torização de lei e essencialmente sob a égide do Direito Pri-vado, com capital exclusivamente da Administração Pública ou composto, em sua maior parte, de recursos dela advindos e de entidades governamentais, destinada a realizar imperativos da segurança nacional e relevantes interesses da comunidade”266.

São exemplos de empresas públicas: ECT – Empresa Brasi-leira de Correios e Telégrafos e Caixa – Caixa Econômica Federal.

O Decreto-Lei nº 200/67, com a redação que lhe deu o De-creto-lei nº 900, conceitua empresa pública como “a entidade dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, com patri-mônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência adminis-trativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em Direito”.

Celso Antônio Bandeira de Mello anota: “Ocorre, que este mesmo Decreto-Lei 900, em outro artigo – e que não se fez integrante do corpo do Decreto-Lei 200 –, alude a composições de capitais em empresas federais que implicam alterar a noção

266 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 263.

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439Administração Pública

que acabara de formular no art. 1º. De fato, seu art. 5º estatui: ‘Desde que a maioria do capital votante permaneça de proprie-dade da União, será admitida, no capital de empresa pública (art. 5º, II, do Decreto-Lei 200, de 25.2.67), a participação de outras pessoas jurídicas de Direito Público interno, bem como de entidades da Administração indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios’. Assim, fica visível que, ao contrá-rio da definição com tanta incompetência formulada pelo ‘legis-lador’ do Executivo, empresas públicas não são apenas as que se constituem de capital ‘integralmente da União’”267.

2.3.4. Sociedades de economia mista

As sociedades de economia mista são empresas – como o próprio nome já deixa antever – constituídas por capitais público e privado, com administração pública e personalidade jurídica de Direito Privado.

Na mesma linha de raciocínio que desenvolve quando do estudo das empresas públicas, Diógenes Gasparini define as sociedades de economia mista como “a sociedade mercantil-industrial cuja instituição, autorizada por lei, faz-se, essencial-mente, sob a égide do Direito Privado, com recursos públicos e particulares, para a realização de imperativos necessários à se-gurança nacional e de interesses relevantes da comunidade”268.

São exemplos de sociedades de economia mista: BB – Banco do Brasil e Petrobrás – Petróleo Brasileiro S.A.

Novamente a definição proposta pelo Decreto-Lei nº 200/67, com a alteração posterior que lhe conferiu o Decreto-Lei nº 900, não é capaz de oferecer-nos um conceito coerente do que seja a sociedade de economia mista. Estabelece ele, em seu art. 5º,

267 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 145.

268 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Sarai-va, 2001. p. 271.

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440 Curso de Direito Constitucional

que se trata da “entidade dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a en-tidade da Administração indireta”.

Tal conceito não trata da origem dos capitais formadores desta modalidade de empresa estatal o que – assim como o que se verifica com o conceito de empresas públicas – acaba por dar margem a inúmeras confusões. Destarte, deveria o dispositivo legal ter se referido ao fato de que, na sociedade de economia mista há a conjugação de capitais de pessoas governamentais com capitais particulares, o que não ocorre na empresa pública.

Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta, ainda, que “no texto normativo em causa a voz ‘exploração de atividade eco-nômica’ não traz consigo a carga conotativa e denotativa que a Constituição brasileira lhe atribui e que já lhes era atribuída pelo Texto Constitucional anterior. Há inúmeras sociedades de eco-nomia mista, e da mais súbita importância, que são prestadoras de serviços públicos e não de atividades caracterizáveis como pertinentes à ‘esfera econômica’ no sentido que a Lei Magna atribui a esta expressão. Valha como exemplo a Telecomunica-ções Brasileiras S/A (Telebrás), dantes coordenadora deste setor no País e exercente de atividade que, anteriormente, pelo Texto Constitucional, só podia ser prestada diretamente pela União ou concedida a empresa sob controle acionário estatal”269.

2.3.5. Semelhanças e diferenças existentes entre empre-sas públicas e sociedades de economia mista

Como vimos, são grandes as semelhanças existentes en-tre empresas públicas e sociedades de economia mista, daí serem consideradas como espécies, do gênero “empresas es-tatais”. Entre as principais semelhanças, podemos apontar: a)

269 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 150.

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têm criação autorizada por lei; b) têm por finalidade a exploração de atividades econômicas ou a prestação de serviços públicos; c) possuem regime jurídico de direito privado; d) seu pessoal é composto por “empregados públicos” ou “agentes temporários”, sendo regidos pela CLT; e) estão obrigadas a realizar licitação para suas atividades “meio”, e dispensadas para as atividades “fins”, e; f) não podem gozar de privilégios fiscais específicos, sob pena de ofensa ao primado da livre iniciativa.

Existem, porém, importantes diferenças entre essas duas categorias de empresas estatais, a saber: a) o capital das em-presas públicas é constituído exclusivamente por recursos oriun-dos de entes das administrações públicas direta ou indireta de qualquer das esferas estatais, enquanto que na sociedade de economia mista há a participação de particulares na formação do capital, não obstante o controle acionário mantenha-se nas mãos do ente público, que deterá a maioria do capital votante; b) enquanto as empresas públicas podem adotar qualquer for-ma admitida em Direito, inclusive a de sociedade unipessoal, pre-vista exclusivamente para ela, a sociedade de economia mista será estruturada sempre somo sociedade anônima, nos termos dos incisos II e III do art. 5º do Decreto-Lei nº 200/67, e; c) as ações nas quais as empresas públicas sejam partes serão pro-cessadas e julgadas na Justiça Federal, ao passo que os feitos que envolvam as sociedades de economia mista tramitarão na Justiça Comum, ressalvado, em ambos os casos, a competên-cia da Justiça do Trabalho.

2.3.5.1. Falência

A possibilidade de falência das empresas públicas e socie-dades de economia mista há muito vem sendo objeto de con-trovérsia doutrinária. Nunca houve uma lei que tratasse clara-mente do tema, o que faz com que o debate se trave a partir de dispositivos constitucionais ou do uso da analogia.

A Lei Federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, edi-tada com o objetivo de disciplinar as sociedades anônimas, proibia a falência das sociedades de economia mista. Como

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442 Curso de Direito Constitucional

se sabe, as empresas públicas podem adotar qualquer forma admitida em Direito, ao passo que as sociedades de economia devem ser sempre estruturadas como S.A., daí a razão da in-clusão do mencionado dispositivo.

Em seu art. 242, a Lei das Sociedades Anônimas determi-nava que “as companhias de economia mista não estão sujei-tas à falência, mas os seus bens são penhoráveis e executá-veis, e a pessoa jurídica que a controla responde, subsidiaria-mente, pelas suas obrigações”. A Lei Federal nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, no entanto, revogou este dispositivo.

Com a revogação do art. 242 da Lei Federal nº 6.404/76 passou-se a admitir a falência de sociedades de economia mista? E, em caso afirmativo, como ficaria a questão a partir de agora, com a edição da nova Lei de Falências (Lei Fe-deral nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) que prescreve, no inciso I de seu art. 2º, que “esta lei não se aplica à empresa pública e à sociedade de economia mista”?

A quase unanimidade da doutrina entende pela impossi-bilidade de falência das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, o que teria por fundamento o princípio da continuidade do serviço público e sua indispensabilidade para a vida em sociedade, argumen-tos com os quais concordamos.

O ponto de controvérsia diz respeito à falência das em-presas estatais exploradoras de atividades econômicas, e os argumentos favoráveis ou contrários à tese têm se baseado no art. 173 e parágrafos da Constituição Federal de 1988.

A maioria dos autores defende a possibilidade de falên-cia destas entidades, e se ampara, para isso, no inciso II do parágrafo 1º do art. 173, que as impõem “sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributário”. O primado da livre iniciativa e a impossibilidade de concorrên-cia desleal, aliados ao dispositivo constitucional que sujeita as empresas estatais ao regime próprio das empresas privadas,

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especialmente no que tange a direitos e obrigações comerciais, justificariam a tese270.

No entanto, a impossibilidade de falência das empresas pú-blicas e sociedades de economia mista, ao nosso ver, justifica-se a partir do caput do próprio art. 173 da Carta da República, que dispõe que “a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Dessa forma, a sujeição das empresas estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas de que trata o inciso II do parágrafo 1º do artigo 173, “inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributário”, deve ser analisada à luz do caput do dispositivo, que só justifica a criação dessas entidades em situações excepcionais.

Ademais, a “função social” das empresas estatais explo-radoras de atividades econômicas, prevista no inciso I do pa-rágrafo 1º desse artigo justifica o tratamento diferenciado.

É de se ressaltar que após a criação do Programa Nacional de Desestatização, instituído pela Lei Federal nº 8.031, de 12 de abril de 1990 e reestruturado pela Lei Federal nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, revogadora da primeira, que teve como um dos objetivos reordenar a posição estratégica do Estado na eco-nomia, transferindo à iniciativa privada atividades antes explora-das pelo setor público, é possível verificar uma drástica diminuição na quantidade de empresas estatais exploradoras de atividades econômicas, ajustando a situação ao preceito constitucional que prevê sua existência apenas quando necessário “aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”.

Cite-se, atualmente, como raros exemplos de empresas es-tatais exploradoras de atividades econômicas, na órbita federal,

270 Nesse sentido, cf.: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de di-reito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 151. CRE-TELLA JR., José. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 55.

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444 Curso de Direito Constitucional

a Petrobrás, que atua no setor de combustíveis, e a Imbel, na produção e comercialização de equipamentos bélicos. A grande maioria das empresas públicas e sociedades de economia mista, nessa esfera, são entidades prestadoras de serviços públicos.

Destarte, analisando o tema a partir da hermenêutica cons-titucional, que nos impõe o estudo do ordenamento jurídico-cons-titucional como algo sistêmico, e considerando que a existência dessas entidades, ao menos na órbita federal, restringe-se, de fato e de direito, a situações de relevante interesse público, entende-mos que as empresas públicas e as sociedades de economia mis-ta, sejam exploradoras de atividades econômicas ou prestadoras de serviços públicos, não estão sujeitas a regime falimentar.

2.3.5.2. Penhora de bens

Como corolário dos argumentos expostos, cremos estar auto-rizada a penhora de bens das empresas estatais prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividades econômicas, desde que não estejam diretamente relacionados ao desenvolvimento do serviço. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, admite a penhora no caso de empresas exploradoras de atividades econômicas.

Nesse sentido, cabe lembrar decisão prolatada por esta Corte, que se manifestou pela impossibilidade de penhora de bens pertencentes a ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pelos argumentos acima aduzidos271.

271 “CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: EXECUÇÃO: PRECATÓRIO. I. – Os bens da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, uma em-presa pública prestadora de serviço público, são impenhoráveis, por-que ela integra o conceito de fazenda pública. Compatibilidade, com a Constituição vigente, do D.L. 509, de 1969. Exigência do precatório: C.F., art. 100. II. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal: RREE 220.906-DF, 229.696-PE, 230.072-RS, 230.051-SP e 225.011-MG, Ple-nário, 16.11.2000. III. – R.E. conhecido e provido. Votação unânime. RE-220907 / RO. DJ 31-08-01” (grifos nossos).

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3. REFORMA ADMINISTRATIVA DE 1995, ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

3.1. Introdução

A Administração Pública brasileira assumiu nova feição a partir da edição do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, editado em novembro de 1995, com o objetivo de rever o posicionamento estratégico do Estado, bem como de definir objetivos e estabelecer diretrizes para a reforma da Ad-ministração Pública brasileira.

Trata-se da terceira grande reforma sofrida pela estrutura administrativa de nosso país.

A primeira reforma, conhecida por Reforma Burocrática, foi realizada em 1936, no primeiro governo de Getúlio Vargas, e implementada sob a liderança de Maurício Nabuco e Luiz Si-mões Lopes. Seu objetivo foi implementar e equipar um corpo burocrático clássico de agentes do Estado, a partir da concep-ção weberiana de Administração Pública. Nesta época assistiu-se à criação do Conselho Federal de Serviço Público Civil, que em 1938 passaria a receber a denominação de Departamento Administrativo de Serviço Público, o Dasp.

Outra importante reforma foi sistematizada pelo Decreto-Lei nº 200, de 5 de fevereiro de 1967. Idealizada por Hélio Bel-trão e comandada por Amaral Peixoto, apresentou-se como um primeiro esforço no sentido de diminuição da rigidez do modelo burocrático, sendo considerada como a primeira manifestação de Administração Pública gerencial no Brasil.

Luiz Carlos Bresser Pereira ensina que “toda a ênfase foi dada à descentralização mediante a autonomia da administra-ção indireta, a partir do pressuposto da rigidez da administra-ção direta e da maior eficiência da administração descentrali-zada. O Decreto-Lei promoveu a transferência das atividades de produção de bens e serviços para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, consa-grando e racionalizando uma situação que já se delineava na

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prática. Instituíram-se, como princípios de racionalidade admi-nistrativa, o planejamento e o orçamento, a descentralização e o controle dos resultados. Nas unidades descentralizadas foram utilizados empregados celetistas, submetidos ao regime privado de contratação de trabalho”272.

Como vimos, a possibilidade de contratação de empregados para as entidades da Administração indireta sem a realização de concurso público objetivava a melhoria da eficiência destas entidades. No entanto, as velhas práticas patrimonialistas res-surgiram e promoveram um verdadeiro inchaço das entidades descentralizadas. Além disso, o preconceito existente contra a Administração direta, que era tida como um corpo indolente e burocrático, impediu sua profissionalização, fazendo fracassar a tentativa de implementação da Administração gerencial.

Como reflexo da tentativa frustrada de reforma de 1967, os constituintes de 1988 retomaram os rigores da Administração Pública burocrática, por meio de institutos como a obrigatorie-dade de adoção de regime jurídico único e proibição de concur-sos internos. Contraditoriamente, como tributo à Administração patrimonialista, instituiu-se diversos privilégios nas aposenta-dorias dos servidores públicos e transformou-se, inconstitucio-nalmente, os antigos celetistas em estatutários.

Apenas com o evidente fracasso e percepção da inviabili-dade econômica do modelo burocrático é que se retoma a ten-tativa de construção de uma Administração Pública gerencial, que terá como pedra fundamental o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995.

3.2. A reforma administrativa de 1995

A reforma gerencial da Administração Pública brasileira está presente desde os primeiros momentos do governo

272 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Uma reforma gerencial da adminis-tração pública no Brasil. Administração pública gerencial: a reforma de 1995. Brasília: Editora Universidade de Brasília: ENAP, 1999. p. 26.

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Fernando Henrique Cardoso, instalado em janeiro de 1995, quando houve a transformação da antiga Secretaria da Admi-nistração Federal – SAF, em um novo Ministério, o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – Mare.

Além do Mare, comandado por Bresser Pereira, instala-se a Câmara da Reforma do Estado, uma instância interministerial deliberativa sobre os planos e projetos de implementação da reforma, e o Conselho de Reforma do Estado, integrado por representantes da sociedade civil.

O objetivo principal do Plano Diretor da Reforma do Apa-relho do Estado é possibilitar a evolução da cultura adminis-trativa burocrática, que estava excessivamente voltada para o procedimento, por meio de um excessivo controle da legalidade e do rito burocrático, para a implementação de um modelo de Administração Pública Gerencial, mais preocupada com os resultados.

Objetivou-se, também, focalizar a atuação do Estado no cidadão, por meio da melhoria da qualidade da prestação do serviço sob a perspectiva do usuário, criar mecanismos de prestação social de contas e avaliação de desempenho, e valorizar o servidor, considerado a âncora do processo de construção coletiva desse novo paradigma administrativo.

Essa filosofia deflui claramente das palavras do então Presidente Fernando Henrique Cardoso que, ao apresentar o Plano Diretor da Reforma do Estado, em novembro de 1995, afirmou:

“É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de ‘gerencial’, base-ada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar o cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna ‘clien-te privilegiado’ dos serviços prestados pelo Estado.

É preciso reorganizar as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público; na

Administração Pública

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verdadeira profissionalização do servidor, que passaria a per-ceber salários mais justos para todas as funções”273.

3.2.1. Os quatro núcleos do Estado e os modelos a se-rem seguidos

Para implementar a Administração Pública gerencial, o Pla-no Diretor identificou quatro setores estatais, a saber: a) núcleo estratégico; b) atividades exclusivas; c) serviços não-exclusivos, e; d) produção de bens e serviços para o mercado.

O núcleo estratégico, que corresponde ao governo, em sentido lato, é o local onde se define as leis e as políticas públi-cas, e cobra-se o seu cumprimento. É, portanto, o setor onde as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no Poder Exe-cutivo, ao Presidente da República, aos Ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamen-to e formulação das políticas públicas.

Por atividades exclusivas designou-se o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado, vale dizer, o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Como exemplos temos a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a pre-vidência social básica, o serviço de desemprego, a fiscaliza-ção do cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trân-sito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes, entre outros.

O setor de serviços não-exclusivos corresponde à área onde o Estado atua simultaneamente com outras organiza-ções públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está

273 CARDOSO, Fernando Henrique. BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do Estado. nov. 1995. p. 4.

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presente porque os serviços envolvem direitos humanos funda-mentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem economias externas relevantes, na medida em que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços por meio do mercado. As economias produzidas imediatamente se espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transfor-madas em lucros. São exemplos desse setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus.

Finalmente, a área de produção de bens e serviços para o mercado corresponde ao núcleo de atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infra-estrutura. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investi-mento, seja porque são atividades naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível, tornando-se necessária, no caso de privatização, a regulamentação rígida.

A divisão da estrutura estatal nestes quatro setores teve por objetivo a realização de reflexões sobre três ordens de questões: a) forma de administração; b) forma de propriedade, e; c) escopo institucional.

A primeira reflexão diz respeito à forma de administra-ção, da qual concluiu-se que o núcleo estratégico deve seguir um modelo burocrático com avanços para o gerencial, que compreenda, entre outras coisas, carreiras, concursos públicos rígidos e estabilidade para o servidor. Nos outros três setores, no entanto, deve-se adotar a Administração Pública gerencial.

Quanto à forma de propriedade, entendeu-se que o nú-cleo estratégico e o setor de atividades exclusivas devem con-templar propriedade estatal. O setor de produção de bens e serviços para o mercado, por sua vez, deveria estar a cargo da iniciativa privada, razão pela qual criou-se o Programa Nacional de Desestatização, comumente denominado de privatização.

Para o setor de serviços não exclusivos, entendeu-se que a melhor solução seria a prestação por entidades privadas sem

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fins lucrativos. Embora sejam entidades particulares, voltam-se para a prestação de serviços públicos, compreendendo o deno-minado “capital público não estatal”. Não integram a Adminis-tração Pública (direta ou indireta), mas, por auxiliarem o Estado no desempenho de sua finalidade, qual seja, a busca do bem comum, são tidas como entidades de um “terceiro setor” (nem público, nem o tradicionalmente privado).

Finalmente, quanto ao escopo institucional, concluiu-se que para o núcleo estratégico deve ser mantido o modelo concei-tual da denominada Administração Pública direta, já analisada. Para as atividades exclusivas criou-se a concepção de agências executivas, que surgiriam a partir da reestruturação de autarquias ou fundações públicas pré-existentes, conforme iremos analisar. Para o setor de serviços não exclusivos concebeu-se o modelo das organizações sociais, que surgiriam a partir da transferência da responsabilidade pela prestação do serviço à entidades do terceiro setor, qualificadas pelo Poder Público, naquilo que se de-nominou Programa Nacional de Publicização, que também anali-saremos no decorrer deste capítulo. O setor de produção para o mercado deve se concentrar nas empresas públicas, sociedades de economia mista ou entidades particulares.

3.3. Figuras jurídicas criadas a partir da Reforma Ad-ministrativa

A mencionada Reforma Administrativa, instituída a partir de novembro de 1995, foi responsável pela inserção de algu-mas novas figuras no ordenamento jurídico brasileiro, sendo as principais delas: a) as “agências executivas”, criadas e regu-ladas pela Lei Federal nº 9.649/98; b) as “agências regulado-ras”, criadas, cada qual, por lei específica, conforme adiante se verá; c) as “organizações sociais”, tratadas pela Lei Federal nº 9.637/98; d) o “contrato de gestão”, disciplinado pelo art. 5º da Lei Federal nº 9.637/98 e no parágrafo 8º do art. 37 da Constituição Federal, conforme a redação que lhe fora dado pela Emenda Constitucional nº 19/98, e; e) as “organizações

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da sociedade civil de interesse público”, disciplinadas pela Lei Federal nº 9.790, de 23 de março de 1999.

3.3.1. Agências executivas

Agências executivas são autarquias ou fundações públi-cas pré-existentes, diplomadas por intermédio de um Decreto do Chefe do Poder Executivo, a partir de iniciativa do Ministério ao qual se encontram vinculadas, em virtude de haverem desenvol-vido planos estratégicos de reestruturação, com vista à melhoria da qualidade de sua gestão e conseqüente redução de custos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua agência executiva como sendo “a qualificação dada à autarquia ou fundação que celebre contrato de gestão com o órgão da Administração Di-reta a que se acha vinculada, para a melhoria da eficiência e redução de custos.

Em regra, não se trata de entidade instituída com a denomina-ção de agência executiva. Trata-se de entidade pré-existente (au-tarquia ou fundação governamental) que, uma vez preenchidos os requisitos legais, recebe a qualificação de agência executiva, po-dendo perdê-la se deixar de atender aos mesmos requisitos”274.

O Decreto Federal nº 2.487, de 2 de fevereiro de 1998, estabelece no parágrafo 1º de seu art. 1º que: “A qualificação de autarquia ou fundação como agência executiva poderá ser conferida mediante iniciativa do Ministério supervisor, com anu-ência do Ministério da Administração Federal e Reforma do Es-tado, que verificará o cumprimento, pela entidade candidata à qualificação, dos seguintes requisitos: a) ter celebrado contrato de gestão com o respectivo ministério supervisor; b) ter plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucio-nal, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e para a redução de custos, já concluído ou em andamento”.

274 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 387.

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Trata-se, portanto, de uma medida que objetiva a busca da melhoria da eficiência das entidades autárquicas e fundacio-nais. Firmado o contrato, o Poder Público qualificará a entidade como “agência executiva” por meio de decreto.

É importante ressaltar que este regulamento, por se tra-tar de decreto federal, aplica-se apenas ao âmbito da União, sob pena de invasão da competência constitucional dos demais entes federativos, que deverão elaborar os seus, sempre em obediência expressa ao que dispõe o parágrafo 8º do art. 37 da Constituição da República.

3.3.2. Agências reguladoras

As agências reguladoras foram criadas com a finalidade de regular as atividades desempenhadas pelos particulares, notadamente relativas à prestação de serviços públicos. Assim é que, com a transferência ao particular da execução desses serviços, surgiu a necessidade da criação de entidades gover-namentais que exercessem a atividade de fiscalização e con-trole desses setores tidos por estratégicos pelo Estado. As agências reguladoras, pois, são autarquias, qualificadas como autarquias sob regime especial.

Nossos alunos sempre nos questionam: “O que seria uma autarquia especial?” Diógenes Gasparini, com pragma-tismo, responde-nos: “De maneira bem simples e prática, é a autarquia que possui maiores privilégios que as autarquias comuns”275.

Atualmente, destaque-se a existência das seguintes agências reguladoras na órbita federal: Agência Nacional de

275 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 287.

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Energia Elétrica – Aneel, Agência Nacional de Telecomunica-ções – Anatel, Agência Nacional de Petróleo – ANP, Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Agência Nacional de Águas – ANA, Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq, Agên-cia de Desenvolvimento do Nordeste – Adene, Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA e Agência Nacional de Cinema – Ancine.

Outras, ainda, encontram-se em fase de criação, embora já se verifique um esvaziamento desse modelo jurídico. Entre os projetos que tramitam no Congresso Nacional, destacam-se os que propõem a criação da Agência Nacional de Aviação Civil – Anac, da Agência Nacional de Defesa da Concorrência – ANC, da Agência Nacional de Trânsito – Anatran, da Agência Nacional de Serviços de Correios – ANSC e da Agência Nacio-nal de Saneamento – Ansa276.

3.3.3. Contratos de gestão

Contrato de gestão, segundo Diógenes Gasparini, “é o ajuste celebrado pelo poder Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia ge-rencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos”277.

276 O Congresso Nacional, depois de anos de tramitação, aprovou a criação da Agência Nacional de Aviação Civil – Anac.No entanto, até a data de fechamento desta 3ª edição (20.09.05) o projeto ainda não havia sido sancionado pelo Presidente da República.

277 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 582.

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O contrato de gestão ficará sujeito ao controle periódico dos resultados nele avençados por parte da Administração, sendo que, caso tenha sido firmado com entidades de direito privado qualificadas como “organizações sociais”, o descumpri-mento das metas estipuladas acarretará o descredenciamento da entidade privada como “organização social”.

Trata-se do mecanismo, por excelência, de reforma do aparelho administrativo do Estado, não apresentando unifor-midade de tratamento nas várias leis que o contemplam, tendo por finalidade básica possibilitar à Administração fixar metas de qualidade e prazos de execução, em troca de ampliação de autonomia orçamentária e financeira, transferência de bens, serviços, instalações, entre outros.

Na verdade, não se trata de um contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Consiste, na realidade, em uma parceria entre Administração direta e indireta, ou entre o Poder Público e entidades qualificadas como organizações sociais, como veremos no próximo subtítulo, sempre com vista à melhoria da prestação dos serviços públicos.

Diógenes Gasparini lembra que somente com a edição da Emenda Constitucional nº 19/98 o “contrato de gestão” ou “acordo-programa” ganhou amparo constitucional apesar de, anteriormente, já ter sido utilizado por algumas das grandes empresas governamentais, como foi o caso da Companhia Vale do Rio Doce e da Petrobrás, além da entidade paraestatal Ser-viço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, o que gerou severas críticas por falta de fundamento legal. Acabaram, outrossim, impugnados pelo Tribunal de Contas da União278.

3.3.4. Organizações sociais

As entidades do terceiro setor e as organizações sociais assumiram novos contornos e importância a partir da edição

278 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 582.

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do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, editado em novembro de 1995, conforme analisado.

Organizações sociais são entidades constituídas e orga-nizadas sob regime jurídico de Direito Privado que, sem possu-írem fins lucrativos, estão voltadas ao desempenho de ativida-des de natureza pública, como as de ensino, pesquisa cientí-fica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde, e poderão ser aproveitadas pelo Estado para o desenvolvimento de programas que visem a melhoria da prestação desses serviços.

Surgem a partir da diplomação de entidades do terceiro setor pré-existentes, e têm por objetivo a celebração de contra-tos de gestão, estabelecendo parcerias entre o Poder Público e a sociedade civil organizada, para o desempenho de atividades sociais. A qualificação da entidade como organização social ocorre por intermédio de um decreto.

Toda organização social, portanto, é uma entidade do ter-ceiro setor: entidade privada, sem fins lucrativos e que desem-penha atividades sociais. É o caso das associações civis sem fins lucrativos, dos serviços sociais autônomos, das fundações privadas, entre outras. Todavia, nem toda entidade do terceiro setor é uma organização social. O que transforma a entidade em organização social é um decreto, conforme mencionado.

As organizações sociais, assim, não integram a Administra-ção Pública (direta ou indireta), apresentando-se como entida-des filantrópicas que irão substituir o Estado na prestação de serviços públicos. Refletem, pois, o Programa Nacional de Publi-cização, já mencionado. Por auxiliarem o Estado no desempenho de sua finalidade, qual seja, a busca do bem comum, integram o “terceiro setor” (nem público, nem o tradicionalmente privado).

Diógenes Gasparini ensina que “encontrada essa funda-ção ou associação, por sua própria iniciativa ou ação estatal, cabe à Administração Pública interessada em tê-la como sua parceira qualificá-la como organização social, observados os requisitos exigidos por essa lei e após transferir-lhe bens e

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recursos com a condição de aumentar e melhorar os serviços que presta à comunidade.

A Administração Pública, é fácil de ver, não cria uma nova instituição nem aceita a existente tal como instituída e organi-zada pelos particulares; apenas a qualifica como organização social se conformada às exigências dessa lei. Se não estiver assim constituída e organizada, seus atos constitutivos podem ser alterados para essa adequação”279.

Destarte, só merecerão o título de organização social as entidades que previamente atenderem às exigências arroladas no art. 2º da Lei Federal nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que dispõe, dentre outros fatores, sobre a obrigatoriedade de com-provação do regular registro da entidade, além de terem natureza social voltada a um dos objetos acima descritos, não possuí-rem fins lucrativos, investirem seus excedentes financeiros no desenvolvimento de suas atividades e, em caso de extinção ou desqualificação, que seus bens sejam cedidos a outras orga-nizações sociais da mesma área de atuação ou ao patrimônio da Administração Pública que a qualificou como organização social, na proporção dos valores recebidos.

A qualificação da entidade como organização social é ato administrativo discricionário, condicionado, outrossim, ao exame do binômio “conveniência e oportunidade” para a edição da medida. A desqualificação, conforme dicção do art. 16 do citado diploma normativo, poderá (“poder-dever”) se dar quan-do constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão. Tal ato deverá ser precedido de trâmite ad-ministrativo prévio, com respeito aos direitos de ampla defesa e contraditório, respondendo os dirigentes da organização social pelos danos ou prejuízos decorrentes de ação ou omissão. A desqualificação acarretará a reversão dos bens permitidos, dos valores entregues à utilização da organização social e, caso

279 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Sarai-va, 2001. p. 372.

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tenha ocorrido, do pessoal cedido, sem prejuízo de outras san-ções cabíveis.

A celebração do contrato de gestão entre o Poder Público e essas entidades é hipótese de licitação dispensável, nos termos do inciso XXIV do art. 24 da Lei Federal de Licitações, em virtude do espírito de formação de parcerias que envolve a celebração desse tipo de negócio jurídico, dificultando a escolha da entidade a partir de critérios objetivamente postos em edital.

Nos dias de hoje, os contratos de gestão celebrados com or-ganizações sociais ganham enorme importância prática, na medi-da em que são os veículos, por excelência, de implementação dos “direitos republicanos”, direitos fundamentais de quarta dimensão, que visam uma maior participação da sociedade civil na gestão e controle da res publica, conforme analisado no Capítulo VI.

Com essas parcerias entre Poder Público e sociedade civil organizada, visa-se à evolução da filosofia de uma administra-ção pública burocrática (mais preocupada com os meios, pro-cedimentos) para uma administração pública gerencial (mais preocupada com os fins, resultados).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no entanto, não poupa críti-cas aos contratos de gestão celebrados com organizações so-ciais. Em sua obra Parcerias na Administração Pública, afirma ser nítida a intenção do legislador de burlar o regime jurídico de direito público, ao qual está submetida a Administração. E con-clui: “Trata-se de entidades constituídas ad hoc, ou seja, com o objetivo único de se habilitarem como organizações sociais e continuarem a fazer o que faziam antes, porém com nova roupagem. São entidades-fantasmas, porque não possuem patrimônio próprio, sede própria, vida própria. Elas viverão ex-clusivamente por conta do contrato de gestão com o Poder Público”280.

280 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração públi-ca. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 204.

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3.3.5. Organizações da sociedade civil de interesse público

A Lei Federal nº 9.790, de 23 de março de 1999, dispõe sobre as entidades denominadas de “organizações da socie-dade civil de interesse público”. Assim como as organizações sociais, também são entidades privadas, sem fins lucrativos, desempenham atividades sociais e, por intermédio de ato normativo do Poder Público, recebem qualificação especial. Todavia, algumas dissemelhanças devem ser observadas, no-tadamente no que se refere à finalidade atribuída pela lei a cada uma delas.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com propriedade, aponta as principais diferenças existentes entre ambas:

“Embora haja muitos pontos comuns entre essas entida-des e as organizações sociais, é evidente que o objetivo visa-do pelo Governo é bem diverso nos dois casos; nas organiza-ções sociais, o intuito evidente é o de que elas assumam determinadas atividades hoje desempenhadas, como ser-viços públicos, por entidades da Administração Pública, resultando na extinção destas últimas. Nas organizações da sociedade civil de caráter público, essa intenção não resulta, implícita ou explicitamente, da lei, pois a qualifi-cação da entidade como tal não afeta em nada a existência ou as atribuições de entidades ou órgãos integrantes da Ad-ministração Pública. Além disso, a entidade privada, para ser qualificada, tem que ter existência legal, já que, dentre os documentos exigidos para obtenção da qualificação, estão o ‘balanço patrimonial e demonstrativo de resultados do exercí-cio’ e a ‘declaração de isenção do imposto de renda’ (art. 5º, III e IV, da Lei nº 9.790/99). Isto evita que entidades fantasmas, sem qualquer patrimônio e sem existência real, venham a plei-tear o benefício.

Trata-se, no caso, de real atividade de fomento, ou seja, de incentivo à iniciativa privada de interesse público. O Esta-

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do não está abrindo mão de serviço público (tal como ocorre na organização social) para transferi-lo à iniciativa privada, mas fazendo parceria, ajudando, cooperando com entidades privadas que, observados os requisitos legais, se disponham a exercer as atividades indicadas no art. 3º, por se tratar de atividades que, mesmo sem a natureza de serviços públicos, atendem às necessidades coletivas” (grifos nossos)281.

4. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O tema de maior importância quando do estudo de uma disciplina jurídica é a análise dos princípios que norteiam toda a atividade de elaboração, interpretação e aplicação das normas jurídicas deste ramo didaticamente autônomo do conhecimento jurídico.

Por esta razão, dizemos que os princípios apresen-tam-se como normas de estrutura, vale dizer, são normas que versam sobre a produção de outras normas. Destar-te, os princípios direcionam-se basicamente às atividades do legislador e do administrador público, em suas tarefas de criar as normas infraconstitucionais que irão ferir dire-tamente as condutas intersubjetivas, objetivando prover o bem comum.

A Constituição Federal, em seu art. 37, caput, dispõe que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Po-deres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-cípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalida-de, moralidade, publicidade e eficiência”. Esses são princípios expressos. Todavia, existem outros que devem ser igualmente considerados por se encontrarem no Texto Constitucional, em-bora de maneira implícita.

281 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 409.

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Ressalte-se, ainda, que não existe hierarquia entre princí-pios implícitos e expressos. Todos possuem a mesma importân-cia para o Direito. Tanto é assim que indispensáveis princípios para o contorno do regime jurídico administrativo apresentam-se de forma implícita, como ocorre com o princípio da suprema-cia do interesse público, primeiro do nosso rol.

Nesse diapasão, é impossível deixar de mencionar a im-portante decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello que, insistindo na existência do princípio da moralidade admi-nistrativa desde antes de sua explicitação no Texto Constitu-cional de 1988, asseverou que “os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. En-contram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diver-sas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no tex-to constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez ‘el he-cho de su consagración en una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter’ (El principio de buena fe en el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direi-to existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo”282.

4.1. Princípio da supremacia do interesse público

Este princípio, além de possuir a função de orientar o le-gislador quando da elaboração das normas jurídicas de Direito Público, dirige-se primordialmente à Administração Pública, em

282 STF – 2ª T. – RE nº 160.381-SP – Rel. Ministro Marco Aurélio Mello. RTJ 153/1030.

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sua tarefa de aplicar a lei no exercício de sua atividade admi-nistrativa.

Nas palavras de Di Pietro, “se a lei dá à Administração Pú-blica os poderes de desapropriar, de requisitar, de intervir, de po-liciar, de punir, é porque tem em vista atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse individual. Em conseqü-ência, se, ao usar tais poderes, a autoridade administrativa ob-jetiva prejudicar um inimigo político, beneficiar um amigo, conse-guir vantagens pessoais para si ou para terceiros, estará fazendo prevalecer o interesse individual sobre o interesse público e, em conseqüência, estará se desviando da finalidade pública prevista na lei. Daí o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade, que torna o ato ilegal” 283 (grifos no original).

4.2. Princípio da legalidade

O princípio da legalidade, insculpido no inciso II do art. 5º da Constituição Federal e corroborado pelo caput do art. 37, explicita a subordinação da atividade administrativa à lei. O ad-ministrador privado conduz seu empreendimento com dominus, agindo com os poderes inerentes à propriedade em toda a sua extensão. Assim, tudo o que não é proibido, é permitido ao ges-tor privado. Diga-se, ainda, que o administrador privado pode inclusive conduzir ruinosamente seu empreendimento sem que muito possa ser feito por terceiros.

Nesse sentido são as difundidas lições do saudoso Hely Lopes Meirelles, para quem “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administra-ção Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”284.

283 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 70.

284 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 82.

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A Administração Pública, assim, em razão desse primado, deve ser gerida por critérios previamente postos pela “lei”. Daí as lições do Professor Ruy Cirne Lima, para quem a Adminis-tração Pública é a “atividade do que não é senhor absoluto”285.

O gestor público não age como “dono”, que pode fazer o que lhe pareça mais cômodo. Diz-se, então, que ao Administra-dor Público só é dado fazer aquilo que a lei autorize, de forma prévia e expressa. Daí decorre o importante axioma da indis-ponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.

Isso ocorre com todos os agentes públicos que, no exer-cício de suas funções, não poderão desvincular-se das balizas impostas pelas normas de Direito Administrativo, sob pena de ilegalidade dos atos que praticarem, e o desencadeamento de sanções civil, penal e administrativa.

4.3. Princípio da finalidade

A Administração Pública subjuga-se ao dever de ter sem-pre em mira o interesse do povo, adscrevendo-se a ele. É essa a sua finalidade precípua.

A Dogmática jurídica pátria, seguindo as lições da doutrina italiana, distingue o interesse primário do secundário. Interesse primário é o interesse público propriamente dito, o interesse do povo, do cidadão. Interesse secundário é o interesse que a pessoa jurídica, responsável pelo desenvolvimento da ativida-de administrativa, possa ter na condição de sujeito de direitos e obrigações.

Celso Antônio Bandeira de Mello lembra que a Adminis-tração “poderia, portanto, ter o interesse secundário de resistir ao pagamento de indenizações, ainda que procedentes, ou de denegar pretensões bem-fundadas que os administrados lhes fizessem, ou de cobrar tributos ou tarifas por valores exage-

285 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. São Paulo: Re-vistas dos Tribunais, 1982. p. 63.

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rados. Estaria, por tal modo, defendendo interesses apenas ‘seus’, enquanto pessoa, enquanto entidade animada do pro-pósito de despender o mínimo de recursos e abarrotar-se deles ao máximo”286.

Ora, o princípio da finalidade não se coaduna com esse desiderato, dirigindo-se prioritariamente à consecução do inte-resse público primário, sendo que a Administração Pública, ao prestigiá-lo, poderá até alvejar o interesse público secundá-rio, desde que não incompatível com aquele.

O princípio da finalidade, ainda nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello “é uma inerência” do princípio da legalidade, na medida em que obriga o administrador público a buscar o escopo que melhor atenda aos anseios do cidadão, ao passo que este (legalidade) submete sua gestão à vontade expressa da lei.

E conclui: “O que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade que a anima. A partir dela é que se compreende a racionalidade que lhe presidiu a edição. Logo, é na finalidade da lei que reside o critério norteador de sua correta aplicação, pois é em nome de um dado obje-tivo que se confere competência aos agentes da Administra-ção”287 (grifos nossos).

4.4. Princípio da razoabilidade

Sabemos que o administrador público, por vezes, é au-torizado pela própria norma administrativa a agir com certa discricionariedade, avaliando a conveniência e a oportunida-de da decisão que pretende adotar. Nesses casos, impõe-se a observância deste primado, na medida em que sua opção

286 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 44.

287 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 77.

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deve guardar proporção com o senso comum do povo. Não seria “razoável” admitir-se a validade de uma decisão tomada em total desacordo com as idéias constantes do seio da cole-tividade.

Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, “enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exer-cício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidi-ram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidá-veis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada”288 (grifos nossos).

4.5. Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade trata-se, na realidade, de um desdobramento do último princípio, qual seja, o princípio da razoabilidade.

Pelo primado da proporcionalidade, o administrador público deve abster-se de praticar atos além daqueles efetivamente ne-cessários para o atendimento da finalidade pública perseguida.

Tal princípio aplica-se, por exemplo, aos casos de interven-ção do Estado na propriedade, ou quando regula, de alguma forma, as liberdades individuais. Assim é que, v.g., o Estado afronta esse princípio quando desapropria uma área maior do que aquela que necessita para a realização de determinada obra pública ou, ainda, quando aplica penalidade desproporcio-

288 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 79.

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465Administração Pública

nal à falta cometida pelo servidor. Esse tipo de restrição – como já vimos – é uma limitação da liberdade individual em benefício do interesse público. Logo, quando o ato desvia-se dessa finali-dade não há razão para subsistir.

Mais uma vez, as preciosas lições de Bandeira de Mello lembram que “o excesso acaso existente não limita em benefí-cio de ninguém. Representa, portanto, apenas um agravo inú-til aos direitos de cada qual. Percebe-se, então, que as medi-das desproporcionais ao resultado legitimamente alvejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes. Ressentindo-se deste defeito, além de demonstrarem menoscabo pela situação jurídica do administrado, traindo a persistência da velha con-cepção soberano-súdito (ao invés de Estado-cidadão), exibem, ao mesmo tempo, sua inadequação ao escopo legal”289 (grifos nossos).

4.6. Princípio da motivação

A Constituição Federal não relaciona o princípio da moti-vação entre os princípios explícitos. Todavia, segundo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos inferi-lo a partir dos enunciados constantes do parágrafo único do art. 1º (se-gundo o qual todo poder emana do povo) e do inciso XXXV do art. 5º (que garante o direito à apreciação judicial em caso de lesão ou ameaça de direito). “É que o princípio da motivação é reclamado quer como afirmação do direito político dos cida-dãos ao esclarecimento do ‘porquê’ das ações de quem gere negócios que lhe dizem respeito por serem titulares últimos do poder, quer como direito individual a não se assujeitarem a de-cisões arbitrárias, pois só têm que se conformar às que forem ajustadas às leis”290.

289 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 81.

290 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 83.

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466 Curso de Direito Constitucional

Maria Sylvia Zanella Di Pietro pensa da mesma forma: “O princípio da motivação exige que a Administração Pública indi-que os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discu-tiam se sua obrigatoriedade alcançava só os atos vincula-dos ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade neces-sária para permitir o controle de legalidade dos atos administra-tivos”291 (grifos nossos).

A doutrina majoritária, portanto, entende que todo ato ad-ministrativo deve ser motivado. Tal conclusão decorre do próprio Estado Democrático de Direito, ao impor que o administrador indique os motivos que o levaram a cada comportamento.

Alguns autores, entretanto, na linha do saudoso juspublicista Hely Lopes Meirelles, manifestam posição divergente. Afirmam que a motivação é a regra, porém, em alguns casos, é possível que o ato não seja motivado. Mencionam, para justificar tal posi-ção, o art. 50 da Lei nº 9.784/99, que normatiza o procedimento administrativo na esfera federal, e citam, como exemplo, o ocu-pante de cargo em comissão, declarado por lei de livre nomeação e exoneração. Tal postura ainda tem sido adotada, infelizmente, na maioria das provas objetivas de concursos públicos.

4.7. Princípio da impessoalidade

Esse primado nada mais é do que uma especificação, à Administração Pública, do princípio da igualdade, insculpido no caput do art. 5º da Constituição Federal. A Carta Magna re-petiu-o no caput do art. 37, quando versou, especificamente, sobre os princípios aplicáveis ao regime administrativo.

291 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 82.

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467Administração Pública

Se “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual-quer natureza”, deve-se impedir que, no desempenho das fun-ções públicas, realizem-se discriminações odiosas, ou seja, dis-criminações calcadas em critérios não aceitos pela sociedade, como, v.g., em razão de raça, de sexo, de credos religiosos, de ideologias políticas, entre outras.

Assim, no desempenho das funções públicas requer-se o tra-tamento indistinto a todos os administrados “sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e mui-to menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie”292. Essa é a impessoalidade no tratamento do adminis-trado.

O princípio da impessoalidade possui, ainda, um senti-do voltado à Administração, pois não é a pessoa física do agente que atua, mas o Estado, por ele representado. Assim, caso a atuação de um agente público, especificamente volta-da a um administrado, lhe cause prejuízo, este poderá intentar ação visando responsabilizar o Estado, e não apenas o agen-te, como adiante se verá.

Alguns autores, na linha de Hely Lopes Meirelles, tratam os princípios da impessoalidade e da finalidade como sinô-nimos. Todavia, ao nosso ver, esses princípios possuem signifi-cações diversas, como tivemos a oportunidade de demonstrar.

4.8. Princípio da publicidade

O princípio da publicidade é indispensável ao Estado Democrático de Direito, na medida em que uma Administra-ção Pública democrática é absolutamente incompatível com a garantia de sigilo de seus atos.

292 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo.12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 84.

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468 Curso de Direito Constitucional

Por meio dele, é assegurado ao cidadão o acesso às in-formações da Administração sempre que deseje. Mais do que isso, a publicidade dos atos públicos – realizada, em regra, por meio da imprensa oficial – é requisito de eficácia dos atos ad-ministrativos.

É isso que prescreve o inciso XXXIII do art. 5º da Constitui-ção Federal, in verbis: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de respon-sabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Por óbvio, existem exceções. Na esfera administrativa, o único caso autorizado de sigilo ocorre quando este se apre-senta imprescindível à segurança nacional, conforme dispõe o mencionado inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal.

4.9. Princípios do devido processo legal e ampla defesa

Na vigência da Constituição Federal de 1988, o art. 5º, em seus incisos LIV e LV, torna indiscutível a exigência da obser-vância destes dois primados: “Ninguém será privado da liber-dade ou de seus bens sem o devido processo legal” (princípio do devido processo legal) e “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (princípio do contraditório e ampla defesa).

O princípio do devido processo legal teve sua origem mundial em 1215, na Inglaterra, onde constava, de maneira im-plícita, da Magna Carta do Rei João Sem Terra. Somente em 1354 aparece de forma expressa, no art. 39 do mesmo diploma normativo. Surge, inicialmente, para tutelar o processo penal, como uma garantia dos nobres contra o Rei. Atualmente, apli-ca-se a todos os demais processos, inclusive ao procedimen-to administrativo.

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469Administração Pública

Por influência inglesa, o due process of law ou due process clause chega aos Estados Unidos da América, ganhando uma dimensão infinitamente superior àquela como havia sido conce-bido, subdividindo-se em substantive due process e procedual due process.

O primeiro pode ser entendido como o direito à vida, à li-berdade e à propriedade. O segundo é mais uma garantia do que propriamente um direito. Por ele, visa-se a proteger a pes-soa contra a ação arbitrária do Estado. Vislumbra-se, portanto, a aplicação da lei.

No direito constitucional positivo brasileiro, o conceito de devido processo legal compreende, tão-somente, o aspecto processual (procedual due process), estando o que os norte-americanos denominam de “tríplice garantia” (substantive due process) tutelado por regras próprias.

Mesmo nessa acepção pátria, o princípio do devido pro-cesso legal caracteriza-se pela sua excessiva abrangência, quase que se confundindo com o próprio Estado de Direito. A partir da instauração deste, todos passaram a se beneficiar da proteção da lei contra o arbítrio do Estado.

4.10. Princípio da moralidade administrativa

O princípio da moralidade está insculpido no caput do art. 37 da Constituição da República. Por ele, exige-se que o procedi-mento administrativo se desenrole em conformidade de padrões éticos prezáveis, o que impõe à Administração um comporta-mento “escorreito, liso, honesto”293, “consoante com a moral, os bons costumes, as regras da boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade”294.

293 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 463.

294 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 298.

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470 Curso de Direito Constitucional

Em outras passagens (como no art. 85, inciso V, da Consti-tuição Federal e na Lei nº 8.666/93, que regula o procedimento licitatório) a lei faz referência, também, ao princípio da probida-de administrativa. Alguns autores distinguem essas duas ca-tegorias; para nós, são praticamente sinônimas. Cremos que a repetição se deve ao fato de o termo moralidade, no âmbito do direito administrativo, apresentar-se como conceito novo, insti-tuído expressamente com a Constituição Federal de 1988, não se encontrando perfeitamente delimitado, o que já ocorre com a noção de probidade ou, mais especificamente, de improbi-dade administrativa.

Aspecto importantíssimo é que, a partir da Constituição de 1988, a moralidade passou a ser elemento integrante do conceito de legalidade administrativa. Assim, ato administrativo imoral é sinônimo de ato administrativo ilegal e, como tal, deverá ser anulado pela Administração ou pelo Poder Judiciário.

O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso lembra que “Mau-rice Haouriou foi quem, por primeiro, dissertou a respeito do tema da moralidade administrativa, em termos de moral jurídica – ‘conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração’ (Précis de droit administratif. Paris: Recueil Sirey, 1914)”295.

Neste diapasão também foi o entendimento do Ministro Celso de Mello, quando do julgamento da Ação Direta de In-constitucionalidade nº 2.661-5-MA, ao afirmar que “o princípio da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devam pautar o comportamento dos órgãos e agentes gover-namentais”296.

