Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

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1 CURSO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA Coordenador: Prof. Dr. Renato Dagnino Março de 2009 VVVV VVVV

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Novas técnicas de Gestão Pública em estudo no curso de especialização em Gestão Estratégica em Políticas Públicas, da Fundação Perseu Abramo

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CURSO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA

Coordenador: Prof. Dr. Renato Dagnino

Março de 2009

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1

Apresentação do Curso ................................................................................................... 1 Sobre as unidades que compõem o Curso ...................................................................... 4 Instruções operacionais aos alunos do Curso ................................................................. 5 Metodologia de aprendizado ............................................................................................ 5 O esforço individual ......................................................................................................... 6 A bibliografia e o ordenamento dos assuntos .................................................................. 7

O esforço coletivo ............................................................................................................ 8 Avaliação ......................................................................................................................... 9 Sobre o Trabalho de Conclusão de Curso ....................................................................... 9 Roteiro ........................................................................................................................... 10 Conteúdo programático ................................................................................................. 12

CAPÍTULO I: CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS À GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA .... 18

1. Introdução .................................................................................................................. 18

1.1. Um breve histórico do planejamento ....................................................................... 18 1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica Pública ..... 20 1.3. As características do “Estado Herdado”.................................................................. 22 1.4. A democratização política e o “Estado Necessário” ................................................ 23

1.5. A construção do “Estado Necessário” e a Gestão Estratégica Pública ................... 28 1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas ..................................................... 32

1.7. O gestor público e o administrador de empresas .................................................... 36 1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração Pública ....... 37

1.9. A formação do gestor público ................................................................................. 39 CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE ENFOQUES ......................................................................................................................... 46

2. Introdução .................................................................................................................. 46

2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político ................................................. 47 2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito ......................................... 47 2.3. A concepção ingênua do Estado neutro ................................................................. 48

2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública ................................................................. 50

2.5. O enfoque da Análise de Política ............................................................................ 52 2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional .............................................. 57

CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES ............................... 59 3. Introdução .................................................................................................................. 59

3.1. Uma visão preliminar do resultado .......................................................................... 61 3.2. O que é o “agir estratégico”? .................................................................................. 64

3.3. Pressupostos para uma ação estratégica em ambiente governamental ................. 64 3.4. O conceito de Ator Social ........................................................................................ 64 3.5. Características do Jogo Social ................................................................................ 65 3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica ..................................................................... 65 3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo ........................................ 66

3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública .......................... 71 3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema) ....................................................... 71 3.10. Tipos de Problemas .............................................................................................. 72 3.11. Conformação de um Problema ............................................................................. 73 3.12. Como formular um Problema? .............................................................................. 73

3.13. Perguntas para verificar se a seleção de Problemas é apropriada ....................... 74 3.14. A Descrição de um Problema ............................................................................... 75

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3.15. A Explicação da Situação-problema ..................................................................... 76 3.16. A diversidade das Explicações Situacionais ......................................................... 76

3.17. O Fluxograma Explicativo da Situação ................................................................. 76 3.18. Seleção de Nós Críticos ........................................................................................ 77 3.18.1. Critérios para Seleção de Nós Críticos .............................................................. 78

CAPÍTULO IV: METODOLOGIA DE MODELIZAÇÃO .......................................................... 81 4. Introdução .................................................................................................................. 81 4.1. Sistemas e enfoque sistêmico ................................................................................ 81 4.2. O conceito de Sistema ............................................................................................ 82 4.3. Sistemas simples e complexos ............................................................................... 83

4.4. Atributos dos sistemas complexos .......................................................................... 83 4.5. Sistema, contexto, e variáveis endógenas e exógenas .......................................... 85 4.6. Realidade, modelização e modelo .......................................................................... 87 4.7. Formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis ................................... 89

4.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional .................................. 91 4.9. Estabilidade, Resistência, Resiliência e Análise de Sensibilidade .......................... 92 4.10. Análise Sistêmica e Dinamização ......................................................................... 94

4.11. O caráter intrinsecamente normativo da modelização .......................................... 97 4.12. Modelização e Gestão Estratégica Pública ......................................................... 100 4.13. Exemplos de modelização .................................................................................. 104 4.14. Considerações Finais.......................................................................................... 109

CAPÍTULO V: METODOLOGIA DE PLANEJAMENTO DE SITUAÇÕES .......................... 113 5. Introdução ................................................................................................................ 113 5.1. Uma visão preliminar do resultado ........................................................................ 113

5.2. Planejar por Situações-Problema ......................................................................... 115 5.3. Operações ............................................................................................................ 118 5.4. Matriz Operacional ................................................................................................ 119 5.5. Ações, Atividades, Tarefas ................................................................................... 119

5.6. Resultados ............................................................................................................ 120 5.7. Produtos ................................................................................................................ 120 5.8. Recursos ............................................................................................................... 120

5.9. Prazos ................................................................................................................... 121 5.10. Responsáveis ..................................................................................................... 121

5.11. Etapas para a formulação de um Plano de Ação ................................................ 121 5.12. Gestão do Plano ................................................................................................. 122

5.13. Atuar sob incerteza ............................................................................................. 123 5.14. Focos de Debilidade de um Plano ...................................................................... 123 5.15. Componentes de um sistema de Gestão Estratégica Pública ............................ 124

CAPÍTULO VI: METODOLOGIA DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ...................... 126 6. Introdução ................................................................................................................ 126 6.1. Explorando o conceito de Análise de Política ....................................................... 127 6.1.1. O conceito de política ......................................................................................... 128

6.1.2. O conceito de Análise de Política ...................................................................... 130 6.1.3. O surgimento da Análise de Política como campo acadêmico .......................... 131 6.1.4. Uma tipologia da Análise de Política: a tensão entre descritivo e o prescritivo .. 132 6.1.5. A postura do analista de políticas ...................................................................... 134 6.1.6. A Análise de Política e o contexto da política .................................................... 136

6.1.7. A Análise de Política e os níveis de análise ....................................................... 141 6.2. Visões do Estado e Análise Política ...................................................................... 144 6.2.1. A visão Pluralista ............................................................................................... 144 6.2.1.1. A visão Elitista ................................................................................................. 145

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6.2.1.2. A visão Marxista .............................................................................................. 145 6.2.1.3. A visão Corporativista ..................................................................................... 146

6.2.2. Um quadro sinóptico .......................................................................................... 147 6.3. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo ............................... 148 6.4. Poder e tomada de decisão .................................................................................. 150

6.4.1. O debate entre pluralismo e elitismo .................................................................. 151 6.4.2. As duas faces do poder ..................................................................................... 152 6.4.3. A terceira face do poder ..................................................................................... 155 6.4.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e decisão ........................... 156 6.5. Os modelos de tomada de decisão: o confronto entre o racionalismo e o incrementalismo ........................................................................................................... 160 6.5.1. As origens do debate ......................................................................................... 161 6.5.2. Algumas propostas intermediárias ..................................................................... 164 6.5.3. O processo de Elaboração de Políticas Públicas e os modelos de análise ....... 169

6.6. Modelos para o estudo da implementação de políticas ........................................ 170 6.6.1. O enfoque top down ........................................................................................... 171 6.6.2. O enfoque bottom up ......................................................................................... 172

6.7. O estudo das organizações e a Análise de Política .............................................. 174 6.7.1. A discricionariedade dos escalões burocráticos inferiores e a elaboração de políticas ........................................................................................................................ 174 6.7.2. Os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas ............ 176

6.8. Os Momentos da elaboração de políticas públicas ............................................... 179 6.9. Experiências de Planejamento Público ................................................................. 182 6.10. Um roteiro para a Análise de Políticas ................................................................ 184

6.10.1. Os instrumentos da Análise de Política............................................................ 185 6.10.2. Tipos de Análise de Política ............................................................................. 187 6.10.3. Uma visão de conjunto dos três momentos da Elaboração de Políticas .......... 188 6.10.4. Uma tipologia das organizações ...................................................................... 192

6.10.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a Negociação ....................... 193 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 196 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 197

ÍNDECE DE ESQUEMAS, FIGURAS E QUADROS ESQUEMA 3.12.1: FORMULAÇÃO DE PROBLEMAS ........................................................ 69 ESQUEMA 5.1.6.1: ESQUEMA DE EASTON .................................................................... 132

FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORES ... Consulte

FIGURA 3.1.2: ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS .................... Consulte

FIGURA 3.1.3: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO PROBLEMA ............. 58 FIGURA 3.14.1: DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS ................................................................. 70 FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL ................................................................. 72 FIGURA 3.18.1: PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS ............................................. 73 FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO.................................................................. 75 FIGURA 3.7.1: TRIÂNGULO DE GOVERNO ....................................................................... 62 FIGURA 3.7.2: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO ............ 64 FIGURA 3.7.3: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO ............ 65 FIGURA 4.1.1: AÇÕES ...................................................................................................... 109 FIGURA 4.1.2: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO ..................................................... 109, 110 FIGURA 4.12.2: CICLO DA MODELIZAÇÃO ....................................................................... 98 FIGURA 4.2.1: ANÁLISE DE SITUAÇÕES-PROBLEMA ................................................... 112 FIGURA 5.1.4.1: TIPOLOGIA DA ANÁLISE DE POLÍTICAS ............................................. 128

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FIGURA 5.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANÁLISE DE POLÍTICAS E SEUS NÍVEIS ....... 137 FIGURA 5.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS .......... 179 FIGURA 5.10.1.3: CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK” ..................... 181 FIGURA 5.2.2.1: VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO ................................. 142 FIGURA 5.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISÓRIO .............................................. 162 FIGURA 6.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO ............................................................... 91 FIGURA 6.11.1: MODELO 1 ................................................................................................ 92 FIGURA 6.11.2: MODELO 2 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.3: MODELO 3 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.4: MODELO 4 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.5: MODELO 5 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.6: MODELO 6 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.7: MODELO 7 ................................................................................................ 95 FIGURA 6.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAÇÃO ................................................................. 96 FIGURA 6.12.2: MODELIZAÇÃO DE POLÍTICAS ............................................................... 99 FIGURA 6.12.3: TRAJETÓRIA DE UM SISTEMA ................................................................ 99 FIGURA 6.13.1: VARIÁVEIS ESCOLHIDAS ...................................................................... 100 FIGURA 6.5.1: MODELIZAÇÃO ........................................................................................... 82 QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA ............................. 60 QUADRO 4.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO ........................................................................................................................................... 117 QUADRO 4.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES ...................................... 111 QUADRO 4.8.1: VIABILIZAÇÃO DE AÇÕES PLANEJADAS ............................................. 115 QUADRO 5.10.1.2: FUNÇÕES DA ANÁLISE DE POLÍTICAS ........................................... 180 QUADRO 5.10.2.1: VARIEDADES DE ANALISE DE POLÍTICA ....................................... 181 QUADRO 5.10.3.1: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........ 182 QUADRO 5.10.4.1: “GRADE PARA IDENTIFICAÇÃO” DE ORGANIZAÇÕES .................. 187 QUADRO 5.10.5.1: ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................... 188 QUADRO 5.4.4.1 ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO .............................................. 154 QUADRO 5.5.1: UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE.............. 158 QUADRO 5.7.2.1: TIPO 1 – ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO . 171 QUADRO 5.7.2.2: TIPO 2 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO BUROCRÁTICO ....... 171 QUADRO 5.7.2.3: TIPO 3 – ORGANIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL ........................................................................................................... 172 QUADRO 5.7.2.4: TIPO 4 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA ....................................................................................................................... 172

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INTRODUÇÃO

Apresentação do Curso

Este Curso foi concebido tendo por referência a constatação de que os gestores

públicos terão que seguir por muito tempo atuando no interior de um aparelho de “Estado

Herdado” que não se encontra preparado para atender as demandas que o estilo alternativo

de desenvolvimento mais justo, economicamente igualitário e ambientalmente sustentável

que a sociedade deseja. E que, ao mesmo tempo, terão que transformá-lo no sentido da

criação do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de atender

as demandas presentes, mas de fazer emergir e satisfazer novas demandas embutidas

nesse estilo alternativo1.

Por isso, e para que fiquem claras as razões que explicam as características que o

Curso possui, se irá mencionar em mais de uma oportunidade ao longo dos capítulos

iniciais deste texto vários dos aspectos envolvidos na transição do “Estado Herdado” para o

“Estado Necessário”2. De fato, há que ressaltar nossa opção de levar em conta esses

aspectos para a concepção deste Curso. E, também, que a realização de opções distintas

levaria, como é evidente, à elaboração de uma disciplina de Gestão Estratégica Pública

(GEP) com características distintas.

Há que ressaltar, adicionalmente, e de partida, que entendemos que ajustar o aparelho

de Estado visando a alterar a conformação das relações Estado-Sociedade, desde que

respeitando as regras democráticas, é um direito legítimo, uma necessidade, e um dever

colocados aos governos eleitos com o compromisso político de levar a cabo suas propostas.

1 O recurso que utilizamos para marcar a diferença entre a situação atual e a futura, desejada, de opor o “Estado Herdado” e a proposta de “Estado Necessário”, tem como inspiração o tratamento dado ao tema por Aguilar Villanueva (1996). Vários outros autores latino-americanos, entre os quais Atrio e Piccone (2008) e Paramio (2008) para citar apenas dois dos mais recentes, têm abordado, ainda que focalizando uma “cena de chegada” um tanto distinta, o processo de transição que nos preocupa. Com uma perspectiva ideológica bem mais próxima com a aqui adotada, cabe citar, também para ficarmos nos mais recentes, os trabalhos de O’Donnell (2007 e 2008), onde atualiza sua visão sobre o Estado latino-americano e indica novos rumos para o debate, de Thwaites Rey (2008), que apresenta uma análise inovadora sobre a intermediação que realiza o Estado na relação entre as classes dominantes latino-americanas e o cenário globalizado, e Brugué (2004) que provocativamente coloca como condição de transformação do Estado a promoção e um estilo de gestão baseado na “paciência” e na “feminilização”. 2 A maneira que adotamos para referir a uma configuração do Estado capitalista alternativa da atualmente existente, pela via de uma aderência e de uma condição de viabilização de um cenário normativo em construção no âmbito de um processo de radicalização da democracia, é distinta daquela proposta, por exemplo, por Guillermo O’Donnell. Num pronunciamento recente, este que é reconhecido como um dos mais agudos analistas latino-americanos das relações Estado-Sociedade se referiu a um Estado que apesar de abrigar bolsões autoritários, é capaz de impulsionar a expansão e consolidação das diversas cidadanias (civil, social e cultural, ademais da política já estabelecida num regime democrático) implicadas por uma democracia mais plena, e ir-se transformando, assim, num Estado democrático (O’DONNELL, 2008).

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Assumir explicitamente essa intenção, portanto, não diferencia o atual governo de outros

que ocuparam anteriormente o aparelho de Estado.

Não obstante, parte-se também da constatação de que a Reforma Gerencial do

Estado brasileiro inaugurada na década de 1990, dado o impulso que ganhou e os laços de

realimentação sistêmica que produziu, segue em curso. O que ocorre de modo lento e

desigual, em virtude da oposição, às vezes meramente corporativa, que vem sofrendo no

âmbito da sociedade e do próprio aparelho do Estado. E, de modo genérico, porque a

correlação de forças políticas impede que ela siga no ritmo pretendido pelos seus

partidários.

Há que reconhecer, ademais, que o fato da Reforma Gerencial continuar, ainda que de

forma fragmentada, na lista das mudanças que estão sendo realizadas no âmbito do

aparelho de Estado não deixa espaço para que as ações que conduziriam ao “Estado

Necessário” sejam hoje colocadas na agenda governamental com a centralidade que elas

merecem.

Em conseqüência, se está assistindo a um paradoxo, que é extensivo a outros países

latino-americanos, de governos de esquerda democraticamente eleitos não estarem sendo

capazes de fazer para avançar a democratização de seus respectivos países3.

O que se observa, então, freqüentemente, é a implementação de algo mais alinhado

com a Reforma Gerencial do que com a proposta do “Estado Necessário”. E isso apesar de

que parece ser este o modelo de Estado privilegiado pelo atual governo. Por encontrar-se

num nível claramente incipiente, o processo que irá possibilitar a transição do “Estado

Herdado” para o “Estado Necessário” não pode prescindir de conteúdos como os que este

curso pretende proporcionar aos gestores públicos. Os quais, é importante que se diga,

consideramos atores indispensáveis para que esse processo se efetive4.

3 Vários autores latino-americanos têm apontado que esses governos, embora estejam sancionando e respaldando a cidadania política, se estão omitindo ou se demonstrando incapazes de sancionar e respaldar direitos emergentes de outros aspectos da cidadania (O’DONNELL, 2008), e correndo o risco de sofrer uma derrota catastrófica por caírem da armadilha do "possibilismo" e do tecnicismo que conduz ao imobilismo (BORÓN, 2004). Coutinho (2007), assumindo uma postura ainda mais crítica e usando categorias gramscianas, considera que a época neoliberal que vivemos no Brasil não deveria ser considerada como uma “revolução passiva” e sim como uma “contra-reforma”. Apontando para o fato de personalidades dos partidos democráticos de oposição se estarem incorporando à “classe política” conservadora, hostil à intervenção das massas populares na vida estatal, ou de grupos radicais inteiros estarem passando ao campo moderado, ele faz referência ao conceito de transformismo: processo em que as classes dominantes buscam obter governabilidade em processos de transição “pelo alto” através da cooptação das lideranças políticas e culturais das classes subalternas diminuindo sua propensão à transformação social). 4 Parecem concordar com essa idéia, tanto pesquisadores latino-americanos orientados a formular recomendações para a capacitação de gestores públicos, como Ospina (2006) e Longo (2006), quanto outros, como Koldo Echebarría (2006), preocupados em comparar países latino-americanos em termos da relação entre o que denomina “configuração burocrática” e “efetividade do sistema democrático”. Também O’Donnell

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Este Curso é então entendido uma condição necessária, inclusive, para assegurar que

as mudanças que venham a ser realizadas o sejam de forma competente, criteriosa, sem

comprometer os êxitos anteriormente obtidos e com a máxima aderência aos consensos

que alcançou a sociedade brasileira de respeito à participação cidadã, democrática e

republicana de todos os seus integrantes5.

Seu objetivo, num plano mais específico é contribuir para que as atividades de gestão

pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado

brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da Gestão

Estratégica Pública (GEP). Entendido, este, vale repetir, como um dos instrumentos para

viabilizar a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”.

Ela trata de uma atividade que ainda não se encontra enraizada na gestão pública

brasileira e que teria que substituir outra, que aqui se denomina simplesmente planejamento

governamental para marcar alguns aspectos distintivos que evidenciam a utilização do

termo estratégico. Na sua dupla conotação de movimento que visa à solução de uma

situação que se configura como um problema para o ator que planeja em que ocorre um

enfrentamento com um adversário que também se move, inclusive em resposta às suas

ações. Aquelas ações que irão construir o cenário normativo; aquele cujo conteúdo

interessa ao ator que planeja. Estratégico, ademais, projeto ter seu foco nos projetos de

longo prazo de maturação, mais do que em simples manobras táticas (de curto prazo).

Essa diferença, além de outra que, por evidente, sequer iremos voltar a mencionar: a

que existe entre o planejamento estratégico corporativo ou empresarial, do qual

lamentavelmente se originam muitas das propostas que são “contrabandeadas” para o

território governamental. Essa diferença ficará clara à medida que os assuntos forem sendo

apresentados.

O Curso pode ser entendido como o resultado da convergência de dois enfoques

relacionados à gestão pública, ou mais especificamente ao processo de elaboração de

(2008) que considera os gestores públicos uma “âncora” indispensável dos direitos da cidadania e que ressalta que sem esta “ancoragem” um regime democrático simplesmente não existe, ou se converte numa caricatura em que se realizam eleições que não satisfazem requisitos mínimos de competitividade, equidade e institucionalização. E que afirma que sem eles os setores postergados e discriminados, que não têm possibilidade de “fugir” do Estado (Herdado) mediante a contratação de diversos serviços ou benefícios privados continuarão sendo excluídos. 5 Schmitter (2006) encontrou, a partir de uma análise transversal para mais de cem países, um índice de correlação significativamente alto (aproximadamente de 0,9) entre “grau de democracia de um país” e “capacidade de gestão do seu Estado”. Embora não seja possível afirmar que exista uma relação de causalidade em qualquer dos dois sentidos, a alta correlação já é suficiente para chamar a atenção para a necessidade de que mudanças na configuração do Estado acompanhem o ritmo do processo de democratização em curso no País.

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políticas públicas, que são visualizados como coerentes com o aquele conjunto de opções

que se realizou: a Análise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional. Na

realidade, ele é fruto de um processo que se inicia em meados da década de 1990, quando,

no âmbito de um projeto que visava à criação de uma Escola de Governo na Unicamp, se

iniciam as primeiras iniciativas de docência e pesquisa que resultaram na implantação do

Curso de Especialização em Gestão Estratégica Pública junto ao Grupo de Análise de

Políticas de Inovação (GAPI), em 2001, e do Programa de Gestão Estratégica Pública

ligado à Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários desta universidade.

Sobre as unidades que compõem o Curso

Para que o objetivo mais ambicioso expresso nos parágrafos iniciais ─ fazer com que

as atividades de gestão pública do Estado brasileiro passem a ser realizadas em

conformidade com os princípios da GEP de modo a contribuir para viabilizar a transição do

“Estado Herdado” para o “Estado Necessário” ─ é necessário tratar em separado cada um

dos elementos dessa declaração.

A longa trajetória que visa a concretizar esse objetivo se inicia com o primeiro capítulo

de “Conteúdos Introdutórios à Gestão Estratégica Pública”. Seu propósito central é

examinar o contexto sócio-político brasileiro em que se deve inserir a GEP, que se

caracteriza pelo processo em curso de construção do “Estado Necessário”, e o contexto

disciplinar da Administração Pública, uma vez que ambos, por se apresentarem como

adversos, devem estar sempre presentes na ação dos atores sociais interessados na

implantação da GEP no âmbito do Estado brasileiro.

O segundo capítulo ─ “A Gestão Estratégica Pública como convergência de enfoques”

─ possui um propósito semelhante. Isso porque é também importante para os alunos, uma

vez que se espera que eles venham a se constituir naqueles atores, terem presente as

opções que conduziram à proposta de GEP com as características que possui este Curso.

O capítulo apresenta, por isso, a Análise de Políticas, que surge nos países avançados, na

década de 1970, de uma confluência entre a Ciência Política e a Administração Pública, e o

Planejamento Estratégico Situacional que surge na América Latina na mesma época como

uma crítica ao planejamento convencional.

Explicadas as razões que levaram a proposta do Curso aqui apresentada e

estabelecidos os fundamentos teórico-metodológicos em que ela se apóia, os capítulos três,

quatro e cinco se concentram na apresentação das três metodologias cujo objetivo é a sua

operacionalização: a Metodologia de Diagnóstico de Situações, concentrada na construção

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do fluxograma explicativo de situações-problema; a Metodologia de Modelização, cujo

emprego, no âmbito da Gestão Estratégica Pública, se dá, fundamentalmente, para

proceder à análise de sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de

governo; e a Metodologia de Planejamento de Situações que, a partir deste fluxograma,

permite o detalhamento da matriz operacional (ações, atores, recursos, prazos etc.) e

completa o ciclo da GEP.

O sexto capítulo tem por finalidade apresentar a Metodologia de Análise de Políticas.

Essa metodologia é destacada devido à sua capacidade de enfocar a interface entre a

sociedade e o Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até

então fazia a Ciência Política. E também por enfocar a questão da elaboração dos planos e

da sua execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia

a Administração Pública. .

Finalmente, se apresenta as Considerações Finais que chamam a atenção para a

necessidade de capacitar o gestor público para levar a cabo as tarefas colocadas pela atual

conformação das relações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser construído. Ajustar o

aparelho de Estado visando a alterar essas relações Estado-Sociedade é um direito legítimo

de governos eleitos com o compromisso de levar a cabo suas propostas.

Instruções operacionais aos alunos do Curso

Metodologia de aprendizado

Parte-se da idéia de que, mais do que um certificado, é importante para alunos que

concluem um curso de pós-graduação como este produzir algo que represente o resultado

que alcançaram ao longo de seu processo de aprendizado e que possa ser apresentado e

utilizado em seu ambiente de trabalho.

Ademais, no caso de um curso cujo objetivo é fornecer elementos teórico-práticos

orientados a aumentar a capacidade de equipes para atuar em ambientes de governo de

um país periférico, onde é claramente deficitária a Gestão Estratégica Pública,

consideramos que esse instrumento deve satisfazer condições adicionais.

Acreditamos que ele deve ser um documento que registre de forma sistemática os

resultados parciais e final que forem sendo alcançados com vistas àquele objetivo. Se isso

ocorrer, os alunos estarão contribuindo com o esforço dos professores e ex-alunos do Curso

de aprimorar o processo de elaboração (formulação, implementação e avaliação) das

políticas públicas nacionais.

Page 11: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

6

Dada a natureza do Curso, consideramos que esse documento, que denominamos

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), deve ser elaborado por equipes de 3 a 4 alunos,

simulando as atividades que costumam ser realizadas em ambientes de gestão.

O TCC será elaborado paulatinamente em torno de uma situação-problema escolhida

e enunciada por cada equipe. Este enunciado, que servirá de base para o TCC, deverá

tomar como ponto de partida os problemas enfrentados pelos alunos em seu ambiente de

trabalho. O TCC será, então, elaborado mediante a aplicação dos conceitos, metodologias e

conteúdos apresentados ao longo do curso com vistas a “processar” a situação-problema.

A metodologia de aprendizado adotada no Curso está baseada na identificação e no

“processamento” de uma situação-problema e tem como elemento aglutinador a elaboração

do TCC. No que segue são apresentadas algumas características da metodologia de

aprendizado. Talvez o seu cabal entendimento só ocorra numa segunda leitura, após a

apresentação das metodologias de diagnóstico e planejamento de situações-problema;

respectivamente, Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) e Metodologia de

Planejamento de Situações (MPS).

A ênfase do TCC irá recair inicialmente sobre o “momento descritivo” da situação-

problema. E, em seguida, sobre o “momento explicativo”, dedicado a explicar como e por

que se chegou à situação-problema descrita. Esses dois primeiros momentos são tratados,

principalmente, com base na MDS. O terceiro momento ─ o “momento normativo” ─, que na

nossa metodologia de trabalho se segue aos dois anteriores, tem início com a apresentação

da MPS. Esse último momento tem por objetivo focalizar a transformação da situação-

problema mediante a aplicação dos instrumentos adquiridos durante o Curso, e de acordo

com sua visão de mundo, suas opções políticas, culturais, de gênero etc.

A elaboração do TCC supõe um esforço coletivo da equipe e, também, um esforço

individual, sem o qual o primeiro dificilmente terá êxito.

O esforço individual

O esforço individual se relaciona a uma tarefa que deve ser realizada por cada aluno.

Todos deverão entregar via Teleduc (ferramenta de ensino-aprendizagem à distância

desenvolvida pela Unicamp), até sete dias antes de cada Encontro (impreterivelmente),

suas Impressões de Leitura sobre o conteúdo da bibliografia para ela indicada. As

Impressões de Leitura não têm um modelo ou um tamanho rígido. Em cerca de 6 mil

caracteres e incorporando em um documento único todos os textos utilizados em cada

encontro, elas deverão sintetizar as reflexões do aluno acerca do conteúdo à luz de sua

Page 12: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

7

formação, experiência profissional e convicções. Em outras palavras, as impressões de

leitura devem ser redigidas com base em duas questões: 1) o posicionamento crítico do

aluno com relação às propostas e argumentos dos textos; e 2) sua relação com o seu

ambiente de trabalho no setor público. Elas serão comentadas e devolvidas aos alunos até

24 horas antes do início do Encontro correspondente. A avaliação individual de cada aluno

levará em conta as suas Impressões de Leitura. Atrasos na entrega serão penalizados da

seguinte forma: 20% de desconto do peso máximo para até uma semana de atraso e 40%

de uma a duas semanas. Impressões de leitura enviadas com três ou mais semanas de

atraso não terão mais valor para a avaliação. Mas além de ser um mecanismo de avaliação

as impressões de leitura são atividades importantes para a elaboração do TCC. Boas

impressões de leitura auxiliam na sua confecção. Os Encontros serão desenvolvidos tendo

como referência as Impressões de Leitura preparadas pelos alunos. De maneira a evitar

uma relação unidirecional pouco produtiva, sobretudo em cursos de pós-graduação como

este, as exposições do professor devem ser limitadas. Deverá ser privilegiada uma

discussão que contemple os pontos de interesse (dúvidas, críticas, complementação em

função de outras leituras e de experiências pessoais etc.) dos alunos.

A bibliografia e o ordenamento dos assuntos

A bibliografia foi escolhida em função das opções metodológicas e programáticas do

Curso. Deu-se preferência a autores brasileiros e de outros países latino-americanos,

mesmo quando o assunto tratado se refere à realidade de outras regiões ou quando o

conteúdo versa sobre contribuições originalmente propostas por autores estrangeiros. Isso

porque se considerou que a perspectiva de análise daqueles autores tende a ser mais

adequada para a compreensão de nossa realidade e mais pertinente aos objetivos do

Curso. E também porque o esforço realizado por vários dos autores, de proporcionar uma

perspectiva comparada entre os vários países da região e destes com os países de

capitalismo avançado, é útil para a melhoria da Gestão Pública brasileira. Foram também

selecionados trabalhos de estrangeiros com familiaridade com a realidade de América

Latina.

A opção de basear a metodologia de aprendizado na leitura de artigos recentemente

publicados em revistas especializadas se deve à intenção de simular, ao longo do Curso, o

trabalho que os gestores devem se acostumar a realizar quando da pesquisa sobre um

assunto pertinente às suas preocupações. Isso envolve uma familiarização com os

diferentes tipos de linguagem utilizados, as fontes de referência mais importantes, a

Page 13: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

8

bibliografia nacional e estrangeira de natureza seminal ou considerada mais pertinente, as

técnicas de leitura e interpretação de texto etc. Envolve, também, a percepção de como

pesquisadores contemporâneos debatem, atualizando ou aprimorando as contribuições de

seus predecessores.

Na escolha da bibliografia buscou-se associar o tema de cada Encontro e Sessão a

uma ou mais referências que dele tratassem de forma específica e exclusiva. O que não é,

evidentemente, exeqüível. Faz parte da boa prática acadêmica que pesquisadores, ao

focalizar um assunto, abordem outros que estão à montante ou que são influenciados por

ele. Embora em alguns poucos casos se tenha “mutilado” um trabalho recomendando a

leitura de só uma de suas partes, ou “esquartejado”, sugerindo a leitura de uma delas para

uma sessão e outra para outra, se preferiu evitar este procedimento. Isso porque pareceu

importante que os alunos percebessem a maneira particular como o autor interpreta as

situações que analisa e as contribuições de seus antecessores. Caso o aluno tenha

interesse por bibliografia complementar sugerimos a leitura das referências indicadas nos

textos da bibliografia obrigatória.

Quando, em sala de aula, o professor comentar o conteúdo da bibliografia, será

privilegiada a apresentação das idéias dos autores e a crítica interna aos seus argumentos.

Só depois disso, será formulada uma crítica externa buscando contrastar essas idéias e

argumentos com a de outros autores lidos pelos alunos.

O ordenamento dos assuntos visou encadeá-los tratando em cada sessão um assunto

que “respondesse” a outro abordado na anterior e “perguntasse” algo a ser abordado na

seguinte, a partir da leitura da bibliografia correspondente. E, também, é claro, materializar

intenção de respeitar o preceito pedagógico de tratar assuntos numa ordem que propicie ao

aluno um envolvimento com eles crescente e adequado ao seu interesse.

No que se refere às metodologias ─ MDS, Modelização e MPS ─ o ordenamento deu-

se em virtude da precedência das primeiras em relação à terceira. No que se refere à

Metodologia de Análise de Políticas sua posição no Programa se deve ao fato de que

àquela altura do Curso os alunos já terão elementos suficientes para a sua aplicação.

O esforço coletivo

O esforço coletivo se relaciona à elaboração em equipe do TCC. Ele se inicia no

primeiro Encontro com a formação de oito equipes (duas de 3 integrantes e seis de 4

integrantes) que se constituirão em torno das situações-problema identificados. Até 48

horas antes do segundo Encontro (e até o quarto), cada equipe entregará o fluxograma

Page 14: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

9

resultante da aplicação da MDS sobre a “sua” situação-problema para serem comentadas

visando a sua adequação ao formato pretendido. Sempre com a mesma antecedência, a

cada Encontro, cada equipe apresentará via Teleduc o resultado de seu trabalho no período

que se iniciou com o Encontro anterior; em especial o relacionado à bibliografia sugerida

para o Encontro correspondente.

A idéia é que cada equipe registre o modo como a bibliografia contribui para

enriquecer o diagnóstico da situação-problema com a qual está trabalhando (o que

reputamos como um insumo essencial para o trabalho coletivo de elaboração do TCC).

Após da apresentação da MDS, a partir do segundo e até o nono Encontro, logo no

início da sessão de sexta-feira, duas das oito equipes apresentarão o andamento de seu

trabalho em até 20 minutos (seguidos de até 15 minutos de discussão). Isso permitirá que

cada equipe apresente duas vezes o andamento de seu trabalho ao longo do curso e que

receba os comentários, críticas e sugestões dos demais participantes.

No quinto Encontro será apresentada a MPS e a partir de então as equipes

trabalharão visando a sua aplicação à “sua” situação-problema já previamente processada

com a MDS.

A partir do sexto Encontro, e seguindo o mesmo procedimento anterior, cada equipe

entregará o resultado de seu trabalho de incorporar, ao produto da aplicação da MPS, os

assuntos relacionados à bibliografia sugerida para a sessão correspondente. Assim, as

opiniões de cada integrante da equipe, independentemente de terem sido registradas nas

correspondentes Impressões de Leitura, serão incorporadas ao TCC.

Também a partir do sexto Encontro, logo no início da sessão de sexta-feira, duas das

oito equipes apresentarão o andamento de seu trabalho em até 20 minutos (seguidos de até

15 minutos de discussão).

Avaliação

A avaliação dos alunos contemplará tanto o esforço individual quanto o esforço

coletivo. Para a avaliação final o esforço individual (Impressões de Leitura) tem um peso de

60% e o esforço coletivo (TCC) um peso de 40%.

Sobre o Trabalho de Conclusão de Curso

Coerentemente com o acima indicado, esta seção detalha as características do TCC

deste módulo de 120h e de seu processo de elaboração.

Page 15: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

10

Devido à importância do TCC, consideramos que o processo de sua elaboração deve

receber atenção prioritária por parte de todos os envolvidos com o Curso (alunos e

professores) devendo as demais atividades (aulas presenciais e leituras) ser concebidas de

maneira a subsidiar este processo.

Características esperadas do TCC

Deverá ser evitada, na concepção do TCC, uma ênfase excessiva na apresentação e

descrição de propostas, atividades, programas, processos de formulação, implementação e

avaliação, aspectos institucionais, resultados já obtidos etc., relativos à situação-problema

escolhida.

A originalidade do enfoque de gestão estratégica pública adotado neste Curso, em

particular a combinação concebida entre os instrumentos de Modelização, Análise de

Políticas e Planejamento Estratégico Situacional, demanda uma cuidadosa elaboração do

TCC. Ela deverá estar apoiada nas atividades a seguir indicadas que, sem serem todas

obrigatórias, servirão de balizamento para tanto. As reações das equipes a elas e a sua

eventual realização deverá ser sistematicamente registrada, de modo a permitir uma boa

organização do trabalho e o encadeamento seqüencial dos resultados parciais obtidos.

Roteiro

São propostos dois blocos de procedimentos para a elaboração do TCC:

O primeiro bloco ─ Procedimentos Básicos ─ pode ser entendido como algo

“obrigatório” ou essencial para a elaboração de um bom TCC.

O segundo ─ Procedimentos de Aprofundamento ─ apresenta sugestões para que as

equipes possam aprofundar seu trabalho e deverá ser utilizado a partir das especificidades

de cada situação-problema escolhida.

1) Procedimentos Básicos

Os procedimentos para a elaboração do TCC envolvem, necessariamente, as

atividades apresentadas abaixo:

i) Identificar uma situação-problema relevante para o trabalho cotidiano de uma equipe

de gestão.

ii) Realizar um diagnóstico da situação-problema que merece o envolvimento da

equipe como “ator que declara” e como ator disposto a atuar. A aplicação da Metodologia de

Diagnóstico de Situações (MDS) é o primeiro marco do processo de elaboração do TCC,

uma vez que permite a obtenção de uma clara identificação das variáveis e relações de

Page 16: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

11

causalidade que compõem a modelização do sistema sobre o qual se desenvolverá o

trabalho até o final do Curso.

iii) Elaborar uma lista preliminar dos indicadores disponíveis acerca da situação-

problema aparentemente adequados para o seu processamento.

iv) Identificar os atores sociais pertinentes ao âmbito da situação-problema e descrever

a forma como atuam no sentido de mantê-la ou alterá-la.

v) Descrever o processo decisório mediante o qual a situação-problema foi gerada e

pode ser explicada e identificar os atores mais significativos.

vi) Analisar os processos de definição e priorização de assuntos que integram a

agenda pública (ou sistêmica).

vi) Identificar o processo de conformação da agenda decisória (ou política)

protagonizado pelos atores com maior poder e pelo governo (agenda governamental)

indicando eventuais conflitos abertos, encobertos e latentes que podem ser associados a

ela e a conveniência da transformação destes em conflitos abertos.

viii) Apontar os descritores de Situação-Objetivo (ou Resultados esperados) com a

resolução ou a superação da situação-problema escolhida.

ix) Descrever as restrições identificadas no balanço expresso no Triângulo de Governo

relacionando a ambição de mudança do projeto político do “ator que declara” à

disponibilidade de apoio político e de capacidade de governo.

x) Revisar a lista de indicadores da situação-problema de modo a eliminar os

desnecessários ou inadequados e incorporar os que decorrem das análises realizadas.

2) Procedimentos de aprofundamento

Sugere-se que, além de realizar as tarefas listadas acima, os grupos atendam às

seguintes recomendações:

i) Tendo como referência a situação-problema escolhida, avaliar as dificuldades

enfrentadas pelo governante em fazer cumprir a agenda governamental (aquela que decorre

de seu plano de governo) e dos demais compromissos em relação às praticas de governo

adotadas.

ii) Tendo em vista a situação-problema estudada, relacionar as escolhas da equipe

com a idéia de que a expressão: “o Estado (ou governo) não funciona”, tende a obscurecer

o fato de que sua racionalidade e funcionalidade correspondem a um dado balanço de

poder político e econômico e que esse mau-funcionamento favorece certos segmentos

sociais. Quais os beneficiários e eventuais perdedores do “mau-funcionamento” do Estado?

Page 17: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

12

iii) Identificar características da situação-problema que podem ser associadas aos

elementos presentes na implantação do modelo de Reforma do Estado Gerencial em curso

(processos de privatização e terceirização; transferência de funções/recursos do nível

federal para o municipal; diminuição da capacidade de regulação, planejamento e gestão;

desmobilização dos funcionários etc.).

iv) Identificar, nas instituições, equipes e atores envolvidos com o assunto as

dificuldades e deficiências relacionadas ao modo de funcionamento da “máquina pública”.

v) Indicar operações capazes de buscar equacionamento ou alterar a situação-

problema propiciando um aumento da governabilidade e de objetivos colaterais, como a

elevação do grau de participação popular etc.

Conteúdo programático

A tabela apresentada a seguir proporciona uma idéia geral do desenvolvimento do

Curso, composto por dez Encontros Semanais, cada um com três sessões de quatro horas,

num total de 120 horas-aula. Ali se indica, para cada sessão, o assunto tratado e a

bibliografia cuja leitura deverá ser realizada com anterioridade à sessão.

Observe que apenas quando necessário se indica a data de publicação. Veja na seção

seguinte ─ Bibliografia ─ a indicação bibliográfica completa. Em alguns casos, os trabalhos

sugeridos não tratam especificamente do tema das sessões e por esta razão aparece um

intervalo de páginas que são as que deverão ser lidas para a sessão correspondente.

Page 18: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

13

Enc. Assunto da

Sessão Objetivo (compreender/entender...) Bibliografia

sex M

Apresentação do Curso

Uma visão preliminar de conjunto sobre o enfoque estratégico da Gestão Pública como uma alavanca de transformação do “Estado Herdado” em

direção ao “Estado Necessário”

Dagnino (2009:

Introdução e cap I e II)

1 sex T

O Global e o Local

A atual crise como manifestação das contradições do capitalismo à escala mundial; a Bahia de uma perspectiva exógena

Boaventura, Gonçalo

sáb Metodologia de Diagnóstico de

Situações

Apresentação da MDS visando à concepção preliminar do modelo da situação-problema que será enriquecido ao longo do Curso através das

leituras e discussões

Dagnino (2009:

cap.III e IV)

sex M

Sobre os Governos de Esquerda na

América Latina

Caracterização da conjuntura que vivem os governos latino-americanos como um momento da trajetória da esquerda

Fiori

2 sex T

Análise sobre a Conjuntura

Análises críticas sobre o desempenho dos governos de esquerda (revolução passiva ou contra-reforma? e o “possibilismo”)

Borón, Coutinho, Oliveira

sáb Metodologia de

Modelização

Pensamento complexo, sistemas e modelização; a Gestão Estratégica Pública e sua interface com a sociedade como um sistema complexo;

modelização de sistemas (situações-problema)

Dagnino (2009: cap.

III)

sex M

O Estado na América Latina Contemporânea

Oito proposições e dez teses sobre o Estado latino-americano contemporâneo

O´Donnell (2007)

3 sex T

Caráter do Estado

Capitalista

O Estado como “garantidor” das relações de produção capitalistas (organização, exterioridade, racionalidade limitada e contradição)

O’Donnel (1981 p. I)

sáb Cidadania,

Nação e Povo

O papel das três mediações entre o Estado-Sociedade (a cidadania como fundamento, a nação como referencial e o povo como fundamento e

referencial ambíguo do Estado) para o movimento do capital e as suas relações

O’Donnel (1981 p. II)

sex M

As relações Estado-

Sociedade no Capitalismo

A tripla relação Estado-Sociedade (a funcional ou da divisão social do trabalho, a material ou da distribuição do excedente social, e a da dominação

ou da correlação de poder) e a conformação da agenda

Oszlak (1997)

4 sex T

Trajetória da relação Estado-Sociedade no

Brasil

A evolução do Estado brasileiro e da Gestão Pública à luz das particularidades (patrimonialismo e outros “ismos”) e do caráter das relações Estado-Sociedade referentes à trajetória sócio-política e econômica do País

até o surgimento do neoliberalismo

Tenório e Saravia

{107-122}, Costa {140-

155}

sáb

O Estado Brasileiro e as

Políticas Sociais

Como se materializam, no caso brasileiro, as características do Estado capitalista tendo como referência as políticas sociais; a relação público-

privado e as políticas sociais Faleiros

sex M

Antecedentes da Reforma Neoliberal

O pensamento neoliberal como uma reação ao movimento dos trabalhadores e pelo socialismo e um ataque ao Estado de Bem-estar tendo como foco a

“questão social” Fonseca

5 sex T

A Proposta do Estado

Gerencial

A proposta (Gerencial) de Reforma do Estado segundo o seu personagem principal (postura de crítica “interna”)

Bresser

sáb Críticas à

Reforma do Neoliberalismo

O conceito de governança da Reforma Gerencial; por que não se aplicam as suposições da Reforma Gerencial (um teste empírico numa postura de crítica

“interna”) Schmitter

sex M

Críticas à Reforma Gerencial Brasileira

Críticas pontuais à Reforma Gerencial brasileira e proposições relativas à gestão social

Tenório e Saravia

{122-130}, Costa {133-

140}

6 sex T

As Políticas Sociais no pós-neoliberalismo

Como vem sendo enfrentada a “questão social”? a nova geração de políticas sociais latino-americanas

Kliksberg (2006), Diniz

sab Metodologia de Planejamento de Situações

Apresentação da MPS visando à proposição preliminar de ações, identificação de atores, definição de prazos, responsáveis, etc. a partir do

modelo da situação-problema concebido no início do Curso

Dagnino (2009: cap

V)

sex M

Metodologia de Análise de

Políticas - visão panorâmica

Metodologia de Análise de Políticas: conceitos, momentos e modelos Ham e Hill

7 sex T

Metodologia de Análise de Políticas -

roteiro

Roteiro para a realização de Análise de Políticas; a análise das agendas pública, decisória e governamental; a agenda decisória como Estado em

processo

Dagnino (2009: cap

VI)

sáb Metodologia de

Análise de Diferenças entre Avaliação e Análise de Políticas; tendência ao

tecnocratismo versus politização da política pública; por que ao gestor não Cavalcanti e

Dagnino

Page 19: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

14

Políticas - o Gestor e o

Analista

basta ser um avaliador? por que ele tem que ser um analista de políticas?

sex M

Burocratas e o Estado

Modelos de prática administrativa, tipologia das burocracias latino-americanas; os burocratas e o desenvolvimento brasileiro

Koldo Echebarría,

Rua e Aguiar

8 sex T

Capacitação do Funcionalismo

e Mudança Social

A institucionalização da direção pública profissional Ospina, Longo, Pullido

sáb

Características da Gestão

Pública Latino-americana

Especificidades da Gestão Pública latino-americana (insularidade, hibridismo, etc.)

Waissbluth (2003), Evans

sex M

Propostas para a Gestão

Pública Latino-americana

Indicações para mudança; recomendações aos dirigentes sobre o quê fazer e o quê não fazer.

Waissbluth (2002)

9 sex T

Experiências de Democracia Participativa

Dilemas e dificuldades da gestão participativa em diferentes níveis da estrutura administrativa (experiências latino-americanas de orçamento

participativo e Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social brasileiro)

Kliksberg (2005),

Cunil Grau, Goldfrank

sáb

O “Técnico” e o “Político”:

Combinar ou Fundir?

É possível uma combinação entre o “técnico” e o “político” na transição para o “Estado Necessário”

Brugué

sex M

O Estado e os Desafios da Democracia

Uma tentativa de síntese dos desafios atuais da Gestão Pública latino-americana apontando as várias “caras” com que ela se apresenta aos

diferentes atores sociais

O’Donnel (2008)

10 sex T

E depois do Estado

Neoliberal? Uma proposta heterodoxa para a Gestão Pública

Thwaites Rey

sáb Encerramento

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Page 23: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

18

CAPÍTULO I: CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS À GESTÃO ESTRATÉGICA

PÚBLICA

1. Introdução

Embora com um título que pode dar a impressão de que seu objetivo é tão-

somente introduzir o tema e que por isso não merece ser entendido como um

assunto importante para a formação do aluno, este capítulo é, de fato, uma das

unidades do Curso. Tal como o capítulo seguinte, ele é essencial para a

compreensão dos que o seguem, orientados à exposição das metodologias mais

utilizadas na GEP.

O Capítulo se inicia com um breve histórico do planejamento de modo a

explicitar algumas características do contexto sócio-político em que se verificam as

relações Estado-Sociedade no capitalismo periférico. Em conjunto com as demais

seções, ele permite ressaltar o ambiente adverso no qual se pretende que a GEP

seja implantado.

1.1. Um breve histórico do planejamento

Embora o planejamento possa ser considerado como uma extensão do

pensamento marxista, na medida em que estava nele implícita a possibilidade de

conferir ao Estado herdado do capitalismo um papel destacado na organização das

tarefas associadas à transição ao socialismo, foi somente no período da Nova

Política Econômica, já no início dos anos de 1920, que o planejamento se integra ao

arsenal do Estado soviético.

O planejamento ─ com a conotação que é a aqui adotada e que se refere ao

âmbito nacional, global ─ passa a ser entendido, então, como uma possibilidade de

superar as relações sociais e técnicas de produção capitalistas. E, assim, substituir

o mercado como ente regulador e alocador de recursos. Inspirado na experiência do

exército revolucionário advinda da luta contra a burguesia e contra os inimigos

externos, e apoiado pelos estudos sobre o que viria a constituir a metodologia de

balanço intersetorial (matriz de insumo-produto), o planejamento logo se afirmou

como instrumento de organização da economia socialista.

A potencialidade que ele apresentava em termos de prospectiva, simulação e

organização para a consecução das metas econômico-produtivas permitiu que em

Page 24: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

19

menos de um qüinqüênio fosse possível atingir os níveis de produção agrícola e

industrial vigentes antes da destruição causada pela guerra, pela revolução e pela

sabotagem contra-revolucionaria.

A rápida industrialização e o crescimento da produção agrícola da URSS

permitiram que ela despontasse como uma aliada essencial para a vitória sobre o

nazismo e, já num contexto de Guerra Fria, o planejamento passou a gerar efeitos

sócio-econômicos positivos nos demais países do bloco socialista.

No âmbito dos países capitalistas, e buscando uma emulação da experiência

soviética, um planejamento de tipo socialista foi adotado por um curto período na

França da Frente Popular em meados dos anos de 1930.

De fato, nos países capitalistas, foi só em situações onde era necessária uma

intensa mobilização econômica que os dirigentes preferiram a racionalidade do

planejamento à capacidade do mercado de otimizar a alocação de recursos. Isso

ocorreu primeiro na Alemanha nazista, no período de preparação do esforço de

guerra que antecedeu o conflito, estendendo para a economia como um todo os

métodos desenvolvidos no âmbito militar.

Assim, embora sem que se possa caracterizar propriamente como

planejamento na acepção que o termo viria a ter posteriormente, as iniciativas

implementadas durante o esforço de guerra e nos processos de reconstrução

Européia no imediato pós-guerra se utilizaram de métodos que se aproximavam

daqueles usados no campo socialista.

Parece que o sucesso dessas iniciativas foi um elemento importante para que

a idéia do planejamento se fortalecesse na América Latina. Experiências anteriores,

como as que ocorreram no início da década de quarenta no Brasil, ganharam

impulso, estimuladas no pós-guerra pela Organização das Nações Unidas (em

especial da Comissão Econômica para a América Latina e o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento).

No plano teórico, esse processo levou a importantes contribuições amparadas

num amplo espectro ideológico que ia desde o materialismo histórico até o

pensamento conservador, passando pela visão keynesiana. No plano das ações de

governo, surgiram no Brasil, a partir dos anos cinqüenta, sucessivas experiências de

planejamento no âmbito federal. Algumas das quais, como a do Plano de Metas

Page 25: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

20

(1956-1961) do governo de Juscelino Kubitschek, bastante bem sucedidas a julgar

pelos resultados que obtiveram.

A experiência brasileira de planejamento se aprofunda durante o período

militar. Sucessivos planos são formulados e implementados a partir de 1964

seguindo o estilo autoritário, centralizador e economicamente concentrador que

caracterizou os governos militares. Seu projeto de Brasil-grande-potência

demandava uma mobilização que, ainda que em menor grau do que havia ocorrido

no âmbito dos países avançados, demandava um significativo esforço de

planejamento.

No início dos anos setenta, a implantação de um Sistema de Planejamento

Federal, deu origem a três edições do Plano Nacional de Desenvolvimento. O último

deles, com um período de execução que coincidiu com a perda de legitimidade da

ditadura militar que antecedeu a abertura e a redemocratização do País, terminou

por explicitar o caráter demagógico e manipulador que envolveu a experiência de

planejamento dos militares.

Com o governo civil da Nova República, iniciado em 1985, é tentado sem muito

sucesso retomar iniciativas de planejamento que fossem mais além do plano

setorial. A partir do governo Collor, com a adoção da orientação neoliberal,

iniciativas de planejamento no sentido estrito do termo, sobretudo as que visavam o

âmbito nacional, global, passam a ser cada vez mais escassas.

1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica

Pública

Esta seção, assim como as duas que seguem, tem por objetivo precisar o

contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso ─ contribuir para que as

atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias

governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em

conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer.

Nesse sentido, há que esclarecer nossa opinião, já esboçada ao longo da

retrospectiva realizada na seção anterior, de que o contexto brasileiro atual é

adverso à adoção da Gestão Estratégica Pública como um instrumento de gestão

pública. As atividades a ele correspondentes terão que se desenvolver no interior de

um aparelho de “Estado Herdado”, não preparado para atender as demandas que a

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sociedade hoje lhe coloca. E, ao mesmo tempo, deverão atuar no sentido de

transformá-lo no sentido da criação do “Estado Necessário”, entendido como um

Estado capaz não apenas de atendê-las, mas de fazer emergir e satisfazer as

demandas da maioria da população.

Para introduzir o tema central desta seção vamos colocar uma pergunta que

possui como resposta, justamente, o porquê da existência de uma disciplina de GEP

num Curso de Especialização que deve ter como compromisso capacitação de

gestores públicos para promover a construção do “Estado Necessário”. Um Estado

que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria da população e

projetar o País numa rota que leve a estágios civilizatórios sempre superiores?

A resposta a esta pergunta será formulada em duas etapas. Primeiramente

serão identificadas as características do “Estado Herdado”. Do processo de sua

constituição, em particular do seu crescimento durante o período autoritário6 que

sucedeu ao nacional-desenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento pelo

neoliberalismo7. Em segundo lugar, serão fornecidos elementos que levam à

constatação de que este Estado que herdamos é duplamente incompatível com a

proposta de mudança que a sociedade brasileira deseja: sua forma não

corresponde ao conteúdo para onde deve apontar sua ação. De um lado porque, a

forma como se relaciona com a sociedade, impede que ele formule e implemente

políticas públicas com um conteúdo que contribua para alavancar essa proposta. De

outro porque o modo como se processa a ação de governo na sua relação com o

Estado existente, determinado pelos contornos de seu aparelho institucional, é

irreconciliável com as premissas de participação, transparência e efetividade dessa

proposta.

6 Guillermo O’Donnell, pesquisando sobre as particularidades de um tipo específico de Estado capitalista, o Estado burocrático autoritário latino-americano (O’DONNEL, 1981), é provavelmente o pesquisador que mais tem contribuído para o entendimento desse primeiro componente da matriz que conforma o que chamamos “Estado Herdado”, que provém do período militar. Sua expressão “corporativismo bifronte”, que seria a combinação de uma face “estatista” que teria levado à “conquista” do Estado e à subordinação da sociedade civil com outra “privatista” que o teria colocado a serviço de setores dominantes suas áreas institucionais próprias é especialmente elucidativa (O’DONNELL,1976:3). 7 Entre os muitos trabalhos que conceituam o neoliberalismo e que nos autorizam a caracterizar a Reforma Gerencial que caracteriza o segundo componente que conforma o que chamamos “Estado Herdado” como neoliberal, recomendamos pela sua clareza e facilidade de entendimento a excelente resenha feita por Diniz (2007).

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1.3. As características do “Estado Herdado”

Mais além das preferências ideológicas, a combinação que o País herdou do

período militar (1964-1985), de um Estado que combinava autoritarismo com

clientelismo8, hipertrofia com opacidade, insulamento com intervencionismo,

deficitarismo com megalomania não atendiam ao projeto das coalizões de direita ou

de esquerda que, a partir da redemocratização que se inicia em meados dos anos

de 1989, o poderiam suceder.

É um princípio básico da ação humana, da atuação das organizações, e

também da GEP, o fato de que todas as decisões têm um custo de operação e que,

se equivocadas, demandam a absorção de custos de oportunidade econômicos e

políticos.

O Estado legado por mais de 20 anos de autoritarismo não contemplava os

recursos como escassos. Os econômicos podiam ser financiados - interna ou

externamente - com aumento da dívida imposta à população, os políticos eram

virtualmente inesgotáveis, uma vez que seu aparato repressivo a serviço do regime

militar sufocava qualquer oposição.

A reforma gerencial desse Estado9, que pregava a doutrina neoliberal e que

empreenderam os governos civis que sucederam à débâcle do militarismo, não

encontrou muitos opositores. Para a direita, questão era inequívoca. Não havia

porque defender um Estado que ela considerava super-interventor, proprietário,

deficitário, “paquidérmico”, e que, ademais, se tornava crescentemente anacrônico

na cena internacional. Na verdade, já há muito, desde o momento em que, no

cumprimento de sua função de garantir a ordem capitalista, ele havia sufocado as

forças progressistas e assegurado as condições para a acumulação de capital, ele

se tornara disfuncional.

Para a esquerda, que havia participado no fortalecimento do Estado do

nacional-desenvolvimentismo, a questão era bem mais complicada. Ela o entendia

8 8 Para uma análise detalhada deste e de outros “ismos” que caracterizam o “Estado Herdado” (patrimonialismo, mandonismo, personalismo, formalismo) ver Costa (2006). Reconhecendo a existência de características semelhantes da relação Estado-Sociedade em outros países latino-americanos, Fragoso (2008) mostra como se manifestam trajetórias distintas entre eles no que diz respeito ao desenvolvimento do que ele denomina “nova gerência pública”. 9 O mais conhecido expoente da proposta de Reforma Gerencial do Estado brasileiro é Luis Carlos Bresser Pereira. Entre vários outros trabalhos de sua autoria, em Bresser Pereira (1998) são apresentadas as principais características da Reforma Gerencial. Seu documento oficial (Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado, 1995), que pautou as iniciativas governamentais neste sentido é uma transposição de suas idéias para uma linguagem não-acadêmica.

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como um baluarte contra o que denominava a dominação imperialista e como uma

espécie de sucedâneo de uma burguesia incapaz, por estar já aliada com o capital

internacional, de levar a cabo sua missão histórica de promover uma revolução

democrático-burguesa. De fato, mesmo no auge do autoritarismo, o crescimento do

Estado era visto pela esquerda como um “mal menor”: ao mesmo tempo em que

denunciava o caráter de classe, repressivo e reprodutor da desigualdade social do

Estado brasileiro, ela via este crescimento como necessário para viabilizar seu

projeto de longo prazo de reconstrução nacional. E, também, para sentar as bases

do que seria o Estado forte capaz de planejar e viabilizar a transição ao socialismo

segundo o modelo soviético ainda vigente.

A questão dividiu a esquerda. De um lado os que, frente à ameaça de um

futuro incerto defendiam intuitivamente o passado, e os que, defendendo interesses

corporativos mal-entendendo os conceitos de Estado, nação e autonomia nacional,

defendiam ardorosamente o Estado que herdáramos. De outro os que, por entender

que a construção do “Estado Necessário” iria demandar algumas das providências

que estavam sendo tomadas e que o fortalecimento de uma alternativa democrática

e popular ao neoliberalismo não privilegiava a questão, defendiam o controle da

sociedade sobre o processo de privatização.

1.4. A democratização política e o “Estado Necessário”

Com o final do regime militar, o Brasil inicia um processo de democratização

política que tende a possibilitar um aumento da capacidade dos segmentos

marginalizados de veicular seus interesses levando à expressão de uma demanda

crescente por direitos de cidadania.

Na medida em que este processo avançar, aumentará ainda mais a

capacidade dos segmentos marginalizados de veicularem seus interesses e

necessidades não atendidas por bens e serviços ─ alimentação, transporte,

moradia, saúde, educação, comunicação etc. ─ e, com isto, a demanda por políticas

públicas capazes de promover seu atendimento. É o que tem sido chamado de

cenário tendencial da democratização.

Para satisfazer essas necessidades sociais com eficiência, e no volume que

temos em países como o Brasil, será necessário “duplicar o tamanho” dessas

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políticas para incorporar os 50% desatendido da população. Tarefa que, por si só, já

evidência a importância da GEP.

Se não for possível promover um processo de transformação do “Estado

Herdado” em direção ao “Estado Necessário”10 que permita satisfazer necessidades

sociais represadas ao longo de tanto tempo o processo de democratização pode

ver-se dificultado e até abortado, com enorme esterilização de energia social e

política.

É claro que para satisfazer aquelas demandas, o ingrediente fundamental, que

não depende diretamente do Estado, é uma ampla conscientização e mobilização

políticas que, se espera, ocorra sem um custo social maior do que o que esta

sociedade vem pagando.

O fato de que parece necessário que o Estado faça a "sua parte" é uma das

motivações deste Curso. Isto é, aumentar as chances de êxito do trabalho que deve

ser desenvolvido na "frente interna" de gerar as condições cognitivas necessárias

para a transformação do Estado. A qual está sendo impulsionada na "frente externa"

do contexto social e político, pelos segmentos da sociedade identificados com o

estilo alternativo de desenvolvimento que se desenha para o futuro.

É verdade que a correlação de forças políticas, que sanciona uma brutal e até

agora crescente concentração de poder econômico, muito pouco espaço deixa para

que uma ação interna ao Estado possa alterar a situação de miséria em que se

encontra a maioria da população.

Há que entender a esse respeito que a configuração que hoje possui o Estado

brasileiro ─ o “Estado Herdado” ─ é uma conseqüência da concentração de poder

econômico e político que temos no País que foi estabelecendo um tipo particular de

relação Estado-Sociedade. Ela se revela na coexistência, no âmbito das políticas

públicas que implementa o Estado, de dois espaços distintos. Um, que serve à

classe proprietária, à criação da infraestrutura econômico-produtiva e à

coordenação econômica, que são relativamente preservados e insulados do

clientelismo e que seguem um padrão de eficiência e eficácia11 semelhante àquele

10 Muitas contribuições, a partir de uma crítica à Reforma Gerencial, têm apresentado elementos do que aqui enfeixamos na proposta de “Estado Necessário”. Entre as mais recentes, podemos citar Tenório e Saravia (2006), Thwaites Rey (2008), Costa (2006). 11 O’Donnell (2004) formula um esquema para entender e avaliar o Estado baseado em quatro dimensões. A da eficácia do conjunto de burocracias que o compõem; da efetividade do seu sistema legal; da credibilidade que granjeia como realizador do bem comum da nação, ou do povo; e da

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que vigora no Estado de bem-estar dos países avançados. Outro, que abrange os

órgãos pertencentes aos ministérios sociais que servem às classes subalternas, que

são objeto de repartição política entre os partidos que apóiam o governo e em que é

usual a prática do clientelismo, onde aquele padrão se situa muito abaixo daquele

que exibem países periféricos com renda per capita muito inferior à nossa.

Esse tipo particular de relação Estado-Sociedade se revela, também e por

conseqüência, numa segmentação do funcionalismo público em duas categorias

que convivem no interior do Estado. Elas se conformaram na década de 1950,

quando o recém se consolidava uma administração meritocratica de tipo

“weberiano” que pretendia se impor ao modelo burocrático patrimonial12. Com

características profissionais e remuneração muito distintas, elas passaram a ser

responsáveis pelo funcionamento daqueles dois espaços de política pública que

vêm desde então contribuindo para aprofundar nossa concentração de poder

econômico e político.

A existência desses dois espaços e, conseqüentemente de dois tipos de

burocracia, é também necessário que se entenda, nunca foi vista como um

problema. Como algo que devia ser “resolvido” no sentido de modernizar o Estado

tornando-o mais próximo daquele dos países de capitalismo avançado que se

tomava como modelo. Ao contrário, uma espécie de acordo entre a classe política e

o segmento não-estatutário, mais bem pago, em geral mais bem preparado e que

teve um papel fundamental na execução dos projetos de desenvolvimento do

período militar terminou levando a uma situação totalmente anômala quando

comparada com a dos países avançados em que cada vez que assume um novo

Presidente da República, abrem-se 50 mil cargos de “livre provimento” para

nomeação (BRESSER-PEREIRA, 2007).

Para aprofundar-nos no entendimento das dificuldades que envolvem a

transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” é conveniente lembrar

capacidade de atuar como filtro adequado ao interesse geral de sua população. Concordando com o que coloca para a América Latina em geral, podemos dizer que, também em geral, ainda que com diferenças relativas àqueles dois espaços, temos tido e seguimos tendo um Estado que registra um baixo escore nessas quatro dimensões. 12 Bresser Pereira (2007:15) mostra como a partir dessa época de institui um descolamento, que se viria a se aprofundar consideravelmente durante o governo militar entre os “barnabés”, cujo estatuto foi estabelecido com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), por ocasião da reforma do Estado iniciada em 1938, e a “burocracia pública moderna” que, no núcleo do aparelho administrativo ou nas empresas estatais, passava a implementar a estratégia de desenvolvimento do capitalismo brasileiro: o nacional-desenvolvimentismo.

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uma passagem da obra de Claus Offe. Ela é tão elucidativa para entender porque

malograram as tentativas de reforma do Estado que há mais de oitenta anos se

sucedem em nosso país que tem sido usada por muitos autores (entre eles Martins

(199.) e Costa (2006)) para criticar a Reforma Gerencial.

Diz ele: “é bem possível que o desnível entre o modo de operação interno e as

exigências funcionais impostas do exterior à administração do Estado não se deva à

estrutura de uma burocracia retrógrada, e sim à estrutura de um meio sócio-

econômico que (...) fixa a administração estatal em um certo modo de operação... É

óbvio que um desnível desse gênero entre o esquema normativo da administração e

as exigências funcionais externas não poderia ser superado através de uma reforma

administrativa, mas somente através de uma ‘reforma’ daquelas estruturas do meio

que provocam a contradição entre estrutura administrativa e capacidade de

desempenho” (OFFE, 1994:219).

Dessa colocação decorre que mesmo nossa proposta de promover a transição

do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” começando, não por um dos

extremos ─ ambos irrealistas ─ de reforma do Estado ou do meio sócio-econômico

e sim na mobilização de um ciclo virtuoso que vá da capacitação dos gestores

públicos para a transformação das relações Estado-Sociedade, deve ser vista com

cautela.

Não obstante, é verdade que à medida que a democratização avance e a

concentração de renda que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a

sociedade brasileira for sendo alterada, se irá ampliando o espaço econômico e

político para um tipo de atuação da burocracia com ela coerente13.

E, nessa conjuntura, o conhecimento que passarão a deter os gestores que se

pretende capacitar através de iniciativas como a que estamos tratando poderá fazer

toda a diferença. Isto é, talvez seja esse conhecimento o responsável por se

alcançar ou não a governabilidade necessária para tornar sustentável o processo de

13 Diversos autores de países latino-americanos têm refletido sobre a associação entre a reflexão desenvolvida sobre as características da relação Estado-Sociedade, o aumento da participação política, e a mudança da arquitetura do Estado; e, em conseqüência, nas políticas públicas elaboradas nesses países. Paramio (2008) mostra como as propostas sobre a segunda geração de reformas, iniciada no final dos anos de 1990, combinada com a pressão política contra o impacto social e econômico negativo da primeira, origina, em função das características daquela relação, reações distintas em dois grupos de países da região. Atrio e Piccone (2008), concordando com a idéia de que a mudança no modo de operação da burocracia depende criticamente das exigências impostas pela relação Estado-Sociedade, aponta recomendações para esta mudança.

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mudança social que se deseja14. Daí a importância de disponibilizar conhecimentos

aos gestores públicos que possam levar à melhoria das políticas, ao aumento da

eficácia da sua própria máquina, e à sua transformação numa direção coerente com

a materialização daquele novo estilo de desenvolvimento.

Privatização, desregulação, liberalização dos mercados têm impedido que o

Estado brasileiro se concentre em saldar a dívida social e, enquanto Estado-nacão

─ capitalista, por certo ─, assumir suas responsabilidades em relação à proteção

aos mais fracos, à desnacionalização da economia e à subordinação aos interesses

do capital globalizado.

Assumir essas responsabilidades e materializar os processos de

democratização e redimensionamento do Estado são desafios interdependentes e

complementares que demandam de maneira evidente os conteúdos que trata este

Curso e, no plano operacional, da implementação das ações, não poderão

prescindir da GEP.

A redefinição das fronteiras entre o público e o privado exige uma cuidadosa

decisão: quais assuntos podem ser desregulamentados e deixados para que as

interações entre atores privados com poder similar determinem incrementalmente

um ajuste socialmente aceitável e quais devem ser objeto da agenda pública, de um

processo de decisão racional, participativo e de uma implementação e avaliação sob

a responsabilidade direta do Estado.

A democracia é uma condição necessária para construir um Estado que

promova o bem-estar das maiorias. Só o conjunto que ela forma com outra condição

necessária ─ a capacidade de GEP ─ é suficiente. Só a democracia aliada à

eficiência de gestão pode levar à transformação do “Estado Necessário” no sentido

que almeja a sociedade brasileira.

Sem democracia não há participação e transparência nas decisões, não há

planejamento participativo, avaliação de políticas, prestação de contas. Não há

responsáveis, há impunidade. Mas a democracia, se restrita a um discurso político

genérico e sem correlação com ação de governo cotidiana pode degenerar num

assembleísmo inconseqüente e irresponsável e numa situação de descompromisso

e ineficiência generalizada.

14 A seção que analisa a questão da governabilidade e do Triângulo de Governo é especialmente elucidativa a este respeito.

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Governar num ambiente de democracia e participação e, ao mesmo tempo,

com enormes desigualdades sociais, requer capacidades e habilidades

extremamente complexas e difíceis de conformar, sobretudo no âmbito de um

Estado como o que herdamos. E sem a utilização das ferramentas da GEP isso será

ainda mais difícil.

Entre outras coisas porque tanto a direita como a esquerda perceberam a

necessidade de contar com metodologias de planejamento e gestão que, ao mesmo

tempo, promovam e dêem conseqüência à participação popular. A primeira, porque

já não pode manter o estado de ignorância e subordinação do qual até agora têm

lançado mão para seguir governando. A segunda, porque ao abandonar sua

estratégia de revolução armada que permitiria a seus quadros, tomando o poder e

através de um renovado apoio das massas, usar o Estado para alcançar o seu

cenário normativo, percebeu que a simples mobilização política não era suficiente.

De fato, ao abraçar a via eleitoral, a participação, mais do que a mobilização

política, é a garantia que tem para dar conseqüência e para, assim, manter o apoio

popular que foi capaz de conquistar.

1.5. A construção do “Estado Necessário” e a Gestão Estratégica Pública

Esta seção se inicia com a apresentação do argumento de que o trânsito do

“Estado Herdado” para o “Estado Necessário”, aquele que possa servir como um

instrumento para implementar aquela proposta de mudança, demanda a

capacitação de seus quadros. Demanda a formação de gestores que aliem dois

tipos de capacidades ou habilidades básicas. A primeira, é dominar os aspectos

teóricos e práticos do processo de elaboração de políticas públicas a ponto de

serem capazes de utilizá-lo como ferramenta da mudança social, econômica e

política. A segunda capacidade é atuar de maneira tão eficiente no seu dia-a-dia a

ponto de fazer com que a estrutura que corporificam ─ o Estado ─ seja cada vez

mais eficaz no uso dos recursos que a sociedade lhe faculta e que produza

impactos crescentemente efetivos.

A democratização política está levando a um crescimento exponencial da

agenda de governo; a erupção de uma infinidade de problemas que, em geral,

demandam soluções específicas e criativas, muito mais complexas do que aquelas

que o estilo tradicional de elaboração de políticas públicas e de planejamento

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governamental ─ homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrático, típico

do Estado que herdamos ─ pode absorver.

No Brasil, a maneira como tradicionalmente se definia e caracterizava os

problemas que o Estado deveria tratar ficava restrita ao que a orientação ideológica

e o pensamento político conservador dominante eram capazes de visualizar. A

explicação dos problemas públicos estava constrangida por um modelo explicativo

que, de um lado, tendia à quase monocausalidade e, de outro, a soluções

genéricas, universais. O que levou ao estabelecimento de um padrão único do tipo

causa-problema-solução no qual, embora fosse percebida uma certa especificidade

nos problemas enfrentados, o fato de que segundo o modelo explicativo adotado,

sua causa básica era a mesma, terminava conduzindo à proposição de uma mesma

solução.

O governo não apenas filtrava as demandas da sociedade com um viés

conservador e elitista. Ele adotava uma maneira tecnoburocrática para tratá-las que

levava à sua uniformização, ao seu enquadramento num formato genérico que

facilitava tratamento administrativo. Ao fazê-lo, escondia sob um manto de aparente

eqüidade os procedimentos de controle político e se assegurava a docilidade do

povo, desprotegido e desprovido de cidadania, frente ao burocratismo onipotente do

Estado15. Era na fila do INPS que este povo aprendia o que era a democracia...

As características do “Estado Herdado” faziam com que as demandas da

população se tornassem assuntos genéricos, nacionais, a serem resolvidos

mediante a distribuição dos recursos arrecadados de forma centralizada. Assim,

sem nenhuma preocupação com a elaboração de políticas apropriadas e com a

adoção de ferramentas da GEP, os recursos fluíam através de uma complexa rede

de influências e favores até os lideres políticos locais que discricionariamente os

transformavam em benesses com que atendiam a suas clientelas.

Esta situação perpetuava e retroalimentava um modelo de planejamento

governamental e de elaboração de políticas que eram não apenas injustos e

genéricos. Eram também inócuos, uma vez que as verdadeiras causas ou não eram

visualizadas ou não podiam ser enfrentadas. Este modelo que se consolidou ─

objetivos, instrumentos, procedimentos, agentes, tempos ─ além de incremental,

15 Para uma excelente retrospectiva de como se deu ao longo do nosso processo de desenvolvimento sócio-econômico a relação entre o Estado e os interesses das classes dirigentes e subordinadas ver Bresser-Pereira (2007).

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assistemático e pouco racional tendia a gerar políticas que eram facilmente

capturadas pelos interesses das elites16.

As demandas que o processo de democratização política irá cada vez mais

colocar, e que serão filtradas com um viés progressista por uma estrutura que deve

celeremente se aproximar do “Estado Necessário”, originarão outro tipo de agenda

política. Serão muito distintos os problemas que a integrarão e terão que ser

processados por este Estado em transformação. Eles não serão mais abstratos e

genéricos, serão concretos e específicos, conforme sejam apontados pela

população que os sente, de acordo com sua própria percepção da realidade, com

seu repertório cultural, com sua experiência de vida, freqüentemente de muito

sofrimento e justa revolta.

Construir o “Estado Necessário” não é somente difícil. É uma tarefa que, para

ser bem sucedida deveria contar a priori com algo que já deveria estar disponível,

mas que é, ao mesmo tempo, seu objetivo criar. Isto é, as capacidades e

habilidades extremamente complexas necessárias para transformar o Estado

Herdado. Assim colocado, o problema parece não ter solução. Não obstante, ela

existe. E existe porque já existe a consciência do problema que é a construção do

“Estado Necessário”. E quando existe esta consciência é porque a solução já é

vislumbrada por uma parte dos atores envolvidos com o problema.

A decisão de criar este Curso supõe uma consciência por parte desses atores

de que a emergência da forma institucional “Estado Necessário”, aquela que

corresponde ao conteúdo das políticas que cabe a ele implementar depende de uma

preocupação sistemática com a capacitação do conjunto de seus funcionários.

A criação do Curso representa uma demonstração de que o primeiro

indispensável e corajoso passo está sendo dado. Ele revela a percepção de que

rotinas administrativas que dão margem ao clientelismo, à iniqüidade, à injustiça, à

corrupção e à ineficiência, que restringem os resultados obtidos com a ação de

governo, que frustram a população e solapam a base de apoio político dificultando a

governabilidade, não podem ser toleradas. E que para que isto ocorra, não bastam

o compromisso com a democracia e com um futuro mais justo, o ativismo e a

16 São muitos os trabalhos de pesquisadores que descrevem as características que foram impregnando a gestão pública latino-americana e que configuram o que denominamos “Estado Herdado” e que apontam propostas para sua modificação. Entre eles, recomendamos Oszlak (1999), Evans (2003), Waissbluth (2002 e 2003).

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militância. Este passo denota a percepção de que para criar condições favoráveis

para que seu corpo de funcionários materialize esse compromisso é imprescindível

que um novo tipo de conhecimento teórico e prático acerca de como governar (para

a população e em conjunto com ela) seja urgentemente disponibilizado. E que é

através dele que uma nova cultura institucional será criada e alavancará a

construção do “Estado Necessário”.

Do ponto de vista cognitivo, esta nova situação demanda do gestor público um

marco de referência analítico-conceitual, metodologias de trabalho, e procedimentos

qualitativamente muito diferentes daqueles que se encontram disponíveis no meio

em que ele atua. O conteúdo a ser incorporado às políticas, fruto de um viés não

mais conservador e sim progressista, transformador, irá demandar um processo

sistemático de capacitação17.

Para dar uma idéia do desafio cognitivo que isto significa vale introduzir um

dos elementos-chave da GEP: a forma como se dá a determinação do que são

problemas e o que são soluções, o que são causas e o que são efeitos, o que são

riscos e o que são oportunidades. Isso porque, em muitos casos, ela terá que ser

invertida.

Há que ressaltar, nesse sentido, que a GEP é um dos instrumentos por meio

dos quais novas inter-relações, sobre-determinações, pontos críticos para a

implementação de políticas etc., terão que ser identificados, definidos e

processados. Só assim os novos problemas poderão ser equacionados mediante

políticas específicas; por exemplo, por meio de redes de poder locais, com a

alocação de recursos sendo decidida localmente.

Estamos vivendo um momento da democratização política em que as duas

pontas da gestão pública e do processo de elaboração de políticas estão sofrendo

uma rápida transformação. Na sua ponta inicial ─ a veiculação da demanda ─ há

claramente maior probabilidade de que assuntos “submersos” e de grande

importância para a população passem a integrar a agenda de decisão política. Na

17 É conveniente ressaltar, neste sentido, que a idéia que orientou a concepção deste Curso é muito distinta daquela que subjaz às propostas realizadas pela Reforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998) ou, para tomar uma referência mais recente e menos irrealista, pela Carta Ibero-americana de Qualidade na Gestão Pública (2008), acerca de qual deveria ser o comportamento do “bom burocrata”. Ao invés de postular uma lista de recomendações sobre a sua conduta, baseada na “responsabilidade social”, na “ética”, na “qualidade” etc., o que esperamos é proporcionar aos gestores um conteúdo analítico-conceitual e metodológico que os tornem capazes de exercer sua discricionariedade para materializar a escolha que fizeram de melhorar a relação Estado-Sociedade.

Page 37: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

32

sua ponta terminal ─ a decisão de onde alocar recursos ─ existe igualmente uma

grande probabilidade de que problemas originais passem a ter sua solução

viabilizada. Como tratar essas novas demandas até transformá-las em problemas

que efetivamente entrem na agenda decisória? Como fazer com que o momento da

implementação da política (que se segue ao da formulação) possa contar com um

plano para sua operacionalização eficaz, que maximize o impacto favorável dos

recursos cuja alocação pode ser agora localmente decidida de forma rápida,

mediante instrumentos inovadores e transformadores como é o caso do Orçamento

Participativo?

Não é nossa intenção apresentar a GEP como a panacéia que irá resolver

todos os problemas e enfrentar todos os desafios que estamos comentando nesta

parte introdutória, mas caberá ao leitor, ao final, avaliar a potencialidade deste

instrumento.

1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas

Esta seção focaliza o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso

─ contribuir para que as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários

níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser

realizadas em conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer.

Ela irá tratar de questões associadas ao marco analítico-conceitual da GEP

introduzidas a partir de uma postura crítica em relação à “Administração Geral”,

derivada da Administração de Empresas e utilizada na conformação dos conteúdos

da Administração Pública; os quais marcam aquele contexto e o tornam inadequado

para a consecução daquele objetivo.

Para iniciar, é conveniente explicar porque se usa neste Curso o termo Gestão

Pública e não o de Administração Pública. A literatura anglófona de Administração

(que mantém um enfoque que apesar de alegadamente genérico se refere às

empresas) costuma utilizar o termo management para referir-se ao mundo privado.

O termo administration teria um significado mais amplo, buscando um status

“universal” capaz de abarcar todos os âmbitos de atividade humana, inclusive o

mundo público; ou aquilo que em seguida se designa como “Administração Geral”.

O primeiro termo tem sido traduzido para o português como gestão e o segundo

como administração.

Page 38: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

33

A mesma literatura usando o “prefixo” public enfatiza o que tem sido traduzido

como administração pública para referir ao ambiente público, de governo. Não

obstante, é mais usado hoje no Brasil o termo gestão pública para fazer referência

às atividades que têm lugar no ambiente público ou aos conhecimentos que nele

são aplicados.

Feita essa aclaração terminológica, cabe uma outra, de conteúdo. Esta seção

se baseia em constatações e argumentos acerca de qual deveria ser o marco

analítico-conceitual da GEP no âmbito de uma Gestão Pública coerente com os

balizamentos expostos nas seções anteriores. Sua fundamentação, embora mais ou

menos evidente, não é aqui apresentada em detalhe.

A indagação sobre a adequação do marco analítico-conceitual da

“Administração Geral”, que é o que tem orientado as experiências brasileiras de

planejamento governamental, se inicia pela caracterização da área de atuação

conhecida como “Políticas Sociais” que é aquela na qual se desenvolvem boa parte

das ações voltadas para o desenvolvimento social.

Embora não devesse ser assim e não seja esta a nossa visão, a expressão

Gestão Pública tem sido freqüentemente utilizada no meio acadêmico e profissional

para designar um corpo de conhecimentos (ou um conjunto de atividades entre as

quais se encontra a GEP) associado de modo muito estreito à elaboração das

políticas orientadas ao atendimento de demandas sociais, as Políticas Sociais18.

É por isso importante entender o que significam as chamadas Políticas

Sociais19.

Os serviços educacionais, de orientação social, de assistência médica, de

ajuda jurídica e outros providos pelas Políticas Sociais, mesmo que garantidos por

lei, geralmente aparecem como favores à população sendo implantados em

conjunturas políticas mais ou menos específicas e cambiantes.

18 A individualização das Políticas Sociais no âmbito das Políticas Públicas revela uma concepção de desenvolvimento que entende como separáveis e, por isso, passíveis de serem tratados em separado os aspectos relativos ao econômico e ao social. Ao escamotear essa relação, os partidários dessa concepção reforçam a idéia que é útil aos seus interesses, de que o desenvolvimento econômico e suas políticas e instituições devem tratar do crescimento econômico, da competitividade e do avanço tecnológico etc., e que as atinentes ao desenvolvimento social deveriam compensar seus eventuais efeitos colaterais negativos. Essa separação entre duas esferas de políticas, por estar solidamente ancorada na hegemonia (ideológica) construída pela classe dominante, não precisa ser revestida de um aparato legal. Ao conformar o modelo cognitivo que impregna a ação do Estado ela a naturaliza e materializa a condição subordinada, residual e acessória que possui a Política Social. 19 Uma das obras mais completas e conhecidas (já possui mais de dez edições) publicadas no Brasil sobre o tema é a de Faleiros (2000). Nela nos baseamos para realizar os comentários feitos aqui.

Page 39: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

34

No passado, o Código Civil obrigava que o trabalhador fosse sustentado por

seus filhos quando ficasse velho. Isso não é mais assim. No regime salarial da

economia capitalista, é o individuo que é contratado para o trabalho, e não o grupo

familiar como chegou a ocorrer no passado; e as formas de produção atuais

destruíram a família extensa que se organizava em torno da economia de

subsistência.

É claro que a intervenção do Estado na garantia de benefícios e serviços não

substituiu a família. E mais, sua ação parece pautar-se no modelo familiar. As

Políticas Sociais são organizadas em nome da solidariedade social: os jovens

trabalhadores contribuem para a aposentadoria dos velhos e para o cuidado e a

educação das crianças; as pessoas sãs para o tratamento dos doentes; os

empregados para os desempregados; os ativos para os inativos; os solteiros para

os casados (salário-família) etc. A razão de existência das políticas sociais seria,

então, fazer com que a sociedade, assimilada a uma grande família, viva em

harmonia e paz social, uns colaborando com os outros.

A articulação do econômico e do político através das políticas sociais é um

processo complexo que se relaciona com a produção, com o consumo e com o

capital financeiro. Porque as políticas sociais (talvez em menor grau do que as

demais políticas públicas, mas ainda assim de forma majoritária) não costumam ser

implementadas diretamente pelo Estado, mas por meio de convênios e contratos

com empresas privadas, ONGs e empresas envolvidas com atividades de RSE

(Responsabilidade Social Empresarial), que passam a oferecer os serviços

financiados pelo Estado.

Este é o caso de hospitais, escolas, bancos. Os hospitais particulares atendem

a clientes da Previdência ou da Assistência Social e cobram do Estado pelo serviço,

não raro com margem de lucro. As escolas particulares recebem subsídios e bolsas

para certo número de estudantes e os bancos servem de intermediários para vários

serviços aos beneficiários, como, por exemplo, pagamentos e cobranças

previdenciárias, evidentemente cobrando por eles.

Assim, e de modo que pode parecer paradoxal, essas organizações mantêm

seu processo de acumulação de riqueza através da implementação de políticas

sociais. No entanto, cabe ao Estado, por exemplo, a compra de equipamentos

sofisticados e intensivos em tecnologia para oferecer os serviços mais caros e

Page 40: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

35

menos lucrativos; a manutenção das faculdades mais caras, como as de Medicina e

Odontologia enquanto os cursos menos dispendiosos e mais lucrativos são

mantidos por empresas privadas.

O caso das políticas orientadas para o trabalhador é um bom exemplo.

Trabalhadores desempregados, doentes, acidentados ou velhos são atendidos

através de uma articulação do econômico e do político (as políticas sociais) que

possibilita um ganho para o setor privado capaz de compensar o prejuízo causado

pelo fato deles e outros segmentos não-produtivos não estarem inseridos na

produção de mercadorias.

Essas políticas servem também para "retirar" do âmbito da fábrica conflitos e

reivindicações, que são encaminhados e tratados por órgãos governamentais

(hospitais, repartições públicas ou tribunais) que os despolitizam, transformando-os

em assuntos individuais. As vítimas de eventos negativos ligados ao processo

produtivo (acidentes, doenças, incapacitação e invalidez) cuja origem está no

processo produtivo são responsabilizadas pela sua ocorrência.

Os órgãos de atendimento ao trabalhador que implementam essas políticas

não questionam as origens dos problemas dos assalariados, o ambiente que os

condiciona, nem as relações que os produzem, contudo, trata-se cada "caso"

através da "perícia", relegando-o ao saber e ao sabor de especialistas que

examinam individualmente a vítima, e não as condições de produção e de trabalho.

Por essas e outras razões, as políticas sociais, são vistas por alguns críticos

como algo incompatível com aquele modelo familiar. Apesar de aparecerem como

compensações, elas constituiriam um sistema político de mediações entre capital e

trabalho que visa à articulação de diferentes formas de reprodução das relações de

exploração e dominação da forca de trabalho entre si, com o processo de

acumulação e com a correlação de forças políticas e econômicas.

Devido a suas características, as políticas sociais costumam ter, sobretudo em

países periféricos como o nosso, seu conteúdo definido, em boa medida, no

momento da implementação. E não apenas no momento da sua formulação, como é

o caso clássico em que os momentos de formulação, implementação e avaliação

que integram o processo de elaboração da política estão mais claramente definidos.

Diferentemente de outras políticas públicas que, por estarem destinadas a

orientar ou subsidiar as atividades empresariais possuem “lógica” e “racionalidade”

Page 41: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

36

facilmente operacionalizáveis pelos profissionais da Administração de Empresas, as

políticas sociais demandam, não apenas para sua formulação, mas também para a

sua implementação, de um tipo específico de gestor. A formação desse tipo de

gestor demanda a veiculação de um conhecimento distinto daquele oferecido pelas

profissões tradicionais que são adequadas para a elaboração de políticas voltadas

ao bom funcionamento da economia capitalista e às quais as Políticas Sociais

devem em muitos casos se opor.

1.7. O gestor público e o administrador de empresas

De modo a tratar sobre o tipo de formação que deveria ter o gestor público

para, desta maneira, avançar na caracterização do marco analítico-conceitual da

GEP, é necessário precisar o que entendemos por ele.

Por diferenciação, o concebemos como aquele profissional cuja especificidade

consiste fundamentalmente na sua capacidade de traduzir, interpretar ou

“decodificar” para uma “lógica” e “racionalidade” empresariais o conteúdo e forma de

implementação das políticas sociais. E cuja atuação não deverá estar orientada

para a administração das atividades mais propriamente empresariais realizadas no

âmbito privado. Atuação, esta, desempenhada por administradores de empresa,

engenheiros, etc.

Conceber o processo de capacitação de um profissional que seja capaz de

atuar na elaboração de políticas públicas é um desafio difícil. Pela primeira vez, em

função das mudanças de orientação que estão ocorrendo nos Estados de uma

região conhecida como a mais desigual do planeta e cujos governos estão a

privilegiar o atendimento de demandas sociais de grandes proporções, se coloca na

América Latina a necessidade de abreviar um processo lento e que se estava

efetivando de forma mais ou menos autodidata de formação de gestores públicos

interessados na consolidação dessas mudanças.

Mais que em outros países da região, o Brasil conta com um superávit de

vagas universitárias visando à capacitação de administradores de empresa20. Isso,

associado ao fato de que o gestor social, além de ter que trabalhar na empresa

privada como implementador das políticas sociais (e, de certa forma, devido às

20 Segundo Fischer (2004) existiriam no Brasil mil e quinhentos cursos de Administração reconhecidos pelo Conselho Federal de Educação.

Page 42: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

37

características, também como o seu formulador), deverá atuar igualmente na sua

elaboração no âmbito do Estado, obriga a uma difícil inflexão.

Difícil, entre outras coisas porque, por razões históricas e pela conhecida

formação multidisciplinar e “multipropósito” do administrador de empresa, tem sido

nos espaços destinados à sua formação que estão surgindo as iniciativas de

capacitação de gestores públicos e de gestores sociais (à semelhança do que

ocorreu no passado com a formação dos administradores públicos). Um

“distanciamento crítico” em relação ao que é entendido como a formação do

administrador de empresa parece essencial. Ele deve começar pelo questionamento

do caráter “universal” conferido ao conceito de Administração, entendido como um

corpo de conhecimento aplicável em qualquer ambiente (público ou privado), e

explicitado nas conceituações usualmente propostas e empregadas em nosso meio

e que têm servido para informar a criação de cursos de Administração Pública.

1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração

Pública

Embora as teorias da administração possam ser divididas em várias correntes

ou abordagens, cada abordagem associada a uma maneira específica de encarar a

tarefa e as características do trabalho de administração, é possível alinhar

brevemente algumas características da “Administração Geral”.

Um conceito contemporâneo entende que administrar é dirigir uma

organização (grupo de indivíduos com um objetivo comum, associados mediante

uma entidade pública ou privada) utilizando técnicas de gestão para que alcance

seus objetivos de forma eficiente, eficaz e com responsabilidade social e ambiental.

Lacombe (2003) diz que a essência do trabalho do administrador é obter resultados

por meio das pessoas que ele coordena. Drucker (1998) diz que administrar é

manter as organizações coesas, fazendo-as funcionar.

Entende-se a “Administração Geral” como subdividida segundo o tipo de

organização à qual ela é aplicada: a administração que se aplica a uma empresa

privada é diferente daquela aplicada às instituições governamentais ou, ainda,

daquela de um setor social sem fins lucrativos.

Uma organização seria uma combinação de esforços individuais que tem por

finalidade realizar propósitos coletivos. Por meio de uma organização torna-se

Page 43: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

38

possível perseguir e alcançar objetivos que seriam inatingíveis para uma pessoa.

Uma grande empresa ou uma pequena oficina, um laboratório ou o corpo de

bombeiros, um hospital ou uma escola são todos exemplos de organizações

(MAXIMIANO, 1992).

Uma organização seria formada pela soma de pessoas, máquinas e outros

equipamentos, recursos financeiros e outros; seria o resultado da combinação de

todos estes elementos orientados a um objetivo comum; uma entidade social,

conscientemente coordenada, gozando de fronteiras delimitadas que funcionam

numa base relativamente contínua, tendo em vista a realização de objetivos comuns

que exigem grupos de duas ou mais pessoas, que estabelecem entre eles relações

de cooperação, ações formalmente coordenadas e funções hierarquicamente

diferenciadas (BIHIM, 1997).

Administrar uma organização (ou organizar) supõe atribuir responsabilidades

às pessoas e atividades aos órgãos (unidades administrativas).

A pessoa encarregada do ato de administrar ou organizar, o administrador,

embora investido de um poder dentro de uma hierarquia pré-definida, deve possuir

uma capacitação intelectual e moral para exercê-lo que o diferencie dos demais

membros da organização e atuar como um líder.

O objetivo de um líder é exercer influência em um determinado grupo de

pessoas a fim de que elas façam o que ele deseja, porém esta influência não deve

ser coercitiva e por meio do poder de um cargo, obrigando as pessoas a fazerem o

que ele deseja, e sim, deve-se usar da autoridade e respeito com elas, oferecendo

um meio de trabalho propício para que todas desenvolvam suas atividades por

vontade própria.

Depois que a Teoria das Relações Humanas colocou no campo de

preocupações da Administração de Empresas a figura do líder como uma alternativa

à do administrador clássico com sua face coercitiva e autoritária, a liderança passou

a ser um assunto recorrente.

A liderança vem assumindo um papel central na Administração. Segundo a

visão contemporânea, todo líder deve ser um servidor para seus funcionários, ele

deve possuir amor por seus comandados. Este amor não é apoiado em sentimento

e sim em comportamentos, como cuidar, ajudar, elogiar, entre outros.

Page 44: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

39

Isso acontece, em particular, no campo da Administração Pública, uma vez

que nele coerção, autoritarismo e até mesmo hierarquia são dificilmente obteníveis.

E que o seu exercício muitas vezes não implica num benefício material.

1.9. A formação do gestor público

No Brasil, como em muitos outros países, a consolidação da Administração

Pública como um curso superior é posterior àquela dos cursos de Administração de

Empresas. Até a sua criação, eram os administradores de empresas, juntamente

com outros tipos de profissionais, que compunham o quadro da burocracia. A

crescente complexidade do aparelho de Estado passou a exigir um tipo de

capacitação que não era oferecido pelas escolas de Administração de Empresas.

Foi só então que elas, para enfrentar o desafio de formar esses gestores públicos,

as tiveram que buscar identificar dentre os conteúdos que ministravam aqueles que

poderiam ser aplicados no ambiente público; aqueles que constituiriam a

“Administração Geral”.

Diferentemente do que seria desejável, esse movimento não esteve

suficientemente aberto ao aporte de outras abordagens disciplinares mais afeitas ao

tratamento das questões sociais e políticas que inevitavelmente se fazem presentes

na interface entre o Estado e a sociedade e mesmo no interior do próprio aparelho

de Estado. Ele foi marcado por um processo que, em vez de estar guiado por um

objetivo de fusão interdisciplinar (ou, pelo menos, multidisciplinar), se manteve

basicamente orientado pela tentativa de conformar, por eliminação ou exclusão do

que se entendia como Administração de Empresas, do que viria a ser conhecido

como “Administração Geral”. A qual, então, passou a constituir a espinha dorsal dos

cursos de Administração Pública.

Posteriormente, num processo de crescente sofisticação do instrumental

analítico usado para compreender o funcionamento das organizações (entendidas

como um conceito genérico que abarca empresas, Estado, etc.), da sua gestão e

dos seus integrantes, que se deu através da incorporação de disciplinas como a de

Psicologia, o ensino da Administração passou a ter como eixo a Teoria das

Organizações.

Em conseqüência, o currículo dos cursos de Administração Pública foi sendo

conformado através da adaptação de conteúdos previamente existentes naquele

Page 45: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

40

dos cursos de Administração de Empresas e pela adição de outras disciplinas.

Freqüentemente, e isso não apenas no Brasil, o quadro de professores dos cursos

de Administração Pública é formado por professores de cursos de Administração de

Empresas (em muitos casos oferecidos na mesma instituição) e por professores de

disciplinas que provêm de áreas como Direito, Ciências Contábeis, Sociologia,

Economia, Ciência Política.

Embora com o correr do tempo sucessivas gerações de formandos de

Administração Pública tenham sido absorvidos como professores desses cursos,

essas disciplinas continuaram a ser ministradas por profissionais nelas formados. O

resultado foi a permanência de uma espécie de apartheid disciplinar muito distinto

daquilo que seria necessário para propiciar uma fusão (supondo que ela fosse

possível), entre a “Administração Geral” (supondo que ela efetivamente existisse e

que fosse capaz de ser conformada por exclusão ou eliminação de conteúdos

previamente enfeixados na Administração de Empresas) e aquelas disciplinas.

Os administradores públicos, formados naquilo que no melhor dos casos era

uma tensão disciplinar entre conteúdos de Administração de Empresas e de

disciplinas que freqüentemente se orientavam a produzir argumentos para

questionar as idéias de propriedade privada dos meios de produção, venda da força

de trabalho, lucro etc. que são os pressupostos e razão de existência da

Administração de Empresas, dificilmente seriam capazes de autonomamente

produzir uma síntese interdisciplinar como a que sua atuação demandava21.

Agravava essa situação o fato de que, com muita freqüência, os conteúdos das

disciplinas como Sociologia e Ciência Política, que mais subsídios poderiam

fornecer para um correto diagnóstico dos problemas que o administrador público

enfrenta e para o seu equacionamento de modo coerente com os direitos

democráticos e de cidadania, eram vistos como de escassa importância para a sua

formação. Dificilmente modelizáveis e aplicáveis em conjunto com os conteúdos que

provinham da Administração de Empresas, com os quais por “defeito de construção”

não tinham como dialogar, mas que eram, estes sim, modelizáveis,

operacionalizáveis, e aparentemente dotados de um potencial de equacionamento

21 Atkouff (1996) chama a atenção para essa tensão apontando o ambiente elitista das escolas de Administração como um instrumento de reprodução de uma visão conservadora entre os profissionais da área.

Page 46: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

41

de problemas muito valorizado por quem se preocupa em “resolver problemas”, eles

eram, de fato, quase inúteis.

O resultado dessa situação era, então que os problemas públicos ─ aqueles

que ocorrem na interface entre a sociedade e o Estado ou no seu interior ─ ainda

que fossem, na melhor das hipóteses, diagnosticados (momento descritivo: foto) e

explicados (momento explicativo: filme retrospectivo) através daquelas disciplinas,

eram resolvidos (momento normativo: construção do futuro) mediante a aplicação

do conhecimento que provinha da Administração de Empresas.

Mas a tensão entre aquelas disciplinas e a “Administração Geral” não se

situava apenas no plano dos conteúdos. Ela se estendia para os planos da

abordagem cognitiva (dedutiva vs. indutiva, respectivamente); do enfoque da

situação-problema (contextualizado vs. autocontido); do tratamento metodológico

(análise globalizante do mais freqüente ou provável vs. estudo de “cases” sobre o

mais exitoso ainda que atípico e não-generalizável); do objetivo intermediário

(produzir tendências e fatos estilizados vs. assinalar best practices e possibilitar o

benchmarking); do objetivo final (equacionar problemas estruturais de modo racional

visando a resultados positivos sistêmicos e de longo prazo vs. atacar problemas

pontuais passiveis de solução imediata de modo incremental, visando resultados

localizados e de alto impacto a curto prazo).