295 STF – RE nº 206.889-6-MG, Rel. Ministro Carlos Velloso. DJ 13.06.1997.

296 STF – ADI nº 2.661-5-MA, Rel. Ministro Celso de Mello. DJ 23.08.2002. p. 70.

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471Administração Pública

E, insistindo na decisão do Ministro Marco Aurélio que ex-pusemos quando iniciamos este tópico sobre os princípios da Administração Pública, “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualida-de. Como a mulher de César”297.

4.11. Princípio da inafastabilidade do controle judicial dos atos administrativos

O Direito brasileiro reconhece e regulamenta a atuação dos tribunais administrativos. Todavia, diferentemente do que ocorre na maioria dos países do mundo, que seguem a escola fran-cesa, as decisões emitidas por esses tribunais não possuem o condão de fazer “coisa julgada”. Assim é que, enquanto nesses países as decisões sobre assuntos de competência desses tri-bunais são irrecorríveis, não permitindo o acesso posterior ao Poder Judiciário, o mesmo não se dá em nosso sistema jurídico.

Pelo princípio da inafastabilidade do controle judicial dos atos administrativos, nenhuma decisão de qualquer órgão ou entidade administrativa será excluída de apreciação pelo Poder Judiciário – se o administrado assim desejar – ca-bendo sempre a ele (Judiciário) a última palavra sobre qualquer demanda instaurada. É o que se denomina “sistema de juris-dição una”.

Destarte, o acesso ao Poder Judiciário, em nosso direito, é amplo e pode se dar a qualquer tempo, independentemente do esgotamento prévio das vias administrativas. Assim, posso recorrer imediatamente a esse Poder, quando houver qualquer lesão ou tão-somente a ameaça a direito.

A exceção para essa regra encontra-se insculpida no pa-rágrafo 1º do art. 217 da Constituição Federal, que dispõe: “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às

297 STF – 2ª Turma – RExtr. nº 160.381-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Mello. RTJ 153/1030.

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472 Curso de Direito Constitucional

competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei”.

4.12. Princípio da responsabilidade do Estado por comportamentos administrativos

Denomina-se responsabilidade civil a obrigação imposta a uma pessoa de ressarcir os danos causados a outra. A respon-sabilidade civil do Estado e dos prestadores de serviços pú-blicos está insculpida no parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal e difere-se daquela que se aplica aos particulares.

A responsabilidade civil ou patrimonial do Estado é mais drás-tica do que aquela que incide sobre os particulares. Estes apenas são chamados a responder pelos danos quando atuam com cul-pa, ou seja, a prática de atos com negligência, imprudência ou imperícia, ou quando agem com dolo, que é a vontade de causar o dano ou ter assumido o risco de provocá-lo.

Contra o Estado não é necessário, em regra, demonstrar-se a existência de culpa ou dolo, daí falar-se que o Estado responde objetivamente, ou seja, não há que se olhar para os ingredientes subjetivos do agente causador do dano, bastando a relação causal existente entre a ação do Poder Público e o resultado obtido. O sofredor do dano, portanto, não terá que fazer outras demonstrações, além da existência desse nexo de causalidade.

O Poder Público, por sua vez, poderá provar que, ao con-trário do pretendido pela vítima, foi esta quem na verdade pro-vocou o dano, agindo de forma culposa ou, até mesmo, dolosa. Todavia, não conseguindo fazer prova do dolo ou da culpa do particular, o Estado responderá por tal prejuízo. Ele responde, portanto, pelo só fato de ter atuado.

Porém, no caso da omissão, que também acarreta a res-ponsabilidade da Administração Pública, não basta a simples ocorrência do dano, sendo necessária a existência do elemento subjetivo “culpa”.

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473Administração Pública

O tema da “responsabilidade civil do Estado” será estuda-do no subtítulo próprio, sendo necessárias, neste subtítulo des-tinado à principiologia da Administração Pública, apenas essas breves noções.

4.13. Princípio da eficiência

A explicitação da eficiência como princípio da Administra-ção Pública ocorreu com a edição da Emenda Constitucional nº 19, de junho de 1998, que introduziu-a no caput do art. 37.

A procura da eficiência é uma tônica do Estado moderno. Antes da denominada “Reforma Administrativa”, a Constitui-ção da República impunha obstáculos de difícil remoção para a aplicação de políticas voltadas para a cobrança de de-sempenho do serviço público e para a racionalização das despesas.

O objetivo da inclusão da eficiência como princípio cons-titucional expresso é permitir que a Administração ofereça ao cidadão mais serviços, com melhor qualidade, em menor tempo. Objetiva-se, ainda, a redução de custos, na medida em que se promove a contínua revisão e aperfeiçoamento das rotinas e processos de trabalho, simplificando procedimentos, desburocratizando e estabelecendo metas e indicadores de de-sempenho e de satisfação do cidadão.

Podemos dizer, assim, que a inclusão da eficiência como princípio expresso da Administração Pública teve por finali-dade primordial solucionar duas ordens de questões, a saber: a) controle da eficácia e da eficiência da gestão orçamen-tária, prevista no inciso II do art. 74 da Constituição Federal, e; b) otimizar o desempenho da Administração, por meio da substituição de métodos obsoletos por modernos, calca-dos nos resultados que os potenciais humanos e de materiais da Administração possam oferecer, a partir do que dispõe o parágrafo 8º do art. 37, e o inciso III do art. 41 da Constituição Federal.

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474 Curso de Direito Constitucional

Cabe uma ressalva, contudo, oportunamente trazida por Di Pietro: “A eficiência é princípio que se soma aos demais impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios ris-cos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito” (grifos nossos)298.

4.14. Princípio da segurança jurídica

O princípio da segurança jurídica, embora não expresso em nenhum dispositivo constitucional, é algo inerente à própria idéia de Direito, de sorte que, sem ele – que é talvez o mais importante dos Princípios Gerais do Direito – a própria ordem jurídica perderia a razão de ser.

Aplicado ao âmbito da Administração Pública, visa a impe-dir que a nova interpretação da norma administrativa retroaja para alcançar fatos pretéritos. Isso porque, apesar da norma jurídica (sentido da lei) poder modificar-se sem que haja a alte-ração da lei (suporte físico de significação) em virtude da evolu-ção dos fatos e dos valores, este novo entendimento não pode retroagir, incidindo sobre acontecimentos já consumados.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota que “a segurança ju-rídica tem muita relação com a idéia de respeito à boa-fé. Se a Administração adotou determinada interpretação como a corre-ta e a aplicou a casos concretos, não pode depois vir a anular atos anteriores, sob o pretexto de que os mesmos foram prati-cados com base em errônea interpretação. Se o administrado teve reconhecido determinado direito com base em interpreta-ção adotada em caráter uniforme para toda a Administração, é evidente que a sua boa-fé deve ser respeitada. Se a lei deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por respeito ao princípio da segurança jurídica, não é

298 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 84.

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admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo.

Isso não significa que a interpretação da lei não possa mu-dar; ela freqüentemente muda como decorrência e imposição da própria evolução do direito. O que não é possível é fazê-la retroagir a casos já decididos com base em interpretação ante-rior, considerada válida diante das circunstâncias do momento em que foi adotada”199.

5. AGENTES PÚBLICOS

A expressão “agente público” é utilizada para designar todo aquele que se encontre no cumprimento de uma função estatal, quer por representá-lo politicamente, por manter vín-culo de natureza profissional com a Administração, por ter sido designado para desempenhar alguma atribuição ou, ainda, por tratar-se de concessionário, permissionário ou delegatário de serviço público.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, “quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exerci-ta, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os se-nadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração Direta dos três poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários e permissio-nários de serviços públicos, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos”.

Ainda conforme as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, são necessários dois requisitos para caracterizar-se o agente público: desempenhar atividade de natureza

299 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 85.

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476 Curso de Direito Constitucional

estatal (requisito objetivo) e investidura (requisito sub-jetivo).

Assim é que, com vista à preservação da Administração Pública, são tidos por válidos os atos praticados por agente que, embora investido irregularmente, sua situação demonstra-va aparente regularidade. É a teoria do funcionário de fato ou agente público de fato.

“Oswaldo Aranha Bandeira de Mello dá notícia da antigüi-dade do entendimento sobre a validade dos atos do funcionário de fato, ao relatar que Bárbario Filipe, escravo fugitivo – situa-ção esta que obviamente não deu a conhecer –, pediu e obteve a função de pretor em Roma. Vindo, depois, a ser descoberto, seus atos dantes praticados como pretor foram considerados válidos no Direito dos Imperadores”300.

5.1. Classificação dos agentes públicos

O tema das classificações é sempre dos mais controvertidos dentro da dogmática. Conforme já mencionamos quando versa-mos acerca da classificação das normas constitucionais, uma classificação jurídica deverá levar em conta o dado jurídico por excelência, que é a norma jurídica, ponto de partida indispensá-vel de qualquer classificação que pretenda ser realizada301.

Desta forma, a classificação dos agentes públicos que ora apresentamos leva em conta as características que lhes foram atribuídas pela Constituição Federal, bem como a natureza do vínculo que mantém com o Poder Público.

Não podemos, porém, considerar essas informações exa-tamente da maneira como foram sistematizadas pelo legislador

300 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 219-20.

301 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. pp. 320-1

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477Administração Pública

constituinte, em virtude do enorme grau de imprecisão que per-meia o discurso legislativo, sobre o qual vimos nos reportando desde o primeiro capítulo desta obra.

Como exemplo dessa atecnia podemos mencionar o pará-grafo 4º do art. 39 da Carta Política que, inserto no Capítulo que leva a rubrica Dos servidores públicos, faz referência ao subsí-dio recebido pelo detentor de mandato eletivo e pelos Ministros e Secretários Estaduais e Municipais. Por certo esses agentes não são servidores públicos.

Os agentes públicos, assim, segundo classificação por nós elaborada a partir de critérios lógico-científicos, serão dividi-dos em três grandes grupos, a saber: a) agentes políticos; b) agentes profissionais, e; c) particulares colaboradores. Examinemos um a um.

5.1.1. Agentes políticos

Os agentes políticos são os titulares de cargo eletivo, além dos auxiliares diretos dos chefes do Poder Executivo. Estes, os Ministros e Secretários de Estado, nomeados e exo-nerados livremente por aqueles.

São agentes políticos: o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, os Governadores e Vice-Go-vernadores dos Estados e do Distrito Federal, os Prefeitos e respectivos vices, além dos Ministros e Secretários de Esta-do, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Deputados Distritais e Vereadores.

Além desses, devem-se acrescentar os Juízes de Paz, eleitos dentre cidadãos brasileiros com idade mínima de 21 (vinte e um) anos, nos termos da alínea “c” do inciso VI do art. 14, desde que implementada a Justiça de Paz, conforme pre-vista no inciso II do art. 98, ambos da Carta Federal.

Note-se que, nesses casos, o vínculo que entretém com o Estado consiste em um liame de natureza política, fruto do exercício de sua cidadania (“capacidade para votar e ser vota-

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478 Curso de Direito Constitucional

do”), e não decorrente de qualquer tipo de habilitação técnica ou profissional. Assim, findo o prazo de duração do mandato eletivo, esses políticos deixarão os cargos que ocupam que, obviamente, serão preenchidos pelos novos candidatos eleitos, admitida a hipótese de reeleição, restrita à legislatura subse-qüente para os cargos executivos.

Essa conceituação de agente político é também adotada por Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini, entre outros.

O saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, no entanto, ofere-ce-nos uma classificação de agentes políticos um pouco mais abrangente. Em suas palavras, “agentes políticos são os com-ponentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribui-ções constitucionais, e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho das atribuições governamentais, judiciais ou quase judiciais, estranhas ao quadro do funcionalismo estatutário”302 (grifos nossos).

Destarte, segundo essa acepção, os Magistrados, Promo-tores e Procuradores de Justiça (membros do Ministério Públi-co) e os Ministros e Conselheiros dos Tribunais e Conselhos de Contas seriam classificados como agentes públicos, na espé-cie agentes políticos, classificação que, atualmente, vem per-dendo força, pelo fato desses agentes não realizarem ativida-des que, cientificamente, possam ser denominadas “políticas”.

Corroborando nossa tese, lembramos as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro quando afirma:

“Essas funções políticas ficam a cargo dos órgãos governa-mentais ou governo propriamente dito e se concentram, em sua maioria, nas mãos do Poder Executivo, e, em parte, do Legislativo;

302 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 72.

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no Brasil, a participação do Judiciário em decisões políticas prati-camente inexiste, pois a sua função se restringe, quase exclusiva-mente, à atividade jurisdicional sem grande poder de influência na atuação política do Governo, a não ser pelo controle a posteriori.

O mesmo se diga com relação aos membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, o primeiro exercendo uma das funções essenciais à justiça, ao lado da Advocacia Geral da União, da Defensoria Pública e da Advocacia, e o segundo, a função de auxiliar do Legislativo no controle sobre a Administra-ção. Em suas atribuições constitucionais nada se encontra que justifique a sua inclusão entre as funções de governo; não parti-cipam, direta ou indiretamente, das decisões governamentais.

Não basta o exercício de atribuições constitucional-mente designadas para que se considere como agente po-lítico aquele que as exerce”303 (grifos no original).

5.1.2. Agentes profissionais

Por agentes profissionais pretendemos designar todos aqueles que colocam seus serviços à disposição do Poder Pú-blico, exercendo atividade de natureza profissional e sob vín-culo de dependência, mediante contraprestação pecuniária mensal paga pelo exercício desse ofício.

Essa segunda espécie de agentes públicos abarca cinco subespécies, a saber: a) servidores públicos; b) servidores vitalícios; c) empregados públicos; d) agentes temporários, e; e) agentes militares.

5.1.2.1. Servidores públicos

Os servidores públicos são aqueles que mantêm um vín-culo de natureza institucional com o Estado, ocupando cargos

303 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 417.

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públicos na Administração Direta de União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, bem como em suas entidades possuidoras de regime jurídico de Direito Público, quais sejam, autarquias e fundações públicas.

5.1.2.2. Servidores vitalícios

A doutrina tradicional diverge quanto a melhor maneira de clas-sificar-se os Magistrados, Promotores e Procuradores de Justiça, além dos Ministros e Conselheiros dos Tribunais e Conselhos de Contas. Conforme já tivemos a oportunidade de demonstrar, segun-do as lições do saudoso Hely Lopes Meirelles, seriam agentes polí-ticos. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello, entre outros, tratar-se-iam de servidores públicos.

Com a devida vênia dos grandes juspublicistas pátrios, cre-mos que as soluções apontadas não se apresentam como a me-lhor maneira para o deslinde da questão. Isso porque, por mais que nos esforcemos, esses agentes públicos jamais se enqua-drarão, perfeitamente, em uma ou outra categoria. Nunca pode-rão ser tidos por agentes políticos, pois o vínculo que detém com o Estado não provém de liame de cidadania, fruto do exercício democrático. Também não poderão ser considerados servidores públicos por possuírem as prerrogativas próprias da vitaliciedade e inamovibilidade, além de formas de acesso peculiares, como a obrigatoriedade do concurso público de provas e títulos para o ingresso em primeiro grau, as nomeações pelo Chefe do Exe-cutivo para os Tribunais superiores e para o Supremo Tribunal Federal, algumas delas, ainda, dependendo de aprovação pelo Senado Federal, além das eleições, dentre membros do Supe-rior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, para a composição do Tribunal Superior Eleitoral, conforme detalhare-mos no capítulo destinado ao estudo do Poder Judiciário.

Por essas razões, sugerimos a criação de uma subespécie específica para abarcar esses agentes públicos. Situados dentro da categoria dos agentes profissionais, em virtude do vínculo de natureza profissional, caráter não eventual e relação de dependên-

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cia que mantém com o Estado, os servidores vitalícios podem ser conceituados como os agentes que mantêm liame de natureza institucional com o Poder Público, ocupando cargos de natureza técnico-científica no primeiro escalão dos Poderes da República, a partir de diretrizes detalhadas no próprio Texto Constitucional.

5.1.2.3. Empregados públicos

Os empregados públicos, tradicionalmente, ativam-se nas empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas possuidoras de regime jurídico de Direito Privado. Todavia, com o final do Regime Jurídico Único, ante-riormente exigível aos servidores das entidades detentoras de regime de Direito Público, promovido pela Emenda Constitucio-nal nº 19/98, também poderão ser encontrados nos entes da Administração Direta, bem como nas autarquias e fundações públicas com regime de Direito Público.

Ocupam empregos públicos possuindo, assim, vínculo de natureza contratual com o Estado, fundado no regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

A contratação de empregados públicos para as pessoas jurídicas sujeitas a regime de Direito Público da Administração Federal foi regulamentada com a edição da Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000.

5.1.2.4. Agentes temporários

Os agentes temporários são pessoas contratadas pelo Poder Público, sob o vínculo da Consolidação das Leis do Tra-balho, para o desempenho de atividades transitórias, de ca-ráter emergencial ou não, desde que comprovadas razões de excepcional interesse público, conforme estabelecido em lei. Tal entendimento decorre do disposto no inciso IX do art. 37 da Constituição da República.

Com a finalidade de regulamentar a contratação desses agentes na órbita federal, foi editada a Lei Federal nº 8.745, de

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9 de dezembro de 1993, com alterações promovidas pela Lei nº 9.849, de 26 de outubro de 1999.

A contratação de agentes temporários, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.745/93, poderá ser realizada pela Administração Federal Direta, suas autarquias e fundações públicas.

O art. 2º do diploma legal em exame traz o rol de ativi-dades que podem ser objeto desta forma de contratação: a) assistência a situações de calamidade pública; b) combate a surtos endêmicos; c) realização de recenseamentos e outras pesquisas estatísticas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; d) admissão de professor substituto e visitante; e) admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro; f) atividades industriais ou encargos temporários de obras e serviços de engenharia das Forças Armadas; g) atividades finalísticas de seu Hospital; h) identificações e de-marcações desenvolvidas pela Fundação Nacional do Índio – Funai; i) análise e registro de marcas e patentes pelo Ins-tituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI; j) atividades de pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à se-gurança de sistemas de informações realizadas pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Co-municações – Cepesc; l) vigilância e inspeção, relacionadas à defesa agropecuária, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para atendimento de situações emergen-ciais ligadas ao comércio internacional; m) atividades desen-volvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia – Sivam e do Sistema de Proteção da Amazônia – Sipam, e; n) atividades técnicas especializadas, no âmbito de projetos voltados para o alcance de objetivos estratégicos previstos no Plano Plurianual.

Os agentes temporários, ainda, não ocupam cargos nem empregos. Desempenham funções, que se apresentam como um plexo de atribuições, o que se justifica em virtude do caráter precário de sua contratação.

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5.1.2.5. Agentes militares

Finalmente, os agentes militares são aqueles que mantêm vínculo, permanente ou temporário, com as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, nos termos do parágrafo 3º do art. 142 da Carta Política de 1988, bem como os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Territórios, nos termos do art. 42 do mesmo Diploma.

A retribuição pecuniária devida aos militares integrantes das Forças Armadas será o subsídio, nos termos do inciso VIII do art. 142 da Constituição Federal.

5.1.3. Particulares colaboradores

Esta última categoria é composta por aqueles que exercem função pública sem, contudo, passarem a fazer parte do aparato estatal, o que pode dar-se com ou sem caráter remuneratório, di-vidindo-se em três grupos, a saber: a) agentes honoríficos; b) delegatários de serviços públicos, e; c) gestores voluntários.

5.1.3.1. Agentes honoríficos

Por agentes honoríficos designam-se as pessoas físi-cas que representam o Estado no desempenho de atribui-ções de caráter relevante, geralmente em virtude de imposi-ção legal. Exercem, assim, munus publico e, em regra, não são remunerados pela execução dessas atividades.

Como exemplo, podemos mencionar os jurados, os mem-bros das Mesas eleitorais, os conscritos, os comissários de menores, os conciliadores judiciais e os integrantes de comissões ou grupos de trabalho.

5.1.3.2. Delegatários de serviços públicos

Os delegatários de serviços públicos são os particulares para quem o Estado, por ato ou contrato, transfere a responsa-

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bilidade pela execução de serviços públicos. É de se ressaltar que a titularidade do serviço continua pertencendo ao Estado.

Isto se dá por meio do regime jurídico das concessões, permissões ou autorizações, além da hipótese de delegação (stricto sensu) de função ou ofício público, como ocorre com os agentes notariais e de registro (tabeliães), nos termos do art. 236 da Constituição Federal.

5.1.3.3. Gestores voluntários

Os gestores voluntários são todos aqueles que assumem a gestão da coisa pública, em situações de emergência ou calami-dade, geralmente até a chegada do Poder Público. Nada impede, contudo, que continuem auxiliando as autoridades públicas, como ocorre na hipótese de resgate de vítimas de desmoronamentos.

Como exemplo clássico desta subespécie de agentes pú-blicos, podemos citar a Defesa Civil, que atua, v.g., nos casos de desastres, incêndios, enchentes ou epidemias.

5.2. Cargo, emprego e função pública

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua cargos como “as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com de-nominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos ser-viços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolu-ção, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas.

Os servidores titulares de cargos públicos subme-tem-se a um regime especificamente concebido para re-ger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou

304 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 226.

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institucional; logo, de índole não-contratual”304 (grifos no original).

A expressão emprego, todavia, surge quando se inicia a contratação de servidores sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Assim, o cargo designa a menor unidade de competência ocupada por aquele que possui vínculo institucional (legal) com o Estado, ao passo que emprego refere-se à unidade ocupada por quem possui vínculo de emprego (contratual).

Já as funções públicas, no atual sistema constitucional, abarcam dois tipos de situações: a) um rol de atribuições a ser desempenhado pelos agentes temporários, para atendimento de “necessidade temporária de excepcional interesse público”, conforme dicção do inciso IX do art. 37 da Carta Magna, e; b) funções de confiança, conforme disposição do inciso V do art. 37 da Constituição Federal, que serão “exercidas exclusiva-mente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinando-se apenas às atribuições de direção, chefia e as-sessoramento”.

Característica peculiar da função é que jamais um servidor pode estabilizar-se nela, como ocorre com os cargos, o que se justifica em virtude do caráter precário de seu acesso.

5.3. Acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas

O inciso I do art. 37 da Constituição Federal de 1988 esta-belece que “os cargos, empregos e funções públicas podem ser exercidos por brasileiros natos ou naturalizados, e também por estrangeiros, de acordo com regulamentação estabelecida em lei”.

A investidura, tanto em cargo público como em emprego público, depende de aprovação em concurso público, salvo car-

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gos em comissão, de livre nomeação e exoneração, nos termos do inciso subseqüente.

Do exposto, depreende-se que o concurso público é con-ditio sine qua non para o exercício do cargo ou do emprego público. Todavia, “concurso público” e “provimento do cargo ou emprego público” são realidades jurídicas completamente dis-tintas.

O exame atento do inciso I do art. 37 evidencia que a lei disporá sobre os requisitos necessários àqueles que preten-dam preencher os cargos, empregos ou funções públicas.

Isto se justifica pelo fato de que determinadas atividades, em razão de sua complexidade, apenas poderão ser exerci-das por profissionais habilitados, sob pena de os candidatos não terem competência para o seu exercício. É o caso, v.g., de concurso público para o provimento de cargo de médico ou de promotor de justiça. Se os candidatos aprovados não comprovarem, no ato da posse, a colação de grau nos cur-sos de Medicina e Ciências Jurídicas, respectivamente, não poderão exercer os cargos, ante a inegável incompetência que terão para desenvolverem as atividades que a socieda-de deles espera.

Celso Ribeiro Bastos, ao discorrer sobre essas exigências legais para o provimento do cargo, afirma que as mesmas não poderão conter tratamento discriminatório, lesivo ao princípio da isonomia. E conclui: “Os requisitos admissíveis são somente os contemplados na própria lei, sendo inaceitáveis quaisquer novas exigências acrescidas por via de decreto ou edital”305.

Já o inciso II, que trata da indispensabilidade do concurso público, não traz qualquer restrição à inscrição de candidatos.

Desta forma, o acesso ao concurso público não poderá ser negado a ninguém. Se algum advogado, por absurdo, entender

305 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 331.

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que deve inscrever-se e participar do processo seletivo para o provimento de cargos de professor de educação básica, não há nada que o impeça de fazê-lo, por absoluta falta de previsão le-gal. É certo que, em sendo aprovado, não poderá ser empossado no mesmo, pois não conseguirá comprovar que possui os conhe-cimentos científicos necessários para desempenhá-lo satisfato-riamente.

As exigências legais a que se refere o art. 37, inciso I, da Carta Magna, portanto, dizem respeito ao provimento do cargo, que se dá no ato da posse, e não à inscrição para o concurso público.

5.4. Proibição de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas

Os incisos XVI e XVII do art. 37 da Carta Magna dispõem sobre a proibição de acumulação remunerada de cargos, em-pregos ou funções públicas que, além de abranger os três po-deres (Executivo, Legislativo e Judiciário) das quatro esferas federadas (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municí-pios), também se estende às entidades da Administração Públi-ca indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista).

A Constituição Federal excepcionou, no entanto, três situa-ções em que, havendo compatibilidade de horários, poderá ha-ver acumulação. São elas: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor e um técnico-científico, e; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

É importante enfatizar a nova redação da alínea “c” do in-ciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, introduzida pela Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001. Até então, a acumulação remunerada de cargos e empregos era possível apenas quando se tratasse de “dois cargos priva-tivos de médico”. Com a alteração constitucional, o dispositivo

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passa a beneficiar, também, os demais profissionais da área de saúde, como enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, odontó-logos, fisioterapeutas entre outros.

Há, ainda, a possibilidade de acumulação do servidor in-vestido em mandato de Vereador, a teor do disposto no art. 38, inciso III, que perceberá as remunerações do cargo ou empre-go e o subsídio do mandato, desde que haja compatibilidade de horários. Não havendo possibilidade do exercício concomitante, deverá exercer o mandato de vereador e optar pelo subsídio ou pela remuneração do cargo ou emprego, consoante a regra do inciso II, aplicável ao investido em mandato de prefeito.

5.5. Estabilidade e vitaliciedade

A estabilidade consiste na proteção assegurada pela Constituição Federal ao servidor público contra o desligamento arbitrário. É a garantia da permanência no serviço público, o que ocorre após três anos de efetivo exercício, conforme dicção do art. 41da Carta da República.

Há, contudo, algumas situações nas quais o servidor estável poderá perder o cargo, disciplinadas nos três incisos do parágrafo 1º do art. 41 e no parágrafo 4º do art. 169 da Constituição Federal, a saber: a) sentença judicial transitada em julgado; b) processo administrativo, assegurada ampla defesa; c) avaliação periódi-ca de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa, e; d) atender ao limite de gastos com pessoal imposto pelas Leis Complementares nos 96 e 101, bem como pela Lei nº 9.801/99 (cinqüenta por cento da receita corrente líquida para a União e sessenta por cento para os demais entes federa-dos), desde que ato normativo de cada um dos Poderes especifi-que a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.

É importante lembrar que, quando da promulgação da Constituição da República, adquiria-se a estabilidade após dois anos de efetivo exercício, sendo o prazo estendido pela Emenda Constitucional nº 19/98.

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A Lei Federal nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurí-dico aplicável aos servidores públicos federais, prevê, em seu art. 20, o período de vinte e quatro meses para o estágio probatório, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objetos de avaliação para o desempenho do cargo, observados os seguinte fatores: a) assiduidade; b) disciplina; c) capacidade de iniciativa; d) produtividade, e; e) responsabilidade.

A controvérsia surge com a edição da Emenda Consti-tucional nº 19/98 que, conforme mencionado, alterou de dois para três anos o período para aquisição da estabilidade. Es-taria, assim, revogado o art. 20 da Lei Federal nº 8.112/90 que, elaborada à luz da Constituição Federal originária, previu o estágio probatório com duração de vinte e quatro meses? Ou a alteração do prazo para aquisição da estabilidade não interferiria no período designado para o estágio probatório, na medida em que os dois institutos jurídicos possuiriam au-tonomia?

Corroborando o entendimento da melhor doutrina, a Advo-cacia-Geral da União publicou a Portaria nº 342/AGU, de 7 de julho de 2003, estabelecendo que a ampliação do prazo para a aquisição da estabilidade revoga o período de vinte e quatro meses fixado pela Lei Federal nº 8.112/90 para a duração do estágio probatório.

Em parecer exarado em 22 de abril de 2004, o Consul-tor-Geral da União, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, lembrou que “mesmo admitindo que estabilidade e estágio confirmatório constituem institutos diversos e com finalidades distintas ser-vem eles a um objetivo comum. De fato, a estabilidade no ser-viço público (ou a garantia de permanência) conquanto seja um direito do servidor após cumprido o período de 3 anos, constitui uma garantia aos cidadãos de que o servidor não será objeto de pressões ou influências hierárquicas, políticas, de conveni-ência ou interesse. Nesse sentido a garantia da estabilidade é sobretudo relacionada ontologicamente ao interesse público muito mais do que ao interesse pessoal do servidor”.

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490 Curso de Direito Constitucional

Afirma, ainda, que “da mesma vertente surge a necessi-dade do estágio probatório do servidor, para lhe aferir tanto a aptidão para o serviço público quanto – e principalmente – para a confiabilidade da permanência nele, efeito que se reflete ob-viamente na proteção do interesse dos cidadãos, aqui conver-gente com o da estabilidade”.

E conclui: “Nessa linha, quando a Constituição estabeleceu período maior para a aquisição da estabilidade, deixou enten-der que o direito do servidor – para garantia do cidadão insista-se – ficaria sujeito a exigência maior, logicamente estabeleceu também à extensão do período de prova”306.

Todavia, em 25 de agosto de 2004, julgando o Mandado de Segurança nº 9.373/DF, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Jus-tiça – STJ, por unanimidade, entendeu que estágio probatório e estabilidade são institutos distintos.

Em seu relatório, a Ministra Laurita Vaz asseverou que o estágio probatório, disciplinado pelo art. 20 da Lei Federal nº 8.112/90, tem por finalidade avaliar a capacidade do servidor para o exercício de cargo público por meio dos critérios estabelecidos em lei, supramencionados. A estabilidade, por sua vez, prevista no parágrafo 4º do art. 41 da Constituição Federal, tem como ob-jetivo conferir ao servidor o direito à permanência no cargo para o qual foi aprovado e só pode ser alcançada ao final de três anos de exercício efetivo, após avaliação de desempenho, realizada por comissão especial constituída para essa finalidade.

A relatora asseverou que a EC 19/98 não revogou o prazo de vinte e quatro meses previsto no Estatuto dos servidores públicos da União. Recordou, também, que a controvérsia so-bre os dois institutos – estágio e estabilidade – foi dirimida pelo Executivo em parecer da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, em parte citado em seu relatório: “A estabilida-de tem como característica principal o critério objetivo, isto é,

306 AGU – Processo nº 00404.002415/2004-15 – DOU 16.07.2004.

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o decurso do tempo, enquanto o estágio probatório o critério subjetivo: aferição de aptidão e capacidade do servidor para o cargo”.

O ministro Hélio Quaglia asseverou que não é possível equiparar dois institutos distintos por meio de atos normativos, mas tão-somente pela via legislativa307.

Note-se que o problema está longe de ser soluciona-do, exigindo, para tanto, manifestação do Supremo Tribunal Federal – STF ou alteração do art. 20 da Lei Federal nº 8.112/90.

Faz-se importante ressaltar que estabilidade não se con-funde com vitaliciedade. Esta, consiste na prerrogativa confe-rida a Magistrados e membros do Ministério Público de não perderem seu cargo, senão por decisão judicial transitada em julgado, que, em primeira instância, também se adquire ao final do estágio probatório sendo, nesses casos, de dois anos de efetivo exercício na carreira.

5.6. Formas de provimento

Na lição de Hely Lopes Meirelles, “provimento é o ato pelo qual se efetua o preenchimento do cargo público, com a desig-nação de seu titular” (grifos no original)308.

A Constituição Federal prevê três hipóteses de provimen-to dos cargos públicos: efetivo, vitalício e em comissão.

Denomina-se provimento efetivo aquele originado de no-meação por concurso público, assegurado o direito à estabilidade após três anos de efetivo exercício, do qual somente poderá ser desligado nas hipóteses previstas nos três incisos do parágrafo 1º do art. 41 e naquela mencionada no parágrafo 4º do art. 169, já citadas no subtítulo anterior.

307 STJ – MS 9.373/DF – Informativo – 27.08.2004.308 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed.

São Paulo: Malheiros, 2001. p. 392.

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O provimento vitalício se dá mediante nomeação para car-go público, assegurada a permanência neste, que apenas pode-rá ser interrompida por sentença judicial transitada em julgado. As únicas três hipóteses estão previstas na Constituição Federal e aplicam-se aos Magistrados, nos termos do inciso I do artigo 95, Promotores e Procuradores de Justiça, consoante a alínea “a” do parágrafo 5º do art. 128, e aos Ministros dos Tribunais de Contas, conforme dispõe o parágrafo 3º do art. 73.

Finalmente, dá-se o provimento em comissão median-te nomeação, independentemente da realização de concurso público e em caráter precário, nos casos específicos desig-nados pela lei. São cargos de livre nomeação e exoneração, destinados exclusivamente para o desempenho de funções de direção, chefia e assessoramento, conforme dispõem os incisos II e V do art. 37 da Constituição da República.

5.7. Vencimento, remuneração e subsídio

Vencimento, remuneração e subsídio são as espécies de vantagens pecuniárias que beneficiam o servidor.

O vencimento consiste na retribuição-base, fixada em lei, a que faz jus o servidor, mensalmente, pelo desempenho das atribuições inerentes ao seu cargo. Assim, o vencimento do ser-vidor corresponde ao “padrão” ou “valor de referência do cargo” que, necessariamente, deve advir de lei em sentido estrito.

Por remuneração entende-se o conjunto de vencimento e demais vantagens pecuniárias (gratificações e adicionais) que a compõem. Ressalte-se que, em razão de sua natureza com-pensatória, tem-se entendido que as indenizações não compre-endem a remuneração, na medida em que não se constituem em efetivo acréscimo patrimonial.

A Constituição Federal de 1988, com a nova redação que deu a alguns dispositivos a Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, traz de volta a modalidade de subsídio, como forma de retribuição pecuniária pelo exercício de certos cargos.

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No parágrafo 4º de seu art. 39 dispõe: “O membro de Po-der, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusi-vamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acrés-cimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.

O inciso X do art. 37 exige lei específica para a fixação da remuneração e subsídio dos servidores, “observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

Já o inciso XI, com redação dada pela Emenda Constitucio-nal nº 41, de 19 de dezembro de 2003, prescreve que “a remune-ração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empre-gos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembarga-dores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Ju-diciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.

Nos termos do parágrafo 11 do art. 37, inserido pela Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, não serão computadas, para efeito desses limites remuneratórios, as par-celas de caráter indenizatório previstas em lei.

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E, nos termos do parágrafo 12 do mesmo dispositivo, inse-rido igualmente pela EC nº 47/05, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centési-mos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Ve-readores308-A.

Diógenes Gasparini, com fundamento nesse e outros dis-positivos que tratam da retribuição por subsídio, traz um rol daqueles agentes que podem receber esse tipo de prestação: “Presidente, Vice e Ministros de Estado (art. 49, VIII), Governa-dores, Vices e Secretários Estaduais (art. 28, § 2º), Prefeitos, Vices e Secretários Municipais (art. 29, V), Senadores e Depu-tados Federais (art. 49, VII), Deputados Estaduais (art. 27, § 2º), Deputados Distritais (art. 39, § 4º), Vereadores (art. 29, VI), Ministros do STF (art. 48, XV), Ministros dos Tribunais Supe-riores (art. 96, II, b), Desembargadores e juízes (art. 96, II, b), membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, c), Advoga-dos da União, Defensores Públicos, Procuradores do Estado e do Distrito Federal (art. 135), agentes militares (art. 144, § 9º), Ministros do Tribunal de Contas da União (art. 73, § 3º), Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 75 c/c art. 73, § 3º) e servidores organizados em carreira (art. 39, § 8º)”309.

Entre os servidores organizados em carreira, ressalte-se o pagamento por subsídio aos servidores ocupantes de cargos

308-A As Leis Federais nos 11.143/05 e 11.144/05 regulamentam o disposi-tivo, fixando o teto remuneratório em R$ 21.500,00, retroativo a 1º de janeiro de 2005, e R$ 24.500,00, a partir de 1º de janeiro de 2006, aplicáveis aos Ministros do STF e ao Procurador-Geral da República.

309 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 172.

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das carreiras policiais, conforme determinação do parágrafo 9º do art. 144 da Constituição Federal.

5.8. Aposentadoria do servidor

Aposentadoria é o direito do servidor à inatividade remu-nerada, em virtude da ocorrência de um infortúnio que o torne inapto para o trabalho, ou por já haver dado sua parcela de contribuição à sociedade.

Segundo as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “é o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de tempo de exercício no serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição. Daí as três modalidades de aposentadoria: por invalidez, compulsória e voluntária”310.

Até a edição da Emenda Constitucional nº 3, de 17 de mar-ço de 1993, a aposentadoria dos servidores públicos era custea-da integralmente com recursos provenientes exclusivamente do Estado, sem qualquer participação do servidor. A referida Emenda passou a prever a possibilidade de o servidor contri-buir no custeio da previdência, o que acabou por tornar-se regra obrigatória, a todos imposta, a partir da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.

O regime de previdência social pois, deve ser entendido, nas lições de Di Pietro, “à semelhança do contrato de segu-ro, em que o segurado paga determinada contribuição, com vistas à cobertura de riscos futuros. Os segurados contribuem compulsoriamente, mas nem todos usufruem dos benefícios, porque nem sempre se caracteriza a situação de risco coberta pela previdência social”311 (grifos nossos).

310 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 446.

311 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 447.

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5.8.1. Modalidades de aposentadoria

A Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, apesar de estabelecer novas regras para a concessão do benefício, manteve as três modalidades de aposentadoria con-sagradas pelo art. 40 da Constituição Federal originária, quais sejam, por invalidez, compulsória e voluntária.

Dá-se a aposentadoria por invalidez, quando o servidor, em razão de acidente, moléstia ou doença, torna-se inapto para o trabalho. A aposentadoria por invalidez será com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. Essa é a redação do inciso I do parágrafo 1º do art. 40 da Constituição Federal que disciplina o assunto.

A aposentadoria compulsória, prevista no inciso subse-qüente (inciso II do parágrafo 1º do art. 40), ocorre quando o servidor, homem ou mulher, completar setenta anos de idade e dar-se-á com proventos proporcionais ao tempo de contribui-ção.

Finalmente, temos a hipótese de aposentadoria voluntária. Esta hipótese ocorre quando o servidor, que comprove dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, requer à Administra-ção a passagem para a inatividade. Exige-se, no entanto, a ob-servância de mais algumas condições: a) para a aposentação com proventos integrais é necessário, ainda, que, se homem, o servidor comprove 60 anos de idade e 35 de contribuições, ou, quando mulher, 55 anos de idade e 30 de contribuições à Previdência, e; b) para a aposentação com proventos propor-cionais exige-se 65 ou 60 anos de idade, conforme tratem-se de homens ou mulheres.

A Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, no entanto, limitou a integralidade dos proventos de aposenta-doria ao valor estabelecido como teto para o regime geral de

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Previdência Social disciplinado pelo art. 201 da Constituição da República que, nos termos do art. 5º da referida Emenda Cons-titucional, foi fixado em dois mil e quatrocentos reais, devendo, a partir da data da publicação desta Emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real, atuali-zado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência, o que já vem ocorrendo.

Destarte, não estão assegurados aos novos servidores a integralidade ilimitada dos proventos.

Também não estava assegurada a paridade de índices e critérios de reajuste com o pessoal da ativa, como ocorria até então.

No entanto, a Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, alcunhada “PEC paralela”, reestabelece a paridade com os ativos para os servidores aposentados segundo os critérios da Emenda Constitucional nº 41/03. Com isso, seus proventos passarão a ser revistos na mesma proporção e na mesma data dos servidores da ativa.

Desde a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, acabaram as inúmeras hipóteses de aposentadorias especiais antes existentes, mantendo-se, apenas, as previstas nos parágrafos 4 e 5 do art. 40.

Nos termos do parágrafo 4º do art. 40, com nova reda-ção dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regi-me de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: a) portadores de deficiência; b) que exerçam atividades de risco, e; c) cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que preju-diquem a saúde ou a integridade física.

Manteve-se, ainda, a aposentadoria especial para pro-fessores com tempo exclusivo de regência em ensino infantil, fundamental e médio, in verbis: “Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em 5 (cinco) anos, em

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relação ao disposto no § 1º, III, ‘a’, para o professor que com-prove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.

Além disso, nos termos do parágrafo 21 inserido pela EC nº 47/05, a contribuição previdenciária incidirá apenas sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os bene-fícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de doença incapacitante.

5.8.2. Regras de transição para aposentadoria dos ser-vidores após o advento da Emenda Constitucional nº 41/03

Com o advento da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, cuja publicação ocorreu no Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 2003, houve a necessidade do estabelecimento de regras para garantir o direito de aposenta-doria daqueles que já haviam ingressado no sistema antes da alteração constitucional, como forma de respeito ao primado da proporcionalidade.

A Emenda Constitucional nº 41/03, assim, consagra três regras de transição, obedecidos os seguintes critérios: a) pre-enchimento dos requisitos antes de sua publicação; b) ingresso no serviço público antes do advento da Emenda Constitucional nº 20/98, e; c) ingresso no serviço público antes do advento da Emenda Constitucional nº 41/03.

5.8.2.1. Preenchimento dos requisitos antes da publi-cação da EC nº 41/03

Nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41/03, “é assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentado-ria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus depen-

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dentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente”.

Trata-se, pois, do reconhecimento expresso à proteção constitucional do direito adquirido, aplicável àqueles servido-res que já se encontravam aposentados na data de entrada em vigência da Emenda, e ao ato jurídico perfeito, alcançando aqueles que, embora já preenchessem os requisitos exigidos para aposentação em época própria, optaram por permanecer na atividade.

Estão assegurados a esses servidores a integralidade dos proventos, bem como a paridade de índices e critérios de reajustes com o pessoal da ativa.

5.8.2.2. Ingresso no serviço público antes da entrada em vigência da EC nº 20/98

A mais dura das regras de transição imposta pela Emenda Constitucional nº 41/03, aplicava-se aos servidores públicos que ingressaram no sistema antes da entrada em vigência da Emenda Constitucional nº 20, publicada no Diário Oficial de 16 de dezembro de 1998.

Embora a Emenda Constitucional nº 41 trouxesse uma possibilidade de aposentação com idade mais reduzida que a prevista na nova regra e na outra regra de transição, para seu exercício era exigido acréscimo de tempo de contribuição, além de um redutor do valor do benefício para cada ano de anteci-pação.

Nesta hipótese, ainda, a aposentadoria seria concedida com proventos integrais não limitados ao teto do regime geral de Previdência Social previsto no art. 201 da Carta da Repúbli-ca, mas não estava assegurada a paridade de índices e crité-rios de reajustes com o pessoal da ativa.

A Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, estabelece uma nova transição para esses servidores. Pela

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nova regra, eles poderão se aposentar com proventos integrais em idade mínima resultante da redução de um ano para cada ano que exceder os trinta e cinco anos normalmente exigidos de contribuição, para os homens, ou trinta, para as mulheres. Para isto, deverão ter vinte e cinco anos de exercício no servi-ço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria.

A EC nº 47/05, ainda, assegura a paridade de índices e critérios de reajuste de seus proventos em relação ao do pes-soal em atividade.

Nos termos do parágrafo 2º do art. 2º da Emenda Constitu-cional nº 41/03, aplica-se ao Magistrado e ao membro do Minis-tério Público e de Tribunal de Contas o disposto nesse artigo. A essas categorias, ainda, se homem, aplica-se um acréscimo de dezessete por cento ao tempo de serviço exercido até a data da publicação da Emenda Constitucional nº 20/98.

Aos professores, ainda, assegura-se o acréscimo de de-zessete por cento, se homem, e vinte por cento, se mulher, ao tempo de serviço exercido até a data da publicação da Emenda Constitucional nº 20/98, desde que se aposente, ex-clusivamente, com tempo de efetivo exercício nas funções de magistério.

5.8.2.3. Ingresso no serviço público antes da entrada em vigência da EC 41/03

A outra regra de transição vem disposta no art. 6º da Emenda Constitucional nº 41/03 que exige, cumulativamen-te, o preenchimento dos seguintes requisitos: a) sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher; b) vinte anos de efetivo exercício no serviço públi-co, sendo dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exer-cício no cargo em que se der a aposentadoria, e; c) tempo de contribuição mínimo de 35 anos, para homem, e 30 anos, se mulher.

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Nesta hipótese, fica assegurada a concessão da aposenta-doria com proventos integrais não limitados ao teto do regime geral de Previdência Social previsto no art. 201 da Constituição da República, bem como a paridade de índices e critérios de reajustes com o pessoal da ativa.

Conforme já mencionado, é facultada a opção por essa regra aqueles que ingressaram antes da entrada em vigência da Emenda Constitucional nº 20/98.

5.9. Pensão

A aposentadoria do servidor público não deve ser con-fundida com a pensão por morte, devida aos seus depen-dentes que, nos termos do parágrafo 7º do art. 40 da Cons-tituição Federal será igual: a) ao valor da totalidade dos pro-ventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de Previdência Social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da par-cela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbi-to, e; b) ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de Previdência Social de que trata o art. 201, acrescido de se-tenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade à data do óbito.

Destarte, a Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, pôs fim ao direito de pensão com proventos integrais, “igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento”. A partir de sua edição, não estão assegurados aos novos pensionistas a integralidade dos proventos, tampou-co a paridade de índices e critérios de reajustes com o pessoal da ativa, como ocorria até então, devendo os proventos serem revistos conforme critérios estabelecidos em lei, nos termos do parágrafo 8º do art. 40 da Constituição Federal.

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5.10. Contribuição previdenciária de inativos e pensionistas

Nos termos do parágrafo 18 do art. 40 da Constituição Fe-deral, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 41/03, de 19 de dezembro de 2003, “incidirá contribuição sobre os pro-ventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabe-lecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos”.

E, conforme disposição do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, também estarão sujeitos ao pagamento de contribuição previdenciária os inativos e pensionistas em gozo de benefícios na data da publicação desta Emenda, bem como aqueles que já haviam preenchido os requisitos à época própria (tutelados, pois, pelo instituto do ato jurídico perfeito), que incidirá sobre a parcela dos benefícios que superem: a) cinqüenta por cento do li-mite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de Previdência Social de que trata o art. 201 da Constituição da Re-pública, para os servidores inativos e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e; b) sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de Previdência Social de que trata o art. 201 da Constituição Fe-deral, para os servidores inativos e pensionistas da União.

Os arts. 5º e 6º da Lei Federal nº 10.887, de 18 de junho de 2004, fixam a alíquota da contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas federais em 11% (onze por cento), inci-dentes sobre os valores acima discriminados.

A previsão constitucional de cobrança de contribuição pre-videnciária dos inativos e pensionistas que já se encontravam em gozo de benefícios na data da publicação da Emenda Cons-titucional nº 41/03, bem como daqueles que já haviam preen-chido os requisitos à época própria, tem suscitado grande de-bate na dogmática constitucionalista.

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O art. 4º da Emenda Constitucional nº 41 estaria lesando o direito adquirido daqueles servidores que já se encontravam aposentados na data de entrada em vigência da Emenda, e o ato jurídico perfeito, daquel’outros que já haviam preenchido os requisitos exigidos para aposentação?

Antes de analisarmos a questão atual, é de bom alvitre relembrarmos que, após o advento da Emenda Constitucional nº 20, publicada no Diário Oficial de 16 de dezembro de 1998, houve uma tentativa de instituição de cobrança de contribuição previdenciária de inativos e pensionistas, por meio da edição da Lei Federal nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999.

À época, a doutrina levantou três principais aspectos que impossibilitariam a cobrança, quais sejam: a) o caput do art. 40 da Constituição Federal previa que “aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é as-segurado regime de previdência de caráter contributivo...” e os aposentados e pensionistas não seriam titulares de cargos efetivos; b) a cobrança de contribuição dos que já eram inativos e pensionistas, ou daqueles que já haviam preenchido os re-quisitos para tanto, ofenderia o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, respectivamente, e; c) a lei estaria instituindo uma con-tribuição sem causa, pois não traria nenhuma contraprestação ao contribuinte pelo pagamento do tributo.

No julgamento de medida cautelar na Ação Direta de In-constitucionalidade nº 2.010/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal determinou a suspen-são da cobrança da contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas criada pela Lei Federal nº 9.783/99, por entender inconstitucional sua exigência, eis que “o Congresso Nacional absteve-se, conscientemente, no contexto da reforma do mo-delo previdenciário, de fixar a necessária matriz constitucio-nal, cuja instituição se revelava indispensável para legitimar, em bases válidas, a criação e a incidência dessa exação tribu-tária sobre o valor das aposentadorias e pensões”. Ademais,

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“sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou majo-ração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime previdenciário de caráter contributivo, deve haver, necessa-riamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contri-buição”312.