Ainda no campo cognitivo ou, mais especificamente, pedagógico, a

“Administração Geral” permanece baseada na idéia de que é uma pessoa que se

destaca das demais por atributos inatos, mas que podem até certo ponto ser

adquiridos pela via da capacitação formal, a responsável por “fazer as coisas

acontecerem”. Característica que, como é compreensível, contagia o processo de

formação, seja do administrador tradicional seja do líder, com um ethos de

diferenciação, de elitismo meritocrático e, no limite, de prepotência; ainda que

entendido como um “mal menor” face ao imperativo tradicional de “apreender para

saber mandar” ou ao contemporâneo “apreender para saber liderar”. Tudo isso

marcando com atributos de competição e rivalidade tanto o processo formativo

quanto o comportamento profissional.

Apesar de precária, essa breve caracterização permite apontar a inadequação

da “Administração Geral” como plataforma cognitiva para a concepção de um curso

de gestão (ou administração) pública; e, também, do processo até agora seguido.

Page 47: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

42

Mesmo que se considere a empresa privada como um ambiente em que

“pessoas tendo em vista a realização de objetivos comuns, estabelecem relações de

cooperação”, o que como se sabe é muito questionável, não há como negar que

ambiente em que atua o gestor público ─ o aparelho de Estado ─ é politizado. Isto

é, um ambiente onde interesses políticos, econômicos e de outra natureza não

apenas se expressam como devem, numa sociedade democrática, fazê-lo.

Se isso é assim, a Administração de Empresas, que é por muitos entendida

como um conjunto de conhecimentos cujo objetivo é, senão eliminar, manter os

conflitos entre capital e trabalho num nível que não inviabilize a produção, numa

sociedade em que o uso da força é monopólio do Estado, não poderia ser a

plataforma cognitiva de um curso de Gestão Pública.

Até mesmo o papel central que vem assumindo o líder na “Administração

Geral” e por extensão na Administração Pública teria que ser repensado. Ainda que

a figura do líder seja mais coerente com ela do que a do administrador tradicional,

parece legítimo indagar de sua pertinência para o ambiente público. Sobretudo

aquele cuja função é a elaboração das Políticas Sociais, que cada vez mais de

substituem pelo cooperativismo, a autogestão e a solidariedade as práticas do

empreendedorismo, da competição.

Mesmo uma análise superficial do currículo dos cursos de Administração

Pública, inclusive dos mais recentemente criados, permite evidenciar a adoção da

idéia de existência de uma “Administração Geral” ─ entendida como neutra e capaz

de atender tanto as empresas quanto o Estado ─ como diretriz para a sua

concepção. Em vários cursos, as disciplinas iniciais, denominadas Introdução à

Administração, Teoria da Administração etc., são de fato um conjunto de idéias,

princípios etc., que, embora derivados ou “destilados” da Administração de

Empresas são apresentados como portadores de um conteúdo universal. É comum

a existência de disciplinas com forte caráter empresarial, como administração da

produção, gestão da qualidade total etc., e de disciplinas que buscam implementar a

denominada “nova de gestão pública”, como as que tratam das parcerias público-

privado, projetos com o Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresa, etc.

Nota-se, também, que disciplinas cujo nome alude a conteúdos próprios da gestão

pública são ministradas mediante a utilização de bibliografia orientada para a

Page 48: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

43

administração de empresas que tende a dar aos alunos a falsa impressão de que os

conceitos e relações nela tratados são aplicáveis ao ambiente público.

Uma das exceções mais interessantes no quadro aqui traçado é o movimento

em torno do conceito de Administração Política liderado pelo prof. Reginaldo Souza

Santos da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia desde o final

dos anos de 1990. Influenciou esse movimento a leitura dos clássicos do campo da

Administração a partir da perspectiva oferecida por economistas marxistas. Em que

pese à radicalidade que se faz à idéia do que aqui denominamos Administração

Geral por muitos dos autores que integram a coletânea organizada por aquele

professor (Souza, 2004), e pelo caráter seminal que o movimento pode vir a

representar num processo de renovação como o que aqui defendemos,

consideramos que ele está ainda marcado por uma visão de neutralidade que é hoje

criticada, inclusive, na esfera das ciências consideradas duras (Dagnino, 2008).

Segundo essa visão, que apesar de contrariar até mesmo a visão marxista

convencional (para não falar daquela liberal) é crescentemente aceita, até mesmo

elas seriam influenciadas de modo quase irreversível pelos valores e interesses

predominantes no ambiente (e no próprio momento) em que ocorre a sua produção.

De forma que a menos que um processo de desconstrução e reconstrução (que

naquele livro denominamos Adequação Sociotécnica) seja efetivado, o

conhecimento científico desenvolvido segundo a lógica da apropriação privada do

excedente econômico não poderia ser utilizado em empreendimentos pautados por

outra lógica, como a imposta pela propriedade coletiva dos meios de produção.

De fato, mesmo a visão contida no livro que nos parece ser mais próxima

àquela que apresentamos não consegue abandonar a idéia de que existiria um

conteúdo capaz de ser aplicado indistintamente a organizações públicas e privadas

(França Filho, 2004). O autor dá preferência ao subcampo dos Estudos

Organizacionais (integrariam o conjunto outros dois subcampos: as Técnicas

Gerenciais e as Áreas Funcionais) e considera seriamente a opção de que a

Administração deva ser considerada como ideologia (e não como arte ou ciência), o

que é sem duvida uma postura promissora. Não obstante, ao orientar sua reflexão

para a controvérsia acerca de qual deveria der o objeto da Administração (a gestão

ou a organização), e talvez angustiado em apresentar uma solução de compromisso

capaz de, ainda que incrementalmente, debilitar o viés privado que apresentaria a

Page 49: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

44

Administração, o autor não penetra no espaço de politização que nos parece

conveniente para alcançar seu propósito.

A situação brevemente apresentada nesta seção, e este é um dos argumentos

centrais deste trabalho, parece estar associada à falta de um marco analítico-

conceitual específico e adequado à gestão pública. O qual, diga-se de passagem,

tem a sua elaboração dificultada pela Reforma Gerencial do Estado brasileiro que

se iniciou em meados da década de 1990, marcada pela proposição de que a lógica

e os métodos de administração empresarial deveriam ser adotados para promovê-

la. Não surpreende, portanto, que o currículo dos cursos de Administração Pública

reflitam essas duas orientações: a da “Administração Geral” e a da Reforma

Gerencial. E tendam, por isso, a formar gestores públicos que as aceitem

acriticamente e, paradoxalmente, dificultem o processo de transformação do Estado

Herdado para o Estado Necessário que se discutiu anteriormente.

Como tantas outras controvérsias que se manifestam no campo do

conhecimento e da educação, esta, pelo seu conteúdo ideológico, tende a

permanecer e se reproduzir quando novos argumentos são incorporados ao debate.

Passado o auge do pensamento neoliberal, quando a Nova Gerência Pública

divulgada pelos professores universitários dos países centrais penetrou na

universidade brasileira, e como mostra o movimento da Administração Política antes

comentado, volta-se a discutir a questão de como orientar a formação do gestor

público.

Ao evidenciar o caráter falacioso e predatório daquelas idéias, muitos autores

brasileiros e latino-americanos, alguns dos quais serão intensamente discutidos

neste Curso, inaugurou um novo período em que se busca um novo arranjo. O que

não quer dizer que novos argumentos não surjam e devam ser analisados. Entre

outros, aqueles que afirmam que a controvérsia estaria perdendo sentido porque

“um gestor pode, sem sair da mesma organização, passar da condição de

funcionário público pare empregado, como as privatizações mostraram” (Fischer,

2004:168). Ou que o gestor social, entendido como aquele profissional de crescente

importância, que no âmbito do Estado, da empresa ou do “terceiro setor” se envolve

diretamente com as políticas sociais, deveria ter uma formação tão eclética que as

distinções que aquela controvérsia alude estaria perdendo sentido e que, portanto, a

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45

sua formação não teria porque, mesmo no campo analítico-conceitual, contemplá-

las.

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46

CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE

ENFOQUES

2. Introdução

No capítulo anterior traçamos de forma esquemática, mas suficiente para

nosso propósito, o contexto em que se devem inserir as atividades de GEP do

Estado brasileiro e apontamos a dimensão do desafio cognitivo que a construção do

“Estado Necessário” coloca para a realização dessas atividades.

Este capítulo investiga o processo de constituição dos fundamentos da GEP e

procura mostrar porque se considera que este Curso pode ajudar na sua superação.

Para tanto, analisa a contribuição de dois enfoques relacionados à gestão pública,

ou mais especificamente ao processo de elaboração de políticas públicas ─ a

Análise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional ─ que constituem o

fundamento da disciplina de GEP.

Dentre o conjunto das Ciências Sociais aplicadas as disciplinas de Ciência

Política e de Administração Pública eram até bem pouco tempo as únicas que

forneciam subsídios especificamente orientados para a análise das questões

públicas objeto da intervenção dos governos. Embora tenham ocorrido, tanto nos

países centrais como nos da América Latina, importantes movimentos recentes de

crítica, renovação, ampliação e fusão multidisciplinares, essas duas matrizes de

conhecimento teórico e aplicado são ainda as mais amplamente disponíveis,

difundidas e utilizadas para a análise da interface entre o Estado e a sociedade ─

Ciência Política ─ e para a execução da gestão pública ─ Administração Pública.

Por essa razão, mais precisamente porque a quase totalidade das iniciativas

de formação de gestores públicos existentes na região adota, ao contrário do que

aqui se propõe, essas matrizes de conhecimento ─ em especial a da Administração

Pública ─ é que se apresenta a seguir uma crítica às mesmas. Posteriormente, na

seção que segue, se apresentam dois de seus recentes desdobramentos ─ a

Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ considerados como

as abordagens mais adequadas para conformar o fundamento da GEP.

Page 52: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

47

2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político

O processo de governo ou, mais precisamente, os processos de tomada de

decisão (a formulação das políticas públicas) e de sua implementação, não ocupam

um papel central no horizonte de preocupações da Ciência Política. Suas principais

teorias, modelos cognitivos ou visões que tratam a relação entre a sociedade e o

Estado (marxista, pluralista, sistêmica, elitista) explicam as decisões de governo ─

tomadas no interior do aparelho de Estado ─ através da consideração de elementos

a ele externos.

Essa afirmação pode ser corroborada por um exame, ainda que superficial,

das suas duas visões extremas. A visão pluralista, que entende o resultado do

processo decisório ─ o conteúdo da política ─ como algo quase indefinido, posto

que fruto de um ajuste incremental das preferências de uma infinidade de atores

indiferenciados do ponto de vista de seu poder político. A outra ─ marxista ─

entende aquele resultado ─ o conteúdo da política ─ como algo quase que

inteiramente pré-determinado pela estrutura econômica, posto que resultante da

ação de um ator hegemônico: a classe capitalista.

Era como se o Estado fosse dirigido pelo contexto político, econômico e social,

como se carecesse de poder de autodeterminação e de ‘autonomia relativa’. Como

se os instrumentos colocados à disposição das burocracias dos Estados

contemporâneos não terminassem gerando uma elite com interesses próprios e até

certo ponto independentes das demais.

Era natural, portanto que os cientistas políticos se concentrassem no estudo

deste contexto para entender as implicações sociais, econômicas etc. do exercício

do poder; as quais, de certa forma, apenas fluíam através do Estado sem ser por ele

determinadas. O problema da Ciência Política era de tipo investigativo: indicar as

razões contextuais que explicavam o caráter do que havia sido decidido. Seu foco

era, portanto, a política (politics) e não as políticas (policies), o sistema e o processo

político (political process) e não o processo de elaboração de políticas (policy

process).

2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito

O enfoque da Administração Pública, por outro lado, tem como premissa a

separação entre o político (politics) e o administrativo; o mundo da política (politics)

Page 53: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

48

e o das organizações; a tomada de decisão e a implementação. O primeiro termo

desta dicotomia era entendido como caracterizado pelo conflito de interesses e o

dissenso político que se manifesta na sociedade e, o segundo, pelo consenso

técnico em torno de um interesse comum que se expressa no interior do aparelho

de Estado: implementar eficientemente o que havia sido, não interessa como nem

porque, decidido. Era como se o primeiro fosse o ponto cego do segundo; e, o

segundo, uma simples decorrência e conseqüência, inclusive temporal, do primeiro.

Diferentemente da Ciência Política, o problema da Administração Pública pode

ser entendido, para marcar a diferença entre eles, como de tipo operacional.

Executar da melhor forma possível as decisões tomadas pelos governos, que

freqüentemente eram entendidas como a expressão do desejo da maioria, numa

estrutura político-social percebida como uma poliarquia, era o objetivo precípuo da

Administração Pública. O estudo do processo de tomada de decisão e da natureza

conflitiva de sua implementação era, por isto, descuidado.

2.3. A concepção ingênua do Estado neutro

Na visão simplista de certos setores da esquerda latino-americana, o enfoque

da administração era “de direita” uma vez que o que buscava era a otimização das

condições de reprodução do capital e, portanto o aumento da exploração da classe

trabalhadora. As tímidas incursões que se fazia, utilizando a abordagem sistêmica

(rejeitada pelo marxismo e pela esquerda), para entender o que se encontrava à

montante do território que dominava ─ da simples implementação das decisões

tomadas ─ no sentido da compreensão do processo de elaboração da política eram

vistas como mais uma tentativa do capital para instrumentalizar este processo em

seu beneficio.

A Ciência Política, ao contrário, era entendida como um enfoque “de

esquerda”, na medida em que iluminava as contradições de classe e permitia

discernir a dominação e a exploração. Era como se a Ciência Política fosse a

encarregada de condenar o caráter anti-social, repressivo, demagógico do Estado

capitalista periférico através de análises e pesquisas, realizadas é claro fora do

aparelho de Estado. E, a Administração Pública fosse a encarregada de “tocar” o

estilo tradicional de planejamento governamental e de elaboração de políticas

Page 54: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

49

públicas ─ homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrático ─ típico do

Estado burocrático e autoritário que herdamos.

Na verdade, o fato de que nenhum dos enfoques tenha considerado o

processo de elaboração de políticas como problemático levou a que a superação do

desafio cognitivo colocado pela construção do “Estado Necessário” seja

especialmente difícil. A (inevitável) adoção privilegiada do enfoque da Administração

Pública no âmbito do aparelho de Estado foi conformando uma concepção ingênua:

a do Estado neutro. Embora contraditória com a orientação da Ciência Política ele é

hoje dominante. De fato, na atual conjuntura em que quadros dirigentes da

esquerda que hoje chega a ser governo em sua trajetória até agora bem-sucedida

da aceitação da via eleitoral para a transformação da sociedade capitalista, essa

concepção tem se manifestado como especialmente desastrosa.

Para ela, o caráter do processo de elaboração de políticas e o seu resultado (o

conteúdo da política) é uma simples decorrência das relações de poder existentes

no contexto externo ao Estado. É uma concepção mecanicista, uma espécie de

determinismo social do processo de elaboração da política e do conteúdo da

política. Como se todo o processo se orientasse automaticamente de acordo com as

características do bloco dominante de poder. Como se existisse uma relação de

causalidade linear e estrita entre as relações de poder vigentes no contexto que

envolve o aparelho de Estado e o conteúdo das políticas que dele emanam. Algo

assim como se Estado fosse um elemento semelhante a um dispositivo transdutor,

eletrônico ou pneumático, que ao receber um impulso externo de entrada gera um

outro, de saída, cujas características dependem apenas da intensidade e “sinal” do

impulso de entrada.

Mas a suposição de que numa sociedade de classes, a “ocupação” do Estado

pela classe dominante leva inexoravelmente a políticas que mantêm e reproduzem a

dominação desta sobre as demais classes não é tão mecanicista como a sua

recíproca. A concepção ingênua do Estado neutro, que supõe que uma mudança na

correlação de forças na sociedade num grau que permita o controle do seu aparelho

por forças progressistas originaria, automaticamente, políticas capazes de alavancar

a desconcentração de poder e a equidade social, esta sim, pode ter conseqüências

desastrosas.

Page 55: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

50

A concepção de que o aparelho de Estado seja um simples instrumento neutro

capaz de, de uma hora para outra, operar de forma a implementar políticas que

contrariam as premissas de manutenção e naturalização das relações sociais de

produção capitalistas que o geraram, pode levar a uma postura voluntarista que

tende a minimizar as dificuldades que enfrentam os governos de esquerda. O preço

do equívoco em que eles têm freqüentemente incorrido, de subestimar das relações

entre forma e conteúdo, é proibitivo e não pode mais ser tolerado.

2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico

Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública

Este item apresenta dois desdobramentos relativamente recentes ─ a Análise

de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ das matrizes de

conhecimento analisadas no anterior. Elas são consideradas como as abordagens

mais adequadas para a formação de gestores capazes de realizar as atividades de

GEP demandadas pela construção do “Estado Necessário”.

No “Estado Herdado”, os marcos de referência cognitivos dos gestores eram

em geral originários de uma daquelas duas matrizes que conformavam o repertório

de conhecimento “formal” disponível no âmbito do aparelho de Estado (e também

fora dele) para o tratamento das questões de governo. Um outro corpo de

conhecimento ─ informal, intuitivo, específico, assistemático, e gerado de forma ad

hoc, indutiva, on the job ─ fazia parte da sua formação. Era ele o que de alguma

forma, ao adicionar-se a esses dois enfoques, permitia sua combinação

preenchendo os vazios cognitivos e amenizando o “desvio ingênuo” a que se fez

referência.

O fato de que este outro corpo de conhecimentos, apesar da sua fundamental

importância para o exercício de governar, não era ensinado, mas sim, a duras

penas, e só por alguns, apreendido, não passou despercebida aos pesquisadores

acadêmicos nem aos gestores que, tanto nos países centrais como na América

Latina, se interessavam ou estavam envolvidos com assuntos de governo. Este fato,

aliado a outros tipos de preocupação, entre as quais as de natureza ideológica e

política são as mais relevantes, originou movimentos de crítica e fusão

multidisciplinar entre essas duas matrizes de conhecimento e delas com outras

disciplinas das Ciências Sociais.

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Page 56: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

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Esses movimentos foram penetrando a “caixa preta” do processo (ou sistema)

de elaboração de políticas ─ aquilo que era até então interpretado como um

transdutor ─ por um de seus dois extremos (inputs e outputs), ou de seus dois

principais momentos (formulação e implementação).

A Administração Pública, a partir da constatação de que os hiatos entre o

produto (output do sistema) obtido e o previsto mediante o planejamento

governamental (déficit de implementação) não eram simplesmente um sintoma de

má administração, mas que poderiam dever-se a problemas anteriores à fase de

implementação propriamente dita. Isto é aos processos decisórios em que atores

políticos defendiam seus interesses e valores.

A Ciência Política, a partir da constatação de que a formação da agenda

decisória que ocorria no âmbito do processo de formulação das políticas

influenciava muito significativamente o conteúdo da política, entrou na “caixa preta”

pelo lado dos seus inputs. Como a agenda decisória era determinada pelas forças

políticas que se expressavam no contexto econômico social que envolvia a interface

público-privado a Ciência Política não poderia se manter à margem da análise das

políticas públicas. Uma das conseqüências imediatas desse envolvimento foi a

constatação de que as determinações políticas, econômicas e sociais não eram um

simples insumo (input) do processo de formulação das políticas, e sim algo que

seguia atuando ao longo do processo da elaboração das políticas, abarcando todos

os seus momentos: formulação, implementação, avaliação.

Algumas perguntas fundacionais como as que seguem orientaram esse

movimento e estão na base da insatisfação com o planejamento governamental

tradicional que veio a desembocar na proposta da GEP.

Quais são os grupos que realmente conformam a agenda de decisão mediante

sua capacidade de transformar (ou travestir) seus problemas privados em assuntos

públicos, em questões de interesse do Estado, sobre os quais ele deve atuar

(agendum = algo sobre o qual se deve atuar)? E mais do que isto, como fazem para

impedir que outros assuntos de outros grupos sociais não sejam incorporados à

agenda fazendo com que ela fique restrita a assuntos sobre os quais têm controle?

Que procedimentos usam e de que mecanismos do próprio aparelho de Estado ─

legítimo e eles acessíveis por direito ─ se utilizam para fazer com que os assuntos

Page 57: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

52

que logram colocar na agenda sejam decididos e implementados de acordo com

seus interesses?

2.5. O enfoque da Análise de Política

Este enfoque é o primeiro dos novos enfoques multidisciplinares que se

analisa aqui. Ele foi conformado a partir da confluência entre a Administração

Pública, ou mais precisamente da problematização que começara a fazer acerca da

implementação das políticas públicas, de um lado, e da Ciência Política, e mais

especificamente da problematização da formação da agenda e do processo

decisório, por outro.

Sua importância para formar os fundamentos em que se apóia a proposta da

GEP se relaciona à sua capacidade de enfocar a interface entre a sociedade e o

Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até então

fazia a Ciência Política. E enfocar a questão da elaboração dos planos e da sua

execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia

a Administração Pública.

Em alguns casos, a Análise de Política nasce como área de pesquisa nos

círculos ligados à disciplina de Administração Pública. Como, nos EUA, nos anos de

1960, a eles estavam focalizados na análise organizacional, métodos quantitativos

etc., e não enfatizavam a questão dos valores e interesses que a Análise de Política

argumentava que era essencial para a Administração Pública, essa relação foi

muitas vezes complicada. Em outros casos, a Análise de Política se estabelece por

diferenciação/exclusão em relação à Ciência Política, em círculos a ela ligados.

Como resultado ocorreu uma inflexão no seu enfoque. Ele passou a incorporar a

análise das organizações e das estruturas de governo, deslocando um pouco o foco

da análise do institucional para o comportamental.

Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sido realizadas por

cientistas sociais para questões como essas, o que é novo é a escala em que elas

passam a ocorrer a partir dos anos de 1970 nos países capitalistas centrais, e o

ambiente mais receptivo que passa a existir por parte dos governos. De fato, muitos

pesquisadores já se tinham interessado por questões ligadas à atuação do governo

e às políticas públicas. Esse movimento recente, entretanto, se caracterizou por

oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas atinentes aos

Page 58: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

53

enfoques que tomaram por modelo áreas da Administração Pública ou deram

excessiva ênfase a métodos quantitativos combinados à análise organizacional.

Embora várias definições tenham sido cunhadas pelos autores que primeiro de

dedicaram ao tema, pode-se iniciar citando Bardach (1998), que considera a Análise

de Políticas como um conjunto de conhecimentos proporcionado por diversas

disciplinas das ciências humanas utilizados para analisar ou buscar resolver

problemas concretos relacionados à política (policy) pública.

Para Wildavsky (1979), a Análise de Política recorre a contribuições de uma

série de disciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e conseqüências da

ação do governo, em particular, do processo de elaboração de políticas. Ele

considera, ademais, que Análise de Política é uma sub-área aplicada, cujo conteúdo

não pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por uma abordagem

que pareça apropriada às circunstâncias do tempo e à natureza do problema.

Segundo Lasswell (1951), essa abordagem vai além das especializações

acadêmicas existentes.

Já segundo Dye (1976), fazer “Análise de Política é descobrir o que os

governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz”. Para ele, Análise de

Política é a descrição e explicação das causas e conseqüências da ação do

governo. Numa primeira leitura, essa definição parece descrever o objeto da Ciência

Política, tanto quanto o da Análise de Política. No entanto, ao procurar explicar as

causas e conseqüências da ação governamental, os pesquisadores cien¬tistas

políticos têm-se concentrado nas instituições e nas estruturas de governo, só há

pouco registrando-se o deslocamento para um enfoque comportamental que

caracteriza a Análise de Política. Ham e Hill (1993) ressaltam que “só recentemente

a política pública tornou-se um objeto importante para os cientistas políticos”. E o

que “o que distingue a Análise de Política do que se produz em Ciência Política é a

preocupação com o que o governo faz”.

O fato de que a política pública pode influenciar a vida de todos os afetados

por problemas das esferas pública e política (politics), que os processos e

resultados de políticas sempre envolvem a vários grupos sociais e que as políticas

públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os

diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que

Page 59: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

54

têm no aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão torna a Análise de

Política, um campo de trabalho cada vez mais importante.

Segundo os pesquisadores que fundam o campo, a “policy orientation” é o que

distingue a Análise de Política da Administração Pública. Seu caráter normativo (no

sentido de explicitamente portador de valores) revela uma preocupação acerca de

como as idéias que emergem da análise podem ser aplicadas no sentido de

alavancar um projeto social alternativo. Neste caso, a melhoria do processo político

através das políticas públicas que promovam a democratização do processo

decisório é assumida como um viés normativo.

Mas segundo eles a Análise de Política é também problem-oriented, o que

demanda e suscita a interdisciplinariedade. A Análise de Política se caracteriza,

assim, pela sua orientação aplicada, socialmente relevante, multidisciplinar,

integradora e direcionada à solução de problemas. Além de sua natureza ser ao

mesmo tempo descritiva e normativa.

Na opinião de alguns pesquisadores de Análise de Política, o analista das

políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política (politics) de

maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões relacionadas à

função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder entre

diferentes grupos sociais.

Para uma análise adequada é necessário explorar três níveis. Níveis que

podem ser entendidos, ao mesmo tempo, como aqueles em que se dão realmente

as relações políticas (policy e politics) e como categorias analíticas, isto é, como

níveis em que estas relações devem ser analisadas. São eles:

1 - O do funcionamento da estrutura administrativa (institucional). É o nível

superficial, descritivo, que explora as ligações e redes intra e inter agências,

determinadas por fluxos de recursos e de autoridade etc. É o que se pode

denominar nível da aparência ou superficial;

2 - O do processo de decisão. É o nível, em que se manifestam os interesses

presentes no âmbito da estrutura administrativa, isto é, dos grupos de pressão que

atuam no seu interior e que influenciam o conteúdo das decisões tomadas. Dado

que os grupos existentes no interior de uma instituição respondem a demandas de

grupos, situados em outras instituições públicas e em organizações privadas, as

características e o funcionamento da mesma não podem ser adequadamente

Page 60: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

55

entendidos a não ser em função das relações de poder que se manifestam entre

esses grupos. É o que se pode denominar nível dos interesses dos atores;

3 - Das relações entre Estado e sociedade. É o nível da estrutura de poder e

das regras de sua formação, o da “infraestrutura economicomaterial”. É o

determinado pelas funções do Estado que asseguram a reprodução econômica e a

normatização das relações entre os grupos sociais. É o que explica, em última

instância, a conformação dos outros dois níveis, quando pensados como níveis da

realidade, ou as características que assumem as relações a serem investigadas,

quando pensados como categorias analíticas. Este nível de análise trata da função

das agências estatais que é, em última análise, o que assegura o processo de

acumulação de capital e a sua legitimação perante a sociedade. É o que se pode

denominar nível da essência ou estrutural.

A análise deve desenvolver-se de forma reiterada (em ciclos de

retroalimentação) do primeiro para o terceiro níveis e vice versa buscando

responder as questões suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como indicado, é

no terceiro nível onde as razões últimas destas questões tendem a ser encontradas,

uma vez que é ele o responsável pela manutenção da estabilidade política e pela

legitimidade do processo de elaboração de políticas.

No momento de formulação, através da filtragem das demandas, seleção dos

temas e controle da agenda mediante um processo cujo grau de explicitação é

bastante variável. Ele vai desde uma situação de conflito explícito, onde há uma

seleção “positiva” das demandas que se refere às funções que são necessárias

para manutenção de formas de dominação na organização econômica, como

suporte à acumulação de capital e resolução de conflitos abertos até uma de “não-

decisão”, que opera no nível “negativo” da exclusão dos temas que não interessam

à estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrária),

selecionando os que entram ou não na agenda através de mecanismos que filtram

ideologicamente os temas e os problemas.

Nos momentos da implementação e da avaliação outros mecanismos de

controle político se estabelecem tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como

âmbito maior e mais complexo de determinação, o terceiro.

É através do trânsito entre estes três níveis que, depois de várias reiterações,

é possível conhecer o comportamento da “comunidade política” presente numa área

Page 61: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

56

qualquer de política pública, e desta maneira chegar a identificar as características

mais essenciais de uma política. Este processo envolve examinar a estrutura de

relações de interesses políticos construídos pelos atores envolvidos; explicar a

relação entre o primeiro nível superficial das instituições e o terceiro nível mais

profundo da estrutura econômica.

Assim, pode-se dizer que a análise de uma política implica, primeiramente, em

identificar as organizações (instituições públicas) com ela envolvidas e os atores

que nestas se encontram em posição de maior evidência. Em seguida, e ainda no

primeiro nível (institucional) de análise, identificar as relações institucionais (isto é,

aquelas sancionadas pela legislação) que elas e seus respectivos atores-chave

mantêm entre si.

Passando ao segundo nível, passa-se a pesquisar as relações que se

estabelecem entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse

existentes no interior de uma instituição e de grupos externos, situados em outras

instituições públicas e em organizações privadas. As relações de poder, coalizões

de interesse, formação de grupos de pressão, cooptação, subordinação etc., devem

ser cuidadosamente examinadas de maneira a explicar o funcionamento da

instituição e as características da política. A determinação de existência de padrões

de atuação recorrente de determinados atores-chave e sua identificação com o de

outros atores, instituições, grupos econômicos, partidos políticos etc., de modo a

conhecer os interesses dos atores, é o objetivo a ser perseguido neste nível de

análise.

O terceiro nível de análise é, finalmente, o que permitirá, mediante uma

tentativa sistemática de comparar a situação observada com o padrão (estrutura de

poder e das regras de sua formação) conformado pelo modo de produção capitalista

─ sua “infraestrutura economicomaterial” e sua “superestrutura ideológica” ─,

explicá-lo. É através do estabelecimento de relações entre a situação específica que

está sendo analisada ao que tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado

(ou periférico, no caso latino-americano) que se pode chegar a entender a essência;

isto é, entender porque as relações que se estabelecem entre as várias porções do

Estado e destas com a sociedade são como são.

Page 62: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

57

Pode-se entender o percurso descrito como uma tentativa sistemática de

percorrer este “caminho de ida e volta” apoiando-se sempre no “mapa” que este

terceiro nível de análise proporciona.

2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional

O Planejamento Estratégico Situacional, método PES, surge em meados da

década de 1970 como resultado da busca de uma ferramenta de suporte ao mesmo

tempo científica e política para o trabalho cotidiano de dirigentes públicos e outros

profissionais em situação de governo. Seu criador foi o ex-ministro de planejamento

chileno do governo Allende, Carlos Matus. Nas suas próprias palavras, o método

PES nasceu de um longo processo de reflexão que teve lugar no período em que

ele ficou preso em função do golpe militar que levou à morte do presidente Allende,

em setembro de 1973. Essa reflexão, o levou a formular uma crítica ao

planejamento governamental tradicional e propor um método alternativo, que

levasse em conta o caráter situacional (situação do ator que planeja) e estratégico

que deveria possuir o planejamento, em especial aquele necessário para lidar com

as particularidades do Estado latino-americano.

A leitura de qualquer um dos vários livros que escreveu revela que essa crítica

tem como pressupostos muitos dos conteúdos abordados pelo enfoque da Análise

de Políticas. Aspecto que ficou ainda mais patente para os que tiveram a

oportunidade de serem alunos do Prof. Matus. Por estar baseado em pressupostos

muito semelhantes aos da Análise de Política, o método PES é uma alternativa ao

planejamento tradicional e, por isso, foi escolhido como um dos fundamentos deste

curso de GEP. Também o foi o fato de ele ter sido concebido através do

aprendizado proporcionado por sucessivas experiências de planejamento

governamental em países periféricos, que permite que o Curso que aqui se

apresenta conte com um repertório de instrumentos e metodologias que adicionam

à reflexão sobre Análise de Políticas preocupações mais realistas e próximas do

contexto latino-americano.

Dado que, tal como indicado acima, não cabe aqui uma apresentação

sistemática da proposta do PES, se destaca a seguir alguns pontos que a tornam

apropriada para servir de fundamento à disciplina de GEP:

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a) A crítica radical que faz ao planejamento tradicional “normativo” (não no

sentido de prescritivo, mas sim de voluntarista ─ escassamente apoiado em análise

metodologicamente coerentes ─ e autoritário ─ baseado em “acordos de gabinete”

─ sem participação) e à sua própria epistemologia, de caráter positivista e

comportamentalista;

b) O esforço de construção de um método para compreender o jogo social, a

relação entre os homens, e atingir resultados relevantes apesar da incerteza sempre

presente, a partir de categorias como ator social, teoria da ação social, a produção

social e conceitos como o de situação e o de momento.

O método PES se coloca, assim, como uma “contraproposta epistemológica”

ao planejamento de tipo economicista ao:

a) Negar a possibilidade de um único diagnóstico da realidade, ao enfatizar

que os vários atores “explicam” ou fazem “recortes” interessados da realidade, a

partir de suas situações particulares e sempre voltados para a ação. Não é possível,

nunca, um conhecimento “fechado”, uma verdade acabada sobre a realidade?

b) Reconhecer que os atores em situação de governo nunca têm o controle

total dos recursos exigidos por seus projetos e, por isto, nunca há certeza de que

suas ações alcançarão os resultados esperados. Os recursos escassos não são só

os econômicos, mas os de poder, de conhecimento e de capacidade de organização

e gestão, entre outros;

c) Que a ação humana é intencional e nunca inteiramente previsível como

fazem supor os comportamentalistas;

d) Que o jogo social é sempre de “final aberto”.

Nesta medida, apesar da incerteza, da incapacidade de controlar os recursos,

do abandono de qualquer posição determinística, há sempre espaço para a ação

humana intencional, para se “fazer história”, para se “construir sujeitos” individuais e

coletivos e para se lutar contra a improvisação, construindo um caminho possível

que se aproxime do rumo desejado.

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CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES

3. Introdução22

Este capítulo trata de uma metodologia que tem como objetivo propiciar uma

aproximação ao nosso propósito de subsidiar a transição do “Estado Herdado” para

o “Estado Necessário”.

Suas características decorrem do fato de que, tal como já observamos, nossa

proposta a esse respeito é distinta daquela que postula uma “cena de chegada” ─

uma configuração de Estado democrático (O’DONNELL, 2008) coerente com um

cenário normativo a ser construído pela via da observância das cidadanias que

estão além da cidadania política ─ que, por oposição, se diferencia da “cena inicial”

─ o “Estado Herdado”. Tal proposta, por não explicitar a natureza da “trajetória” que

as separa, coloca o “Estado Necessário” como uma espécie de “farol” situado num

cenário futuro. Ele seria o responsável para guiar a transição.

Acreditamos que para materializar a intenção de gerar uma configuração de

Estado com atributos previamente especificados (consolidar as cidadanias que

estão além da cidadania política), devido à escassa possibilidade que temos de

especificar a cena de chegada, às incertezas associadas ao processo e à

necessidade de que o processo esteja sempre submetido à vontade de coletivos

participativos com alto poder de decisão, é necessário outro tipo de abordagem

metodológica. Mantendo a analogia náutica, podemos dizer que sem que uma

“bússola” se encontre disponível, é baixa a probabilidade de alcançar a um

resultado coerente com os valores e interesses do conjunto dos atores que, como

atores mais envolvidos com esse processo, queremos promover.

A bússola é um instrumento que nos permite navegar mesmo quando as

condições de visibilidade não nos permitem enxergar o farol. Especialmente

quando, por estarmos numa embarcação à vela, é inconveniente manter um rumo

fixo. Quando é necessário aproveitar uma lufada de vento forte que nos permite

avançar mais rápido, mesmo sabendo que termos que bordejar depois para

recuperar a direção em que estávamos; afinal velejar é aproveitar a força do vento e

da maré. Ou quando percebemos que não é conveniente tentar manter o rumo para

22 Este texto é uma adaptação do capítulo sobre a Metodologia de Diagnóstico de Situações de Dagnino e outros (2002).

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Page 65: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

60

chegar a um ponto rigidamente pré-determinado (farol). Quando o mais importante,

naquela conjuntura, é chegar logo à costa, ainda que num ponto distinto do que se

havia programado, de maneira segura e aproveitando as condições que se

apresentarem. A bússola é o que nos permitirá, inclusive, saber o quanto estamos

nos afastando daquele ponto e quais os inconvenientes que isto nos poderá causar.

Gerar um produto adequado a um cenário postulado como desejável (farol),

mas numa situação em que o contexto sócio-econômico e político é cambiante,

assim como o são os interesses e projetos políticos dos atores que se quer

favorecer, sobretudo quando é difícil visualizar sua provável evolução, não é o mais

sensato. O que não quer dizer, é claro, que devamos deixa o barco à deriva.

Nossa bússola é, justamente, a metodologia que apresentamos neste capítulo.

Por trabalhar com situações-problema que derivam do ambiente sócio-econômico e

político em que estamos “velejando” e que são definidas no âmbito dos atores que

nos interessa promover e que por isso trazem embutidos seus valores e interesses,

ela é mais eficaz do que qualquer “farol” que a priori, antes de começar a viagem,

possamos divisar.

Ela começa com a construção de um mapa cognitivo de uma determinada

situação-problema. Este mapa pode ser considerado, para todos os efeitos, como

um modelo descritivo de uma realidade complexa sobre a qual, num momento

normativo posterior, com o emprego da Metodologia de Planejamento de Situações

(MPS), elaborar-se-ão estratégias especificamente voltadas a alterar a configuração

atual descrita.

A Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) busca viabilizar uma

primeira aproximação aos conceitos adotados para o PEG e ao conjunto de

procedimentos necessários para iniciar um processo dessa natureza numa

instituição pública, de governo. Do ponto de vista mais formal e enfatizando seu

caráter pedagógico mais do que o de ferramenta de trabalho que ela possui, a MDS

pode ser considerada como uma variação da metodologia do estudo de caso ou do

“método do caso”23, amplamente utilizada desde o início do século XX nas Escolas

de Direito e de Administração (pública e de empresas) em todo o mundo. Sem

pretender comparar esse método de ensino com a MDS, mesmo porque esta possui

23 Sem aprofundar, vale mencionar a distinção que fazem Aragão e Sango (2003) entre esses dois termos.

Page 66: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

61

um caráter que pretende transcender em muito esta condição, ou criticar a forma

com foi concebido ou tem sido utilizado24, cabe enfatizar que os esforços iniciais

para a sua concepção e utilização, realizados por Carlos Matus, se dão em

ambientes de governo para resolver problemas concretos e não para a “construção”

ou idealização de casos úteis para o ensino de Administração.

Na primeira parte desse capítulo, que engloba as duas primeiras seções, são

apresentados conceitos como Ator Social e Jogo Social, e são apontadas diretrizes

para a ação estratégica.

Na sua segunda parte é apresentada uma visão sobre os condicionantes da

ação de governo a partir de alguns conceitos como projeto de governo,

governabilidade, a capacidade para governar, o tempo e a oportunidade. Especial

destaque se dá ao Triângulo de Governo como ferramenta para a análise de

Governabilidade.

Na terceira parte é apresentada a maneira como se dá o tratamento de

problemas no âmbito da metodologia. É apresentado o conceito de problema (em

tudo análogo ao de situação- problema) e são exemplificados os procedimentos

adotados para sua identificação e formulação adequada.

Na quarta parte são apresentados os procedimentos para a construção do

fluxograma explicativo da situação. Fica ali evidente a relação que essa metodologia

possui com as metodologia de modelização e de mapas cognitivos e com os

trabalhos sobre Planejamento Estratégico Situacional, desenvolvidos pelo Prof.

Carlos Matus. O diagnóstico de uma situação é a base para a definição das ações

em um plano estratégico, assunto que é desenvolvido no capítulo que segue,

referente à Metodologia de Planejamento Situacional.

3.1. Uma visão preliminar do resultado

Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MDS pode ser obtida

através de um exemplo bem simples, ainda que sofrido pelos Palmeirenses, que

mostra os problemas identificados por um ator ─ o time do Palmeiras ─ no âmbito

de uma situação-problema, a sua derrota frente ao Corinthians.

24 Kliksberg (1992), Costa e Barroso (1992) e Aragão e Sango (2003), entre outros, sistematizaram algumas dessas críticas de modo bastante acertado e que se mostrou útil para a concepção das melhorias que fomos ao longo do tempo introduzindo na MDS.

Page 67: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

62

Frente à derrota, o presidente do Palmeiras reuniu os jogadores para entender

porque o time foi derrotado e buscar soluções. Iniciou a reunião perguntando a cada

jogador: qual foi a causa da derrota, e pediu que cada um escrevesse numa ficha

esta causa. Pediu também que os jogadores respondessem usando uma ficha para

cada problema com uma frase objetiva, curta, direta, com poucas palavras,

ressaltando que não colocassem mais de um problema na mesma folha; se

quisessem indicar mais de um problema, deveriam usar outra ficha. E que, de

preferência, a frase não começasse com “falta ...”, pois se fosse assim o enunciado

do problema já estaria enunciando a sua solução ─ providenciar o que está faltando

─, e isso deveria ser evitado para que se pudesse ter uma visão mais adequada da

situação-problema como um todo. Finalmente, pediu que evitassem o ruído do tipo

1: eu falo x e o outro entende y e, também, o do tipo 2: eu acho que falei m mas, na

realidade, falei n.

Vejamos o que eles conseguiram (ver Figura 3.1.1):

FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORES

Em seguida, eles tentaram ordenar os problemas identificados colocando as

causas mais determinantes à esquerda. O resultado foi o seguinte (ver Figura

3.1.2):

JOGADORES

QUEREM SAIR

DO PALMEIRAS

PALMEIRAS

POUCO

MOTIVADO

POUCAS JOGADAS

COM CHANCE

DE GOL

CORINTHIANS BEM

PREPARADO

E MOTIVADO

ATRITOS ENTRE

JOGADORES

E DIRIGENTES

JOGO LENTO E

MÁ PONTARIA

ATRASO DE

PAGAMENTO

NO PALMEIRAS

CORINTHIANS

POSSUI MAIS

SÓCIOS PALMEIRAS COM MÁ

PREPARAÇÃO

FÍSICA

BAIXA RENDA

NOS JOGOS

Page 68: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

63

FIGURA 3.1.2: ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS

JOGADORES

QUEREM SAIR

DO PALMEIRASPALMEIRAS

POUCO

MOTIVADO

POUCAS JOGADAS

COM CHANCE

DE GOL

CORINTHIANS BEM

PREPARADO

E MOTIVADO

ATRITOS ENTRE

JOGADORES

E DIRIGENTES

JOGO LENTO

E MÁ

PONTARIAATRASO

DE PAGAMENTO

NO PALMEIRAS

CORINTHIANS

POSSUI MAIS

SÓCIOS

PALMEIRAS COM

MÁ PREPARAÇÃO

FÍSICA

BAIXA RENDA

NOS JOGOS

ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS

Depois, eles organizaram os problemas classificando as causas segundo a

capacidade que tinham de agir sobre elas (governabilidade) para tentar entender

quais eram as “relações de causalidade” que existiam entre elas (ver Figura 3.1.3).

Eles chegaram ao que na terminologia da MDS é um fluxograma explicativo da

situação-problema. Ou o que, de forma mais genérica, é um mapa cognitivo de

como os jogadores do Palmeiras explicam a sua derrota. Ou, ainda, utilizando o

jargão da Análise de Sistemas é um modelo de um sistema complexo (a derrota).

FIGURA 3.1.3: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO PROBLEMA

PALMEIRAS

PERDEU

POR 3 X 0

PALMEIRAS

POUCO

MOTIVADO

POUCAS JOGADAS

COM CHANCE

DE GOL

CORINTHIANS BEM

PREPARADO

E MOTIVADO

JOGO LENTO

E MÁ

PONTARIAATRASO DE

PAGAMENTOS

NO PALMEIRAS

CORINTHIANS

POSSUI MAIS

SÓCIOS

PALMEIRAS COM

MÁ PREPARAÇÃO

FÍSICA

BAIXA RENDA

NOS JOGOS

FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO-PROBLEMA

conseqüênciascausas

espaço de

governabilidade

fora do

“jogo”

fora da

governabilidade

JOGADORES

QUEREM SAIR

DO PALMEIRAS

ATRITOS ENTRE

JOGADORES

E DIRIGENTES

Page 69: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

64

3.2. O que é o “agir estratégico”?

Apresentada essa visão preliminar do resultado da aplicação da MDS,

podemos iniciar o detalhamento dos conceitos e relações que ela compreende.

O foco da ação estratégica é tornar possível, no futuro, o que hoje parece

impossível ou improvável, e manter atenção sobre o que é mais importante fazer

para atingir os objetivos traçados. Nossa concepção de planejamento implica,

portanto, enfrentar problemas planejando para construir viabilidade.

3.3. Pressupostos para uma ação estratégica em ambiente governamental

Para uma mesma situação-problema é possível construir diferentes

explicações ou diagnósticos válidos. Cada ator social tem a sua visão da realidade,

dos resultados que deve e pode alcançar e da ação que deve empreender. No

entanto, é preciso avançar, na percepção sobre o conceito de Diagnóstico,

incorporando a idéia mais apurada de análise de situações e tendo presente que é

necessário saber interagir com outros atores para ganhar sua colaboração ou

vencer suas resistências.

Partimos da hipótese realista e minimalista de que o ator que planeja está

inserido no objeto planejado e não tem controle sobre o contexto sócio-econômico e

político onde vai agir. A GEP supõe que o ator que planeja atua em um ambiente

marcado por incerteza, em que surpresas podem ocorrer a todo o momento e em

que a possibilidade do insucesso está sempre presente e deve ser incorporada no

cálculo político.

3.4. O conceito de Ator Social

Ator social é uma pessoa, grupo ou organização que participa de algum “jogo

social”; que possui um projeto político, controla algum recurso relevante, tem,

acumula (ou desacumula) forças no seu decorrer e possui, portanto, capacidade de

produzir fatos capazes de viabilizar seu projeto (MATUS, 1996).

Todo ator social (com projeto e capacidade de produzir fatos no jogo) é capaz

de fazer pressão para alcançar seus objetivos, podendo acumular força, gerando e

mudando estratégias para converter-se num centro criativo de acumulação de

poder.

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O diagnóstico inicial de problemas que conformam uma situação-problema a

ser enfrentada por um ator pode ser visto como o resultado do jogo realizado por um

conjunto de atores num momento pretérito.

3.5. Características do Jogo Social

É possível caracterizar o agir social como um jogo que pode ser de natureza

cooperativa ou conflitiva. Num no jogo social, diferentes jogadores têm perspectivas

que podem ser comuns ou divergentes e controlam recursos que estão distribuídos

entre os jogadores segundo suas histórias de acumulação de forças em jogos

anteriores. Um conjunto de jogos sociais conforma um contexto que pode ser

entendido como um sistema social. Mas, diferentemente de jogos esportivos, por

exemplo, no jogo social, ou no jogo político que tipicamente ocorre nas atividades

de GEP, as regras do jogo podem alterar-se em função de jogadas e de

acumulações dos jogadores.

3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica

A Gestão Estratégica pode ser entendida como uma composição de quatro

momentos principais25 (ver Quadro 3.6.1):

QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA

FONTE: elaborado pelo autor.

25 “Momento” é uma instância repetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS, 1996:577). O conceito não tem uma característica meramente cronológica e indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos.

Page 71: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

66

Adotamos aqui a nomenclatura “momento” conforme proposta por Matus,

como crítica à concepção de planejamento convencional como sendo composto por

um conjunto de etapas ou de fases separadas e estanques.

Os momentos indicados no diagrama e as atividades que implicam podem ser

assim caracterizados:

DIAGNÓSTICO: Explicar a realidade sobre a qual se quer atuar e mudar; foi, é

e tende a ser.

FORMULAÇÃO: Expressar a situação futura desejada ou o Plano; o que deve

ser.

ESTRATÉGIA: Verificar a viabilidade do projeto formulado e conceber a forma

de executá-lo; é possível? como fazer?

OPERAÇÃO: Agir sobre a realidade; fazer, implementar, monitorar, avaliar.

3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo

O conceito de Governabilidade pode ser entendido através de uma ferramenta

simples e muito útil para a análise de viabilidade política de projetos e de ações de

governo: o Triângulo de Governo (ver Figura 3.7.1). Esse modelo é formado por três

variáveis interdependentes que se encontram nos seus vértices. Correndo o risco da

simplicidade excessiva, pode-se dizer que Governar é controlar de forma adequada

essas três variáveis. O Triângulo de Governo que expressa o balanço entre elas

pode ser esquematicamente concebido como a área da figura.

Um grupo político que pretende governar formula um Projeto de Governo, que

pode ser entendido como o conjunto dos objetivos que ele possui e que expressam

os desejos da parte da população que o elegeu conferindo Apoio Político ao

governo eleito. Este Projeto de Governo é posteriormente transformado num

conjunto de planos, dando origem à GEP. É intuitiva a idéia que o Apoio Político, em

qualquer mandato de um governo eleito, começa alto e tende a diminuir. Como

também o é a de que um Projeto de Governo que não pretende mudar a situação

previamente existente ─ um projeto meramente “administrativo” ─ não irá requerer

uma alta governabilidade, pois não existirão muitos obstáculos à sua ação. Ao

contrário, um Projeto de Governo “transformador”, que expressa uma grande

ambição do ator social de mudar a situação previamente existente exigirá alta

governabilidade. Então, o grau de Governabilidade que um ator social precisa para

Page 72: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

67

governar é inversamente proporcional ao Projeto de Governo, entendido, este, como

a ambição de mudar a situação previamente existente.

FIGURA 3.7.1: TRIÂNGULO DE GOVERNO

projeto de governo

apoio político

capacidadede governo

balanço de governabilidade

governabilidade = “área” do triângulo

para manter g acima de um patamar mínimo,

o governante deve obter um balanço favorável entre

a, c e p.