A partir da entrada em vigência da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que autoriza a instituição de contribuição previdenciária para inativos e pensionistas – fi-xando, pois, a referida matriz constitucional – e com a edição da Lei Federal nº 10.887/04, que instituiu a exação, seria cons-titucional a cobrança?

Cremos que não. Embora a edição da Emenda Constitucional nº 41/03 solu-

cione o problema da falta de previsão constitucional para a insti-tuição do tributo, persistem os outros problemas apontados, quais sejam, o da ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, bem como o da criação de contribuição social sem causa.

Nesse diapasão é o entendimento de José Afonso da Silva que, consultado pela Associação Nacional dos Membros do Mi-nistério Público, elaborou parecer, datado de 28 de novembro de 2003, no qual afirma que “a incidência de contribuição pre-videnciária sobre proventos de aposentadoria e pensões não é constitucional. Pois, como demonstrado no curso deste pare-cer, a contribuição sobre os proventos da inatividade e sobre as pensões se revelam com a natureza de tributo sem causa, o que contraria o princípio constitucional (art. 40, parágrafo 1º), segundo o qual as contribuições previdenciárias só serão legí-timas enquanto causais, ou seja, enquanto vinculadas a uma

312 STF – ADIn nº 2.010-MC/DF – Rel. Ministro Celso de Mello – DJU 12.04.02.

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contraprestação futura, pelos benefícios previdenciários: apo-sentadoria remunerada e pensões aos dependentes do contri-buinte”.

Como se não bastasse as inconstitucionalidades aponta-das, a Emenda Constitucional nº 41/03 ainda estabelece di-ferenças entre o valor da contribuição que seria devida pelos atuais aposentados e pensionistas que, nos termos do art. 4º da Emenda incidiria sobre o montante que ultrapassasse cin-qüenta por cento do limite máximo estabelecido para os bene-fícios do regime geral de Previdência Social de que trata o art. 201 da Constituição da República, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e sessenta por cento deste limite para os servidores inativos e pensionistas da União, ao passo que para os futuros contribuintes, nos termos do pará-grafo 18 do art. 40 da Constituição Federal, incidirá sobre o valor dos proventos “que superem o limite máximo estabele-cido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos”.

Com isso, pretendeu-se instituir tratamento diferenciado entre contribuintes em situação equivalente, o que ofenderia a regra genérica de igualdade constante do caput do art. 5º, bem como o princípio de isonomia tributária insculpido no inciso II do art. 150 da Constituição da República, que veda, expressamen-te, essa distinção.

A exigência do pagamento de contribuição previdenci-ária pelos servidores inativos e pensionistas foi questiona-da por Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ADIn 3.128-DF).

O julgamento teve início em maio de 2004, quando a Re-latora, Ministra Ellen Gracie, posicionou-se pela inconstitucio-nalidade da tributação, argumentando, em síntese, que: a) a Emenda Constitucional ofende o direito adquirido e o ato ju-rídico perfeito; b) afronta o princípio da isonomia tributária ao

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estabelecer tratamento diferenciado entre contribuintes que se encontram na mesma condição jurídica, prevendo percentuais diferentes para atuais e futuros inativos; c) institui contribuição sem causa, e; d) representa bitributação, vez que a nova exa-ção se acresceria a já incidente sobre os benefícios na forma de Imposto de Renda e Proventos.

O Ministro Carlos Britto acompanhou a Relatora. O Ministro Joaquim Barbosa divergiu, entendendo consti-

tucional a cobrança e fundamentando, quanto a suposta ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, ser inadmissível “conservadorismo irrazoável de imutabilidade perpétua e an-tidemocrática que impeça ponderação com outros princípios constitucionais, com fins de promover correção de desigualda-des sociais” e que o princípio da solidariedade, insculpido nos incisos I e III do art. 3º da Constituição Federal justificaria a tributação.

O Ministro que votaria em seguida, Cezar Peluso, pediu vistas do processo, interrompendo o julgamento que seria reto-mado no dia 18 de agosto de 2004313.

Em seu voto, o Ministro Peluso reconhece que o princípio da solidariedade autoriza a tributação dos inativos e pensionis-tas, bem como que “no rol dos direitos subjetivos inerentes à situação do servidor inativo não consta o de imunidade tribu-tária absoluta dos proventos correlatos”. Vislumbrou, no entan-to, inconstitucionalidade na diferenciação de percentuais entre atuais e futuros inativos e pensionistas, e determinou que a co-brança incida, para todos, apenas sobre o percentual que ultra-passe o teto estabelecido no art. 5 da EC/41, que atualmente encontra-se fixado em R$ 2.508,73.

O Ministro Joaquim Barbosa – que já havia se posicionado – reformou seu voto para se ajustar a este entendimento, que também foi seguido pelos Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes,

313 STF – ADIn nº 3.128/DF – Rel. Ministra Ellen Gracie – DJU 02.06.04.

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Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, sagrando a tese vencedora.

Além da Ministra Ellen Gracie e de Carlos Britto, votaram pela inconstitucionalidade da tributação, os Ministros Marco Au-rélio Mello e Celso de Mello.

Segundo o Ministro Marco Aurélio, a EC 41/03 ofende direi-tos adquiridos – intocáveis pelo poder de reforma constitucional – “porque cobra-se a seriedade dos representantes do povo”. E salientou que, “a essa altura, considerados servidores que estão aposentados há 15 anos ou mais, introduzir quanto a eles, a títu-lo de contribuição, um ônus, diminuindo-se os proventos, é algo que conflita frontalmente com a Constituição Federal e implica até mesmo o maltrato à dignidade da pessoa humana”314.

5.11. Contribuição previdenciária dos servidores em atividade

Conforme mencionado, até a edição da Emenda Consti-tucional nº 3, de 17 de março de 1993, a aposentadoria dos servidores públicos era custeada integralmente com recursos provenientes exclusivamente do Estado, sem qualquer partici-pação do servidor. A referida Emenda passou a prever a pos-sibilidade de o servidor contribuir no custeio da previdência, o que acabou por tornar-se regra obrigatória, a todos imposta, a partir da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.

Atualmente, o caput do art. 40 da Constituição da Repúbli-ca, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, prescreve “regime de previdên-cia de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que lhe preservem o equi-líbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo”.

314 STF – ADIn nº 3.128/DF – Rel. Ministra Ellen Gracie – DJU 27.08.04.

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A Lei Federal nº 10.887, de 18 de junho de 2004, em seu art. 4o, estabelece que a contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autar-quias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição.

O parágrafo 1º do referido artigo conceitua base de con-tribuição como a totalidade do vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabeleci-das em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer ou-tras vantagens, excluídas: a) as diárias para viagens; b) a ajuda de custo em razão de mudança de sede; c) a indenização de transporte; d) o salário-família; e) o auxílio-alimentação; f) o au-xílio-creche; g) as parcelas remuneratórias pagas em decorrên-cia de local de trabalho; h) a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança, e; i) o abono de permanência de que tratam o parágrafo 19 do art. 40 da Constituição Federal, o parágrafo 5º do art. 2º e o pa-rágrafo 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.

Faculta, ainda, ao servidor ocupante de cargo efetivo, optar pela inclusão na base de contribuição de parcelas remunerató-rias percebidas em decorrência de local de trabalho, do exer-cício de cargo em comissão ou de função de confiança, para efeito de cálculo do benefício a ser concedido com fundamento no art. 40 da Constituição da República e art. 2º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, respeitada, em qualquer hipótese, a limitação estabelecida no parágrafo 2º do art. 40 da Carta da República.

5.12. Tempo de serviço e de contribuição

A contagem de tempo, segundo a dicção do parágrafo 9º do art. 40 da Constituição Federal, deve ser entendida de duas formas: a) contagem de tempo para aposentadoria, e; b) contagem de tempo para disponibilidade.

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Vejamos como dispõe o referido dispositivo e o que lhe segue: “O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria e o tempo de servi-ço correspondente para efeito de disponibilidade”, e, “a lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício”.

Com isso, quando nos referimos à contagem de tempo para aposentadoria, este será, necessariamente, de contribuição à previdência social, sendo vedado, por exemplo, considerar-se tempos de estágio, de serviços relevantes à sociedade, ou de cursos de formação para os quais não sejam recolhidas contri-buições para a previdência, neste cômputo.

Já quando se colocar servidor estável em disponibilida-de, pela extinção do seu cargo, levar-se-á em conta o tempo de serviço para a fixação dos vencimentos proporcionais até seu adequado aproveitamento em outro cargo, independentemente de tempo de contribuição, conforme dicção expressa do pará-grafo 3º do art. 41 da Constituição Federal.

5.13. Sindicalização e direito de greve do servidor

A sindicalização e o direito de greve dos servidores vêm previstos nos incisos VI e VII do art. 37 da Constituição Federal, que dispõem: “VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical, e; VII – o direito de greve será exer-cido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.

Tais direitos apresentam-se como inovações da Carta Po-lítica de 1988, posto que não vinham previstos na Constituição Federal anterior.

Lucia Valle Figueiredo, em precioso estudo sobre esses temas afirma que, “quanto à sindicalização – possibilida-de de se organizar em categorias e ser representado pelo sindicato correspondente – não vemos problema maior. É uma grande conquista dos agentes públicos, sem sombra de dúvida”.

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510 Curso de Direito Constitucional

Porém, adverte: “Sem embargo do fortalecimento evidente da categoria, há de se deixar claro de que o direito de greve não pode ser absoluto, mesmo inexistente lei que o demarque.

O direito de greve deve guardar nítida compatibilidade com as necessidades do serviço público, dos interesses primá-rios a serem definidos pela Administração.

Não se concebe, por exemplo, que greve seja feita pela Polícia, seja ela civil, militar ou federal, a não ser que fiquem totalmente resguardados os interesses da população. Também não se poderia sequer imaginar greve de juízes, paralisando-se a Administração da Justiça”315 (grifos nossos).

Embora os administrativistas pátrios considerem que o di-reito de greve dos servidores públicos pode ser exercido inde-pendentemente de produção legislativa autorizativa, por tratar-se de norma jurídica de eficácia contida, não é este o entendi-mento do Supremo Tribunal Federal.

Nesse diapasão é o Relatório do Ministro Celso de Mello, proferido no julgamento em plenário do Mandado de Injunção nº 20-DF e corroborado no julgamento do MI 585-TO316, entre outros.

Segundo entendeu o Ministro, “o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conse-qüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar ple-namente, depende da edição da lei exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constitui-ção – para justificar o seu imediato exercício”317.

315 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 574.

316 MI 585-TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 02.08.2002.317 MI 20-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 22.11.1996.

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Destarte, segundo o entendimento da Suprema Corte, até a devida regulamentação, as greves realizadas por servidores públicos são ilegais.

6. LICITAÇÃO

As pessoas têm como procedimento buscar a melhor pro-posta para realizar negócios. Não poderia ser diferente na Admi-nistração Pública. Todavia, enquanto aos particulares essa pro-cura é facultativa – por terem a liberdade de dispor livremente de seus recursos, mesmo que para realizar um “mau negócio” – o mesmo não se verifica com as entidades governamentais que es-tão, quase sempre, obrigadas a realizar um procedimento prévio com o objetivo de encontrar a oferta que se lhes apresente mais vantajosa. A esse procedimento dá-se o nome de licitação.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua licitação como “o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa gover-namental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condi-ções por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados”318.

6.1. Obrigatoriedade de licitação

A obrigatoriedade da realização de licitações públicas en-contra seu imperativo legal no inciso XXI do art. 37 da Constitui-ção Federal de 1988, que está assim redigido: “Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação

318 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 456.

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pública que assegure igualdade de condições a todos os con-correntes, mantidas as condições efetivas da proposta, nos ter-mos da lei, o qual somente permitirá exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (grifos nossos).

Além desses casos, a Constituição da República também exige o procedimento licitatório para a realização de conces-sões e permissões de serviços públicos, conforme se de-preende do exame do caput do art. 175 deste Diploma, in ver-bis: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (grifos nossos).

Estão obrigados à licitação pública, tanto as pessoas políticas quanto às entidades de suas Administrações indiretas, ou seja, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista, e demais entidades controladas direta ou indireta-mente pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, independentemente do nomen juris que lhes seja atribuído.

Prevê, ainda, o parágrafo único do art. 119 da Lei Federal nº 8.666/93, corroborando o inciso III do parágrafo 1º do art. 173 da Constituição de 1988, que as sociedades de economia mis-ta, empresas e fundações públicas, bem como entidades direta ou indiretamente controladas pelas pessoas jurídicas de capa-cidade política, editarão regulamentos próprios subordinados às disposições da lei em apreço, os quais serão publicados na imprensa oficial, após aprovação pela autoridade de nível supe-rior a qual estejam vinculadas.

Ressalte-se que a Constituição Federal, nos dois momen-tos em que cuida da obrigatoriedade da realização de licitações e contratos administrativos (inciso XXVII do art. 22 e inciso XXI do art. 37), bem como quando prevê a elaboração dos regula-mentos acima mencionados, não estabelece diferenças entre empresas públicas, sociedades de economia mista e funda-ções prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividades econômicas, de sorte que estão obrigadas a licitar.

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Essa obrigatoriedade, no entanto, não alcança os atos tipica-mente comerciais ligados ao desempenho das atividades fins das empresas estatais.

Assim é que, o Banco do Brasil ou a CEF, v.g., não estão obrigados a licitar para celebrarem contratos de mútuo ou se-guro, a Embraer (mesmo antes de privatizada) não vendia seus aviões por intermédio de procedimento licitatório e, também os Correios não a realiza para a venda de selos. Isto porque a lici-tação é incompatível com a dinâmica do mercado, no qual es-sas empresas estão inseridas, e acabaria por representar sério entrave ao alcance das finalidades comerciais ou de prestação de serviços buscados por estas entidades. Da mesma forma, entendemos não serem obrigadas a licitar para a aquisição dos insumos necessários ao atendimento de seus precípuos fins.

Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello explica com inigualável propriedade: “Ora, quem quer os fins não pode negar os indispensáveis meios. Logo, nestas hipóteses em que o procedimento licitatório inviabilizaria o desempenho das atividades específicas para as quais foi instituída a entidade en-tender-se-á inexigível a licitação. Isto ocorre quando suas aqui-sições ou alienações digam respeito ao desempenho de atos tipicamente comerciais, correspondentes ao próprio objetivo a que a pessoa está proposta e desde que tais atos demandem a agilidade, a rapidez, o procedimento expedito da vida negocial corrente, sem o que haveria comprometimento da boa realiza-ção de sua finalidade” (grifos no original)319.

6.1.1. Alcance do imperativo constitucional que obriga a realização de licitações públicas

A obrigatoriedade da realização de procedimento licitatório, como vimos, atinge as entidades das Administrações direta e

319 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 467.

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indireta dos três Poderes da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, por força dos mencionados dispositivos e nos exatos termos acima delineados.

Faz-se importante ressaltar que as empresas pertencentes a particulares, bem como as entidades conhecidas como paraes-tatais, não estão sujeitas ao regime jurídico licitatório, em razão da liberdade que possuem para dispor livremente sobre seus negócios. Assim é que, mesmo as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, responsáveis pela presta-ção desses serviços em virtude de delegação que lhes fora con-ferida pelo Poder Público, como regra não se obrigam a licitar.

Todavia, quem receber recursos provenientes do Estado sujeita-se às sanções previstas na Lei de Improbidade Admi-nistrativa (Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992) deven-do, portanto, dar conta da utilização desses recursos.

É isto o que dispõe seu art. 1º, quando afirma que “os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servi-dor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacio-nal de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou cus-teio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüen-ta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei” (grifos nossos).

E, em seu parágrafo único, complementa: “Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade pra-ticados contra o patrimônio de entidade que receba subven-ção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”.

Dessa forma, os delegatários de serviços públicos, organi-zações sociais, associações civis sem fins lucrativos, serviços

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515Administração Pública

sociais autônomos, organizações da sociedade civil de interes-se público, e outras entidades predominantemente administra-das pela iniciativa privada, em virtude de não integrarem a es-trutura da Administração Pública brasileira, não estão sujeitas à observância da legislação estatal sobre Licitações e Contra-tos Administrativos, estando, porém, obrigadas a elaborar seus próprios regulamentos de licitações e contratações, sempre que receberem recursos provenientes dos cofres públicos no custeio de suas atividades320.

6.2. Legislação aplicável

A Constituição Federal confere competência privativa à União para legislar sobre “normas gerais de licitação e contra-tação, em todas as modalidades, para as administrações pú-blicas, diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III” (grifos nossos).

É o que prescreve o inciso XXVII de seu art. 22, com a re-dação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998.

Destarte, a competência para legislar sobre licitação assis-te às quatro ordens de pessoas jurídicas de direito constitucional interno, quais sejam, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Apesar disso, cabe à União fixar as normas gerais sobre a matéria, ao passo que às demais pessoas políticas, cabe complementar as normas gerais editadas pela União naquilo que lhes for próprio, ajustando-as em suas necessidades regionais.

320 Neste diapasão cite-se, como exemplo, o entendimento do Egrégio Tri-bunal de Contas da União, proferido por meio da Decisão nº 907/97-Plenário, de 11.12.97 (D.O.U. de 26.12.97), firmando o entendimento de que os serviços sociais autônomos não estão sujeitos aos estritos procedimentos da Lei nº 8.666/93, mas aos seus regulamentos pró-prios devidamente publicados.

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516 Curso de Direito Constitucional

A União, exercendo a competência que a Constituição da República lhe confere, editou o Estatuto Federal Licitatório (Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993), alterado, entre ou-tras, pela Lei Federal nº 8.883, de 8 de junho de 1994.

Seu art. 1º afirma que o conteúdo normativo estabelece “normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, com-pras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (grifos nossos).

O citado diploma normativo, no entanto, não traz em seu corpo apenas normas gerais, como manda ser o Texto Supre-mo, regulamentando todo o procedimento licitatório. Tal fato, portanto, apresenta-se como flagrante tentativa de invasão da competência constitucionalmente designada a Estados-mem-bros, Distrito Federal e Municípios de pormenorizarem as nor-mas gerais elaboradas pela União, com vista a ajustá-las às realidades locais.

É certo que um dispositivo infraconstitucional não tem o condão de abalar o rígido esquema de divisão de competên-cias elaborado pela Constituição da República, razão pela qual, resta evidente, que Estados-membros, Distrito Federal e Muni-cípios não tiveram subtraído, nessas áreas, a prerrogativa le-gislativa que lhes fora assegurada pela Carta Política. Dessa forma, as leis já produzidas são válidas e integram em tudo o ordenamento jurídico brasileiro desde que não ofendam as normas gerais prescritas pela Lei Federal de Licitações e Con-tratações da Administração Pública.

Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que “a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 8.666 é manifesta, porque nada deixa para que Estados e Municípios legislem em matéria de licitação e contrato administrativo”321.

321 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 294.

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517Administração Pública

Ressalte-se que algumas situações especiais fogem do âm-bito de aplicação do Estatuto Federal Licitatório, estando discipli-nadas por outros dispositivos legais como, v.g., as licitações relati-vas a telecomunicações (Lei Federal nº 9.472/97), às contratações realizadas com fulcro na lei que estruturou a Agência Nacional de Petróleo (Lei Federal nº 9.478/97), às concessões e permissões de serviços públicos (Lei Federal nº 8.987/95), entre outras.

6.3. Finalidades

A exigência da realização de licitações públicas preceden-do a celebração dos contratos administrativos possui duas fi-nalidades, conforme se infere da análise do art. 3º do Diploma Federal Licitatório: a primeira consiste em possibilitar aos en-tes públicos a realização do melhor negócio, pela competi-ção que se instala entre aqueles que preenchem os atributos e requisitos necessários para com ele contratar, e, a segunda, garantir a observância do princípio constitucional da isono-mia, assegurando aos administrados a oportunidade de contra-tar com essas pessoas.

Para considerações completas sobre o tema, reporta-mos o leitor ao nosso Licitações e Contratos Administrativos, dessa mesma editora, no qual tratamos detalhadamente do assunto, trazendo, inclusive, estudo detalhado sobre a Lei Federal nº 10.520/02, que dispõe sobre a modalidade de licita-ção denominada “pregão”.

7. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Inicialmente, é importante salientar que a responsabilida-de civil do Estado a que vamos nos referir, reporta-se às três ordens de funções ou poderes estatais, vale dizer, à executiva, à legislativa e à jurisdicional.

Assim, a responsabilidade não é pura e simplesmente decor-rente de comportamentos provindos da Administração Pública, po-

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518 Curso de Direito Constitucional

dendo apresentar-se como resultado da atuação das três funções estatais – cada uma com regras próprias – na medida em que essas, no desempenho de suas atribuições constitucionalmente delegadas, venham a acarretar prejuízo aos administrados.

Note-se que a expressão responsabilidade do Estado pre-tende designar, na realidade, tanto os entes políticos e as enti-dades de suas administrações indiretas, pessoas jurídicas de Direito Público ou de Direito Privado, titulares de direitos e obriga-ções, quanto os particulares prestadores de serviços públicos.

Ressalte-se que a responsabilidade não é do Estado, em sentido estrito, que não possui personalidade jurídica, notada-mente quando organizado de forma federativa, mas das pes-soas jurídicas que o compõem ou atuam em seu nome, nos termos que iremos delinear.

7.1. Delimitação do tema

A responsabilidade extracontratual do Estado – como o próprio nome já deixa antever – não se confunde com sua responsabilidade contratual. Esta deriva de acordos firmados entre o Estado e particulares, ou, até mesmo, de relações ju-rídicas existentes entre as diversas pessoas que compõem a Administração Pública, ao passo que aquela deriva de compor-tamentos outros, que não aqueles manifestados por meio de pactos de direitos e obrigações recíprocas.

Assim, a responsabilidade civil do Estado – ou de qual-quer pessoa – pode sobrevir de um contrato, vale dizer, de um acordo de vontades, ou de comportamentos outros que, invo-luntários, causem danos a terceiros. Daí porque preferimos de-nominar este capítulo “Responsabilidade extracontratual do Es-tado”, deixando claro, desde logo, que a responsabilidade aqui estudada não advém de relações fundadas na manifestação convergente de vontade das partes.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com propriedade, delimita o tema:

“A responsabilidade patrimonial pode decorrer de atos jurídi-cos, de atos ilícitos, de comportamentos materiais ou de omissão

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do poder público. O essencial é que haja um dano causado a tercei-ro por comportamento omissivo ou comissivo de agente do Estado.

Ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito admi-nistrativo ela pode decorrer de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o imposto aos demais membros da coletividade.

Pode-se, portanto, dizer que a responsabilidade extracon-tratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos co-missivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilíci-tos, imputáveis aos agentes públicos” 322 (grifos no original).

7.2. Teoria da irresponsabilidade

Ao longo dos anos, surgiram e se aperfeiçoaram três prin-cipais classes de teorias, no que respeita ao tema da responsa-bilidade extracontratual do Estado.

A primeira delas é a teoria da irresponsabilidade do Estado.

Já mencionamos que o Estado é uma forma moderna de organização da sociedade, resultado de uma longa evolução na maneira de organização do poder, que surge da necessidade his-tórica de se concentrar o Poder nas mãos de uma única pessoa, como forma de enfrentar os problemas pelos quais as sociedades vinham passando ao longo dos séculos, mormente do século XVI. Portanto, o Estado surge no modelo absolutista, calcado na fi-gura do Rei todo poderoso, o que, por si só, já impede qualquer tentativa de responsabilização do Estado nesse período.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro lembra que “a teoria da irres-ponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutistas e repousava fundamentalmente na idéia de soberania. O Estado

322 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. pp. 500-1.

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dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the king can do no wrong; le roi ne peut mal faire) e o de que ‘aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei’ (quod principi placuit habet legis vigorem). Qual-quer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito à sua soberania.

Essa teoria logo começou a ser combatida, por sua eviden-te injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar dano a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações” 323.

7.3. Teorias civilistas

A teoria da irresponsabilidade do Estado perdurou até o século XIX quando, só então, começou a ser substituída por teorias que adotavam princípios oriundos do direito civil, fun-dados na idéia de “culpa”.

Isso ocorreu em razão do início do declínio do absolutismo monárquico, quando os nobres iniciaram pressão com o intuito de se obter alguma responsabilização do Poder Público pelo prejuízo que este lhes causasse. Pensou-se, então, em uma forma que, ao mesmo tempo, atendesse ao reclamo dos nobres e mantivesse intacta a autoridade do Rei.

Numa primeira fase, dividiram-se os comportamentos ad-ministrativos em atos de império e atos de gestão.

Os atos de império eram aqueles praticados pela Admi-nistração com fundamento na supremacia que possui sobre os particulares. Funda-se no poder de império. Sujeitam-se, por-tanto, ao regime jurídico de direito público e, nesses casos, o particular está em situação de inferioridade perante a Admi-

323 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 502.

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nistração, que age com imperatividade e coercitividade. São, invariavelmente, atos unilaterais, por só considerarem, em sua formação, uma vontade: a do Estado. Como exemplos podemos citar os tombamentos, as desapropriações e as autorizações de uso de bem público e de serviços.

Já nos atos de gestão, os particulares encontram-se em si-tuação de igualdade perante a Administração Pública. Não cabe, nesses casos, invocar-se a supremacia do interesse público para compelir o administrado a algo. Nessas situações a Administra-ção praticava atos de sua rotina, do seu dia-a-dia, relacionados à conservação do patrimônio ou manutenção de seus serviços. São exemplos típicos desses atos: dirigir um automóvel, cortar galhos de uma árvore, aparar a grama e realizar a limpeza do prédio público.

Essa divisão abrandava a teoria da irresponsabilidade do Estado, na medida em que se passou a admitir a responsabi-lidade civil decorrente de atos de gestão, desde que compro-vada a culpa, e a afastá-la nas hipóteses de atos de império, preservando-se a figura do Rei, insuscetível de errar.

Di Pietro anota que “surgiu, no entanto, grande oposição a essa teoria, quer pelo reconhecimento da impossibilidade de dividir-se a personalidade do Estado, quer pela própria difi-culdade, senão impossibilidade, de enquadrar-se como atos de gestão todos aqueles praticados pelo Estado na administração do patrimônio público e na prestação de seus serviços.

Embora abandonada a distinção entre atos de império e de gestão, muitos autores continuaram apegados à doutrina civilis-ta, aceitando a responsabilidade do Estado desde que demons-trada a culpa. Procurava-se equiparar a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos. Era a teoria da culpa civil ou da responsabili-dade subjetiva” 324 (grifos nossos).

324 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. pp. 502-3.

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522 Curso de Direito Constitucional

Ressalte-se que o artigo 15 do Código Civil Brasileiro de 1916, seguindo essa diretriz teórica, adotava a teoria da respon-sabilidade subjetiva do Estado por comportamentos administra-tivos. O Código Civil atual trata do tema da Responsabilidade Civil do Estado em seu art. 43, com dispositivo semelhante ao insculpido no parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988, corroborando a tese da responsabilidade do Estado por comportamentos administrativos, conforme se verá a seguir.

7.4. Teorias publicistas

O início da responsabilidade extracontratual do Estado, se-gundo critérios publicistas, deu-se com o famoso caso Blanco, ocorrido em 1873, na França, cidade de Bordeaux, quando a menina Agnès Blanco, ao atravessar uma rua foi atropelada por uma vagonete da Companhia Nacional de Manufatura do Fumo.

Conta-nos Di Pietro que “seu pai promoveu ação civil de in-denização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribui-ções entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solu-cionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço pú-blico. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a re-gras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados”325.

A partir daí surgem diversas teorias publicistas para a responsabilização do Estado por atos administrativos, sendo

325 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 504.

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as principais delas a teoria da culpa administrativa e a teo-ria do risco.

A teoria da culpa administrativa fundava-se na proble-mática do funcionamento do serviço público. Assim, procurava distinguir a culpa do servidor (que, caso comprovada, o faria responder pessoalmente pelo resultado danoso), da culpa do serviço em si, quando, pela impossibilidade de identificar-se o agente responsável, responsabilizava-se o Estado pelo mau funcionamento, não-funcionamento ou pelo atraso do fun-cionamento de dado serviço público.

Na teoria do risco integral, que serve de fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, a idéia de cul-pa é substituída pela comprovação do nexo de causalidade, existente entre o funcionamento do serviço público e o preju-ízo sofrido pelo administrado. Assim, pouco importa que o serviço público tenha se dado de forma regular e lícita; comprovado que foi ele quem deu causa a um prejuízo injus-tificado ao particular, cabe responsabilizar-se o Estado por tal ato, independentemente de olhar-se para os ingredientes sub-jetivos do ato, vale dizer, a comprovação da culpa do agente ocasionada por condutas negligentes, imprudentes ou imperi-tas. A responsabilidade, portanto, é objetiva (basta o fato), independendo de exame do ingrediente subjetivo (sujeito causador do fato).

7.5. Responsabilidade extracontratual do Estado por comportamentos administrativos no direito bra-sileiro

A responsabilidade extracontratual do Estado e dos presta-dores de serviços públicos está insculpida no parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988 que está assim redigido:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a ter-

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524 Curso de Direito Constitucional

ceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsá-vel nos casos de dolo ou culpa”.

Como se vê, a responsabilidade imposta aos entes esta-tais e às pessoas a eles equiparadas difere-se daquela que se aplica aos particulares. Estes apenas são chamados a responder pelos danos quando atuam com culpa, ou seja, a prática de atos com negligência, imprudência ou imperícia, ou quando agem com dolo, que é a vontade de causar o dano ou ter assumido o risco de provocá-lo.

Vejamos, pois, as regras da responsabilização do Estado quando da ocorrência de comportamentos comissivos (ações) ou omissivos.

7.5.1. Responsabilidade objetiva aplicável na “ação”

A Constituição Brasileira consagra a teoria objetiva ou do risco administrativo – que, ao contrário do que se verificava na responsabilidade por risco integral, admite abrandamentos – de sorte que, contra o Estado não é necessário, como regra, demonstrar-se a existência de culpa ou dolo, bastando demons-trar-se a relação causal existente entre a ação do Poder Públi-co e o resultado obtido. O sofredor do dano, portanto, não terá que fazer outras demonstrações, além da existência desse nexo de causalidade. O Estado responde, portanto, simples-mente por ter atuado.

Celso Antônio Bandeira de Mello, acertadamente, invoca o primado da isonomia para justificar a responsabilização, mesmo quando do comportamento lícito: “Com efeito o Estado pode, eventualmente, vir a lesar bem juridicamente protegido para sa-tisfazer um interesse público, mediante conduta comissiva le-gítima e que sequer é perigosa. É evidente que em tal caso não haveria cogitar-se de culpa, dolo, culpa do serviço ou qualquer traço relacionado com a figura da responsabilidade subjetiva (que supõe sempre ilicitude). Contudo, a toda evidência, o prin-cípio da isonomia estaria a exigir reparação em prol de quem

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525Administração Pública

foi lesado a fim de que se satisfizesse o interesse da coletivida-de. Quem aufere os cômodos deve suportar os correlatos ônus. Se a sociedade, encarnada juridicamente no Estado, colhe os proveitos, há de arcar com os gravames econômicos que infligiu a alguns para o benefício de todos”326 (grifos nossos).

É o que ocorreu, v.g., com a construção do “Elevado Costa e Sil-va”, na região central da cidade de São Paulo, onde a realização de obra lícita causou uma grande desvalorização dos imóveis lindeiros, em virtude do aumento excessivo do fluxo de veículos, que passam entre os prédios, causando visíveis transtornos. Nesta hipótese, não é necessário realizar prova de dolo ou culpa, mas apenas do liame existente entre esse comportamento lícito do Estado e os prejuízos experimentados, para que o Estado seja responsabilizado327.

7.5.2. Responsabilidade objetiva por dano nuclear

O inciso XXIII do art. 21 da Constituição Federal menciona que compete à União “explorar os serviços e instalações nu-cleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal so-bre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”. Após mencionar os princípios e condições que de-vem nortear tal atividade, vale dizer, a exigência de utilização desses recursos para “fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional” (alínea “a”), bem como a possibilidade de estabelecer-se “concessões e permissões para utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agríco-las ou industriais ou atividades análogas” (alínea “b”), adverte

326 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 793.

327 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Construção de viaduto por Prefeitura – Desvalorização dos imóveis lindeiros – Responsabilidade objetiva da administração – Nexo causal entre o dano e a ação da ad-ministração caracterizados – Obrigação de indenizar – Recurso extra-ordinário conhecido e provido (STF). RT 682/239.

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526 Curso de Direito Constitucional

que “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”. Estabelece a Constituição da República, portanto, que a responsabilidade do Estado decorrente de danos nucleares é objetiva.

Parte da doutrina sequer menciona esse tema quando trata da responsabilidade civil do Estado. Isso porque, como bem lembra-nos Diógenes Gasparini, “a instituição dessa responsabilidade era des-necessária, já que a satisfação dos danos decorrentes de qualquer atividade estatal nessa área é da responsabilidade do Estado, por força do que estabelece o § 6º do art. 37 da Lei Maior”328. Segundo o Professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, não se há de cogitar, nesse caso, de responsabilidade por risco integral ou de ausência do direito do Estado à ação regressiva.

7.5.3. Responsabilidade subjetiva aplicável na “omis-são”

No caso da omissão, contrariamente ao que se verifica na ação, não basta a simples ocorrência do dano, sendo necessá-ria a existência do elemento subjetivo “culpa”. Tal fato justifica-se por ter sido verificado, nos países que adotaram a teoria da res-ponsabilidade por risco integral, um excessivo alargamento das hipóteses que levavam o Estado a indenizar os particulares, o que acabaria por inviabilizar a própria atividade estatal, na medida em que se gastaria um volume de recursos muito grande com o paga-mento de indenizações, que deixaria de ser aplicado nas ativida-des essenciais.

Destarte, se a doutrina fosse admitir a teoria objetiva ou do risco em caso de culpa, a cada furto em que não estivesse presente uma viatura policial, poder-se-ia processar o Poder Pú-blico por falta dessa viatura. O Estado não tem o dever de ter um policial para cada cidadão. Neste caso, a omissão não acarretaria

328 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 837.

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527Administração Pública

responsabilidade nenhuma da Administração porque não havia o dever de atingir esse nível de prestação do serviço público.

Também não gera responsabilidade do Estado a ocorrên-cia de eventos absolutamente imprevisíveis pois, como é sa-bido, a previsibilidade deve estar presente para que se possa falar em existência de “culpa”. Assim é que, não acarretará em responsabilidade do Estado americano os atos praticados pe-los terroristas contra o World Trade Center, devido à absoluta surpresa causada pela ocorrência do evento.

Todavia, quando o Estado deixa de atingir o nível que é previsto legalmente, e que a ordem econômica e financeira do Poder Público permite, a omissão, por ser culposa, torna-se in-denizável. É o caso, v.g., de alguém que, desesperadamente chama o Corpo de Bombeiros, que não vem por problemas in-teiramente de sua alçada, como a inércia, ou coisa que o valha. Nesses casos, a omissão, por restar demonstrada a culpa da Administração Pública (no francês, faute du service, que signi-fica falha do serviço embora, equivocadamente, muitos tradu-zam como “falta do serviço”) torna-se indenizável.

Nas hipótese de omissão, portanto, a responsabilização do Estado só poderá ser atribuída caso a resposta aos seguintes questionamentos sejam afirmativas:

a) O Estado tinha o dever de evitar o resultado?b) Havia a previsibilidade de ocorrência do evento?c) As condições materiais e econômicas do Estado lhe

possibilitavam evitar o dano? Note-se que os três fatores devem estar presentes conco-

mitantemente, sendo que a ausência de apenas um deles já será suficiente para caracterizar a ausência de responsabilida-de extracontratual do Estado.

7.6. Excludentes da responsabilidade do Estado

Em algumas situações, é forçoso reconhecer que a res-ponsabilidade do Estado deva ser excluída.

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528 Curso de Direito Constitucional

A principal excludente da responsabilidade extracontratual do Estado consiste na culpa exclusiva do particular. Nessa situação, o Poder Público poderá demonstrar que, ao contrário do pretendido pelo particular, foi este quem na verdade pro-vocou o dano, agindo de forma culposa ou, até mesmo, dolosa. Todavia, não conseguindo fazer prova do dolo ou da culpa do administrado – ou fazendo-o de forma parcial – o Estado res-ponderá por tal prejuízo, na proporção de sua culpabilidade.

Outras excludentes da responsabilidade do Estado con-sistem no caso fortuito e na força maior. Tais eventos rela-cionam-se a acontecimentos que, absolutamente imprevisíveis ou inevitáveis, não podem ser imputados como ensejadores de responsabilidade ao Poder Público.

A dogmática administrativista brasileira diverge quanto aos conceitos desses institutos: um deles relaciona-se a compor-tamentos humanos, o outro, a eventos naturais. Maria Sylvia Zanella Di Pietro329, Celso Antônio Bandeira de Mello330 e Lu-cia Valle Figueiredo331, seguindo a “escola francesa”, entendem força maior como evento natural e caso fortuito aquele decor-rente de ações humanas. Hely Lopes Meirelles e Diógenes332 Gasparini333, fundamentando-se no art. 1.058 do Código Civil de 1916, invertem os conceitos.

O certo é que, em ambos os casos como, v.g., a queda de uma árvore, um vendaval, uma inundação, um furacão ou a

329 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 530.

330 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 865.

331 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 283.

332 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 618.

333 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 825.

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529Administração Pública

queda de um raio (força maior); ou quando ocorrerem greves ou o estouro do pneu de uma viatura policial (caso fortuito), a res-ponsabilização do Estado será excluída desde que não tenha atuado com culpa.

Lucia Valle Figueiredo traduz o pensamento unânime da doutrina pátria ao afirmar: “A força maior deve ser entendida dentro de seus limites próprios. Tais sejam: ocorrências naturais, imprevistas e imprevisíveis, que, verificadas, provocam danos.

Não se pode, entretanto, cogitar da existência de força maior quando, por exemplo, ocorram inundações na cidade, previsíveis e que demandariam obras de infra-estrutura não realizadas.

Doutra parte, também não se poderia dizer ter ocorrido força maior se tombasse árvore sobre carro estacionado, por ocasião de tempestade, se a árvore, por hipótese, estivesse sem exame de suas raízes por muito tempo. Ou, ainda, se já fora condenada por agrônomos. Somente a análise da hipótese concreta poderá resolver o problema”334.

Lembrando outro acontecimento, também não há de se falar em caso fortuito quando, conforme ocorrido em 21 de janeiro de 2001, o rompimento de um único cabo de transmissão de ener-gia elétrica, que liga a usina hidrelétrica de Ilha Solteira à subes-tação regional de Araraquara, é capaz de deixar dez Estados e o Distrito Federal sem energia elétrica, por um período que chegou a quatro horas em algumas localidades. Por certo há uma falha no sistema de proteção da hidrelétrica que, se comprovada, será suficiente para a responsabilização do Poder Público.

7.7. Responsabilidade por atos dos “agentes nessa qualidade”

Conforme menciona o parágrafo 6º do art. 37 da Constitui-ção Federal, a responsabilidade do Estado é pelos danos que

334 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 279-80.

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530 Curso de Direito Constitucional

seus “agentes, nessa qualidade causarem a terceiros” (grifos nossos).

Como vimos, a expressão “agente público” é utilizada para designar todo aquele que se encontre no cumprimento de uma função estatal, quer por representá-lo politicamente, por manter vínculo de trabalho de natureza profissional com a Ad-ministração, por ter sido designado para desempenhar alguma atribuição ou, ainda, por tratar-se de concessionário, permissio-nário ou delegatário de serviço público.

Todavia, é importante ressaltar que esta pessoa só será considerada agente público enquanto estiver no exercício de prerrogativas estatais, vale dizer, enquanto estiver investida da autoridade conferida pelo Poder Público para a prática de de-terminados atos.

Assim, a responsabilidade extracontratual do Estado não engloba apenas atos praticados por servidores públicos, mas comportamentos de todas as pessoas que, de alguma forma, agem em seu nome.

7.8. Reparação do dano, ação regressiva e denuncia-ção da lide

Conforme se depreende da análise do dispositivo consti-tucional em foco, o Poder Público é responsável pelos danos causados por seus agentes. Destarte, a pessoa lesada por uma ação ou omissão do Poder Público terá direito à repa-ração do dano, a ser realizada pelo Estado, o que poderá dar-se no âmbito administrativo, por entendimento entre as partes, ou por intermédio da propositura de uma ação de in-denização.

O Estado, por sua vez, se tiver condições de comprovar a culpa de seu agente, fará direito à ação regressiva, que con-siste na possibilidade de voltar-se contra o sujeito causador do dano para, após haver indenizado a vítima, recuperar do culpa-do o dinheiro gasto para o pagamento da indenização.

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531Administração Pública

Assim, pode-se afirmar que a responsabilidade do Esta-do é, em regra, objetiva, ao passo que a responsabilidade do agente será sempre subjetiva, na medida em que este só será obrigado a indenizar se houver atuado com dolo ou culpa. A propositura da ação regressiva, ressalte-se, é obriga-tória, em virtude do princípio da indisponibilidade do interesse público.

Por fim, resta-nos examinar o problema da possibilidade, obrigatoriedade ou impossibilidade de denunciação da lide. Esta consiste na obrigação legalmente imposta de, quando acionados judicialmente, trazermos ao processo outra pessoa que, ao final, suportará o encargo pago a título de indenização em sede de ação regressiva. Vejamos o que dispõe o Código de Processo Civil:

“Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato,

a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.

Uma análise apressada levaria-nos a crer na obrigatorie-dade, pelo Estado, da realização da denunciação da lide. To-davia, não podemos esquecer que a Constituição Federal é a suprema das leis, não podendo ser amesquinhada por disposi-tivos infraconstitucionais.

É nesse sentido a lição de Lucia Valle Figueiredo: “Não pode lei menor empecer a grandeza do instituto. A pretexto de discutível economia processual, não se pode deixar instaurar, no bojo da lide, outra lide – a do Estado e do funcionário – ocasionando graves percalços ao lesado.

Em magnífico artigo, Vicente Greco Filho expõe posição consoante a essa proposta. O inciso III do supracitado artigo, nos termos do emérito professor, refere-se ao garante. Não é o caso do funcionário, cuja responsabilidade seria ainda aferida. Na mesma linha de raciocínio Weida Zancaner, em sua precio-

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532 Curso de Direito Constitucional

sa monografia Responsabilidade Extracontratual da Adminis-tração Pública”335.

Do mesmo entendimento comunga Celso Antônio Bandei-ra de Mello, para quem este dispositivo apresenta-se como uma garantia do administrado contra equívocos praticados pelo Es-tado, e a denunciação do servidor à lide retardaria excessiva-mente o provimento jurisdicional, causando ainda mais prejuízo ao lesado336.

Outra dúvida que sempre surge: é possível que o particu-lar, esquecendo-se do Estado, promova a ação de indenização diretamente contra o agente causador do dano?

A resposta é afirmativa. Todos nós somos responsáveis quan-do, agindo com dolo ou culpa, causamos prejuízos a alguém. As-sim, em caso de culpa (em sentido amplo) do servidor, é possível que o particular promova a ação diretamente contra ele, a qual terá por fundamento os artigos 186 e 927 do Código Civil e não o parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988.

7.9. Responsabilidade do Estado por atos legislativos

Ao nosso ver, não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer óbice à integral responsabilização do Estado pela edi-ção de atos legislativos. Embora nossa opinião não se coadune com a da esmagadora maioria da jurisprudência pátria, ousa-mos defendê-la, apoiando-nos na melhor doutrina. Até porque nosso ponto de vista apresenta-se como corolário de toda a argumentação desenvolvida até aqui.

Aqueles que defendem a irresponsabilidade do Estado pela edição de atos legislativos invocam, em favor desta tese, três prin-cipais argumentos: o primeiro deles, no sentido de que o Poder

335 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 268.

336 Contra, citando Yussef Said Cahali: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 513.

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533Administração Pública

Legislativo atua com soberania, podendo alterar, criar, revogar ou extinguir situações sem qualquer limitação; o segundo argumento é de que o Poder Legislativo edita normas gerais e abstratas, vale dizer, normas que dirigem-se a todos os administrados, indistinta-mente; por fim, alegam que não se pode pretender responsabilizar o Estado por atos de parlamentares eleitos por nós mesmos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro responde com propriedade a estas críticas:

“1. Mesmo exercendo parcela da soberania, o Legislativo tem que se submeter à Constituição, de modo que acarreta res-ponsabilidade do Estado quando edita leis inconstitucionais;

2. Nem sempre a lei produz efeitos gerais e abstratos, de modo que o Estado deve responder por danos causados por leis que atinjam pessoas determinadas, mesmo que se trate de normas constitucionais;

3. Ao terceiro argumento, responde-se que a eleição do par-lamentar implica delegação para fazer leis constitucionais”337.

Por óbvio, a tese da irresponsabilidade não pode prosperar. Aos argumentos já delineados, acrescentamos mais alguns, de nossa lavra:

Em primeiro lugar, a tese de que o Legislativo atua com sobe-rania não se sustenta. Trata-se do mesmo argumento – simplório e incoerente – utilizado para justificar a “Teoria da irresponsabili-dade”, consubstanciada na singela afirmativa de que “o rei nunca erra”. O rei erra e – como não nos cansamos de repetir – o legis-lador também erra, principalmente em razão do caráter de hetero-geneidade que as Casas Legislativas – principalmente nos países com inclinação democrática, como o nosso – devem possuir.

Para refutar a segunda argumentação, utilizamo-nos das mes-mas razões que servem para justificar a responsabilidade objetiva do Estado; assim, pouco importa se o Legislativo edita normas

337 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 509.

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534 Curso de Direito Constitucional

agindo constitucionalmente. Para responsabilizar-se o Estado, por comissão, vimos que é dispensável a atuação ilícita, bastando a conduta que, por qualquer razão, acarrete um prejuízo despropor-cional a algum administrado. Basta o nexo de causalidade.

E, no que tange às leis de efeito concreto, verdadeiros “atos administrativos”, por se apresentarem como comandos in-dividuais e concretos, a jurisprudência acertadamente já tem aceito a responsabilização do Estado, em virtude do gravame excessivo que essa medida causa a pessoas específicas. É o que ocorre, v.g., quando uma lei determina a desapropriação de área particular, ou o tombamento de um imóvel (RDA 144:162).

Ao terceiro argumento, respondemos que o Estado age com “dever-poder”, no sentido de que a atuação legislativa é ônus dos parlamentares, na sua atribuição legal de prover o bem comum. Não é possível responsabilizar-se a população pela atuação ilegal e, muitas vezes, criminosa, de alguns depu-tados e senadores. Nós não os elegemos para isso. Mais ain-da, ninguém sabe ou pode comprovar que, aquele parlamentar que tem sua esfera de atuar pautada na ilicitude, tenha recebi-do seu voto exatamente de um administrado que veio a sofrer um grave prejuízo em razão dessa atuação desconforme com o mandamento legal, e que culminou por inserir uma norma inconstitucional ou ilegal no ordenamento jurídico. E, afinal, a grande maioria dos recursos públicos advém de nós mesmos, por meio da tributação, não sendo favor nenhum o Estado repa-rar-nos pelo prejuízo causado.

É importante ressaltar que, em caso de responsabiliza-ção por inconstitucionalidade de lei, esta fica condicionada à prévia declaração da inconstitucionalidade, por parte do Supremo Tribunal Federal (RDA, 20:42; 189:305; 191:175).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro chama a atenção para as-pecto importante: “Note-se que a regra é a mesma para atos normativos editados pelo Poder Executivo (regulamentos, re-soluções, portarias). Se reconhecida a sua inconstitucionali-dade ou mesmo a sua ilegalidade, poderá ensejar a respon-

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535Administração Pública

sabilidade do Estado, porque o dano é causado por ato emitido contra a lei, portanto fora do exercício das competências cons-titucionais.

E conclui: “Em relação às leis de efeitos concretos, que atingem pessoas determinadas, incide a responsabilidade do Estado, porque, como elas fogem às características da gene-ralidade e abstração inerentes aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos demais membros da coletividade. A lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Legislativo, com obediência ao processo de elaboração de leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este quando cause prejuízo ao administrado, independentemente de considera-ções sobre a sua constitucionalidade ou não.

Há alguns autores que aceitam a responsabilidade do Es-tado mesmo em se tratando de leis constitucionais quando, em-bora com o propósito de editar normas gerais e abstratas, aca-be por atingir diretamente um grupo delimitado de pessoas. É a opinião de José Cretella Júnior, para quem o Estado responde civilmente pelos danos que o ato legislativo cause a um ou a um número restritíssimo de administrados. Lembra ele que às vezes o próprio legislador insere na lei um dispositivo atenu-ante, prevendo uma indenização pelo dano”338 (grifos nossos).