FONTE: elaborado pelo autor. O sistema em que está inserido o Projeto de Governo não é passivo. As

resistências e os apoios indicam uma relação de forças que expressam a maior ou a

menor sustentação política que o ator social que governa possui para implementar

seu projeto político. Esse “Apoio Político” que a sociedade confere ao governante a

ao seu Plano de Governo pode ser entendido também como a força (que o ator

possui) para “fazer acontecer”, está representado no vértice esquerdo do Triângulo.

É também intuitiva a idéia que a Governabilidade é diretamente proporcional ao

Apoio Político com que conta o ator social.

A equipe dirigente deve analisar, para cada projeto ou proposta de governo,

qual é o efetivo apoio/rejeição/desinteresse de atores políticos. No caso de um

governo municipal, eles serão o(a) Prefeito(a), secretariado, movimentos sociais e

sindicais, apoio partidário, opinião pública, legislativo, meios de comunicação,

formadores de opinião...

O controle dos aspectos que integram o sistema depende da capacidade que o

dirigente possuir para implementar seu projeto, construindo resultados, mudando a

realidade e ampliando, assim, sua Governabilidade.

Page 73: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

68

Mas a análise deve informar, também, para cada projeto ou proposta de

governo, qual é a capacidade de governar da equipe dirigente, sua experiência de

gestão, seus métodos de trabalho, sua organização interna, suas habilidades

pessoais, seu controle de meios para empreender o projeto, seu controle de

recursos (tempo, conhecimento, financeiros, pessoal capacitado, capacidade para

formar opinião, para gerenciar ou para coordenar processos de trabalho, para gerar

legislação ou regulamentações, comunicação, mobilização de apoio). A Capacidade

de Governo (ou governança) é o recurso cognitivo (saber governar) com o qual

conta a equipe de governo, deriva desse conjunto de fatores. Ela está representada

no vértice direito do Triângulo. A Governabilidade é diretamente proporcional à

Capacidade de Governo.

Essa capacidade de análise de viabilidade é essencial para Governabilidade.

Ela é uma avaliação sistemática sobre a força (ou Apoio Político) necessária para

implementar ações de governo e a Capacidade de Governo. A Governabilidade vai

depender, a cada momento, e para um dado projeto, das situações específicas

proporcionadas pela ação sob análise. Dois fatores importantes que afetam a

Governabilidade são o tempo, entendido como o recurso mais escasso do

governante e a oportunidade política para empreender uma dada ação de governo.

Em termos matemáticos, pode-se escrever que g = F (a; c; 1/p); onde

Governabilidade: g; Apoio Político: a; Capacidade de Governo: c; ambição do

Projeto de Governo: p.

Para deixar o conceito de Governabilidade ainda mais claro, vamos analisar

dois casos tendo como referência gráficos em que o Apoio Político e a Capacidade

de Governo estão indicadas no eixo vertical e o tempo de governo no eixo horizontal

(ver Figura 3.7.2).

A curva da Capacidade de Governo se inicia baixa e negativa, indicando que a

equipe do governo eleito, em geral, não sabe governar. E só o faz, de fato, quando

ela atravessa o eixo horizontal.

A curva do Apoio Político se inicia positiva e alta, indicando que a equipe do

governo eleito conta sempre, no início, com muita aprovação da população.

No primeiro caso, se a equipe dirigente não possui suficiente Capacidade de

Governo ela demorará em começar a governar de fato. E por causa disso, o Apoio

Político que em geral tende a diminuir se verá reduzido pela incapacidade da equipe

Page 74: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

69

satisfazer ao interesse da população. Neste caso, o governo terminará de fato antes

término previsto. Ou então, para manter a Governabilidade a equipe terá que reduzir

o seu Projeto de Governo (isto é, a ambição de mudar a situação previamente

existente). Ele terá que ser sacrificado de modo a obter apoio político das forças

conservadoras.

FIGURA 3.7.2: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO

Capacidade

de governo

Apoio Político

Período Efetivo

de Governo

+

-

FONTE: elaborado pelo autor.

No segundo caso, a equipe dirigente consegue adquirir Capacidade de

Governo mais rapidamente e, em conseqüência, o período efetivo de governo

começa mais cedo e seu projeto poderá ser mantido até o fim. Isso significa que o

governante não irá ser obrigado a diminuir sua expectativa de mudar a realidade.

Essa equipe, por começar a governar com uma capacidade de governo maior,

pode impedir que o apoio político se reduza. Pelo contrário, ele pode aumentar. Isso

pode fazer com que essa equipe de governo seja promotora do perfil de sua

sucessora a qual terá a mesma linha política e projeto que foram bem sucedidos e

que têm o apoio da população.

A equipe, por saber governar, faz com que o resultado que alcança promova

uma ampliação do mandato previsto. Todavia, para que isso ocorra é necessária

capacidade de governo. Quem não der a devida atenção à capacidade de governo

(que é um dos recursos mais importantes para se governar), não conseguirá

governar. Poderá até pensar que está governando, ou mesmo governar durante

certo tempo, porém a partir de um dado momento não irá mais fazê-lo.

Page 75: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

70

Antes das eleições, a população pode votar num candidato porque acha que

ele sabe governar, por ele falar bem, ser simpático, defender uma parte importante

da população etc. O apoio político inicialmente não depende da capacidade de

governo.

Todavia, no momento posterior, depois se assumir o mandato, o apoio político

não será um mero reflexo da plataforma política ou da simpatia da população pelas

idéias da equipe que governa. Depois que o governo está em execução a simpatia

não é tão importante como era quando da eleição. A partir desse momento, o apoio

político se torna proporcional à capacidade de governo. E, neste segundo caso,

como se pode ver no gráfico (ver Figura 3.7.3), a partir de um determinado momento

a curva de apoio político começa a subir.

Para manter a Governabilidade a equipe não precisará sacrificar o Projeto de

Governo (ambição de mudar a situação existente). Ele poderá ser mantido até o fim

e o governo terminará depois do término previsto. Ou seja, a equipe poderá fazer a

sua sucessora.

FIGURA 3.7.3: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO

+

-

Capacidade

de governo

Apoio Político

Período Efetivo

de Governo FONTE: elaborado pelo autor.

Dessas evidências surge o argumento de que o tempo que a equipe de

governo demora a adquirir capacidade de governo é uma variável crítica. Tempo

este que, na realidade, não pode ser considerado como um tempo de governo.

Enquanto a equipe está adquirindo capacidade de governo, enquanto a curva não

ultrapassa a linha horizontal mostrada no gráfico, alguém, que não ela, está de fato

governando. É um tempo durante o qual a tendência é de perda de apoio político.

Page 76: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

71

3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública

Introduzido o conceito de Governabilidade, é possível aprofundar o

entendimento do conceito de situação-problema e o papel que ela desempenha na

GEP. Esta seção parte da idéia de que qualquer situação pode ser entendida pelo

ator com ela envolvido como o resultado, o “placar”, de um jogo. E que esta situação

pode ser por ele encarada como um problema a resolver. Ou seja, o êxito em um

jogo será a solução de um problema ou a mudança do placar. Neste contexto,

portanto, situação, problema e situação-problema são, para todos os efeitos,

sinônimos.

Pode-se entender a realidade social como um grande jogo integrado por

muitos jogos parciais e que possuem suas próprias regras, em que atores se vêem

envolvidos ou procuram se envolver. Em todos os jogos há alguns jogadores e

alguns espectadores: nenhum ator social participa de todos os jogos.

O governante, o ator que planeja ou o encarregado da gestão de uma situação

pode ser vistos como um jogador que, com suas ações, produze acumulações

procurando alterar o resultado do jogo. É com base nessas acumulações que ele

pode ampliar, ou reduzir, sua capacidade de produzir novas jogadas e alterar a

situação inicial. Este é o mecanismo básico através do qual se acumula ou se

desacumula poder e se produz, ou não, mudanças significativas sobre uma dada

situação-problema.

Observar a ação de governo, que gera acúmulos de poder e resultados

socialmente valorizados, é uma atividade-chave da GEP. Essa observação exige: a

identificação dos jogos e dos problemas em que o ator que planeja está envolvido; a

determinação de sua relação com outros problemas e jogadores; a identificação de

suas manifestações sobre a realidade ou das evidências que permitam verificar se o

problema está se agravando ou sendo solucionado pela ação de governo; a

diferenciação entre as causas e as conseqüências dos vários jogos parciais.

3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema)

O elemento central do momento de Diagnóstico é a produção de um quadro

que identifique e relacione entre si os problemas mais relevantes associados a uma

dada situação (Instituição etc.) em um determinado momento. Recordando, um

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problema, ou uma situação problema, é o resultado de um jogo. É algo que o ator

declare como insatisfatório e evitável.

Um problema é estruturado quando é possível: enumerar todas as variáveis

que o compõem; precisar todas as relações entre as variáveis; fazer com que todos

os jogadores reconheçam como tal a solução proposta.

E é quase-estruturado, quando se podem: enumerar apenas algumas das

variáveis que o compõem; precisar apenas algumas das relações entre as variáveis;

entender suas soluções como, necessariamente, situacionais. Isto é, aceitáveis para

um ator e vistas com restrições por outros.

Os problemas produzidos pelos jogos sociais e por inclusão os que são alvo da

GEP são quase-estruturados. Um problema quase-estruturado pode conter, como

elementos parciais, problemas estruturados. Isto é, os problemas estruturados não

existem na realidade social, salvo como aspectos ou como partes de problemas

quase estruturados.

3.10. Tipos de Problemas

No jogo social são produzidos três tipos de problema. Adotando como

referencial o tempo, o significado e a natureza do seu resultado para um

determinado ator, o problema pode ser: uma ameaça, isto é, um perigo potencial de

perder algo conquistado ou agravar uma situação; uma oportunidade, isto é, a

possibilidade que o jogo social abre e sobre a qual o ator pode agir para aproveitá-la

com eficácia ou desperdiçá-la; um obstáculo, ou seja, uma deficiência passível de

ser atacada através da adequada observação e qualificação do jogo em curso.

É possível classificar os problemas quanto a: tempo: atuais ou potenciais;

governabilidade: controle total, baixo controle e fora de controle; abrangência:

nacionais, locais, específicos, estaduais, municipais; estruturação: estruturados ou

quase-estruturados.

O enfrentamento de problemas já criados ou presentes é um ato reativo. O

enfrentamento das ameaças e das oportunidades é um ato propositivo. A ação de

caráter propositivo é um objetivo a ser perseguido permanentemente pelo ator que

busca melhores resultados e mais possibilidades de êxito. Tais possibilidades, no

entanto, não estão usualmente sob controle dos dirigentes públicos. Ao assumir a

frente de uma organização ou instância de governo, a escala e a gravidade dos

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Page 78: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

73

problemas já detectados e que exigem soluções imediatas costuma ser de tal monta

que a ação do governante tende a ser de caráter reativo. Simultaneamente,

entretanto, devem ser vislumbradas novas ameaças e oportunidades, procurando

evitar o agravamento da situação (ação de caráter propositivo).

3.11. Conformação de um Problema

Um problema só existe quando uma situação adversa se torna foco de

interesse de um ator social. Isto ocorre devido ao mal-estar claramente percebido

que produz o resultado de algum jogo em que ele está envolvido. Ou, em menor

medida, à identificação de que o jogo contém oportunidades cujo resultado pode

beneficiá-lo. Antes que isso ocorra, o resultado deste jogo é, para o ator, um mal-

estar impreciso ou uma mera necessidade sem demanda política.

O diagnóstico da situação supõe: listar os problemas declarados pelos

diversos atores sociais relevantes; avaliar os problemas segundo a perspectiva

desses atores; situar os problemas no tempo e no espaço; verificar se existe

complementaridade ou contradição entre os problemas declarados; identificar fatos

que evidenciam e precisam a existência de problemas; levantar suas causas e

conseqüências;selecionar as causas críticas que podem ser objeto de intervenção.

3.12. Como formular um Problema?

Uma correta formulação de um problema é condição essencial para seu

equacionamento. Um problema mal formulado pode levar a uma visão distorcida da

situação e à tomada de decisões equivocadas, que podem debilitar o ator.

Um problema pode ser uma situação ou um estado negativo, uma má

utilização de recursos, uma ameaça ou uma intenção de não perder uma

oportunidade.

É necessário identificar e precisar problemas atuais ou realmente potenciais, e

evitar exercícios de futurologia e de imaginação dispersiva; um problema não é a

“ausência de uma solução”.

Exemplos de como formular os problemas imersos numa situação (ver

Esquema 3.12.1):

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ESQUEMA 3.12.1: FORMULAÇÃO DE PROBLEMAS

FONTE: elaborado pelo autor.

É conveniente evitar a indicação de temas gerais como problemas. Exemplo:

saúde, transporte etc. É também conveniente evitar listar objetivos, como atingir

50% de imunização, concluir a estrada entre A e B.

3.13. Perguntas para verificar se a seleção de Problemas é apropriada

Parte-se do princípio de que a ação de um governo pode ser pior, mas nunca

superior à seleção de problemas efetuada pelo dirigente e sua equipe. Os critérios

de seleção enunciados não devem ser aplicados problema por problema, mas sim

na avaliação do conjunto de problemas selecionados.

Convém verificar a seleção do conjunto de problemas, respondendo as

seguintes perguntas: a) Qual é o valor político dos problemas selecionados versus o

valor dos problemas postergados? b) Há concentração ou dispersão de esforços

para enfrentá-los? c) Qual é a proporção de problemas que exigem continuidade

frente aos que exigem inovação? d) Qual é a proporção de problemas cujos

resultados irão amadurecer dentro do período de gestão ou mandato? e) Qual é o

balanço entre os recursos necessários para o enfrentamento dos problemas

selecionados em relação aos recursos disponíveis? f) Algum dos problemas

selecionados pode dissolver-se num problema maior que o compreende?

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3.14. A Descrição de um Problema

Um problema deve ser descrito por intermédio de fatos verificáveis através dos

quais ele se manifesta como tal em relação ao ator que o declara. Esses fatos

devem ter sua existência amplamente aceita para que possam ser validados.

A descrição de um problema é relativa ao ator que o declara: o resultado de

um jogo pode ser um problema para um ator, uma ameaça para um segundo, um

êxito para um terceiro e uma oportunidade para um quarto. A descrição de um

problema deve precisar seu significado e torná-lo verificável mediante os fatos que o

evidenciam.

A descrição de um Problema deve: 1) reunir suas distintas interpretações

possíveis em um só significado; 2) precisar o que deve ser explicado: definir seu

significado em termos de quantidade e de qualidade, de tempo e de localização; 3)

evidenciar o problema de uma forma monitorável, isto é, que permita o

acompanhamento de sua evolução; 4) permitir que sejam previstas ou definidas

fontes de verificação para a descrição construída.

Exemplos de descrição de Problemas (ver Figura 3.14.1):

FIGURA 3.14.1: DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS

FONTE: elaborado pelo autor.

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3.15. A Explicação da Situação-problema

O conceito de diagnóstico aqui adotado está referido à forma como os atores

participantes de um jogo social observam e, portanto, explicam a realidade em que

estão inseridos. Toda explicação pressupõe reflexão. É ela que permite que o ator

perceba possibilidades para transformar ou para manter uma dada situação.

Para explicar um problema, é necessário fazer uma distinção entre:

i) Causas (o problema se deve a);

ii) Descrição (o problema se verifica através de);

iii) Conseqüências (o problema produz um impacto em).

As causas imediatas da decisão de um jogo são as jogadas (fluxos ou

movimentos). Para produzir jogadas, é necessário capacidade de “produção”

(acumulações ou potenciais que os jogadores possuem ou utilizam). Mas as

jogadas válidas são aquelas permitidas pelas regras estabelecidas para cada jogo.

Explicar uma situação ou um problema é construir um modelo explicativo de

sua geração e de suas tendências. Devem-se precisar as causas diferenciando-as e

indicando se são fluxos (jogadas), acumulações (capacidades ou incapacidades) ou

regras. O modelo explicativo se completa quando as causas são inter-relacionadas.

3.16. A diversidade das Explicações Situacionais

Uma mesma realidade pode dar margem a diversas explicações. A carga de

subjetividade que anima o diagnóstico de situações implica em: 1) distintas

respostas para uma mesma pergunta; 2) distintas perguntas sobre uma mesma

situação (as perguntas relevantes são distintas para os distintos jogadores); 3)

distinta seleção do foco de atenção sobre a realidade.

Explicar uma realidade implica em distinguir entre explicações. Para explicar

uma situação que me afeta preciso compreender a explicação do outro, incluindo o

que o ele pensa sobre minha explicação. Quanto maior for a minha capacidade de

entender a explicação do outro, maior será a probabilidade de êxito das minhas

jogadas e de ser mais potente minha ação.

3.17. O Fluxograma Explicativo da Situação

A visualização gráfica do resultado da aplicação da Metodologia de

Diagnóstico de Situações é a mesma proposta por Matus (1993) para o seu

Page 82: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

77

fluxograma explicativo situacional. O fluxograma é um mapa cognitivo que busca

sintetizar a discussão realizada por uma equipe sobre uma determinada situação-

problema. A sua estruturação é baseada no estabelecimento de relações de causa

e de efeito entre as variáveis que a conformam.

Um fluxograma situacional, como aquele apresentado no início deste capítulo,

referente à derrota do Palmeiras, deve permitir uma rápida interação entre a equipe

que realiza o trabalho de análise de problemas e o tomador de decisões que a

solicitou, porque: mostra, num golpe de vista. A elaboração de um modelo

explicativo do problema por uma equipe faz com que ela construa uma síntese

rigorosa, seletiva e precisa, com base em nós explicativos concisos e monitoráveis;

facilita a permanente adaptação da explicação à mudança da situação; facilita a

compreensão, restringindo a possibilidade de ambigüidades devido ao uso de uma

simbologia simples e uniforme.

A Figura 3.17.1 mostra um exemplo de fluxograma situacional elaborado por

funcionários de um governo municipal com o objetivo de processar a situação-

problema enunciada inicialmente como: “os programas e ações da Prefeitura

padecem de descontinuidade”.

FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL

3.18. Seleção de Nós Críticos

A GEP exige o compromisso de atuar sobre problemas e situações como algo

preciso e operacional. De outra maneira, a reflexão como suporte à tomada de

decisões não leva à ação efetiva nem se revela prática.

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Sticky Note
GEP - GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA
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Um fluxograma bem feito deve responder às perguntas: como e onde atuar

para mudar a descrição de um problema? A mudança provocada será suficiente

para alcançar os objetivos perseguidos?

Os “nós explicativos” de um fluxograma (encadeamento de causas ou cadeias

causais da situação-problema) sobre os quais se pode atuar com eficácia prática,

são denominados “Nós Críticos”.

3.18.1. Critérios para Seleção de Nós Críticos

Os “Nós Críticos” devem cumprir simultaneamente as seguintes condições:

Ser centros práticos de ação, isto é, o ator que declara o problema pode atuar

prática, efetiva e diretamente sobre eles sem precisar atuar sobre suas causas;

Ser nós explicativos que, se resolvidos ou “desatados”, terão alto impacto

sobre o problema declarado;

Ser centros oportunos de ação política, ou seja, seu ataque deve ser

politicamente viável durante o período definido pelo ator como relevante e a ação

possui uma relação custo-benefício favorável.

Para melhor precisar um Nó Crítico é preciso descrevê-lo de forma a torná-lo

monitorável e restringir a ambigüidade possível nas interpretações a ele referidas.

Com a seleção dos Nós Críticos de uma cadeia explicativa do problema (ou

situação) o diagnóstico está concluído.

Um último conceito importante da MDS é a árvore de problemas. Ela é

formada pelo conjunto de Nós Críticos e o resultado do problema, e indica onde o

ator deve concentrar a atenção (ver Figura 3.18.1).

FIGURA 3.18.1: PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS

3 X 0

PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS

JOGADORES DO

PALMEIRAS

DESMOTIVADOS

ATRASO

NOS SALÁRIOS

NO PALMEIRAS

PALMEIRAS COM

PREPARO FÍSICO

DEFICIENTE

No nosso exemplo do jogo de futebol, a árvore de problemas se apresenta da

seguinte forma. Para ver se você entendeu bem o conceito de Nó Crítico, observe

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Sticky Note
MDS – Metodologia de Diagnóstico de Situação
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que o nó “poucas jogadas com oportunidade de gol” não é crítico (e, portanto, não

pertence à árvore de problemas. A ação que pode resolver o problema ─ “treinar

chutes a gol” ─ poderia melhorar a pontaria, mas, como o time permaneceria

desmotivado e com má preparação, o resultado do jogo não mudaria.

Os Nós Críticos escolhidos indicam os centros onde se deve dar a ação de

gestão sobre a situação. A definição dessas ações é realizada através da aplicação

da Metodologia de Planejamento se Situações, tratada no capítulo seguinte.

Apresentamos a seguir, como ilustração, um exemplo real de Fluxograma

Explicativo26 (ver Figura 3.18.2). Verifique se a escolha dos nós críticos (assinalados

no fluxograma com NC) está de acordo com a sua opinião acerca da situação-

problema diagnosticada.

26 Elaborado por José Alexandre da Graça Bento e por Paulo Corrêa Luiz Ferroz durante o Curso Gestão Estratégica Pública, Campinas, Outubro de 2005.

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FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO

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81

CAPÍTULO IV: METODOLOGIA DE MODELIZAÇÃO

4. Introdução27

Este capítulo tem por finalidade apresentar uma metodologia apropriada para a

análise de sistemas e para a construção de modelos. Seu emprego, no âmbito da

Gestão Estratégica Pública se dá, fundamentalmente, para proceder à análise de

sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de governo de modo

a proceder à sua modelização e posterior tratamento por outras metodologias

usualmente empregadas neste âmbito, como as apresentadas em outros capítulos.

Este capítulo baseia-se extensamente em trabalhos desenvolvidos por Cláudio

Porto e Sérgio Buarque, Michel Godet, Edgar Morin, Gilberto Gallopín e, antes

deles, por Oscar Varsawsky.

4.1. Sistemas e enfoque sistêmico

A Gestão Estratégica Pública requer o emprego da Metodologia de

Modelização ou, mais simplesmente, do enfoque sistêmico (ou, como se indicará

mais adiante, do pensamento complexo, que é outra expressão para designar mais

ou menos a mesma coisa) por duas razões principais. Por um lado, porque a

apreensão de uma política, ou do conjunto das organizações com a qual se

relaciona, como um sistema passível de modelização, é um significativo facilitador.

Por outro, porque a relação deste sistema ─ o ambiente de governo onde ocorrem

as ações de gestão ─ com seu entorno mais amplo ─ o contexto socioeconômico ─,

e mais ainda a sua dinamização mediante o exercício da análise prospectiva,

também se vêem facilitadas com o emprego do enfoque sistêmico.

De acordo com o enfoque sistêmico, as propriedades essenciais de um

organismo, uma sociedade, ou outro sistema complexo, são propriedades do todo,

que surgem das interações e relações entre suas partes. As propriedades das

partes de um sistema, por sua vez, não são intrínsecas a elas mesmas, e só podem

ser entendidas em relação a um contexto maior. Este enfoque não se concentra nas

partes ou nos blocos de um edifício maior, mas em princípios básicos de

organização. Ele é, por oposição, "contextual".

27 Este Capítulo é uma versão revista e ampliada do capítulo 4 do livro Dagnino, Renato e outros (2002): Gestão Estratégica da Inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté, Editora Cabral Universitária, 350 p.

Page 87: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

82

O emprego do enfoque sistêmico implica em duas tarefas básicas. A primeira é

a identificação dos componentes ou aspectos mais significativos do sistema e o

entendimento das inter-relações causais mais importantes, que permitem avaliar o

impacto de mudanças originadas num componente em outras partes do sistema e

no sistema como um todo. A segunda tarefa é entender a dinâmica do sistema:

além de entender a estrutura dos componentes e das relações, é essencial a

análise das forças que geram o comportamento do sistema de modo a evidenciar a

maneira como diferentes componentes e processos interagem funcionalmente

gerando as respostas do sistema e dando origem a novas propriedades. Isto é,

como o sistema se adapta e se transforma.

Na seção intitulada “Operadores de complexidade e Tetragrama

Organizacional” se oferece um detalhamento acerca de como se pode

operacionalizar essas tarefas. Apesar do emprego crescente do enfoque sistêmico,

ele não é a norma no ambiente da gestão pública. Isto embora já se possa

depreender do dito acima que olhar para o todo e não somente para as partes, e

com um estilo de abordagem interdisciplinar, seja crucial para dar conta da

complexidade dos ambientes de governo e seja um requisito para a sua boa gestão.

4.2. O conceito de Sistema

Avançando conceitualmente, é possível entender o sistema como uma porção

de uma realidade qualquer concebida como um conjunto de elementos (aspectos ou

componentes) relacionados. Estes elementos podem ser moléculas, organismos,

máquinas ou partes deles/delas, entidades sociais, pessoas ou até mesmo

conceitos abstratos. As inter-relações, ou "relações" entre os elementos podem ser

de diferentes tipos (transações econômicas, fluxos de informação, energia,

determinações causais de natureza política etc.).

Como já foi mencionado, mas vale ressaltar, o comportamento e propriedades

de um sistema não decorrem apenas das propriedades dos elementos que o

compõem, mas sim, em grande medida, da natureza e intensidade das relações

dinâmicas entre eles. Isto é particularmente verdade em sistemas sociais, que

podem ser considerados a unidade básica envolvidas em processos complexos,

como os atinentes ao governo de países ou o desenvolvimento de sociedades.

Page 88: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

83

Um número infinito de sistemas pode ser definido a partir de uma dada porção

da realidade, dependendo da perspectiva, objetivo, e experiência prévia do

pesquisador. Cada um destes sistemas terá algum tipo de correspondência com o

que "realmente” existe.

4.3. Sistemas simples e complexos

Pode-se dizer que existem sistemas complexos (o que não quer dizer

“complicados”) e sistemas simples. Um sistema é “simples” se pode ser

adequadamente capturado mediante o emprego de uma única perspectiva ou um

modelo analítico padrão que provê para ele uma descrição satisfatória (ou “solução

geral”) através de operações rotineiras. Um exemplo é o sistema de uma mistura de

gases, uma vez que o modelo de “gases ideais” oferece soluções satisfatórias

quando se trata de prever o seu comportamento. Outro é o do movimento de um

corpo submetido a uma força, que pode ser tratado pela Mecânica.

Dizemos que um sistema é complexo quando não pode ser capturado

satisfatoriamente através da aplicação de um modelo genérico, padrão, mediante

operações rotineiras. Ele necessita para ser analisado e caracterizado através do

emprego de duas ou mais perspectivas singulares irredutíveis.

4.4. Atributos dos sistemas complexos

A definição de complexidade não é trivial. Existem diferentes concepções de

complexidade, mas o que nos interessa enfatizar é que ela não é um resultado

automático do aumento do número de elementos ou de relações de um sistema.

Sistemas complexos geralmente exibem atributos que os fazem mais difíceis de

entender e tratar do que sistemas simples. São eles:

Multiplicidade de perspectivas de abordagem. Por exemplo, é difícil

entender um sistema adaptativo sem considerar o seu contexto. Um exemplo trivial

é um conflito, cuja resolução não pode ser alcançada sem levar em conta as

perspectivas e interesses de diferentes atores (nenhuma delas devendo ser

considerada ”correta” ou “verdadeira”).

Não-linearidade. Muitas das relações entre os elementos de um sistema

complexo são de tipo não-linear. Em conseqüência, a intensidade do efeito nem

sempre é proporcional à magnitude das causas, e existe um amplo espectro de

Page 89: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

84

comportamentos possíveis (por exemplo, comportamento caótico, multi-estabilidade

devido à existência de steady states alternativos etc.). A não-linearidade costuma

ser responsável por comportamentos de natureza contra-intuitiva, típicos de

sistemas complexos.

Propriedades inesperadas. Podem ser consideradas características de um

sistema complexo o fato de que “o todo é mais que a soma de suas partes", de que

as propriedades das partes só podem ser entendidas levando em consideração o

todo (o contexto maior que as envolve) e que o todo não pode ser completamente

percebido através da análise de suas partes. É por esta razão que propriedades

realmente inesperadas podem emergir das interações entre os elementos de um

sistema.

Auto-organização. Refere-se ao fenômeno pelo qual os componentes de um

sistema, ao interagir, cooperam para produzir estruturas e comportamentos

coordenados, como os padrões criados por estruturas.

Hierarquia de níveis. Muitos sistemas complexos são hierárquicos, no sentido

que cada um de seus elementos é, em si, um subsistema. E que o próprio sistema é

um subsistema de outro de maior ordem. Em muitos casos, há uma forte relação

entre os diferentes níveis e, em conseqüência, a análise e gestão do sistema devem

ser feitas simultaneamente em mais de um nível. Os diferentes níveis de um

sistema complexo costumam ter diferentes tipos de interações, e diferentes

velocidades de mudança, o que obriga a adoção de distintas perspectivas de

análise.

Incerteza irredutível. Existem muitas fontes de incerteza no comportamento

de sistemas complexos. Algumas delas podem ser amenizadas através da coleta de

dados e pesquisa, como a incerteza devido a processos aleatórios, que pode ser

tratada através da análise probabilística, ou a falta de conhecimento devido à

inadequada definição dos elementos do sistema, das relações entre eles ou dos

seus limites. Outras fontes de incerteza, entretanto, não podem ser superadas, uma

vez que decorrem da natureza não-linear dos processos que afetam o sistema

(comportamento caótico, auto-organização, sem falar nos comportamentos

propositados de diferentes atores sociais em busca do cumprimento de suas

próprias metas).

Page 90: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

85

Além disso, sistemas complexos “reflexivos”, como os relativos às interações

humanas ou a organizações e instituições, podem “apreender” com a própria

evolução produzindo novos padrões de resposta e novas relações. Neste tipo de

sistemas, outra fonte “dura” de incerteza é a do “efeito Heisenberg”, em que a

simples observação e análise se tornam parte da atividade do sistema,

influenciando seu comportamento. Isto é bem conhecido nos sistemas sociais

“reflexivos”, em que ocorrem fenômenos como “perigo moral”, profecias

autocumpridas e pânico de massa.

Enquanto alguns dos atributos acima, típicos de sistemas complexos, podem

ser encontrados em sistemas simples (como a não-linearidade e a incerteza) ou

“complicados”, é provável que qualquer sistema complexo apresente um grande

número desses atributos.

4.5. Sistema, contexto, e variáveis endógenas e exógenas

O conceito de componente ou aspecto de um sistema pode ser tomado como

primitivo. A palavra "sistema" já evoca um conjunto de componentes

interconectados, como as peças de um mecanismo ou as partes de um organismo.

Aos componentes de um sistema se associam atributos do modelo. A palavra

"variável" designa um atributo do modelo associado a uma característica ou aspecto

do sistema que possui vários valores possíveis; os quais podem variar no tempo.

O comportamento de um sistema descreve-se ao longo do tempo mediante um

conjunto de atributos, características, sintomas ou índices do modelo. Estas séries

temporais se denominam "variáveis de estado" (ou, simplesmente, variáveis) porque

seus valores em um tempo dado constituem por definição o estado do sistema neste

momento.

Um sistema pode ser entendido como uma “caixa preta” em que só se

distinguem suas saídas (características que descrevem o que ele faz ou produz, o

resultado de sua atividade) e entradas (fatores variáveis que tendem a influir sobre a

saída). Não se analisa o interior da caixa: o mecanismo de funcionamento ou

“teoria” de comportamento do sistema. Esta perspectiva é um tanto limitada, mas

"entrada" e "saída" são conceitos importantes.

Existem sistemas cuja correta definição, explicação, ou normatização

(prescrição) não pode ser realizada sem a consideração do contexto no qual ele

Page 91: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

86

está inserido. Isto porque sistemas deste tipo possuem relações de determinação do

seu comportamento pelo seu contexto, tão fortes que tornam imprescindível a

consideração de algumas de suas características. Quando se trabalha com um

sistema deste tipo, é necessário incluir na sua modelização estas características do

contexto que explicam essas relações. Estas características quando, através da

modelização, se transformam em variáveis, são denominadas variáveis exógenas.

As variáveis do modelo podem, então, ser de natureza endógena ─ quando

correspondem a aspectos gerados internamente ao sistema ─ ou exógenas ─

aspectos gerados externamente ao sistema. Estas, embora correspondentes a

características do contexto em que o sistema está inserido, e não ao sistema

propriamente dito, são imprescindíveis para sua modelização. A caracterização

destas variáveis (ademais, é claro, das de natureza endógena) permite, então,

descrever, explicar, prescrever (momento prescritivo ou normativo) ou planejar

ações a serem implementadas sobre sistemas que possuem fortes relações de

determinação do seu comportamento pelo seu contexto.

Um modelo compreende não apenas um conjunto de variáveis selecionadas

por analogia às características de uma realidade delimitada (sistema), mas as

relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que modeliza) que explicam a

trajetória seguida pelo modelo, seja ela “natural” ou forçada por ações planejadas e

implementadas.

A Figura 4.5.1 abaixo mostra, no seu lado esquerdo, um sistema (S), objeto de

interesse do ator, inserido num outro sistema maior, denominado ambiente ou

contexto. O processo de modelização dá origem a um modelo do sistema (S’)

indicado através de uma figura mais regular de maneira a sugerir as simplificações e

reduções que o processo impõe. O modelo contém um número de variáveis muito

inferior ao número de aspectos ou características do sistema. E o número de

variáveis sobre as quais, mediante a escolha do planejador, será exercida alguma

ação de gestão é ainda muito menor.

Page 92: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

87

FIGURA 4.5.1: MODELIZAÇÃO

Contexto

Sistema (S)

Modelização

VEx

VEn

S’

Sistema S

Infinitos aspectos e

desconhecidas

relações

de causa-efeito

Modelo S’

Variáveis Endógenas (VEn)

+ Variáveis Exógenas (VEx)

+ Relações de causa-efeito inputadas

FONTE: elaborado pelo autor.

Resumindo, um modelo compreende um conjunto de variáveis endógenas

(cujo comportamento é determinado internamente ao sistema, em função de

relações de causalidade a ele internas) e exógenas (cujo comportamento é

determinado externamente ao sistema, em função de relações de causalidade que

guardam com variáveis pertencentes ao contexto) selecionadas de uma realidade

delimitada (sistema) e as relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que

modeliza para planejar) que explicam a trajetória seguida pelo modelo, seja ela

“natural” ou forçada por ações planejadas e implementadas.

4.6. Realidade, modelização e modelo

Esta seção e as que seguem têm por objetivo apresentar procedimentos de

modelização de sistemas através dos quais o enfoque sistêmico pode ser

correntemente utilizado para o tratamento de realidades complexas e o

acompanhamento de sua evolução ao longo do tempo.

Para introduzir o conceito de modelização cabe ressaltar que a modelização de

um sistema que é observado na realidade ocorre quase sempre de maneira implícita

e quase inconsciente para atender a uma finalidade qualquer. Os historiadores

fazem modelos de civilizações, países, épocas; os novelistas fazem modelos de

grupos humanos imaginários. A anatomia, fisiologia e psicologia, mais o exame

clínico, dão ao médico um modelo de seu paciente. As leis físicas são modelos que

Page 93: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

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funcionam como sugestões para entender as relações entre componentes dos

sistemas físicos.

O fato de que um menino tem um modelo de como funciona seu televisor, que

é muito diferente do técnico que a construiu, ou de um físico teórico, ressalta a

importância do "modelista" quando analisamos um modelo. Dependendo das

experiências individuais, experiência social etc., do "modelista", um mesmo sistema

pode ter diferentes modelos. E a sua própria experiência pode alterar o modelo

construído por um mesmo “modelista”: o menino pode converter-se em engenheiro

eletrônico...

O uso dos modelos que mais nos interessa é o que consiste em extrair

conclusões por analogia mediante a modelização de um sistema: qualquer coisa

que o modelo sugira ou implique pode ─ e às vezes deve ─ ter seu análogo em

relação ao sistema por ele representado. Mais do que isto, pretende-se que os

modelos sirvam como instrumentos para a tomada de decisão e às vezes de

predição quantitativa. Para isto, quanto mais confiável for a analogia melhor será o

modelo. Um modelo pode servir também como um instrumento de descrição e

explicação tentativa de uma situação quando um grupo inicia sua abordagem e

encontra dificuldade em chegar a uma definição clara e unânime das idéias.

O tipo mais imediato e comum de modelo de um sistema é o modelo mental.

Ele contém o que sabemos e pensamos acerca do sistema a partir do momento em

que o individualizamos e aprendemos a reconhecê-lo. Está formado por uma

descrição do sistema ─ componentes e características que conseguimos diferenciar

nele ─ e uma explicação ou teoria de seu funcionamento ─ relações causais

(sempre hipotéticas) entre seus componentes ─ que nos permite acreditar que

podemos predizer em algum grau seu comportamento. E, em alguma medida,

controlá-lo.

Esse modelo ou imagem mental vai sendo corrigido por tentativa e erro, por

experiência própria ou comunicada, irracional ou científica de modo a sanar seus

pontos fracos. Pode ocorrer, entretanto, que ele adquira uma rigidez quase total

com o tempo em função de preconceitos e dogmas que se vão acumulando na

mente do “modelista”.

Os critérios com que se constroem esses modelos são: importância,

conveniência, experiência e raciocínio lógico. A ordem depende da pessoa e da

Page 94: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

89

situação ou problema, mas em geral o mais relevante é uma percepção acerca da

importância dos múltiplos aspectos envolvidos, e menos freqüentemente, uma

dedução lógica.

Quando o “modelista” deseja comunicar seu modelo a alguém, ele tem que

explicitar seu modelo mental. O que o obriga a tornar seu modelo mais estável e

melhor definido.

A relação entre uma representação mental e seu modelo explícito tem a ver

com o conceito de "fidelidade". O modelo explícito dificilmente será fiel ao mental,

posto que este inclui todos os fatores imaginados pelo “modelista”, com distintos

pesos etc., e explicitá-los iria requerer um tempo enorme (durante o qual o modelo

mental pode, inclusive, ser alterado). Como é necessário colocar limites ao processo

de construção de um modelo, os modelos explícitos são sempre simplificações. Mas

o modelo mental, por ser mais rico, é mais bem adaptado aos "métodos" de tipo

intuitivo.

A descrição ─ explicitação ─ de um modelo mental numa linguagem de uso

comum origina um modelo verbal. Embora às vezes se tenda a menosprezar a

importância dos modelos mentais, eles alcançaram um êxito considerável ao longo

da historia humana. A partir de umas poucas frases sobre como cultivar o milho se

obteve um modelo que foi suficiente para modificar o destino de muitos povos.

As representações de modelos mentais por meio de objetos ou sistemas

materiais, sejam eles artificiais ou naturais, são denominados modelos físicos. Uma

experiência de laboratório costuma ser realizada com a ajuda de um modelo físico.

Uma cobaia pode servir de modelo para um homem, para certos propósitos. Os

modelos em escala, reduzida ou aumentada, possuem utilização generalizada.

A complexidade passível de ser alcançada com modelos físicos costuma não

ser suficiente para modelizar as relações sociais. O que obriga a utilização de

modelos explícitos obtidos a partir de uma linguagem próxima à da matemática.

4.7. Formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis

A modelização supõe uma preocupação com a escolha das variáveis que irão

representar, através da construção do modelo, os aspectos da realidade a serem

privilegiados (Que aspectos serão estudadas? Quais de suas características serão

pesquisadas?). E, em seguida, com as relações entre os aspectos escolhidos da

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90

realidade que serão buscadas (Que tipo de relações existem entre os aspectos?

Que hipótese de relação causal entre as variáveis do modelo podem ser

formuladas?).

Uma hipótese de relação causal afirma que determinado aspecto,

característica, ocorrência ou variável (X) é um dos fatores que determinam o

comportamento de outra variável (Y). O senso comum costuma postular que um

único fenômeno (a causa) sempre provoca outro fenômeno (ou variável) único (a

conseqüência ou efeito). O enfoque sistêmico (ou pensamento complexo) coloca a

necessidade de pesquisar as condições que tornam provável a ocorrência de um

determinado fenômeno a partir da análise de outros fenômenos (ou variáveis). O

senso comum sugere que haja uma causa (condição) necessária e suficiente para

cada fenômeno; o enfoque sistêmico procura as condições contribuintes,

contingentes e alternativas dos fenômenos.

A pesquisa das condições de ocorrência de um fenômeno ou, em outras

palavras, a formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis, necessária

para a modelização de um sistema, pode ser levada a efeito através de uma

comparação entre a realidade observada e as seis possibilidades idealizadas a

seguir apresentadas.

Condição Necessária: para que Y ocorra é necessário que X tenha ocorrido;

não é possível que ocorra Y sem que tenha ocorrido X. Exemplo: X (fulano usa

drogas) Y (fulano é viciado em drogas).

Condição Suficiente: sempre que X ocorre Y ocorre. Exemplo: X (fulano tem o

nervo ótico rompido) (fulano é cego).

Condição Necessária e Suficiente: não é possível que ocorra Y sem que tenha

ocorrido X, e sempre que X ocorre, Y ocorre; Y e X sempre ocorrem conjuntamente.

Exemplo: X (N é número primo) Y (N é divisível apenas por 1 e por si próprio).

Condição Contribuinte: X aumenta a probabilidade de ocorrência de Y.

Exemplo: X (má distribuição de renda) Y (alta mortalidade infantil)

Condição Contingente: X(A) Y: X, na contingência de A, aumenta a

probabilidade de Y. Condição contingente (A) é aquela sob as quais X é causa

contribuinte de Y. Uma variável que atua como condição contribuinte de um

fenômeno sob uma determinada condição contingente, pode não fazê-lo sob outra.

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Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de saneamento básico) Y (alta

mortalidade infantil)

Condição Alternativa: [X1,..., Xn](A) Y: na contingência de A, X1, X2, ..., Xn

aumentam a probabilidade de Y. Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de

saneamento básico) Y (alta mortalidade infantil); X1, X2,..., Xn (má distribuição de

renda, alcoolismo, corrupção pública) e A (falta de saneamento básico) Y (alta

mortalidade infantil).

Dada um sistema que se deseja descrever e explicar, e escolhidos os aspectos

que serão transformadas em variáveis do modelo, a comparação dessas seis

possibilidades com o que está sendo observado pode ajudar bastante na

formulação de hipóteses sobre as relações de causalidade existentes entre as

variáveis.

4.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional

A proposta do pensamento complexo (ou do que acima nos referimos como

enfoque sistêmico) está baseada no conceito de complexus: aquilo que é tecido em

conjunto.

Para tornar possível o entendimento da maneira como a realidade se auto-

organiza, como se dá o processo que resulta em algo que é “tecido em conjunto”, o

pensamento complexo propõe os conceitos de Operadores de complexidade e

Tetragrama Organizacional. Eles são ferramentas especialmente adequadas para a

concepção de modelos descritivos e explicativos de um sistema.

São três os operadores de complexidade: Dialógico, Recursivo e

Hologramático.

Esses operadores podem ser explicados como segue:

- Dialógico: o entrelaçar coisas que aparentemente estão separadas (conceber

o sistema por constelação e solidariedade de suas partes);

- Recursivo: a causa produz um efeito, que por sua vez produz uma causa

(produtos e efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que se

produziu);

- Hologramático: a parte está no todo, e o todo está na parte (conceber o

sistema a partir do núcleo e nunca pelas fronteiras).

Page 97: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

92

Tal como já enunciado na seção intitulada “Sistemas e enfoque sistêmico”, o

pensamento complexo (ou o enfoque sistêmico) propõe uma série de procedimentos

para a explicitação das características e propriedades de um sistema. Ela pode ser

sintetizada de forma simples detalhando os procedimentos abarcados pelos três

operadores de complexidade através de quatro recomendações: Juntar coisas que

estavam separadas; Fazer circular o efeito sobre a causa; Não dissociar a parte do

todo; Apreender a totalidade (o todo está na parte assim como a parte está no todo,

a simples soma das partes não leva a esse total, a totalidade é mais do que a soma

das partes e pode ser menos que a soma das partes, existem qualidades do

sistema que emergem da interação entre as partes).

Ainda com o objetivo de facilitar o entendimento da maneira como a realidade

se auto-organiza, o pensamento complexo propõe o que denomina Tetragrama

Organizacional. Partindo da idéia de que qualquer atividade de seres vivos envolve

relações entre eles, se propõe a investigação de quatro características dos sistemas

estudados: Ordem (regularidades); Desordem (emergências, desavenças);

Interação (relações não previstas); Reorganização (para onde vai o sistema).

4.9. Estabilidade, Resistência, Resiliência e Análise de Sensibilidade

Os sistemas, em sua estrutura e funcionamento, tendem a alcançar uma

organização ajustada às condições impostas por forças controladoras externas.

Mantendo-se essas condições, os sistemas permanecem em seu estado ajustado,

de estabilidade.

O estado de estabilidade não é indicador de equilíbrio estático: as forças

controladoras podem variar em intensidade e freqüência e o sistema pode oferecer

reações através de mecanismos que absorvem essas oscilações sem mudar as

suas características internas. Quando isso ocorre, é porque essas reações levam a

um equilíbrio dinâmico, conferindo estabilidade ao sistema.

A estabilidade é, então, a capacidade que um sistema apresenta de manter

(resistência) ou retornar (resiliência) às condições originais após um distúrbio

provocado por forças externas de origem natural ou pela ação humana.

A estabilidade é tanto maior quanto menor a flutuação que o sistema apresenta

frente às forças externas (resistência), e maior a capacidade de recuperar a sua

configuração anterior (resiliência).

Page 98: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

93

Resistência ou inércia de um sistema é sua capacidade para permanecer sem

ser afetado pelos distúrbios externos (forças controladoras).

Resiliência de um sistema é a capacidade para retornar às condições originais

após ser afetado pela ação de distúrbios externos. Da Física, sabemos que

resiliência é a capacidade de um corpo recuperar sua forma e seu tamanho original

após ser submetido a uma tensão (perturbação) que não ultrapasse o limite de sua

elasticidade.

Para quem se lembra da fábula de Esopo ─ O Carvalho e os Juncos ─ fica

fácil entender os dois conceitos. A resistência é a qualidade do carvalho robusto e

orgulhoso, que fazia pouco caso dos fracos juncos porque qualquer brisa os

dobrava. A resiliência é a qualidade do junco, que depois do vendaval que arrancou

o carvalho, voltou a ficar de pé.

A resiliência é um indicador da persistência das relações internas do sistema, e

reflete sua capacidade de absorver mudanças, cujos resultados levam a flutuações

do estado final em torno das condições iniciais. Ela indica em que medida o sistema

é capaz de manter sua estrutura e características; isto é, o quanto variam os valores

que traduzem os atributos de seus elementos.

A análise da resiliência de um sistema envolve a avaliação de quatro atributos:

(1) elasticidade: rapidez com que o sistema retorna ao estado original; (2) amplitude:

zona dentro da qual o sistema tem condições de se recuperar; (3) maleabilidade:

grau em que o novo estado estável alcançado difere do original; (4) histerese:

diferença relativa entre a trajetória que levou ao estado causado pela perturbação e

a trajetória de recuperação, que conduziu o sistema ao novo estado estável.

Como se pode ver, então, a estabilidade de um sistema depende de processos

de ajuste interno e retroalimentação. É vital, por isso, distinguir processos que

absorvem alterações (de forma passiva ou através de processos de

retroalimentação) e mantêm o estado de estabilidade daqueles que levam à

instabilidade.

A análise de estabilidade (e de resiliência), incluindo intensidade dos distúrbios

e tempo de reação, se completam com a análise da sensibilidade.

A análise da sensibilidade de um sistema permite romper com a concepção

tradicional de que sistemas pequenos podem ser modificados por forças e eventos

Page 99: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

94

pequenos, enquanto os sistemas grandes e complicados só serão afetados pelos de

grande magnitude.

Um conceito-chave para a análise da sensibilidade de um sistema é o estado

de criticalidade auto-organizada. Ele está relacionado a dois aspectos contraditórios,

mas complementares, que determinam o comportamento do sistema: a) um sistema

no estado crítico tende para eventos catastróficos; e b) o sistema, após alcançá-lo,

tende a permanecer num estado estacionário auto-organizado.

Quem já fez um castelo deixando escorrer entre os dedos a areia molhada

lembra quando, depois de estar bem alto, um grãozinho a mais pode

repentinamente fazê-lo desabar.

4.10. Análise Sistêmica e Dinamização

O componente de futuro é inerente à Gestão Estratégica Pública. Esta seção

trata desse componente focalizando o problema da dinamização de sistemas cuja

configuração está fortemente determinada (exogenamente) pelo contexto no qual

estão inseridos. A dinamização supõe que se conheça (ou se possa estimar) a

relação existente entre o sistema e seu contexto no momento atual, e que se

disponha de um cenário elaborado para o contexto (que envolve e determina o

sistema) num momento futuro.

Quando isso ocorre, o exercício prospectivo para conceber o estado futuro de

um sistema deve ser abordado em duas etapas. A primeira imagina o estado futuro

do sistema como resultante de um vetor que expressa a acumulação resultante da

sua trajetória passada, da inércia (momentum) do sistema. A segunda etapa

corresponde ao efeito do contexto sobre a trajetória do sistema. É como se o

sistema fosse “carregado” para um futuro pelo seu contexto. Tal procedimento,

semelhante à “composição de movimentos” que se faz para descrever a trajetória de

um corpo submetido a duas forças quaisquer, pode se desdobrar em duas outras

etapas: aquelas que correspondem ao exercício da vontade dos atores sobre o

sistema e seu contexto no sentido de alterar a trajetória passada. Ela supõe um

futuro significativamente distinto do passado, visto que está associado ao impacto

que causa a estratégia política dos atores envolvidos com o sistema. Neste caso,

não pode ser feita uma simples extrapolação do passado.

Page 100: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

95

No que segue se apresenta, com o auxílio de rudimentos formais da linguagem

matemática, o processo de dinamização referente à segunda etapa; isto é, supondo

que o sistema se move apenas em função dos efeitos provocados pelo contexto.

Este processo de dinamização do modelo (S’) de um sistema qualquer (S)

inserido num contexto (C) que o determina de forma importante mediante uma

relação conhecida (R), consiste em projetar o sistema a partir de um instante (to) em

que seu estado é conhecido (So), para um instante futuro qualquer (tf).

A existência de um conjunto de variáveis interdependentes ligadas por

relações de causalidade conhecidas pode ser indicado por:

S = R [C]

No momento atual, em que se analisa o sistema (e se processa sua

modelização), tem-se que:

So = Ro [Co]

Supondo que a relação (R) que existe entre (S) e (C) não se altera ao longo do

tempo, têm-se que:

Ro = Rt = R, e, no momento (f) qualquer,

St = R [Ct].

O que significa que, conhecidos:

i) As características do sistema objeto de análise e do seu contexto no

momento atual;

ii) A relação existente entre o sistema e seu contexto no momento atual

(supondo que a mesma não se altera ao longo do tempo);

iii) O estado (ou configuração) do contexto num instante futuro qualquer;

iv) É teoricamente possível determinar o estado (ou configuração) do sistema

neste instante.

A Figura 4.10.1 abaixo representa graficamente o processo de dinamização.

Nela aparece, à esquerda, o sistema, seu contexto, e relações de causalidade ─

indicadas por setas ─ que a análise cuidadosa dos mesmos possibilitou, no

momento atual.

FIGURA 4.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO

Page 101: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

96

to tpr

CENÁRIO NORMATIVO

CENÁRIO TENDENCIAL

Contexto

Modelo do

Sistema (S)

(S)

FONTE: elaborado pelo autor.

À direita, na parte de cima, temos o cenário normativo para um sistema mais

abrangente (que por conter o sistema em análise é denominado contexto) ─ (Cf).

Este cenário normativo, obtido através da metodologia de construção de cenários, é

o que serve de “moldura” para a dinamização do sistema (S).

Dado que se pode entender o exercício de elaboração do cenário normativo

(Cf) como a operação de “levá-lo” para o futuro juntamente com o sistema que ele

abarca (S), o estado deste no momento (tf). Ou seja, (Sf), pode ser conhecido (uma

vez que as relações de causalidade entre o sistema e seu contexto se consideram

invariáveis).

Se o sistema e seu contexto podem ser aproximados pelos seus modelos

(modelizados), tudo o que se disse até agora continua válido. Isto é:

St = R [Ct].

O contexto (C), entretanto, não precisa ser modelizado, uma vez que de um

modelo que eventualmente poder-se-ia dele fazer interessariam apenas aquelas

variáveis que determinam (explicam) o estado do sistema, isto é as variáveis

exógenas do modelo de (S), (S’).

De tal forma que para conhecer (St) não é de fato necessário conhecer (Ct).

Basta conhecer os valores assumidos pelas variáveis exógenas de seu modelo (S)

no instante (t), (S’t).

As suposições de que o estado futuro do sistema depende apenas do efeito do

contexto sobre (como se o sistema fosse “carregado” para um futuro pelo seu

contexto) e de que a relação entre (S) e (C) não se altera ao longo do tempo são

evidentemente reducionistas e irrealistas. Não obstante, se pensadas como

abordagens para tratar sistemas complexos que podem ser pouco a pouco

Page 102: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

97

sofisticadas até dar conta da complexidade do fenômeno observado, elas podem

ser de grande valia.

4.11. O caráter intrinsecamente normativo da modelização

A modelização, que pode ser entendida como um processo de transformação

de um sistema (caracterizado pelos atributos de complexidade, infinitos aspectos e

relações de causalidade desconhecidas) em um modelo (caracterizado por atributos

simétricos, de simplicidade, poucas variáveis e relações de causalidade imputadas),

implica a concepção de uma teoria. A qual estará, inevitavelmente, influenciada

pelos valores morais, interesses econômicos, crenças e visões de mundo do

“modelista”.

Baseada na idéia simples de que o modelo é construído para mostrar aquilo

que o “modelista” quer ressaltar, se apresenta a seguir, utilizando o recurso da

representação gráfica, o caráter intrinsecamente normativo da modelização (ver

Figuras 4.11.1; 4.11.2; 4.11.3; 4.11.4; 4.11.5; 4.11.6; 4.11.7).

FIGURA 4.11.1: MODELO 1

FIGURA 4.11.2: MODELO 2

Page 103: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

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FIGURA 4.11.3: MODELO 3

FIGURA 4.11.4: MODELO 4

Page 104: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

99

FIGURA 4.11.5: MODELO 5

FIGURA 4.11.6: MODELO 6

FIGURA 4.11.7: MODELO 7

Page 105: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

100

4.12. Modelização e Gestão Estratégica Pública

A modelização é uma condição para o tratamento analítico de qualquer objeto

em qualquer campo do conhecimento. Em especial, é condição para o exercício da

Gestão Estratégica Pública.

A modelização compreende a identificação das características (cujo número é,

para efeitos práticos, infinito) do sistema que descrevem seu estado num dado

instante (momento descritivo), que explicam sua trajetória (momento explicativo) e

que permitem orientar sua trajetória ou características, mediante o exercício de uma

ação sobre suas variáveis com maior poder de determinação, visando à alteração

de seu estado numa direção desejada (momento prescritivo).

A construção de um modelo é, então, um passo essencial para entender o

funcionamento de um sistema (uma organização pública ou privada, uma política,

um processo de governo etc.) e, desta forma, poder atuar sobre suas características

(ver Figura 4.12.1). Na maioria das vezes em que se busca entender sistemas que

tratam de relações envolvendo a sociedade, é impossível contar a com modelos

preexistentes e muito menos com modelos de tipo quantitativo.

FIGURA 4.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAÇÃO

Page 106: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

101

A figura mostra como apesar de termos construído equipamentos adequados para a observação do infinitamente grande, as estrelas (telescópio), e do infinitamente pequeno, as células (microscópio), ainda não temos ferramentas para analisar o infinitamente complexo, as relações entre a sociedade e a natureza (“macroscópio”). Essa ferramenta é a modelização.

Freqüentemente, trabalhar sobre um sistema com o objetivo de simplesmente

descrevê-lo, ou explicar seu funcionamento e mais ainda quando se pretende

planejar, implica em previamente em construir um modelo. E isto começa com

produzir uma lista de características do sistema que irão dar origem, depois de

“filtradas” às variáveis qualitativas (quantificáveis ou não) do modelo.

Existe uma infinidade de maneiras de construir modelos, de complexidade,

finalidade, formalização do resultado etc., distintas. Todas elas iniciam com o

levantamento das principais características do sistema e o seu ambiente tendo em

vista não apenas descrever e explicar o sistema (modelizar), mas identificar o

potencial de impacto do contexto sobre a trajetória futura do sistema.

Duas destas maneiras ou metodologias, que podem ser consideradas como

extremos de um amplo espectro ─ “Metodologia de Diagnóstico de Situações” e

“Metodologia de Análise de Políticas” ─ são particularmente úteis para reunir a

informação acerca das características e relações que, do ponto de vista analítico,

compõem um sistema de interesse para a Gestão Estratégica Pública e possibilitar

a modelização.

A primeira metodologia, de aplicação relativamente fácil e imediata, pode ser

usada em praticamente qualquer situação em que um sistema possa ser descrito

por uma lista de característica. A segunda, de aplicação mais difícil e demorada,

mas que oferece resultados muito mais sofisticados, é utilizada quando o objeto de

Page 107: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

102

análise possui alto grau de complexidade; como é o caso de uma organização, uma

política ou processo em que estão envolvidos atores com interesses distintos e

quando a presença do Estado é importante.

A importância da modelização para a Gestão Estratégica Pública pode ser

avaliada pelo processo de diferenciação em relação à gestão tradicional que lhe dá

origem. Nesse processo, a gestão tradicional é caracterizada como sendo

voluntarista; com metas rigidamente definidas; pouca preocupação com o contexto e

pela suposição de que o futuro é decorrência direta das ações a serem

implementadas. Por oposição, a Gestão Estratégica Pública é entendida como

caracterizada pela utilização de modelos descritivos, explicativos, normativos e

institucionais; por metas, objetivos, dependentes do contexto; pela suposição de que

o futuro é um cenário a ser modelizado e construído em função do interesse dos

atores envolvidos.

Segundo o enfoque da Gestão Estratégica Pública, a “boa” Gestão depende

muito fortemente da qualidade do modelo descritivo-explicativo construído a partir

do qual ela será concebida e implementada; isto é, da relevância das variáveis

escolhidas e da fidedignidade das relações de causalidade imputadas. E,

adicionalmente, da seleção das variáveis do modelo sobre as quais serão exercidas

as ações relativas à gestão.

Essa preocupação com a modelização decorre da constatação de que o

insucesso de uma política, embora, obviamente, só se materialize quando ela é

implementada, possui suas causas associadas ao momento da formulação da

política. Ou seja, de que a maioria das falhas (ou déficits) de implementação decorre

de uma modelização imperfeita: de um modelo descritivo ou explicativo falhos ou da

escolha de variáveis que não eram sensíveis à ação da política formulada. De fato,

por mais que possam estar asseguradas as condições para a implementação

perfeita, uma política mal formulada (apoiada num modelo descritivo pouco coerente

com a realidade, num modelo normativo irrealista, ou numa agenda bloqueada por

atores dominantes) jamais poderá ser bem implementada.

A Figura 4.12.2 que segue mostra ciclo de um processo típico de modelização.

Vale destacar a importância que possui o os momento da escolha do marco

analítico-conceitual para a análise da realidade, que serve de referência para o

conjunto dos demais momentos.

Page 108: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

103

FIGURA 4.12.2: CICLO DA MODELIZAÇÃO

FONTE: elaborado pelo autor.

É freqüente que gestores, quando indagados acerca das razões do insucesso

de uma política ou de uma ação qualquer de gestão, indiquem a existência de falhas

de implementação, apontando que faltou financiamento, tempo, poder político,

coordenação, autoridade ou cooperação entre as agências. Dificilmente serão

apontadas falhas de formulação. Isso é, que houve deficiências associadas ao

modelo descritivo (uma “fotografia” fidedigna da situação atual), ao modelo

explicativo (um “filme” plausível que mostrasse as causas que levaram à situação

atual e as variáveis sobre as quais elas atuaram), ao modelo normativo (um cenário

futuro desejável com cena de chegada e trajetória cuja construção podia ser

viabilizada tendo em vista a força política do ator) ou ao modelo institucional

(conjunto de instituições, legislação, recursos etc., compatível com o modelo

normativo) (ver Figura 4.12.3).

FIGURA 4.12.3: MODELIZAÇÃO E OS MOMENTOS DESCRITIVO E NORMATIVO

Page 109: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

104

modelo descritivo-explicativo

momento descritivo-explicativo

momento normativo

a POLÍTICA atua sobre umnúmero pequeno de variáveis do modelo (ou aspectos do sistema)

modelo normativo

e, para conseguir o efeito desejado, concebe instituições (modelo

institucional)

Um último aspecto a ser ressaltado sobre a importância da modelização para a

Gestão Estratégica Pública é o relativo ao acompanhamento da trajetória que segue

o sistema quando submetido a uma ação de gestão. Uma representação gráfica

como a que segue (ver Figura 4.12.4) pode ajudar a entender de forma simples a

idéia de que a trajetória de um sistema pode ser entendida como uma composição

de três vetores que devem ser investigados em separado: “natural”, “de arrasto”

(pelo contexto) e “forçado” por ações de gestão ou de política pública formuladas e

implementadas.

FIGURA 4.12.4: TRAJETÓRIA DE UM SISTEMA

“arrasto”

“natural”

“forçado”

política

4.13. Exemplos de modelização

Page 110: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

105

Para seguir tratando a relação entre sistema e modelo, vamos apresentar três

exemplos.

O primeiro é o Sistema “Secretaria de Obras uma Prefeitura”, tratado tendo por

objetivo analisar a questão de recursos, por exemplo. A figura a seguir mostra a sua

representação possível.

Ela indica os três tipos de variáveis escolhidas através da modelização do

sistema para relacioná-lo com seus contextos (sistemas de maior abrangência)

considerados relevantes para descrevê-lo (ver Figura 4.13.1).

FIGURA 4.13.1: VARIÁVEIS ESCOLHIDAS

Variáveis

Endógenas:

Geradas Internamente ao Sistema

Exógenas:

Geradas Externam ente ao Sis tema(e internamente ao Contex to)

( VS = [ VI , VE] )

Var iáveis do am bient e Pr ef eit ur a

Var iáveis do am bient e socio- econom .

Var iáveis endógenas da Secr et ar ia

Sis te m a : Se cre taria d e um a Prefe itu ra

São elas:

- As geradas internamente à Secretaria, como a capacitação de seu pessoal

para acompanhar e avaliar projetos, capacidade habilidade para captar de

recursos públicos e privados, habilidade para obter o apoio de outras

secretarias, do Gabinete e de diferentes atores políticos e da opinião pública

às ações da Secretaria;

As pertencentes ao ambiente Prefeitura, como disponibilidade orçamentária,

demandas de outras secretarias ou do Gabinete, atendimento às normas

internas e dispositivos legais que regulam a execução de obras públicas,

disponibilidade de outras secretarias em apoiar as ações da Secretaria,

definição de atribuições e responsabilidades da Secretaria;

As pertencentes ao entorno socioeconômico, como demandas da população

pelo serviço prestado pela Secretaria, imagem da Secretaria junto a atores

Page 111: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

106

políticos que controlam recursos (econômicos, políticos, midiáticos) da opinião

pública.

A apresentação dos outros dois exemplos é realizada de modo distinto uma

vez que é nosso objetivo introduzir mais alguns conceitos úteis para a modelização.

Inicialmente se caracterizam os sistemas que originam os dois modelos e, a seguir,

se vai introduzindo os conceitos cuja utilização se sugere.

O primeiro desses dois sistemas se refere a uma política de controle de

natalidade. Trata-se de elaborar uma política demográfica, e mais especificamente,

de controle de natalidade, em um país. Alguns indicadores ou variáveis de saída do

modelo são indiscutíveis; tamanho da população ao longo do tempo, bens

necessários para consumo, demanda de mão-de-obra e equipamento para produzi-

los e necessidade de financiamento externo resultante. Em segunda aproximação, o

grau de desagregação dessas variáveis: pirâmides de população por regiões, sexo

e talvez outros critérios (como grupos sociais ou nível de ingresso); níveis de

qualificação da mão-de-obra; setores produtivos etc.

O segundo sistema, bem mais simples, e tomado justamente com o objetivo de

realizar um contraste entre situações-problema de tipo físico e social, se refere à

velocidade de escape de um foguete. Trata-se de calcular com que velocidade deve

lançar-se verticalmente um satélite artificial de uma dada forma para que possa

escapar à atração do planeta sem consumo de energia ulterior. Neste caso existe

uma única variável de saída: altura máxima alcançada.

Existem três tipos de variáveis que influem diretamente sobre os valores das

variáveis de saída.

Controles

São variáveis de tipo instrumental, associadas às decisões que se pretende

tomar ou às políticas que poderiam ser formuladas para atacar a situação em

análise. Seus valores durante o período em estudo irão variar em decorrência delas.

Elas são de tipo exógeno, embora às vezes não pareçam, dado que seus valores

dependem do que está ocorrendo na realidade (no sistema).

No primeiro exemplo, os controles poderiam ser o gasto em campanhas

sanitárias ou de controle de natalidade, planos de desenvolvimento regional e

setorial, política fiscal, salarial, de introdução de novas tecnologias etc.

No segundo exemplo, o controle é a velocidade inicial.

Page 112: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

107

Variáveis exógenas

Exemplos de variáveis que dependem das condições de contorno, que influem

sobre o sistema, mas não são influenciadas por ele nem controláveis pelo ator que

modeliza, são, no primeiro exemplo, avanços na tecnologia de saúde e saneamento

ou de produção, disponibilidade de recursos naturais, preços internacionais,

exportações. No segundo exemplo, propriedades da atmosfera, massa e raio do

planeta, que podem ser considerados também como parâmetros.

Variáveis endógenas

As variáveis endógenas podem ser entendidas, por exclusão, como todas as

demais variáveis necessárias para calcular a saída do modelo, incluindo as próprias

variáveis de saída. Seus valores são calculados em função das exógenas, dos

controles e valores anteriores delas mesmas e indicam o estado do sistema.

Quando se trata de analisar o comportamento do sistema ao longo do tempo, os

valores iniciais dessas variáveis são imputados pelo ator que modeliza.

No primeiro exemplo, são variáveis endógenas, ademais das de saída, a oferta

de recursos humanos de distintos tipos, número de nascimentos, mortes,

casamentos etc., importações, dívida externa, capacidade ociosa da economia etc.

No segundo exemplo, a posição, velocidade e aceleração do satélite artificial;

forças de atração gravitacional e de atrito atmosférico.

As hipóteses sobre o mecanismo causal do sistema indicam explicitamente

como calcular a saída em função das demais variáveis endógenas, exógenas e

controles.

Dados os valores da entrada (os controles, variáveis exógenas e valores

iniciais das variáveis endógenas ou de estado) chega-se aos valores das variáveis

de saída por uma sucessão de passos intermediários; cada um destes é uma

relação ou conexão (lei natural ou simples hipótese) entre várias variáveis, que

permite calcular algumas delas, conhecidas as demais.

Esta conexão pode ser uma definição, explícita ou implícita (por exemplo, uma

identidade que se usa para calcular um término em função de outro).

No caso do primeiro exemplo, o número de nascimentos se obtém somando o

resultado da multiplicação da população feminina de cada idade e região por seu

respectivo coeficiente de natalidade; e o número dos que completam 20 anos num

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108

dado ano são as que completaram 19 anos no ano anterior menos os que morreram

durante o período.

No segundo exemplo, a velocidade é a derivada da posição com respeito ao

tempo.

A conexão entre as várias variáveis, que permite calcular algumas delas,

conhecidas as demais, pode ser também uma lei ou hipótese causal (equação de

comportamento). Neste caso, algumas das variáveis funcionam como fatores

independentes ─ causas ─ e outras são definidas como dependendo causalmente

daquelas. Cada uma destas hipóteses inclui todos os fatores que possuem uma

influência significativa (dado um certo grau de precisão) e os que não aparecem

explicitamente costumam estar implícitos nos valores dos parâmetros.

A linguagem usada tem que ser capaz de representar estas influências e

conexões da maneira mais fiel possível, não se limitando às formas funcionais

usualmente empregadas na matemática. As variáveis qualitativas exigem o uso de

procedimentos em geral mais complicados e trabalhosos, como tabelas de

correspondências.

No primeiro exemplo, o coeficiente de natalidade depende da educação, nível

de renda, do gasto em campanhas de controle de natalidade. As migrações

dependem do estado dos mercados de trabalho. O consumo depende do nível de

renda, dos preços etc. É importante destacar que cada relação destas implica a

aceitação de uma teoria de comportamento das variáveis e, em ultima instância, do

funcionamento da realidade observada.

No segundo exemplo, a força gravitacional é função da altura (lei de Newton).

A força de atrito como o ar é uma função da velocidade e forma do satélite artificial e

das propriedades da atmosfera à altura em que ele se encontra.

As leis ou conexões entre as várias variáveis costumam incluir coeficientes,

expoentes e outros parâmetros cujos valores devem ser conhecidos e que em geral

são constantes. São análogos às variáveis exógenas, mas seu significado é dado

pelas das relações em que figuram. Por isto, não têm conteúdo empírico

independente, a menos que se tornem muito familiares (como a produtividade).

No primeiro exemplo, os parâmetros podem ser: coeficientes de deserção e

repetição, elasticidades de consumo, coeficientes marginais de capital. No segundo

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109

exemplo: constante gravitacional, parâmetros que definem a forma do satélite

artificial.

Sobre as conexões causais, três observações bem conhecidas e já

comentadas merecem ser relembradas.

Causalidade não implica determinismo: as conexões podem conter variáveis

aleatórias, de modo que só determinam certos parâmetros estatísticos da saída.

A concatenação de várias relações causais pode fazer com que A apareça

como causa de B, e B como causa de A. Isto não implica numa contradição, pois as

influências estão separadas no tempo: A(t) influi sobre B(t), mas B(t) sobre A(t+1).

Como vimos, é aconselhável não empregar a linguagem causal e sim a

estatística: A e B estão correlacionados. Mas se o modelo que criamos, para

calcular B, se baseia no valor observado de A, a diferença é puramente

terminológica.

4.14. Considerações Finais

A complexidade dos contextos e sistemas com que se trabalha ao modelizar

aspectos dos ambientes onde se realiza a Gestão Estratégica Pública, sua incerteza

irredutível e sua capacidade de auto-organização, sugerem que não se tente

formular receitas e regras rígidas para orientar as tarefas de modelização.

Entretanto, é possível indicar alguns balizamentos gerais como os que se

apresentam a seguir.

O primeiro, e de certa forma contraditório, é de que nem toda a pesquisa

acerca de uma realidade sobre a qual se pretende atuar deve adotar uma

abordagem sistêmica. Há muitos casos, por exemplo, em que as relações entre o

sistema e o contexto podem ser ignoradas. É uma tarefa e uma responsabilidade do

gestor avaliar até que ponto a natureza sistêmica, e a relação entre seu objeto de

análise e a realidade mais ampla, podem ser negligenciadas de modo seguro. Vale

ressaltar que essa consideração deve estar submetida a um fundamento

estritamente descritivo-explicativo e, portanto, não deve basear-se em critérios

normativos (valores sociais ou preferências ideológicas).

Nesse sentido, é importante lembrar que um gestor deve considerar a

probabilidade de cometer um erro associado à rejeição de uma hipótese falsa; a

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110

ausência de prova de que algo é necessário não é o mesmo que a prova da

ausência de que algo é necessário.

Não se deve aumentar além do imprescindível o número de variáveis ou

relações necessário para explicar um dado sistema (porção da realidade).

Uma prática útil é definir o sistema dentro do qual se concebe o problema a ser

investigado e, em seguida, procurar as relações pertinentes com o seu contexto

imediato. Isto é, examinar “de dentro para fora” como o problema está relacionado

com outros problemas, variáveis, assuntos ou sistemas, em termos temporais e

espaciais. Só a partir daí, se as relações puderem ser desprezadas, poder-se-á

ignorar de forma segura o contexto.

Na caracterização de um problema ou sistema e sua possível evolução, é

necessário incluir todas as variáveis e relações que se considere importantes,

mesmo aquelas que não possam ser quantificadas. Isto porque se elas não forem

incluídas na definição inicial do problema será pouco provável ou muito difícil que

elas possam ser consideradas na análise subseqüente.

É melhor conceber uma explicação aproximada e precária para um problema

complexo na sua totalidade do que uma precisa, mas que dê conta de apenas um

de seus componentes isolados.

Ao abordar um assunto ou problema, é necessário distinguir claramente entre

considerações relativas ao conhecimento em si (incluindo as ignorâncias e

incertezas de tipo científico) e as de natureza política (que compreendem os valores

sociais). É necessário, portanto, assegurar o envolvimento dos tomadores de

decisão, os formuladores da política, desde a caracterização inicial do problema.

É conveniente considerar variáveis e relações que expliquem não apenas a

trajetória histórica observada do sistema, mas sim um espectro mais amplo de

possibilidades de comportamento, que contemple mudanças estruturais, incertezas

e surpresas. E, ademais, avaliar as respostas possíveis do sistema a políticas e

ações humanas.

Finalmente, e para chamar a atenção de uma forma talvez mais eficaz do que

a até aqui empregada, para algumas questões importantes referentes à aplicação

da metodologia aqui apresentada, vamos fazer referência a três passagens da obra

do admirável Jorge Luis Borges.

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111

A primeira, refere-se ao modo como se deve proceder à identificação de

aspectos de uma dada realidade que se afiguram como bons candidatos a variáveis

de um modelo. Ou, de forma mais genérica, a como se deve proceder para construir

uma taxonomia.

Citando uma certa enciclopédia chinesa, diz Borges (1979) que “...os animais

se dividem em:

a) pertencentes ao Imperador;

b) embalsamados;

c) domados;

d) leitõezinhos;

e) sereias;

f) fabulosos;

g) vira-latas;

h) incluídos na presente classificação;

i) histéricos;

j) inumeráveis;

k) pintados com pincel muito fino, de pelo de camelo;

l) et Cetera;

m) que acabam de quebrar a bilha;

n) que de longe parecem moscas''.

A segunda passagem refere-se ao grau de detalhe com o qual devemos

analisar a realidade observada a fim de modelizá-la.

A esse respeito, lembramos o que Borges (1960) nos conta sobre um Reino da

antiguidade em que a Arte da Cartografia havia alcançado tal perfeição que o mapa

de uma província ocupava toda uma cidade, o mapa do Reino uma província. Com

o tempo, conta ele “esses Mapas Desmesurados não satisfaziam mais e o Colégio

de Cartógrafos elaborou um mapa do Reino que tinha o tamanho do próprio Reino e

coincidia pontualmente com ele.“

A situação equivalente a de um cartógrafo perfeccionista que termina

desenhando um mapa em escala 1:1, “perfeito”, mas totalmente inútil, é equivalente

a de um gestor que constrói um modelo de uma dada realidade tão complexo e

“pesado” que não pode ser operado.

Page 117: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

112

A terceira passagem nos permite adicionar mais um elemento a esta aide-

mémoire. Relativo também ao grau de detalhe, abstração e generalização que

devemos adotar para analisar a realidade que pretendemos modelizar, ele se refere

ademais à dimensão temporal envolvida no processo de modelização.

Em “Funes el memorioso”, Borges (1979) nos conta de um gaúcho do final do

século XIX que uma queda de cavalo havia deixado mentalmente perturbado:

“Funes não apenas era incapaz de compreender que o símbolo genérico cão

abarcava tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversa forma;

perturbava-lhe que o cão das 3:14 horas (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que

o cão das 3:04 horas (visto de frente). Sua própria face no espelho, suas próprias

mãos, surpreendiam-no cada vez.”

Funes “não apenas recordava cada folha de cada árvore de cada monte, mas

também cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado.”

“Resolveu reduzir cada uma de suas jornadas pretéritas a umas setenta mil

lembranças, que definiria logo por cifras. Dissuadiram-no duas considerações: a

consciência de que a tarefa era interminável, a consciência de que era inútil. Pensou

que na hora da morte não haveria acabado ainda de classificar todas as lembranças

da infância”.

Page 118: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

113

CAPÍTULO V: METODOLOGIA DE PLANEJAMENTO DE SITUAÇÕES

5. Introdução28

Este capítulo sintetiza os elementos e conceitos da Metodologia de

Planejamento de Situações (MPS) necessários para apoiar o trabalho a ser

desenvolvido pelos alunos. Retomando a analogia náutica que traçamos no capítulo

anterior, ela corresponderia às ações que o gestor (velejador) teria que tomar para,

utilizando a informação proporcionada pela MDS (bússola) e aproveitando a

governabilidade propiciada pelas condições do contexto político e sócio-econômico

(vento, maré etc.), engendrar situações que permitam atingir seu objetivo (alcançar

um ponto da costa o mais próximo possível daquele que havia inicialmente

programado).

A MPS se baseia nos resultados alcançados com a aplicação da MDS

apresentada no capítulo anterior. Em especial, no fluxograma explicativo da

situação. É sobre esta base que o trabalho de análise e de planejamento de

situações tem início. Reflexões suscitadas em outras disciplinas são também

essenciais, com também o são no caso da MDS, para colocar a “carne” no processo

de aplicação da MPS. São elas que irão complementar e criar melhores condições

para a formulação de ações, a fixação de recursos a utilizar e de resultados a

atingir.

Da mesma forma que a MDS se dedica a elucidar os momentos descritivo e

explicativo do tratamento de uma situação-problema, a MPS o faz em relação ao

momento normativo.

5.1. Uma visão preliminar do resultado

Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MPS pode ser obtida

retomando exemplo mostrado no capítulo anterior, da derrota do Palmeiras frente ao

Corinthians.

Depois de terem selecionados os Nós Críticos e elaborada a árvore de

problemas, os jogadores formularam, para cada Nó Crítico, ações para atacá-los.

Eles chegaram à seguinte formulação (ver Figura 5.1.1).

28 Este texto é uma adaptação do capítulo sobre a Metodologia de Planejamento de Situações de Dagnino e outros (2002).

Page 119: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

114

FIGURA 5.1.1: AÇÕES

A1.1. renegociar pagamentos atrasados

A1.2. buscar fontes alternativas de recursos

A2.1. Realizar 2 próximas partidas com Palmeiras B

A2.2. implementar programa intensivo de preparação

A3.1. convencer Daniela Ciccarelli para atuar como madrinha e motivadora

A3.2 contratar assessoria psicológica

A3.3 substituir jogadores mais desmotivados por jovens dispostos

ATRASO

NOS SALÁRIOS

NO PALMEIRAS

PALMEIRAS COM

PREPARO FÍSICO

DEFICIENTE

JOGADORES DO

PALMEIRAS

DESMOTIVADOS

3 X 0

Em seguida, os jogadores definiram para cada ação de cada um dos três nós

crítico, os atores envolvidos. Eles chegaram, então, aos resultados mostrados

abaixo (ver Figura 5.1.2; 5.1.3; 5.1.4), que são o ponto de partida para o

detalhamento das ações seguintes da MPS.

FIGURA 5.1.2: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO

ATRASO

NOS SALÁRIOS

NO PALMEIRAS

A1.1. renegociar os SALÁRIOS atrasados

atores envolvidos

- comissão de jogadores

- patrocinador do Palmeiras

- presidente do Palmeiras

- agência que detém os direitos de transmissão de TV

A1.2. buscar fontes alternativas de recursos

atores envolvidos

- empresa de marketing contratada

- chefes de torcidas organizadas

- presidente da CBF

- presidente do Palmeiras

- patrocinador do Palmeiras

Page 120: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

115

FIGURA 5.1.3: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO

FIGURA 5.1.4: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO

PALMEIRAS

POUCO

MOTIVADO

A3.1. convencer uma modelo a atuar como madrinha da equipe

atores envolvidos

- empresa de marketing contratada pelo Palmeiras

- representante da modelo

- chefes de torcida organizada

- presidente da CBF

- presidente do Palmeiras

- patrocinador do Palmeiras

A3.2 contratar assessoria psicológica

atores envolvidos

- presidente do Palmeiras

- patrocinador do Palmeiras

- técnico do Palmeiras

A3.3 substituir jogadores mais desmotivados por jovens motivados

atores envolvidos

- técnico do Palmeiras

- patrocinador do Palmeiras

5.2. Planejar por Situações-Problema

O dirigente público necessita capacitar-se para jogar o jogo social e

institucional. O que significa “jogar bem”? Jogar bem depende de quatro

capacidades (habilidades e conhecimentos) para o tratamento de problemas em

âmbito público:

i) Explicar a situação-problema que afeta uma instituição;

ii) Formular propostas de ação para resolver problemas sob incerteza;

iii) Conceber estratégias que levem em conta outros atores e eventuais

mudanças de contexto;

iv) Atuar no momento oportuno e com eficácia, recalculando e completando um

Plano de Ação.

PALMEIRAS COM MÁ

PREPARAÇÃO

FÍSICA

A2.1. postergar os próximos jogos

atores envolvidos

- presidente da CBF

- presidente do primeiro clube adversário

- presidente Do segundo clube adversário

- agência que detenha os direitos de transmissão de TV

- presidente do Palmeiras

A2.2. implementar programa intensivo de preparação

atores envolvidos

- técnico do Palmeiras

- preparador físico

- jogadores

Page 121: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

116

Explicar a situação em que uma instituição ou um ator está ou pretende estar

envolvido foi o assunto tratado pela Metodologia de Diagnóstico de Situações. A

Metodologia de Planejamento de Situações proporciona conceitos para os outros

três pontos acima indicados, a partir de uma estrutura lógica que centra a ação de

governo na resolução de problemas.

A decisão de buscar soluções para um problema identificado permite:

i) Administrar o problema em um espaço menor;

ii) Enfrentá-lo no espaço originalmente declarado;

iii) Dissolvê-lo em um espaço maior.

A seguir, apresentamos um exemplo relacionado ao aumento do número de

crimes cometidos por adolescentes (ver Quadro 5.2.1).

QUADRO 5.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES

Espaço Problema

Administrar o problema num espaço menor.

Ação: Ação sobre os adolescentes infratores.

Espaço: Punição a delitos.

Enfrentar o problema no espaço originalmente declarado.

Ação: Ampliação da cobertura da assistência a crianças e a

adolescentes. Espaço: Prevenção dos delitos.

Dissolver o problema num espaço maior.

Ação: Reforma do Sistema Educacional

Espaço: Garantia de direitos básicos que tenderá a evitar delitos.

A escolha entre estes três tipos de ação vai definir a estratégia geral, os

contornos e a abrangência dos resultados que serão obtidos mediante a

implementação de um conjunto de operações consignado num Plano de Ação.

As principais categorias analíticas aqui adotadas, tais como ator social, ação

ou momento no processo de planejamento, são definidas em função do conceito de

situação-problema. O dirigente público, ao atuar em contextos sujeitos à constante

mudança, pode ser representado como um ator que se movimenta num jogo social.

Todo ator social pode desempenhar um papel de protagonista e não de simples

observador, mas para isto precisa compreender a realidade em transformação.

Como foi destacado anteriormente, cada "realidade" será percebida de modo

distinto dependendo do ponto de observação (valores, interesses, experiências

prévias etc.) do ator que planeja (ou, simplesmente, observa). Uma mesma

Page 122: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

117

realidade pode ser percebida de modo diferente dependendo de como está situado

um observador específico; quais são seus interesses e seus objetivos. Dessa forma,

a análise de uma determinada situação é uma apreciação da realidade que enfrenta

um determinado ator a partir da sua visão. A explicação situacional resultante é

auto-referenciada, isto é, ela é condicionada pelo ponto de vista do ator. E, por isto,

influenciado pelo tipo de inserção na realidade que possui o ator que planeja.

Uma explicação formulada por um ator social sobre um aspecto da realidade

pode ser verificada ou refutada apenas em função da maior ou menor capacidade

de sua cadeia de argumentos em sustentar seus questionamentos. Portanto,

sempre haverá mais de uma visão acerca da realidade e os ideais de objetividade e

as distinções entre verdadeiro e falso perdem força no trabalho do analista e na

reflexão voltada para a ação que caracteriza a GEP.

Apresentamos a seguir um esquema (ver Figura 5.2.1) que sintetiza a

metodologia de planejamento baseado na análise de situações-problema que é a

que adotamos como eixo de nossa proposta de GEP.

FIGURA 5.2.1: ESQUEMA GERAL PARA PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Figura 01 - Esquema Geral para Planejamento Estratégico

Ator que planeja

Confiabilidade:

- Conhecimento

- Qualidade do Projeto

- Capacidade de Coordenação

Resultados

Situação

Inicial

Contexto:

- Variáveis

- Surpresas

- Outros jogadores

Situação

Objetivo

Plano: Meios, Tempo, Gente, Ações.

Estratégia

Táticas

Situação

Objetivo

FONTE: Matus, (1994).

Page 123: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

118

Na situação-inicial, o ator declara sua insatisfação sobre uma dada realidade

em um determinado momento e, por isto, tem demandas a viabilizar, necessidades

a satisfazer e problemas a resolver. Esse ator constrói uma explicação que serve de

base para a definição fundamentada de uma situação-objetivo. Ela envolve a

explicitação de um conjunto de resultados que se espera atingir ao final de um

determinado tempo e que resolverão os problemas iniciais formulados ou atenderão

as demandas e as necessidades identificadas.

O plano é uma construção que implica em uma estratégia e um conjunto de

táticas a implementar. E demanda gente em condições de realizar e de coordenar

as ações a serem executadas. As operações são os módulos de ação previstos em

um plano. Planejar implica ainda em identificar e disponibilizar os meios necessários

para a ação, os diversos recursos necessários, poder político, conhecimento,

capacidades organizativas, equipamentos e tecnologia e também, mas nem sempre,

recursos econômico-financeiros.

O esquema destaca a confiabilidade do plano elaborado e o contexto em que

ele será desenvolvido como elementos essenciais para a obtenção dos resultados

desejados. Nesse sentido, um plano só se completa na ação e este agir implica em

permanente avaliação e revisão do que foi planejado. Para obter Confiabilidade é

necessário verificar a todo o momento a qualidade da proposta, a sua consistência e

fundamentação, e garantir a boa coordenação da formulação e da implementação.

O monitoramento das alterações que se verificam na situação-problema e o

acompanhamento do contexto em que ela se insere são fundamentais, já que atingir

uma determinada situação-objetivo não depende apenas da vontade de ator que

planeja. Sobre suas ações e sobre os resultados que serão obtidos influenciam

mudanças no contexto, a ocorrência de surpresas e, principalmente, os planos e as

ações de outros atores sociais.

5.3. Operações

As operações podem ser entendidas como os grandes passos (conjunto de

ações) ou como o conjunto de condições que deve ser criado para a viabilização do

plano. São elaboradas como a solução de cada Nó-Crítico identificado num

fluxograma explicativo. Solução a ser alcançada no âmbito deste problema no prazo

do plano. O conjunto deve ser suficiente para assegurar o cumprimento do plano.

Page 124: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

119

i) As Operações podem também ser entendidas como atos lingüísticos

enunciados no espaço das declarações de compromissos visando à mudança

da realidade. Sua formulação deve iniciar por “Comprometo-me a ... (fazer

algo) “. As Operações podem ser:Bem-estruturadas (operações de resolução

normalizada, sem deliberação);

ii) De risco calculado (operações com uma probabilidade precisa de êxito);

iii) Apostas operacionais (operações quase-estruturadas sob incerteza).

Um compromisso visando à ação deve ser diferenciado de:

i) Uma recomendação (seria bom que...);

ii) Um critério (deve-se....);

iii) Um enunciado de um objetivo (devemos alcançar....);

iv) Uma proposta de política (enunciado geral);

v) Uma declaração de prioridade.

Cada uma das operações formuladas para enfrentar uma situação-problema

determinada deve ser detalhada para viabilizar sua implementação. A seguir são

apresentados os principais componentes deste detalhamento.

5.4. Matriz Operacional

A Matriz Operacional detalha o conjunto de procedimentos através do qual

devem ser atingidos os resultados esperados nas operações. Cada ação poderá ser

dividida em atividades que, por sua vez, podem ser detalhadas em tarefas,

dependendo da complexidade da operação ou da ação e das características do

cenário que pretende construir o ator que planeja. De qualquer forma, o enunciado

das ações, das atividades e/ou das tarefas na matriz operacional deve vir

acompanhado pelos respectivos produtos, resultados esperados, datas (início/fim),

responsáveis, apoios e recursos necessários.

5.5. Ações, Atividades, Tarefas

São as unidades de implementação de um plano. Seu detalhamento deve ser

feito até o nível necessário para uma compreensão clara da operacionalização de

um plano ou projeto. Se for necessário, até mesmo as tarefas podem ser

subdivididas de acordo com o interesse ou a necessidade do ator que planeja.

Page 125: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

120

O detalhamento das tarefas deve ser refeito periodicamente, em função das

necessidades. A somatória das ações e tarefas, verificáveis em forma de produtos,

devem garantir que se alcance os resultados.

5.6. Resultados

São os impactos sobre as manifestações concretas do problema que está

sendo atacado (avaliado pelos seus descritores); a mudança na realidade

observada. A definição dos resultados possibilita uma avaliação do plano, assim

como a condução precisa das ações no sentido da estratégia geral.

5.7. Produtos

São parâmetros concretos ─ quantidade, qualidade, tempo e lugar ─ que

auxiliam na execução das atividades planejadas. Se os produtos estão sendo

obtidos e os problemas identificados persistem é porque os resultados esperados

não estão ocorrendo. Há então necessidade de rever as operações e as ações

projetadas.

5.8. Recursos

Recurso é tudo aquilo que um ator pode mobilizar para viabilizar a consecução

dos seus objetivos. A execução de um plano implica no gerenciamento de múltiplos

recursos escassos.

Para o processo de planejamento que aqui propomos, é necessário trabalhar

com um conceito bastante amplo de recurso. O Quadro 5.8.1 abaixo indica os

recursos que podem ser utilizados para a viabilização de ações planejadas.

QUADRO 5.8.1: VIABILIZAÇÃO DE AÇÕES PLANEJADAS

Recursos: cognitivos políticos financeiros organizacionais pessoal capacitado ou tempo

Capacidades: para formar opinião para gerar legislação ou regulamentações para agenciar pessoas e organizações para gerenciar ou coordenar processos de trabalho para gerar capacidade de mobilização

FONTE: elaborado pelo autor.

Page 126: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

121

Para cada ação prevista, devem-se detalhar quais recursos de diferentes tipos

serão necessários, ajustar a utilização dos recursos à sua disponibilidade,

especificar os custos para cada ação/tarefa. A partir desta informação será possível

uma alocação realista dos recursos. Torna-se fundamental avaliar em que medida

as atividades previstas em um plano necessitam consumir os diferentes tipos de

recursos para avaliar sua eficiência.

5.9. Prazos

O tempo talvez seja o recurso mais escasso com os quais lidam os dirigentes

públicos e os seus planos de governo. A determinação dos prazos das operações e

das ações marca a trajetória do plano, com os pré-requisitos, as concomitâncias, os

intervalos ou os pontos pré-determinados de confluência (datas simbólicas etc.). A

indicação de prazos é indispensável para o acompanhamento e a avaliação do

plano e indica o compromisso do responsável com a execução das ações. Os

prazos referem-se à data limite para a finalização da ação (para ser mais preciso, o

intervalo entre o início e o fim da ação).

5.10. Responsáveis

São os coordenadores e os articuladores de tarefas a serem desenvolvidas no

plano. As responsabilidades devem ser nominais ou no mínimo por função, evitando

a diluição de responsabilidades (“quando todos são responsáveis por tudo, ninguém

é responsável por nada”). É também importante distinguir entre o responsável

(pessoa que está comprometida diretamente com a realização da ação) e eventuais

apoios (pessoas que contribuem para a realização da ação).

5.11. Etapas para a formulação de um Plano de Ação

O Quadro 5.11.1 abaixo resume os elementos fundamentais para formulação

de um plano:

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122

QUADRO 5.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO

Identificação do ator que planeja; Descrição da situação-problema onde se quer atuar; Problemas precisos a enfrentar; Objetivos bem definidos; Identificação de interessados e de beneficiários; Nome do plano (aspecto comunicacional); Principais ações a realizar, trajetória, encadeamento; Definição de responsáveis, rede de ajuda e parceiros; Previsão de recursos necessários, produtos e resultados esperados; Indicação do prazo de maturação dos resultados; Indicadores para verificação do andamento dos trabalhos, produtos, uso de recursos, contexto e resultados; Clareza como atuar em relação a aliados e a oponentes; Clareza como atuar em relação a mudanças no contexto; Previsão de procedimentos para acompanhamento das ações, cobrança e prestação de contas; Previsão de procedimentos para avaliação e para revisão durante a execução do que foi planejado.

FONTE: elaborado pelo autor.

Como complemento, a partir da análise do balanço entre apoios e oposições

previsíveis a um plano de ação formulado, cabe identificar um tipo especial de

operação a ser planejada. Trata-se de um tipo de operação que apresenta um

caráter mais político do que operacional. Aquele que tem como objetivo construir

viabilidade para a implementação de um projeto através do apoio ou da

contraposição à resistência percebida. Esta modalidade de análise estratégica leva

em conta o estudo de motivações e de interesses de atores envolvidos com os

problemas que a equipe dirigente pretende enfrentar.

5.12. Gestão do Plano

O plano só se completa na ação, nunca antes. E a ação de governo

freqüentemente exige adaptações de último momento que completam e viabilizam o

plano. Essas adaptações são uma forma de improvisação necessária e quase

inexorável. A questão consiste, no momento da ação, se o domínio será de

improvisação sobre o plano ou do plano sobre a improvisação. Não obstante, há

que reconhecer que as equipes dirigentes podem escolher os problemas, formular

seus planos para solucioná-los e o momento de fazê-lo, mas não podem escolher

as circunstâncias do contexto em que deverão agir.

Page 128: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

123

5.13. Atuar sob incerteza

O plano formulado mediante simples cálculo determinista inviabiliza, no limite,

a avaliação do seu cumprimento e do compromisso com as responsabilidades

assumidas. Isso porque é impossível valorar o significado dos resultados frente a

metas previstas se são verificadas mudanças significativas no contexto em que ele

deve ser implementado.

O contexto do plano é um conjunto de condições fora do controle do ator que

planeja. Ele influencia o desenvolvimento e os resultados finais do plano. Surpresas

sempre ocorrem e podem gerar alto impacto sobre o plano e os resultados

esperados.

Planejar sob incerteza significa, então:

i) Não congelar o cálculo sobre o futuro; refazê-lo constantemente;

ii) Utilizar recursos de cálculo como previsão, reação rápida diante da

mudança imprevista, aprendizado com o passado recente;

iii) Trabalhar com diferentes cenários, com visões alternativas sobre o futuro;

iv) Estar preparado para enfrentar surpresas;

v) Dispor de sistema de manejo de crises;

vi) Afastar a incerteza evitável mediante ações preventivas.

O exercício do planejamento significa enfrentar as incertezas e as dificuldades

impostas pela realidade, alcançando os objetivos a que o plano se propõe. Todos os

cálculos realizados quando da elaboração do plano precisam ser refeitos

permanentemente a partir da análise sobre:

i) Desenvolvimento dos fatos concretos;

ii) Evolução do plano;

iii) Avanço da elaboração individual e coletiva na instituição.

5.14. Focos de Debilidade de um Plano

Concluindo a apresentação da MPS, se apresenta um conjunto de pontos

(uma check list) para a verificação da qualidade de um plano de ação. São

preocupações enunciadas de forma negativa que se considera importantes para o

planejamento e acompanhamento das operações, avaliação e replanejamento de

um plano de ação:

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124

Seleção de problemas inadequada ou desfocada;

Compreensão precária sobre a situação problemática a ser enfrentada:

diagnóstico de situações mal formulado;

Má qualidade do projeto de ação elaborado;

Projeção mal formulada para resultados esperados;

Despreparo ou não previsão para ocorrência de surpresas ou mudanças no

contexto;

Deficiente análise estratégica;

Suposições gerenciais otimistas.

5.15. Componentes de um sistema de Gestão Estratégica Pública

Para o ator que planeja, a informação é o meio que lhe permite conhecer a

realidade na qual atua e verificar o resultado causado por sua ação. Disso depende

sua capacidade para alterar oportunamente suas decisões, quando as metas

alcançadas se distanciam das propostas. Sem informação oportuna, confiável e

relevante não se identificam bem os problemas, não se pode atacá-los a tempo e

posterga-se a ação corretiva. O que condiciona a eficácia das operações levando a

que os resultados previstos não sejam alcançados.

O monitoramento, na GEP, responde a este princípio elementar: não se pode

atuar com eficácia se os dirigentes não conhecem de maneira contínua, e o mais

objetiva possível, os sinais vitais do governo que lideram e das situações sobre as

quais intervêm. Um sistema de informação casuístico, parcial, assistemático,

atrasado, inseguro e sobrecarregado de dados primários irrelevantes é um aparato

sensorial defeituoso que limita severamente a capacidade de uma equipe dirigente

de se sintonizar com as situações que busca enfrentar, de identificar os problemas

atuais e potenciais, de avaliar os resultados de sua ação e de corrigir

oportunamente os desvios com relação aos objetivos traçados.

São três os componentes que devem constituir um sistema de GEP que

garanta um acompanhamento e um processamento adequado dos fluxos de

informação que alimentam as decisões de uma equipe dirigente:

1 - Sistema de Constituição da Agenda: no qual se decide o uso do tempo e o

foco de atenção dos dirigentes, o que, em síntese, constitui o menu de decisões.

Page 130: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

125

Nesse sistema, o fluxo contínuo de informações estabelece a luta entre a

improvisação e o planejamento.

2 - Sistema de Cobrança e Prestação de Contas: em que se torna efetiva a

responsabilidade de cada membro da unidade organizacional sobre as missões

assumidas como compromissos. Com este sistema, conforma-se um processo de

trabalho com base na responsabilidade. Ele não pode ser estruturado sem que

informações confiáveis e oportunas estejam disponíveis.

3 - Sistema de Gestão Operacional: onde é viabilizada a ação diária num

processo em que se enfrentam a rotina e a criatividade. Na gestão predomina a

ação sujeita a diretrizes, mas elas devem deixar um amplo campo à criatividade, à

iniciativa e à inovação.

Esses três Sistemas e alguns de seus subsistemas necessários para a criação

de uma estrutura que garanta a efetividade da GEP, como os de Gestão de Crises e

de Comunicação Governamental, são objeto de outros trabalhos sobre o tema.

Page 131: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

126

CAPÍTULO VI: METODOLOGIA DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

6. Introdução

Este capítulo se orienta a sistematizar a contribuição de autores que buscam

melhorar a maneira como se desenvolve o processo de elaboração de políticas no âmbito

do Estado contemporâneo. Desta forma, pretende possibilitar aos profissionais ali situados,

e interessados em construir alternativas aos cursos de ação tradicionais, um conjunto de

conceitos, modelos e métodos de análise apropriados à gestão pública.