7.10. Responsabilidade do Estado por atos jurisdi-cionais

Quando se trata de investigar a responsabilidade do Es-tado pela prática de atos jurisdicionais, a questão complica-se ainda mais. Nesse caso, a esmagadora maioria da juris-prudência que admite a tese da irresponsabilidade, torna-se ainda mais expressiva. Nós, fundamentando-nos na boa dou-

338 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 509.

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536 Curso de Direito Constitucional

trina administrativista – mas ainda nadando contra a corrente-za – admitimos amplamente a possibilidade de sua aplicação. Vejamos:

O argumento mais expressivo da corrente que defende a te-oria da irresponsabilidade do Estado, nestes casos, funda-se na questão da coisa julgada. Para eles, admitir-se a responsabiliza-ção do Estado, por erro Judiciário, seria afrontar a imutabilidade da coisa julgada, porque implicaria o reconhecimento de que a decisão foi proferida com violação da lei. Os outros argumentos, mais frágeis, referem-se a já aludida questão da soberania, à independência dos juízes no exercício da função jurisdicional, e ao fato de que o Magistrado não seria servidor público.

Com relação aos três últimos argumentos, cabe-nos tecer algumas breves considerações.

A questão da soberania já foi amplamente discutida nos itens anteriores e, se fosse adotada como excludente de res-ponsabilidade civil do Estado, nem mesmo os atos praticados pela Administração Pública poderiam ser passíveis de respon-sabilização pois, em todas as três esferas de “poder”, a Admi-nistração age com manifestação de soberania, que advém do Texto Constitucional.

Com relação à tese de independência, é importante salientar que todos os três “poderes” a possuem, o que não significa dizer que agem com arbitrariedade, ou sem res-paldo constitucional. A independência do Magistrado é a prerrogativa de julgar de acordo com sua discricionarieda-de, a partir de parâmetros lógicos. A exacerbação de com-petência pode – e deve – acarretar a responsabilidade do Estado.

Também não se admite a tese de que o Magistrado não é servidor público. Não importa aqui repisarmos nosso en-tendimento sobre a classificação ocupada pelos Magistrados e membros do Ministério Público, pelo fato de o parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal empregar precisamente o

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537Administração Pública

vocábulo agente, pretendendo designar, como vimos, todos aqueles que, a qualquer título, exercem prerrogativas conferi-das pelo Estado.

“O argumento mais forte é o que entende que o reconheci-mento de responsabilidade do Estado por ato jurisdicional acar-retaria ofensa à coisa julgada.

No Direito brasileiro, a força da coisa julgada sofre restri-ções na medida em que se admite a ação rescisória e a revisão criminal.

Neste último caso, dúvida inexiste quanto à responsabili-dade do Estado, prevista no art. 630 do Código de Processo Penal e, agora, no art. 5º, LXXV, da Constituição: ‘O Estado in-denizará o condenado por erros judiciários, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença’.

Com efeito, o fato de ser o Estado condenado a pagar in-denização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes; a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece inatin-gível. É o Estado que terá que responder pelos prejuízos que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência de erro judiciário.

A própria presunção de verdade atribuída às decisões judiciais aparece enfraquecida num sistema judiciário como o nosso, em que o precedente judiciário não tem força vinculante para os Magistrados; são comuns decisões contrárias e defi-nitivas a respeito da mesma norma legal; uma delas afronta, certamente, a lei”339 (grifos nossos).

Todavia, como já nos referimos acima, a jurisprudência não tem aceito a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, salvo nas hipóteses previstas no inciso LXXV do art. 5º da

339 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. pp. 509-10.

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538 Curso de Direito Constitucional

Constituição da República, deixando desamparados aqueles que sejam vítimas de erros não oriundos de decisões criminais, mas de outros processos como, v.g., ações cíveis, tributárias ou traba-lhistas340.

Maria Emília Mendes Alcântara menciona várias possibili-dades que deveriam acarretar a responsabilização do Estado por atos jurisdicionais. São elas: prisão preventiva decretada contra quem não praticou o crime, causando danos morais; a não-concessão de liminar nos casos em que seria cabível, em mandado de segurança, fazendo perecer o direito; retardamen-to injustificado de decisão ou de despacho interlocutório, cau-sando prejuízo à parte. A própria concessão de liminar ou de medida cautelar em casos em que não seriam cabíveis pode causar danos indenizáveis pelo Estado341.

Ressalte-se, ainda, que para os casos de dolo, culpa, recusa, omissão ou retardamento injustificado de provi-dências por parte do Juiz, o artigo 133 do Código de Pro-cesso Civil prevê a responsabilidade pessoal do Magistrado por perdas e danos decorrentes. Nesses casos, é possível a responsabilização do Estado, na medida em que o Juiz atua em seu nome, que fará jus à ação regressiva após haver inde-nizado o dano.

340 Neste sentido: “RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO PODER JUDICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos ex-pressamente declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudên-cia do STF. Recurso conhecido e provido. Votação unânime. Acórdão citados: RE-32.518, RTJ-39/190, RE-69.568, RTJ-56/273, RE-70.121, RTJ-64/689, RE-111.609, RTJ-145/268. RE-219117 / PR. DJ 29-10-99”.

341 ALCÂNTARA, Maria Emília Mendes. Curso de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. pp. 75-79.

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539

Capítulo XIII

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES E FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

1. INTRODUÇÃO

As quatro ordens de pessoas políticas já mencionadas possuem três funções básicas, identificadas desde os tempos de Aristóteles, e que vieram a tomar sua conformação atual com a teoria idealizada por Montesquieu. São elas: as funções legislativa, executiva e judiciária.

Embora criadas como única forma de limite da atuação es-tatal, a divisão das funções estatais, na prática, não pode se dar de forma absoluta.

Celso Ribeiro Bastos lembra, com absoluta precisão, as razões que levam à flexibilidade na divisão entre as prerrogati-vas estatais, justificando-a como sendo “devido à necessidade de impedir que os poderes criados se tornassem tão indepen-dentes a ponto de se desgarrarem de uma vontade política central que deve informar toda a organização estatal. Daí a introdução de uma certa coordenação entre eles, visando har-monizá-los e contê-los dentro de uma cadeia de fins aos quais

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540 Curso de Direito Constitucional

devem servir, por serem fins do próprio Estado de quem são simples instrumentos”342.

Trata-se do denominado “sistemas de freios e contrapesos”, ou checks and balances, nos dizeres dos norte-americanos, ide-alizado pelo Barão de Montesquieu, segundo o qual todos os po-deres estatais devem desempenhar as três tarefas, sob pena de um deles sobrepor-se aos demais, comprometendo a harmonia que deve presidir o desempenho das funções estatais.

Assim é que o Poder Executivo, que tem por finalidade pre-cípua administrar, também legisla, quando, v.g., edita medidas provisórias e leis delegadas, e julga, quando aprecia os proces-sos administrativos. O Poder Legislativo, que tem a prerrogativa de elaborar as espécies normativas, administra quando trata de sua organização, polícia e serviços internos, e julga, entre outros, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Presidente da República e os Ministros de Estado por crimes de responsa-bilidade. Finalmente, o Poder Judiciário, além de aplicar as leis aos casos concretos, legisla quando elabora seus regimentos internos, e administra, dispondo sobre férias, licenças e afasta-mentos de seus servidores, entre outras hipóteses.

Com base nessa afirmativa, é importante ressaltar que não existem três poderes estatais, mas três funções do Estado: executiva, legislativa e judiciária. O poder, pois, enquanto prerrogativa estatal, é uno.

2. PODER LEGISLATIVO

O Poder Legislativo vem regulado a partir do art. 44, es-tendendo-se até o art. 75 da Constituição Federal de 1988.

Trata-se da atividade estatal que tem por finalidade precí-pua elaborar as leis que irão regular as condutas intersub-jetivas, direcionando-as ao alcance do bem comum.

342 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. pp. 344-5.

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541Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

Conforme já investigamos quando do estudo do princípio da legalidade, insculpido no inciso II do art. 5º da Constituição Federal, uma das características indispensáveis de um Estado Democrático de Direito é a prerrogativa de só sermos obrigados a algo em virtude da lei corretamente elaborada por nossos re-presentantes que, em âmbito federal, tratam-se dos Deputados Federais e Senadores.

Já havíamos anotado, ainda, que apenas a lei, em sentido estrito, é capaz de inovar o ordenamento jurídico, prescreven-do obrigações, proibições ou permissões. Os regulamentos administrativos possuem, exclusivamente, a função de porme-norizar ou individualizar os comandos veiculados pelas “leis”. Estas, como regra geral, serão elaboradas pelo Poder Legisla-tivo, daí sua importância em nosso sistema constitucional.

2.1. Composição do Congresso Nacional

O art. 44 da Constituição Federal inaugura o capítulo des-tinado ao Poder Legislativo prescrevendo que “o Poder Legis-lativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”.

Trata-se, pois, de instituir o bicameralismo, composto por duas Casas nas quais se abrigam os representantes do povo e os dos Estados-membros da Federação, denotando um típico bicameralismo federativo, em contrapartida ao bi-cameralismo aristocrático que, existente na Inglaterra, com-põe-se das Casas representativas das vontades da nobreza, a Câmara dos Lordes, e dos comuns, a denominada Câmara dos Comuns.

No sistema constitucional brasileiro é possível, por força do art. 44, distingüir três órgãos legislativos distintos, a saber: a) Câmara dos Deputados; b) Senado Federal, e; c) Congresso Nacional.

Cada um desses órgãos é detentor de competências legis-lativas próprias, conforme adiante será abordado.

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542 Curso de Direito Constitucional

2.2. Câmara dos Deputados

O art. 45 da Constituição Federal dispõe sobre a Câmara dos Deputados, prescrevendo que compõe-se de represen-tantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

Segundo o parágrafo 1º do mesmo artigo, o número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, pro-porcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes ne-cessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma da-quelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. Determina, ainda que cada Território elegerá quatro Deputados.

Tal diferença numérica justifica-se em razão de a Câmara dos Deputados abrigar os representantes do povo. É importante, ainda, chamar a atenção para a utilização que o legislador consti-tuinte fez das expressões povo e população. Segundo a redação constitucional, a Câmara dos Deputados abriga os representan-tes do povo, mas o número de Deputados será fixado em função da população de cada Estado-membro buscando, assim, repre-sentar mais fielmente a vontade dos habitantes do país.

Conforme já tivemos a oportunidade de conceituar em ca-pítulos anteriores, povo é o conjunto de pessoas que compõem o elemento humano de um Estado, quer porque ali tenham nascido, quer porque sejam filhos de outros proveniente des-ta localidade, conforme adiante se detalhará. Já a população é determinada pelo conjunto de habitantes de um país. Não guarda qualquer relação com a idéia de povo, pois existem inú-meros estrangeiros que moram em certo Estado (e, portanto, não fazem parte do povo, mas fazem da população), ao passo que muitos nacionais podem estar residindo fora de sua pátria (sendo, pois, integrantes do povo e não da população).

Todavia, o número de Deputados por unidade da Federa-ção fixados no intervalo entre oito e setenta, tem sido objeto de

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543Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

inúmeras críticas, por mitigar a representatividade dos Estados-membros mais populosos.

Nesse sentido merecem transcrição as observações teci-das por José Afonso da Silva, para quem “essa regra que cons-ta do art. 45, § 1º é fonte de graves distorções do sistema de representação proporcional nele mesmo previsto para a eleição de Deputados Federais, porque, com a fixação de um mínimo de oito Deputados e máximo de setenta, não se encontrará meio de fazer uma proporção que atenda o princípio do voto com igual valor para todos, consubstanciado no art. 14, que é aplicação particular do princípio democrático da igualdade em direitos de todos perante a lei. É fácil ver que um Estado com quatrocentos mil habitantes terá oito representantes enquanto um de trinta milhões terá apenas setenta, o que significa um Deputado para cada cinqüenta mil habitantes (1:50.000) para o primeiro e um para quatrocentos e vinte e oito mil e quinhentos e setenta e um para o segundo (1: 428.571)”.

E, citando as duras palavras de Miguel Reale, em análise tecida acerca da mesma desproporção existente sob a égide da Constituição de 1946, conclui: “Tal fato constitui verdadeiro atentado ao princípio da representação proporcional. A Câma-ra dos Deputados deve ser o espelho fiel das forças demográ-ficas de um povo; nada justifica que, a pretexto de existirem grandes e pequenos Estados, os grandes sejam tolhidos e sacrificados em direitos fundamentais de representação343”.

Note-se que a eleição dos Deputados, diferentemente do que ocorre com as eleições do Presidente da República, Senadores, Governadores e Prefeitos, dá-se pelo sistema proporcional, pelo qual o eleito será encontrado a partir do total de votos atribuídos à coligação partidária à qual perten-ce, e não pelo número de votos individualmente atribuídos ao candidato.

343 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 508-9.

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544 Curso de Direito Constitucional

O dispositivo vem regulamentado pela Lei Complementar nº 78, de 30 de dezembro de 1993, que fixou, ainda, o número total de Deputados em quinhentos e treze.

O mandato dos Deputados será de uma legislatura, que corresponde a um período de quatro anos. Esta não deve ser confundida com sessão legislativa, que apresenta-se como sen-do o ano parlamentar que, nos termos do art. 57 da Constituição Federal corresponde ao período compreendido entre de 15 de fe-vereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro.

2.3. Senado Federal

O Senado Federal compõe-se de representantes dos Es-tados e do Distrito Federal, eleitos segundo o sistema majori-tário, por força do que dispõe o art. 46 da Constituição Federal.

O número de representantes por Estado-membro e para o Distrito Federal será de três Senadores, com mandato de oito anos, sendo essa representação renovada de quatro em qua-tro anos, alternadamente, por um e dois terços.

É importante ressaltar que, diversamente do que se verifi-ca quanto aos Deputados, o número de Senadores por unidade da federação será sempre o mesmo, em virtude da igual impor-tância que todas possuem para a formação do pacto federativo. Tal paridade reforça, assim, os vínculos federativos e põe todos os Estados-membros em situação de isonomia diante da ordem constitucional total.

Em virtude do aludido sistema majoritário, que leva em conta, para a eleição, o número de votos atribuídos ao candi-dato e não ao partido que representa, cada Senador será eleito com dois suplentes, com ele registrados.

2.4. Competências legislativas

Dentro do Capítulo destinado à Organização do Estado bra-sileiro, procedemos à análise das competências atribuídas às quatro ordens de pessoas jurídicas de direito constitucional inter-no, quais sejam: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

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545Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

Naquela oportunidade, vimos que as competências podem ser materiais ou legislativas, e, ainda, a classificação das prin-cipais categorias.

Neste subtítulo cabe-nos demonstrar a maneira pela qual as competências legislativas da União foram distribuídas entre os vários órgãos do Poder Legislativo federal.

A partir da análise dos artigos 48, 49, 51 e 52, podemos dis-tribuir as competências legislativas da União em quatro grupos: a) competências do Congresso Nacional sujeitas à sanção do Presidente da República; b) competências exclusivas do Con-gresso Nacional; c) competências privativas da Câmara dos Deputados, e; d) competências privativas do Senado Federal.

2.4.1. Competências do Congresso Nacional

Nos termos do art. 48 da Constituição Federal, é prerrogati-va do Congresso Nacional, sujeita à sanção do Presidente da República, legislar sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: a) sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; b) plano plurianual, diretrizes orçamen-tárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado; c) fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas; d) planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; e) limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União; f) incor-poração, subdivisão ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembléias Legislativas; g) transferência temporária da sede do Governo Federal; h) conces-são de anistia; i) organização administrativa, judiciária, do Ministé-rio Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e or-ganização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal; j) criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o in-ciso VI do art. 84; b; l) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública; m) telecomunicações e radiodifusão; n) matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e

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suas operações; o) moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal, e; p) fixação do subsídio dos Minis-tros do Supremo Tribunal Federal, por lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem o parágrafo 4º do art. 39, o inciso II do art. 150, o inciso III do art. 153, e o inciso I do parágrafo 2º do art. 153.

Note-se, aí, o caráter exemplificativo deste rol de com-petências, manifestado pela expressão “especialmente sobre”. Destarte, todas as matérias de competência legislativa federal, excetuando-se as dispostas nos artigos 49, 51 e 52 infra-anali-sadas, serão de atribuições do Congresso Nacional, sujeitas à posterior sanção do Chefe do Executivo Federal.

2.4.2. Competências exclusivas do Congresso Na-cional

O rol de competências exclusivas do Congresso Nacio-nal vem tratado pelo art. 49 da Constituição da República. Dife-rentemente do que ocorre com as matérias constantes do rol do art. 48, para essas não será exigida sanção do Presidente da República, o que, ao nosso ver, justifica-se por três situações: a) tratam-se de assuntos que já passaram (inciso I) ou, ainda, irão passar pelo crivo do Chefe do Executivo federal (incisos II a IV), daí a desnecessidade de duas manifestações suas; b) tratam-se de atos de controle do próprio Executivo federal (inci-so IV, segunda parte, e incisos V, VIII, IX, XXIV), e; c) apresen-tam-se como assuntos exclusivamente afetos a seus interesses institucionais (demais casos).

Vejamos, pois, quais são estes temas, compreendidos em elenco taxativo de hipóteses: a) resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encar-gos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; b) auto-rizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados

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os casos previstos em lei complementar; c) autorizar o Presi-dente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; d) aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas; e) sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; f) mudar temporariamente sua sede; g) fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem o inciso XI do art. 37, o parágrafo 4º do art. 39, o inciso II do art. 150, o inciso III do art. 153, e o inciso I do parágrafo 2º do art. 153; h) fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem o inciso XI do art. 37, o parágrafo 4º do art. 39, o inciso II do art. 150, o inciso III do art. 153, e o inciso I do parágrafo 2º do art. 153; i) julgar anualmente as contas prestadas pelo Presiden-te da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; j) fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; l) zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; m) apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; n) escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; o) aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; p) autorizar referendo e convocar plebiscito; q) au-torizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais, e; r) aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.

2.4.3. Competências privativas da Câmara dos Deputados

Trata-se de elenco taxativo, veiculado pelo art. 51 da Constituição Federal, que abarca cinco matérias, a saber: a) autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de

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processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; b) proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao Con-gresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa; c) elaborar seu regimento interno; d) dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, trans-formação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remu-neração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de di-retrizes orçamentárias, e; e) eleger membros do Conselho da República, nos termos do inciso VII do art. 89.

2.4.4. Competências privativas do Senado Federal

Previstas no art. 52 da Constituição de 1988, dispõem so-bre aprovação de nomes indicados pelo Presidente da Repúbli-ca, endividamento e operações de crédito federais, suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, elaboração de seu regimento, escolha dos membros do Conselho da Repúbli-ca, além do julgamento de autoridades do Executivo e Judiciá-rio nos crimes de responsabilidade.

Vejamos, uma a uma, estas hipóteses: a) processar e jul-gar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; b) processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advo-gado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; c) apro-var previamente, por voto secreto, após argüição pública, a es-colha de: 1) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Cons-tituição; 2) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; 3) Governador de Território; 4) Presidente e diretores do Banco Central; 5) Procurador-Geral da República; 6) titulares de outros cargos que a lei determinar;

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d) aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente; e) autorizar operações externas de natu-reza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; f) fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; g) dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal; h) dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno; i) esta-belecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; j) suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Fe-deral; l) aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exo-neração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato; m) elaborar seu regimento interno; n) dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; o) eleger membros do Conselho da República, nos termos do inciso VII do art. 89, e; p) avaliar pe-riodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios.

2.5. Controle externo da Administração Pública

O controle externo da Administração Pública, realizado pelo Poder Legislativo, apresenta-se como importante meca-nismo de supervisão da atividade administrativa, sendo indis-

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pensável ao equilíbrio das três funções estatais desenhadas por Montesquieu.

Tal controle manifesta-se, nitidamente, em dois dispositi-vos constitucionais, sendo o primeiro deles o art. 50, que trata da possibilidade de convocação de autoridades e pedidos de informações por escrito, além da possibilidade de compareci-mento voluntário de agentes ligados ao Poder Executivo para prestar esclarecimentos relativos a assuntos de suas pastas. Também se faz presente no parágrafo 3º do art. 58, que regula as atividades desempenhadas pelas Comissões parlamentares de inquérito, que serão analisadas quando do estudo das Co-missões, em subtítulo posterior.

2.5.1. Convocação de autoridades

Segundo o art. 50 da Constituição da República, “a Câma-ra dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de res-ponsabilidade a ausência sem justificação adequada”.

A atual redação do dispositivo constitucional foi dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 2, de 7 de junho de 1994, para abarcar também a possibilidade de convoca-ção dos titulares de órgãos diretamente subordinados à Pre-sidência da República, previsão inexistente na formulação do constituinte originário. A preocupação do legislador constituin-te derivado deve-se à criação de inúmeras Secretarias com status de Ministérios, o que justifica a ampliação do rol de legitimados passivos.

Note-se que, nesta hipótese, por se tratar de convoca-ção, os Ministros e demais autoridade mencionadas deverão comparecer pessoalmente para prestar os esclarecimentos e informações, sob pena de responderem por crime de respon-

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sabilidade, conforme disposição expressa do art. 50 da Cons-tituição Federal.

2.5.2. Comparecimento voluntário

O parágrafo 1º do art. 50 autoriza os Ministros de Estado a comparecerem voluntariamente ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, ou a quaisquer de suas Comissões, por sua ini-ciativa e mediante entendimentos com a Mesa respectiva, para expor assunto de relevância de seu Ministério.

Cremos que o referido dispositivo não veicula hipótese de controle externo da Administração Pública, até porque não con-siste em convocação feita por parlamentares com vista à exi-bição de documentos ou prestação de esclarecimentos que o órgão Legislativo entenda relevante, mas de simples compare-cimento para a exposição de assuntos que a própria autoridade determinar.

Na precisa crítica de José Afonso da Silva, “o compareci-mento do Ministro convocado ou espontaneamente não serve mais do que para ele, munido de documentação técnica e bem assessorado, utilizar uma tribuna popular para brilhar, sem ne-nhuma conseqüência, porque suas informações não serão apre-ciadas pelo órgão. A rigor, tem sido um procedimento inútil”344.

2.5.3. Pedido de informações por escrito

Já o pedido de informações apresenta-se como a prerro-gativa conferida aos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal de, por meio das respectivas Mesas diretoras, solicitarem, por escrito, esclarecimentos aos Ministros de Esta-do ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República.

344 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 521.

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O requerimento será encaminhado à Casa Civil, para que o remeta à respectiva autoridade, que estará obrigada à prestação das informações no prazo de 30 dias, sob pena de responsabilidade pelo não-envio ou de havê-las prestado falsas. É a previsão do parágrafo 2º do art. 50 da Constituição Federal.

2.5.4. Diferenças

Faz-se importante chamarmos a atenção para as sutis diferenças existentes entre as hipóteses de convocação de autoridades, comparecimento voluntário e pedido de infor-mações por escrito, veiculadas pelo art. 50 e parágrafos da Constituição Federal de 1988, notadamente no que concerne aos sujeitos ativo e passivo.

A convocação de autoridades é a hipótese que se apre-senta mais completa, na medida em que autoriza Câmara dos Deputados, Senado Federal, ou quaisquer de suas Comissões, a convocar Ministros de Estado ou titulares de órgãos direta-mente subordinados à Presidência da República.

O comparecimento voluntário, por sua vez, restringe-se aos Ministros de Estado, excluindo-se, pois, os titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República, apesar do comparecimento também poder ocorrer no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, ou em qualquer de suas Comissões.

Na hipótese de pedido de informações por escrito, a Câ-mara dos Deputados e o Senado Federal poderão requerer in-formações aos Ministros de Estado ou aos titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República.

Verifica-se, in casu, a exclusão das Comissões como titulares da prerrogativa de formularem tais requerimentos, desmentindo-se, mais uma vez, uma das falácias mais difun-didas em direito, segundo a qual “quem pode o mais pode o menos”.

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Note-se que as Comissões, por força do que dispõe o caput do art. 50, podem compelir as referidas autoridades a comparecerem, pessoalmente, para prestar informações sobre assuntos relevantes, sob pena de responsabilidade, mas não podem lhes enviar requerimento solicitando que essas informa-ções sejam prestadas por escrito.

2.6. Sessões legislativas

O art. 57 da Constituição Federal reporta-se sobre a realiza-ção das reuniões do Congresso Nacional dispondo, notadamen-te, sobre as sessões legislativas, além das hipóteses de reuni-ões conjuntas da Câmara dos Deputados e Senado Federal.

As sessões legislativas, em sentido amplo, correspondem aos momentos nos quais os parlamentares encontram-se reu-nidos, com a finalidade de desempenharem as missões que lhes são constitucionalmente atribuídas.

Deve-se, contudo, atentar-se para as diversas espécies de sessões legislativas, a saber: a) sessão legislativa ordinária; b) sessão legislativa extraordinária; c) sessões ordinárias; d) sessões extraordinárias, e; e) sessões preparatórias.

2.6.1. Sessão legislativa ordinária

A sessão legislativa ordinária apresenta-se como o ano parlamentar que, nos termos do art. 57 da Constituição Federal corresponde ao período compreendido entre 15 de fevereiro a 30 de junho e 1º de agosto a 15 de dezembro. Compreende, pois, dois períodos legislativos.

A Constituição Federal, no entanto, prescreve, no parágra-fo 2º do art. 57 que “a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias”. Daí podermos concluir que, nesta hipótese específica, haverá uma prorrogação da sessão legislativa ordinária, exclusivamen-te no que diz respeito às deliberações acerca da lei de diretrizes orçamentárias, estando encerrada para outros temas.

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Conforme já havíamos anotado, não se deve confundir sessão legislativa ordinária com legislatura. Esta correspon-de ao período de quatro anos, que equivale ao período de du-ração do mandato dos Deputados.

2.6.2. Sessão legislativa extraordinária

A sessão legislativa extraordinária, por sua vez, tem lugar quando houver necessidade de deliberação sobre as-suntos emergenciais, bem como para receber o compromis-so e o ato de posse do Presidente e do Vice-Presidente da República. Realizam-se, assim, durante os períodos de re-cesso.

Durante o período de convocação extraordinária, só será admitida deliberação sobre as matérias para as quais o Con-gresso Nacional tenha sido convocado, ficando vedado o paga-mento de parcela indenizatória em valor superior ao subsídio mensal, nos exatos termos do parágrafo 7º do art. 57 da Cons-tituição Federal.

Exceção à regra é o disposto no parágrafo 8º do mesmo dispositivo, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2002, segundo o qual as medidas provi-sórias em vigor na data de convocação extraordinária do Con-gresso Nacional serão automaticamente incluídas na pauta da convocação.

A convocação extraordinária do Congresso Nacional será realizada: a) pelo Presidente do Senado Federal, em caso de decretação de estado de defesa ou de intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação de es-tado de sítio e para o compromisso e a posse do Presidente e do Vice-Presidente da República, e; b) pelo Presidente da República, pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ou a requerimento da maioria dos mem-bros de ambas as Casas, em caso de urgência ou interesse público relevante.

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2.6.3. Sessões ordinárias

As sessões ordinárias realizam-se durante o período da sessão legislativa ordinária, nos dias e horários previa-mente disciplinados nos Regimentos Internos das Casas do Congresso Nacional. Tratam-se das reuniões diárias dos con-gressistas, realizadas nos dias úteis e durante o período su-pramencionado.

José Afonso da Silva lembra que, nos termos dos Regimen-tos Internos das Casas do Congresso Nacional, as sessões legis-lativas têm a duração de aproximadamente cinco horas, divididos, como regra, em três períodos: “a) Pequeno Expediente, com duração aproximada de uma hora; b) Grande Expediente, com duração de cerca de noventa minutos, e; c) Ordem do Dia, com duração de cerca de cento e cinqüenta minutos, prorrogáveis; é nesta parte que as Câmaras debatem, votam e deliberam. Às ve-zes, outra parte é prevista para comunicação de lideranças”.

É possível, ainda, a realização de sessões solenes, co-memorativas de feitos históricos ou de reverência à memória de brasileiros ilustres ou para receber autoridades estrangeiras345.

2.6.4. Sessões extraordinárias

As sessões extraordinárias realizam-se no curso das sessões legislativas extraordinárias, bem como fora dos ho-rários estabelecidos para a realização das sessões legislati-vas ordinárias.

Destarte, mesmo no curso de sessão legislativa ordiná-ria poderá haver sessão extraordinária do Congresso Nacio-nal como, v.g., aos finais de semana ou à noite, para tratar de assuntos previamente determinados ou conclusão de delibera-ções já iniciadas. Diferem, pois, das sessões ordinárias, que só

345 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 516.

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ocorrem durante os períodos de sessão legislativa ordinária e nos horários regimentais.

2.6.5. Sessões preparatórias

A realização de sessões preparatórias pelo Congresso Nacional vem prevista no parágrafo 4º do art. 57, segundo o qual, cada uma das Casas, a partir de 1º de fevereiro do primei-ro ano da legislatura, deverá reunir-se para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, nos termos que serão abaixo analisados.

2.6.5.1. Eleição das Mesas diretoras

As Mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Sena-do Federal possuem grande importância para o bom andamento dos trabalhos legislativos, na medida em que compete-lhes a di-reção das sessões, elaboração de pautas, encaminhamento das votações, além do exercício do poder de polícia administrativa.

Cabe lembrar, ainda, que o Presidente da Câmara dos Deputados exercerá a Presidência da República nas hipóteses de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacân-cia dos respectivos cargos, nos termos do art. 80 da Constitui-ção Federal.

A parte final do parágrafo 4º do art. 57 da Constituição de 1988 disciplina o tema, ao prescrever, que no curso da sessão preparatória, haverá “a eleição das respectivas Mesas, para o mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”.

Note-se que a impossibilidade de recondução é para o mesmo cargo, nada impedindo que se ocupe outro cargo da respectiva Mesa no biênio subseqüente.

Mesmo a restrição de recondução para o mesmo cargo não pode ser vista de forma absoluta. Recentemente, firmou-se o entendimento, a partir das reeleições de Michel Temer e

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Antônio Carlos Magalhães, respectivamente, para a Câmara dos Deputados e Senado Federal, que a restrição de recon-dução refere-se à mesma legislatura. Assim, nada impede que se ocupe o mesmo cargo na Mesa de uma das Casas no se-gundo biênio de um mandato e no primeiro de mandato sub-seqüente.

2.7. Reuniões conjuntas

A Constituição Federal, no parágrafo 3º do art. 57, prescre-ve algumas situações nas quais a Câmara dos Deputados e o Senado Federal reunir-se-ão em sessão conjunta.

São elas: a) inaugurar a sessão legislativa; b) elaborar o re-gimento comum e regular a criação de serviços comuns às duas Casas; c) receber o compromisso do Presidente e do Vice-Presi-dente da República, e; d) conhecer do veto e sobre ele deliberar.

A Constituição Federal, na primeira parte do referido dis-positivo, elucida que as reuniões do Congresso Nacional em sessão conjunta dar-se-iam nas hipóteses acima mencionadas, “além de outros casos previstos nesta Constituição”, o que evi-denciaria um rol exemplificativo de ocorrências. Todavia, o Texto Constitucional não traz qualquer outra previsão de reunião con-junta das Casas do Congresso Nacional, restringindo-as àque-las mencionadas.

2.8. Mesa do Congresso Nacional

Nos termos do parágrafo 5º do art. 57 da Constituição Fe-deral, “a Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Pre-sidente do Senado Federal, e os demais cargos serão exerci-dos, alternadamente, pelos ocupantes de cargos equivalentes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal”.

É importante ressaltar que a composição das Mesas de cada uma das Casas e do Congresso Nacional é matéria regimental, não se encontrando regulamentada pelo Texto Constitucional.

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2.9. Quorum para deliberações

Nos termos do art. 47 da Constituição Federal de 1988, “salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”.

Eis a regra para todas as votações realizáveis no Congres-so Nacional, salvo quando o próprio Texto Constitucional dispu-ser de modo diverso: maioria absoluta para votar e maioria simples para aprovar.

Por maioria absoluta designa-se o número inteiro imedia-tamente superior à metade dos membros da cada Casa, do Congresso Nacional ou de suas Comissões. Trata-se, assim, da maioria dos membros.

Maioria relativa, por sua vez, consiste no número inteiro imediatamente superior à metade dos presentes àquela deter-minada sessão.

Assim, presentes a maioria dos membros da respectiva Casa, do Congresso ou Comissão será possível iniciar-se a vo-tação da matéria que, caso conte com a aquiescência da maio-ria dos presentes, estará aprovada.

Note-se que a maioria absoluta será sempre a mesma, por referir-se ao total de membros da Casa, que não se altera. A maioria absoluta, v.g., na Câmara dos Deputados será de duzentos e cinqüenta e sete Deputados, ao passo que, no Se-nado Federal, quarenta e um Senadores. Já a maioria simples sofrerá alterações, conforme estejam presentes mais ou menos parlamentares, sempre acima da maioria dos integrantes, quo-rum mínimo para a deliberação.

Vale lembrar que não se deve utilizar a expressão “metade mais um” para designar cada uma das maiorias, o que distorceria o resultado quando estivéssemos diante de números ímpares.

Em várias passagens, como o próprio Texto Constitucio-nal autoriza, exige-se quorum diferenciado para a aprovação de matérias, como ocorre com as Emendas à Constituição, que

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serão aprovadas caso se obtenha três quintos dos votos de Cada Casa (parágrafo 2º do art. 60), ou com as leis comple-mentares, cassações de mandatos parlamentares e derrubada do veto presidencial (art. 69; parágrafo 2º do art. 55 e parágra-fo 4º do art. 66, respectivamente), para as quais a aprovação ocorre por maioria absoluta.

2.10. Comissões

As comissões parlamentares vêm tratadas pelo art. 58 da Constituição Federal de 1988, ao dispor que o Congresso Na-cional e suas Casas terão comissões permanentes e tempo-rárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

Prevê, ainda, que na constituição das Mesas e de cada Comissão, deverá ser assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parla-mentares que participam da respectiva Casa.

2.10.1. Comissões permanentes

As comissões permanentes do Congresso Nacional são criadas em razão da matéria, pelo Regimento Interno de cada uma das Casas, existindo em todas as legislaturas.

Segundo o parágrafo 2º do art. 58, as Comissões, em razão da matéria, possuem competência para: a) discutir e votar proje-to de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa; b) realizar audiências públicas com entidades da socie-dade civil; c) convocar Ministros de Estado para prestarem infor-mações sobre assuntos inerentes as suas atribuições; d) receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas; e) solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cida-dão, e; f) apreciar programas de obras, planos nacionais, regio-nais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

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Dessas atribuições, merece destaque a competência das comissões para, na condição de substitutas do plenário, apro-varem matérias que, regimentalmente, dispensarem sua apre-ciação. Contudo, havendo recurso de um décimo dos membros da Casa, que representam cinqüenta e dois votos na Câmara dos Deputados e nove no Senado Federal, a matéria deverá ser submetida à apreciação do plenário.

2.10.2. Comissões temporárias

As comissões temporárias, também denominadas co-missões especiais, poderão ser constituídas com a finalidade de tratar de assuntos extraordinários, perdurando até que se cumpram os objetivos que justificaram sua criação, ou o térmi-no da legislatura.

2.10.3. Comissões parlamentares de inquérito

As comissões parlamentares de inquérito, previstas pelo parágrafo 3º do art. 58 da Constituição Federal, possuirão po-deres de investigação próprios das autoridades judiciais, po-dendo ser criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requeri-mento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Note-se, assim, a função estritamente investigativa das CPIs que, tendo apurado a existência de irregularidades, deverão enca-minhar as informações e a documentação recolhidas ao Ministério Público para que, este sim, promova as medidas judiciais cabíveis.

Ponto de grande polêmica é o verdadeiro alcance da ex-pressão “poderes de investigação próprios das autoridades ju-diciárias”, veiculada pelo Texto Supremo.

O Supremo Tribunal Federal entende que esses poderes investigativos abarcam as possibilidades de: a) quebra de si-

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gilos bancário, fiscal, de dados e telefônico (para obtenção da listagem de chamadas realizadas e recebidas; b) oitiva de testemunhas, investigados e indiciados, inclusive sob pena de condução coercitiva; c) realização de perícias, exames e requi-sição de documentos, e; d) determinar buscas e apreensões.

Não lhes é assegurado, porém, a possibilidade de: a) vio-lação de domicílios, em virtude da relevância deste direito e da previsão constitucional expressa de necessidade de autoriza-ção judicial; b) determinação de escutas telefônicas; c) realiza-ção de prisões, salvo em flagrante delito; d) adoção de medidas acautelatórias, como arresto, seqüestro ou indisponibilidade de bens, e) proibição de ausentar-se da Comarca ou do país, e; f) proibir ou restringir a assistência de advogados.

Note-se o grande abuso cometido pelas CPIs quando da realização de prisão de depoentes. Segundo o inciso LXI do art. 5º da Constituição da República “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de auto-ridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

É sabido que o crime de falso testemunho não contempla situações nas quais o depoente deixa de revelar fatos relati-vos à sua pessoa ou que possam incriminá-lo. O direito ao si-lêncio é amplamente consagrado pela jurisprudência mundial, inclusive a brasileira, desde 1957, quando no casus Watkins X United States o acusado se recusou a responder perguntas relativas aos associados do Partido Comunista, dentre os quais se incluía.

2.10.4. Comissão representativa

Prevê a Constituição Federal que, durante o período de recesso do Congresso Nacional, funcionará uma Comissão re-presentativa, eleita pelas suas Casas na última sessão ordiná-ria do período legislativo, com atribuições definidas no regimen-to comum, cuja composição reproduzirá tanto quanto possível,

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a proporcionalidade da representação partidária. É a dicção do parágrafo 4º do art. 58 da Carta da República.

Conforme já tivemos a oportunidade de observar, período legislativo é o lapso temporal de trabalhos do Congresso Nacio-nal em cada semestre. Os dois períodos legislativos formam a sessão legislativa ordinária.

Assim, ao final do primeiro período legislativo, que se dará no dia 30 de junho ou no último dia útil anterior, eleger-se-á a Comissão que funcionará durante o recesso compreendido en-tre 1º e 31 de julho. Ao final do segundo período, 15 de dezem-bro ou último dia útil anterior, elege-se a Comissão para o lapso que compreende 16 de dezembro a 14 de fevereiro, salvo no primeiro ano da legislatura que, em virtude da realização das sessões preparatórias, o recesso terminará em 31 de janeiro.

2.11. Estatuto dos Congressistas

Denomina-se Estatuto dos Congressistas, nas palavras de José Afonso da Silva, “o conjunto de normas constitucionais que estatui o regime jurídico dos membros do Congresso Na-cional, prevendo suas prerrogativas e direitos, seus deveres e incompatibilidades”346.

Tais mandamentos vêm previstos nos artigos 53 a 56 da Constituição Federal de 1988 e apresentam-se como prerro-gativas e proibições direcionadas a Deputados e Senadores, que têm por finalidade assegurar-lhes autonomia para o bom exercício das atribuições inerentes ao mandato eletivo.

2.11.1. Prerrogativas

As principais prerrogativas dos Deputados e Senadores, habitualmente denominadas imunidades parlamentares, vêm

346 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 532.

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disciplinadas pelo art. 53 e parágrafos da Constituição Federal, cuja redação foi alterada com o advento da Emenda Constitu-cional nº 35, de 20 de dezembro de 2001.

Com o advento da referida Emenda Constitucional, cuja edi-ção apresentava-se indispensável para a contenção de abusos que vinham sendo reiteradamente cometidos, houve importante alteração na disciplina da inviolabilidade (equivocadamente de-nominada, por vezes, imunidade material ou penal), bem como da imunidade propriamente dita (formal ou processual).

Nesses termos, há de se ressaltar que a inviolabilidade exclui o próprio crime de opinião e a responsabilidade civil do parlamentar, ao passo que a imunidade, em sentido técnico, é prerrogativa processual, que impede ou dificulta o processo e a prisão.

2.11.1.1. Inviolabilidade parlamentar

A inviolabilidade dos Congressistas vem prevista no caput do art. 53 da Constituição Federal, e assegura ao parlamentar a exclusão de sua responsabilidade civil e penal por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Trata-se de prerrogativa in-dispensável ao bom exercício da missão parlamentar, ampliada com o advento da Emenda Constitucional nº 35, de 20 de de-zembro de 2001.

É que até a edição da referida Emenda, a inviolabilidade dos Deputados e Senadores restringia-se ao âmbito penal. Atualmente, exclui-se também a responsabilidade civil que, nestes casos, deve abranger exclusivamente eventuais danos morais ou à imagem, afastando a aplicabilidade das normas que tipificariam as condutas.

2.11.1.2. Imunidade parlamentar

A imunidade parlamentar, conforme mencionado, apre-senta-se como a prerrogativa processual que impede ou dificul-ta o processo e a prisão dos Deputados e Senadores.

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A Emenda Constitucional nº 35/01, trouxe importante ino-vação sobre esse tema, notadamente em virtude da alteração promovida no parágrafo 3º do art. 53, que passou a permitir o início do processo contra o parlamentar, independentemente de prévia autorização da respectiva Casa.

Dispõe o referido dispositivo que “recebida a denúncia con-tra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diploma-ção, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respec-tiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”.

É bem verdade que a Casa respectiva continua com a pos-sibilidade de impedir o andamento do processo o que, para al-guns, denota um avanço insignificante da Emenda 35. Cremos que não. Autorizar o Supremo Tribunal Federal a iniciar o proces-so contra o parlamentar e, só depois, notificar a Casa para que, caso queira, mobilize-se e vote, sustando o andamento da ação, representa enorme evolução em relação ao sistema anterior.

É que, dificilmente, o parlamentar irá querer se expor para à imprensa e à opinião pública, manifestando que votou a favor da sustação do processo de quem cometeu um crime, muitas vezes hediondo. Do ponto de vista prático, uma coisa é, nos termos an-teriores à Emenda Constitucional nº 35/01, mobilizar a Casa para votar a autorização para iniciar o processo; outra, completamente diferente, é paralisar um processo iniciado.

O pedido de sustação do processo, nos termos do pa-rágrafo 4º, será apreciado pela Casa respectiva, no prazo im-prorrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

Por certo, eventual sustação do processo também suspen-de a prescrição, enquanto durar o mandato, conforme dispõe o parágrafo 5º.

Outra discussão importante que envolve o tema diz respei-to à aplicabilidade do novo dispositivo àqueles casos anterio-res a vigência da Emenda Constitucional nº 35/01, nos quais

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o Ministério Público já tenha oferecido a denúncia ao Supremo Tribunal Federal que, por sua vez, ainda não iniciou o processo, por necessitar de autorização da respectiva Casa Legislativa. Estariam os casos anteriores sujeitos às regras antigas ou é possível que, tendo sido editada a alteração legislativa, a Su-prema Corte receba as denúncias, sem necessidade de autori-zação das Casas?

Com a devida vênia daqueles que pensam de maneira di-versa, cremos não haver nenhuma necessidade de autorização do Congresso Nacional para o recebimento dessas denúncias. Conforme já analisamos, tratam-se de prerrogativas processu-ais que, conforme assente no sistema jurídico brasileiro, entram em vigor de imediato, alcançando os processos no estágio em que se encontrem. Assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal re-ceber as denúncias oferecidas e, em seguida, cientificar a Casa a que pertence o parlamentar para, caso entenda ser convenien-te, sustar o andamento da ação nos termos já esposados.

2.11.1.3. Foro

Os Deputados e Senadores, como se viu, serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Tal mandamento vem expres-samente consignado no parágrafo 1º do artigo sob análise, que os assegura tal prerrogativa desde a expedição do diploma. O parágrafo 3º do mesmo dispositivo, já analisado, também deixa implícita a competência da Suprema Corte para julgá-los, refe-rindo-se, especificamente, aos processos penais.

2.11.1.4. Prisão

Dispõe o parágrafo 2º do art. 53 que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

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Não se admite, assim, prisão de Deputado ou Senador por decisão judicial, tampouco em flagrante de crime que a lei não defina como inafiançável. Nesta última hipótese, autoriza-se a prisão, mas os autos deverão ser remetidos à Casa à qual per-tença para que esta decida sobre de prisão, pelo voto da maio-ria de seus membros.

José Afonso da Silva lembra que, “se o crime for daqueles que admitem liberdade provisória, o tratamento a ser dado ao congressista há que ser idêntico ao dos crimes afiançáveis, ou seja: vedada a prisão”347 (grifos no original).

2.11.1.5. Limitação ao dever de testemunhar

Os Deputados e Senadores não serão obrigados a teste-munhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes con-fiaram ou deles receberam informações. É isso o que prescreve o parágrafo 6º do art. 53 da Constituição Federal.

Trata-se, pois, do direito de sigilo profissional, que nada mais é do que uma maneira de se proteger a autonomia do mandato parlamentar. Isto porque, se não existisse a garantia do sigilo da identidade do prestador da informação, este por certo não se arriscaria a revelá-las e, muitos direitos restariam amesquinhados, pois não se conseguiria acesso a muito do que se sabe e se informa. Se o parlamentar fosse obrigado a reve-lar suas fontes políticas, não estaríamos tendo acesso a muito do que se vem descobrindo sobre desmandos e corrupções; igualmente, se fosse obrigado a identificar o traficante de entor-pecentes que lhe revelou o modo de funcionamento do narco-tráfico, o criminoso nunca lhe prestaria essas informações, que podem vir a ser úteis no sentido de nortear novas políticas ou alterações legislativas.

347 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 533.

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Todavia, o direito de sigilo do Deputado ou Senador res-tringe-se às informações relacionadas ao exercício do man-dato parlamentar. José Afonso da Silva lembra-nos que, como regra, os parlamentares têm o dever de testemunhar em juízo. Não podem, porém, ser intimados, sob pena de serem condu-zidos debaixo de vara, pois isto abalaria a harmonia entre os poderes. Todavia, a Constituição também não lhes assegura o privilégio de serem ouvidos em local por eles designado348.

2.11.1.6. Serviço militar

Dispõe o parágrafo 7º do art. 53 que a incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva.

Trata-se de outra importante prerrogativa assegurada aos parlamentares, que se justifica pelo entendimento de que, na qualidade de representantes do povo e do Estado brasileiro, são mais úteis à nação em seus postos, decidindo os rumos a serem adotados, que propriamente ativando-se nos campos de batalha.

2.11.1.7. Estado de sítio

Também subsistem as imunidades de Deputados ou Se-nadores durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respecti-va, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida. É a determinação do parágrafo 8º do art. 53, que visa a dar se-gurança para que o parlamentar possa exercer sua tarefa consti-tucional com tranqüilidade, em situações de extremo abalo das

348 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 533-4.

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568 Curso de Direito Constitucional

instituições democráticas ou de comprometimento da sobera-nia nacional.

2.11.2. Incompatibilidades

O art. 54. da Constituição Federal de 1988 relaciona as prá-ticas incompatíveis com o exercício da atividade parlamentar. Segundo o inciso I do artigo subseqüente, o desrespeito a es-tas exigências constitucionais poderá acarretar a cassação do mandato do Deputado ou Senador, conforme adiante se verá.

As vedações impostas aos parlamentares estão divididas em dois grupos: as primeiras, impõem-se desde a diplomação; as segundas, desde a posse.

Dessa forma, fica o parlamentar proibido, desde a expedi-ção do diploma: a) de firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, socieda-de de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas unifor-mes, e; b) de aceitar ou exercer cargo, função ou emprego re-munerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes da alínea anterior.

E, desde a posse: a) de ser proprietário, controlador ou di-retor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remu-nerada; b) de ocupar cargo ou função de que sejam demissí-veis ad nutum, em pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público; c) de patrocinar causa em que seja interessada quaisquer das entidades a que se refere o inciso I, “a”, e; d) de ser titular de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

2.11.3. Perda do mandato

Antes de analisarmos as hipóteses que levam o parlamen-tar à perda do mandato, faz-se importante diferenciarmos as

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duas categorias que envolvem o tema, nos precisos conceitos de Hely Lopes Meirelles, lembrados também por José Afonso da Silva.

Segundo o administrativista paulista, referindo-se especi-ficamente aos Vereadores, em seu Direito Municipal brasileiro, “a cassação, como ato punitivo, pode advir da própria Câmara, nos casos de conduta incompatível do edil com o exercício da investidura política ou de falta ético-parlamentar que autorize sua exclusão da Câmara, ou poder provir da Justiça Penal, nos casos de punição por crime funcional que acarrete a aplica-ção da pena acessória de perda ou inabilitação para qualquer função pública; a extinção, como simples ato declaratório do perecimento do mandato nos casos expressos em lei, é sempre da alçada do presidente da Mesa”349.

Desta forma, a cassação do mandato, enquanto ato po-lítico, é medida que depende de deliberação da Casa a que pertence o parlamentar, pelo voto secreto e maioria absoluta, a partir de provocação da Mesa diretora ou de partido político nela representado. Tem, pois, natureza constitutiva.