Ele pode ser entendido como um auxílio metodológico para a pesquisa de situações

─ políticas, organizações, processos etc. ─ relevantes do ponto de vista da Gestão

Estratégica Pública; um arsenal para tratar essas situações ou sistemas complexos e

possibilitar a construção de modelos descritivos, explicativos, normativos e institucionais

apropriados. Neste sentido, este capítulo complementa outros conteúdos e metodologias

(de modelização, de diagnóstico de situações, de planejamento de situações) abordados

no Curso.

A metodologia de que trata este capítulo, é de aplicação mais complexa e demorada,

mas oferece resultados extremamente relevantes para o entendimento dos ambientes de

governo e para a elaboração de políticas públicas.

Sua estrutura segue muito de perto a proposta feita por um livro bem conhecido (HAM

e HILL, 1993), que pode ser usado para aprofundar os temas aqui tratados e guiar o

processo de consulta à bibliografia sobre Análise de Política. O público-alvo desse livro é

os profissionais de formação variada (engenheiros, médicos, administradores, economistas

etc.) que atuam no setor público ou privado lidando com temas, de natureza também muito

distinta, relacionados a áreas onde é importante a presença do Estado na produção (ou

sua regulação) de bens e serviços para a população (energia, saúde, educação, transporte

etc.).

Este capítulo trata quase que exclusivamente da análise do processo de elaboração

de políticas. Seu propósito, tal como acima indicado, é proporcionar ao gestor, cujo foco é

a implementação das políticas públicas, uma visão compreensiva e um entendimento mais

“politizado” do processo mais abrangente, da elaboração da política, que abarca os três

grandes momentos da Formulação, Implementação e Avaliação. O capítulo está, portanto,

orientado a capacitar o gestor enquanto analista da política pública; atividade, esta,

Page 132: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

127

considerada essencial para o seu adequado desempenho como responsável pela Gestão

Estratégica Pública na implementação, acompanhamento, avaliação e crítica de políticas.

Embora seu foco não seja na Formulação da política, é por isto que só na seção 6.8 é

abordado o tema da elaboração de políticas enquanto “arte e técnica de governo”. Assim,

só nesta seção é que se discorre sobre os procedimentos que devem ser realizados, da

metodologia que deve ser utilizada, e dos cuidados que devem ser tomados para formular

políticas que possam ser implementadas de maneira adequada e para que elas sejam

implementadas de forma a alcançar os objetivos e os impactos visados. Este tema,

entretanto, não será abordado em detalhe. Mais do que os demais, ele tem sido tratado de

forma exaustiva por muitos autores.

Não obstante, o conteúdo apresentado nas seções que precedem a 6.8 constitui-se

num subsídio tão importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar

e também avaliar) políticas públicas, que se espera de um profissional situado no interior

do aparelho de Estado, que omiti-las seria algo assim como esperar que alguém que

nunca pisou numa cozinha possa fazer um bom bolo apenas com uma receita (por melhor

que ela seja). Em outras palavras, seria aceitar a proposição tecnocrática de que a

elaboração de política pública pode ser encarada como a simples operacionalização de um

conjunto de normas, procedimentos e passos de um manual.

A seção 6.10 é uma espécie de resumo das anteriores (com exceção seção 6.8) e

pode ser usada como um guia para a Análise de Políticas.

A intenção deste capítulo é, então, construir uma ponte entre as metodologias de

planejamento usualmente adotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têm sido

insistentemente apontada, e conteúdos relacionados aos aspectos políticos da elaboração

de políticas.

6.1. Explorando o conceito de Análise de Política

Antes de qualquer coisa, um lembrete:

A Análise de Políticas não necessariamente implica numa identificação do analista

com os objetivos daqueles que controlam o processo político. A subversão do status quo

demanda, talvez mais do que sua preservação, o seu correto entendimento.

Esta extensa seção procura dar conta da complexidade do conceito de Análise de

Política introduzindo o leitor, simultaneamente, à bibliografia produzida pelos principais

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128

autores que se dedicam a este campo e à forma como se vão estabelecendo (e alterando)

os demais conceitos com ele relacionados.

6.1.1. O conceito de política

Easton (1953:130) nos diz que “uma política (policy) é uma teia de decisões que

aloca valor”. Mais especificamente, Jenkins (1978:15) vê política como um ”conjunto de

decisões inter-relacionadas, relacionado à seleção de metas e aos meios para alcançá-las,

dentro de uma situação especificada”.

Segundo Heclo (1972:84-85), o conceito de política (policy) não é “auto-evidente”. Ele

sugere que “uma política pode ser considerada como um curso de ação ou inação (ou

“não-ação”), mais do que como decisões ou ações específicas”.

Wildavsky (1979:387) lembra que o termo política é usado para referir-se a um

processo de tomada de decisões, mas, também, ao produto desse processo.

Ham e Hill (1993:13) analisam as “implicações do fato de que a política envolve antes

um curso de ação ou uma teia de decisões que uma decisão”, destacando aspectos como:

Há uma rede de decisões de considerável complexidade;

Há uma série de decisões que, tomadas em seu conjunto, compreende o que é a

política;

Políticas mudam com o passar do tempo e, em conseqüência, precisar o término de

uma política é uma tarefa difícil;

O estudo de políticas deve deter-se, também, no exame de “não-decisões”.

Os autores colocam, ainda, que o estudo de não-decisões tem adquirido importância

crescente nos últimos anos.

Uma forma de resumir as características do conceito é dada por três elementos:

Uma teia de decisões e ações que alocam (implementam) valores;

Uma instância que, uma vez articulada, vai conformando o contexto no qual uma

sucessão de decisões futuras serão tomadas;

Algo que envolve uma teia de decisões ou o desenvolvimento de ações ao longo do

tempo, mais do que uma decisão única localizada no tempo.

Ao trabalhar com Análise de Políticas há que levar em conta que o termo política

pode ser empregado de muitas maneiras. Por exemplo, para designar:

i) Campo de atividade ou envolvimento governamental (social, econômica), embora

com limites nem sempre definidos;

ii) Objetivo ou situação desejada (estabilidade econômica);

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129

iii) Propósito específico (inflação zero) em geral relacionado a outros de menor ou

maior ordem;

iv) Decisões do governo frente a situações emergenciais;

v) Autorização formal (diploma legal), ainda que sem viabilidade de implementação;

vi) Programa (“pacote” envolvendo leis, organizações, recursos);

vii) Resultado (o que é obtido na realidade e não os propósitos anunciados ou

legalmente autorizados);

viii) Impacto (diferente de resultado esperado);

ix) Teoria ou modelo que busca explicar a relação entre ações e resultados;

x) Processo (os nove acima são “fotos” é necessário um “filme”: enfoque processual).

As definições e os cuidados que se deve tomar mostram que na Análise de Política

há levar em conta que

Os political aspects (aspectos políticos) são inerentes ao processo de elaboração

de políticas (tradução para o termo em inglês policy process);

E que a política envolve uma teia de decisões e o desenvolvimento de ações no

tempo, mais do que uma decisão isolada.

Para resumir pode-se criar um “decálogo” como o que segue que nos lembra que

para entender o conceito de política, sempre entendido na sua acepção de policy ou

política pública, é necessário ter presente:

i) A distinção entre política e decisão: a política é gerada por uma série de interações

entre decisões mais ou menos conscientes de diversos atores sociais (e não somente dos

tomadores de decisão);

ii) A distinção entre política e administração;

iii) Que política envolve tanto intenções quanto comportamentos;

iv) Tanto ação como não-ação, podendo assumir, inclusive o caráter de política

simbólica; isto é, que uma política cujo objetivo é mais gerar um impacto político favorável

para quem a formula do que ser implementada de fato;

v) Que a política pode determinar impactos não esperados;

vi) Que seus propósitos podem ser definidos ex post: racionalização;

vii) Que ela é um processo que se estabelece ao longo do tempo;

viii. Que envolve relações intra e inter organizações;

ix) Que é estabelecida no âmbito governamental, mas envolve múltiplos atores

x) Que é definida subjetivamente segundo as visões conceituais adotadas.

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130

6.1.2. O conceito de Análise de Política

Embora várias definições tenham sido cunhadas por autores que se têm dedicado ao

tema, pode-se iniciar dizendo que a Análise de Políticas pode ser considerada como um

conjunto de conhecimentos proporcionado por diversas disciplinas das ciências humanas

utilizados para buscar resolver ou analisar problemas concretos em política (policy) pública

(BARDACH, 1998).

Para Wildavsky (1979:15), a Análise de Política recorre a contribuições de uma série

de disciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e conseqüências da ação do

governo, em particular, ao voltar sua atenção ao processo de formulação de política. Ele

considera, ademais, que Análise de Política é uma sub-área aplicada, cujo conteúdo não

pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por uma abordagem que pareça

apropriada às circunstâncias do tempo e à natureza do problema. Segundo Lasswell

(1951:3), essa abordagem vai além das especializações existentes.

Segundo Dye (1976:1), fazer “Análise de Política é descobrir o que os governos

fazem, porque fazem e que diferença isto faz”. Para ele, Análise de Política é a descrição e

explicação das causas e conseqüências da ação do governo. Numa primeira leitura, essa

definição parece descrever o objeto da Ciência Política, tanto quanto o da Análise de

Política. No entanto, ao procurar explicar as causas e conseqüências da ação

governamental, os cientistas políticos têm-se concentrado nas instituições e nas estruturas

de governo, só há pouco se registrando um deslocamento para um enfoque

comportamental. Ham e Hill (1993:5) ressaltam que “recentemente a política pública

tornou-se um objeto importante para os cientistas políticos. O que distingue a Análise de

Política do que se produz em Ciência Política é a preocupação com o que o governo faz”.

O escopo da Análise de Política, porém, vai muito além dos estudos e decisões dos

analistas, porque a política pública pode influenciar a vida de todos os afetados por

problemas das esferas pública (policy) e política (politics), dado que os processos e

resultados de políticas sempre envolvem a vários grupos sociais. E, também, porque as

políticas públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os

diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que têm no

aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão.

A Análise de Política engloba um grande espectro de atividades, todas elas

envolvidas de uma maneira ou de outra com o exame das causas e conseqüências da

ação governamental. Assim, uma definição correntemente aceita sugere que a Análise de

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131

Política tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de política

(policy makers) e como objetivo auxiliar o seu equacionamento através do emprego de

criatividade, imaginação e habilidade.

6.1.3. O surgimento da Análise de Política como campo acadêmico

Ham e Hill (1993) apontam que a preocupação com as políticas públicas, que dá

origem ao surgimento da Análise de Política, acentua-se no início da década de 1960 e

tem origem em duas vertentes de interesse:

As dificuldades porque passavam os formuladores de política frente à complexidade

cada vez maior dos problemas com que se deparavam, fato que os levou paulatinamente a

buscar ajuda para construção de alternativas e propostas para soluções;

E a atenção de pesquisadores acadêmicos em ciências sociais (Ciência Política,

economia, sociologia) que progressivamente passaram a trabalhar com questões

relacionadas às políticas públicas e procuraram construir e aplicar conhecimentos à

resolução de problemas concretos do setor público.

Foi, assim, a escala dos problemas com que, nos anos de 1960, deparavam-se os

governos das sociedades ocidentais industrializadas o que levou a um crescente interesse

pela Análise de Política. Por outro lado, a dificuldade de tratar problemas fez com que

pesquisadores acadêmicos, sobretudo da área de ciências sociais, se interessassem,

progressivamente, por questões relacionadas às políticas públicas e procurassem aplicar

seus conhecimentos na sua elucidação. Ao longo dos anos, surgiram programas e cursos

universitários, novas disciplinas e publicações acadêmicas sobre o tema.

Simultaneamente, agências de governos dos países avançados começaram a empregar

analistas de políticas e a adotar novas práticas, como a análise de custo e benefício, o

orçamento por programa e a análise de impacto.

Em alguns círculos, a Análise de Política nasce como área de pesquisa, contrapondo-

se à administração pública. Não obstante, o formato inicial dos cursos (nos EUA, nos anos

de 1960) a ela dedicados (focalizados na análise organizacional, métodos quantitativos

etc.) não enfatizavam com propriedade a questão dos valores, intrínseca à Análise de

Política.

Em outros círculos, a Análise de Política se estabelece por diferenciação/exclusão em

relação ao de Ciência Política, determinando uma inflexão no seu enfoque, concentrado na

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análise das organizações e estruturas de governo. Isto é, deslocando o foco da análise do

institucional para o comportamental.

Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sido realizadas por

cientistas sociais, o que é novo é a escala em que elas passam a ocorrer a partir dos anos

de 1970, e o ambiente mais receptivo que passa a existir por parte dos governos. De fato,

pesquisadores, como Keynes e Marx, já se tinham interessado por questões inerentes à

atuação do governo e às políticas públicas. Esse movimento recente, entretanto,

caracterizou-se por oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas

atinentes aos cursos de Ciência Política, que tomaram por modelo áreas da administração

pública ou deram excessiva ênfase a métodos quantitativos combinados à análise

organizacional.

Segundo alguns os pesquisadores que fundam o campo, a “policy orientation” é o que

distingue a Análise de Política da administração pública. Seu caráter normativo (no sentido

de explicitamente portador de valores) revela uma preocupação acerca de como as idéias

que emergem da análise podem ser aplicadas no sentido de alavancar um projeto social

alternativo. Neste caso, a melhoria do processo político através das políticas públicas que

promovam a democratização do processo decisório é assumida como um viés normativo.

Mas segundo eles a Análise de Política é também problem-oriented, o que demanda

e suscita a interdisciplinaridade. A Análise de Política caracteriza-se, assim, pela sua

orientação aplicada, socialmente relevante, multidisciplinar, integradora e direcionada à

solução de problemas, além da sua natureza ao mesmo tempo descritiva e normativa.

Nos anos de 1980, o debate Estado vs. mercado, privatização, e a consideração da

incapacidade do Estado para resolver os problemas sociais, levaram à utilização de

técnicas de administração desenvolvidas no setor privado. A subestimação das

dificuldades relacionadas à implementação de políticas é um traço marcante da postura da

administração.

6.1.4. Uma tipologia da Análise de Política: a tensão entre descritivo e o prescritivo

Sobre a tensão entre descritivo e o prescritivo, Ham e Hill (1993) classificam os

estudos de Análise Política (abordagens, perspectivas) em duas grandes categorias:

1) A análise que tem como objetivo desenvolver conhecimentos sobre o processo de

elaboração políticas (formulação, implementação e avaliação) em si mesmo ─ estudos

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sobre as características das políticas e o processo de elaboração de políticas ─ que

revelam, portanto, uma orientação predominantemente descritiva;

2) E a análise voltada a apoiar os fazedores de política, agregando conhecimento ao

processo de elaboração de políticas, envolvendo-se diretamente na tomada de decisões,

revelando assim um caráter mais prescritivo ou propositivo.

Já Dye (1976) se refere ao tema dizendo que a Análise de Política tem um papel

importante na ampliação do conhecimento da ação do governo e pode ajudar os

“fazedores de política” (policy makers, no original) a melhorar a qualidade das políticas

públicas. Com isso, ele corrobora a visão de outros autores, como Lasswell (1951) e Dror

(1971), segundo a qual, a Análise de Política é tanto descritiva, quanto prescritiva.

Na visão de Wildavsky (1979:17) “o papel da Análise de Política é encontrar

problemas onde soluções podem ser tentadas”, ou seja, “o analista deve ser capaz de

redefinir problemas de uma forma que torne possível alguma melhoria”. Portanto, a Análise

de Política está preocupada tanto com o planejamento como com a política (politics).

Assim, dois termos que podem ser encontrados reiteradamente na literatura anglo-

saxã são:

i) Analysis of policy, referindo à atividade acadêmica visando, basicamente, ao melhor

entendimento do processo político;

ii) Analysis for policy, referindo à atividade aplicada voltada à solução de problemas

sociais.

A Figura 6.1.4.1 que segue, que aparece em Hogwood e Gunn (1981 e 1984), e está

baseada, por sua vez, em Gordon, Lewis e Young (1977), propõe uma tipologia da Análise

de Política que abrange um amplo espectro. Ele vai desde os estudos descritivos - “análise

do conteúdo da política” ─ até os francamente normativos ─ “defesa de políticas”.

FIGURA 6.1.4.1: TIPOLOGIA DA ANÁLISE DE POLÍTICAS

Estudo do

conteúdo

da política

Estudo do

processo de

elaboração

de política

Estudo dos

resultados

da política

Avaliação

Informação

para a

formulação

de políticas

Defesa de

processos

Defesa de

políticas

Analista

como ator

político

Ator político

como

analista

Estudos de política

(Conhecimento do processo

de elaboração de políticas)

Análise de políticas

(Conhecimento no processo

de elaboração de políticas)

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134

FONTE: Hogwood e Gunn, (1981 e 1984). Essa tipologia distingue sete tipos de Análise Política e esclarece muitos dos termos

usados correntemente na área:

i) Estudo do conteúdo das políticas (study of policy content), no qual os analistas

procuram descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento de políticas, isto é,

determinar como elas surgiram, como foram implementadas e quais os seus resultados;

ii) Estudo do processo das políticas (study of policy process): nele, os analistas

dirigem a atenção para os estágios pelos quais passam questões e avaliam a influência de

diferentes fatores, sobretudo na formulação das políticas;

iii) Estudo do resultado das políticas (study of policy output), no qual os analistas

procuram explicar como os gastos e serviços variam em diferentes áreas, razão por que

tomam as políticas como variáveis dependentes e tentam compreendê-las em termos de

fatores sociais, econômicos, tecnológicos e outros29;

iv) Estudo de avaliação (evaluation study), no qual se procura identificar o impacto

que as políticas têm sobre a população30;

v) Informação para elaboração de políticas (information por policy making): neste

caso, o governo e os analistas acadêmicos organizam os dados para auxiliar a elaboração

de políticas e a tomada de decisões;

vi) Defesa de processos (process advocacy): os analistas procuram melhorar os

sistemas de elaboração de políticas e a máquina de governo, mediante a realocação de

funções, tarefas e enfoques para avaliação de opções;

vii) Defesa de políticas (policy advocacy), atividade exercida por intermédio de grupos

de pressão, em defesa de idéias ou opções específicas no processo de políticas.

6.1.5. A postura do analista de políticas

É possível identificar três tipos de analistas:

- O “técnico”: interessado em pesquisa policy-oriented, é um acadêmico preocupado

com a (ou atuando na) burocracia;

- O “político”: interessado em Análise de Política na medida em que lhe permite

aumentar sua influência política;

29 Tais estudos têm recebido muita atenção nos E.U.A., Europa e Reino Unido. 30 Esse tipo de estudo pode ser descritivo e prescritivo e marca a fronteira entre a “análise de política” e a “análise para política”.

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- O “empreendedor” interessado em usar a Análise de Política para influenciar a

política.

O caráter de policy orientation da Análise de Política sugere que a preocupação do

analista seja mais direcionada à “análise da determinação da política” (postura normativa)

do que à “análise do conteúdo da política” (postura descritiva).

A posição não-engajada, puramente acadêmica, é válida na medida em que a

isenção permite uma análise mais rigorosa. Ela não deve impedir o cumprimento do

objetivo maior (normativo), que deve ser a melhoria do processo político. Esta não

necessariamente implica numa identificação com os objetivos daqueles que controlam o

processo político. A subversão do status quo demanda, talvez mais do que sua

preservação, o seu correto entendimento.

Análises neutras, desprovidas de valores, são um mito. A pesquisa é sempre

influenciada pelos valores do analista. É difícil, mas necessário, que ele não se converta

num “político” (policy advocate).

Wildavsky (1979:7) destaca que a Análise de Política envolve um certo aprendizado,

a partir da experiência, especialmente da experiência do fracasso e da correção dos erros

cometidos. Segundo Ham e Hill (1993:22), os analistas não se deveriam restringir a

examinar como políticas podem ser melhoradas, dentro das relações sociais e políticas já

existentes: essas próprias relações deveriam ser parte do campo de investigação. Se a

análise política está localizada na estrutura existente de relações sociais e se o escopo é

limitado a questões já postas na agenda para discussão, então questões significativas

podem ser ignoradas e as necessidades de grupos particulares podem ser negligenciadas.

Uma postura cética, que questione os pressupostos dos tomadores de decisão é

aconselhável. Não fazê-lo leva a uma posição conservadora. Buscar simplesmente a

melhoria das políticas (e não do processo político) no âmbito das relações sociais e

políticas existentes termina levando à adoção de um critério de qualidade enviesado: a boa

política é aquela que pode ser implementada (viável).

Restringir o foco de análise aos problemas já contemplados pela “agenda (de

discussão) política” leva a excluir questões que interessam a grupos política e socialmente

desfavorecidos.

A percepção de que as políticas, mais do que o mercado, são os responsáveis pelo

progresso social, envolve o questionamento das relações sociais e políticas existentes; a

consideração tanto das decisões tomadas como das “não-decisões”.

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136

Mesmo a analysis for policy, que supõe um interesse não (apenas) acadêmico e

aplica o instrumental da administração visando à sua consecução, demanda a analysis of

policy como etapa prévia. Caso contrário, se o policy process (processo de elaboração da

política) não for entendido como um political process, esse instrumental será ineficaz (não

adaptado ao mundo real).

A postura do analista deve, em suma, levar em conta que a Análise de Política

envolve tanto a melhoria do entendimento acerca da política e do processo político como

prescrições visando a melhores políticas.

6.1.6. A Análise de Política e o contexto da política

Ham e Hill (1993), citando Minogue (1983), ressaltam que dado que as políticas

públicas produzem efeitos sobre a economia e a sociedade qualquer teoria que as explique

satisfatoriamente deve também explicar as inter-relações entre Estado, política e

sociedade.

Para entender o processo de elaboração de políticas, Easton (1953) baseia-se num

paradigma semelhante ao sistema biológico. Ele propõe que a atividade política seja

analisada em termos de um sistema abarcando uma série de processos que devem

permanecer em equilíbrio a fim de que a atividade sobreviva.

Assim, a teoria dos sistemas proposta por Easton (1953), considera a vida política

como um processo que engloba inputs (entradas ou perguntas), que vêm do ambiente

externo (econômico, religioso, cultural etc.), que se transformam em outputs (saídas ou

respostas) ─ as decisões políticas ─ os quais, por sua vez, retroagem sobre o ambiente

circundante, provocando, assim, sempre novas perguntas (BOBBIO, 1993).

A Análise de Política, dado que deve levar em consideração o contexto social,

econômico e político no qual se inserem os problemas enfocados, tem seu objeto

representado por alguns autores pelo Esquema 6.1.6.1 proposto por Easton (1953) como

segue.

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137

ESQUEMA 6.1.6.1: ESQUEMA DE EASTON

Demandas

Apoio, recursos

Entradas Decisões e açõesSaídas

Ambiente Ambiente

AmbienteAmbiente

SISTEMA

POLÍTICO

FONTE: Easton (1953).

Ham e Hill (1993) dizem que uma das vantagens do paradigma adotado por Easton

está em que a teoria dos sistemas oferece uma forma de conceituar complexos fenômenos

políticos. Ao enfatizar os processos, em oposição a instituições ou estruturas, o enfoque de

Easton representa um avanço, em relação a análises mais tradicionais, no âmbito da

Ciência Política e da administração pública.

Esta visão permite que se defina um setor de política como “um grupo de

organizações complexas, conectadas umas às outras por dependência de recursos”. Ela

permite abordar a dependência de uma organização em relação à outra através do exame

do fluxo de recursos financeiros. Ao fazê-lo, destaca três características da Análise de

Política:

As organizações são influenciadas pelas sociedades nas quais operam;

É necessário assegurar que a análise do Estado seja baseada na compreensão de

sua relação com a sociedade;

As atividades do Estado nas sociedades modernas é essencialmente uma atividade

organizacional.

De fato, aplicada às organizações, a teoria dos sistemas permite analisá-las como

conjunto de entidades mais ou menos interdependentes e constituídas de partes, que são

variáveis mutuamente dependentes. Além disso, alguns temas são mais ou menos comuns

às teorias da organizarão e dos sistemas: os agregados de indivíduos inseridos no

sistema, as relações entre os indivíduos e o ambiente do sistema organizacional, as

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138

interações dos indivíduos dentro do sistema e as condições necessárias para garantir a

estabilidade do sistema.

Ham e Hill (1993), porém, fazem algumas críticas à concepção geral do modelo

sistêmico. A primeira destaca que ele faz uma excessiva redução lógica dos processos, em

termos de demandas e apoios convertidos em saídas, o que raramente ocorre de modo tão

simples, no mundo prático da elaboração de políticas. O reconhecimento de alguns

processos (manipulação de linguagem, criação de crises, imposição de agendas para

autoridades ou mesmo simulação de políticas, por exemplo) é um importante corretivo de

ingênuas hipóteses encontradas na teoria dos sistemas.

Um segundo comentário ressalta que o enfoque sistêmico enfatiza a importância do

processo central de conversão ─ a caixa preta (black box) ─, isto é, da tomada de decisões

e, no entanto, dá-lhe pouca atenção, ao compará-lo às demandas e apoios externos. Isso

indica a necessidade de os estudos basearem-se não apenas na análise de sistemas, mas

também na dinâmica da tomada de decisões.

Uma terceira crítica refere-se ao fato de o sistema e, em particular, a forma em que

os processos ocorrem dentro da caixa preta constituírem o próprio objeto da ação política.

A relação entre as entidades de governo está sujeita a ajustes contínuos, na medida em

que obrigações e orçamentos são alterados. Reapresentações sistemáticas do processo

de políticas tendem a dar aos conflitos a aparência de jogos. Nesse caso, o problema

reside na possibilidade de a política tratar tanto da garantia de um resultado específico,

quanto da mudança nas regras do jogo.

Para Ham e Hill (1993), a própria ênfase da teoria sistêmica na idéia da black box

(caixa peta) é ilustrativa: a imagem salienta que os processos implícitos na caixa preta

dificilmente são penetrados e pesquisados. Tomando os três modelos de Allison (1971),

que ajudam a entender os processos, Ham e Hill (1993) lembram que há o modelo do ator

racional, o modelo do processo organizacional e o modelo de políticas burocráticas. No

primeiro, os agentes devem escolher, entre alternativas, as metas e objetivos da ação, de

modo que suas conseqüências sejam as maiores possíveis. No segundo, a ação é vista

como resultado do comportamento organizacional, estabelecido pelas rotinas e

procedimentos operacionais. O terceiro considera a ação como resultado de acordos entre

grupos e indivíduos, no sistema político.

Uma outra contribuição importante à compreensão dos processos políticos abordados

nesta pesquisa é a metodologia desenvolvida por Matus (1996). No seu trabalho “Política,

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139

Planificación y Gobierno”, a preocupação implícita é com a análise para a política.

Entretanto, algumas das suas críticas dos pressupostos básicos do planejamento sistêmico

exibem elementos interessantes para a abordagem da análise de política. Como

decorrência da discussão das falácias da teoria sistêmica, o autor introduziu dois novos

conceitos, um dos quais foi adotado no presente estudo, como se abordará a seguir.

De acordo com Matus (1996:72), “o modelo sistêmico tradicional tende a tratar o

próprio sistema como algo estático e incontestável ou, pelo menos, sujeito a raras

mudanças fundamentais”. Considera, como pressuposto, que, nesse modelo, o “ator que

planeja está fora ou sobre a realidade que planifica”. O ator “não coexiste nessa realidade

com outros atores, que também planejam”. Isso leva “o planejador sistêmico, ao não

aceitar que sua teoria se baseia neste pressuposto básico, coloque-se diante do seguinte

dilema: ou aceita o pressuposto mencionado, e tem uma teoria consistente, mas irreal nos

seus pressupostos, ou o rechaça por ser irreal, mas então sua teoria é inconsistente”.

Apoiando-se na suposição anterior, Matus (1996:76-80) deduz, como postulados do

modelo sistêmico, que:

1. Sujeito é diferençável do objeto;

2. Não pode haver mais de uma explicação verdadeira;

3. Explicar é descobrir as leis que regem o objeto;

4. O poder não é um recurso escasso;

5. Não existe uma incerteza mal definida;

6. Os problemas a que se refere o plano são bem estruturados e têm solução

conhecida.

Todos esses pressupostos têm regido as teorias em que se baseia a prática do

planejamento, na América Latina e, exceto nos meios acadêmicos, não são questionados.

A explicação, que se tem procurado para os irrisórios efeitos alcançados pelos

planejadores, passa ao largo da crítica a tais postulados, contentando-se com apontar a

precária qualidade dos planos, as deficiências das estatísticas, o escasso poder dos

órgãos de planejamento, a inexperiência dos economistas, a deficiência de sua formação e

o desinteresse político. O trabalho de Matus (1996) vai mais além, ao sustentar que os

poucos resultados do planejamento tradicional latino-americano devem ser procurados

naqueles pressupostos, que conduzem a um conceito restrito de planejamento e de

planejador e a uma prática economicista e tecnocrática, que se isola do planejamento

político e do processo de governo.

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Matus (1996:76-80) rejeita, de início, a suposição de que o ator que planeja está fora

da realidade e que a realidade planejada é um objeto planificável, que não contém outros

sujeitos criativos, que também planejam. Com isso, abrem-se novas portas para

reformular, teoricamente, o planejamento, a função do planejador e a Análise de Políticas.

Ao assumir que o ator está inserido numa realidade, em que coexiste com outros, que

também planejam, Matus (1996) propõe alguns postulados:

1) Sujeito não é distinto do objeto;

2) Há mais de uma explicação verdadeira;

3) Os atores sociais geram possibilidades, em um sistema social criativo que, só em

parte;

4) Segue leis;

5) O poder é um recurso escasso e limita a possibilidade do “deve ser”;

6) Existe uma incerteza mal definida, que domina todo o sistema social;

7) Os problemas, a que se refere o plano, são quase-estruturados31.

Com esses postulados, supera-se também a exigência de que o sistema esteja em

equilíbrio, a fim de que a atividade sobreviva.

Se uma das vantagens do modelo sistêmico “é que ele chama a atenção entre

sistemas políticos e outros sistemas” (HILL, 1993:17), a abordagem de Matus (1996),

introduzindo uma nova conceituação de “meio-ambiente”, vai bem mais além, ao

considerar que os atores e os outros sistemas são elementos intrínsecos ao modelo de

planejamento. Matus (1996) ainda introduz dois conceitos importantes: o de situação e o

de momento32. Este último será extensamente utilizado, dado que possibilita um recorte

dinâmico e mais adequado ao enfoque analítico usado, a Análise de Política. Evitou-se a

adoção do primeiro conceito, porquanto envolveria uma postura acadêmica um tanto

controversa, na medida em que implica diferentes leituras e explicações de uma mesma

31 “Problema quase-estruturado” é o que não se pode definir nem explicar com precisão; por isso, não se sabe bem como enfrentá-lo e, muito menos, se conhecem os critérios para escolher entre as opções concebidas para enfrentá-lo. A primeira dificuldade com tais problemas está em reconhecê-los (MATUS, 1993:580). 32 Estas duas expressões, adotadas e empregadas neste capítulo foram definidas por Matus (1996:584) como segue. “Situação” é a realidade explicada por um ator, que vive nela e a interpreta em função de sua própria ação. Por isso, cada ator pode ter uma explicação diferente de uma realidade. “Momento” é uma instância repetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS, 1996:577). Em texto anterior, Matus detalha esse conceito, explicitando que ele não tem uma característica meramente cronológica e que indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos. Enfatiza que a passagem do processo por um momento determinado é apenas o domínio transitório desse momento sobre os outros, que sempre podem estar presentes (MATUS, 1996:577).

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realidade. Além do mais, a opção pela Análise de Política facultou uma compreensão

satisfatória do problema proposto, nos termos do enfoque de Ham e Hill (1993), com a

achega do conceito de momento, de Matus (1996).

6.1.7. A Análise de Política e os níveis de análise

O analista das políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política

(politics) de maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões

relacionadas à função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder

entre diferentes grupos sociais.

Para uma análise adequada é necessário explorar três níveis. Níveis que podem ser

entendidos, ao mesmo tempo, como níveis em que se dão realmente as relações políticas

(policy e politics) e como categorias analíticas, isto é, como níveis em que estas relações

devem ser analisadas. São eles:

i) Do funcionamento da estrutura administrativa (institucional). É o nível superficial

das ligações e redes intra e inter agências, determinadas por fluxos de recursos e de

autoridade etc., em que a análise está centrada no processo de decisão no interior das

organizações e nas relações entre elas. É o que se pode denominar nível da aparência ou

superficial;

ii) Do processo de decisão. É o nível, em que se manifestam os interesses presentes

no âmbito da estrutura administrativa, isto é, dos grupos políticos presentes no seu interior

e que influenciam no conteúdo das decisões tomadas. Dado que os grupos existentes no

interior de uma organização respondem a demandas de outros grupos externos, situados

em outras instituições públicas e em organizações privadas, as características e o

funcionamento da mesma não podem ser adequadamente entendidos a não ser em função

das relações de poder que se manifestam entre esses grupos. É o que se pode denominar

nível dos interesses dos atores;

iii) Das relações entre Estado e sociedade. É o nível da estrutura de poder e das

regras de sua formação, o da “infra-estrutura econômico-material”. É o determinado pelas

funções do Estado que asseguram a acumulação capitalista e a normatização das relações

entre os grupos sociais. É o que explica, em última instância, a conformação dos outros

dois níveis, quando pensados como níveis da realidade, ou as características que

assumem as relações a serem investigadas, quando pensados como níveis de análise.

Este nível de análise trata da função das agências estatais que, em sociedades capitalistas

Page 147: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

142

avançadas é, em última análise, o que assegura o processo de acumulação de capital e a

sua legitimação perante a sociedade. É o que se pode denominar nível da essência ou

estrutural.

FIGURA 6.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANÁLISE DE POLÍTICAS E SEUS NÍVEIS

FONTE: elaborado pelo autor.

A Figura 6.1.7.1 acima ilustra o Ciclo Iterativo da Análise de Política e os seus

respectivos Níveis de Análise. Ela mostra que análise deve desenvolver-se de forma

reiterada (em ciclos de retroalimentação) do primeiro para o terceiro níveis e vice versa

buscando responder as perguntas suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como

indicado, é no terceiro nível onde as razões últimas destas perguntas tendem a ser

encontradas, uma vez que é ele o responsável pela manutenção da estabilidade política e

pela legitimidade do processo de elaboração de políticas.

No momento de formulação da política é quando, através da filtragem das demandas,

seleção dos temas e controle da agenda, ocorre um processo de enfrentamento entre os

atores com ela envolvidos cujo grau de explicitação, pelas razões que se explora nas

seções que seguem, é bastante variável. Ele vai desde uma situação de conflito explícito,

onde há uma seleção “positiva” das demandas que se refere às funções que são

necessárias para manutenção de formas de dominação na organização econômica, como

suporte à acumulação de capital e resolução de conflitos abertos até uma de “não-tomada

de decisão”, que opera no nível “negativo” da exclusão dos temas que não interessam à

estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrária), selecionando os

que entram ou não na agenda através de mecanismos que filtram ideologicamente os

temas e os problemas.

Page 148: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

143

Nos momentos da implementação e da avaliação outros mecanismos de controle

político se estabelecem tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como âmbito maior e

mais complexo de determinação, o terceiro.

É através do trânsito entre estes três níveis que, depois de várias reiterações, é

possível conhecer o comportamento da “comunidade política” presente numa área

qualquer de política pública, e desta maneira chegar a identificar as características mais

essenciais de uma política. Este processo envolve examinar a estrutura de relações de

interesses políticos construídos pelos atores envolvidos; explicar a relação entre o primeiro

nível superficial das instituições e o terceiro nível mais profundo da estrutura econômica.

Para ilustrar este ponto, pode-se dizer que a análise de uma política implica,

primeiramente, em identificar as organizações (instituições públicas) com ela envolvidas e

os atores que nestas se encontram em posição de maior evidência. Em seguida, e ainda

no primeiro nível (institucional) de análise, identificar as relações institucionais (isto é as

sancionadas pela legislação, públicas etc.) que elas e seus respectivos atores-chave

mantêm entre si.

Passando ao segundo nível, passa-se a pesquisar as relações que se estabelecem

entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse existentes no interior de

uma organização e de grupos externos, situados em outras instituições públicas e em

organizações privadas. As relações de poder, coalizões de interesse, formação de grupos

de pressão, cooptação, subordinação etc., devem ser cuidadosamente examinadas de

maneira a explicar o funcionamento da organização e as características da política. A

determinação de existência de padrões de atuação recorrente de determinados atores-

chave e sua identificação com o de outros atores, instituições, grupos econômicos, partidos

políticos etc., de modo a conhecer os interesses dos atores, é o objetivo a ser perseguido

neste nível de análise.

O terceiro nível de análise é, finalmente, o que permitirá, mediante uma tentativa

sistemática de comparar a situação observada com o padrão (estrutura de poder e das

regras de sua formação) conformado pelo modo de produção capitalista ─ sua “infra-

estrutura econômico-material” e sua “superestrutura ideológica” ─, explicá-lo. É através do

estabelecimento de relações entre a situação específica que está sendo analisada ao que

tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado (ou periférico, no caso latino-

americano) que se pode chegar a entender a essência; isto é, entender porque as relações

Page 149: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

144

que se estabelecem entre as várias porções do Estado e destas com a sociedade são

como são.

Pode-se entender o percurso proposto neste capítulo, e de resto por muitos dos

pesquisadores da Análise de Política, como uma tentativa sistemática de percorrer este

“caminho de ida e volta” apoiando-se sempre no “mapa” que este terceiro nível de análise

proporciona.

6.2. Visões do Estado e Análise Política

A natureza do modelo que o analista utiliza para entender as relações entre Estado e

sociedade é crucial para os resultados que se obtêm ao analisar (e elaborar) uma política

pública. A tal ponto, que os resultados que muitas vezes se obtém podem variar

consideravelmente segundo a visão que se adote.

É claro que a escolha da visão a ser adotada como guia para a análise não é neutra.

Mesmo quando se trata apenas de descrever e não de prescrever, neste caso como em

outros que envolvem uma escolha onde a postura ideológica dificilmente pode ser

colocada de lado, a opção realizada não é simplesmente metodológica. Não obstante, a

escolha deve dar-se tendo em vista as características específicas da política em análise. O

que implica dizer que mesmo a visão particular do analista acerca do conjunto dos órgãos

e políticas que conformam o Estado seja mais próxima a uma das quatro visões

(entendidas, sempre e como em outros casos em que modelos de análise são propostos,

de situações extremas), ele não deve descartar a possibilidade de que a análise da política

em foco tenha, como guia metodológico, uma das outras visões.

Esta seção apresenta as visões Pluralista, Marxista, Elitista e Corporativista.

6.2.1. A visão Pluralista

A visão Pluralista enfatiza as restrições que colocam sobre o Estado um grande

espectro de grupos de pressão dotados de poder diferenciado nas diversas áreas onde se

conformam as políticas públicas (embora nenhum possa ser considerado dominante),

sendo estas um resultado das preferências destes grupos. O Estado (ou seus integrantes)

é considerado por uma de suas variantes como um entre estes grupos de pressão.

Esta visão tem como interlocutor a visão Marxista clássica, contrapondo-se a ela e

reafirmando a democracia como valor fundamental e o voto como meio de expressão

Page 150: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

145

privilegiado dos indivíduos. A poliarquia (“democracia real”) e a ação de grupos de pressão

é adotada, entretanto, como uma concepção mais realista.

A aceitação da interpretação Pluralista implica na adoção de uma visão incremental

(em oposição à racional) sobre o processo de elaboração de políticas, como se verá

posteriormente.

6.2.1.1. A visão Elitista

A visão Elitista pode ser considerada como uma derivação/ extensão da Pluralista. O

esforço de superação das óbvias limitações (e irrealismo) da visão Pluralista levou à

aceitação da existência de elites, proposta como fundamento teórico da visão Elitista.

A visão Elitista (ou neopluralista) ressalta o poder exercido por um pequeno número

de bem organizados interesses societais e a habilidade dos mesmos para alcançar seus

objetivos.

6.2.1.2. A visão Marxista

A visão Marxista aponta a influência dos interesses econômicos na ação política e vê

o Estado como um importante meio para a manutenção do predomínio de uma classe

social particular.

Entre as suas subdivisões é importante destacar:

- Instrumentalista: Entende o Estado liberal como um instrumento diretamente

controlado “de fora” pela classe capitalista e compelido a agir de acordo com

seus interesses (ela rege, mas não governa). Capitalistas, burocratas do Estado

e líderes políticos formam um grupo coeso em função de sua origem de classe

comum, estilos de vida e valores semelhantes etc.. (afinidade com a visão

Elitista). (Miliband);

- Estado como árbitro: Quando existe relativo equilíbrio entre forças sociais, a

burocracia estatal e líderes político-militares podem intervir para impor políticas

estabilizadoras que, embora não sejam controladas pela classe capitalista,

servem aos seus interesses. Em situações normais (que não as de crise) o

Estado atua como árbitro entre frações da classe dominante. A burocracia

estatal é vista, diferentemente da corrente funcionalista, como um segmento

independente/distinto da classe dominante, embora a serviço de seus interesses

de longo prazo. (Poulantzas);

Page 151: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

146

- Funcionalista: A organização do Estado e a policy making é condicionada pelo

imperativo da manutenção da acumulação capitalista. Funções: preservação da

ordem, promoção da acumulação de capital, e criação de condições para a

legitimação. Os gastos governamentais para manter essas funções são: “gastos

sociais”, “investimento social” (para reduzir custos de produção), e “consumo

social”. Enfatiza os processos macro e não, por exemplo, a questão do caráter

da burocracia ou das elites (O’Connor);

- Estruturalista: O Estado é visto como um fator de coesão social, com a função

de organizar a classe dominante e desorganizar as classes subordinadas

através do uso de aparatos repressivos ou ideológicos (Althusser);

- Escola da “lógica do capital”: Deduz a necessidade funcional do Estado da

análise do modo de produção capitalista. O Estado é entendido como um

“capitalista coletivo ideal”. Ele provê as condições materiais gerais para a

produção; estabelece as relações legais genéricas; regula e suprime os conflitos

entre capital e trabalho; e protege o capital nacional no mercado mundial

(Altvater);

- Escola “de Frankfurt”: O Estado é entendido como uma “forma

institucionalizada de poder político que procura implementar e garantir o

interesse coletivo de todos os membros de uma sociedade de classes dominada

pelo capital”. Combina as visões funcional e organizacional (Offe).

6.2.1.3. A visão Corporativista

A visão Corporativista, mantendo a ênfase na atuação de grupos de pressão

(organizações de trabalhadores e patrões), coloca que estes passam a ser integrados no

Estado. Este é entendido como um mecanismo de controle de conflitos entre os grupos,

subordinando-os aos interesses mais abrangentes e de longo prazo dos Estados nacionais

num ambiente de crescente concorrência internacional e busca de competitividade e

diminuição do crescimento econômico dos países capitalistas. Embora os primeiros

Estados corporativos tenham sido autoritários, depois de 1945, vários adotaram o

neocorporativismo como forma de concertação.

A premissa em que se apóia esta visão é a de que os indivíduos podem ser mais bem

representados através de instituições funcionais/ocupacionais do que através de partidos

políticos e mesmo do que unidades eleitorais geograficamente definidas. Trabalhadores,

Page 152: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

147

através de sindicatos; empregadores, através de federações: fazendeiros, através de

câmaras de agricultura. As unidades de categorias são reconhecidas pelo Estado como

possuindo monopólio de representação (podendo assim ser por ele controladas) e

responsabilizadas por funções administrativas em lugar do Estado.

6.2.2. Um quadro sinóptico

A Figura 6.2.2.1.que segue oferece um quadro sinóptico das visões acima

caracterizadas.

FIGURA 6.2.2.1: VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO

FONTE: elaborado pelo autor.

Nele as quatro posições estão colocadas em situações opostas, querendo indicar-se

com isto as diferenças ideológicas que guardam entre si. O traço vertical separa ─ à

esquerda ─ as que aceitam a hipótese de existência de um poder concentrado. A

importância da burocracia no controle do aparelho de Estado e a autonomia relativa deste

em relação à classe dominante. As flechas, finalmente, indicam as possibilidades teóricas

de derivação das visões.

Assim, a visão Elitista pode ser considerada como uma extensão da Marxista, uma

vez que considera outros fatores que não os econômicos como determinantes na formação

de elites políticas.

A visão Corporativista pode ser considerada como resultado da ênfase colocada

pelas interpretações neo-Marxistas no papel central do Estado no processo político. Por

outra via, convergente, da ênfase colocada pela interpretação Elitista no papel das “state

elites”.

CORPORATIVISTA

MARXISTA

ELITISTA

PLURALISTA

poder “não-

econômico”

internalização

do conflito

poliarquia

inexistência de

interesses de classe

poder moderador

da burocracia

PODER DISTRIBUÍDOPODER CONCENTRADO

RELEVÂNCIA DA BUROCRACIA DEMOCRACIA = VOTO

AUTONOMIA RELATIVA

VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO

Page 153: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

148

As visões Pluralista, Elitista e Corporativista são ao mesmo tempo visões/

interpretações e propostas normativas de organização da sociedade e da economia no

capitalismo. A Marxista, pelo contrário, constitui-se numa crítica à formação social

capitalista. A proposta normativa que apresenta transcende os limites do capitalismo.

6.3. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo

O estudo das organizações deve muito a Max Weber, com seu enfoque da burocracia

no Estado moderno. Ele desenvolveu proposições sobre a estrutura das organizações, em

que a administração se apóia na racionalidade formal. Segundo Ham e Hill (1993:132-133),

Weber ─ objetivando estabelecer um tipo genérico de organização e explicar por que

motivo ela cresce em importância ─ apontou as seguintes características definidoras de

burocracia:

i) Uma organização contínua, com uma ou mais funções específicas, cuja operação é

delimitada por certas regras: a consistência e a continuidade, no interior da

organização, são garantidas pelo registro de todos os atos, regras e decisões

inerentes à organização;

ii) A organização dos funcionários está na base da hierarquia: o escopo da

autoridade, no interior dessa hierarquia, é claro, definindo os direitos e deveres dos

funcionários, em cada nível hierárquico então especificado;

iii) Os funcionários são separados da propriedade dos meios de administração e

produção: eles são livres, estando sujeitos à autoridade somente no que diz respeito

a suas obrigações oficiais, enquanto funcionários de uma organização;

iv) Os funcionários são indicados, não eleitos, baseando-se essa indicação em

critérios impessoais, e são promovidos por mérito;

v) Pagam-se salários fixos aos funcionários e as regras de emprego e relações de

trabalho são previamente definidas: a escala de salários é graduada de acordo com a

posição dos funcionários na hierarquia, e o emprego é permanente, estando

garantida uma certa estabilidade e previsto o pagamento de pensões após a

aposentadoria.

A discussão sobre o papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo pode

ser entendida a partir do ideal Weberiano nele introduzindo os “desvios” impostos pela

realidade. Balizam esta discussão perguntas como:

Quem controla a burocracia?

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149

Os políticos, as elites, a opinião pública?

Ela está submetida apenas a controles internos?

Como atua a burocracia?

Ela age segundo seus próprios interesses (bureau maximazing, bureau shaping)?

Em termos econômicos funciona como um monopólio administrador de preços e

quantidades em seu próprio interesse (public choice);

Como se organiza?

A reflexão sobre a burocracia dá-se num contexto marcado pelo embate capitalismo x

socialismo (que terminaria por extinguir o Estado e a própria burocracia). Não terá a

benevolência do “marxismo oficial” ante a burocracia soviética neutralizado a crítica que

deveriam fazer seus partidários à burocracia das sociedades capitalistas.

À pergunta de como se afasta a burocracia “real” do paradigma ideal Weberiano, ou o

que é, hoje, um bom burocrata, autores como Chapman respondem:

A burocracia pode ser um instrumento que permite atenuar o poder econômico da

burguesia ─ defendendo a democracia ─ (visão pluralista);

Ou, agir em conformidade com ele ─ autonomia relativa ─ (visão elitista).

Muitos advogam que, pelo menos nos países capitalistas avançados, o poder

decisório da burocracia no processo de policy making parece ser capaz, em situações

normais, de contrabalançar os interesses econômicos. Mas até que ponto a burocracia

pode atuar num ambiente distinto? Não estará ela presa às formas de dominação

existentes (conservadorismo “intrínseco”)?

O fato é que ela possui um poder cada vez maior de definir o caráter das políticas

públicas no âmbito de um sistema presidido por Estado crescentemente corporativo, que

combina a propriedade privada dos meios de produção com o controle público exercido por

uma burocracia constituída de “filhos da classe média” que acedem a privilégios no âmbito

do Estado de Bem-estar.

A corrente da public choice que propõe a privatização e a reforma do Estado parece

visualizar, na sua versão mais de “direita”, o mercado como “regulador” da burocracia,

enquanto que uma visão mais de “esquerda” entende a participação e controle públicos

como antídotos eficazes ao poder da burocracia.

Em suma, as contribuições teóricas a respeito das organizações e da burocracia

pública ultrapassaram a perspectiva do formalismo idealizado por Max Weber. Alguns

estudos, ao longo das últimas décadas, deslocaram a ênfase para o ambiente das

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150

organizações, enquanto outros deram prioridade às regras e às estruturas, bem como às

relações entre as organizações, os indivíduos e as estruturas informais. A evolução das

abordagens evidenciou as conexões entre questões organizacionais internas e o contexto

externo.

6.4. Poder e tomada de decisão

O estudo dos processos de decisão é um importante ponto de partida para entender

as relações de poder.

A análise sobre poder e decisão parte do debate entre elitistas e pluralistas, que

diferem nas concepções sobre a distribuição do poder na sociedade atual, como também

nos métodos de análise que devem ser usados para proceder a investigação.

Num dos estudos seminais acerca das “elites governantes”, Robert Dahl (1958)

tomou como ponto de partida os resultados do trabalho, por um lado, de Floyd Hunter

(1953) sobre o poder local (concluindo que o controle estava nas mãos de um pequeno

grupo de indivíduos-chave) e do estudo de e Wright Mills (1956) a respeito do poder

nacional, nos EUA (que apontava a existência de uma elite formada pelos militares,

corporações e agências estatais). Segundo ele, os métodos utilizados por Hunter e Mills

não foram suficientemente rigorosos para justificar suas conclusões a respeito da

existência de elites.

Defendendo um ponto de vista pluralista (em contraposição ao elitista), ele entende

que os pesquisadores deveriam analisar casos em que existam diferenças de preferência

entre os atores: quem estuda o poder deve analisar decisões reais, envolvendo atores que

possuam preferências diferentes, e explorar se as preferências de uma hipotética elite

dominante são adotadas no lugar das de outros grupos. Isso porque, para Dahl (1958:203),

“a tem poder sobre B, na medida em que ele pode levar B a fazer algo que, de outra forma,

não faria”. E conclui: “Atores cujas preferências prevalecem em conflitos sobre questões

políticas-chave são os que exercem o poder em um sistema político”.

Segundo outros autores, existe consenso de que os conflitos sobre assuntos-chave

fornecem evidências sobre a natureza da distribuição de poder, mas estas evidências

precisam ser suplementadas por análises de não-tomada de decisão. Em alguns casos, a

não-tomada de decisão assume a forma de decisão e, ao contrário do que postulam os

pluralistas, pode ser investigada com a metodologia que estes propõem. Mais complicado

é estudar o poder quando exercido como formador de opinião. Essa dimensão é

Page 156: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

151

considerada por muitos como sendo a mais importante e o aspecto mais difícil da pesquisa

de poder.

Esta discussão metodológica é o que leva Ham e Hill (1993) a chamar a atenção para

o fato de que muitas vezes os debates sobre a distribuição de poder na sociedade

desenvolvem-se no terreno das metodologias de pesquisa utilizadas e definições,

desviando o foco da natureza e estrutura do poder.

De modo a tornar mais focada a discussão, estes autores descrevem o debate

travado entre os analistas vinculados às vertentes elitista e pluralista, a partir de meados

da década de 1950, englobando as relações que podem ser estabelecidas entre o poder e

sua determinação ou influência sobre as decisões tomadas em âmbito governamental.

Embora se adote aqui o roteiro de apresentação por eles formulado, vale uma

lembrança, que talvez pareça óbvia. Neste caso, como em tantos outros que se apresenta

ao longo deste capítulo, e que envolvem escolhas metodológicas, a opção do analista não

deve dar-se em função de qualquer consideração normativa. Trata-se de escolher um

modelo descritivo; isto é, que melhor descreva a realidade existente. Algo que represente,

explique, o que é e não o que deve ser.

Assim, embora o enfoque de apresentação que adota o capítulo procure revelar o

embate ideológico que preside a discussão acadêmica, isto não deve ser tomado (pelo

contrário!) como uma intenção de sugerir ao analista que seu trabalho de análise deva

implicar escolhas que não aquelas baseadas exclusivamente na fidedignidade, da

aderência em relação ao mundo real.

6.4.1. O debate entre pluralismo e elitismo

Este debate revela as divergências de posição entre os estudos de Dahl (1958), por

um lado, e os de Hunter (1953) e Mills (1956), por outro, sobre a existência de uma elite

dominante, beneficiária das decisões e dos resultados das políticas públicas em cidades

norte americanas, nos trabalhos de Dahl e Hunter, e para todos os EUA, no estudo de

Mills.

Em seu trabalho, Dahl (1961) aponta que os métodos de pesquisa utilizados por

Hunter e Mills não foram suficientemente rigorosos para justificar suas conclusões.

Utilizando a metodologia que propôs, no seu estudo empírico acerca de New Haven

(publicado sob o título de “Quem governa”), ele conclui as desigualdades (cumulativas ou

não) em recursos de poder, a forma de tomada de decisões importantes e o padrão de

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152

liderança (se oligárquico ou pluralista). E concluiu que, no período de 1780 a 1950, ocorreu

uma transição gradativa, em New Haven, da oligarquia para o pluralismo.

Outros estudos sobre educação e saúde concluíram que o poder não estava

concentrado em grupos particulares, como teóricos elitistas haviam suposto. Pelo

contrário, devido ao fato de os recursos, que contribuem para o poder, estarem dispersos

na população, o poder estava fragmentado entre diferentes atores. Embora apenas

algumas pessoas tivessem influência sobre questões-chave, a maioria tinha influência

indireta, através do poder do voto. Essa abordagem evidenciou a importância de

considerar como decisões-chave são tomadas e como as preferências, não só da elite,

mas também dos outros grupos de atores, atuam no processo.

Dahl (1961) afirma não haver encontrado evidências da existência de uma elite que

seria beneficiada por decisões e orientações das políticas públicas. Diferentemente, Mills

(1956) afirmara, antes dele, que uma elite de poder composta de militares, corporações e

agências de Estado governava os EUA, e Hunter (1953), examinado a distribuição do

poder em Atlanta, relatara ter observado que o poder nesta cidade se concentrava sob o

controle de um certo número de indivíduos-chave.

A crítica de Dahl (1961) aos estudos elitistas concentra-se no fato de que os trabalhos

que afirmam haver encontrado evidências da existência de beneficiários de políticas

públicas teriam examinado a “reputação de poder” (posição ou status) de indivíduos em

sua comunidade ou organização.

Segundo Dahl (1961), estas pesquisas não teriam se detido sobre as decisões reais

que teriam sido tomadas e se, nestas decisões, as preferências expressas por algum

grupo de poder teriam sido de fato atendidas em lugar das de outros grupos. Estas seriam

as bases da metodologia proposta por Dahl (1961) para o exame da influência do poder

nas decisões.

6.4.2. As duas faces do poder

Ham e Hill (1993) afirmam que os trabalhos de Dahl (1958), longe de resolverem as

pendências entre elitistas e pluralistas, teriam aberto uma nova perspectiva de estudos

sobre o exercício do poder quando Bachrach e Baratz (1963), criticando as conclusões de

Dahl (1958), afirmam que o exame do poder não poderia ficar restrito a decisões chave ou

a um comportamento efetivo.

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153

Estes autores formularam um “complemento” à definição de Dahl (1958) sobre o

poder afirmando que “o poder também é exercido quando um ator A utiliza suas forças

para criar ou reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais que venham a

restringir o debate a questões que possam ser politicamente inócuas à A”.

Esta definição dá origem aos conceitos de mobilização de opinião ou de conformação

do processo político a questões seguras. Desta forma, os autores apontam para a

existência de duas faces do exercício do poder:

Uma explícita, atuando no nível dos conflitos abertos sobre decisões chave;

E outra, não aberta, em que os grupos jogam para suprimir os conflitos e impedir

sua chegada ao processo de elaboração da política (à agenda de política).

Bachrach e Baratz (1963) contribuíram para o surgimento de uma nova fase do

debate sobre a decisão e o poder, ao sustentar que pesquisar o poder não envolve

simplesmente o exame de decisões-chave, como propunha a metodologia de Dahl (1958).

Para eles, o poder é também exercido, quando A utiliza suas energias para criar ou

reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais que limitam o escopo dos

processos políticos à consideração pública somente das questões inócuas para A.

Citam, como exemplo, as questões sobre preconceito de cor, nas quais se vêem

claramente as duas faces do poder: uma operando nos conflitos abertos sobre decisões-

chave, e a outra, buscando suprimir conflitos e fazendo de tudo para o assunto não entrar

no processo político, mediante o que Bachrach e Baratz (1963) denominam de “não-

tomada de decisão”.

A idéia forte dos autores no campo metodológico é que a metodologia de Dahl (1958)

para pesquisar o poder é inadequada ou, pelo menos, parcial. Isto porque a teoria

pluralista é baseada numa concepção liberal que iguala os interesses das pessoas a

preferências por elas expressadas. Mas se os interesses das pessoas forem entendidos

não como aquilo que elas afirmam ser, a natureza destes interesses pode ser inferida

através da observação da ação e da não-ação políticas

Assim, uma análise completa deve perceber tanto o que de fato acontece como

aquilo que não acontece, e revelar os meios pelos quais a mobilização de opinião atua

para limitar o escopo do debate.

Bachrach e Baratz (1963) definem a não-tomada de decisão como sendo a prática de

limitar o alcance real da tomada de decisão a questões seguras, através da manipulação

de valores dominantes na comunidade, mitos, procedimentos e instituições políticas. A

Page 159: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

154

não-tomada de decisão existe quando os valores dominantes, regras do jogo aceitas, as

relações de poder entre grupos e os instrumentos de força, separadamente ou

combinados, efetivamente previnem que certas reclamações transformem-se em assuntos

maduros que exijam decisão, diferindo de assuntos que não se devem tornar objeto de

decisão (entrar na agenda de política).

Nesta caracterização, convém chamar a atenção ainda para que a conceituação

apresentada pode ser distinguida de situações como a decisão de não agir ou a decisão de

não decidir. Nestes dois casos, os temas ou assuntos focos de debate são explicitados.

Isto é, entram na agenda e são objeto de uma decisão de não agir. Na situação de não-

tomada de decisão sequer se permite que as questões e demandas venham a se tornar

temas para uma eventual decisão.

Autores como Easton (1965a), ao trabalhar com seu enfoque sistêmico do processo

político também apontam o fato de que existe um modo de regulação de demandas

políticas que busca proteger e preservar a estabilidade de sistemas políticos, e adotando

um ponto de vista bastante semelhante, discute a existência de “gate-keepers” que ajudam

a controlar o fluxo de assuntos para dentro da arena política.

Bachrach e Baratz (1963) vão mais além ao enfatizar os meios pelos quais os

interesses estabelecidos se protegem pela não-tomada de decisão. Assim, a regulação da

demanda não é uma atividade neutra, mas, sim, contrária ao interesse das pessoas e

grupos que procuram uma realocação de valores. Segundo eles, então, a forma como

certos interesses presentes no processo político protegem-se dos que pretendem alterar o

status quo são as estratégias de não-tomada de decisão.

O processo de regulação de demandas seria, portanto, uma forma de atuação política

fundamentalmente não “neutra” buscando, de fato, favorecer ou preservar interesses de

pessoas ou grupos. Esta posição está inserida no interior de uma concepção para a ação

política onde a distribuição de poder é percebida como muito menos equilibrada do que

acreditam Dahl (1958) e os autores da vertente pluralista.

Crenson (1971) corrobora, através de um estudo de caso, as críticas de Bachrach e

Baratz (1963) aos pluralistas e afirma que a ação observável oferece um guia incompleto

para pesquisar o exercício do poder. De fato, ao colocar que como uma das implicações

das suas análises, que a distribuição de poder tende a ser menos equilibrada que a

referida pelos pluralistas, a visão elitista nega no terreno metodológico a afirmação de que

as não-decisões serão não-pesquisáveis quando não se puder identificar reclamações

Page 160: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

155

encobertas e conflitos que não entram na agenda de política. Isto é, se nenhuma queixa ou

conflito puder ser descoberta pode-se afirmar que a não-tomada de decisão pode não ter

ocorrido.

Assim, respondendo à réplica dos pluralistas, que afirmavam que a não-tomada de

decisões seria “não pesquisável”, Bachrach e Baratz (1963) apresentam a possibilidade de

seu estudo através do levantamento de demandas, reclamações ou conflitos que não

entraram na arena política: se nenhuma queixa ou conflito puder ser descoberta, então

existiria uma situação de consenso político e uma situação de não-tomada de decisão não

teria ocorrido.

Diante das críticas de que sua metodologia e seus conceitos não seriam adequados

para investigar (e contribuir para resolver) questões relativas a conflitos potenciais ou

emergentes, e que assim era legítimo considerar a não-tomada de decisão como um tipo

de decisão, os partidários da visão elitista foram reformulando suas posições.

É preciso examinar não apenas os conflitos abertos, mas o sistema de dominação:

“quem ganha em uma organização não o faz somente através de batalhas”. Na verdade,

quem conquista vantagens, beneficia-se dos valores dominantes, que agem como padrões

ou critérios para a operação de uma organização. Dessa forma, o poder é exercido, ainda

que conflitos abertos possam não ocorrer.

É nesse ponto que a chamada segunda dimensão do poder “descoberta” por

Bachrach e Baratz (1963) começa a dar lugar a uma nova visão. Aquela que enfatiza que o

poder pode ser usado para manipular os interesses e preferências das pessoas e, assim,

aumentar ainda mais o poder de quem o detém. É isto que diferencia a posição de Lukes

(1974), examinada a seguir, daquela assumida por Bachrach e Baratz (1963).

6.4.3. A terceira face do poder

Segundo Lukes (1974), o poder pode ser estudado em três dimensões:

- A dos conflitos abertos entre atores sobre assuntos-chave, quando o exercício do

poder pode ser observado através da metodologia proposta pela concepção

pluralista;

- A dos conflitos encobertos, quando ocorre a supressão das reclamações impedindo

que cheguem a ser incluídas na agenda de decisão, como em Bachrach e Baratz

(1963), com a não-tomada de decisão;

Page 161: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

156

- A dos conflitos latentes, quando o exercício do poder se dá conformando as

preferências da população, de maneira a prevenir que nem conflitos abertos nem

encobertos venham a se manifestar (conflitos latentes ou “potenciais”).

Lukes (1974) chama a atenção para algo distinto ao conceito de “não-tomada de

decisão”. Algo distinto de decidir, não decidir ou decidir não agir porque os assuntos nem

sequer se tornam matéria de decisão (permanecem encobertos).

Para esclarecer sua posição, Lukes (1974) formula uma nova definição de poder que

é por ele utilizada: “A exerce poder sobre B na medida em que A influencia ou afeta B de

um modo que contraria os interesses de B”.

Ele se refere, portanto, a uma situação em que o poder é usado de forma abrangente,

mas difusa e sutil, para impedir que até mesmo conflitos encobertos e assuntos potenciais

que poderiam vir a entrar na agenda de política se conformem.

Uma situação em que se manifesta a terceira face do poder ocorre quando os valores

dominantes, as regras do jogo, as relações de poder entre grupos, efetivamente impedem

que determinados desacordos possam vir a se transformar em disputas que demandem

decisões.

Neste tipo de situação, a existência de consenso não indica que o poder não esteja

sendo exercido. As “preferências” das pessoas (tal como entendidas pelos pluralistas) já

seriam conformadas pela sociedade em que vivem (socialização pela educação, mídia

etc.), dando lugar a uma situação em que estas poderiam ser significativamente diferentes

de seus “interesses reais”. Estes, então, só poderiam ser por eles percebidos como tais,

dando margem a conflitos abertos ou mesmo encobertos, em situações de elevada

autonomia relativa dos atores sociais sobre os quais atua este processo de mobilização ─

ou manipulação ─ de opinião.

6.4.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e decisão

A discussão que se estabelece entre as duas visões ─ pluralista e elitista ─ no plano

metodológico, se torna ainda mais complexa e interessante com a contribuição de Lukes

(1974) quando ele afirma que o poder teria que ser estudado segundo aquelas três

dimensões. Isto explicita a existência de mais um grau de dificuldade de análise das

situações e processos concretos através dos quais políticas são formuladas.

Visto que o interesse dos cidadãos é apontado pela visão pluralista como o

fundamento principal das escolhas realizadas, a proposição de que os interesses

Page 162: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

157

manifestos, os que aparentemente (mas não efetivamente, segundo os elitistas) estão em

jogo, podem ser apenas o resultado da manipulação de interesses “reais”, coloca para

aquela visão um problema metodológico insolúvel (“impesquisável”).

A pesquisa do poder teria então que se valer de outros conceitos e relações, senão

alternativos, suplementares aos propostos pela visão pluralista. Um deles seria o de

sistema de dominação: o sistema de valores dominante que atua na sociedade e, em

particular, no interior das organizações, em favor de certos grupos. Outros seriam os

mecanismos ideológicos de difusão do sistema de crenças e valores; os quais não devem

ser entendidos como uma manipulação simples, evidente e nem mesmo consciente. Eles

conformam uma situação em que as elites não precisam “lutar” para exercer o poder.

É evidente que o exercício do poder tende a beneficiar os grupos que o detêm. O que

esses conceitos pretendem desnudar é o fato de que mesmo as ações pontuais de um

determinado grupo subordinado poder podem não ser tentadas devido à postura fatalista

de que suas reclamações nunca serão atendidas.

É oportuno lembrar, entretanto, que mudanças econômicas ou políticas numa

determinada sociedade podem tornar possível a inclusão na agenda de política de

assuntos até então não considerados porque envolvidos na penumbra que caracteriza a

terceira face do poder. Mudanças que permitam um aumento do grau de autonomia

relativa dos atores sociais subordinados em relação aos dominantes, ou mais

precisamente, ao processo de mobilização de opinião que estes instrumentalizam ─ o que

se poderia referir como um ganho de consCiência Política ─ faria com que conflitos

latentes pudessem emergir.

No decorrer do debate entre as duas visões, os pluralistas passam a admitir que é

necessário examinar as relações entre poder, interesses das pessoas e as preferências

por elas manifestas. Isto é, relaxa-se a posição pluralista extrema, baseada na concepção

liberal, que iguala os interesses das pessoas às suas preferências expressas, de que os

interesses das pessoas são o que elas afirmam ser. E, desta forma, altera-se também a

premissa metodológica de que a natureza desses interesses não pode ser inferida pela

observação de situações de não-tomada de decisão.

Essa argumentação coloca dois problemas: o primeiro refere-se às situações em que

as pessoas agem ou não, contrariamente aos seus interesses (quando as elites

conseguem controlar suas opiniões e preferências); o segundo é que o modo mais efetivo

de dominação de um “grupo de poder” é prevenir o surgimento e crescimento de conflitos.

Page 163: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

158

Os mecanismos ideológicos são caminhos através dos quais as pessoas interpretam

o mundo, transmitem e perpetuam um sistema de valores e verdades. Esses mecanismos

resultam na dominação de uns grupos por outros, cujos interesses estes grupos passam

também a defender ou servir. Torna-se ainda mais complexa a situação quando se tem em

conta que “ideologias dominantes refletem a experiência de vida de todas as classes e são

consenso, porque refletem o modo de vida da sociedade, como um todo” (SAUNDERS,

1980). Ademais, a manipulação consciente faz da ideologia uma força poderosa,

subjacente à aderência da comunidade a um conjunto de normas e metas aparentemente

auto-impostas, auto-reguladas ou “naturais”.

Mecanismos de seleção de assuntos, típicos do capitalismo regulado pelo Estado,

incluem tanto os de tipo ideológico e comportamental, como os de tipo repressivo (polícia,

justiça) e estruturais (limites impostos pelas demandas da acumulação capitalista que

podem ser tratados pelo Estado).

Do ponto de vista metodológico, argumenta a visão elitista, que como o Estado

capitalista, para melhor servir aos objetivos da acumulação, precisa aparentar

neutralidade, ele deve adotar um padrão consistentemente enviesado de filtragem de

assuntos; o que torna realmente difícil pesquisar situações de conflito encoberto ou latente.

Como situações em que existe cooptação, ou que envolvem a delegação de poder de

decisão a comissões que nunca se reúnem, ou ainda que envolvem a conformação de

interesses mediante mecanismos de controle ideológico podem ser pesquisadas?

É interessante, embora possa ser considerada hipócrita, a reação pluralista ao

conceito desenvolvido por Lukes (1974): a pesquisa dos “interesses reais” poderia ser feita

através de avaliações acerca de quem ganha e quem perde em determinadas situações.

Mas, a pergunta de “quem se beneficia?”, apesar de interessante, pouco tem a ver com a

de “quem governa?”

De acordo com essa formulação, examinar quem ganha e quem perde, em uma

comunidade ou sociedade particular, revela aqueles cujos interesses reais foram ou não

contemplados. Tanto Saunders (1980) quanto Bachrach e Baratz (1963) concordam em

que a questão central, nas pesquisas sobre o poder, diz respeito a quem se beneficia.

Segundo Polsby (1980:208), saber quem se beneficia é tema interessante e frutífero

para a pesquisa, mas difere da questão relativa a quem governa. Para ele, mesmo

demonstrando que um dado status quo beneficia algumas pessoas de forma

desproporcional, isso não prova que tais beneficiários possam, no futuro, vir a agir

Page 164: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

159

efetivamente, para impedir mudanças; isto é governar. Seria isso um lembrete útil de que

indivíduos se podem beneficiar, de forma não-intencional, da elaboração de políticas.

Quando o poder é exercido como formador de opinião, torna-se mais complicado

estudá-lo. No entanto, este ângulo é o que mais importa. Por isso, a despeito dos

problemas de realizar a sua pesquisa, um grande esforço vem sendo feito e alguns

caminhos foram apontados, em particular o do emprego simultâneo de teorias

aparentemente conflitantes.

Segundo Blowers (1984:250-251) “é óbvio que perspectivas diferentes iluminam

aspectos diferentes do conflito do poder e cada uma delas é incompleta”. Essa observação

põe em relevo a importância da multidisciplinaridade e interdisciplinaridade nas pesquisas

sobre o poder.

As abordagens disciplinares tradicionais da Ciência Política revelam bastante força

analítica quando se trata da fase ativa do conflito e quando há evidências para embasar a

idéia da existência de participação, de receptividade e do papel dos atores. A crítica neo-

elitista é, de certa forma, complementar.

O estruturalismo com raiz na abordagem da economia, com sua ênfase na natureza

de classe dos interesses e das forças econômicas subjacentes e com sua negação da

importância da ação individual na explicação da natureza dos resultados dos conflitos leva

a análise adiante. Ela pode auxiliar, mesmo sem os determinantes de “interesses de

classe” ou “forças econômicas”, porquanto bastaria o conceito de “grupos de poder”, que

incluem elites profissionais e burocráticas.

Ressalte-se, porém, que as estruturas não são fixas e imutáveis: ao invés disso, elas

se modificam pela ação e algumas ações podem ser, de propósito, direcionadas à tentativa

de modificação das estruturas. A ordem reinante é renegociada, incessantemente. Essa

renegociação, decerto, não constitui um processo fácil, mas, ao abordar os determinantes

da tomada de decisões, ela não deve ser, em absoluto, desconsiderada. O Quadro 6.4.4.1

que segue sistematiza a proposição de Ham e Hill (1993) que, reunindo a contribuição de

Bachrach e Baratz (1963) e de outros autores, sugerem cinco formas que a não-tomada de

decisão pode assumir e que deveriam ser tomadas como guia para a pesquisa.

QUADRO 6.4.4.1: ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO (AS TRÊS

FACES DO PODER)

Page 165: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

160

O ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO

(as três faces do poder)(as três faces do poder)

abertos

(DAHL: visão pluralista)

encobertos

(BACHRACH e

BARATZ)

latentes

(LUKES)

A tem poder sobre B,

na medida em que A

leva B a fazer algo que

de outra forma não

faria

A cria ou reforça valores e

práticas institucionais que

restringem o debate a questões

politicamente inócuas à A

A exerce poder sobre B

quando influencia B

de um modo que contraria

seus interesses

não-tomada de

decisão

conflitos abertos

e decisões-chave

limitação do alcance da

tomada de decisão

através da manipulação

de valores

pesquisa sobre situações de:

concepções de poder:

tipos de conflito:

FONTE: Ham e Hill (1993).

6.5. Os modelos de tomada de decisão: o confronto entre o racionalismo e o

incrementalismo

Como indicado acima, a expressão “elaboração de políticas” dá conta de três

processos ligados através de laços de realimentação, que denominamos de momentos,

mas que são mais comumente (embora equivocadamente, no nosso entender) referidos

como fases ou etapas. Esses processos são usualmente separados, para fins de análise,

em formulação, implementação e avaliação de políticas.

O debate acerca do grau de objetividade e racionalidade com que deve ser efetivado

o primeiro destes processos ─ o processo decisório ou da formulação de políticas, ou

ainda, o momento de definição preliminar de objetivos e estratégias ─ através da ação dos

analistas, fazedores de política ou mesmo dos dirigentes públicos, é um tema importante

da Análise de Políticas.

A posição aparentemente predominante no debate entre a visão racional e a

incremental é aquela que atribui a esta última um maior peso aos fatores de ordem política

(politics) nas escolhas que são efetivamente realizadas no decorrer do processo decisório.

Podem ser encontradas na literatura diversas abordagens que buscam verificar os limites e

relações entre racionalidade, poder e decisão e desta forma fazer com que a Análise de

Política possa de fato ser um suporte às decisões e uma ferramenta para a melhoria do

processo de elaboração de políticas.

Page 166: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

161

6.5.1. As origens do debate

Ham e Hill (1993) utilizam um enfoque histórico que é o aqui adotado para entender

as origens deste debate. Para tanto, examina-se os autores mais representativos das duas

visões, estudando, especialmente, as abordagens críticas de Lindblom (1965), Simon

(1945), Dror (1964), e Etzioni (1967), sobre os modelos racional-compreensivo, de

racionalidade limitada, incremental e de análise estratégica, buscando pontos em comum e

relações entre eles.

Partindo das duas posições extremas, é possível mostrar como se pode ir gerando

uma postura eqüidistante e eclética. Reconhecendo que os dois modelos ─ incremental e

racional ─ são lentes conceituais irreconciliáveis enquanto tais, o objetivo é chegar a uma

visão adaptável às diferentes situações encontradas na realidade.

As duas devem, de fato, ser interpretadas como modelos idealizados do processo de

tomada de decisão que se baseiam em posições no limite antagônicas acerca da estrutura

de poder na sociedade capitalista, da concepção do Estado e do papel da burocracia.

Para entender mais claramente a questão, cabe lembrar a distinção clássica entre:

- Modelo ideal: é uma construção mental, um exercício artificial de raciocínio que

consiste, inicialmente, em selecionar aspectos de uma dada realidade (ou sistema), que

atuarão como variáveis do modelo, e imputar relações de causalidade entre estas. Ele é

uma caricatura que, mais do que explicar a realidade, permite contrastá-la e explicá-la

como um desvio em relação ao modelo;

- Modelo descritivo: partindo do modelo ideal, e identificando os limites que

condicionam o processo de decisão, pode-se chegar a modelos que descrevem

satisfatoriamente a realidade;

- Modelo prescritivo: supõe uma intenção acerca de como deve ser a realidade.

Existe uma fundada associação entre o incrementalismo e a postura descritiva da

análise política, e entre o racionalismo e a postura normativa. Não obstante é uma

preocupação recorrente dos autores que pesquisam o tema formular um instrumento

normativo que evite o irrealismo do racionalismo e a incompletude do incrementalismo.

A visão incremental coloca que a ação de “partidários” de posições distintas

interessados em influenciar as decisões no âmbito do processo político, ao provocarem um

ajuste mútuo e contínuo entre suas posições, asseguraria o ideal democrático do

Page 167: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

162

pluralismo. Coloca, por outro lado, que o racionalismo, por não considerar os interesses

políticos existentes na sociedade, conduziria à “engenharia social” e ao autoritarismo.

Simon, em “O comportamento administrativo” (1945), ao concentrar a ênfase na

busca por eficácia administrativa no interior das organizações para a análise do processo

de decisão avança na caracterização das duas visões.

Segundo ele, a visão racional envolve comparar (e escolher) as alternativas que

melhor sirvam à obtenção de um dado resultado. Ela envolve: listar todas as estratégias

alternativas; determinar todas as conseqüências que decorrem de cada estratégia

alternativa; avaliar comparativamente cada um dos conjuntos de conseqüências.

Simon (1945) reconhece que seu enfoque possui limitações. Isto porque, pergunta

ele: Que valores devem ser usados para guiar o processo de escolha? Como identificar os

valores das organizações? As organizações não são homogêneas? Os valores a elas

imputados terminam sendo aqueles dos indivíduos nelas dominantes? A tomada de

decisão não se processa da forma lógica, abrangente e objetiva inerente ao procedimento

racional? Como separar fatos e valores, e meios e fins no processo decisório se os meios

para tanto também supõem valores?

Simon evolui, em 1957, para um conceito mais realista de bounded rationality: a

alternativa escolhida não precisa ser a que maximiza os valores do tomador de decisão; só

precisa ser boa o suficiente. Portanto, não todos os cursos alternativos de ação precisam

ser ponderados.

Lindblon (1959) parte da visão de racionalidade restrita de Simon para formular seu

enfoque de “comparações limitadas sucessivas”. Ao invés de partir de questões básicas e

construir a análise de baixo para cima (“método da raiz”), parte da situação existente

buscando alterá-la incrementalmente (“método dos galhos”).

Contrapondo-se a posições da abordagem racionalista, ele tem como preocupação

central produzir uma análise ampla sobre as características do processo de tomada de

decisões. O processo decisório é percebido como algo bem mais complexo do que propõe

a abordagem racional, sem princípio ou fim e com limites um tanto incertos. A democracia

é vista como determinando um processo contínuo de tomada de decisões relacionadas às

políticas públicas que serão definidas, formuladas e implementadas e sobre problemas ou

demandas sociais e políticas que serão ou não incluídas na agenda de decisões

governamentais. Nesta configuração, o governo e a política são também vistos pelo autor

como processos contínuos de decisão.

Page 168: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

163

Ele aponta para o fato de que a preocupação da Ciência Política em produzir estudos

sobre o processo decisório, então incipiente, havia-se iniciado devido a necessidade de

uma maior racionalidade, controle e criação de possibilidades para a avaliação dos

resultados obtidos na atividade pública (de governo). A preocupação com a racionalidade

é, por isto, muito influente nos estudos sobre Análise de Políticas desde a sua origem.

Segundo ele, a reflexão sobre o tema da racionalidade exige a resposta às seguintes

perguntas: As decisões dos dirigentes públicos são, em alguma medida, sustentadas por

um comportamento de caráter racional? Os analistas podem oferecer formas de trabalho

científico que venham a garantir algum apoio contra a incerteza que caracteriza os

processos de decisão em âmbito governamental?

Respondendo a estas perguntas, Lindblon (1965) afirma que, nos sistemas políticos,

as pessoas buscam apropriar-se de informações, estudos e resultados de investigações ou

análises científicas para fortalecer suas próprias posições, ou de seus grupos de interesse,

e justificar suas decisões. Este seria o principal obstáculo ao uso das ferramentas de

Análise de Políticas ou métodos de trabalho de base racional no processo de elaboração

de políticas. Este seria também o ponto desde onde se instauram os conflitos entre a

análise e a política. Ainda que os estudos especializados, baseados em informações bem

fundamentadas, sejam aceitos como componentes importantes nos processos decisórios,

sua influência é limitada. Na visão do autor estes limites seriam: a própria Análise de

Política, e as pessoas que a realizam, podem cometer erros; os processos de investigação

baseada na ciência ou em métodos racionais são muito mais lentos e custosos do que o

permitem os prazos e capacidade de financiamento na esfera pública.

A análise por si só não é capaz de avaliar a importância social e política e selecionar

os problemas que necessitam ser enfrentados prioritariamente, isto é, não se pode decidir

os conflitos a respeito de valores e interesses apenas com estudos ou investigações que

se apresentam como racionais, científicos ou metodologicamente corretos.

Outro autor que contribuiu significativamente ao tema é Forester (1989). A partir dos

estudos de Lindblom e March (1978 e 1982), ele apresenta uma sistematização que

explicita as diferenças entre a posição racional-compreensiva e a vertente analítica que

percebe limites à racionalidade no processo decisório. É baseando-se na sua importante

contribuição, que se organizou o Quadro 6.5.1 apresentado a seguir:

QUADRO 6.5.1: UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE

Na posição racional-compreensiva os Na visão baseada em uma racionalidade limitada:

Page 169: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

164

analistas trabalhariam com:

1. problemas bem definidos os problemas são ambíguos e pouco determinados

2. uma lista completa de alternativas para sua consideração

a informação para identificação de alternativas é precária e muitas alternativas são desconhecidas

3. uma base completa de informação sobre contexto e ambiente

a informação sobre o contexto ou ambiente é problemática é incompleta

4. visão adequada sobre os impactos de cada alternativa

os impactos das possíveis alternativas levantadas é desconhecido

5. informação completa sobre os valores e interesses dos cidadãos e grupos de interesse

os interesses, valores e preferências não são bem estabelecidos

6. competências, recursos e tempo suficientes o tempo, as competências e os recursos são limitados

FONTE: elaborado pelo autor.

A posição de Forrester (1989) é que, dado a consciência dos limites da utilização de

métodos inteiramente racionais para a tomada de decisão, o que se acaba fazendo em

termos práticos é adotar esquemas simplificados para a busca de compreensão sobre

cada situação. Em situações em que prevalecem os juízos e preconceitos estabelecidos,

as tradições e práticas anteriores, e quando nem todas as alternativas para cursos de ação

são examinadas, sendo escolhida a primeira que se apresenta como satisfatória e não a

que seria ótima são a regra e não a exceção.

A opção por adotar uma postura racional-comprensiva na formulação de políticas

pode ser irrealista e inócua. Alternativamente, conceber a formulação como baseada na

racionalidade limitada ou pior, na postura meramente incremental pode deixar o fazedor de

políticas de “mãos atadas” e simplesmente reproduzir o passado.

6.5.2. Algumas propostas intermediárias

Braybrooke e Lindblon (1969) formulam oito críticas ao modelo racional. Segundo

eles, este modelo não é adaptado:

1. Às limitadas capacidades humanas para resolver problemas.

2. À inadequação da informação.

3. Ao custo da análise.

4. As falhas na construção de um método estimativo satisfatório.

5. Às estreitas relações observadas entre fato e valor na elaboração de políticas.

6. À abertura do sistema de variáveis sobre o qual ele opera.

7. À necessidade do analista de seqüências estratégicas de movimentos analíticos

8. As diversas formas em que os problemas relacionados às políticas realmente

ocorrem.

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165

O modelo que propõem (“análise incremental objetiva”) se diferencia do anterior

porque:

1. Considera apenas as alternativas que pouco se afastam da situação observada (e

das políticas existentes);

2. Não indaga acerca das conseqüências de alternativas;

3. Não analisa separadamente meios e fins, e fatos e valores;

4. Não parte da especificação de objetivos para a formulação de políticas que levem a

um “estágio futuro ideal”. Propõe a comparação de políticas específicas “possíveis” tendo

como referência sua aderência aos objetivos e o tratamento iterativo dos problemas

visando a sua superação;

5. Considera que uma boa política não é aquela que passa no teste do racionalismo,

mas aquela que maximiza os valores do tomador de decisão e que permite um acordo

entre os interesses envolvidos;

6. Considera que, apesar de suas imperfeições, o incrementalismo é preferível a um

futile attempt at superhuman comprehensiveness;

7. Considera que agindo incrementalmente pode-se alterar eficazmente o status quo

─ ainda que pouco a pouco ─ evitando os grandes erros que o modelo racional pode

implicar;

8. Considera que o mútuo ajuste entre partidários de políticas atuando

independentemente, adaptando-se a decisões tomadas no seu entorno, e respondendo às

intenções de seus pares, é o melhor modo de alcançar uma coordenação compatível com

a democracia.

Apoiando a idéia de que uma racionalidade restrita no processo de políticas seria “o

melhor que se poderia obter” ou que “é melhor do que nada”, Lindblom (1979) apresenta o

conceito de análise estratégica como uma análise limitada a um conjunto de

procedimentos para o estudo de políticas obtido a partir da escolha informada e atenta

entre os métodos disponíveis para a simplificação de problemas complexos.

Já Harrison, Hunter e Pollit (1990), por sua vez, propõem que uma seqüência de

mudanças incrementais pode muito bem ocorrer num contexto no qual certos interesses

são dominantes, e que, portanto, em situações como esta tenderia a não ocorrer um ajuste

“mútuo”.

Dror (1964) critica o conservadorismo do modelo incremental, e o apoio que confere

às forças pró-inércia e anti-inovação. O incrementalismo seria adequado somente quando

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166

existissem políticas razoavelmente satisfatórias e um alto grau de continuidade dos

problemas e dos meios para tratá-los, isto é, quando existisse grande estabilidade social.

O modelo que ele sugere (optimal method) combina o emprego de métodos “extra-

racionais” de identificação de preferências dos atores com o exame criterioso, ainda que

seletivo, das opções e metas de política. Embora aceitando o modelo incremental como

uma descrição aceitável da realidade, ele considera necessário adotar um modelo

normativo mais próximo ao racional. O problema é como operacionalizar o modelo.

Etzioni (1967) critica a idéia de Lindblom (1979) de que uma sucessão de pequenos

passos podem produzir mudanças tão significativas quanto passos grandes mas pouco

freqüentes, como implicitamente proposto pela visão racional. Nada garante que pequenos

passos levem à acumulação de resultados ao invés de um movimento circular em torno da

situação inicial, sem direcionalidade e de pouco impacto.

Segundo ele, o ajuste mútuo entre partidários de interesses diferentes nem sempre é,

de fato, mútuo e tende a estar enviesado em favor dos atores mais influentes e mais

organizados (grandes corporações, por exemplo); inovações básicas a respeito de

questões fundamentais tendem a ser negligenciadas.

Ele sugere o método do mixed scanning: situações que envolvem grandes decisões,

dado que sentam as bases para decisões incrementais futuras, devem ser analisadas de

uma maneira mais cuidadosa, próxima à proposta pelo modelo racional. Desta forma, os

aspectos negativos de cada modelo seriam minimizados. O problema é como identificar

essas situações e distinguir as decisões fundamentais das incrementais. Muitas vezes

ações são implementadas justamente porque “as coisas sempre foram feitas deste

modo...”

O “incrementalismo revisitado” de Lindbom (1979) e as críticas de Dror e Etzioni

(1967) dão origem a três tipos de análise para a tomada de decisão; cada um deles

embutido no seguinte de maior nível:

Análise incremental simples: envolve a consideração de alternativas que se

diferenciam apenas incrementalmente do status quo;

Análise incremental objetiva: envolve a consideração de umas poucas alternativas

conhecidas; da relação existente entre objetivos e valores, e os aspectos empíricos do

problema. Supõe uma preocupação maior com o problema do que com os objetivos

perseguidos e explora apenas algumas das conseqüências de uma dada alternativa. A

análise é dividida entre vários participantes;

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167

Análise estratégica: envolve a consideração de estratagemas (algoritmos,

indicadores etc.) capazes de simplificar problemas complexos de política.

Ao invés de buscar uma análise racional sinóptica, considerada um ideal impossível,

a proposta sugere a complementação do modelo incremental através de um alargamento

do campo de análise, podendo até incluir uma busca especulativa sobre futuros possíveis,

envolvendo prazos mais longos.

O incrementalismo revisitado reconhece que o ajuste mútuo é eficaz para abordar

questões corriqueiras. Mas que, ao contrário, as grandes questões ─ como, por exemplo, a

distribuição de renda ─, acerca das quais existe uma manipulação ideológica por parte dos

grupos dominantes, exigem tratamento distinto (análise estratégica).

Desenvolvendo sua análise na direção de produzir subsídios para a Análise Política,

Forrester (1989) compara a posição racional-compreensiva às diferentes vertentes

compatíveis com a concepção da racionalidade limitada. Ele aponta cinco concepções

analítico-teóricas ou modelos, que estudam as relações entre a racionalidade e os

processos decisórios envolvidos na elaboração de políticas, e que poderiam ser usados

para definir diferentes estratégias de resposta, ação e tomada de decisão para cada

situação específica (ver Figura 6.5.2.1).

FIGURA 6.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISÓRIO Modelos

Elementos

Compreensiva (sem limites)

Limitação Cognitiva – I

Diferenças Sociais - II

Pluralista - III

Limitação Estrutural – IV

Ator um ator racional decide e executa

um ator não- racional, falível

diversos atores e competências em cooperação

atores competindo organizados em grupos de interesses

atores em estruturas políticas e econômicas com desigualdade

Problema bem definido definido de forma imprecisa

interpretação variável a cada ator

múltiplas definições de valores, impactos e direitos

definições em bases ideológicas

Informação

perfeita Imperfeita qualidade e acesso variados

contestada e aceita como manipulada

desinformação ideológica e vinculada ao poder

Tempo infinito ou sempre suficiente

limitado limitado tempo é poder

é poder e é limitado conforme interesse dos atores

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168

Estratégia prática

tecnicamente perfeita, ótima

baseada em baixas expectativa e satisfação

atuação em redes

incremental, com verificação e ajustes

baseada em antecipação, neutralização, organização

FONTE: Forrester (1989).

As diferentes concepções apresentadas revelam o debate sobre as possibilidades do

apoio racional às decisões e podem fixar os limites entre o mundo da política e as

pretensões técnico-racionalistas dos analistas. Na posição IV, de limitação estrutural,

podem ser encontradas as bases teórico-conceituais para a análise de muitas das políticas

que são elaboradas em nosso meio.

A imagem concebida por Ham e Hill (1993) sobre o ambiente de elaboração da

política pública, resultante da extensa revisão e sistematização da literatura que realizam,

aproxima-se do modelo IV de racionalidade limitada, com distribuição não eqüitativa de

poder entre os diversos interesses em jogo, proposto por Forester (1989).

Outros dois autores que realizaram um importante trabalho de sistematização são

Hogwood e Gunn (1984). Para entender o processo político (penetrar na caixa preta do

enfoque sistêmico) utilizam três modelos (idealizações) do processo de formulação de

política:

- Modelo racional: baseia-se na hipótese de que a formulação é um processo

essencialmente racional, em que os atores tomam suas decisões apoiando-se numa

seqüência de passos sistematicamente observada. No limite, os problemas são

entendidos como “técnicos” (e não políticos), o ambiente, consensual, e, que o

processo está permanente sob controle.

- Modelo (burocrático) incremental: supõe que a formulação é um processo

inescapavelmente político, no qual as percepções e interesses dos atores invadem

todas as suas etapas. A implementação, mais do que a formulação, é vista como

especialmente problemática. A política é o resultado de uma permanente barganha

num ambiente conflitado.

- Modelo do processo organizacional: interpreta as decisões e ações não como

resultado de uma escolha racional, mas de um comportamento baseado em rotinas e

procedimentos-padrão sistemática e previamente definidos.

A opção de adotar o modelo racional como referência, com status normativo, não

deve levar a uma desconsideração dos aspectos políticos inerentes ao processo de

elaboração de políticas. Por outro lado, descartar esse modelo, seria compactuar com

Page 174: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

169

aqueles que, cinicamente, desqualificam qualquer pretensão de tornar o processo de

elaboração de políticas mais adequado para a solução dos problemas sociais.

Com ressaltam Hogwood e Gunn (1984), o modelo racional é aplicado para resolver

problemas de uma forma sistemática. Ele deve ser também usado para resolvê-los de uma

maneira democrática.

Do ponto de vista da análise, deve ser sempre lembrado que a opção por uma das

interpretações impõe diferenças substantivas em termos da metodologia de pesquisa a ser

usada e, portanto, hipóteses quanto à conformação das estruturas de poder que estão por

trás da formulação das políticas. E que as metodologias empregadas condicionam o tipo

de assuntos a serem pesquisados e os “achados” que podem ser descobertos.

6.5.3. O processo de Elaboração de Políticas Públicas e os modelos de análise

Para terminar esta extensa seção, a segunda que trata do tema da formulação da

política, parece conveniente apresentar um resumo sobre o processo de Elaboração de

Políticas Públicas. Ele costuma ser dividido em três fases sucessivas ─ Formulação,

Implementação e Avaliação ─ que conformam um ciclo que se realimenta.

A política é, primeiramente, formulada. Isto é, concebida no âmbito de um processo

decisório pelos “tomadores de decisão” que pode ser democrático e participativo ou

autoritário e “de gabinete”; de “baixo para cima” ou de “cima para baixo”; de tipo racional e

planejado ou incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atores intervenientes; com ou

sem manipulação e controle da agenda dos atores com maior poder; detalhadamente

definida ou deixada propositadamente incompleta para “ver se cola” e como é que fica “na

prática”. Dependendo principalmente do grau de racionalidade do processo decisório, a

fase de Formulação pode contemplar etapas como pesquisa do assunto, filtragem do

assunto, prospectiva, explicitação de valores e objetivos globais

Depois de formulada, inicia-se a Implementação da política, mediante os órgãos e

mecanismos existentes ou especialmente criados, pelos burocratas. Dependendo,

sobretudo, do grau de definição da política, eles exercem seu poder discricionário ─

variável principalmente segundo o nível em que se encontram na hierarquia ─ adaptando a

política formulada à realidade da relação Estado-Sociedade e das regras de formação do

poder econômico e político que estas impõem ao jogo entre os atores sociais.

Finalmente, ocorre a Avaliação da política, quando os resultados ─ entendidos como

produtos e metas definidos e esperados num âmbito mais restrito ─ e impactos ─

Page 175: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

170

entendidos como produtos sobre um contexto mais amplo e muitas vezes não esperados

ou desejados ─ decorrentes de sua Implementação são comparados com o planejado. Ou,

no limite, quando a Formulação se dá de forma totalmente incremental, aprovados através

de um critério de satisfação dos interesses dos atores envolvidos. É o grau de

racionalidade da fase de Formulação e o estilo de Implementação o que define como irá

ocorrer a Avaliação. No extremo racional, em que existe uma intencionalidade da mudança

de um determinado sistema, a Avaliação é condição necessária. É através dela que o

trânsito do sistema de uma situação inicial a uma outra situação, tida como desejada, pode

ser promovida. É a Avaliação que aponta as direções de mudança e as ações a serem

implementadas num momento ulterior. Após a implementação dessas, e a avaliação dos

resultados alcançados é que, iterativamente, serão propostas novas ações que levarão o

sistema a aproximar-se do cenário desejado.

Pode-se sintetizar a discussão colocada nesta seção dizendo que a associação entre

incrementalismo e sociedades plurais e entre racionalismo e sociedades totalitárias é falsa.

E que, muito importante, é necessário resgatar a questão central acerca do que significa o

racionalismo em sociedades democráticas. Uma coisa é tentar definir os objetivos de uma

determinada sociedade de uma forma racional. Outra é procurar implementar os objetivos

democraticamente estabelecidos através de um modelo racional.

6.6. Modelos para o estudo da implementação de políticas

O estudo da implementação é às vezes denominado o “elo perdido” entre a

preocupação com o policy making e a avaliação dos resultados e impactos da política. Ele

pode ser resumido à pergunta; porque certas políticas são bem sucedidas (bem

implementadas) e outras não?

Dizemos que a implementação foi mal sucedida quando a política foi colocada em

prática de forma apropriada sem que obstáculos sérios tenham-se verificado, mas ela

falhou em produzir os resultados esperados. Neste caso, é provável que o problema (falha)

da política não esteja na implementação propriamente dita, mas na formulação.

Dizemos que há um hiato (gap) de implementação quando a política não pôde ser

colocada em prática de forma apropriada porque aqueles envolvidos com sua execução

não foram suficientemente cooperativos ou eficazes, ou porque apesar de seus esforços

não foi possível contornar obstáculos externos.

Page 176: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

171

Para verificar de que tipo é a situação que se está tratando, a questão chave é

escolher quais dos dois enfoques (top down e bottom up) é a ela mais adequado. Isto é, a

qual destes dois extremos a política em análise se encontra mais próxima. Esta escolha

deve dar-se em função de uma avaliação de conjunto que deve ser realizada tendo em

conta as características que apresenta a política. Freqüentemente, inclusive porque ela é

sempre uma solução de contingência, de compromisso (situações mistas podem ocorrer) e

por aproximação, esta escolha pode se modificar ao longo da análise.

6.6.1. O enfoque top down

O modelo ou enfoque top down aborda o porquê de certas políticas serem bem

sucedidas (bem implementadas) e outras não, partindo de uma definição de

implementação como um processo em que “ações de atores públicos ou privados são

dirigidas ao cumprimento de objetivos definidos em decisões políticas anteriores”.

A política é, assim, entendida como uma “propriedade” dos policy makers situados no

topo das organizações, como atores que têm o controle do processo de formulação.

O hiato entre as aspirações desses atores situados num plano central (federal, por

exemplo) e realidades locais seria a causa dos déficits de implementação.

Para que uma política de tipo top down seja bem implementada é necessário que dez

pré-condições sejam observadas:

1. Que as circunstâncias externas à agência responsável pela implementação não

imponham a esta restrições muito severas.

2. Que tempo adequado e recursos suficientes sejam colocados à disposição do

programa.

3. Que não haja nenhuma restrição em termos de recursos globais e que, também,

em cada estágio do processo de implementação, a combinação necessária de

recursos esteja realmente disponível.

4. Que a política a ser implementada seja baseada em uma teoria de causa e efeito

válida.

5. Que as relações de causa e efeito sejam diretas e em pequeno número.

6. Que haja uma única agência de implementação que não dependa de outras ou, se

outras agências estiverem envolvidas, que as relações de dependência sejam

pequenas em número e importância.

Page 177: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

172

7. Que haja entendimento completo, e consentimento, acerca dos objetivos a serem

atingidos; e que estas condições persistam durante o processo de implementação.

8. Que ao mobilizar-se para o cumprimento de objetivos acordados seja possível

especificar, em completo detalhe e perfeita seqüência, as tarefas a serem levadas a

cabo por cada participante do programa.

9. Que haja perfeita comunicação e coordenação entre os vários elementos

envolvidos no programa.