São hipóteses de perda de mandato pela cassação: a) in-fringir as proibições estabelecidas no artigo anterior; b) ter seu procedimento declarado incompatível com o decoro parlamen-tar, e; c) sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

O parágrafo 1º do art. 55 dispõe, ainda, que “é incompa-tível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

A extinção do mandato, por sua vez, não depende de juí-zo valorativo dos membros da Casa, aplicando-se às hipóteses nas quais a Mesa diretora limita-se a declarar a ocorrência de

349 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 598.

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determinado fato, de ofício ou mediante provocação de qual-quer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurado ao parlamentar ampla defe-sa. Tem, assim, natureza declaratória.

Importam em perda do mandato pela extinção: a) deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das ses-sões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; b) perder ou ter suspensos os direitos políti-cos, e; c) decretação pela Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Constituição Federal, analisados quando versamos os direitos políticos.

2.11.3.1. Renúncia

O parágrafo 4º do art. 55, acrescentado pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 7 de junho de 1994, prevê, ainda, que a renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os parágrafos 2º e 3º.

Assim, de nada adianta o parlamentar renunciar no curso do processo que vise à cassação ou à extinção do mandato, pois esta terá seus efeitos sobrestados até a decisão final do processo.

Atualmente, em virtude deste dispositivo, tem sido comum a renúncia de parlamentares acusados da prática de atos incompa-tíveis com o decoro parlamentar ou por desrespeito às proibições previstas no art. 54, que levam à suspensão dos direitos políticos, renunciarem antes da instauração do processo na Comissão de ética e disciplina, visando eximirem-se dessa penalidade.

2.11.4. Hipóteses que não importam a perda do mandato parlamentar

Nos termos do art. 56 da Constituição Federal, não perderá o mandato o Deputado ou Senador: a) investido no cargo de Mi-nistro de Estado, Governador de Território, Secretário de Esta-

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do, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária, e; b) licenciado pela respectiva Casa por motivo de doença, ou para tratar, sem sub-sídio, de interesse particular, desde que, neste caso, o afasta-mento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa.

Prevê, ainda, o art. 56, em seu parágrafo 1º, que o suplente será convocado nos casos de vaga, de investidura em funções previstas neste artigo ou de licença superior a cento e vinte dias. Nas demais hipóteses, portanto, fica vinculado ao cargo, não havendo a convocação do suplente.

Caso ocorra vaga e não haja suplente, far-se-á eleição para preenchê-la, se faltarem mais de quinze meses para o término do mandato.

A Constituição Federal autoriza, também, que o Deputado ou Senador, investido no cargo de Ministro de Estado, Gover-nador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomá-tica opte por receber a remuneração do mandato parlamentar.

Embora a Constituição Federal não disponha expressa-mente, o Deputado ou Senador investido nos cargos acima apontados não disporá de imunidade parlamentar, de acordo com o que dispõe o parágrafo 1º do art. 102 do Regimento In-terno do Supremo Tribunal Federal, que acabou por revogar a Súmula nº 4 daquela Corte.

3. PODER EXECUTIVO

Na repartição das atribuições estatais elaborada por Mon-tesquieu, cabia ao Poder Executivo a missão de fazer a paz ou a guerra, bem como relacionar-se com os Estados estran-geiros. Sua atividade estava relacionada, assim, às atribuições inerentes ao Chefe de Estado.

Modernamente, porém, o Poder Executivo tem assumido outras funções, não só acompanhando a execução das leis, nas relações internas e externas do país, mas participando da

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atividade legislativa, da implementação e gerenciamento de políticas que visem à prestação de serviços à coletividade, bem como fomentando as atividades da iniciativa privada que auxiliem o Estado no alcance do bem comum

Sob esse aspecto, abrange a atividade de governo e de ad-ministração, lembradas por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao afirmar que “o Poder Executivo compreende o governo, que é sua cabeça, e a administração, que consiste em seu tronco e mem-bros. O primeiro é o órgão ou conjunto de órgãos, a que pertence a representação do todo e a tomada das decisões fundamentais, no que é de sua competência. A segunda é o conjunto de órgãos que propriamente acompanham a execução das leis e decisões em geral, ou que a preparam. Ou, ainda, que as executam por si. Compreende tanto o serviço civil, ou burocracia, como as Forças Armadas, o seu braço militarizado”350.

Os artigos 76 a 91 da Constituição Federal estruturam o Poder Executivo federal.

3.1. Presidencialismo

Logo no primeiro dispositivo alusivo ao Capítulo destinado ao Poder Executivo, o legislador constituinte prescreve que “o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxi-liado pelos Ministros de Estado”.

Deixa claro, então, o sistema de governo adotado pelo Bra-sil, qual seja, o Presidencialismo, no qual diferentemente do que ocorre no Parlamentarismo, as atribuições de Chefe de Estado e Chefe de governo federal encontram-se afetas à uma única pessoa, o Presidente da República.

Nas lições de Carl Schimitt, em seu clássico Teoria da Consti-tuição, citado por Pinto Ferreira, o Presidencialismo é “o regime em que o Presidente participa na direção da política do Estado, sendo

350 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. pp. 218-9.

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o primeiro motor e a figura principal. O governo presidencial pode ser conceituado como aquele em que o Presidente da República, que é o chefe do Estado e o chefe do governo, é eleito direta ou indiretamente pelo povo, nomeando os seus próprio ministros”.

3.2. Eleição do Presidente e Vice-Presidente da Repú-blica

Segundo prevê o art. 77 da Constituição Federal, a eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simul-taneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente.

Trata-se da previsão de eleição para os cargos majoritá-rios pelo sistema de maioria absoluta de votos, introduzida em nosso país a partir da entrada em vigência da Constituição Fe-deral de 1988, o que, em algumas situações, acaba por exigir a realização de dois turnos de votação. Assim, caso o vencedor obtenha a maioria dos votos válidos no primeiro turno, não ha-verá a necessidade da realização do segundo turno, conforme determinam os parágrafos 2º e 3º deste dispositivo.

Todavia, caso nenhum candidato alcance a maioria abso-luta dos votos em primeiro turno, deverá ser realizada nova elei-ção em até vinte dias após a proclamação do resultado, con-correndo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.

A Constituição Federal traz, ainda, solução para hipóteses bastante remotas. A primeira delas, prevista no parágrafo 4º deste artigo, prevê que, ocorrendo morte, desistência ou impedimento legal de candidato, antes da realização do segundo turno, convo-car-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação.

A segunda situação, praticamente impossível de ocorrer, trata da hipótese de remanescer em segundo lugar, nas hipó-teses previstas acima, mais de um candidato com a mesma votação, o que importará a qualificação do mais idoso.

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574 Curso de Direito Constitucional

Prevê a Constituição Federal que a eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele regis-trado. Tal dispositivo pode parecer óbvio, mas deve-se lembrar que em muitas épocas da história de nosso país as eleições para os dois cargos eram realizadas de forma independente, podendo ocorrer a eleição do Presidente de uma chapa e do Vice-Presidente de outra, o que se deu, v.g., desde Floriano Peixoto e, mais recentemente, quando da eleição de Jânio Quadros e João Goulart.

3.3. Posse

A posse do Presidente e do Vice-Presidente eleitos dar-se-á no dia 1º de janeiro, para um mandato de quatro anos, conforme dispõe o art. 82 da Constituição Federal.

Atualmente, discute-se a alteração deste dispositivo, trans-ferindo-se a data da posse para os primeiros dias de janeiro (dia seis ou sete), com a finalidade de possibilitar a presença do Presidente eleito na posse dos Governadores, marcadas para a mesma data, bem como de autoridades estrangeiras para a posse do Presidente e Vice-Presidente, o que ficaria inviabiliza-do em virtude das festas de fim de ano.

O ato de posse será realizado em sessão conjunta do Con-gresso Nacional, prestando os empossados o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Pre-sidente ou o Vice-Presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago.

O Presidente e o Vice-Presidente da República não pode-rão, nos termos do art. 83 da Constituição Federal, ausentar-se do País por período superior a quinze dias, sem licença do Con-gresso Nacional, sob pena de perda do cargo.

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3.4. Atribuições do Vice-Presidente

O Vice-Presidente da República, nos termos do art. 79, substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga. O Presidente estará impedido por motivo de doença, licença ou férias. A vaga, por sua vez, ocorre nas hipóteses de falecimento, renúncia, extinção ou cassação do mandato. Tem, assim, caráter definitivo.

Segundo dispõe o parágrafo único deste dispositivo, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei comple-mentar, compete-lhe auxiliar o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais.

A referida lei complementar ainda não foi editada, restando ao Vice-Presidente, como prerrogativa constitucional expressa, a participação nos Conselhos da República e da Defesa, nos ter-mos dos incisos I dos artigos 89 e 91, que constituem-se em im-portantes órgãos consultivos do Presidente da República. Além disso, deve o Vice-Presidente auxiliá-lo nas articulações políticas, bem como representar o Estado brasileiro, quando, pelo Chefe do Executivo, tais atribuições lhe forem designadas.

3.5. Sucessores do Presidente

Conforme acima mencionado, o primeiro a suceder o Pre-sidente, em caso de impedimento ou de vaga, será seu Vice-Presidente. Porém, em caso de impedimento de ambos ou va-cância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Depu-tados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.

Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, por morte, renúncia, cassação ou extinção dos man-datos, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. Essa é a regra.

Todavia, ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita

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trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. Note-se, aí, a única hipótese de eleição indireta prevista pelo sistema constitucional brasileiro.

Em quaisquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores, configurando o chamado “man-dato-tampão”.

3.6. Atribuições do Presidente da República

O art. 84 da Constituição Federal traz o rol de competên-cias privativas do Presidente da República.

Nas lições de José Afonso da Silva, tais atribuições podem ser divididas em três grupos, quais sejam: a) Chefia de Estado; b) Chefia de Governo, e; c) Chefia da Administração federal.

São atribuições do Presidente da República relacionadas à Chefia de Estado: a) manter relações com Estados estran-geiros e acreditar seus representantes diplomáticos (inciso VII); b) celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional (inciso VIII); c) convocar e presidir o Conselho de Defesa Nacional (segunda parte do inciso XVIII); d) nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Su-periores (parte do inciso XIV); e) nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União (inci-so XV); f) nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição (primeira parte do inciso XVI); g) declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional (inciso XIX); h) celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional (inciso XX); i) conferir condecorações e distinções ho-noríficas (inciso XXI), e; j) permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente (inciso XXII).

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As atribuições relativas à Chefia de Governo são: a) no-mear e exonerar os Ministros de Estado (inciso I); b) iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição (inciso III); c) sancionar, promulgar e fazer pu-blicar as leis (primeira parte do inciso IV); d) vetar projetos de lei, total ou parcialmente (inciso V); e) decretar o estado de defesa e o estado de sítio (inciso IX); f) decretar e exe-cutar a intervenção federal (inciso X); g) remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias (inciso XI); h) conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei (inciso XII); i) exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Coman-dantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos (inciso XIII); j) nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Governadores de Territórios, o Procura-dor-Geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei (parte do inciso XIV); l) nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII (inciso XVII); m) convocar e presidir o Conselho da República (primeira parte do inciso XVIII); n) enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição (inciso XXIII), e; o) exercer outras atribuições previstas nesta Constituição (inciso XXVII).

Finalmente, como atribuições inerentes à Chefia da Admi-nistração Federal temos: a) exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal (inciso II); b) expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis (inciso IV); c) dispor, mediante decreto, sobre: (1) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar au-mento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (2) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos (inciso VI); d) nomear o Advogado-Geral da União (segunda parte do inci-

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so XVI); e) prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas re-ferentes ao exercício anterior (inciso XXIV), e; f) prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei (inciso XXV)351.

3.6.1. Poder regulamentar

Entre as várias prerrogativas destinadas ao Chefe do Po-der Executivo pelo art. 84 da Carta Política, merecem análise mais detalhada os incisos IV e VI, que veiculam o chamado poder regulamentar da Administração Pública.

O poder regulamentar consiste na prerrogativa conferida ao Poder Executivo de editar normas gerais e abstratas, visan-do possibilitar a aplicação da “lei”, em sentido amplo, conforme mencionamos.

Os veículos de introdução de normas no sistema jurídi-co, como já tivemos a oportunidade de analisar em subtítulo destinado ao estudo do princípio da legalidade, podem ser divididos em instrumentos primários (como a Constituição Federal, a lei complementar, a lei ordinária, a medida provisó-ria, o decreto legislativo), que são elaborados, em regra, pelo Poder Legislativo, e os instrumentos secundários (como o decreto regulamentar, as instruções ministeriais, as circula-res, as portarias e as ordens de serviços), editados pela Ad-ministração Pública.

A partir daí, e valendo-nos das precisas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, podemos identificar a natureza jurídica do ato regulamentar. Ouçamo-la:

351 Tal classificação, conforme observado, é fruto do gênio e obra de José Afonso da Silva. Todavia, optamos por fazer uma pequena alteração, retirando a parte final do inciso IV (editar regulamentos para a fiel exe-cução das leis) do rol dos atos de Chefia de Governo, para incluí-lo nas atribuições inerentes à Chefia da Administração federal.

Cf: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. pp. 546-7.

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“Doutrinariamente, admitem-se dois tipos de regulamentos: o regulamento executivo e o regulamento independente ou autônomo. O primeiro complementa a lei ou, nos termos do art. 84, IV, da Constituição, contém normas ‘para fiel execução da lei’; ele não pode estabelecer normas contra legem ou ultra legem. Ele não pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme art. 5º, II, da Constituição; ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração352.

O regulamento autônomo ou independente inova a ordem jurídica, porque estabelece normas sobre matérias não disci-plinadas em lei; ele não completa nem desenvolve nenhuma lei prévia” (grifos nossos).

O regulamento executivo, destarte, possui a função de detalhar a lei, sem poder aumentar ou restringir seu campo de incidência. Vamos a um exemplo: recentemente, veio a lume um novo Código de Trânsito Brasileiro. Trata-se de um instrumento introdutório primário de normas jurídicas. É uma lei ordinária fe-deral. Nela, devem estar contidos todos os elementos indispen-sáveis para jurisdicizar as condutas de trânsito: sinalizações, infrações, multas, requisitos para obter a carteira de motorista, dentre outros. Todavia, esta nova lei não traz em seu bojo os dias em que devem ser realizados os exames práticos para a obtenção da CNH. Vejam, aí, a natureza regulamentar da norma (que deverá ser editada pelo Poder Executivo), disciplinando a realização destes exames. A lei primária não poderia descer a tais minúcias, sob pena, até, de inviabilizar o atendimento de suas finalidades. Cada comunidade possui uma realidade dife-rente, devendo estes aspectos operacionais serem entregues à competência de cada um dos Executivos locais.

352 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 87.

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Ressalte-se que, no direito positivo brasileiro, mesmo antes da reinstituição do Estado Democrático de Direito pro-movida pela Constituição Federal de 1988, nunca se admi-tiu a figura do decreto ou regulamento autônomo. Princi-palmente em uma ordem democrática, a lei deve ser elabora-da pelo povo, por intermédio de seus representantes, eleitos pelo voto direto, e não por atos autoritários e unilaterais editados pelo Chefe do Poder Executivo. Todo decreto edi-tado deve, pois, adequar-se aos exatos limites da “lei” que pretende regulamentar, sob pena de afronta ao primado da legalidade.

A Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, pretendeu, porém, inovar o capítulo do poder normativo da Administração Pública, trazendo a malfadada figura do re-gulamento autônomo, com a alteração promovida no inciso VI do art. 84.

Nas duas hipóteses previstas, quais sejam, organização e funcionamento da administração federal, quando não implique aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públi-cos, bem como para a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos, o Chefe do Executivo Federal editaria decreto, com força de lei, que não teria como finalidade detalhar lei já existente, mas, sim, inovar a ordem jurídica.

Tal prerrogativa, a nosso ver, apresenta-se flagrante-mente inconstitucional, por representar violenta afronta ao Estado Democrático de Direito e à Separação dos Poderes, matérias que, por se tratarem de cláusulas pétreas, não po-dem ser alteradas sequer pelo exercício do poder constituinte derivado.

A inconstitucionalidade do decreto autônomo, sob a égide dos sistemas jurídicos brasileiros, desde 1891, ficou claramen-te demonstrada nas duras palavras do saudoso Geraldo Ataliba que, por sua veracidade e grande atualidade, merecem trans-crição. Versando sobre a impossibilidade de sua existência e criticando os que ainda o defendiam, escreveu:

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“Chega a ser ridículo que um brasileiro, tratando da facul-dade regulamentar, à luz do nosso direito, abra um tópico sob tal designação. Tão ridículo como seria criar um capítulo sobre a inspiração de Alah na ação dos seus delegados-governantes. Nos dois casos, a finalidade da menção seria afirmar o não-ca-bimento do próprio estudo, pela inexistência de reconhecimen-to constitucional a esses institutos.

Só quem haja estudado muito o Direito persa ou paquista-nês; só quem se haja embebido embriagadoramente das insti-tuições islâmicas; só quem nunca tenha perpassado os olhos pelas Constituições brasileiras, desde 1824, pode invocar o Corão como regra positiva, entre nós, ou as diretrizes de Alah ou Maomé para o exercício das funções política, constitucional-mente reguladas. Quem entende possível regulamento autôno-mo no Brasil ignora o nosso direito constitucional. Aprendeu direito estrangeiro e não soube perceber as diferenças. Pontes de Miranda, censurando acremente essa postura tão comum entre nós, escrevia que os autores equilibrados e cultos ‘não se deixavam levar pelo primeiro livro francês que, en passant, compravam nas livrarias’”353.

3.7. Crimes de responsabilidade e processo de impea-chment

Segundo dispõe o art. 85 da Constituição Federal, são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da Repú-blica que atentem contra a Constituição Federal e, especial-mente, contra: a) a existência da União; b) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; c) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; d) a se-gurança interna do País; e) a probidade na administração; f) a

353 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 148.

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lei orçamentária, e; g) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

A expressão “especialmente” dá o nítido caráter de rol exemplificativo às hipóteses constitucionalmente delineadas, nada impedindo a responsabilização do Chefe do Executivo por outros atos que, como estes, atentem contra a Constitui-ção Federal.

Prevê, ainda, a definição destas (e outras, em virtude do mencionado caráter exemplificativo) figuras em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. Atualmente, o procedimento para o julgamento dos crimes de responsabili-dade praticados pelo Presidente da República, Vice-Presidente, Ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, bem como pelo Procurador-Geral da República vêm previsto na Lei Federal nº 1079/50, tendo sido recepcionada, quase que totalmente, pela Carta Magna de 1988.

3.7.1. Julgamento

É importante ressaltar que o denominado “crime de res-ponsabilidade”, nos termos em que vem previsto pelo art. 85 da Constituição Federal, apresenta-se como infração de nature-za político-administrativa, sem caráter penal.

Tal fato será apreciado pelo Senado Federal, a partir de autorização da Câmara dos Deputados por votos de dois terços de seus membros, conforme prevêem os incisos I dos artigos 51 e 52. Destarte, a competência que a Câmara dos Deputados possui é tão-somente a de autorizar o processo pelo Senado Federal.

A competência para o julgamento do Presidente da Repú-blica pela prática de “crimes comuns”, outrossim, é atribuída ao Supremo Tribunal Federal, e não ao Senado Federal, res-tando evidente que, um mesmo fato pode desencadear as duas responsabilidades, apuráveis em dois julgamentos diferentes, um em cada foro.

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Neste sentido, é o teor do art. 86, in verbis: “Admitida a acu-sação contra o Presidente da República, por dois terços da Câ-mara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

Prevê, ainda, que a partir do recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal, nas infrações pe-nais comuns, ou após a instauração do processo pelo Senado Federal, nos crimes de responsabilidade, o Presidente ficará afastado de suas funções, devendo a elas retornar se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluí-do, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

O Presidente da República, ainda, não estará sujeito a pri-são enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infra-ções penais comuns, nos termos do parágrafo 3º do dispositivo em exame. Também não poderá, na vigência de seu mandato, ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções, conforme prevê o parágrafo 4º.

3.7.2. Penas

As penas previstas pelo cometimento de crimes de res-ponsabilidade estão dispostas no parágrafo único do art. 52 da Constituição Federal. São elas: a) perda do cargo, e; b) inabi-litação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Michel Temer chama-nos a atenção para a autonomia das duas penalidades, ao escrever que “a inabilitação para o exer-cício de função pública não decorre de perda do cargo, como à primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabiliza-ção. Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal. O objetivo foi o de impedir o prosseguimento no exercí-cio das funções (perda do cargo) e o impedimento do exercício – já agora não das funções daquele cargo de que foi afastado – mas de qualquer função pública, por um prazo determinado”.

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E conclui: “Assim, havendo renúncia, o processo de res-ponsabilização deve prosseguir para condenar ou absolver, afastando, ou não, sua participação da vida pública pelo prazo de oito anos”354.

É certo que, iniciado o processo de responsabilização, a renúncia do Presidente da República não pode impedir a apli-cação da pena de inabilitação, sob pena de permitir-se a fraude ao dispositivo constitucional. Todavia, resta-nos saber quando tem início o processo de responsabilização: se com a autori-zação da Câmara dos Deputados para instauração do proces-so contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os ministros de Estado, prevista no inciso I do art. 51, ou com a instauração do processo pelo Senado Federal, conforme prevê o inciso I do artigo subseqüente?

Parece-nos certo que o início da responsabilização dá-se com a instauração, pelo Senado Federal, do processo que visa ou possa levar à perda do mandato, tendo o processo na Câ-mara dos Deputados natureza autônoma, como ato autorizati-vo da medida pelo Senado.

Entretanto, alguns entendem tratar-se de um processo bifásico, que passa por um juízo de admissibilidade da acu-sação na Câmara dos Deputados que, caso acolhida, desenca-deará o julgamento do mérito, em um segundo momento, pelo Senado Federal. Nesta hipótese, a renúncia do Presidente da República e demais autoridades mencionadas a partir do iní-cio do processo na Câmara dos Deputados, já não será capaz de elidir os efeitos da inabilitação para o exercício de função pública, caso esta pena venha a ser aplicada. Esse foi o en-tendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Segurança nº 21.689-DF, impetrado pelo então presidente Fernando Collor de Mello.

354 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. pp. 158-9.

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3.8. Dos Ministros de Estado

Prevê a Constituição Federal, em seu art. 87, que os Mi-nistros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.

Suas funções, além de outras atribuições estabelecidas nes-ta Constituição e na lei, serão: a) exercer a orientação, coordena-ção e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos as-sinados pelo Presidente da República; b) expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos; c) apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministé-rio, e; d) praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.

Por força da nova redação que a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001 conferiu ao art. 88 da Carta Política, “a lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública”.

4. PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário, terceiro dos poderes na clássica di-visão elaborada pelo Barão de Montesquieu, é o detentor da prerrogativa estatal de aplicar a lei ao caso concreto, solucio-nando os conflitos de interesses sociais. Transforma a lei, co-mando geral e abstrato, em uma ordem individual e concreta, específica para a demanda levada à sua apreciação.

Uma de suas características principais é a de ser inerte, atuando, como regra, apenas quando provocado por uma das partes interessadas.

Atualmente, por força do que dispõe o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, a jurisdição é monopólio do Es-tado e, mais do que isto, do Poder Judiciário, na medida em que nenhuma lesão ou ameaça a direito será subtraída de sua apreciação.

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Conforme já tivemos a oportunidade de observar, embo-ra o Direito brasileiro reconheça e regulamente a atuação dos tribunais administrativos, as decisões emitidas por esses tribu-nais não possuem o condão de fazer “coisa julgada”. Assim é que, enquanto em outros países as decisões sobre assuntos de competência destes tribunais são irrecorríveis, não permitindo o acesso posterior ao Poder Judiciário, o mesmo não se dá em nossa ordem jurídica.

4.1. Emenda Constitucional nº 45/04

A Emenda Constitucional nº 45, promulgada em 8 de de-zembro de 2004, trouxe profundas alterações no capítulo desti-nado ao Poder Judiciário.

O texto aprovado tramitou no Congresso Nacional por doze anos, sendo oito na Câmara dos Deputados e quatro no Senado Federal. Alguns dispositivos incluídos no Senado Federal terão que retornar à Câmara dos Deputados. Para possibilitar a pro-mulgação da Proposta de Emenda à Constituição, o Projeto de Reforma do Poder Judiciário foi desmembrado em duas: a pri-meira, com os pontos não modificados pelo Senado Federal, e que deu origem à Emenda Constitucional nº 45/04, seguiu para promulgação; a segunda, retornou à Câmara dos Deputados para o reexame, pelos Deputados, dos aspectos modificados ou incluídos pelos senadores.

Dentre os principais aspectos alterados, que se encon-tram detalhadamente explicitados neste trabalho, ressalte-se: a) criação da súmula vinculante (art. 103-A da Constituição Fe-deral); b) criação dos Conselhos Nacionais de Justiça (art. 103-B da Carta da República) e do Ministério Público (art. 130-A da Constituição Federal); c) possibilidade de equiparação dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a Emendas Constitucionais (parágrafo 3º do art. 5º da Consti-tuição da República) e possibilidade de deslocamento da com-petência para a Justiça Federal para o julgamento de crimes

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praticados contra os direitos humanos (parágrafo 5º do art. 109 da Carta Magna); d) fim das férias coletivas do Poder Judiciá-rio (inciso XII do art. 93 da Constituição de 1988), e) extinção dos Tribunais de Alçada (art. 4º da Emenda Constitucional nº 45/04), f) aumento do número de Ministros do Tribunal Supe-rior do Trabalho (art. 111-A da Constituição) e ampliação das atribuições da Justiça do Trabalho (art. 114 da Carta da Repú-blica), g) “quarentena” de Magistrados e Membros do Ministério Público (inciso V do parágrafo único do art. 95 e parágrafo 6º do art. 128 da Constituição Federal); h) proibição da promoção de Magistrado que, injustificadamente retiver autos em seu poder (alínea ”e” do inciso II do art. 93 da Constituição de 1988); e i) exigência de três anos de atividade profissional como requisito para ingresso na carreira da Magistratura e do Ministério Públi-co (inciso I do art. 93 e parágrafo 3º do art. 129 da Constituição Federal).

4.2. Estrutura do Poder Judiciário

O art. 92 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, determina que são órgãos do Poder Judiciário: a) o Supremo Tribunal Federal; b) o Conselho Nacional de Justiça; c) o Superior Tribunal de Justiça; d) os Tri-bunais Regionais Federais e Juízes Federais; e) os Tribunais e Juízes do Trabalho; f) os Tribunais e Juízes Eleitorais; g) os Tribunais e Juízes Militares, e; h) os Tribunais e Juízes dos Es-tados e do Distrito Federal e Territórios.

Note-se, aí, a inclusão do Conselho Nacional de Justiça na estrutura do Poder Judiciário e a manutenção da má-técnica do legislador constituinte originário, ao afirmar que os juízes fede-rais, eleitorais, militares e dos Tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios são órgãos do Poder Judiciário.

Em outras passagens, no entanto, o constituinte reforma-dor acertou na redação, como no inciso XII do art. 93, ao prever que “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado

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férias coletivas nos juízos e tribunais...”, no inciso V do art. 95 ao proibir o Magistrado de “exercer a advocacia no juízo ou tri-bunal do qual se afastou...” ou no parágrafo 5º do art. 125 quan-do afirma que “compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar...”.

Sem dúvida, o legislador constituinte deve ter pretendido se referir a juízos federais, eleitorais, militares e dos Tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios como órgãos inte-grantes da estrutura do Poder Judiciário brasileiro. Isto porque os juízes, na qualidade de agentes públicos, não podem ser considerados órgãos, que consistem em divisões internas dos entes da Administração Pública direta ou indireta.

Prescreve a Constituição da República, na nova redação do parágrafo 1º do art. 92, que o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores tenham sede na Capital Federal.

O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores, conforme o parágrafo 2º do dispositivo em comento, têm jurisdi-ção em todo o território nacional.

4.3. Seleção dos membros do Poder Judiciário

Segundo alude o art. 93 da Constituição da República, com redação conferida pela Emenda Constitucional nº 45/04, o in-gresso na carreira de Magistrado, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, dar-se-á por meio de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exigindo-se do bacharel em Direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obede-cendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação.

A promoção dos membros do Poder Judiciário será realizada de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento; b) a promoção por

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merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de an-tigüidade desta, salvo se não houver, com tais requisitos, quem aceite o lugar vago; c) aferição do merecimento conforme o de-sempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e preste-za no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação, e; e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao car-tório sem o devido despacho ou decisão.

Note-se que a Constituição originária determinava, para a promoção por merecimento, a análise de “critérios da preste-za e segurança no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento”, sem fazer referência à produtividade ou mencionar que os re-feridos critérios deveriam ser objetivos.

A partir da Reforma do Poder Judiciário, ainda, a recusa do juiz mais antigo para a promoção por antigüidade requer voto fundamentado e a garantia da ampla defesa. Também não encontra dispositivo semelhante na Constituição originária a proibição de promoção do juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder, além do prazo legal.

O acesso aos tribunais de segundo grau respeitará os mesmos critérios, realizando-se por antigüidade e merecimen-to, alternadamente, apurados na última ou única entrância.

O art. 4º da Emenda Constitucional nº 45/04 prevê a extin-ção dos tribunais de Alçada, onde houver, passando os seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Es-tados, respeitadas a antiguidade e a classe de origem. Extin-guem-se, assim, os Tribunais de Alçada presentes nos estados de São Paulo e Paraná.

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O parágrafo único do mesmo dispositivo concede o prazo de cento e oitenta dias, contado da promulgação da Emenda, para os Tribunais de Justiça, por ato administrativo, promoverem a integração dos membros dos tribunais extintos em seus qua-dros, fixando-lhes a competência e remetendo, em igual prazo, ao Poder Legislativo, proposta de alteração da organização e da divisão judiciária correspondentes, assegurados os direitos dos inativos e pensionistas e o aproveitamento dos servidores no Poder Judiciário estadual.

A nova redação da Constituição Federal prevê, ainda, cur-sos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de Magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de Magis-trados.

A Reforma do Poder Judiciário também põe fim à regra absoluta de residência do juiz titular na respectiva comarca. Agora, com autorização do tribunal, o juiz pode residir fora da comarca.

A nova redação do inciso VIII do art. 93 da Constituição Federal prevê que o ato de remoção, disponibilidade e apo-sentadoria do Magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa. A remoção a pedido ou a permuta de Magistrados de comar-ca de igual entrância atenderá, no que couber, aos requisitos exigidos para a promoção por merecimento, incluindo-se a ve-dação na hipótese de retenção injustificada de autos.

4.3.1. Quinto constitucional

A aprovação em concurso público de provas e títulos não constitui a única forma de acesso à carreira da Magistratura.

Isto porque, segundo dispõe o art. 94 da Constituição Federal, um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais,

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dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto por membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídi-co e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva ati-vidade profissional, indicados, em lista sêxtupla, pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, en-viando-a ao Chefe do Poder Executivo que, nos vinte dias subse-qüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.

4.3.2. Nomeação dos Ministros

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tri-bunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho e do Supe-rior Tribunal Militar também serão nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, neste caso, o Presidente da República, após sua escolha haver sido aprovada pelos membros do Senado Federal, nos termos e número que serão especificados nos subtítulos específicos.

4.4. Funcionamento dos juízos e tribunais

A Constituição Federal impõe o Princípio da publicidade aos atos judiciais no inciso IX do art. 93, ao assegurar que to-dos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públi-cos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às pró-prias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Note-se a preocupação do constituinte reformador com o respeito aos direitos individuais ao prever, na Emenda Consti-tucional nº 45/04, a possibilidade de sigilo de atos jurisdicionais que possam violar o direito à intimidade das partes, corrobo-rando o direito assegurado pelo inciso X do art. 5º da Constitui-ção da República.

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Além da publicidade, exige-se a motivação das decisões administrativas dos tribunais, que serão tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros, nos termos do inciso X do art. 93 da Carta da República.

Nos tribunais com número superior a vinte e cinco julga-dores, faculta-se a constituição de Órgão Especial, com o mí-nimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais dele-gadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno. Essa previsão justifica-se em virtude do grande número de membros que determinados tribunais possuem, o que retardaria excessivamente o julgamento das ações.

Ressalte-se que a Emenda Constitucional nº 45/04 passou a exigir que a metade das vagas do Órgão Especial sejam preen-chidas por antigüidade e a outra metade por eleição, dispositivo que não se vislumbrava na Constituição Federal originária.

O inciso XII do artigo sob comento passou a proibir férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, prescreven-do que a atividade jurisdicional será ininterrupta, inclusive com Magistrados em plantão permanente nos dias em que não hou-ver expediente forense normal.

O número de juízes na unidade jurisdicional será propor-cional à efetiva demanda judicial e à respectiva população, sen-do que os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório.

Nos termos do inciso XV do art. 93, ainda, a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.

4.5. Supremo Tribunal Federal

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão em nú-mero de onze, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável

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saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, após aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado da República, nos termos do art. 101 da Constitui-ção Federal.

4.5.1. Competências

Nos termos do art. 102 da Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Cons-tituição, cabendo-lhe, ainda, processar e julgar diversas maté-rias em sede de competências originária ou recursal.

O inciso I do art. 102 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, confere ao Supre-mo Tribunal Federal competência originária para processar e julgar: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de consti-tucionalidade de lei ou ato normativo federal; b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; c) nas infrações penais co-muns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no inciso I do art. 52, os membros dos Tri-bunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os che-fes de missão diplomática de caráter permanente; d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; e) o litígio entre Estado estrangeiro ou orga-nismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro; h) (revogada); i) o habeas cor-

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pus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus jul-gados; l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais; n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados; o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; p) o pedido de medida cautelar das ações dire-tas de inconstitucionalidade; q) o mandado de injunção, quan-do a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal, e; r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público.

A Reforma do Poder Judiciário revogou a competência do Supremo Tribunal Federal para homologar sentenças estran-geiras e conceder o exequatur às cartas rogatórias, constante da alínea “h”, que foi transferida ao Superior Tribunal de Justiça, bem como acrescentou a alínea “r” ao inciso I do art. 102 da Carta da República para conferir competência originária à Su-prema Corte para julgar as ações contra os atos dos Conselhos criados.

Compete ao Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso ordinário, julgar: a) o habeas corpus, o mandado de seguran-ça, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única

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instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, e; b) o crime político.

Além disso compete-lhe, em sede de recurso extraordi-nário, julgar as causas decididas em única ou última instân-cia, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de Tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição, e; d) julgar válida lei local contesta-da em face de lei federal.

A competência para julgar válida lei local contestada em face de lei federal, que anteriormente era do Superior Tribunal de Justiça, foi incluída entre as atribuições do Supremo Tribunal Federal pela Emenda Constitucional nº 45/04.

A Emenda exige que, no recurso extraordinário, o recorren-te demonstre a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

A Reforma do Poder Judiciário alterou, ainda, o pará-grafo 2º do art. 102 da Constituição Federal para conferir às decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tri-bunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo, eficácia contra todos e efeito vinculante, relati-vamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Adminis-tração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

A redação dada pela Emenda Constitucional nº 3/93 a este dispositivo conferia estes efeitos apenas para as decisões pro-feridas nas ações declaratórias de constitucionalidade. O art. 28 da Lei Federal nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, no entanto, estendeu esses efeitos à ação direta de inconstitucio-nalidade, acarretando discussão sobre a constitucionalidade de inserção, por via infraconstitucional, de força vinculante de decisões judiciais prolatadas pelo STF. A matéria foi objeto de

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Questão de Ordem, na Reclamação nº 1.880, ajuizada pelo Município Paulista de Turmalina perante o TRT da 15ª Região.

Em decisão proferida em 6 de novembro de 2002, o Supre-mo Tribunal Federal entendeu constitucional o parágrafo único do art. 28 da Lei Federal nº 9.868/99.

Com a Emenda Constitucional 45/04 a questão fica definiti-vamente resolvida, em razão da previsão constitucional expres-sa desses efeitos nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade, além da possibilidade de edição de súmulas vinculantes, nos termos que serão expostos a seguir.

4.5.2. Súmula vinculante

A Reforma do Poder Judiciário, promovida pela Emenda Constitucional nº 45/04, faculta ao Supremo Tribunal Federal a edição de súmulas vinculantes sobre matérias que já tenham sido debatidas exaustivamente por aquela Corte.

A inserção da possibilidade de edição de súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro acarretou grandes debates no meio acadêmico: os que a defendiam, argumentavam que sua criação representaria importante instrumento de celeridade processual, na medida em que evitaria que o Supremo Tribunal Federal, em sede originária ou recursal, tivesse que se mani-festar sobre assuntos exaustivamente decididos por ele próprio; os que eram contrários à sua criação, argumentavam que a me-dida transformaria os juízes e tribunais em meros burocratas, em aplicadores da decisão imposta pela Suprema Corte, além de representar grave entrave à evolução do Direito, em razão do “engessamento” das instâncias inferiores.

Nos termos do art. 103-A, inserido pela Emenda Constitu-cional nº 45/04, o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucio-nal, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na impren-

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sa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. A aprovação, assim, dar-se-á por oito votos.

A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja con-trovérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a ad-ministração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

A aprovação, revisão ou cancelamento da súmula vinculan-te poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade, quais, sejam, os legitimados do rol do art. 103 da Constituição Federal, sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, consoante dicção do parágrafo 2º do art. 103-A da Constituição da República.

Prevê, ainda, o parágrafo 3º do art. 103-A, que, do ato ad-ministrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicá-vel ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Su-premo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois ter-ços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial, nos termos do art. 8º da Emenda Constitucional nº 45/04.

4.6. Conselho Nacional de Justiça

Muito se debateu sobre a “criação de um controle externo para o Poder Judiciário”.

Na realidade, cremos que esse controle já existia. Isto por-que a tripartição das funções estatais exige controles mútuos para que um dos “poderes” não se sobreponha aos demais,

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comprometendo a harmonia que deve presidir o desempenho das funções estatais. Trata-se do denominado “sistema de freios e contrapesos”, ou checks and balances, nos dizeres dos norte-americanos, idealizado pelo Barão de Montesquieu, segundo o qual todos os poderes estatais devem desempenhar as três tarefas e controlarem-se mutuamente. O Poder Judiciário, por exemplo, sofre controle do Ministério Público e do Poder Legis-lativo, quando presta contas ao Tribunal de Contas.

A Reforma do Judiciário cria o Conselho Nacional de Jus-tiça que, não resta dúvidas, desempenhará importante papel no aprimoramento do controle das atividades do Poder Judiciário.

Note-se, no entanto, que o constituinte reformador optou por inserir o Conselho na estrutura do Poder Judiciário, nos ter-mos do inciso I-A do art. 92 da Constituição Federal, e que a maioria de seus membros, incluindo-se o Presidente e o Cor-regedor, são integrantes da Magistratura, o que relativiza o ar-gumento de interferência externa e de que sua criação repre-sentaria ofensa à independência e harmonia que deve presidir a separação dos Poderes estatais.

Nos termos do art. 103-B da Constituição Federal de 1988, inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, o Conselho Na-cional de Justiça compõe-se de quinze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sen-do: a) um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo tribunal; b) um Ministro do Superior Tribunal de Justi-ça, indicado pelo respectivo tribunal; c) um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal; d) um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; e) um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; f) um desembargador federal de Tribunal Re-gional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; g) um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; h) um desembargador federal do trabalho de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; i) um juiz

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do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; j) um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procu-rador-Geral da República; l) um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual; m) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e; n) dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

A presidência do Conselho ficará a cargo do Ministro do Supremo Tribunal Federal, que votará em caso de empate, fi-cando excluído da distribuição de processos naquele tribunal, nos termos do parágrafo 1º do art. 103-B da Constituição da República.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a fun-ção de Ministro-Corregedor e, igualmente, ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, conforme previsão do pa-rágrafo 5º do mesmo dispositivo.

Após a realização das indicações supramencionadas e da respectiva aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, os membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República.

Na hipótese de não realização, no prazo legal, das indica-ções previstas neste artigo, a escolha ficará a cargo do Supre-mo Tribunal Federal, consoante dicção do parágrafo 3º do art. 103-B da Carta da República.

O Conselho Nacional de Justiça encarregar-se-á do controle da atuação administrativa e financeira do Poder Ju-diciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem confe-ridas pelo Estatuto da Magistratura: a) zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistra-tura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; b) zelar pela obser-vância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação,

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a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências neces-sárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competên-cia do Tribunal de Contas da União; c) receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remo-ção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; d) repre-sentar ao Ministério Público, no caso de crime contra a admi-nistração pública ou de abuso de autoridade; e) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; f) elabo-rar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sen-tenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário, e; g) elaborar relatório anual, pro-pondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

O Senado Federal, acertadamente, rejeitou emenda que incluía a expressão “perda de cargo” dentre as punições que poderiam ser aplicadas pelo Conselho, por entender que a medida representaria ofensa à independência e harmonia que deve existir entre os Poderes. Fica possível, como vimos acima, a aplicação de sanções administrativas, como remoção, dispo-nibilidade ou aposentadoria.

Caberá ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça, além da função de Ministro-Corregedor e de outras atribuições

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que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as se-guintes atribuições: a) receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos servi-ços judiciários; b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral, e; c) requisitar e designar Ma-gistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.

Junto ao Conselho, ainda, oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Finalmente, prevê o parágrafo 7º do art. 103-B que a União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando di-retamente ao Conselho Nacional de Justiça.

Nos termos do art. 5º da Emenda Constitucional nº 45/04, o Conselho Nacional de Justiça deverá ser instalado no prazo de cento e oitenta dias, a contar da sua promulgação, devendo a indicação ou escolha de seus membros ser efetuada até trinta dias antes do termo final.

Não efetuadas as indicações e a escolha dos nomes, ca-berá ao Supremo Tribunal Federal realizá-las.

Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Con-selho Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro-Corregedor.

4.7. Superior Tribunal de Justiça

De acordo com a Emenda Constitucional nº 45/04, os Mi-nistros do Superior Tribunal de Justiça, em número mínimo de trinta e três, serão nomeados pelo Presidente da Repúbli-ca, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação

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ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: a) um terço dentre desembargadores federais dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal, e; b) um terço, em par-tes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternada-mente, indicados na forma do art. 94 da Constituição Federal.

A nova redação do parágrafo único do art. 104 da Consti-tuição Federal, assim, passou a exigir a aprovação da indica-ção do futuro Ministro pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, bem como atualizou a redação do inciso I do parágrafo único do art. 94, para falar em “desembargadores federais” dos Tribunais Regionais Federais em vez de “juízes”.

4.7.1. Competências

O art. 105 da Constituição da República traz as competên-cias do Superior Tribunal de Justiça.

Nos termos do inciso I do mencionado artigo, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamen-te: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal e, nestes e nos de responsabilidade, os desem-bargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribu-nais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Con-selhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Esta-do, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáuti-ca ou do próprio Tribunal; c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Mi-nistro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleito-

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ral; d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto na alínea “o” do inciso I do art. 102 da Carta da República, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos; e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados; f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou en-tre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União; h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regula-mentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade fe-deral, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, e; i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.

A Reforma do Poder Judiciário, conforme mencionado, re-vogou a competência do Supremo Tribunal Federal para homo-logar sentenças estrangeiras e conceder o exequatur às cartas rogatórias, transferindo-a ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos da alínea “i” do inciso I do art. 105.

Compete-lhe julgar em sede de recurso ordinário: a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tri-bunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Esta-dos, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a de-cisão, e; c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

Finalmente, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em sede de recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos

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tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou ne-gar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contes-tado em face de lei federal, e; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Conforme mencionado quando do estudo das competên-cias do Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional nº 45/04 retirou do Superior Tribunal de Justiça a prerrogativa de julgar a validade de lei local contestada em face de lei federal, mantendo apenas a competência deste apenas para julgar ato de governo local contestado em face da Constituição da Repú-blica, nos termos da alínea “b” do inciso III do art. 105.

A Reforma do Poder Judiciário prevê, ainda, que funciona-rão, junto ao Superior Tribunal de Justiça: a) a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira, e; b) o Conselho da Justi-ça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

4.8. Tribunais Regionais Federais e Juízos Federais

Nos termos do art. 107 da Constituição Federal, com nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete Juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira, e; b) os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antigüidade e merecimento, alternadamente.

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A lei disciplinará a remoção ou a permuta de juízes dos Tribunais Regionais Federais e determinará sua jurisdição e sede.

O parágrafo 2º do art. 107 da Constituição Federal de 1988, inserido com a Reforma do Poder Judiciário, prescreve que os Tribunais Regionais Federais instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade juris-dicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servin-do-se de equipamentos públicos e comunitários.

Os Tribunais Regionais Federais poderão, ainda, funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar, ao jurisdicionado, o pleno acesso à justiça em todas as fases do processo.

4.8.1. Competências

Compete aos Tribunais Regionais Federais, nos termos do inciso I do art. 108 da Constituição da República, processar e julgar, originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Traba-lho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região; c) os man-dados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal; d) os habeas corpus, quando a auto-ridade coatora for juiz federal, e; e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal.

Compete-lhes, ainda, julgar, em grau de recurso, as cau-sas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.

Aos juízos federais, por sua vez, compete processar e julgar: a) as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de au-toras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as

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de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; b) as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; c) as causas fundadas em Tratado ou con-trato da União com Estado estrangeiro ou organismo interna-cional; d) os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Mi-litar e da Justiça Eleitoral; e) os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; f) as causas relativas a direitos humanos, nos termos abaixo expostos; g) os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o siste-ma financeiro e a ordem econômico-financeira; h) os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não este-jam diretamente sujeitos a outra jurisdição; i) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; j) os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressal-vada a competência da Justiça Militar; l) os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização, e; m) a disputa sobre direitos indígenas.

Conforme mencionado, prevê o parágrafo 5º do art. 109 da Constituição Federal que, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a fi-nalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorren-tes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, inciden-te de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

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As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.

As causas intentadas contra a União poderão ser afora-das na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

4.9. Tribunais e Juízos do Trabalho

A Reforma do Poder Judiciário, veiculada pela Emenda Constitucional nº 45/04, instituiu profundas alterações na Jus-tiça do Trabalho, como o aumento do número de Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, a ampliação das matérias que podem ser apreciadas pela Justiça do Trabalho e o fim da obri-gatoriedade de existência de um Tribunal Regional do Trabalho em cada unidade da federação.

Os componentes do Tribunal Superior do Trabalho, nos ter-mos do art. 111-A da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, compreenderão vinte e sete Ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da Repú-blica após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94, e; b) os demais dentre desembargadores fe-derais do Trabalho dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da carreira, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal Superior.

A Reforma do Poder Judiciário, com isso, restaura os vinte e sete Ministros do Tribunal Superior do Trabalho previstos na Constituição originária de 1988. O número de Ministros havia sido reduzido de vinte e sete para dezessete com a Emenda Constitucional nº 24/99, que extinguiu a representação classis-ta na Justiça do Trabalho.

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A lei disporá sobre a competência do Tribunal Superior do Trabalho, inclusive sobre a reclamação para preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.

Conforme previsão do parágrafo 2º do art. 111-A, funciona-rão junto ao Tribunal Superior do Trabalho: a) a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira, e; b) o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vin-culante.

O art. 6º da Emenda Constitucional nº 45/04 prescreve que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho será instalado no prazo de cento e oitenta dias, cabendo ao Tribunal Superior do Trabalho regulamentar seu funcionamento por resolução, en-quanto não promulgada a referida lei.

A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas co-marcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos Juízes de Direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho. Note-se que a nova redação do art. 112 da Constitui-ção Federal, dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, não prevê mais a existência de “pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho em cada Estado e no Distrito Federal” conforme dispunha a redação anterior.

4.9.1. Competências

Conforme a nova redação do art. 114 da Constituição Federal de 1988, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: a) as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; b) as ações que envolvam exercício do direito

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de greve; c) as ações sobre representação sindical, entre sin-dicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; d) os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; e) os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto na alí-nea “o” do inciso I do art. 102 da Constituição Federal; f) as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorren-tes da relação de trabalho; g) as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; h) a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas na alínea “a” do inciso I e no inciso II do art. 195, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir, e; i) outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitro, sendo que, em caso de recusa de qualquer uma delas à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza eco-nômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, res-peitadas as disposições mínimas legais de proteção ao traba-lho, bem como as convencionadas anteriormente.

Em caso de greve em atividade essencial, com possibi-lidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

4.9.1.1. Competência para o julgamento das matérias envolvendo servidores públicos

Como vimos, a Reforma do Poder Judiciário, veiculada pela Emenda Constitucional nº 45/04 ampliou as matérias que podem ser apreciadas pela Justiça do Trabalho.

Todavia, uma divergência entre as redações dos textos aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal,

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quanto à competência para o julgamento das causas envolven-do relação de trabalho, prevista no inciso I do art. 114, resultou na propositura da ação direta de inconstitucionalidade nº 3.395-6/DF, ajuizada pela Associação dos Juízes Federais – Ajufe.

A redação aprovada pela Câmara dos Deputados para o inciso I do art. 114 da Constituição Federal determinava ser competência da Justiça do Trabalho processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios”.

O Senado da República, no entanto, optou por modificar a redação do dispositivo para manter a competência para o julga-mento dos litígios envolvendo servidores públicos na Justiça Fe-deral, como ocorria até então, o que poderia provocar o retorno de todo o dispositivo à Câmara dos Deputados, inviabilizando sua promulgação. Para evitar o envio da matéria à Câmara, o Senador José Jorge, relator da Proposta no Senado, optou por excluir expressamente a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento das causas envolvendo os servidores esta-tutários por meio de Emenda de Redação.

O texto aprovado pelo Senado da República dispunha per-tencer à Justiça do Trabalho a prerrogativa de processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e in-direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-pios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação”.

A Câmara dos Deputados, no entanto, rejeitou a tese de que o acréscimo poderia ser realizado por meio de mera Emen-da de Redação e, embora o texto promulgado no dia 8 de de-zembro tivesse sido o aprovado no Senado Federal, acabou-se por publicar, em 31 de dezembro, o texto aprovado na Câmara dos Deputados.

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611Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

A questão que se coloca é a seguinte: a Justiça do Traba-lho, com a redação dada ao dispositivo sob análise pela Câ-mara dos Deputados, passaria a ser o foro competente para o exame de todas as discussões envolvendo relação de trabalho, inclusive os litígios envolvendo servidores públicos e as Admi-nistrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais?

O Ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal, por meio de medida cautelar concedida na referida ADIn, manteve na Justiça Federal a competência para o julga-mento das ações envolvendo as relações de trabalho de ser-vidores estatutários, entendendo “fortemente plausível” a tese de insegurança jurídica sustentada pela autora, em razão da duplicidade de redações e, por força de interpretação confor-me a Constituição, suspendeu ad referendum do Tribunal Pleno toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da Constituição Federal que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a “apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária”.

Lembrou, ainda, que a redação anterior do art. 114 da Constituição Federal conferia à Justiça do Trabalho a compe-tência para “conciliar e julgar os dissídios individuais e coleti-vos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União...” e que o Supremo Tribunal Federal, em voto da lavra do Ministro Carlos Velloso no julgamento da ADIn nº 492-1/DF, já havia entendido que a expressão “trabalhadores” não abrangia os servidores estatutários.

Destarte, a alteração da redação promovida pelo Senado Federal, realizada apenas com o objetivo de aclarar o conteúdo normativo do inciso, “em nada altera a proposição jurídica con-tida na regra”. E afirma que “mesmo que se entendesse a ocor-rência de inconstitucionalidade formal, remanesceria vigente a redação do caput do art. 114, na parte que atribui à Justiça

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trabalhista a competência para as ‘relações de trabalho’ não in-cluídas as relações de direito administrativo”.

Concluindo sua exposição, o Ministro Nelson Jobim lem-brou voto de sua lavra, proferido na ação declaratória de cons-titucionalidade nº 4-6/DF, segundo o qual “o retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter sido simplesmente emendado”, sendo necessário o retorno “se, e somente se, a emenda tenha produzido modificação de sentido na proposição jurídica”.

4.9.2. Tribunais Regionais do Trabalho

Os Tribunais Regionais do Trabalho conterão, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efe-tiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94, e; b) os demais, mediante promoção de juízes do trabalho por antigüidade e merecimento, alternada-mente.

Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça iti-nerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva juris-dição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.

Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar des-centralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.

4.10. Tribunais e Juízos Eleitorais

O Tribunal Superior Eleitoral será composto, no mínimo, de sete membros, escolhidos: a) mediante eleição, pelo voto secreto, de três juízes dentre os Ministros do Supremo Tribunal

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613Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

Federal e de dois juízes dentre os Ministros do Superior Tribu-nal de Justiça, e; b) por nomeação do Presidente da República, dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal.

O Tribunal Superior Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice-Presidente dentre os Ministros do Supremo Tribunal Fe-deral, e o Corregedor Eleitoral dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, conforme previsão do art. 119 da Constitui-ção da República.

São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem a Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança.

4.10.1. Tribunais Regionais Eleitorais

Os Tribunais Regionais Eleitorais também serão com-postos por sete membros, designados da seguinte forma: a) dois juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça e dois juízes, dentre juízes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça, mediante eleição, pelo voto secreto; b) um juiz do Tribunal Regional Federal com sede na Capital do Estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, de juiz federal, escolhido, em qualquer caso, pelo Tribunal Regional Federal respectivo, e; c) nomeação, pelo Presidente da República, de dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça.

O Tribunal Regional Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice-Presidente dentre os desembargadores.

Os juízes dos tribunais eleitorais, salvo motivo justificado, servirão por dois anos, no mínimo, e não por mais de dois biê-nios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria.

Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: a) forem proferidas contra disposição

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expressa da Constituição ou de lei; b) ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; c) versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; d) anularem diplomas ou decre-tarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais, e; e) denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção.

4.11. Tribunais e Juízos Militares

O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Minis-tros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.

Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da Re-pública dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo: a) três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, e; b) dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e mem-bros do Ministério Público da Justiça Militar.

A competência da Justiça Militar resume-se a processar e julgar os crimes militares definidos em lei, sendo que sua orga-nização, funcionamento e competência também serão defini-dos em lei.

4.12. Tribunais e Juízos dos Estados, Distrito Federal e Territórios

Os Estados organizarão sua Justiça, sendo a competên-cia dos tribunais definida na Constituição do Estado, e a lei de organização judiciária elaborada por iniciativa privativa do Tribunal de Justiça.

A nova redação do parágrafo 3º do art. 125 da Constituição Federal, dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, prescreve

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que a lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribu-nal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. A Emenda inclui os Juízes de Direito entre os integrantes da Justiça Militar de primeiro grau.

A Reforma do Poder Judiciário estendeu, ainda, a com-petência da Justiça Militar estadual, conferindo-lhe poderes para, além de processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei, apreciar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente, como já dispunha, decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

Previu, ainda, que compete aos Juízes de Direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares co-metidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizada-mente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar ao jurisdicionado o pleno acesso à justiça, em todas as fases do processo.

O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdi-cional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários e deverá criar ou-vidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, repre-sentando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça.

A Emenda Constitucional nº 45/04 alterou, ainda, a reda-ção do art. 126 da Constituição Federal, passando a prever a criação de varas especializadas, com competência exclusiva

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para questões agrárias, para dirimir conflitos fundiários, di-ferentemente do que dispunha a Constituição originária, que facultava a designação de juízes de entrância especial, da Ca-pital do Estado, para tanto.

4.13. Subsídio

A Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, introduziu o sistema de remuneração por meio de subsídio para os ocupantes de vários cargos relacionados ao primeiro esca-lão dos três poderes estatais, bem como para os servidores organizados em carreira.

Prevê, no inciso XI do art. 37, que o valor máximo recebido por qualquer agente público, ativo ou inativo, de qualquer dos poderes de todas as unidades da Federação não poderá exce-der o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, instituindo o chamado “teto” do serviço público em nosso país.

Delimitado este “teto”, o inciso V do art. 93 da Constituição Federal determina que o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponda a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais Magistrados serão fixados em lei e es-calonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a dife-rença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obede-cido, em qualquer caso, o disposto no inciso XI do art. 37 e o parágrafo 4º do art. 39 da Constituição da República.

4.14. Aposentadoria dos Magistrados

Por força do disposto no inciso VI do art. 93 da Constitui-ção Federal, com nova redação dada pela Emenda Constitucio-nal nº 20, de 15 de dezembro de 1998 e mantida pela Emenda

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Constitucional nº 45/04, a aposentadoria dos Magistrados e a pensão de seus dependentes passam a observar o disposto no art. 40, pondo fim à aposentadoria especial, sujeitando-os à regra geral aplicável aos demais servidores públicos.

Para outros esclarecimentos sobre o tema, remetemos o leitor ao capítulo dedicado à Administração Pública, no qual ex-plicitamos o assunto.

4.15. Garantias

A Constituição Federal, no artigo 95, enumera as garan-tias das quais dispõem os membros da Magistratura Nacional. São elas: a vitaliciedade, a inamovibilidade, e a irredutibili-dade de subsídio.

A vitaliciedade não se confunde com a estabilidade, con-ferida aos servidores públicos. Vitaliciedade consiste na prerro-gativa conferida a Magistrados e membros do Ministério Pú-blico de não perderem seu cargo, senão por decisão judicial transitada em julgado. A vitaliciedade também se adquire ao final de estágio probatório que, nesse caso, é de dois anos de efetivo exercício na carreira.

Por inamovibilidade entende-se o direito do Magistrado de não ser removido ou promovido senão por iniciativa pró-pria.

A Constituição Federal a excepciona quando prevê, no inciso VIII do art. 93, a possibilidade de remoção, disponibi-lidade e aposentadoria do Magistrado, por interesse público, desde que decidida por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada am-pla defesa.

Note-se que a nova redação do inciso VIII do art. 93, dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, reduziu de dois terços para maioria absoluta o quorum necessário para a aplicação da medida, além de estender a prerrogativa ao Conselho Nacional de Justiça.

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618 Curso de Direito Constitucional

Finalmente, a irredutibilidade de subsídio é o direito de não sofrer reduções em sua retribuição pecuniária pelo exercício das funções inerentes a seu cargo.

Conforme já mencionamos, a Constituição Federal de 1988, com a nova redação que deu a alguns dispositivos a Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, traz de volta a modalidade de subsídio, como forma de retribuição pecuniária pelo exercício de certos cargos.

No parágrafo 4º de seu art. 39 dispõe: “O membro de Po-der, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusi-vamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acrés-cimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.

4.16. Proibições

A Constituição Federal traz, também, vedações aos Magis-trados, que têm por finalidade garantir-lhes imparcialidade no exercício da jurisdição.

Por essa razão os Magistrados estão proibidos de: a) exer-cer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; c) dedicar-se à atividade político-partidária; d) receber, a qualquer título ou pretexto, au-xílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei, e; e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, an-tes de decorridos três anos do afastamento do cargo por apo-sentadoria ou exoneração.

As duas últimas proibições foram inseridas com a Emenda Constitucional nº 45/04. A última delas institui a denominada “qua-rentena”, que impede o Magistrado de atuar no tribunal ou juízo do qual se aposentou ou exonerou pelo prazo de três anos.

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619Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

Aos Magistrados fica assegurado, por força do disposto no inciso I do parágrafo único do art. 95, exercer uma única fun-ção de Magistério, como forma de contribuir para a formação dos futuros operadores do Direito, a partir de suas experiências vivenciadas.

5. MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público vem disciplinado pelos artigos 127 a 130 da Constituição Federal de 1988, no capítulo referente às “Funções essenciais à Justiça”.

Nos termos do parágrafo 2º do art. 129 da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, as funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da insti-tuição.

O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á me-diante concurso público de provas e títulos, assegurada a parti-cipação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em Direito, no mínimo, três anos de ativi-dade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de clas-sificação. É a dicção do parágrafo 3º do art. 127 da Constituição da República que passou a exigir a comprovação de três anos de prática forense como requisito para ingresso no Parquet.

5.1. Conceito

O art. 127 da Constituição Federal, bem como o art. 1º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal nº 8.625/93), traz o conceito do Ministério Público, in verbis: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem ju-rídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indivi-duais indisponíveis”.

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620 Curso de Direito Constitucional

5.2. Princípios institucionais do Ministério Público

No parágrafo único do art. 127 da Constituição Federal, bem como no do art. 1º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Pú-blico (Lei nº 8.625/93), encontramos os princípios institucionais orientadores das atividades do Ministério Público, quais sejam, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

5.2.1. Unidade

A unidade, segundo as lições de Alexandre de Moraes, “significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-geral, ressal-vando-se, porém, que só existe unidade dentro de cada Minis-tério Público, inexistindo entre o Ministério Público Federal e o dos Estados, nem entre o de um Estado e o de outro, nem entre os diversos ramos do Ministério Público da União”355.

5.2.2. Indivisibilidade

O princípio da indivisibilidade pretende significar que, as-sim como ocorre com os Magistrados, os membros do Ministério Público não se vinculam aos processos nos quais funcionam, podendo haver alterações dos representantes nos termos da legislação específica. Apresenta-se, ainda, como decorrência do princípio da unidade, na medida em que não se admite sua divisão em outros órgãos.

Essa indivisibilidade, como já afirmamos, deve se coa-dunar com os mandamentos legais, evitando-se, com isso, a designação arbitrária de promotores para determinados casos específicos: é o que se denomina princípio do promotor na-tural.

355 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 480.

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621Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

Alexandre de Moraes afirma que “o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência do presente princípio por maioria de votos, no sentido de proibirem-se designações casuísticas efetuadas pela cheia da Instituição, que criariam a figura do promotor de exceção, em incompatibilidade com a Constituição Federal, que determina que somente o promo-tor natural é que deve atuar no processo, pois ele intervém de acordo com seu entendimento pelo zelo do interesse público, garantia esta destinada a proteger, principalmente, a imparcia-lidade da atuação do órgão do Ministério Público, tanto em sua defesa quanto essencialmente em defesa da sociedade, que verá a Instituição atuado técnica e juridicamente”356 (grifos no original).

5.2.3. Independência funcional

Os membros do Ministério Público gozam, ainda, de inde-pendência funcional. Por ela, podemos afirmar que somen-te prestam contas ao ordenamento jurídico, não se sujeitando às ordens advindas de superiores hierárquicos. Sua conduta pauta-se, pois, exclusivamente nos ditames da Constituição Fe-deral, leis e regulamentos.

5.3. Funções

A Constituição Federal de 1988 enumera de forma não taxativa, em seu art. 129, as funções do Ministério Público, bastante ampliadas em relação à Constituição anteriormente vigente. O elenco exemplificativo de atribuições fica claro em seu art. 129, inciso IX, quando dispõe: “Exercer outras funções

356 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 481.Neste sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: HC nº 67.759 -RJ; HC nº 68.966; HC nº 69.599; HC nº 71.429; HC nº 74.052-RJ; AGCRA nº 169.169, entre outros.

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622 Curso de Direito Constitucional

que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua fi-nalidade”.

Destarte, a partir da análise de diversos dispositivos cons-titucionais, podemos apontar como principais atribuições mi-nisteriais: a) promover, de forma privativa, a ação penal pública; b) promover, de forma não-privativa, a defesa do patrimônio pú-blico e social (porque qualquer cidadão também pode fazê-lo em sede de ação popular) e dos direitos difusos e coletivos; c) zelar pelo efetivo respeito entre os poderes; d) promover ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo; e) representar para fins de intervenção federal, e; f) exercer o controle externo da atividade policial.

O art. 25 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público estabelece as funções do Ministério Público: a) propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, face à Constituição Estadual; b) promover a repre-sentação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do Estado nos Municípios; c) promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; d) promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: e) manifestar-se nos pro-cessos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos; f) exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abri-guem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência; g) deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e penitenciária e outros afetos à sua área de atuação; h) ingressar em juízo, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condena-dos por tribunais e conselhos de contas, e; i) interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.

A ação civil pública, que representa importante meca-nismo de tutela dos direitos difusos, poderá ser proposta pelo

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Parquet com vista à: a) proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e pai-sagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos, e; b) anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administra-ções indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem.

5.4. Conselho Nacional do Ministério Público

À semelhança do que ocorreu no capítulo constitucional destinado ao Poder Judiciário, a Emenda Constitucional nº 45/04 inseriu o art. 130-A na Constituição Federal de 1988 criando o Conselho Nacional do Ministério Público.

O Conselho compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: a) o Procurador-Geral da República, que o preside; b) quatro membros do Mi-nistério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras; c) três membros do Ministério Público dos Estados; d) dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribu-nal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; e) dois ad-vogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Ad-vogados do Brasil, e; f) dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Os membros do Conselho, oriundos do Ministério Público, serão indicados pelos respectivos Ministérios Públicos, na for-ma da lei.

Nos termos do parágrafo 2º do art. 130-A, compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumpri-

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mento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe: a) zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; b) zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante pro-vocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Esta-dos, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; c) receber e conhecer das reclamações contra membros ou ór-gãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar proces-sos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibi-lidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos propor-cionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções adminis-trativas, assegurada ampla defesa; d) representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; e) rever, de ofício ou mediante provoca-ção, os processos disciplinares de membros do Ministério Pú-blico da União ou dos Estados julgados há menos de um ano, e; f) elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no inciso XI do art. 84 da Constituição a República.

O Corregedor-Nacional será escolhido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em votação secreta, dentre os membros ministeriais que o integram, vedada a recondução, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as seguintes: a) receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Públi-co e dos seus serviços auxiliares; b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral, e; c) requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribui-ções, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.

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O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advoga-dos do Brasil oficiará junto ao Conselho.

Leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Nos termos do art. 5º da Emenda Constitucional nº 45/04, o Conselho Nacional do Ministério Público será instalado no prazo de cento e oitenta dias, a contar da promulgação da Emenda, devendo a indicação ou escolha de seus membros ser efetuada até trinta dias antes do termo final. Não efetuadas as indicações e a escolha dos nomes, caberá ao Ministério Pú-blico da União realizá-las.

5.5. Aposentadoria dos membros do Ministério Público

Por força do disposto no parágrafo 4º do art. 129 da Constitui-ção Federal, a aposentadoria dos membros do Ministério Público e a pensão de seus dependentes passam a observar o disposto no art. 40, pondo fim a aposentadoria especial, sujeitando-os à regra geral aplicável aos demais servidores públicos.

Para outros esclarecimentos sobre o tema, remetemos o leitor ao capítulo dedicado à Administração Pública, no qual ex-plicitamos o assunto.

5.6. Garantias

A Constituição Federal, no inciso I do parágrafo 5º do art. 128, estabelece as garantias das quais dispõem os membros do Ministério Público. São elas: a vitaliciedade, a inamovibili-dade, e a irredutibilidade de subsídio.

A vitaliciedade não se confunde com a estabilidade, con-ferida aos servidores públicos. Vitaliciedade consiste na prer-rogativa conferida a Magistrados e membros do Ministério

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Público de não perderem seu cargo, senão por decisão judi-cial transitada em julgado. A vitaliciedade também se adquire ao final do estágio probatório que, neste caso, é de dois anos de efetivo exercício na carreira.

Por inamovibilidade entende-se o direito do membro mi-nisterial de não ser removido ou promovido senão por inicia-tiva própria. A Constituição Federal, nos termos da Emenda Constitucional nº 45/04, a excepciona na hipótese de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, por voto da maioria absoluta de seus mem-bros, assegurada ampla defesa. A Constituição originária pre-via a possibilidade de remoção pelo voto de dois terços dos membros do colegiado.

Finalmente, a irredutibilidade de subsídio é o direito de não sofrer reduções em sua retribuição pecuniária pelo exercí-cio das funções inerentes a seu cargo.

Como vimos no capítulo destinado à “Administração Públi-ca”, a Constituição Federal de 1988, com a nova redação que deu a alguns dispositivos a Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, traz de volta a modalidade de subsídio, como forma de retribuição pecuniária pelo exercício de certos cargos.

No parágrafo 4º de seu art. 39 dispõe: “O membro de Po-der, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusi-vamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acrés-cimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI”.

5.7. Proibições

A Constituição Federal traz, também, vedações aos Pro-motores e Procuradores de Justiça, que têm por finalidade ga-rantir-lhes imparcialidade no exercício de seu mister.

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627Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

Por força do disposto no inciso II do parágrafo 5º do art. 128, os membros do Ministério Público estão proibidos de: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) exercer atividade político-partidá-ria, e; f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou con-tribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.

Note-se que a Emenda Constitucional nº 45/04 alterou a redação da alínea “e” do inciso II do parágrafo 5º da Constitui-ção Federal, que vedava ao membro do Ministério Público o exercício de atividade político-partidária, “salvo exceções pre-vistas na lei”.

A nova redação do dispositivo retirou a possibilidade de o legislador infraconstitucional excepcionar o comando consti-tucional que proíbe ao membro ministerial o exercício de ativi-dade político-partidária, o que ocorria até então. Assim, com a entrada em vigência da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, ficou vedado aos Promotores e Procurado-res de Justiça a filiação e candidatura partidárias.

Cremos que o dispositivo causará grande corrida aos tri-bunais, pelo fato de muitos membros do Ministério Público de-dicarem-se a tal atividade. Não nos restam dúvidas de que o atual mandato dos já eleitos deve ser mantido, como forma de respeito ao direito adquirido na data da posse. Todavia, a partir de então, caso queiram prosseguir com a vida partidária deve-rão se desligar do Parquet.

A medida tem por objetivo conferir imparcialidade ao mem-bro ministerial, o que se justifica, principalmente, em razão do grande rol de atribuições conferidas ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988, evitando-se o uso da instituição para o alcance de finalidades políticas e sob a influência de colorações partidárias.

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628 Curso de Direito Constitucional

Quanto à proibição de receber, a qualquer título ou pretex-to, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades pú-blicas ou privadas, ressalte-se que o dispositivo foi inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, à semelhança do que ocorre com os Magistrados.

Também aos membros Ministeriais é vedado exercer a ad-vocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decor-ridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração, nos termos do parágrafo 6º do art. 128 da Consti-tuição Federal.

Finalmente, é importante salientar que, quando estuda-mos as vedações impostas aos Magistrados, vimos que a Constituição da República vedou o exercício de qualquer “ou-tro cargo ou função, salvo uma de magistério”. Assegurou-se ao Magistrado, portanto, a possibilidade de exercer uma única função de Magistério, seja em instituição pública ou na iniciativa privada.

No artigo dedicado às garantias e vedações dos membros ministeriais, no entanto, a Constituição da República vedou ao Promotor e ao Procurador de Justiça “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério”. Destarte, além de efetivar-se como membros do Ministério Público, poderão exercer uma função pública de ma-gistério e, se for o caso, outra(s) na iniciativa privada.

6. ADVOCACIA PÚBLICA

A Advocacia Pública vem disciplinada na Seção II do Ca-pítulo IV do Título IV da Constituição Federal, atualmente deno-minada “Da Advocacia Pública”.

Antes da edição da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, esta sessão era denominada “Da Advocacia-Geral da União”. A correção de nomenclatura deve-se ao fato de que, além de disciplinar a AGU, esta sessão também norma-tiza as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal.

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629Organização dos Poderes e Funções essenciais à Justiça

A Advocacia-Geral da União, assim, encontra-se dis-ciplinada pelo art. 131, ao passo que as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, pelo art. 132 da Constituição Federal.

A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamen-te ou por meio de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei comple-mentar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

A Constituição Federal de 1988, com isso, cria um órgão específico para cuidar dos interesses da União, ao contrário do que ocorria anteriormente, quando esta tarefa estava entregue ao Ministério Público.

Com a criação da AGU, o Parquet volta-se exclusivamente para a defesa da sociedade.

A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da Repú-blica, dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notá-vel saber jurídico e reputação ilibada, e o ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

Da mesma forma que ocorre na esfera federal, no âmbi-to dos Estados-membros e do Distrito Federal, a Carta Magna prevê a existência das Procuradorias e das Defensorias Públi-cas, sendo as primeiras voltadas à defesa do Poder Público, e estas à defesa dos hipossuficientes.

Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exerce-rão a representação judicial e a consultoria jurídica das respec-tivas unidades federadas.

O ingresso nas carreiras das Procuradorias Estaduais e Distrital dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, sendo assegurado estabilidade no cargo de Procu-rador após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação

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630 Curso de Direito Constitucional

de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório cir-cunstanciado das corregedorias.

Os servidores públicos integrantes das carreiras da Advoca-cia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal serão remunerados por meio de subsídio, nos termos do parágrafo 4º do art. 39 da Constituição da República.

7. ADVOCACIA

O art. 133 da Constituição Federal de 1988 estabelece que “o Advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profis-são, nos limites da lei”.

A Constituição da República, com isso, consagra a indis-pensabilidade e a inviolabilidade do advogado como princí-pios constitucionais.

Ressalte-se que a indispensabilidade de advogado não apresenta caráter absoluto, comportando algumas exceções, como, v,g, o habeas corpus, a revisão criminal, as ações tra-balhistas, bem como as medidas propostas nos juizados espe-ciais, nas quais as próprias partes são dotadas de capacidade postulatória, e a presença do Advogado torna-se dispensável.

A inviolabilidade do Advogado, da mesma forma, é assegu-rada apenas na defesa da causa, para o bom desempenho de seu mister, não estando assegurado o direito de realizar ofen-sas às partes presentes ao processo, bem como a Magistra-dos ou Membros Ministeriais. A ofensa gratuita, desvinculada do exercício profissional ou praticada por meio da imprensa, poderá acarretar a responsabilização profissional, civil e penal do Advogado.

8. DEFENSORIA PÚBLICA

Nos termos do art. 134 da Constituição Federal de 1988, a Defensoria Pública “é instituição essencial à função jurisdicional

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do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.

A existência da Defensoria Pública, nos próprios termos do caput do art. 134 da Carta da República, tem por objetivo reali-zar o disposto no inciso LXXIV do art. 5o do mesmo diploma, in verbis: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

O parágrafo único do mesmo art. 134 estabelece que lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

A Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, re-gulamenta o disposto no art. 134 da Constituição Federal de 1988.

A Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, garante às Defensorias Públicas Estaduais autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de sua pro-posta orçamentária, observados os limites incidentes sobre os demais Poderes. Estende-se, assim, às Defensorias Públicas, o mecanismo de entrega mensal de recursos mediante duodé-cimos, antes restrito ao Poder Judiciário, ao Poder Legislativo e ao Ministério Público.

Os Defensores Públicos, assim como Advogados da União e Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, serão remu-nerados por meio de subsídio, nos termos do parágrafo 4º do art. 39 da Constituição da República.

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Capítulo XIV

PROCESSO LEGISLATIVO

1. INTRODUÇÃO

O processo legislativo é o mecanismo pelo qual os repre-sentantes eleitos pelo povo elaboram as espécies normativas que serão responsáveis por ferir as condutas intersubjetivas, direcionando-as ao alcance do bem comum.

Nos termos do art. 59 da Constituição Federal de 1988, o processo legislativo compreende a elaboração de sete es-pécies normativas, a saber: a) emendas à Constituição; b) leis complementares; c) leis ordinárias; d) leis delegadas; e) medidas provisórias; f) decretos legislativos, e; g) reso-luções.

Tratam-se dos veículos primários de introdução de normas no sistema jurídico, mencionados quando analisamos o princí-pio da legalidade, no capítulo destinado ao estudo dos Direitos individuais e coletivos.

Naquela oportunidade, vimos que a expressão “lei” utiliza-da pelo legislador constituinte no inciso II do art. 5º da Carta da República pretende designar as espécies normativas constan-tes do rol do art. 59 da Constituição Federal, classificados como instrumentos primários de inserção de normas jurídicas, que

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são aqueles que possuem o condão de inovar a ordem jurídica, estabelecendo novas permissões, obrigações ou proibições.

Os instrumentos secundários, por sua vez, como o de-creto regulamentar, as instruções ministeriais, as circulares, as portarias, as ordens de serviços, os ofícios, os memorandos, detêm natureza meramente regulamentar, possuindo como fi-nalidade possibilitar a aplicação das normas primárias, deta-lhando seus comandos, ou individualizadora, transformando os comandos gerais e abstratos das leis e atos normativos, em determinações individuais e concretas.

Note-se que muito do processo legislativo vem normatiza-do pelos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como pelo Regimento Comum. Nossa preocupação neste capítulo, contudo, consiste em analisar ex-clusivamente os aspectos constitucionais do processo de cria-ção das leis previsto na Seção VIII do Capítulo I do Título IV da Constituição Federal.

2. FASES DO PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO

Não há consenso na dogmática constitucionalista sobre quan-tas e quais sejam as fases do processo legislativo ordinário.

Michel Temer afirma que o processo de criação das leis de-sencadeia-se em cinco fases, a saber: a) iniciativa; b) discussão; c) votação; d) sanção ou veto; e) promulgação, e; f) publicação357.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho divide o processo legis-lativo em três fases: “Uma fase introdutória, a iniciativa, uma fase constitutiva, que compreende a deliberação e a sanção, e a fase complementar, na qual se inscreve a promulgação e também a publicação”358 (grifos no original) .

357 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. pp. 135-143.

358 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 206.

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635Processo legislativo

Para José Afonso da Silva, “a análise do procedimento le-gislativo demonstra a existência de cinco fases no caminhar dos projetos de lei: a) a introdutória ou da iniciativa; b) a de exame dos projetos nas Comissões permanentes; c) a das discussões do projeto em plenário; d) a decisória, e) a revisória”. Segundo seu entendimento, a sanção ou veto, a promulgação e a publi-cação não integram o processo de elaboração das leis359.

André Ramos Tavares divide o processo legislativo em cin-co fases, quais sejam: a) fase introdutória; b) fase das comis-sões; c) fase do plenário, que engloba a discussão e votação; d) fase revisional, e; e) fase executiva, que compreende sanção, veto, promulgação e publicação360.

Cremos que a melhor solução seja apresentar o processo legislativo ordinário em seis fases, nos termos expostos por Mi-chel Temer.

Antes de iniciar a análise detalhada de cada uma das fa-ses, cabe-nos ressaltar que o processo legislativo ora analisa-do é aquele que se destina à elaboração das leis ordinárias e complementares.

Importante salientar que não existe hierarquia entre essas duas espécies normativas, como pretendeu parte da doutrina. Nas lições de Michel Temer, hierarquia, para o Direito, é a cir-cunstância de uma norma encontrar sua nascente, sua fonte geradora, seu ser, seu engate lógico, seu fundamento de vali-dade, numa norma superior. A lei é hierarquicamente inferior à Constituição porque encontra nesta o seu fundamento de vali-dade. Aliás, podemos falar neste instrumento chamado lei, por-que a Constituição o cria. Tanto isto é verdade que o Supremo Tribunal Federal ao declarar que uma lei é inconstitucional está

359 SILVA, José Afonso da. Princípios do processo de formação das leis no direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964. p. 250.

360 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. pp. 909-923.

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dizendo: “aquilo que todos pensaram que era lei, lei não era”, dado que lei é instrumento criado pelo Texto Constitucional. Pois bem, se hierarquia assim se conceitua, é preciso indagar: lei ordinária, por acaso, encontra seu fundamento de validade, seu engate lógico, sua razão de ser, sua fonte geradora, na lei complementar? Absolutamente, não!”361

Destarte, a diferença entre elas reside no fato de que as leis ordinárias são aprovadas por maioria relativa, ao passo que as complementares, conforme determinação expressa do art. 69 da Carta da República, por maioria absoluta. Além disso, as leis complementares são utilizadas apenas nas hipóteses em que a Constituição expressamente as exige. Todavia, isto não é suficiente para afirmarmos que uma lei é fundamento de validade da outra.

2.1. Iniciativa

Iniciativa é o ato inicial do procedimento legislativo. Nos termos do art. 61 da Constituição Federal, a iniciativa

das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Su-premo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procura-dor-Geral da República e aos cidadãos.

O dispositivo em exame veicula aquilo que a doutrina con-vencionou denominar iniciativa geral. Ressalte-se, ainda, que a iniciativa geral pode ser parlamentar, quando exercida pelos membros do Congresso Nacional, ou extraparlamentar, quando oriunda dos Poderes Executivo e Judiciário, ou dos cidadãos.

A iniciativa popular, nos termos do parágrafo 2º do art. 61 da Carta da República, poderá ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por

361 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 146.

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637Processo legislativo

cento dos eleitores de cada um deles. Trata-se de mecanismo de exercício direto da cidadania, nos termos do inciso III do art. 14 da Constituição Federal.

Algumas matérias, porém, não podem ser propostas por todos os legitimados supra-relacionados. Trata-se da iniciati-va exclusiva, hipótese que se verifica, principalmente, quando estivermos diante de normatização de assuntos internos dos Poderes constitucionalmente estabelecidos. No caso de inicia-tiva privativa do Presidente da República encontraremos, além dos assuntos internos do Poder Executivo, matérias que dizem respeito à segurança nacional.

2.1.1. Iniciativa privativa do Presidente da República

Nos termos do parágrafo 1º do art. 61 da Constituição Fe-deral, são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas ou disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empre-gos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pesso-al da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Pú-blico e da Defensoria Pública da União, bem como normas ge-rais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no inciso VI do art. 84 da Consti-tuição da República, e; f) militares das Forças Armadas, seu re-gime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

Ressalte-se que, nos termos do inciso I do art. 63 da Carta Magna, não será admitido aumento da despesa prevista nos projetos de lei de iniciativa exclusiva do Presidente da Repú-blica, ressalvadas as hipóteses de emendas ao projeto de lei orçamentária anual e à lei de diretrizes orçamentárias, desde

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Curso de Direito Constitucional

que atendidas as exigências dos parágrafos 3º e 4º do art. 166 deste diploma normativo361-A.

As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: a) sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; b) indiquem os recursos necessá-rios, admitidos apenas os provenientes de anulação de despe-sa, excluídas as que incidam sobre dotações para pessoal e seus encargos, serviço da dívida ou transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal, e; c) sejam relacionadas com a correção de erros ou omissões ou com os dispositivos do texto do projeto de lei.

As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias, por sua vez, não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.

Note-se que o legislador constituinte utilizou as expressões “ini-ciativa privativa”, no parágrafo 1º do art. 61 da Constituição Federal, e “iniciativa exclusiva”, no inciso I do art. 63, como sinônimas.

2.1.2. Iniciativa privativa do Poder Legislativo

São de iniciativa privativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal os projetos de lei para criação, transformação, extinção e fixação da remuneração de seus cargos, empregos e funções, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, nos termos do inciso IV do art. 51 e XIII do art. 52, com redações dadas pela Emenda Constitucio-nal nº 19, de 4 de junho de 1998.

Da mesma forma que ocorre com os projetos de lei de ini-ciativa exclusiva do Presidente da República, não será admitido aumento da despesa prevista nos projetos de iniciativa privativa dessas Casas Legislativas.

638

361-A Segundo entendimento do STF, nestes casos, a sanção presidencial não supre o vício de iniciativa, não se aplicando a Súmula nº 5.STF – ADI nº 1.963–PR – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 07.05.99 e RE nº 18.585–SP – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 18.06.99.

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639Processo legislativo

2.1.3. Iniciativa privativa do Poder Judiciário

Nos termos do inciso II do art. 96 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/03, são de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal, dos Tribu-nais Superiores e dos Tribunais de Justiça propor ao Poder Le-gislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: a) a alte-ração do número de membros dos tribunais inferiores; b) a cria-ção e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juizes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores, e; d) a alteração da organização e da divisão judiciárias.

Saliente-se que a nova redação da alínea “b” do inciso II do art. 96, bem como do inciso XV do art. 48 da Constituição da República, dadas pela Emenda Constitucional nº 41/03, aca-bou com a exigência de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, para o projeto de lei que fixe o sub-sídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Não se admite aumento da despesa prevista nos projetos de iniciativa privativa do Poder Judiciário.

2.1.4. Iniciativa privativa do Ministério Público

O parágrafo 2º do art. 127 confere autonomia funcional e administrativa ao Ministério Público, assegurando-lhe, observa-do o disposto no art. 169, a prerrogativa de propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços au-xiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de pro-vas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira. Trata-se, pois, de competência privativa do Parquet.

O parágrafo 5º do art. 128, ainda, confere ao Procurador-Geral da República competência concorrente com o Presidente

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640 Curso de Direito Constitucional

da República para a apresentação do projeto de Lei Comple-mentar da União que disponha sobre a organização do Ministé-rio Público da União.

As mesmas prerrogativas estendem-se aos Procuradores-Gerais de Justiça no âmbito dos Estados-membros.

Também não se admite aumento da despesa prevista nos projetos de iniciativa privativa do Ministério Público.

2.2. Discussão

Após a apresentação, o projeto de lei segue para as comis-sões da Casa em que foi apresentado.

Conforme já analisamos, as comissões parlamentares vêm tratadas pelo art. 58 da Constituição Federal de 1988, ao dis-por que o Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

As comissões permanentes do Congresso Nacional são criadas em razão da matéria, pelo Regimento Interno de cada uma das Casas, existindo em todas as legislaturas.

As comissões temporárias, por sua vez, também deno-minadas comissões especiais, poderão ser constituídas com a finalidade de tratar de assuntos extraordinários, perdurando até que se cumpram os objetivos que justificaram sua criação, ou o término da legislatura.

Após a análise dos aspectos formal e material, o pro-jeto de lei, como regra, segue para a apreciação do plenário. O aspecto formal consiste no exame de constitucionalidade da matéria, consubstanciando o controle preventivo realizado pelo Poder Legislativo, conforme já tivemos a oportunidade de ana-lisar em capítulo próprio, o que ocorre na Comissão de Cons-tituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados ou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado da República. O aspecto material, por sua vez, apresenta-se como

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a verificação da adequação social da medida, sendo efetivado nas comissões temáticas.

Note-se que o inciso I do parágrafo 2º do art. 58 da Consti-tuição da República confere as Comissões, em razão da maté-ria, competência para “discutir e votar projeto de lei que dispen-sar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa”.

Nesse caso, as comissões atuarão como substitutas do plenário. Todavia, havendo recurso de um décimo dos membros da Casa, que representam cinqüenta e dois votos na Câmara dos Deputados e nove no Senado da República, a matéria de-verá ser encaminhada para a apreciação do plenário.

2.3. Votação

Nos termos do art. 64 da Constituição Federal de 1988, a discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presi-dente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribu-nais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.

O Presidente da República, ainda, poderá solicitar urgên-cia para apreciação de projetos de sua iniciativa. Nessa hipó-tese, se a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as de-mais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exce-ção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação. Esses prazos suspendem-se nos períodos de recesso do Congresso Nacional e não se aplicam aos pro-jetos de Código.

Prevê o art. 47 da Constituição da República que “salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos vo-tos, presente a maioria absoluta de seus membros”.

Destarte, quando a Constituição não exigir expressamente quorum diferenciado, as matérias serão aprovadas pela maio-

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ria relativa de votos, vale dizer, o número inteiro imediatamente superior à metade dos parlamentares presentes. É necessário, porém, a presença da maioria absoluta, ou seja, do núme-ro inteiro imediatamente superior à metade dos membros da Casa, para se iniciar as votações.

Daí poder-se concluir que: a) o quorum da maioria relativa é variável, dependendo do número de parlamentares presentes, e; b) nenhuma matéria pode ser posta em votação, independente-mente do número de votos exigidos para aprovação, sem que es-tejam presentes mais da metade dos deputados ou senadores.

As leis ordinárias, como vimos, são aprovadas por maio-ria relativa, ao passo que as complementares, conforme determinação expressa do art. 69 da Carta da República, por maioria absoluta.

Caso ocorra emendas ao projeto no Senado Federal, a apre-ciação pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias.

O projeto de lei aprovado por uma Casa será analisado pelas comissões, discutido e votado em um só turno pela outra. Caso aprovado, será enviado à sanção, caso se trate de matéria dis-posta no art. 48 da Constituição Federal, ou promulgação, em se tratando de matérias dos artigos 49, 51 e 52; se rejeitado, será ar-quivado. Para o arquivamento não é necessário, sequer, consulta à Casa iniciadora. Em caso de emenda pela Casa revisora, no entanto, deverá retornar à Casa iniciadora, visando que o projeto seja integralmente aprovado nas duas Casas legislativas.

Conforme dicção do art. 67 da Carta Magna, a matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.

2.4. Sanção ou veto

Concluída a votação, o projeto aprovado poderá seguir dois caminhos, a saber: a) em se tratando de matéria constan-

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643Processo legislativo

te do rol do art. 48 da Constituição Federal, será enviado ao Presidente da República para sua manifestação, e; b) versando sobre assuntos relacionados nos artigos 49, 51 e 52, seguirá para promulgação, respectivamente, pelo Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal.

Na hipótese de necessidade de envio do projeto de lei ao Presidente da República, a providência caberá à Casa na qual tenha sido concluída a votação.

Caso o Presidente da República considere o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis. Tratam-se, respectivamente, dos denominados ve-tos jurídico e político. O primeiro representa o controle pre-ventivo de constitucionalidade realizado pelo Poder Executivo, conforme já tivemos a oportunidade de analisar.

O prazo para o exercício do direito de veto é contado da data do recebimento do projeto de lei, devendo ocorrer comu-nicação de seus motivos ao Presidente do Senado Federal no prazo de quarenta e oito horas.

O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. Tem-se admitido veto ape-nas ao caput do artigo, mantendo-se os demais dispositivos, na hipótese de não acarretar perda do sentido.

Na hipótese de aquiescência do Presidente da República com a integralidade do projeto, o mesmo será sancionado. A sanção expressa ocorre com a assinatura do Chefe do Execu-tivo federal. A sanção tácita, em virtude da ausência de mani-festação no prazo constitucionalmente estabelecido, qual seja, quinze dias úteis.

Conforme mencionado, o parágrafo 1º do art. 66 da Consti-tuição da República concede ao Presidente da República o pra-zo de quinze dias úteis para a realização do veto. O parágrafo 3º do mesmo dispositivo, por sua vez, prescreve que “decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção”. Por certo que o número de dias previsto no

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parágrafo 3º, que dispõe sobre a ocorrência da sanção tácita, também deve ser tido por dias úteis, sob pena de a sanção táci-ta ocorrer antes do término do prazo que o Chefe do Executivo possui para exercer o direito de veto.

Caso ocorra, o veto será apreciado em sessão conjunta do Congresso Nacional, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, sob pena de inclusão na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.

2.5. Promulgação

A Promulgação consiste na notícia da aprovação da lei e deve ser realizada pelo Presidente da República no prazo de quarenta e oito horas após a ocorrência da sanção expressa ou tácita, ou da derrubada do veto, sob pena de o Presidente do Senado fazê-lo e, se este não o fizer em igual prazo, o Vice-Presidente do Senado o fará.

2.6. Publicação

À promulgação segue a publicação, que consiste no último ato do processo legislativo e marca o momento em que a lei entra no ordenamento jurídico.

Com a publicação, a sociedade passa a ter conhecimento da inovação ocorrida no ordenamento jurídico, que pode passar a produzir efeitos imediatamente ou não. Isto porque é possível que a norma publicada postergue o início da produção dos seus efeitos ou, ao contrário, determine que a nova norma jurídica começa a produzir efeitos a partir da data de sua publicação, ganhando vigência imediata.

3. EMENDA À CONSTITUIÇÃO

As Emendas à Constituição consistem na manifestação do Poder constituinte derivado reformador, que se trata da

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645Processo legislativo

prerrogativa de elaborar alterações no Texto Supremo, observa-do o procedimento previsto no art. 60 da Constituição Federal de 1988.

A proposta de Emenda à Constituição poderá ser encami-nhada: a) por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; b) pelo Presidente da República, e; c) por mais da metade das Assembléias Legis-lativas das unidades da Federação, incluindo-se a Câmara Le-gislativa do Distrito Federal, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Segundo previsão do parágrafo 2º do art. 60, “a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em am-bos, três quintos dos votos dos respectivos membros”.

A promulgação será feita pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

Para considerações mais aprofundadas sobre o tema, re-metemos o leitor ao subtítulo 5.2.1 do Capítulo II desta obra, destinado ao estudo do Poder constituinte, no qual realizamos análise detalhada do processo de elaboração das Emendas à Constituição, bem como sobre as limitações ao exercício do Po-der constituinte derivado.

4. MEDIDA PROVISÓRIA

4.1. Aspectos históricos

As medidas provisórias estão disciplinadas pelo art. 62 da Constituição Federal de 1988, que prevê a possibilidade de sua edição pelo Presidente da República, tendo força de lei, e em casos de relevância e urgência.

Figuras típicas do parlamentarismo, instituto análogo ao das medidas provisórias surge no ordenamento jurídico brasileiro com a Emenda Constitucional nº 1/69 que trazia, em seu art. 55, a

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possibilidade de edição de Decreto-lei, pelo Presidente da Repú-blica. Em caso de urgência ou interesse público relevante facul-tava-se a adoção da medida, que só poderia versar sobre assun-tos relativos à segurança nacional, finanças públicas, criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. Editado o Decreto-lei, este deveria ser submetido à apreciação do Congresso Nacional que, caso não o fizesse em sessenta dias, estaria tornando-o definitivo, caracterizando, assim, a aceitação tácita.

Com a redemocratização, eleições diretas para Deputados Federais e Senadores e conseqüente instalação da Assembléia Nacional Constituinte, em 1º de fevereiro de 1987, com vista à elaboração de uma Constituição democrática, entendeu-se im-possível a manutenção do instituto jurídico do Decreto-lei, em razão de sua incompatibilidade com os ares democráticos que espaireciam o país. Sua permanência traria a lembrança inde-sejada dos tempos autoritários. Além do mais, com a conversão em texto definitivo, na hipótese de silêncio do Congresso Na-cional pelo prazo de sessenta dias, estaria ocorrendo ofensa à independência dos Poderes constitucionais.

Ressalte-se que nos regimes parlamentaristas, a rejeição de uma medida provisória leva à queda do Primeiro Ministro, dissolução do Parlamento e à convocação de novas eleições. É essa a sistemática adotada na França, Inglaterra e Itália, cujo texto referente às medidas provisórias (provvedimenti provviso-ri) serviu como inspiração à Constituição Brasileira de 1988.

4.2. Medida Provisória na Constituição originária de 1988

Em razão dos problemas acima expostos, e tendo em vista o fato de que durante a maior parte dos trabalhos da Assem-bléia Nacional Constituinte pensou-se em adotar o sistema de governo parlamentarista, optou-se por recriar o instituto do De-creto-lei com outra roupagem; novos nome e contorno jurídico.

Assim é que, a partir de 5 de outubro de 1988, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República passou a ter

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647Processo legislativo

o poder de adotar as denominadas “medidas provisórias”, com força de lei, que deveria submeter de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, seria convocado extraordi-nariamente para se reunir no prazo de cinco dias. As medidas provisórias perderiam eficácia, desde a edição, se não fossem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publi-cação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Todavia, embora o constituinte originário tenha corrigido o problema de sua transformação automática em texto definitivo, dispondo que a medida provisória perderia os efeitos desde a sua edição se não fosse convertida em lei no prazo de trin-ta dias, a partir de sua publicação, bem como tenha exigido a cumulatividade dos requisitos “urgência e relevância” para sua edição, acabou por não restringir os assuntos que poderiam ser objeto da medida, não proibir sua reedição, entre outros aspectos.

Na prática, acabou-se assistindo a uma vergonhosa usur-pação dos poderes do Congresso Nacional pelo Presidente da República, com tal procedimento que, em cada mandato, pos-sibilita a edição e reedição de milhares de medidas provisórias acarretando, da mesma forma, grave ofensa à divisão das fun-ções estatais.

É certo que o legislador constituinte não precisaria ter, ex-pressamente, proibido a reedição das Medidas Provisórias. Isto porque, se o instituto tem lugar em situações de “urgência e re-levância”, o silêncio do Congresso Nacional, no prazo de trinta dias caracterizaria rejeição tácita, recusando a medida por não havê-la considerada urgente.

4.3. Regime jurídico da Medida Provisória após a edi-ção da EC nº 32/01

Como tentativa de solução do problema, veio a lume a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, que

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reescreveu o caput e o parágrafo único do art. 62 da Constitui-ção da República, inserindo mais onze parágrafos, totalizando doze, detalhando exaustivamente o instituto.

4.3.1. Delimitação das matérias

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 32/01, as medidas provisórias continuaram a ser passíveis de edição em situações de relevância e urgência. Todavia, o parágrafo 1º da Emenda traz um elenco taxativo de matérias que não po-dem ser objeto de deliberação por meio das medidas.

Ficou vedada a edição de medidas provisórias sobre ma-téria relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direitos penal, proces-sual penal e processual civil; c) organização do Poder Judi-ciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, e; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalva-do o previsto no parágrafo 3º do art. 167 da Constituição da República, que prevê a possibilidade de abertura de crédito extraordinário apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Também se proibiu a edição de medida provisória que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro, sobre matéria reservada a lei complementar ou já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Pre-sidente da República.

Nos termos do art. 246 da Constituição Federal, é veda-da a adoção de Medida Provisória na regulamentação de arti-go da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de Emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 (Emenda Constitucional nº 5/95) e a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, inclusive.

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649Processo legislativo

4.3.2. Matéria tributária

O constituinte reformador optou por não proibir a edição de medidas provisórias sobre matéria tributária. Todavia, caso implique instituição ou majoração de impostos só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido converti-da em lei até o último dia daquele em que foi editada.

A exceção fica por conta dos impostos previstos nos inci-sos I, II, IV e V do art. 153 e no inciso II do art. 154. São eles: importação de produtos estrangeiros (II), exportação de produ-tos nacionais ou nacionalizados (IE), produtos industrializados (IPI), operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títu-los ou valores mobiliários (IOF) e impostos extraordinários, na iminência ou no caso de guerra externa.

Nesses casos, estamos diante de tributos não sujeitos ao princípio da anterioridade tributária, nos termos do parágra-fo 1º do art. 150 da Carta da República. Este primado impede a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou os majorou.

4.3.3. Deliberação

Consoante determinação do parágrafo 8º do art. 62 da Constituição Federal, as medidas provisórias terão sua votação iniciada, sempre, na Câmara dos Deputados.

A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Na-cional sobre o mérito das medidas provisórias, contudo, depen-derá de juízo prévio sobre o “atendimento de seus pressupos-tos constitucionais”.

Entendemos por “atendimento de seus pressupostos cons-titucionais”, exigido no parágrafo 5º do art. 62 da Constituição Federal, a presença dos requisitos de urgência e relevância, não ferir os assuntos vedados no parágrafo 1º do mesmo dispo-sitivo e não tratar de matéria que já tenha sido objeto de outra medida provisória rejeitada expressa ou tacitamente.

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650 Curso de Direito Constitucional

Nos termos do parágrafo 9º do artigo sob análise, caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as me-didas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

4.3.4. Prazo de validade e regime de urgência

A Constituição originária de 1988, no parágrafo único de seu art. 62, dispunha que as medidas provisórias perderiam eficácia, desde a edição, se não fossem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Con-gresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decor-rentes.

Sob o argumento de que a exigüidade do prazo impediria a apreciação da medida em tempo hábil, o que acarretaria a neces-sidade de sucessivas reedições, o constituinte reformador optou por estender o prazo de validade das Medidas Provisórias.

A partir da edição da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, as medidas provisórias passaram a ter prazo de vigência de sessenta dias (parágrafo 3º do art. 62 da Constituição Federal), prorrogável, uma única vez, por igual período, nos termos do parágrafo 7º do mesmo artigo.

A prorrogação do prazo de vigência da medida é de com-petência do Presidente da Mesa do Congresso Nacional, nos termos do art. 10 da Resolução nº 01/02 desta Casa.

Nos termos do parágrafo 4º, a contagem do prazo suspen-de-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. Cremos, no entanto, que a ocorrência de convocação extraor-dinária libera a contagem do prazo, em razão da previsão ex-pressa de inclusão automática das medidas provisórias em sua pauta de votação, nos termos do parágrafo 8º do art. 57 da Constituição da República.

Consoante o parágrafo 6º do art. 62 da Constituição Fe-deral, a ausência de deliberação sobre a medida provisória em

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até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, insere-a em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

Com essa determinação, a Emenda Constitucional nº 32/01 ressuscita o problema existente à época do Decreto-Lei, qual seja, o da obrigação, pelo Congresso Nacional, de apreciação da me-dida emanada pelo Chefe do Poder Executivo, sob pena de ver sobrestadas as demais deliberações legislativas que ali tramitam.

De fato, quando do fechamento da primeira edição desta obra, em dezembro de 2004, mais de duas dezenas de medi-das provisórias, em regime de urgência, obstruíam a pauta da Câmara dos Deputados, impedindo-lhe de priorizar a tramita-ção dos projetos que considera relevantes. Infelizmente essa situação ainda não se resolveu.

O Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sar-ney, na abertura dos trabalhos legislativos do ano de 2004, vis-lumbrava a gravidade da situação: “O instituto da medida provi-sória tornou caótico o sistema legal”.

E prosseguiu: “Que Estado de direito pode existir com tan-tas leis que significam não ter lei nenhuma, em que todas po-dem ser modificadas a qualquer hora do dia ou da noite, sem os controles da elaboração legislativa, sempre pressionados pela premência de votação e trancamento de pauta?”

Várias Propostas de Emendas à Constituição (PECs), sobre esse assunto, tramitam no Congresso Nacional. Pela proposta do Senador José Jorge, aprovada pelo Senado em novembro de 2003, o início do exame das medidas alternar-se-ia entre as duas Casas do Congresso, o que evitaria a sobrecarga que, atualmente, incide sobre a Câmara dos Deputados. As PECs dos Senadores Hélio Costa e Rodolpho Tourinho, relatadas por Antônio Carlos Magalhães, tratam da estipulação precisa dos conceitos de “urgência e relevância”. O primeiro propõe que a Mesa do Congresso decida sobre a real urgência e relevância

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652 Curso de Direito Constitucional

da MP e, o segundo, remete à lei complementar a definição dos pressupostos de urgência.

4.3.5. Situações ocorridas durante a vigência de MP re-jeitada ou prejudicada

As medidas provisórias prejudicadas ou rejeitadas, em re-gra, perderão seus efeitos desde a data de sua edição, nos termos do parágrafo 3º do art. 62 da Constituição da Repúbli-ca. Entende-se por prejudicada a medida que sofreu emendas parlamentares que lhe transformaram o sentido original e, re-jeitada, expressa ou tacitamente, aquela que não tenha sido convertida em lei.

Todavia, o próprio dispositivo constitucional em comento ressalta que, nesta hipótese, o Congresso Nacional terá o pra-zo de sessenta dias para editar um Decreto Legislativo discipli-nando as relações jurídicas delas decorrentes. Não editado o referido Decreto Legislativo, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

Aprovado o projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta se manterá integralmente em vigor até que o projeto seja sancionado ou vetado.

O parágrafo 10 do art. 62 da Carta da República veda, ain-da, a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provi-sória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

4.3.6. Medidas provisórias anteriores a Emenda Constitu-cional nº 32/01

O art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/01 prevê que as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação da Emenda, vale dizer, 12 de setembro de 2001, continuam em vigor até que medida provisória posterior as revogue explicita-mente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

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653Processo legislativo

A EC nº 32/01, com isso, transforma em “medidas perma-nentes”, com status de lei, todas as medidas provisórias pendentes de votação na data supramencionada. A inclusão do dispositivo se justificou pelo grande número de medidas provisórias vigen-tes à época da edição da EC nº 32/01 e o conseqüente receio de obstrução da pauta do Congresso Nacional, caso essas Me-didas não viessem a ser votadas em tempo hábil.

5. LEI DELEGADA

É inerente a um Estado Democrático de Direito que as leis, como regra, sejam feitas pelo povo, por meio de seus represen-tantes eleitos para tanto. Este é o fundamento do Princípio da legalidade, insculpido no inciso II do art. 5º da Carta da Repú-blica.

A exceção fica por conta das medidas provisórias que, embora não sejam “leis”, por não se apresentarem como atos oriundos do Poder Legislativo, têm “força de lei”, sendo também capazes de inovar a ordem jurídica, criando novas obrigações, proibições e permissões. Isto se justifica, como vimos, em si-tuações extremas, de urgência e relevância, que reclamam a atuação, ainda que autoritária, do Presidente da República na qualidade de Chefe do Estado brasileiro.

Destarte, em situações normais, caso o Presidente da Re-pública sinta a necessidade de legislar sobre algum tema espe-cífico, poderá pedir poderes ao Congresso Nacional para tanto que, aquiescendo, editará Resolução, especificando o conteúdo e termos de seu exercício, na forma em que dispõe o parágrafo 2º do art. 68 da Constituição Federal.

Note-se que não há como o Congresso Nacional obrigar o Presidente da República a legislar, tampouco este compelir o Congresso a lhe conferir a Resolução. Depende, pois, de ato de vontade de ambas as partes, sob pena de afronta à inde-pendência e harmonia dos poderes constitucionalmente esta-belecidos.

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654 Curso de Direito Constitucional

Nos termos do parágrafo 1º do art. 68 da Constituição Fe-deral, a delegação não poderá versar sobre os atos de com-petência exclusiva do Congresso Nacional, previstos no art. 48, os de competência privativa da Câmara dos Deputados, dispostos no art. 51, bem como do Senado Federal, enumera-dos no art. 52 da Carta Magna. Também não pode ser objeto de delegação a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: a) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; b) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais, e; c) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

A delegação poderá ou não estar condicionada a uma pos-terior apreciação do Congresso Nacional que, caso ocorra, rea-lizar-se-á em votação única, vedada qualquer emenda.

6. DECRETO LEGISLATIVO

Decreto Legislativo é a espécie normativa que tem por ob-jeto as matérias de competência exclusiva do Congresso Na-cional previstas, fundamentalmente, no art. 49 da Constituição da República. Além dessas hipóteses, é utilizado para regular as relações jurídicas decorrentes de medida provisória não convertida em lei, nos termos do parágrafo 3º do art. 62 da Constituição Federal.

Dentre as atribuições previstas no art. 49 da Constitui-ção Federal, ressalte-se a prerrogativa de aprovar os Tratados e Convenções Internacionais, prevista no inciso I, autorizar e aprovar atos do Presidente da República (incisos II a IV), bem como sustar aqueles que exorbitem sua competência regula-mentar (inciso V), realizar controle externo do Poder Executivo (incisos IX e X), entre outros.

O Decreto Legislativo, como as demais espécies normati-vas veiculadas pelo art. 59 da Constituição Federal, é veículo primário de introdução de normas no sistema jurídico e sua

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655Processo legislativo

aprovação far-se-á por maioria simples, nos termos do art. 47 da Constituição Federal.

Todavia, na hipótese de Tratado que irá equiparar-se à Emenda Constitucional, nos termos do parágrafo 3º do art. 5º da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, exige-se o mesmo procedimento destinado à elabo-ração das Emendas à Constituição, qual seja, três quintos dos votos em dois turnos de votação em cada uma das Casas do Congresso Nacional.

O dispositivo inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04 é inspirado no Direito Constitucional Alemão, que prevê a pos-sibilidade de se conferir status constitucional a Tratados, no número 1 do art. 24 de sua Lei Fundamental. Assim como no Brasil, o art. 79 da Constituição alemã condiciona a medida à aprovação pelo mesmo procedimento destinado à elaboração das Emendas Constitucionais.

Por versarem sobre matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, e consoante determinação expres-sa do art. 48 da Carta Magna, os Decretos Legislativos não estão sujeitos a sanção ou veto do Presidente da Repú-blica, devendo ser promulgados pelo Presidente do Senado da República, nos termos do art. 48 do Regimento Interno do Senado Federal.

7. RESOLUÇÃO

Mais abrangente do que o Decreto Legislativo, a Resolução é ato legislativo de competência da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional para normatização de assuntos internos.

A Resolução possui natureza residual em relação ao De-creto Legislativo, pois é utilizada nas hipóteses em que a Cons-tituição Federal não o exige. Destarte, as matérias constantes dos arts. 49 e 62 deverão ser normatizadas por Decreto Legis-lativo. As demais, como as competências privativas da Câmara

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dos Deputados (art. 51) e do Senado Federal (art. 52), serão disciplinadas por Resolução.

Assim como os Decretos Legislativos, as Resoluções não estão sujeitas à sanção ou veto do Presidente da República, consoante determinação expressa do art. 48 da Constituição da República, por disporem sobre matérias de competência do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. As Resoluções serão promulgadas pelo Presidente da Casa que as editar, nos termos do art. 48 do Regimento Interno do Senado Federal e parágrafo 2º do art. 200 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

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Capítulo XV

ORDEM SOCIAL

1. INTRODUÇÃO

Antes do século XX, os Estados não interferiam na ordem social. Conforme já vimos quando da análise da evolução dos direitos fundamentais, o pensamento liberal vigente durante a primeira dimensão impunha uma grande preocupação com o desenvolvimento econômico, com o que pensava-se natural-mente para atingir o desenvolvimento social.

Todavia, o século XX demonstrou que mesmo sociedades em estágio mais elevado de evolução podem manter em seu bojo pessoas sem condições de acesso a esses benefícios, in-dispensáveis para o alcance da cidadania. Por essa razão, as novas constituições, ao lado da busca do alcance de desen-volvimentos econômico, tecnológico e científico, têm almejado implementar uma ordem social mais justa.

A ordem social consiste no estudo realizado sobre o po-sicionamento das diversas pessoas dentro da estrutura social de um país. É nítido que todo Estado possui no ápice de sua pirâmide social pessoas abastadas, que obtêm e usufruem com maior intensidade dos bens disponíveis na sociedade. Trata-se, porém, de absoluta minoria, na medida em que a grande maio-

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658 Curso de Direito Constitucional

ria do povo ainda não possui os bens ou serviços capazes de atender às necessidades básicas do indivíduo e sua família, como educação, saúde, cultura, lazer, desporto e previdência social.

A Constituição Federal de 1988 dedica especial atenção ao tema, tratando-o isoladamente ao da ordem econômica em seu Título VIII, que compreende os arts. 193 a 232.

Além da seguridade social (arts. 194 a 204), a Carta Mag-na garante, ainda, direitos mínimos nos campos da educação, cultura e desporto (arts. 205 a 217), ciência e tecnologia (arts. 218 e 219), comunicação social (arts. 220 a 224), meio ambiente (art. 225), família, criança, adolescente e idosos (arts. 226 a 230), e, por último, índios (arts. 231 e 232).

Por se tratar de direitos a uma prestação específica do Es-tado, sua implementação fica na inteira dependência de dota-ção orçamentária, o que, quase sempre, não ocorre, gerando uma terrível contradição entre o Texto Supremo e o que é efeti-vamente fruível pelos cidadãos brasileiros.

2. DA SEGURIDADE SOCIAL

A primeira demonstração do surgimento desses “direitos sociais” advém da preocupação com a criação de empregos para, a partir deles, permitir a cada um ter acesso aos meios necessários para garantir a satisfação das necessidades pró-prias e o sustento de sua família.

Muitas vezes, porém, o emprego, por si só, não protege o trabalhador dos infortúnios que o levam, provisória ou defi-nitivamente, à incapacidade laboral. Por essa razão, a Consti-tuição Federal prevê um conjunto de benefícios que o Estado disponibiliza ao trabalhador, como forma de garantia dessas condições mínimas de sobrevivência digna.

O art. 194 da Constituição Federal assevera que “a segu-ridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a

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659Ordem social

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assis-tência social”.

A seguridade social, portanto, assenta-se neste tripé: saúde, previdência social e assistência social, por conseguinte, são deveres do Estado. Todavia, o acesso a esses bens não encon-tra-se no nível que todos gostaríamos, apresentando-se limita-do pela realidade econômica e social do país. No entanto, são metas fundamentais do Estado brasileiro, as quais deve ser dado o máximo de atenção possível.

Segundo dispõe o parágrafo único do mencionado artigo, ao Poder Público cabe organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos fundamentais:

“I – todos os brasileiros tem o direito à cobertura;II – uniformidade e equivalência do benefícios às popula-

ções urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos bene-

fícios e serviços;IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;V – eqüidade na forma de participação no custeio;VI – diversidade da base de financiamento;VII – caráter democrático e descentralizado da administra-

ção, mediante gestão quadripartite, com participação dos tra-balhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Gover-no nos órgãos colegiados”.

Da nova redação, dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, aos incisos do parágrafo úni-co do art. 194, ressalte-se a desnecessidade de procurar-se a equivalência entre as contribuições e benefícios, devendo estes estarem voltados precipuamente aos mais necessita-dos, como inerência do primado da seletividade (inciso III), a justiça na forma de participação do custeio, para o qual, aqueles que possuem melhores condições financeiras devem contribuir proporcionalmente com maior volume de recursos

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660 Curso de Direito Constitucional

(inciso V), além da participação democrática na gestão e ad-ministração (inciso VII).

O art. 195 explicita as fontes das quais deve provir o finan-ciamento da seguridade social, quais sejam: a) os entes da federação; b) as empresas e empregadores, que colaboram a partir de percentuais incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos, a receita ou faturamento, e o lucro; c) os trabalhadores e demais segurados, e; d) as receitas dos con-cursos de prognósticos.

Destaca-se, ainda, que a lei pode introduzir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, conforme dicção expressa do parágrafo 4º do art. 195.

A cobrança dessas contribuições sujeita-se àquilo que Roque Antônio Carrazza denomina “princípio da anterioridade especial”, que impede a exigência do tributo antes de decorri-dos 90 dias da data de sua instituição ou majoração, sem levar em conta o exercício financeiro361. Essa exceção ao “princípio da anterioridade” – que impede que tributos sejam cobrados no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que os tenha instituído ou majorado – vem insculpida no parágrafo 6º do art. 195 da Constituição da República.

2.1. Saúde

Dispõe o art. 196 da Constituição Federal que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (grifos nossos).

Embora a Carta Magna responsabilize o Estado pela pres-tação dos serviços de saúde, a sociedade não fica totalmen-

361 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 138.

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661Ordem social

te isenta de responsabilidade na execução desses encargos, o que deverá ser feito na forma de beneficência, ou mesmo comercialmente, para os que possam arcar com os custos da prestação desses serviços, conforme as regras do art. 199 do Diploma Excelso.

Na prestação do serviço de saúde pelo Poder Público, o SUS – Sistema Único de Saúde desempenha papel funda-mental.

O art. 198 da Constituição Federal aponta as diretrizes a serem observadas pelo SUS, a saber: a) descentralização, com direção única; b) atendimento integral, com ênfase às atividades preventivas, e; c) participação da comunidade.

No art. 200 encontram-se as atribuições do Sistema Úni-co de Saúde, quais sejam: a) controle e fiscalização de pro-cedimentos, produtos e substâncias; b) execução de ações de vigilância sanitária, epidemiológica e saúde do trabalhador; c) ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; d) participar da formulação da política e execução de ações na área de saneamento básico; e) fomentar desenvolvimento científico e tecnológico; f) fiscalizar e inspecionar alimentos; g) fiscalizar produtos psicoativos, tóxicos e radioativos, e; h) cola-borar na proteção do meio ambiente.

Ressalta o parágrafo 1º do art. 199 que “as instituições pri-vadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de Direito Público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.

Segundo o parágrafo 4º do citado artigo, “a lei disporá so-bre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedada todo tipo de comercialização”.

Trata-se, como já estudamos, de norma jurídica de efi-cácia limitada (aquelas que não irradiam seus efeitos desde

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quando editadas, dependendo, para tanto, de regulamentação pela legislação infraconstitucional). A Lei Federal nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 e o Decreto nº 2.268, de 30 de junho do mesmo ano vieram regulamentar tal dispositivo constitucional.

Sabe-se da grande polêmica travada em torno do assunto, na medida em que a referida regulamentação acabou por per-mitir a extração de órgãos e tecidos, inclusive de pessoas que não haviam expressamente manifestado, em vida, tal desejo. Basta que não tenham preenchido os documentos de identi-dade com a cláusula de “não-doador de órgãos e tecidos” para que os hospitais estejam autorizados a realizar o procedimento. A aplicação da lei tem encontrado muita resistência, razão pela qual médicos e hospitais tem optado por não realizar a extra-ção antes da manifestação expressa de vontade da família do falecido.

2.2. Previdência social

A previdência social tem sua origem histórica como uma forma de auxílio àqueles que não conseguiam prover por seus meios a subsistência própria ou de sua família. A origem das instituições de previdência data do final do século XIX, quan-do começam a surgir instituições com o objetivo de suprir as necessidades do trabalhador, cobrindo os riscos futuros, num plano de alcance global e abrangente, utilizando-se, para isso, de técnicas de seguro, desenvolvidas na Alemanha.

Atualmente, a maioria dessas entidades é mantida e dirigi-da pelo próprio Estado, que impõe uma contribuição ao traba-lhador, em troca dos benefícios concedidos, caso ocorram os eventos de riscos cobertos.

O regime de previdência social pois, deve ser entendido, nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “à semelhança do con-trato de seguro, em que o segurado paga determinada contri-buição, com vistas à cobertura de riscos futuros. Os segurados contribuem compulsoriamente, mas nem todos usufruem dos

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benefícios, porque nem sempre se caracteriza a situação de ris-co coberta pela previdência social”362 (grifos nossos).

Segundo o art. 201 da Constituição da República, com a nova redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 20, a previdência social destina-se a atender, nos termos da lei:

“I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego

involuntário;IV – salário família e auxílio-reclusão para os dependentes

dos segurados de baixa renda;V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao

cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º”.

Entre outros dispositivos, o art. 201 dispõe, ainda, sobre: a) a impossibilidade de filiação voluntária dos que disponham de regime de previdência próprio (parágrafo 5º); b) proibição de benefício cujo valor seja inferior ao do salário mínimo (pará-grafo 2º); c) proteção dos benefícios contra a deterioração do poder aquisitivo da moeda, mediante atualizações, na forma da lei (parágrafo 3º); d) gratificação natalina com valor igual ao do provento pago no mês de dezembro do ano de referência (pa-rágrafo 6º), e; e) contagem recíproca de tempo de contribuição no setor público e na iniciativa privada para a concessão dos benefícios (parágrafo 9º).

2.2.1. Aposentadoria e pensão

Aposentadoria é o direito do trabalhador ao ócio remune-rado, em função do implemento de idade mínima e de tempo de

362 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 447.

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contribuição, ou pela ocorrência de doença ou outro infortúnio que o torne inapto para o trabalho.

A Constituição Federal impõe, no parágrafo 7º do art. 201, a observância dos seguintes limites de idade e contribuição para a aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social: a) se homem, 65 anos de idade e 35 de contribuições, e; b) se mulher, 60 anos de idade e 30 de contribuições à Previ-dência;

A Constituição Federal acabou com inúmeras hipóteses de aposentadoria especial antes existentes, mantendo-se, ape-nas, aquelas previstas no parágrafo 8º e na parte final do inciso II do parágrafo 7º, a saber: a) redução dos limites de idade em 5 anos para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia fami-liar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, e; b) redução dos limites de contribuição em 5 anos para o professor que comprove exclusivamente tempo de efe-tivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

Finalmente, a aposentadoria não deve ser confundida com a pensão, devida aos dependentes do ex-empregado, em caso de óbito.

2.2.2. Previdência privada

O regime de previdência privada, já existente no país, com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98 adquire caráter autônomo, em relação ao Regime Geral de Previdência Social.

Alexandre de Moraes aponta as características constitucio-nais do regime de previdência privada: “a) caráter complemen-tar; b) organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social; c) independência financeira em rela-ção ao Poder Público: a Constituição Federal veda o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Esta-dos, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações,

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empresas públicas e sociedades de economia mista e outras entidades públicas. Excepciona, somente, a possibilidade, nos termos de lei complementar, de qualquer dos entes federati-vos patrocinar entidade de previdência privada, desde que sua contribuição normal não exceda a do segurado. Essa lei com-plementar, igualmente, estabelecerá os requisitos para a de-signação dos membros da diretoria das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação; d) facultatividade; e) regulamentação por lei complementar; f) publicidade de gestão: a lei complementar que regulará o regime de previdên-cia privada assegurará aos participantes de planos de bene-fícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos”363 (grifos no original).

2.3. Assistência social

O traço característico da assistência social está no fato de sua prestação independer de qualquer contraprestação ao Esta-do, de quem dela necessite. Destarte, a percepção desses bene-fícios independe de qualquer contribuição à seguridade social.

No art. 203 do Diploma Excelso encontramos os objetivos da seguridade social:

“I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à ado-lescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras

de deficiência e a promoção de sua integração à vida comuni-tária;

363 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 642.

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V – a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa por-tadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

O art. 204 dispõe que a assistência social será provida com recursos do orçamento da seguridade social (assim como a saú-de e a previdência social) e terá por diretrizes: a) descentraliza-ção político-administrativa, e; b) participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

3. EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO

3.1. Educação

Segundo Celso Ribeiro Bastos, a educação “consiste num processo de desenvolvimento do indivíduo que implica a boa formação moral, física, espiritual e intelectual, visando ao seu crescimento integral para um melhor exercício da cidadania e aptidão para o trabalho”364.

Abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas institui-ções de ensino e pesquisa nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

O inciso XXIV do art. 22 da Constituição Federal estabele-ce ser competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, o que ocorreu a partir do im-plemento da Lei Federal nº 9.394/96.

Segundo o art. 214 da Constituição Federal, um plano plu-rianual de educação deverá, ainda, dispor sobre a articulação e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e a inte-

364 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 485.

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gração das ações do Poder Público que conduzam: a) à erradi-cação do analfabetismo; b) à universalização do atendimento es-colar; c) à melhoria da qualidade do ensino; d) à formação para o trabalho, e; e) à promoção humanística, científica e tecnológica do pais.

O art. 206 da Constituição da República enumera os prin-cípios que devem reger o ensino, que apresenta-se, segundo dispõe o artigo anterior (art. 205), como um direito de todos e dever do Estado e da família. São eles: a) igualdade de con-dições para o acesso e permanência na escola; b) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber; c) pluralismo de idéias e concepções pedagógicas; d) coexistência de instituições públicas e privadas, estas, abertas a iniciativa particular e sujeitas ao cumprimento de normas ge-rais de educação e avaliação de qualidade pelo Poder Público; e) gratuidade do ensino publico; f) valorização dos profissionais do ensino; g) gestão democrática, e; h) garantia de padrão de qualidade.

O art. 207 trata das universidades, prescrevendo que es-tas “gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Faculta, ainda, às universidades e às instituições de pesquisa científica e tecnológica, a contratação de professores estrangeiros.

No artigo 208 encontra-se a garantia de ensino público gra-tuito, que a Constituição Federal considera Direito Público sub-jetivo, podendo o indivíduo exigir sua matrícula perante o Poder Judiciário, estando o Estado obrigado a providenciar a vaga, sob pena de responsabilidade da autoridade competente.

As atividades municipais priorizarão a educação funda-mental e infantil, ao passo que Estados e Distrito Federal, os ensinos fundamental e médio.

Outro dispositivo de enorme importância é o art. 218, que dis-põe sobre os percentuais mínimos de recursos que deverão ser obrigatoriamente destinados à educação. Segundo o referido dis-

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positivo, “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. A inobservância do referido dispositivo por Estados e Distrito Federal possibilitará a intervenção federal, nos termos da alínea “e” do inciso VII do art. 34 da Constituição Federal.

A Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, inseriu dispositivo que prescreve que “o ensino funda-mental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário educação recolhida, pelas empre-sas, na forma da lei”. É o que dispõe o parágrafo 5º do art. 212 da Constituição da República.

3.1.1. Autonomia universitária, autorização de cursos e avaliação do ensino privado

Conforme mencionado, o art. 207 da Constituição da Repú-blica prescreve que às universidades é assegurado autonomia didático-científica, administrativa, financeira e patrimonial.

O art. 209, ainda, dispõe que o ensino é livre à iniciati-va privada, atendidas as seguintes condições: a) cumprimento das normas gerais da educação nacional, e; b) autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Destarte, cremos que a exigência de autorização para o funcionamento de cursos nas instituições de ensino superior classificadas como universidades afronta sua autonomia didá-tico-científica, assegurada expressamente no artigo analisado. Todavia, no caso das instituições de ensino fundamental, médio e superior que não se enquadrem no conceito aludido como, v.g., os centros universitários e as faculdades isoladas ou inte-gradas, a autorização do Poder Público apresenta-se indispen-sável ao funcionamento.

Faz-se necessário ressaltar, no entanto, que a autorização do Poder Público a que se refere o inciso I do art. 209 da Cons-

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tituição Federal tem sentido diverso do empregado no Direito Administrativo.

Lá, autorização de serviço público é “o ato unilateral pelo qual a Administração, discricionariamente, faculta o exercício de atividade material, tendo, como regra, caráter precário”365.

Nesse sentido, ainda nas lições de Hely Lopes Meirelles, a autorização de serviço público é realizada para o atendimento de interesses coletivos instáveis ou em situações de emer-gências transitórias. E conclui: ”Fora desses casos, para não fraudar o princípio constitucional da licitação, a delegação deve ser feita mediante permissão ou concessão”366 (grifos nossos).

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao tratar da autorização para o funcionamento de cursos nas instituições de ensino su-perior, chamou a atenção para seu caráter de ato administrativo vinculado. Ouçamo-lo:

“De fato, não é ela de caráter discricionário, mas vinculado, segundo decorre do caput e do inciso I deste artigo. Naquele é enunciado o princípio da liberdade, neste, o condicionamento a regras gerais estipuladas. Assim, deve-se entender que preen-chidas as condições legais a instituição tem o direito de obter a autorização do Poder Público. Do contrário, o ensino não se-ria livre, nem bastaria o atendimento das condições legais para que pudesse ser exercido: seria dependente do bom querer, do arbítrio – use-se o termo adequado – do Poder Público”.

E conclui: “Na verdade, essa ‘autorização’ é antes uma certificação de que a instituição cumpre as exigências legais, fornecida pelo Poder Público para segurança dos que nela se dispuserem a aprender”367 (grifos nossos).

365 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 375.

366 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 375-6.

367 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 4. p. 76.

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No mesmo diapasão é o entendimento de André Ramos Tavares para quem, caso fosse adotada a tese da discriciona-riedade na delegação das autorizações “não só a liberdade de ensino estaria vedada como, no caso específico das universi-dades, sua autonomia sofreria sério abalo, já que teria de sub-meter-se a imposições que de certo constrangeriam a atuação universitária. É certo, portanto, que a autorização a que está sujeito todo estabelecimento de ensino e, em particular, a uni-versidade, por parte do Poder Público, não pode ter caráter dis-cricionário”368.

Ademais, não se pode perder de vista que a Constituição Federal de 1988 consagra, a todo momento, o princípio da livre iniciativa, relacionando-o como um dos fundamentos da Repú-blica Federativa do Brasil, no inciso III do art. 1º, consagrando-o como um dos princípios gerais da atividade econômica, no pa-rágrafo único do art. 170, vindo, ainda, a reiterá-lo, na área do ensino, no art. 209.

Negar-se a expedir autorizações às entidades de ensino credenciadas pelo Poder Público que cumpram os requisitos objetivamente consignados nos dois incisos do art. 209 da Constituição de 1988 representa grave inconstitucionalidade por afronta aos primados da livre iniciativa e liberdade de ensino, já explicitados, bem como ao princípio constitucional da isonomia, insculpido no caput do art. 5º, que impõe tratamento igualitário a todos os que estejam nas mesmas condições.

3.2. Cultura

Cultura consiste em tudo o que o homem tem realizado e transmitido com o tempo, envolvendo comportamentos, desen-volvimento intelectual, crenças e aprimoramento dos valores espirituais e materiais do ser humano. É, pois, o conjunto de

368 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 626.

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tradições, necessidades e aspirações de um povo, englobando o folclore, que etimologicamente significa o modo de compor-tamento popular.

O conhecimento da cultura colabora para o conhecimen-to do próprio povo, revelando-lhe a identidade e replicando a realidade social de maneira mágica e brilhante. Nela reside a riqueza de um ser humano, daí a exaltação de alguém que seja considerada uma pessoa “culta”.

O art. 215 da Constituição da República estabelece que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Nos termos do parágrafo 1º do mesmo dispositivo, fica ga-rantida a proteção das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participan-tes do processo civilizatório nacional.

A lei disporá, ainda, sobre a fixação de datas comemora-tivas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

A Emenda Constitucional nº 48, de 11 de agosto de 2005, incluiu o parágrafo 3º ao art. 215 da Constituição Federal, pre-vendo a edição do Plano Nacional de Cultura, que será instituí-do por lei e terá duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: a) defesa e valorização do patrimônio cultural bra-sileiro; b) produção, promoção e difusão de bens culturais; c) for-mação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; d) democratização do acesso aos bens de cultura, e; e) valorização da diversidade étnica e regional.

O Plano Nacional de Cultura objetiva, assim, definir as ações do Poder Público nas esferas municipal, estadual e fe-deral, para a difusão e defesa da cultura.

Na justifica da Proposta de Emenda à Constituição n. 57/03, que originou a Emenda Constitucional nº 48/05, “a aprovação do PNC reafirma o fato de a cultura representar uma política

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estratégica para a emancipação da sociedade brasileira – po-lítica ditada por uma visão cultural inclusiva e participativa, de forma a promover uma época de desenvolvimento cultural com realização mais satisfatória das aspirações sociais de um país tão diverso e culturalmente amadurecido”.

Com a edição do Plano Nacional de Cultura pretende-se, também, incluir a cultura no rol das políticas públicas, o que acarretaria uma maior destinação de recursos orçamentários.

A proteção fornecida à cultura pela Constituição Federal atinge duas modalidades fundamentais: a liberdade ampla, conferida a todos de pleno exercício e o acesso às fontes, des-sa cultura. Além disso, tem-se a proteção que o Poder Público deve exercer sobre o chamado patrimônio cultural público, como: a) as formas de expressão; b) os modos de criar, fazer e viver; c) as criações científicas, artísticas e tecnológicas; d) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, e; e) os con-juntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Hoje, portanto, todos esses bens são protegidos pelo Esta-do e constituem formas de direitos acessíveis ao cidadão, pela forma de intervenção da sociedade civil nos direitos difusos e coletivos.

O parágrafo primeiro do art. 216 dispõe que “o Poder Pú-blico, com a colaboração da comunidade, promoverá e prote-gerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.

3.3. Desporto

O art. 217 da Constituição Federal refere-se ao desporto, e dispõe sobre o incentivo às práticas desportivas, observa-das a autonomia das entidades esportivas, dirigentes e asso-ciações, quanto à sua organização e funcionamento. Trata-se

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de garantia constitucional dada às entidades desportivas, que têm capacidade para gerir seus próprios negócios dentro dos limites da lei.

O dever do Estado de fomento ao desporto deverá ob-servar a destinação de recursos públicos, conforme disposição expressa do inciso II do citado artigo.

A atividade desportiva apresenta um aspecto característi-co no que concerne ao seu relacionamento com o Poder Judici-ário. Trata-se de uma limitação ao princípio constitucional que garante o direito de acessibilidade ampla e incondicionada ao Judiciário, visto que, no parágrafo 1º do art. 217, a Cons-tituição exige o esgotamento prévio das instâncias adminis-trativas para a propositura de ações que tenham por objeto a disciplina da competição e do desporto.

4. CIÊNCIA E TECNOLOGIA

A proteção à ciência e tecnologia mereceu capítulo pró-prio na Constituição Federal de 1988. Ambas são produtos do saber humano: a ciência volta-se para formulações teóricas e a tecnologia procura extrair rendimentos práticos destes mesmos princípios. A relação existente entre ciência e tecnologia é muito íntima, na medida em que esta não resiste sem aquela, assim como se a ciência, direta ou indiretamente, não colaborar para a tecnologia, perderá muito de sua utilidade prática, tornando-se uma ciência praticamente contemplativa.

O artigo 218 especifica essas formas de proteção e incen-tivo à pesquisa e à ciência, estabelecendo tratamento prioritá-rio, ênfase à solução dos problemas brasileiros, apoio estatal na formação de recursos nessas áreas, além de apoio às em-presas que invistam recursos nessas atividades.

5. COMUNICAÇÃO SOCIAL

A Constituição Federal garante, no inciso IX do seu art. 5º, a liberdade de comunicação, corroborada pelo art. 220 que,

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além disso, protege a criação, a expressão e a informação so-bre qualquer forma, processo ou veículo de comunicação, im-pedindo que sofram quaisquer restrições, nos termos do que determina.

Destarte, a liberdade de comunicação está isenta de cen-sura, o que não significa dizer que não esteja sujeita à regu-lamentação e punições, que vão desde a mais branda, que seria o direito de resposta do indevidamente acusado, até o cancelamento da concessão ou permissão. Assim, os meios de comunicação são livres, porém responsáveis.

O sigilo da fonte é assegurado ao jornalista, quando indis-pensável à atividade profissional.

É importante ressaltar que a Constituição da República de 1988 trouxe nova ênfase ao primado da liberdade de comunica-ção e ao direito à informação, muito reduzido em razão do perí-odo de exceção vivido anteriormente, o que não significa dizer que, com isso, deixa de impor limitações, cumprindo observar que não residem em impor restrições ao seu exercício, mas de realizá-lo no âmbito de contorno principiológico delineado pela Carta Magna.

Assim, fica proibida toda e qualquer censura. Porém, dis-põem os incisos I e II do parágrafo 3º do art. 220, que a Lei Federal poderá regular a matéria, nos seguintes termos:

“I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etá-rias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou pro-gramações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e ser-viços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

Pretendendo regulamentar o disposto no inciso II do dispo-sitivo em exame, ainda, veio a lume a Medida Provisória nº 195,

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de 29 de junho de 2004, que dispunha sobre a obrigatoriedade de os novos aparelhos de televisão, comercializados no mercado interno a partir de data a ser fixada em regulamento, não poste-rior a 31 de outubro de 2006, conterem dispositivo para blo-queio temporário da recepção de programação considerada inadequada.

As concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços de radiodifusão de sons e imagens, bem como as que operem os serviços especiais, correlatos e afins, do Sistema Brasileiro de Televisão Digital – SBTVD, conforme definido em regulamentação própria, deveriam, juntamente com os respec-tivos programas, transmitir ou retransmitir código ou sinal reco-nhecível pelo aparelho digital, de modo a permitir o bloqueio.

A infração a essa disposição sujeitaria o infrator a uma multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais) por programa, na forma do regulamento.

A medida provisória, no entanto, foi rejeitada pelo Congresso Nacional.

Prevê o art. 221 da Constituição Federal que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão deverão atender aos seguintes princípios: a) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; b) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; c) regionalização da produção cul-tural, artística e jornalística, conforme percentuais estabeleci-dos em lei, e; d) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Lamenta-se que este artigo da Constituição Federal ainda não tenha sido adequadamente regulamentado, o que seria ex-tremamente útil para a realização de um controle justo e razo-ável das matérias exibidas pelos meios de comunicação, uma vez que tal controle processar-se-ia perante o Poder Judiciário, mediante ação contenciosa, na qual as partes poderiam dedu-zir suas pretensões.

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6. MEIO AMBIENTE

A origem do vocábulo ambiente é latina (ambiens), cujo significado é rodear, envolver. São as circunstâncias da rea-lidade que nos cercam. Não havia definição legal no ordena-mento brasileiro para este termo até a chegada da Lei Federal nº 6.938/81, que definiu meio ambiente, (expressão ambígua, porque o “meio” e o “ambiente” são praticamente sinônimos), como o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordens físicas, químicas e biológicas, que permitem, abrigam e regem a vida em todas as suas formas”.

Também é considerado meio ambiente o patrimônio públi-co que deva ser necessariamente assegurado e protegido, ten-do em vista o uso coletivo. Trata-se de inovação da Constituição Federal de 1988, que procurou assegurar o direito que todos temos de viver em um ambiente saudável e, mais do que isso, em um ambiente ecologicamente equilibrado, conforme dispo-sição do art. 225. Assim, não só ao Poder Público, mas também ao particular, compete a imposição de medidas nesse sentido, inclusive por via de ação popular, garantia constitucional já ana-lisada por nós.

7. FAMÍLIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO

A proteção constitucional à família, à criança, ao adoles-cente e ao idoso vem disciplinada entre os arts. 226 e 230 da Constituição da República.

7.1. Família

O caput do art. 226 da Constituição Federal prescreve que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado. Repetindo a fórmula adotada ao longo de todo o tex-to constitucional, seguem-se oito parágrafos contendo normas formalmente constitucionais, neste caso, preceitos de Direito Civil.

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Inovação importante da Constituição Federal foi o reconhe-cimento da existência de três espécies de entidades familia-res, ao contrário da postura adotada até então que, nos termos do art. 229 do Código Civil de 1916, reconhecia como “família legítima” apenas a resultante do casamento.

Destarte, a partir da Constituição da República de 1988, são entidades familiares: a) a resultante do casamento civil ou religioso com efeito civil, nos termos dos parágrafos 1º e 2º do mencionado dispositivo; b) a oriunda de união estável entre ho-mem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em ca-samento, na dicção de seu parágrafo 3º, e; c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, conforme prescreve o parágrafo 4º.

A Constituição Federal assegura, também, a igualdade jurídica entre os cônjuges ao estabelecer, no parágrafo 5º que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

O casamento civil poderá ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano, nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato, por mais de dois anos.

Prevê, também, o planejamento familiar como livre de-cisão do casal, fundamentando-o nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Fica assegurado, ainda, nos termos do parágrafo 6º do art. 227, o tratamento isonômico aos filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, a partir da garantia dos mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designa-ções discriminatórias relativas à filiação.

A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

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7.2. Criança e adolescente

Os arts. 227 a 229 da Constituição Federal veiculam os dispositivos que tutelam a criança e o adolescente.

No caput do art. 227 o texto constitucional prescreve ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à crian-ça e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionali-zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à con-vivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Como forma de se alcançar esses bens, determina o de-senvolvimento de programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, inclusive com a participação de entidades não governamentais, e obedecendo aos seguintes preceitos: a) aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil, e; b) cria-ção de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de de-ficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivên-cia, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

Prevê, ainda, a tutela dos portadores de deficiência fí-sica, atribuindo competência à lei ordinária para dispor sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, que lhes possibilitem acesso adequado.

Nos termos do parágrafo 3º do dispositivo sob comento, o direito à proteção especial às crianças e adolescentes abrangerá, fundamentalmente, os seguintes aspectos: a) idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; b) garantia de direitos previdenciá-rios e trabalhistas; c) garantia de acesso do trabalhador adoles-

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679Ordem social

cente à escola; d) garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; e) obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; f) estímulo do Poder Público, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de crian-ça ou adolescente órfão ou abandonado, e; g) programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adoles-cente dependente de entorpecentes e drogas afins.

Nos termos do art. 228, são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação es-pecial.

7.3. Idoso

O art. 229 da Constituição Federal prescreve o princípio da solidariedade, ao afirmar que “os pais têm o dever de as-sistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Nos termos do art. 230, prescreve que a família, a socie-dade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Corroborando este preceito, o Congresso Nacional publi-cou a Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, ins-tituindo o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (ses-senta) anos.

Trata-se do reconhecimento do Estado brasileiro àqueles que contribuíram para o desenvolvimento de nosso país, me-diante a efetivação do dispositivo insculpido no inciso III do art. 1º

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da Constituição da República que dispõe ser fundamento da Re-pública Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana. É, mais do que isto, lição às novas gerações de que o respeito aos direitos fundamentais deve permear toda a existência humana.

O art. 3º do Estatuto assegura ao idoso absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu-cação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, por meio de: a) atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestado-res de serviços à população; b) preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; c) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; d) viabilização de formas alternativas de parti-cipação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; e) priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a pos-suam ou careçam de condições de manutenção da própria so-brevivência; f) capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos; g) estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspec-tos biopsicossociais de envelhecimento, e; h) garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.

O art. 39 do Estatuto do Idoso corrobora o disposto no pa-rágrafo 2º do art. 230 da Constituição Federal, ao assegurar aos maiores de sessenta e cinco anos de idade a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares.

Inovou, ainda, ao reservar dez por cento dos assentos nos meios de transporte coletivos para os idosos, devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente para idosos, além de prioridade no embarque. Faculta, também, a extensão da garantia de gratuidade às pessoas compreendidas

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na faixa etária entre sessenta e sessenta e cinco anos, a crité-rio da legislação local.

No art. 40, prevê a reserva de duas vagas gratuitas, por veículo de sistema de transporte coletivo interestadual, para idosos com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos e desconto de cinqüenta por cento, no mínimo, no valor das pas-sagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos.

Nos estacionamentos públicos e privados, é assegurada a re-serva, para os idosos, nos termos da lei local, de cinco por cento das vagas, as quais deverão ser posicionadas de forma a garantir a me-lhor comodidade ao idoso, nos termos do art. 41 do Estatuto.

8. ÍNDIOS

Nos termos do art. 231 da Constituição Federal, “são reco-nhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

O parágrafo 1º do dispositivo em comento traz o conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, como sendo “as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preserva-ção dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

Conforme já analisado, pertencem à União “as terras tradi-cionalmente ocupadas pelos índios”, nos termos do inciso XI do art. 20 da Constituição Federal.

Cabe, ainda, à União, demarcá-las, proteger e fazer res-peitar todos os seus bens, nos termos do art. 231 da Carta Magna, que assegura, aos índios, sua posse permanente, ca-bendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

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Dispõe o Texto Constitucional, no parágrafo 3º do art. 231, que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os po-tenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, fi-cando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. E que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis, nos exatos termos do parágrafo 4º do mesmo artigo.

A Constituição da República veda, ainda, a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Con-gresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qual-quer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

Também são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurí-dicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas exis-tentes, ressalvado relevante interesse público da União, segun-do o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção do direito à indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocu-pação de boa fé.

O favorecimento à atividade garimpeira em cooperativas, bem como sua prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpá-veis, dispostos nos parágrafos 3º e 4º do art. 174 da Consti-tuição Federal, não se aplicam às terras indígenas, consoante previsão do parágrafo 7º do art. 231.

Nos termos do parágrafo único do art. 4º do Código Civil, “a capacidade dos índios será regulada por legislação especial” – no caso, o Estatuto do Índio – pondo fim a regra de incapaci-dade relativa atribuída aos “silvícolas” pelo inciso III do art. 6º do Código Civil de 1916.

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Independente de capacidade civil, prevê o art. 232 da Constituição da República que os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Pú-blico em todos os atos do processo.

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Capítulo XVI

HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

1. CONSTITUIÇÃO DE 1824

Com a Independência do Brasil, em 1822, fez-se necessá-ria a elaboração de nossa primeira Constituição. Antes mesmo da proclamação da Independência, D. Pedro I já havia convo-cado uma Assembléia Nacional Constituinte, que acabou por entrar em funcionamento apenas em 3 de maio de 1823, tendo sida dissolvida em seguida, em razão das sérias divergências existentes entre o Imperador e os parlamentares constituintes.

Em virtude disso, o Imperador criou um Conselho de Es-tado para a elaboração de um projeto de Constituição para o Império do Brasil, que deveria ser submetido à aprovação das Câmaras Municipais antes de sua entrada em vigência, o que acabou não ocorrendo, resultando na outorga da “Carta da Lei de 25 de março de 1824”.

1.1. Divisão dos Poderes Políticos

Um dos traços característicos fundamentais da Constitui-ção do Império do Brasil foi a existência de um quarto poder, denominado Poder Moderador, que refletia as tendências do

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pensamento político-social da época e era exercido pelo pró-prio Imperador.

Tal poder moldou o regime político que tivemos durante os 65 anos em que vigorou a Constituição de 1824. Concebido para ser uma “esponja entre cristais”, o Poder Moderador aca-bou transformando-se no mais importante instrumento de ma-nifestação autoritária, ao ponto de Afonso Arinos destacar que nenhum outro assunto foi tão esmiuçado nessa Constituição quanto a existência deste Poder.

Historicamente, seu único registro de aplicação mundial deu-se na Constituição Política do Império brasileiro, e com tal amplitude agravante que interferia na órbita de atuação do Le-gislativo (por meio de nomeações de senadores, convocando e dissolvendo a Câmara, e suspendendo interinamente as reso-luções das Assembléias provinciais), do Executivo (nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado) e do Judiciário (suspendendo Magistrados e perdoando ou moderando as pe-nas impostas aos réus por sentença).

1.2. Semi-rigidez da Constituição do Império

Quanto à mutabilidade, a Constituição do Império dife-renciava-se de outras mundialmente existentes, em virtude da presença de dispositivos que se alteravam de forma fle-xível, ao passo que outros, para serem alterados, exigiam um processo bastante rígido: foi a criação da Constituição semi-rígida.

Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos afirma que “a Consti-tuição Imperial de 1824 é bastante original na matéria (rigidez) criando uma terceira categoria de Constituições, aquela mar-cada pela existência de dispositivos rígidos e dispositivos flexí-veis. Em outras palavras, a Constituição encampa a distinção entre Constituição material e Constituição formal. Todos os dis-positivos que integrassem a primeira, isto é, que entendessem com a própria substância ou cerne do Estado, seriam apenas

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modificáveis por maioria, extremamente exigente em três legis-laturas consecutivas”369.

Para Octaviano Nogueira, essa solução encontrada para a mutabilidade constitucional garantia à Constituição do Império uma plasticidade e capacidade de adaptação à conjuntura polí-tica, econômica e social jamais vista.

Monografando o tema, afirma que “era tão plástica a Cons-tituição monárquica, que a própria República poderia ter sido implantada no País com uma simples emenda constitucional. E isto, por duas razões. A primeira é que, ao contrário do que passou a ser tradição nas Cartas republicanas, que impediam, e ainda impedem, modificar a forma republicana e o sistema federativo por meio de emenda, a Constituição do Império não estabelecia restrições ao poder constituinte derivado. Todos os dispositivos, portanto, eram reformáveis, inclusive o que consa-grava a monarquia como forma de governo. A segunda razão é que, embora as emendas constitucionais tivessem o mesmo rito de lei ordinária (como ocorreu com o Ato Adicional de 1934) e, portanto, dependessem da sanção do Imperador, no caso de mudança da forma de governo, como em qualquer outra matéria constitucional reformada por lei ordinária, não podia o Monarca negar a sanção, se aprovada por duas Legislaturas seguintes, em face do que dispunha o art. 65”370.

1.3. Centralização político-administrativa

Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder, a Carta de 1824 era extremamente centralizadora, estabele-cendo uma profunda concentração das prerrogativas político-

369 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 101.

370 NOGUEIRA, Octaviano. Constituições brasileiras: 1824. v.I. 2. ed. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. pp. 16-7.

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688 Curso de Direito Constitucional

371 BONAVIDES, Paulo apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 103.

372 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 98.

administrativas, o que acabou por colaborar sobremaneira para a manutenção da unidade do Estado brasileiro. O território na-cional era dividido em Províncias, na forma em que já se en-contrava, as quais poderiam ser subdivididas, “como pedisse o bem do Estado”, nos termos de seu art. 2º.

Além do aspecto positivo de manutenção da integridade nacional, ressalte-se que foi por meio dessa Constituição que foram dados os primeiros passos no sentido de uma democra-tização nacional (por meio do parlamentarismo, paulatinamen-te implantado no país), e o fato de ter sido a mais duradoura de nossas Cartas Políticas.

1.4. Ideologia liberal da Constituição de 1824

Outro aspecto relevante da Constituição de 1824, obser-vado por Paulo Bonavides, foi “a sua sensibilidade precursora para o social”371.

À época da elaboração da Constituição de 1824, vigia no mundo um forte ideal liberalista, caracterizado pela exaltação das liberdades individuais e restrição das prerrogativas esta-tais, o que acabaria por determinar as características principais da Carta do Império. Assim é que, embora se tratasse de uma Constituição outorgada, era possível encontrar em seu texto várias restrições ao poder do Imperador.

Aclarando esse entendimento, cabe lembrar a oportuna lição de Celso Ribeiro Bastos ao afirmar que “a Constituição outorgada de 1824, embora sem deixar de trazer consigo ca-racterísticas que hoje não seriam aceitáveis como democráti-cas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo que se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais moderno na época”372.

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689Histórico das constituições brasileiras

1.5. Reformas

Estruturalmente, a Constituição passou por duas revisões, como lembra Pinto Ferreira: “A primeira, constando do Ato Adi-cional de 12.8.1834, que suprimiu o Conselho de Estado e substituiu a Regência Trina Permanente por uma Regência Una Provisória. Esse Ato ainda deu mais ampla expansão a uma tendência federalista, ampliando os poderes dos Conselhos-Gerais das províncias e os transformando em Assembléias Le-gislativas das províncias.

Outra revisão foi efetivada com a lei de interpretação do Ato Adicional, de 12.3.1840, de forte inspiração conservadora, quando se restabeleceu o Conselho de Estado e se reduziu um pouco a competência das Assembléias Legislativas das provín-cias”373-374.

A partir de então, a Constituição do Império do Brasil não sofreu mais revisões, tendo assumido de forma definitiva este perfil conservador, sustentado pela aristocracia agrícola das culturas de açúcar e café, que sucumbiriam à libertação da es-cravatura, iniciando-se, assim, o processo revolucionário que, um ano depois, resultaria na proclamação da República.

2. CONSTITUIÇÃO DE 1891

Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, inicia-se uma nova fase no constitucionalismo brasileiro. Nessa mesma data, Rui Barbosa edita o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, instituindo o “Governo Provisório da Repú-

373 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 50.

374 Note-se que alguns autores entendem que a Constituição do Império sofreu uma única Emenda, a de 1834, inclusive pelo próprio nome de “lei de interpretação” que se atribui à de 1840. No entanto, cremos não tratar-se de mera norma interpretativa, representando, efetivamente, uma segunda alteração substancial ao Texto de 1824.

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blica dos Estados Unidos do Brazil”, que funcionou como Cons-tituição provisória até a entrada em vigência da Carta de 1891.

É importante salientar que a República não resultou de um forte movimento popular, mas de uma movimentação elitista de tropas situadas na cidade do Rio de Janeiro, assistida pela na-ção, muito embora os ideais republicano e federativo fossem idéias assentes perante a população brasileira375.

O grande mentor da primeira Constituição da República foi Rui Barbosa, que quase a redigiu por inteiro, encampando em seu texto muitas das idéias advindas do federalismo nor-te-americano, do qual era grande conhecedor, dentre as quais podemos ressaltar o controle difuso de constitucionalidade, a forma federativa de Estado, a separação dos poderes e o pró-prio nome: Estados Unidos do Brasil.

Em 24 de fevereiro de 1891 é promulgada a nova Consti-tuição, composta de 91 artigos, mais 8 das Disposições Tran-sitórias, o que faria dela a Carta mais enxuta de toda a história da República.

2.1. Federalismo e República

Com essa Constituição surgem definitivamente em nosso país os institutos da Federação e da República, até mesmo em virtude de uma grande necessidade de transformação, na medida em que o Brasil era o único país do mundo que ado-tava um Poder Moderador, e a tendência natural e inevitável acabou sendo seu enquadramento ao modelo instituído pelo federalismo americano. Para preservá-los, estatuiu-se que não poderiam ser suprimidos por via de Emenda Constitucional, ori-ginando as denominadas cláusulas pétreas.

A criação da Federação, que a Constituição determina-va ser indissolúvel, resultou em outorga de poderes às antigas

375 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 104.

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províncias, que assim passaram a governar seus assuntos com autonomia e finanças próprias, tornando-se Estados, in-clusive com poderes para editarem suas próprias Constituições Estaduais.

O art. 2º determinava que o antigo “município neutro” cons-tituiria o Distrito Federal, “enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte”. O art. 3º, por sua vez, previa ficar “pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal”. Além disso, seu parágrafo único determinava que, “efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a consti-tuir um Estado”.

Assegurava-se a autonomia dos Municípios para tratar de todos os assuntos que dissessem respeito a seu “peculiar interesse”, além de autonomia para a eleição de prefeito e ve-readores, só não lhes sendo conferida competências tributárias próprias, provindo seus recursos das arrecadações estaduais.

Só a União e Estados-membros, pois, detinham compe-tências tributárias, iniciando-se um esquema de repartição de competências, inerente a um pacto federativo.

Resta lembrar, ainda, que o art. 80 autorizava a decretação do estado de sítio, em caso de “agressão estrangeira ou co-moção intestina”, e o art. 6º previa a possibilidade de interven-ção federal nos Estados.

Retoma-se a tripartição dos poderes, segundo o esque-ma clássico elaborado por Montesquieu, com a supressão do Poder Moderador, e os poderes Executivo, Legislativo e Judici-ário assumindo suas características estruturais.

2.2. Sistema de governo

Adota-se, ainda, um sistema de governo presidencialis-ta, segundo o modelo clássico norte-americano, no qual era vedado ao Presidente da República dissolver a Câmara dos

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Deputados, sendo que, em contrapartida, não estava obrigado a escolher para Ministros de Estado pessoas que fossem da confiança dela.

Asseguravam-se eleições diretas para Presidente e Vice-Presidente da República, dentre brasileiros natos que estives-sem no exercício de seus direitos políticos.

O processo e julgamento dos crimes de responsabilida-de do Presidente da República davam-se perante o Senado Federal, após declarada procedente a acusação pela Câmara dos Deputados, sendo que, nos crimes comuns, o processo e julgamento far-se-ia perante o Supremo Tribunal Federal, se-guindo as disposições de impeachment da Constituição ameri-cana de 1787, que vêm sendo adotadas até os dias atuais.

2.3. Rigidez constitucional

Para a mutabilidade do Texto Constitucional, passou-se a adotar o conceito de Constituição rígida, consubstanciado por um procedimento de reforma extremamente gravoso, previsto em seu art. 90 e parágrafos, segundo o qual, para a admissão de uma proposta de alteração constitucional, exigia-se a anu-ência da quarta parte, pelo menos, dos membros de qualquer das Câmaras do Congresso Nacional, sendo aceita, em três discussões, por dois terços dos votos numa e noutra câmara, ou quando for solicitada por dois terços dos Estados, no decur-so de um ano, representado cada Estado pela maioria de votos de sua Assembléia.

Para a aprovação, no entanto, exigiam-se três votações no ano seguinte ao da propositura da reforma, e a aquiescência de, no mínimo, dois terços dos membros das duas Câmaras do Congresso.

2.4. Declaração de direitos

Pinto Ferreira chama a atenção para a importância de um capítulo destinado à declaração de direitos e suas garantias,

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embora a Constituição tivesse um aspecto eminentemente libe-ral. Segundo o juspublicista pernambucano, “a industrialização do país não se tinha processado profundamente, não havia um proletariado organizado, e a massa campesina era absoluta-mente inerte e passiva, manejada pelos prepotentes usineiros e senhores de terra, chamados pitorescamente de ‘coronéis’. Entretanto, a Constituição garantiu e enunciou as clássicas li-berdades privadas, civis e políticas, silenciando sobre a pro-teção ao trabalhador”376 (grifos nossos).

Esse silêncio quanto à proteção ao trabalhador criou um coronelismo dotado de um “poder real e efetivo, a despeito das normas constitucionais traçarem esquemas formais da organi-zação nacional com teoria de divisão de poderes”377.

Como decorrência dessa declaração de direitos, assiste-se a um abrandamento das penas criminais, suprimindo-se as penas de galés, morte e banimento. Eleva-se o instituto do habeas cor-pus, que já havia sido instituído no ordenamento jurídico brasileiro com o Código Criminal de 1832, à categoria constitucional.

A crise econômica de 1929, a Revolução de 1930 e a al-ternância de paulistas e mineiros na Presidência da República (política do “café-com-leite”) foram alguns dos fatores decisivos que suprimiram a longevidade da Constituição de 1891, pondo fim ao período histórico da Primeira República.

3. CONSTITUIÇÃO DE 1934

A Constituição de 1934 vem substituir o Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, que havia instituído juridicamente o Governo Provisório, fruto da revolução vitoriosa, que pôs fim à denominada República Velha.

376 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 52.

377 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 80.

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Assim, a Constituição de 1891 foi posta em derrocada por este Decreto, que funcionou como Constituição provisória por quase quatro anos, e não pela Carta Política de 1934, promul-gada em 16 de julho.

Merece destaque, ainda, o movimento revolucionário consti-tucionalista paulista de 9 de julho de 1932 que, apesar de ser de-flagrado após o ato do Governo que apontava a data de realização das eleições para a formação da Assembléia Constituinte, teve o indispensável papel de, mesmo derrotado, sufocar qualquer even-tual tentativa de ampliação dos poderes do Governo Provisório, bem como de adiamento da data prevista para as eleições, e con-seqüentemente do início dos trabalhos da Constituinte. Destarte, embora a Revolução Constitucionalista tenha fracassado, não res-tam dúvidas de que o ideal que apregoava saiu vitorioso.

José Afonso da Silva, comparando-a com a Constituição de 1891, afirma que “a nova Constituição não era tão bem es-truturada quanto a primeira. Trouxera conteúdo novo. Mantivera da anterior, porém, os princípios formais fundamentais: a repú-blica, a federação, a divisão de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si), o presi-dencialismo, o regime representativo”378 (grifos no original).

Pontes de Miranda, no entanto, em seu Comentários à Constituição dos Estados Unidos do Brasil, levado à cabo ain-da em 1934, qualificou-a como “a mais completa, no momento, das Constituições americanas”379.

3.1. Características principais

Segundo Paulino Jacques, citado por Celso Ribeiro Bas-tos, as principais alterações ocorridas foram: “a) quanto à for-

378 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 81.

379 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Cons-tituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, s.d., passim.

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ma: 1) introdução do nome de Deus no preâmbulo; 2) incorpo-ração ao texto de preceitos de Direito Civil, de Direito Social e de Direito Administrativo; 3) multiplicação dos títulos e ca-pítulos, ficando a Constituição com mais do dobro de artigos que a anterior; b) quanto à substância: 1) reforço dos vínculos federais; 2) poderes independentes e coordenados entre si; 3) sufrágio feminino e voto secreto; 4) o Senado com função de prover a coordenação dos poderes, manter a continuidade administrativa e velar pela Constituição; 5) os Ministros de Es-tado, com responsabilidade pessoal e solidária com o Presi-dente da República e obrigados a comparecer ao Congresso para prestarem esclarecimentos ou pleitearem medidas legis-lativas; 6) a Justiça Militar e Eleitoral como órgãos do Poder Judiciário; 7) o Ministério Público, o Tribunal de Contas e os Conselhos Técnicos coordenados em Conselhos Gerais, as-sistindo aos Ministros de Estado, como órgãos de cooperação nas atividades governamentais; 8) normas reguladoras da or-dem econômica e social, da família, educação e cultura, dos funcionários públicos, da segurança nacional”380.

Note-se, aí, o início do processo de enrijecimento cons-titucional, na medida em que a Constituição, incorporando tantos dispositivos formalmente constitucionais, passa a con-tar com 187 artigos, mais 26 das Disposições Transitórias, per-fazendo um total de 213 artigos, em contrapartida aos 99 da Constituição anterior.

3.2. Senado Federal

Uma característica da Constituição de 1934 que merece especial destaque é a atribuição de competências, ao Senado Federal, para promover, nos termos dos artigos 90, 91 e 92, “a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continui-

380 JACQUES, Paulino apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 113.

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dade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitu-ra das leis e praticar os demais atos de sua competência”.

Tal prerrogativa vinha prevista no art. 88 da Carta em co-mento, e acabou por provocar um grande desequilíbrio entre as três funções estatais (Executiva, Legislativa e Judiciária) quase que assemelhando-se ao que havia ocorrido durante a vigência da Constituição do Império, em virtude da existência do Poder Moderador.

3.3. Controle de constitucionalidade

A Constituição de 1934 trouxe, ainda, importantes inova-ções no tema do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos. Passou a prever a possibilidade de recurso extraordinário, à Suprema Corte, das decisões proferidas em última ou única instância, como forma de possibilitar a deflagra-ção de efeitos erga omnes nessas ações.

Isto porque o inciso IV do art. 91 outorgou ao Senado Fe-deral a competência para sustar a execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário.

Na visão de Ronaldo Poletti, essa foi a mais importante ino-vação da Carta de 1934 no tocante ao assunto, por apresentar-se como “a maneira de solucionar um dos mais graves problemas do controle da constitucionalidade. A ausência da regra do stare decisis implica que os juízes não estão obrigados a deixar de aplicar a lei, declarada inconstitucional pelo Supremo. A solução da Constituição permitia dar efeitos erga omnes a uma decisão num caso concreto. Além disso, atenuava-se o problema da que-bra de harmonia e equilíbrio entre os poderes, pois remetia a um órgão do Poder Legislativo a atribuição de suspender a execução da lei declarada inconstitucional”381.

381 POLETTI, Ronaldo. Constituições brasileiras: 1934. v.III. 2. ed. Bra-sília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. p. 51.

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697Histórico das constituições brasileiras

Cabe ressaltar que, ainda nos dias atuais, a Constituição Federal de 1988 adota essa solução nas hipóteses sujeitas ao controle difuso de constitucionalidade.

Para a declaração de inconstitucionalidade, ainda, passou-se a exigir o quorum de maioria absoluta dos votos, além da presença de todos os juízes, instituindo o já estudado Princípio da reserva de plenário.

3.4. A influência da Constituição de Weimar

Paulo Bonavides, ao introduzir suas reflexões à Constitui-ção de 1988, faz menção à importância que a Constituição de 1934 deu ao aspecto social, sob a influência da Constituição alemã de Weimar, de 1919, mundialmente reconhecida por ins-titucionalizar a social-democracia382. Além dela, merece men-ção a influência sofrida pela Carta de 1934 da Constituição da República Espanhola de 1931. Ouçamo-lo:

“Com a Constituição de 1934 chega-se à fase que mais de perto nos interessa porquanto nela se insere a penetração de uma nova corrente de princípios, até então ignorados do direito constitucional positivo vigente no País. Esses princípios consagravam um pensamento diferente em matéria de direitos fundamentais da pessoa humana, a saber, faziam ressaltar o aspecto social, sem dúvida grandemente descurado pelas Constituições precedentes. O social aí assinalava a presença e a influência do modelo de Weimar numa variação substan-cial de orientação e de rumos para o constitucionalismo bra-sileiro”.

E conclui, afirmando que essa influência “fez brotar no Bra-sil desde 1934 o modelo fascinante de um Estado social de inspiração alemã, atado politicamente a formas democráticas,

382 Como questão de justiça, no entanto, ressalte-se que a primeira mani-festação desses direitos data de 1917, na Constituição mexicana.

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698 Curso de Direito Constitucional

em que a Sociedade e o homem-pessoa – não o homem-indiví-duo – são os valores supremos. Tudo porém indissoluvelmente vinculado a uma concepção reabilitadora e legitimante do papel do Estado com referência à democracia, à liberdade e à igual-dade”383.

3.5. Momento político

Como vimos, a Constituição de 1934 é fruto da revolução irrompida em outubro de 1930. Todavia, o clima de eferves-cência política, que acabou por resultar na edição desta Cons-tituição, não terminou com sua edição. Basta lembrar que foi a partir de sua edição que o movimento comunista liderado por Luís Carlos Prestes fortaleceu-se, dando início a focos de guerrilha.

Para debelá-lo, a Carta de 1934 sofreu três emendas de cunho autoritário que, respectivamente, dispunham sobre: a) equiparação do estado de comoção intestina ao estado de guerra; b) permissão de perda de patente ou posto, sem preju-ízo de outras sanções cabíveis, a oficial das Forças Armadas tido por subversivo, e; c) demissão do funcionário civil que in-corresse na hipótese mencionada no item anterior, igualmente sem prejuízo de outras penalidades.

Nesse sentido também são as lições de Celso Ribeiro Bas-tos, para quem, a breve duração da Carta de 1934 – um triênio – “não deve ser explicada pelos defeitos que trazia em si, mas, em verdade, pela radicalização do clima social de então. Tanto a extrema esquerda, quanto a extrema direita tornaram inviável a sua plena aplicação, gerando condições para que fosse pos-sível o golpe de 1937”384.

383 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. pp. 332-4.

384 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 117.

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699Histórico das constituições brasileiras

4. CONSTITUIÇÃO DE 1937

Com o golpe militar de 1937, o Brasil recebe, em 10 de no-vembro daquele ano, sua segunda Carta outorgada. Inspirada no modelo fascista e de cunho eminentemente autoritário, dis-punha, entre outras arbitrariedades, em seu art. 73 que “o Pre-sidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política internacional e externa, promove e orienta a política legislativa de interesse nacional, e superintende a administração do país”.

4.1. A Constituição “polaca”

Com as características ditatoriais que podem ser percebi-das pela transcrição de seu art. 73, a edição da Constituição de 1937 faz cair por terra a expectativa de consolidação de um Es-tado Democrático de Direito em nosso país. Como toda Carta outorgada, concentra as principais prerrogativas nas mãos do Chefe do Poder Executivo, e, indo além, elimina o princípio da separação e independência entre os poderes, institucionali-zando o regime autoritário.

Em virtude da grande semelhança existente entre esta e a Constituição polonesa de 23 de abril de 1935, notada-mente em razão da ênfase dada a proeminência do Poder Executivo, sob o argumento de que esta concentração for-taleceria o Governo sem que isso significasse poder pessoal e absoluto, a Constituição Federal de 1937 ganha o apelido de “Polaca”.

4.2. Momento histórico

Tentando demonstrar a exata dimensão da crise universal existente neste momento histórico, Walter Costa Porto lembra entrevista concedida por Francisco Campos, principal autor da Constituição de 1937, para o qual esta fora “outorgada em um

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700 Curso de Direito Constitucional

momento de crise de ordem e de autoridade em todo o mundo. A disputa política ultrapassara os moldes de uma luta dentro dos quadros clássicos da democracia liberal. Os atores, nesse conflito, tinham, como objetivo explícito, a destruição tradicio-nal não somente no domínio político como no domínio social e econômico”385.

Não custa lembrar que, nesse mesmo período, a Itália en-contrava-se em situação bastante semelhante, com os teóricos do fascismo denominando-a “Itália mussolínica de democracia autoritária”.

4.3. Características principais

Pinto Ferreira, em seu estudo sobre a Carta de 1937, aponta suas dez principais alterações em relação à Constitui-ção anterior, a saber: “1) suprimiu o nome de Deus, o que tam-bém ocorre na Constituição do Estado do Vaticano; 2) outorgou poderes amplos ao presidente, como a suprema autoridade do Estado, alterando a sistemática do equilíbrio dos Poderes; 3) restringiu as prerrogativas do Congresso e a autonomia do Po-der Judiciário, já que em determinadas hipóteses o presidente podia ir de encontro a este, fazendo valer as leis que o Poder reputasse inconstitucionais; 4) ampliou o prazo do mandato do presidente da República; 5) mudou o nome do Senado para Conselho Federal; 6) instituiu o Conselho de Economia Na-cional, como órgão consultivo; 7) limitou a autonomia dos Es-tados-membros; 8) criou a técnica do estado de emergência, que foi disciplinado pelo seu art. 186; 9) dissolveu a Câmara e o Senado, bem como as Assembléias Estaduais; 10) restaurou a pena de morte”386.

385 PORTO, Walter Costa. Constituições brasileiras: 1937. v. IV. 2. ed. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. p. 20.

386 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 57.

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701Histórico das constituições brasileiras

Além disso, deixou de existir a liberdade de imprensa, cuja restrição consubstanciou-se por meio da realização de censu-ra prévia, além da dissolução dos partidos políticos.

Algumas medidas veiculadas pela Constituição de 1937, no entanto, beneficiaram a classe trabalhadora, como a cria-ção, pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, bem como a unificação da Previdência Social, pelo Decreto-Lei nº 7.526, de 7 de maio de 1945, que criou o Instituto dos Ser-viços Sociais.

4.4. Inaplicabilidade da Constituição de 1937

A Constituição de 1937 nunca obteve aplicabilidade prá-tica, em razão da prevalência do denominado “Estado Novo”, cujas características principais eram a arbitrariedade e a ine-xistências de quaisquer controles jurídicos, predominando a vontade autoritária de Getúlio Vargas.

Pela falta de aplicação regular, José Afonso da Silva lem-bra-nos que “muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Exe-cutivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-lei que ele próprio depois aplicava, com órgão do Executivo”387.

Essa Constituição recebeu, ainda, em menos de dez anos de duração, vinte e uma emendas, que eram editadas de acor-do com as necessidades, interesses e até conveniências cir-cunstanciais do Presidente da República.

Além disso, do ponto de vista lógico-jurídico, é de se no-tar que seu art. 187 rezava: “Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República”.

387 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 83.

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702 Curso de Direito Constitucional

O “plebiscito”388 jamais ocorreu, o que implicou no fato de que a Constituição de 1937, que dependia dele, tecnicamente nunca vigorou.

5. CONSTITUIÇÃO DE 1946

A vitória das nações aliadas contra o nazismo e o fascis-mo, que contou com a participação brasileira, notadamente pelo envio das forças expedicionárias à Itália, apresentou-se como fator determinante para a redemocratização do país em 1945, diante da impossibilidade de manter-se um modelo constitucio-nal inspirado nessas ideologias derrotadas.

Com esses antecedentes, em 18 de setembro de 1946 o Brasil ganha sua quinta Constituição, a terceira promulgada e, indubitavelmente, a melhor de todas que já tivemos, incluindo-se a de 1988, e que não nasceu de nenhum anteprojeto, conforme ocorrera com as de 1891 e 1934. Sua marca foi a restauração do regime democrático, destruído pelo golpe de Estado de 1937. Foi uma Constituição Republicana, Federativa e Democrática.

Nas palavras de Pinto Ferreira, “essa Constituição foi lon-gamente esperada, como necessária à democracia. Represen-tou um ponto intermédio entre as forças do conservantismo e as forças do progresso. Restaurou as liberdades e garantias tradicionais asseguradas ao povo brasileiro, que a ditadura an-teriormente havia violado”389.

388 É de se lembrar que a solução correta, in casu, seria a utilização do vocábulo “referendo” e não “plebiscito”, já que se realizaria uma con-sulta popular a partir de um Texto pronto, em verdadeiro exercício de democracia direta, por mais absurdo que isso possa parecer, em face do caráter autoritário desta Constituição. No entanto, Francisco Cam-pos entendia não existir diferença conceitual entre as duas expressões, tendo sido utilizada, exclusivamente, a palavra “plebiscito” em toda a Constituição, para designar tanto uma quanto outra realidade.

389 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 59.

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703Histórico das constituições brasileiras

José Afonso da Silva elucida que essa Constituição “não deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização, propician-do condições para o desenvolvimento do país durante os vinte anos em que o regeu”390.

5.1. Estrutura da Constituição de 1946

O saudoso Aliomar Baleeiro, ao escrever sobre a estru-tura da Constituição de 1946 afirmou: “Literalmente tão bem redigida quanto a de 1891, a Constituição de 1946 possuía 218 artigos, além de um ‘Ato das Disposições Transitórias’ com mais 36 artigos. Dividia-se em nove títulos, que se subdividiam em capítulos e este em secções.

A estrutura e as linhas gerais assemelham-se às da Constituição de 1891, mas sem a rigidez presidencialista des-ta, pois foram conservados os dispositivos que permitiam a convocação ou o comparecimento espontâneo dos Ministros ao Pleno; as Comissões de Inquérito parlamentar por iniciati-va de 1/5 dos membros de cada Câmara; a possibilidade de o congressista aceitar ministério sem perder o mandato etc”391.

É importante enfatizar que, embora contasse com os mencio-nados 254 artigos, incluindo-se os das disposições permanentes e transitórias, a Constituição de 1946 era bem mais enxuta que a nossa atual, que conta com 333 artigos, na medida em que cada um dos artigos da Carta de 1946 possuía um número bem menor de dispositivos, diferentemente do que ocorre com o Texto atual.

5.2. Características principais

Como corolário do forte ideal republicano, a Constitui-ção de 1946 apresenta as seguintes características deter-

390 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 85.

391 BALEEIRO, Aliomar. Constituições brasileiras: 1946. v. V. 2. ed. Bra-sília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. p. 16.

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704 Curso de Direito Constitucional

minantes: a) eleições diretas para Presidente e Vice-Pre-sidente da República; b) devolução das prerrogativas que haviam sido suprimidas do Legislativo pela criação de um Conselho Federal que eliminou o Senado em 1937; c) re-tomada do rol de direitos individuais da Carta de 1934, acrescendo-se, ainda, o direito ao acesso incondicionado ao Poder Judiciário; d) a redefinição dos direitos políticos, com o princípio da liberdade de criação e organização dos partidos políticos, e o conseqüente pluralismo partidário; e) retorno das garantias do mandado de segurança e da ação popular, suprimidas pela Carta autoritária de 1937; f) a pro-teção aos trabalhadores, à família, à educação e à ordem econômica; g) o forte enfoque municipalista, tendo-lhes sido devolvida a autonomia suprimida quando da implemen-tação da República; h) introdução do controle concentrado de constitucionalidade das leis pela Emenda Constitucional 16/65 o que, em virtude da manutenção do controle difuso, inaugura o sistema misto que mantém-se até os dias atuais, e; i) explicitação da espécie tributária da contribuição de melhoria, além de ampliação das imunidades tributárias, com contornos idênticos aos atuais.

5.3. O municipalismo e a política do homem

Celso Ribeiro Bastos enfatiza o cunho municipalista da Constituição de 1946 quando afirma que, “no campo local, pro-priamente dito, prestigia-se o municipalismo como nenhuma outra Constituição até hoje o fez. Foi sem dúvida nenhuma a Constituição mais municipalista que tivemos”392.

Conforme mencionado, desde a implementação da Repú-blica, os Municípios vinham sofrendo uma diminuição crescente em suas autonomias, chegando-se ao ponto de ficarem com menos de sete por cento das receitas tributárias.

392 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 127.

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705Histórico das constituições brasileiras

Nas precisas lições de Aliomar Baleeiro, “os constituintes de 1946 partiram do princípio filosófico kantiano de que o Esta-do não é fim em si mesmo, mas meio para o fim. Este fim seria o homem. O Estado deveria fazer convergir seus esforços preci-puamente para elevar material, física, moral e intelectualmente o homem”393 (grifos no original).

Como o Brasil era um país eminentemente agrícola, e a maior parte da população encontrava-se situada no interior, percebeu-se que a única forma de promover o desenvolvimento nacional seria pela descentralização dos sistemas de saúde, educação e cultura, o que passava pela concessão de maior autonomia aos Municípios, com o conseqüente aumento de participação na repartição das receitas tributárias.

Assim é que a Constituição de 1946 passou a destinar a totalidade das receitas resultantes do Imposto de Indústria e Profissões aos Municípios e dez por cento do total arrecadado do Imposto sobre a Renda.

Além disso, dispunha o art. 20 que “quando a arrecadação estadual de impostos, salvo a do imposto de exportação, exce-der, em Município que não seja o da capital, o total das rendas locais de qualquer natureza, o Estado dar-lhe-á anualmente trinta por cento do excesso arrecadado”.

A Emenda Constitucional nº 5/61 ampliou ainda mais a participação tributária dos Municípios, destinando-lhes quinze por cento do Imposto sobre a Renda e dez por cento do Im-posto sobre Consumo.

A Constituição destinava, também, três por cento das re-ceitas tributárias da União e dos Estados para o Polígono das Secas, além de três por cento da arrecadação dos tributos da União para a Amazônia e um ponto percentual para a região do rio São Francisco.

393 BALEEIRO, Aliomar. Constituições brasileiras: 1946. v. V. 2. ed. Bra-sília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. pp. 18-9.

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706 Curso de Direito Constitucional

Ressalte-se, ainda, a obrigatoriedade de aplicação de dez por cento da receita federal, e vinte por cento das estaduais e municipais, para políticas educacionais, conforme determina-va o art. 169.

5.4. A Reforma agrária

A Constituição de 1946 também procedeu a uma profunda reforma política.

Nas palavras de Barbosa Lima Sobrinho, “voto secreto, regime de partidos, representação proporcional, instituição da suplência, validade dos diplomas, Justiça Eleitoral para o jul-gamento de todas as fases do pleito, inclusive a verificação de poderes, são conquistas incorporadas à Carta de 1946”.

Para ele, o preceito mais importante da Constituição de 1946 era o art. 134, que dispunha: “O sufrágio é universal e direto; o voto é secreto; e fica assegurada a representação pro-porcional dos partidos políticos nacionais na forma que a lei estabelecer”394.

5.5. O fim da Constituição

A renúncia de Jânio Quadros – que esperava ser recondu-zido à presidência nos braços do povo – iniciou o processo de crise que levaria a cabo a Constituição de 1946.

No momento da renúncia, seu Vice, João Goulart, encontra-va-se em visita à China comunista, tendo os militares anunciado que não lhe dariam posse. A postura passiva dos militares, que deveriam ter se apressado em tomar o poder para consolidar sua idéia antidemocrática, acabou por fortalecer um movimento de resistência ao golpe, liderado pelo Estado do Rio Grande do Sul.

394 LIMA SOBRINHO, Barbosa. Constituições brasileiras: 1946. v. V. 2. ed. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Cen-tro de Estudos Estratégicos, 2001. p. 49.

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707Histórico das constituições brasileiras

Com a finalidade de se evitar a ruptura, vem à lume a Emen-da Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961, que institui o sistema parlamentarista, possibilitando a posse do Vice João Goulart. Tratava-se da segunda tentativa de sua implementação na história brasileira, tendo sido a primeira durante a Constitui-ção do Império.

Todavia, em 6 de janeiro de 1963, com o apoio dos sindica-tos e homens de negócios, e com promessas de reforma agrá-ria e voto dos analfabetos, Jango conseguiu que fosse realiza-do um plebiscito, que decidiu pelo retorno do presidencialismo, formalizado com a edição da Emenda Constitucional nº 6, de 23 de janeiro daquele ano.

Com a volta do presidencialismo João Goulart isola-se ain-da mais no poder. A crise se agrava com sucessivos confron-tos no campo e greves semanais. No dia 31 de março de 1964, os militares tomam o poder pondo fim à Constituição de 1946 e dando início ao período mais sombrio da história constitucional brasileira.

6. CONSTITUIÇÃO DE 1967

Com o golpe militar de 1964, assistimos ao surgimento de mais uma constituição outorgada. Após a edição de quatro atos institucionais, o Marechal Castello Branco determinou a elabora-ção da nova Constituição, o que ocorreu com a colaboração de inúmeros juristas, resultando na Carta de 24 de janeiro de 1967, que entraria em vigor no dia 15 de março do mesmo ano.

Contando com cento e oitenta e nove artigos – e, como não poderia deixar de ser – apresenta-se como um texto extre-mamente centralizador, dotado de um grande vazio semânti-co que acabava por permitir a manipulação da Constituição em muito de seus pontos 395 (grifos nossos).

395 ALVES, Francisco de Assis. As constituições do Brasil. Revista de Di-reito Constitucional e Ciência Política. número especial. p. 60.

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708 Curso de Direito Constitucional

Nem precisava: as Constituições autoritárias nunca são cumpridas, posto que se constituem em óbice à sede de poder dos ditadores que, na prática, fazem aquilo que desejam.

6.1. Características principais

Não é preciso grande esforço intelectual para apontar as principais características de uma Constituição outorgada. To-das são praticamente iguais. Apresentam uma grande centrali-zação do poder nas mãos do Chefe do Executivo e, nos esta-dos federados, na figura da União. Além disso, restringem-se os direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos políticos, instituindo-se eleições indiretas.

A esses traços já apontados, acrescente-se: a criação de um Conselho de Segurança Nacional, bem como o julga-mento de civis pela Justiça Militar, nas hipóteses de cometi-mento de crimes contra a segurança nacional.

José Afonso da Silva, no entanto, lembra-nos de alguns aspectos da Carta outorgada de 1967 que podem ser conside-rados positivos, a saber: “Reformulou, em termos mais nítidos e rigorosos, o sistema tributário nacional e a discriminação de rendas, ampliando a técnica do federalismo cooperativo, con-sistente na participação de uma entidade na receita de outra, com acentuada centralização. Atualizou o sistema orçamentário, propiciando a técnica do orçamento-programa e os programas plurianuais de investimento. Instituiu normas de política fiscal, tendo em vista o desenvolvimento e o combate à inflação”.

Além disso, afirma que, “em geral, é menos intervencio-nista do que a de 1946, mas, em relação a esta, avançou no que tange à limitação do direito de propriedade, autorizando a desapropriação mediante pagamento de indenização por títu-los da dívida pública, para fins de reforma agrária. Definiu mais eficazmente os direitos dos trabalhadores”396.

396 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 87.

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709Histórico das constituições brasileiras

6.2. Centralização político-administrativa

No tema da Organização dos Poderes, a Constituição de 1967 caracterizou-se por tornar o Executivo todo-poderoso, a partir de uma concentração excessiva do poder nas mãos do Presidente da República que, sob o argumento de manutenção e do controle da segurança interna, detinha prerrogativa de deflagrar a iniciativa das leis em qualquer área, bem como editar decretos-lei e leis delegadas.

Como corolário de seu perfil autoritário, põe fim às elei-ções diretas para a escolha de Presidente e Vice-Presidente da República, o que passou a ser realizado por meio de um colé-gio eleitoral, no qual os Estados menos desenvolvidos pos-suíam maior representatividade, provocando um desequilíbrio das forças políticas, além de um fortalecimento das tradicionais oligarquias agrícolas.

Conforme já mencionado o art. 55 institui os decretos-lei, que poderiam ser editados “em casos de urgência ou de in-teresse público relevante”, e desde que não implicassem au-mento de despesa, sobre as seguintes matérias: a) segurança nacional; b) finanças públicas, inclusive normas tributárias; c) criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.

Essas espécies normativas tornaram-se poderosíssimas armas nas mãos dos ditadores.

6.3. O Ato Institucional nº 5

É inegável que o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, representou uma ruptura na ordem jurídica anterior, apresentando-se como o fator deflagrador da Emenda Consti-tucional nº 1, que se daria a 17 de outubro de 1969.

Nas lições de Celso Ribeiro Bastos, “esse Ato marca-se por um autoritarismo ímpar do ponto de vista jurídico, conferindo ao Presidente da República uma quantidade de poderes de que muito provavelmente poucos déspotas na história desfruta-

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710 Curso de Direito Constitucional

ram, tornando-se marco de um novo surto revolucionário, dan-do a tônica do período vivido na década subseqüente. Criava-se uma situação confusa, porque era preciso compatibilizar o Ato nº 5 com a própria Constituição de 1967 por ele mantida, o que não era fácil, dado que muitas vezes suas disposições eram profundamente contraditórias” 397 (grifos nossos).

A doença do Presidente Costa e Silva, com a conseqüente edição do Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969, que o afastava da presidência e impedia o Vice-Presidente Pedro Aleixo de assumi-la, atribuindo o exercício do Poder Executivo aos Ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica, foi o golpe fatal à Constituição outorgada de 1967.

7. CONSTITUIÇÃO DE 1969

Não restam dúvidas de que a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, cuja vigência começaria no dia 30 do mesmo mês, apresentou-se como o início de uma nova ordem constitucional, consistindo em evidente manifestação do poder constituinte originá-rio.

Neste diapasão é o pensamento de José Afonso da Silva, para quem “teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outor-ga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Consti-tuição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil” (grifos no original).

7.1. Caráter autoritário da Carta de 1969

A edição da Emenda nº 1/69 promove uma enorme con-centração do poder nas mãos do ditador, dando continuidade ao processo de extremo autoritarismo iniciado com a edição do

397 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 136.

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711Histórico das constituições brasileiras

Ato Institucional nº 5 que, junto com os demais, foi expressa-mente mantido pelo art. 182, ao dispor: “Continuam em vigor o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e os demais atos posteriormente baixados”.

Além disso, valendo-se de poderes outorgados pela Carta de 1969, o Presidente da República, entre outras coisas: a) decreta o fechamento do Congresso e das Assembléias Estaduais; b) cas-sa mandato de parlamentares; c) suspende as garantias próprias da magistratura; d) acaba com a estabilidade e outras garantias dos servidores públicos, além de confiscar-lhe bens; e) suspende o habeas corpus nas hipóteses de crimes políticos; f) subtrai da apreciação do Poder Judiciário qualquer ato praticado com funda-mento no Ato nº 5, e; g) intervêm em Estados e Municípios.

7.2. A redemocratização

Após sucessivas crises e a falência do modelo autoritário instituído a partir de 1964, corroborado pela edição das vinte e sete Emendas à Constituição de 1969, o Brasil inicia, a partir da promulgação da Lei de anistia ampla, geral e irrestrita, sanciona-da em 28 de agosto de 1979 e, posteriormente, com as eleições para os Governadores de Estado em 1982 e o movimento de-nominado “Diretas já” de 1984, que exigia eleições diretas para Presidente da República em 1985, um gradual processo de re-democratização, pondo fim a sombrios vinte anos de ditadura militar.

Apesar do movimento das Diretas não ter logrado êxito, a eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência da Re-pública, em 15 de janeiro de 1985, contou com maciço apoio popular, graças ao compromisso do Presidente eleito de iniciar uma fase de transição, a partir de sua posse, em 15 de março de 1985, com o escopo de instituir aquilo que ele mesmo de-nominara Nova República. Comprometeu-se, ainda, a convocar uma Comissão de Estudos Constitucionais, que elaboraria um anteprojeto de Constituição, a ser encaminhado, sugestivamen-te, à Assembléia Constituinte que se instalaria.

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Todavia, na véspera de sua posse, Tancredo Neves foi internado para uma cirurgia, e faleceu em 21 de abril de 1985.

Com sua morte, foi empossado o Vice-Presidente José Sarney, que manteve o compromisso assumido de conduzir o Brasil para a reabertura democrática, e assinou, em 18 de julho de 1985, o Decreto nº 91.450, que instituiu a “Comissão Pro-visória de Estudos Constitucionais”, composta por cinqüenta membros, e que teve por finalidade elaborar o anteprojeto de Constituição. Em 27 de novembro de 1985 editou a Emenda Constitucional nº 26, que converteu o Congresso Nacional a ser eleito um ano depois (em novembro de 1986), em Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana.

Não restam dúvidas, no entanto, de que a Constituição de 1988 é manifestação do poder constituinte originário, na medi-da em que, embora tivesse advindo da Emenda Constitucional nº 26 à Constituição de 1969, não ficou restrita às limitações existentes ao poder de reforma, tendo por objetivo realizar um processo de transição sem sobressaltos.

José Afonso da Silva, nesse diapasão, assevera que “em verdade, a EC nº 26, de 27.11.85, ao convocar a Assembléia Nacional Constituinte, constitui, nesse aspecto, um ato político. Se convocava a Constituinte para elaborar Constituição nova que substituiria a que estava em vigor, por certo não tem a natureza de emenda constitucional, pois esta tem precisamente sentido de manter a Constituição emendada. Se visava destruir esta, não pode ser tida como emenda, mas como ato político”398.

8. CONSTITUIÇÃO DE 1988

Conforme havia sido determinado pela Emenda Constitu-cional nº 26, já analisada, em 1º de fevereiro de 1987, dá-se

398 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 87.

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a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, sob a pre-sidência do Ministro José Carlos Moreira Alves, presidente do Supremo Tribunal Federal. No dia seguinte, Ulysses Guimarães é eleito presidente da Constituinte.

Em virtude do grande sentimento democrático que tomou o país quando da elaboração da Constituição de 1988, preferiu-se que os trabalhos da Assembléia Constituinte não partisse dos estudos realizados pela Comissão de Estudos Constitucio-nais que, presidida por Afonso Arinos, acabou por ganhar sua alcunha.

Por essa razão, o texto da Comissão Provisória, com 436 (quatrocentos e trinta e seis) artigos nas disposições perma-nentes e 36 (trinta e seis) nas disposições transitórias, não chegou a ser levado a plenário, preferindo-se não partir de um projeto anterior, como acontecera com a Constituição de 1946. Tudo foi exaustivamente discutido e votado no seio da própria Assembléia Constituinte. Essa medida, por muitas vezes, che-gou a inviabilizar os trabalhos, dando-se a impressão de que a tarefa de elaboração da Constituição jamais teria um fim.

8.1. Funcionamento da Assembléia Constituinte

Instalada a Assembléia Constituinte, o passo seguinte, após a eleição de seu presidente, foi a elaboração do regimen-to interno, que só ficou pronto no dia 24 de março, quase dois meses após o início de seus trabalhos.

Os constituintes, então, estavam divididos em 24 (vinte e quatro) subcomissões. Terminados os seus trabalhos, em 25 de maio de 1987, dividiram-se em 8 (oito) comissões temáticas, que elaboraram os anteprojetos a serem encaminhados à Co-missão de Sistematização.

A partir desses anteprojetos, o relator da Comissão de Sis-tematização da Assembléia Constituinte, Bernardo Cabral, ela-borou um único texto, contendo quinhentos e cinqüenta e um artigos, denominado “Projeto Cabral” e apelidado “Frankstein”.

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714 Curso de Direito Constitucional

Daí é possível inferir-se o maior erro da Assembléia Cons-tituinte de 1988: a estratégia de pulverizar o trabalho em di-versas subcomissões, que não trocavam informações entre si, nem partiram de uma diretriz comum.

Tal anteprojeto recebeu cinco mil, seiscentas e quinze emendas, tendo sido levado ao Plenário.

Substituiu-se, então, o primeiro projeto do relator Bernar-do Cabral, por outro, denominado “Cabral zero”, que recebeu outras vinte mil, setecentos e noventa emendas de plenário e cento e vinte e duas populares que, em 26 de agosto, daria origem a outro substitutivo, agora com trezentos e setenta e quatro artigos, denominado “Cabral 1”.

O projeto “Cabral 1” sofreu mais quatorze mil, trezentas e vinte emendas que, em 15 de setembro dão origem a outro substitutivo, agora com trezentos e setenta e quatro artigos, in-titulado “Cabral 2”. Este, começa a ser votado em 24 de setem-bro, na Comissão de Sistematização.

Note-se que todo esse processo desenrolava-se no interior da Comissão de Sistematização, praticamente alijando das dis-cussões todos os parlamentares que dela não faziam parte. Per-cebe-se, assim, que as decisões mais importantes da Constituinte estavam sendo tomadas por uma minoria, desvirtuando o espírito democrático que justificara a Convocação da Assembléia.

Em virtude desse fato, em 10 de novembro de 1987, um expressivo número de constituintes, os quais se auto-deno-minaram “Centrão”, que contava com o apoio de trezentos e dezenove parlamentares, encaminhou uma proposta de alte-ração do regimento, que permitia o encaminhamento de novas emendas ao projeto que vinha sendo elaborado na Comissão de Sistematização.

Celso Ribeiro Bastos enfatiza a importância do movimento para o processo democrático, ao afirmar que “não há dúvida que foi este um dos pontos de ruptura dentro da orientação que vinha prevalecendo no seio da Constituinte. Equivaleu a uma revolução democratizante, uma vez que, independentemente

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do juízo que se possa ter sobre o mérito das soluções encam-padas pelo projeto da Comissão de Sistematização, o certo é que esta não poderia, em hipótese alguma, fazer as vezes do plenário. Só mesmo a crise da qual o País não se livrou de maneira definitiva poderia explicar que um grupo minoritário, dentro do Congresso, tentasse fazer prevalecer a sua vontade contra a da maioria”399.

No dia 27 de janeiro de 1988 iniciaram-se as votações. Já a primeira matéria não alcançou o quorum necessário para apro-vação (duzentos e oitenta votos). No dia seguinte, aprovou-se o preâmbulo e o Título I. No final de julho, iniciou-se o segundo turno de votações, com caráter meramente confirmatório daqui-lo que já havia sido aprovado antes.

8.2. A Constituição cidadã

Após longos meses de trabalho e negociações exausti-vas, o que, nas palavras de Pinto Ferreira acabou “gerando um clima de cansaço não só entre os constituintes como sobre a Nação”400, agravado pela proximidade das eleições Municipais, em 5 de outubro de 1988, em clima festivo, é aprovada a Cons-tituição Cidadã, nas palavras de seu Presidente, o Deputado Ulysses Guimarães.

Celso Ribeiro Bastos desconfia do clima festivo que tomou conta dos dias finais da Constituinte de 1988, afirmando que “fica contudo por se saber se a alegria era devida à sensação do bom trabalho realizado ou se ao alívio de ver terminado o que já tinha tornado-se um verdadeiro tormento”401.

399 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 149.

400 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 66.

401 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 150.

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716 Curso de Direito Constitucional

O texto final da Constituição de 1988 contou com trezentos e quinze artigos, sendo duzentos e quarenta e cinco das dispo-sições permanentes e setenta do Ato das Disposições Consti-tucionais Transitórias, fazendo dela uma constituição analítica, além de uma das mais extensas do mundo.

É de se ressaltar que a absoluta falta de consenso sobre alguns temas, aliada à pressa de aprovação de seu texto final, em virtude de pressões da mídia e da própria população, acar-retou um sem número de normas constitucionais de eficácia limitada, quais sejam, aquelas que dependem de regulamen-tação pela legislação integradora para iniciarem a produção de seus efeitos práticos.

O certo é que, em pouco tempo, a Constituição de 1988 foi profundamente reformada, processo que se desenrola até os dias atuais. Tal fato parece-nos dever-se a dois fatores:

O primeiro seria o exagerado número de dispositivos, que tratam de praticamente todos os assuntos da sociedade, obri-gando a realização de mudanças constitucionais, em virtude de sua natural evolução. O segundo seria o divórcio que vem sendo realizado do ideal político social-democrata, inspirador da nossa Carta Magna a partir do paradigma da Constituição Portuguesa de 1976, substituído por um modelo neoliberal, o que implica na realização de profundas alterações.

Atualmente, a nossa Constituição conta com a triste mar-ca de edição de nada menos do que quarenta e oito Emendas Constitucionais e seis Emendas de Revisão, promulgadas sobre o pretexto de assegurar sua exeqüibilidade, elevando o número de artigos para trezentos e quarenta e quatro, sendo duzentos e cinqüenta das disposições permanentes e noventa e quatro do Ato das Disposições Transitórias que, por mais absurdo que se apresente, vem sofrendo emendas até os dias atuais.

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________. Do poder regulamentar. Revista de direito público. São Paulo: Malheiros, nº 65, pp. 39-50. 1983.

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________. O Supremo Tribunal Federal, Corte constitucional: uma proposta que visa a tornar efetiva a sua missão precípua de guarda da Consti-tuição. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, nº 192, pp. 1-28. 1993.

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VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. 413p.

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Curso de Direito Constitucional, 3ª edição, de Henrique Savonitti Miranda, foi composto em

Helvetica, corpo 12 e impresso em Papel Offset 75 gr/m2, nas oficinas da SEEP (Secretaria Especial de Editoração e Publicações)

do Senado Federal, em Brasília. Acabou-se de imprimir em outubro de 2005, de acordo com o programa editorial

e projeto gráfico da Subsecretaria de Edições Técnicas.