10. Que aqueles com autoridade possam exigir e obter perfeita obediência.

6.6.2. O enfoque bottom up

O enfoque bottom up constitui-se a partir de críticas ao enfoque top down ou da

introdução de restrições ao que se poderia considerar o caso perfeito, ideal, de elaboração

de política. Elas são classificadas em:

i) Relativas à natureza da política: A política entendida como instância que, ao ser

definida (ou “indefinida”), “cria problemas” de implementação. Políticas deste tipo, que

projetam conflitos (ou compromissos) não resolvidos, que não contemplam recursos

para sua implementação, que envolvem relações pouco definidas entre organizações

que as devem implementar, que envolvem a criação de novas organizações etc., são

denominadas “simbólicas”;

ii) relativas às relações entre a formulação e a implementação: A política entendida

como uma instância e como um compromisso que se mantém e renova ao longo do

processo de implementação; o que faz com que se torne difusa a interface entre

formulação e implementação;

iii) relativas às instâncias normativas adotadas pelos analistas.

O enfoque bottom up parte da análise das redes de decisões que se dão no nível

concreto em que os atores se enfrentam quando da implementação, sem conferir um papel

determinante às estruturas pré-existentes (relações de causa e efeito e hierarquia entre

organizações etc.).

O enfoque bottom up parte da idéia de que existe sempre um controle imperfeito em

todo o processo de elaboração de política, o que condiciona o momento da

implementação. Esta é entendida como o resultado de um processo interativo através do

qual uma política que se mantém em formulação durante um tempo considerável se

Page 178: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

173

relaciona com o seu contexto e com as organizações responsáveis por sua

implementação.

Segundo o enfoque bottom up: a implementação é uma simples continuação da

formulação. Existiria um continuum política/ação no qual um processo interativo de

negociação tem lugar entre os que buscam colocar a política em prática ─ aqueles dos

quais depende a ação ─ e aqueles cujos interesses serão afetados pela mudança

provocada pela política. Ele supõe (no limite) que a implementação carece de uma

intencionalidade (racionalidade) determinada pelos que detêm o poder.

Esse enfoque chama atenção para o fato de que certas decisões que idealmente

pertencem ao terreno da formulação só são efetivamente tomadas durante a

implementação porque se supõe que determinadas opiniões conflitivas não podem ser

resolvidas durante o momento da tomada de decisão. Seria ineficaz (ou prematuro e por

isto perigoso) tentar resolver conflitos aí, uma vez que são as decisões do dia-a-dia da

implementação as que realmente requerem negociação e compromisso entre grupos

poderosos e decisões-chave só podem ser tomadas quando existe uma percepção mais

clara dos potenciais resultados da política à disposição dos “implementadores”. Assim, são

os “implementadores” os melhor equipados para tomar essas decisões que “deveriam” ser

tomadas no momento da formulação.

O processo de implementação pode ser estudado segundo distintas perspectivas de

análise:

i) Organizacional: quando o tipo de organização é planejado em função do tipo de

ação;

ii) Processual: a implementação é um resultado de uma sucessão de processos;

iii) Comportamental: há uma ênfase na necessidade de reduzir conflitos durante o

processo;

iv) Político: padrões de poder e influência entre e intra-organizações são enfatizados.

Em situações em que uma política possui objetivos e contempla atividades

claramente definidos, e mais ainda se os inputs e resultados são quantificáveis, é possível

identificar déficits de implementação e o enfoque top down é aconselhável.

Embora isto freqüentemente ocorra, a Análise de Política não deve privilegiar a

análise do processo de implementação ou tomá-la com algo à parte. O estudo de aspectos

relacionados ao estudo das organizações, ao papel da discricionariedade e dos street level

Page 179: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

174

bureaucrats, entre outros, são os passos seguintes do percurso para a análise do processo

de elaboração de políticas.

6.7. O estudo das organizações e a Análise de Política

O estudo das organizações e da formulação de políticas tem evoluído muito nas

últimas décadas, desde Weber (1961), para quem “todo poder se manifesta e funciona

como administração”, aos enfoques estruturalistas e comportamentais, que incorporam

variáveis inerentes ao contexto externo ao âmbito interno às organizações.

O crescimento das ciências sociais nos EUA, e, em particular, dos estudos

sociológicos e psicológicos sobre o comportamento dos indivíduos no interior das

organizações, teve como resultado uma crescente ênfase: à abordagem das relações

humanas (atribuindo-se relevância à motivação, ao entusiasmo e às relações nos grupos

de trabalho); ao enfoque dos psicólogos sociais (procurando explorar o conflito entre as

necessidades humanas e os aparentes pré-requisitos das organizações formais); à “teoria

da contingência” (proclamando a existência de uma interação complexa entre variáveis

contingentes e estruturais, que relacionam o poder organizacional interno e o contexto

externo).

6.7.1. A discricionariedade dos escalões burocráticos inferiores e a elaboração de

políticas

O conceito de discricionariedade reporta a uma situação em que um funcionário

público possui um grau de poder de decisão que o torna capaz de escolher entre distintos

cursos de ação ou “não-ação”. Neste caso, diz-se que ele poder discricionário.

Existe uma diferença entre o conceito de “julgamento”, quando uma simples

interpretação das regras é requerida, e “discricionariedade”, quando as regras conferem a

um certo tipo de funcionário, em situações específicas, a responsabilidade de tomar

decisões que ele considera apropriadas.

Toda delegação de poder envolve facultar ao burocrata situado numa posição

hierárquica inferior, discricionariedade. O conflito entre regra e discricionariedade é o outro

lado da moeda do conflito entre autoridade dos chefes e a sua confiança nos

subordinados.

A delegação de poder remete a perguntas do tipo: Como atua a parte da burocracia

que interage diretamente com os cidadãos no desempenho de suas funções, aquela que

Page 180: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

175

se situa mais distante dos centros de decisão política e mais próximo à implementação das

políticas, no “nível da rua” (street-level bureaucrat)?

Este tipo de funcionário público costuma ter um considerável poder discricionário na

execução de seu trabalho. Suas decisões, baseadas nas rotinas que estabelece, nos

mecanismos que inventa para enfrentar as incertezas resultantes da pressão do trabalho, é

o que determina a maneira como as políticas são efetivamente implementadas.

Isso nos leva a indagar sobre até que ponto a política pública deve ser entendida

como algo feito no legislativo ou nos gabinetes dos administradores de alto escalão, uma

vez que, de uma maneira importante, ela é de fato feita nas repartições lotadas onde se dá

o atendimento diário do público pelos street-level bureaucrats.

O poder desses funcionários na conformação das políticas efetivamente

implementadas é consideravelmente superior ao de outros funcionários públicos de mesmo

nível hierárquico e remuneração, mas que não atuam diretamente com o público. Isto faz

com que possam ser considerados como os efetivos “fazedores da política”.

Estes funcionários ─ os “implementadores” ─ quebram regras e estabelecem rotinas

para poderem trabalhar. Caso operassem “segundo o regulamento” paralisariam o serviço.

Que é o que ocorre em situações de conflito em que, freqüentemente, antes de entrarem

em greve, realizam uma “operação tartaruga” como forma de boicote.

Seu poder manifesta-se tanto em relação aos consumidores como em relação às

agências às quais pertencem.

Seu poder discricionário é tanto maior quanto:

i) Maior a diferença entre a demanda e a oferta de recursos disponíveis para serem

alocados;

ii) Menos claras forem as determinações emanadas da direção da agência;

iii) Mais pobre ou menos poderosa e difusamente organizada for a clientela.

Como uma recomendação conclusiva para que a análise do comportamento dos

burocratas chegue ao resultado esperado, cabe lembrar que eles muitas vezes entram na

carreira com ideais que não conseguem realizar na prática. Passam sua vida produtiva

num ambiente de trabalho corrompido. E, em geral, consideram que estão fazendo o

melhor que podem, alocando recursos materiais e tempo sempre escassos para atender a

uma demanda que pode ser entendida (segundo a teoria neoclássica) como virtualmente

infinita, uma vez que o preço do serviço que prestam é nulo.

Page 181: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

176

6.7.2. Os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas

As organizações são elementos centrais no processo de elaboração de políticas. São

o lócus onde ocorre o processo decisório, o principal agente responsável pela

implementação das políticas e, freqüentemente, onde se avalia o resultado das políticas

que nela se formulam e implementam.

Também no caso das organizações é possível “destilar” modelos capazes de serem

usados para sua análise. Apoiando-se na contribuição de Elmore (1978), é possível

classificar as organizações em quatro tipos tomando como referência particular o momento

da implementação e referindo-os a quatro categorias de análise. Para cada um dos tipos, a

implementação é entendida, respectivamente, como um sistema de gerenciamento, como

um processo burocrático, como desenvolvimento organizacional e como um processo de

conflito e barganha é referido a quatro categorias de análise - Princípio Central,

Distribuição de Poder, Processo de Formulação de Políticas e o Processo de

Implementação propriamente dito.

Os Quadros 6.7.2.1, 6.7.2.2, 6.7.2.3 e 6.7.2.4 que seguem mostram as características

de cada tipo de organização.

QUADRO 6.7.2.1: TIPO 1 – ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO

Page 182: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

177

Organizações são estruturadas sobre o princípio do controle hierárquico. A

responsabilidade pela formulação de políticas e controle completo sobre os

sistemas operacionais recai sobre a alta gerência que aloca tarefas específicas e

objetivos a unidades subordinadas e acompanha seu desempenho.

Organizações operam como maximizadores racionais de valor. O atributo

essencial é o procedimento direcionado a metas; as organizações são eficientes

na medida em que maximizem seu desempenho em relação a seus objetivos e

metas centrais. Cada tarefa que uma organização executa deve contribuir para

pelo menos um dos objetivos que refletem os propósitos da organização.

Para todas as tarefas que a organização executa, existe uma alocação ótima

de responsabilidade entre sub unidades que maximiza o desempenho da

organização para o cumprimento de seus objetivos. A formulação consiste em

encontrar este ponto ótimo e mantê-lo, ajustando continuamente a alocação

interna de responsabilidades.

Consiste em definir de uma detalhada relação de metas que reflita

exatamente os objetivos de uma política; determinar responsabilidades e

padrões de desempenho para sub unidades consistente com seus objetivos;

monitorar sistematicamente desempenho, e elaborar ajustes internos que

melhorem a consecução das metas. O processo é dinâmico, não estático; o

desenvolvimento impõe continuamente novas demandas que requerem

ajustes internos. Mas a implementação é sempre direcionada a metas e

maximizadora de valor.

Princípio

Central

Distribuição

de Poder

Formulação

Implementação

QUADRO 6.7.2.2: TIPO 2 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO BUROCRÁTICO

O domínio de arbítrio e rotina significa que o poder tende a ser fragmentado e

disperso entre pequenas unidades que exercem estrito controle sobre tarefas

específicas em sua esfera de autoridade. O controle que qualquer unidade pode

exercer sobre uma outra, lateralmente ou hierarquicamente, se deve a que, como

as organizações vêm se tornando crescentemente complexas, as unidades se

tornam altamente especializadas e exercem grande controle sobre suas operações

internas.

As duas características centrais são discricionaridade (arbítrio) e rotina; todos os

procedimentos importantes podem ser explicados a partir do irredutível arbítrio

exercido por funcionários individualmente em suas decisões do dia a dia e a

operação de rotinas desenvolvidas para manter e fazer crescer sua posição na

organização.

Consiste em controlar o arbítrio e mudar rotinas. Todas as propostas visando

mudanças são avaliadas por unidades organizacionais em termos de uma

gradação de afastamento em relação às normas determinadas; desta forma, as

decisões na organização tendem a ser incrementais.

Consiste em identificar onde a discricionariedade está concentrado e onde, no

repertório de rotinas organizacionais, são necessárias mudanças, criando-se

rotinas alternativas que representem o propósito da política e induzindo as

unidades organizacionais a substituir velhas rotinas por outras novas.

Princípio

Central

Distribuição

de Poder

Formulação

Implementação

Page 183: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

178

QUADRO 6.7.2.3: TIPO 3 – ORGANIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL

Organizações devem ser estruturadas para maximizar o controle individual,

participação e compromisso em todos os níveis. Burocracias hierarquicamente

estruturadas maximizam estes aspectos, mas para pessoas que se encontram nos

níveis mais altos da organização, às custas dos que se encontram nos níveis

inferiores. Portanto, a melhor estrutura é a que minimiza o controle hierárquico e

distribui capacidade de decisão entre todos os níveis da organização.

Organizações devem funcionar para satisfazer as necessidades psicológicas e

sociais básicas dos que as constituem, a partir da autonomia e controle sobre seu

próprio trabalho, da participação nas decisões que os afetem e do compromisso

com os propósitos das mesmas.

Consiste na construção de consensos e sólido relacionamento interpessoal entre

os membros do grupo. Depende da criação de grupos de trabalho efetivos. A

qualidade das relações interpessoais determina em grande medida a qualidade das

decisões. Grupos de trabalho efetivos são caracterizados por metas

compartilhadas, comunicação aberta, confiança e apoio recíprocos entre membros

do grupo, completa utilização das habilidades e controle de conflitos.

Consiste na construção de consensos e acomodação entre fazedores de

política e implementadores. O problema central da implementação é a

dificuldade do processo resultar em consensos quanto às metas, autonomia

individual e compromisso com as políticas por parte daqueles que devem

executá-la.

Princípio

Central

Distribuição

de Poder

Formulação

Implementação

QUADRO 6.7.2.4: TIPO 4 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA

Nunca é estável. Ela depende de habilidades transitórias de indivíduos ou unidades

para mobilizar recursos para manejar os procedimentos dos outros. A posição

formal na hierarquia é apenas um dos fatores que determinam a distribuição do

poder. Outros fatores são conhecimento, controle de recursos materiais e

capacidade de mobilizar apoios externos. O exercício do poder nas organizações é

fragilmente relacionado à sua estrutura formal.

Organizações são arenas de conflitos nas quais indivíduos e sub unidades com

interesses específicos competem por vantagens relativas no exercício do poder e

na alocação de recursos escassos.

Consiste em um processo de barganha no interior e entre unidades da

organização. Decisões negociadas são o resultado de consenso entre atores com

diferentes preferências e recursos. Negociação não requer que as partes entrem

em acordo sobre objetivos comuns nem eventualmente requer que elas contribuam

para o êxito do processo de negociação. A barganha exige apenas que as partes

concordem em ajustar mutuamente sua conduta no interesse de preservar a

negociação como um instrumento para a alocação de recursos.

Consiste numa complexa série de decisões negociadas refletindo as preferências

e recursos dos participantes. Sucesso ou fracasso não podem ser avaliados

comparando-se o resultado com uma simples declarações de intenção, porque

uma lista de propósitos simples não pode gerar um enunciado consistente dos

interesses das diversas partes participantes do processo. O sucesso só pode ser

definido em relação aos objetivos de um ator no processo de negociação ou em

termos de preservação do processo em si mesmo.

Princípio

Central

Distribuição

de Poder

Formulação

Implementação

Page 184: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

179

6.8. Os Momentos da elaboração de políticas públicas

A partir das considerações realizadas nas seções anteriores, que se referem quase

que exclusivamente à análise, propriamente dita, do processo de elaboração de políticas e

que buscam capacitar o leitor a analisar criticamente políticas cuja responsabilidade de

formulação e implementação não é dele, cabe explorar um outro tema.

Esta seção apresenta os procedimentos que devem ser seguidos para formular

políticas que possam ser implementadas de maneira adequada e para que elas sejam

implementadas de forma a alcançar os objetivos e os impactos visados. Ela visa à

capacitação do leitor enquanto responsável pela elaboração, propriamente de políticas

públicas.

Este tema da elaboração de políticas enquanto “arte e técnica de governo” tem sido

tratado de forma exaustiva por muitos autores, ao contrário do que ocorre com o objeto das

seções precedentes. O fato de que o conteúdo apresentado nestas seções ser um

subsídio tão importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar e

também avaliar) políticas públicas, quanto aquele que se apresenta a seguir, é o que nos

leva a abordá-lo com um detalhe comparativamente menor. Na verdade, a ênfase que

damos aos dois tipos de conteúdo é coerente com a negação que temos feito da

proposição tecnocrática de que a elaboração de política pública pode ser encarada como a

simples operacionalização de um conjunto de normas, procedimentos e passos de um

manual.

A intenção desta seção é, por isso, construir uma ponte entre as metodologias de

planejamento usualmente adotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têm sido

insistentemente apontada, e os conteúdos apresentados até aqui. Ou, alternativamente,

através da fundamentação proporcionada pela Análise Política, e seu emprego para

desvelar os aspectos mais propriamente políticos envolvidos no planejamento, contribuir

para tornar aquelas metodologias mais realistas e eficazes.

Assim, esta seção apresenta os procedimentos sugeridos por diversos autores que

buscam melhorar a maneira como o processo de elaboração de políticas se desenvolve no

âmbito do Estado capitalista contemporâneo oferecendo aos profissionais ali situados, e

interessados em construir alternativas aos cursos de ação tradicionais, um conjunto de

categorias e métodos de análise.

Há que ressaltar, entretanto, que talvez mais do que no caso das seções anteriores, a

leitura desta seção não substitui a consulta às obras aqui referidas. Entre elas, recomenda-

Page 185: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

180

se enfaticamente a consulta ao livro de Hogwood e Gunn (1984), Policy Analisys for the

Real World.

Para facilitar a consulta aos autores citados, talvez seja conveniente classificá-los em

dois grupos. Um primeiro mais preocupado em construir categorias de análise e descrever

processos de trabalho voltados ao conjunto do processo de elaboração de políticas (como

Lindblom (1981) e Hogwood e Gunn (1964) e um outro grupo, com interesse mais focado

no momento de formulação (como Dror (1983) e Bardach (1998)).

Como método de trabalho para a compreensão do processo de elaboração de

políticas, Lindblom (1981) em seu trabalho seminal propõe a sua divisão no que considera

seus componentes principais. Disto resulta sua sugestão de que os seguintes passos

sejam observados:

1. Os diferentes problemas e reclamações, sociais ou de governo, chegam ao

processo decisório e se convertem em temas da agenda de política dos dirigentes;

2. As pessoas ou atores concretamente envolvidos com o processo concebem,

formulam ou descrevem estes temas objeto da ação governamental;

3. Planejam-se a ação futura, os riscos e potencialidades envolvidas, as alternativas,

os objetivos previstos e os resultados esperados.

4. Os administradores aplicam (implementam) a política formulada;

5. Uma determinada política pode ser avaliada, o que pressupõe a construção de

metodologias específicas para este tipo de análise.

Uma observação dos três primeiros passos remete ao processo de formulação de

uma política. Muito embora a preocupação com a implementação, para que ela seja

eficiente e eficaz, e também a definição dos processos de avaliação devam existir

previamente à implementação da política, este processo de planejamento deve ser

separado de sua execução propriamente dita.

Estes cinco passos ou “instâncias” de análise apresentadas por Lindblom (1981) são

desdobrados de modo didático e rigoroso, ao longo de nove capítulos de seu livro, por

Hogwood e Gunn (1964). O percurso que adotam para organizar o trabalho do profissional

encarregado da elaboração de uma Política Pública engloba um conjunto de nove fases:

Escolha de Assuntos para Definição da Agenda;

Filtragem de Assuntos (ou decidir como decidir);

Definição ou processamento do Assunto;

Prospecção ou estudo dos desdobramentos futuros relativos ao Assunto;

Page 186: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

181

Definição de Objetivos, Resultados e Prioridades da Política;

Análise de Opções ou Alternativas para Cursos de Ação;

Implementação da Política (incluindo seu monitoramento e controle);

Avaliação e revisão da Política;

Manutenção, sucessão ou encerramento da Política.

Entre os trabalhos voltados à elaboração de políticas, merece ser destacada a análise

realizada por Dror (1983) e que pode ser resumida, utilizando-se os termos do autor, como

as etapas para um policy making ótimo:

A - Meta Policy making:

1. Análise de Valores Sociais e de Atores envolvidos;

2. Análise da Realidade onde se pretende atuar;

3. Processamento de Problemas;

4. Desenvolvimento de Recursos;

5. Montagem do sistema de Formulação de políticas;

6. Alocação e definição de Problemas, Valores e Recursos;

7. Determinação da Estratégia;

B – Policy making:

1. Alocação de recursos;

2. Estabelecimento de metas operacionais;

3. Estabelecimento de priorização de valores;

4. Preparação de um conjunto de alternativas;

5. Análise de custos e benefícios futuros;

6. Identificação dos melhores resultados por alternativa;

7. Avaliação de custos e benefícios das melhores alternativas;

C – Post Policy making:

1. Incentivo à implantação da política;

2. Execução da política;

3. Avaliação da formulação de política.

Dror (1964) propõe que todas estas 17 fases sejam apoiadas e interligadas por uma

forte rede de comunicação e retroalimentação.

Bardach (1968), ao sugerir uma seqüência de oito “passos” para a formulação de

políticas, ressalta que ela não deve ser entendida como rígida ou completa e que em

muitas situações é necessário realizar os passos em ordem diversa da apresentada. Além

Page 187: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

182

disso, e tal como Hogwood e Gunn (1964), o autor afirma que o processo de formulação da

política é sempre interativo e muitas das etapas repetem-se e algumas, como a obtenção

de informação, pode ter sua execução realizada recorrentemente ao longo de todo o

processo.

Os passos propostos por Bardach (1968) são os seguintes:

1. Definição do Problema a ser enfrentado;

2. Obtenção de informação;

3. Construção de Alternativas;

4. Seleção de critérios para avaliar alternativas;

5. Projeção dos Resultados;

6. Confrontação de custos;

7. Tomada de Decisão;

8. Argumentação e defesa da Proposta: Comunicação.

Todos os autores chamam a atenção para a existência de restrições ao processo de

elaboração “perfeita” de uma política. Entre elas, são enfatizadas restrições como o tempo

decorrido entre a decisão, a formulação e a verificação dos resultados obtidos; a

subordinação da avaliação à obtenção de informação qualificada e em tempo oportuno; e a

preponderância de valores e diferenças de visão política no decorrer dos processos. A

estas haveria que agregar outras especialmente importantes nos países periféricos como o

fato de que as políticas são aqui geradas e implantadas em um ambiente marcado por uma

grande desigualdade de poder, de capacidade de influência e de controle de recursos

entre os diversos atores sociais; o que por si só aponta as dificuldades para adotar

rigorosamente as proposições feitas pelos autores.

6.9. Experiências de Planejamento Público

Alguns processos concretos de planejamento realizados em organizações públicas de

países latino-americanos, como a construção de Planos Institucionais, têm adotado

metodologias de trabalho inspiradas no método do Planejamento Estratégico Situacional,

do professor Carlos Matus (MATUS, 1993), e no método ZOPP33 (BOLAY, 1993).

Métodos que se aproximam em muitos aspectos ao conteúdo apresentado na seção

anterior.

33 Sigla em alemão para Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos. O método ZOPP incorpora o Logical Framework Approach, LFA, desenvolvido pela USAID nos anos de 1960. Posteriormente foi revisto pela GTZ, agência do governo alemão, para a apoio a projetos de desenvolvimento.

Page 188: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

183

Em geral, o desenvolvimento deste tipo de trabalho tem sido apoiado em consultoria

externa especialmente contratada, uma vez que a “cultura” do planejamento estratégico

encontra-se ainda muito incipientemente implantada nessas organizações.

O processo costuma ter início com um encontro de planejamento envolvendo os

atores relevantes à ação do órgão seguido da realização de seminários de planejamento

organizados com técnicas participativas para tomada de decisões. De forma geral, o

processo realizado pode ser resumido a partir das próprias instâncias de formulação, como

segue:

Conformação da Agenda:

Escolha dos participantes

Definição de objetivos do Processo

Definição da Missão da Organização

Levantamento dos Obstáculos ao Cumprimento da Missão

Definição do Problema Estratégico

Diagnóstico

Análise da situação problemática definida a partir do problema estratégico

Levantamento e análise de interesses para os Atores envolvidos

Explicação de cada problema na perspectiva de cada um dos atores envolvidos

Proposição:

Escolha dos cursos de ação

Definição de projetos de ação e resultados pelo Ator que planeja

Levantamento de Cenários futuros

Precisão de Resultados esperados

Estratégia:

Análise de posicionamento dos Atores relevantes em função dos resultados

esperados

Estudos de viabilidade para cada um dos projetos de ação definidos

Formulação de cursos de ação para movimento junto aos atores

Montagem de grupos tarefa para detalhamento dos cursos de ação

Preparação da Implementação:

Page 189: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

184

Definição de mecanismos de implementação

Formação de equipe de suporte para o processo

Definição de mecanismos de controle e acompanhamento

Definição de procedimentos para avaliação e revisão permanente da Ação

6.10. Um roteiro para a Análise de Políticas

Esta seção tem por objetivo oferecer ao leitor um roteiro de trabalho que o ajude a

analisar uma área de atividade econômica, social etc. onde o governo possua um poder de

influência elevado na definição dos rumos de seu desenvolvimento. Em outras palavras,

uma área qualquer onde exista, ou possa ser explicitada a existência de uma política

pública.

Seu conteúdo é duplamente inespecífico. Primeiro porque esteja o analista situado no

próprio aparelho de Estado ou fora dele, numa empresa privada ou no chamado terceiro

setor, em todos os casos, ele terá que “... descobrir o que os governos fazem, porque

fazem e que diferença isto faz” (DYE, 1953). Para desempenhar seu trabalho de forma

mais eficaz, ele terá que atuar (ou transformar-se) necessariamente num analista de

política. Em segundo lugar, porque ele se adéqua a qualquer das áreas de atividade onde

a atuação do governo é importante.

Para desenvolver sua análise, o profissional (agora convertido em analista) deverá

conhecer com alguma profundidade a área em que trabalha e o ambiente em que se

insere. Se isto ocorrer, ele será capaz de identificar adequadamente os objetos, fatos,

atores, organizações, relações, que correspondem aos elementos do marco analítico-

conceitual ─ conceitos, modelos, fatos-estilizados ─ que se apresentou até aqui e que a

seguir sintetiza-se. Pelo menos é este o desafio que esta seção procura enfrentar ao

sistematizar a grande variedade de temas abordados pela também variada literatura

consultada através de quadros sinópticos etc.

Ao organizar esta seção adotou-se um estilo ao mesmo tempo “telegráfico” e

abrangente coerente com a suposição de que o leitor não apenas conhece o conteúdo até

aqui apresentado como terá condições de aprofundá-lo consultando a bibliografia indicada.

Sua finalidade é que ele possa funcionar como um apoio metodológico quando não se

conta ainda com elementos suficientes para realizar um trabalho mais focado e

proporcionar insights e pistas de pesquisa que permitam iniciar o trabalho de uma forma

Page 190: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

185

metódica, através do uso inter-relacionado dos conceitos próprios da Análise de Política

com coerência e consistência.

6.10.1. Os instrumentos da Análise de Política

A Figura 6.10.1.1 que segue ilustra a função do processo de análise de uma política

no contexto mais amplo de um setor de atividade pública qualquer. Ela mostra como este

processo, cujo objetivo é, por um lado apreender esta realidade e, por outro, fornecer

indicações úteis para a elaboração propriamente dita da política, relaciona-se com a

realidade. A característica policy oriented da atividade de análise é assinalada com a

finalidade de enfatizar seu objetivo de, tendo em vista as restrições impostas por esta

realidade, transformá-la buscando uma situação desejada.

FIGURA 6.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

REALIDADE

politics

ANÁLISE DE

POLÍTICA

POLICYpolicy

orientation

restrições

mudança

apreensão problem oriented

FONTE: elaborado pelo autor.

O Quadro 6.10.1.2 oferece uma visão mais detalhada dessas duas funções da

análise de política: apreender a realidade e atuar sobre ela. Eles devem ser vistos como

uma síntese do conteúdo desenvolvido nas seções precedentes que busca proporcionar

ao analista um guia para a análise assinalando a série de conceitos, relações e escolhas

que deve manter-se no seu foco. Coerentemente com a característica desta seção, as

expressões usadas não estão aqui definidas ou relacionadas a outras que, no entanto,

contribuem a dar-lhes o significado que possuem.

QUADRO 6.10.1.2: FUNÇÕES DA ANÁLISE DE POLÍTICAS

Page 191: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

186

para apreender a realidade: MODELIZAÇÃO

variáveis endógenas e exógenas

relações de causalidade fatos estilizados

comparações (diacrônicas e sincrônicas)

modelos descritivo e explicativo

determinações do contexto sócio-econômico

aspectos da realidade

• para atuar sobre a realidade (policy)

• modelos normativo e institucional

• níveis de análise: atores e instituições, interesses e regras de

formação do poder

• processo de tomada de decisão: conformação da agenda,

participação dos atores

• “as três faces do poder”, racionalismo x incrementalismo, ‘non

decison making’

• implementação: discricionariedade, “street level bureaucrat”

déficit de implementação, enfoque top down x bottom up

A Figura 6.10.1.3 que segue ilustra como a partir desses instrumentos é possível

conceber um marco de referência para a análise da política. Seu entendimento, tendo em

vista os conteúdos até aqui apresentados, não demanda muitos comentários. Parece

necessário apenas salientar dois aspectos. Primeiro: é sobre o modelo produzido por meio

do procedimento de modelização que a política é elaborada e, por isso, tudo se passa

como se fosse sobre ele que o analista aplica marco de referência concebido; e é assim

que ele pretende atuar sobre a realidade a ser modificada. Segundo: tanto quanto como o

modelo, é importante para a concepção do marco de referência o ambiente institucional em

que se dá o processo de elaboração da política.

FIGURA 6.10.1.3: CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK”

Page 192: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

187

CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK”

sIstema

contexto

MODELO

AMBIENTE

INSTITUCIONAL

VARIÁVEIS endógenas e exógenas

(SELEÇÃO)

RELAÇÕES CAUSAIS

(HIPÓTESE)

POLICY FRAMEWORK

+

realidade

MODELIZAÇÃO

modelo

sistema

FONTE: elaborado pelo autor.

6.10.2. Tipos de Análise de Política

Entre as várias opções que deve realizar o analista no decorrer de uma análise de

política, uma, crucial, é o tipo de trabalho que pretende desenvolver. O Quadro 6.10.2.1

que segue indica as sete variedades possíveis mostrando as respectivas características. A

escolha do analista depende de sua perspectiva ideológica, objetivo, posição que ocupa no

ambiente político etc. Freqüentemente, no entanto, o analista altera as características de

seu trabalho, à medida que aumenta seu envolvimento com a política que analisa,

podendo inclusive percorrer todo o espectro conformado pelas sete variedades abaixo

indicadas.

QUADRO 6.10.2.1: VARIEDADES DE ANALISE DE POLÍTICA

(1 ) Estudo do conteúdo das

políticas

analistas procuram descrever e explicar a gênese e o

desenvolvimento de políticas, isto é, determinar como

surgiram, como foram implementadas e quais seus

resultados;

(2) Estudo da elaboração das

políticas

analistas dirigem a atenção para estágios pelos quais

passam questões e avaliam a influência de diferentes

fatores, sobretudo na formulação das políticas;

(3) Estudo do resultado das

políticas

explicar como os gastos e serviços variam em

áreas diferentes, políticas interpretadas como variáveis

dependentes entendidas em termos de fatores sociais,

econômicos, tecnológicos e outros;

(4 ) Avaliação de políticas identificar impacto que políticas têm sobre o contexto

sócio-econômico, ambiente político, população;

(5) Informação para elaboração

de políticas:

governo e analistas acadêmicos organizam os dados,

para auxiliar a elaboração de políticas e a tomada de

decisões;

(6) Defesa do processo de

elaboração da política

: analistas procuram melhorar processos de elaboração

de políticas e máquina de governo, mediante realocação

de funções, tarefas e enfoques para avaliar opções;

7) Defesa de políticas Atividade exercida por grupos de pressão que defendem

idéias ou opções específicas no processo de elaboração

de políticas. FONTE: elaborado pelo autor.

Page 193: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

188

6.10.3. Uma visão de conjunto dos três momentos da Elaboração de Políticas

O Quadro 6.10.3.1 abaixo apresenta uma síntese do Processo de Elaboração de

Políticas Públicas enfatizando aspectos dos seus três momentos. Ele pode ser usado

como uma ajuda para a análise simplificada (e é claro, simplista e ainda pouco refinada) de

uma política qualquer. Algo como um checklist.

Sua utilização como uma espécie de guia de análise implica no procedimento de

tentar “enquadrar” (ou classificar) cada um dos três momentos do processo de elaboração

de uma dada política sob análise em um dos dois modelos estilizados extremos. Isto

porque é tomando um dos dois como “caso puro, ideal” em relação ao qual se desvia o

caso concreto que se está analisando é que se pode proceder de maneira segura à análise

do processo concernente a cada momento.

De modo a auxiliar a compreensão do quadro e facilitar seu uso, se realiza abaixo a

sua “leitura por coluna”. Em cada coluna se indica os dois modelos ou aspectos extremos

que costuma assumir, na realidade, o processo concernente a cada um destes momentos.

QUADRO 6.10.3.1: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

FORMULAÇÃO IMPLEMENTAÇÃO AVALIAÇÃO

INCREMENTAL(modelodescritivo =normativo)

RACIONAL(modelo explicativo= normativo)

BOTTOM UP TOP DOWN RITUALÍSTICA INDUTORA DEMUDANÇAS

NegociaçãoAjuste

InteressesValoresObjetivos

“profissionais”decisorescontinuumdiscricionaridade

burocratasagências“manual”

“consenso” forçadopela segunda eterceira faces do

poder

Plano comoinstância de

explicitação deconflitos

Irrupção de conflitosencobertos naformulação

Terceira face dopoder comogarantia deimplementação

- o “bom é opossível, o quesatisfaz a elite

- o “bom é oque satisfaz o plano

RESULTADOS, PRODUTOSE IMPACTOS

- critérios ex-post,exógenos

- critérios ex-ante,endógenos

Monitoramento dos

efeitos

Metas, prazos Satisfação das

Elites

comparação:

metas x resultados

combinação mais usual FONTE: elaborado pelo autor.

Na primeira coluna, da Formulação, opõe-se os modelos incremental e racional, na

segunda, da implementação, confrontam-se os modelos bottom up e top down e, na

terceira, da avaliação, apresentam-se as alternativas da avaliação simplesmente ritualística

e a que é, de fato, indutora de mudanças sobre o ambiente em que atua a política.

Page 194: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

189

Existe uma óbvia correspondência entre o modelo situado à esquerda na segunda e

terceira colunas com aquele situado à esquerda na primeira coluna. Ou seja, se o modelo

que mais se adequai à realidade observada é o racional, é provável que a implementação

da política tenha transcorrido de acordo com um modelo top down e deva ser por seu

intermédio analisada. E, se este é o caso, é provável que a avaliação dos resultados da

política possa se dar em torno às metas, objetivos etc., previamente definidos e que ela

seja capaz de induzir mudanças no processo de formulação e, assim por diante, ao longo

do “ciclo da elaboração de política”.

Apesar disto, o procedimento que se aconselha é considerar esta correspondência

como algo a ser testado. Isto porque situações mistas podem ocorrer.

Voltando à Formulação, vemos que o processo decisório pode seguir (ou ser

assimilado a) um modelo incremental, cuja ênfase é basicamente descritiva e,

aparentemente sem conteúdo normativo, ou racional, cujo objetivo não é apenas descrever

a realidade, mas explicá-la e, explicitamente, atuar sobre ela (prescrever).

No primeiro modelo, o processo decisório caracteriza-se pela negociação e barganha,

sem a utilização de qualquer metodologia específica de planejamento, por exemplo. Vigora

apenas o diálogo entre partidários de interesses e cursos de ação distintos, todos eles

dispondo, idealmente, de informação plena e poder indiferenciado. O resultado do

processo é um ajuste entre eles, que tenderá a assumir uma característica incremental, na

medida em que a situação a que tende a chegar o processo decisório diferencia-se de

forma apenas marginal, incremental, da existente.

A formulação tem como resultado um “consenso” de caráter freqüentemente ilusório e

precário, posto que baseado em mecanismos de manipulação de interesses (segunda e

terceira faces do poder) que constringem a agenda de decisão a assuntos “seguros” e

conduzem a situações de não-tomada de decisão que costumam favorecer as elites de

poder. Este “consenso” possui, ademais, um caráter efêmero, na medida em que se pode

desfazer quando da implementação da política. Sua representatividade será, assim, tanto

menor quanto mais desequilibrada for a correlação de forças entre os atores.

A Implementação deste “consenso” é, na aparência, desprovida de conflitos. E, na

medida em que não existe um elemento concreto como um plano, que explicite o acordo

alcançado, o critério usado para a avaliação de seu resultado é: o “bom é o possível” ou,

em outras palavras, o bom é o que satisfaz a elite.

Page 195: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

190

O segundo modelo envolve a utilização de metodologias específicas de planejamento

como apoio ao processo decisório. É através delas que se realiza uma minuciosa definição

dos interesses, valores e objetivos de cada um dos atores (ou partidários) de interesses e

cursos de ação distintos. O plano funciona, então, como uma instância que se levada a

efeito de modo cabal obriga à explicitação de conflitos encobertos (segunda face do poder)

e latentes (terceira face do poder). Neste caso, existe um elemento concreto ─ o plano ─

que explicita o acordo alcançado. Em conseqüência, o critério usado para a avaliação do

resultado da política é a sua aderência aos objetivos planejados e aos impactos desejados:

o “bom é o que satisfaz o plano”.

Em termos do acompanhamento do processo de implementação da política, enquanto

o primeiro modelo permite apenas o monitoramento de alguns efeitos (impactos) da

política, o segundo contempla o monitoramento acerca do cumprimento das metas, prazos,

utilização de recursos etc.

Na segunda coluna, da Implementação, opõem-se os modelos bottom up e top down

que devem ser escolhidos pelo analista para proceder a sua análise. Esta escolha deve

dar-se em função de uma avaliação de conjunto que deve ser realizada acerca das

características que apresenta a política e, freqüentemente, inclusive porque ela é sempre

uma solução de contingência, de compromisso (situações mistas podem ocorrer) e por

aproximação, ela se modifica ao longo da análise.

Embora possa parecer óbvio, vale a lembrança: Neste caso, como no anterior ─ dos

modelos racional e incremental ─ e em tantos outros que se apresenta ao longo deste

capítulo, e que envolvem escolhas metodológicas, a opção do analista não deve dar-se em

função de qualquer consideração normativa. Trata-se de escolher um modelo descritivo;

isto é, que melhor descreva a realidade existente. Algo que represente, explique, o que é;

e não o que deve ser.

Os processos de Implementação de tipo top down possuem uma aparência mais

“organizada”, planejada, racional. Teoricamente, eles seriam a conseqüência, no plano da

implementação, da escolha do modelo racional para guiar (cuidado, não para analisar) o

processo de formulação. Como existe neste caso uma nítida separação entre o dois

momentos, a implementação só se inicia depois da formulação ter sido finalizada em todos

os seus detalhes pelos policy makers. Burocratas operando agências com hierarquias,

cadeias de comando, atribuições, atividades etc. bem definidas, sem superposições e

rigorosamente consignadas em manuais são, neste caso, a regra. Havendo ou não

Page 196: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

191

racionalidade no processo, o certo é que a existência de mecanismos de manipulação de

interesses associados à “terceira face do poder” são uma garantia da implementação de

processos tipo top down.

Por oposição, no caso dos processos de tipo bottom up são profissionais com

considerável poder de decisão sobre os assuntos-chave, de conformação da agenda, e

elevada discricionariedade, os que implementam a política. Um continuum formulação-

implementação é típico neste caso e as organizações envolvidas (ver item seguinte nesta

seção) possuem uma aparência e lógica de funcionamento totalmente distinta: muito mais

“frouxa e desorganizada”. É freqüente em processos deste tipo que conflitos encobertos no

momento da formulação, por impossibilidade ou inconveniência de que as decisões sejam

de fato tomadas, irrompam com toda a força durante a implementação.

A forma como os resultados, produtos e impactos são obtidos em cada caso, ao

longo da implementação, é compreensivelmente variada.

Por isso, na terceira coluna ─ momento da avaliação ─ sistematiza-se as duas

situações extremas, correspondentes, conforme se apontou, aos modelos incremental e

racional, respectivamente. No primeiro caso, do modelo incremental, uma vez que não

houve uma preocupação prévia em definir indicadores (metas etc.) que pudessem

mensurar os resultados alcançados, compará-los com os projetados, e assim avaliar em

que medida o processo de implementação foi bem sucedido, a avaliação só poderá ser

realizada, conforme apontado, através de um critério difuso, subjetivo, de satisfação dos

atores envolvidos. Critérios ex-post, exógenos ao processo, são então adotados de modo a

proceder ao que denominamos de avaliação ritualística, uma vez que ele é mais um

processo de legitimação, não raro manipulador e demagógico, do que uma avaliação

propriamente dita.

No caso do modelo racional, ocorre o oposto. Uma vez que indicadores adequados

foram definidos, e que critérios ex-ante, endógenos ao processo foram explicitamente

adotados, a verificação de consecução das metas, resultados e impactos esperados se dá

de modo transparente e inequívoco. Ao contrário do caso anterior, em que o parâmetro de

avaliação é o grau de satisfação das elites que dominam o processo de elaboração da

política desde a sua formulação, a avaliação pode ser realizada através da comparação

entre metas e resultados, conduzindo a mudanças significativas no próximo “ciclo da

elaboração de política”.

Page 197: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

192

6.10.4. Uma tipologia das organizações

É freqüente que a análise de uma política tenha que incluir a análise da

organização(ões) com ela envolvida(s). Isto ocorre não apenas porque as organizações

são unidades de análise mais suscetíveis de serem analisadas de maneira produtiva,

transcendendo as idiossincrasias e subjetividades deste ou daquele ator interveniente.

Como já ressaltado, elas são elementos centrais no processo de elaboração; são o lócus

onde ocorre o processo decisório e o principal agente responsável pela implementação das

políticas.

Como ressalta Elmore (1978): "Uma vez que, virtualmente, todas as políticas públicas

são executadas por grandes organizações públicas, somente através do entendimento de

como funcionam tais organizações é que se pode compreender como as políticas são

lapidadas em seu processo de implementação".

Embora não exista um procedimento padrão para proceder a sua análise, mesmo

porque a vertente da administração durante muito tempo considerou pouco relevante a

pergunta de “por que as organizações não funcionam como deveriam”, é possível

encontrar algumas pistas nas contribuições relativamente mais recentes à teoria das

organizações.

Uma importante contribuição neste sentido é a realizada por Elmore (1978),

apresentada sobre os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas. A

partir dela é possível caracterizar ─ a priori e tentativamente ─ as instituições que se

pretende analisar. De fato, uma boa providência para iniciar a análise de uma organização,

quando não se conta ainda com elementos suficientes para realizar um trabalho mais

focado, é tentar classificá-la num dos quatro modelos ou “casos ideais” em relação aos

quais o caso concreto que se está analisando pode ser considerado como um desvio.

O Quadro 6.10.4.1 apresentado a seguir, provocativamente denominado “Grade para

Identificação de Organizações”, fornece uma visão sintética da contribuição de Elmore

(1978). Trata-se de uma “matriz de dupla entrada” com dezesseis células construída a

partir da tipologia apresentada na seção acima indicada. Em conjunto com ela, o quadro

proporciona pistas de pesquisa que permitirão iniciar o trabalho de uma forma metódica,

através do uso das categorias do estudo das organizações. Seu objetivo é reforçar a

recomendação de que as categorias que sugere sejam usadas para iniciar um processo de

análise de uma organização qualquer.

Page 198: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

193

QUADRO 6.10.4.1: “GRADE PARA IDENTIFICAÇÃO” DE ORGANIZAÇÕES

6.10.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a Negociação

O debate em torno das “bondades” do planejamento tradicional vis-à-vis a negociação

é recorrente na literatura sobre o Planejamento e a Análise de Política. Como

freqüentemente costuma ocorrer, este debate situa-se muitas vezes sobre bases falsas,

imputando cada contendor ao outras posições que não correspondem à realidade. A tática

de “construir um espantalho para derrubá-lo mais facilmente” faz com que às vezes fique

difícil ao analista desvelar a realidade em meio à neblina ideológica que cerca debates

deste tipo.

O quadro abaixo procura ajudar o analista de políticas quando situado no extremo do

“fazedor de políticas” do espectro da elaboração da política mais do que naquele a que se

tem referido mais propriamente como da análise da política. Em outras palavras, ele é um

guia metodológico que dialoga com alguns dos capítulos deste documento (e não com as

demais seções deste capítulo) nas quais o analista se encontra tipicamente inserido numa

I Implementação como um sistema de gerenciamento

II Implementação como

um processo burocrático

III Implementação

como desenvolvimento organizacional

IV Implementação

como um processo de

conflito e barganha

Princípio Central -maximizadoras de valores -racionalidade: metas

-discricionariedade dos funcionários estabelecendo rotinas

-satisfação psico-social como objetivo -autonomia, participação e compromisso

-instituição como arena de conflito por poder e recursos

Distribuição de Poder

-controle hierárquico -top down

-fragmentado entre subunidades especializadas

-disperso: minimizar controle hierárquico e maximizar controle individual

-poder instável, dependente da capacidade de alavancar recursos e não da hierarquia

Formulação (decisão) de políticas organizacionais

-encontrar o ótimo teórico e mantê-lo

-controlar a discricionariedade para alterar incrementalmente as rotinas

-qualidade = F (sinergia entre grupos de trabalho efetivos) -consenso baseado em confiança e relacionamento interpessoal

-negociação permanente, não por metas mas para preservar mecanismo de alocação de recursos

Processo de implementação

-adequação do comportamento a valores e metas

-identificação dos pólos de poder para coibi-los e possibilitar a mudança

-acomodação entre formuladores (metas) e implementadores (autonomia)

-êxito: preservação da negociação

Page 199: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

194

estrutura de elaboração de políticas (ou de planejamento) no interior do aparelho de

Estado.

O Quadro 6.10.5.1 sistematiza as diferenças mais notáveis que apresenta um

processo de elaboração de política quando conduzido de acordo com o espartilho extremo

do

Planejamento Tradicional ou segundo o figurino ─ cuja aparência fashionable é

entretanto, às vezes ilusória e demagógica ─ da Negociação.

QUADRO 6.10.5.1: ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Elaboração de Políticas Públicas

PlanejamentoTradicional

CONCEPÇÃO

ELITISTA

Modelo

Explicativo

Causal

FORMULAÇÃOPROCESSO

DECISÓRIO

IMPLEMENTAÇÃO

CO

NT

INU

UM

POLICY:

valores

objetivos

meios

CONCEPÇÃO

PLURALISTA

Ajuste mútuo

entre partidários

Marco

Institucional

Normativo

INCREMENTALISMO

TOP DOWN

POLICY:

bom é o

possível

Poder

assimétrico

RACIONALISMO

autoritarismo ou participação?

tecnocracia ou transparência?

Agenda permeável

Conflitos abertos

democracia ou manipulação?

mudança ou status quo?

Agenda controlada

2a e 3a faces

do poder

Negociação

Poder

distribuído

Plano

FONTE: elaborado pelo autor.

Muitos dos conceitos e relações que nele aparecem são os utilizados no quadro

anterior e foram apresentados no decorrer do capítulo. Por esta razão, e adotando um

procedimento semelhante ao do item anterior, exploram-se os contrastes existentes entre

as situações (concepções e modelos) extremas normalmente assimiladas ao Planejamento

Tradicional e à Negociação.

O quadro pode então ser entendido como um conjunto de critérios auxiliares para a

decisão acerca de que cursos de ação deve tomar ─ Planejamento Tradicional ou

Negociação ─ na presença de situações extremas tendo como pressuposto o

compromisso inerente à postura normativa já referida, da melhoria do processo de

elaboração de política.

Assim, se o analista opera enquanto “fazedor de políticas” numa área de política

pública em que o ambiente político é semelhante ao tipificado à esquerda, em que o poder

Page 200: Curso de gestão estratégica pública renato dagnino 2009

195

é assimétrico ou se encontra concentrado, e a presença de mecanismos de manipulação

de interesses (segunda e terceira faces do poder) facultam um efetivo controle da agenda

de decisão, sua escolha metodológica deverá estar pautada:

- No que diz respeito à visão do Estado, pela concepção elitista e não pela pluralista;

- No que tange ao modelo do processo de decisão (neste caso normativo e não

descritivo), no racional e não no incremental;

- No que respeita ao auxílio ao processo de decisão, o analista deve procurar

construir um modelo explicativo causal da realidade observada que permita aos

tomadores de decisão uma visão adequada das conseqüências de suas preferências

e ações e não simplesmente aplicar o modelo normativo ou institucional já

consagrado e que tende quase que inexoravelmente à reprodução do status quo;

- Finalmente, e ainda no que concerne ao auxílio ao processo de decisão, o analista

deve esforçar-se para que seja estabelecido um compromisso explícito entre os

atores. Isto é, que seja concebido um plano o mais racionalmente detalhado possível

(em que não somente metas e resultados sejam definidos, mas que sejam

explicitados os valores e interesses dos atores intervenientes) e não confiar

simplesmente que o “ajuste mútuo de partidários” leve a uma solução que assegure a

melhoria das políticas.

Por oposição, se o ambiente político com o qual se defronta o analista enquanto

“fazedor de políticas” é semelhante ao tipificado à direita, sua opção metodológica deverá

ser a oposta em cada um dos planos de escolha acima indicados.

O estilo e atuação contracorrente, que aqui se recomenda ao analista “fazedor de

política”, parece ser o mais coerente com o ideal burocrático weberiano e com uma

proposição ideológica fundada em valores democráticos. Segundo ela, cabe aos

servidores públicos privilegiar a transparência, a participação, a desconcentração do poder,

a igualdade de direitos e oportunidades a todos os cidadãos em detrimento do

autoritarismo, do comportamento tecnocrático, da manutenção do status quo, e da

manipulação de interesses.

Finalmente cabe ressaltar que este estilo parece ser, ainda mais do que em outras

regiões, um objetivo a ser perseguido por aqueles que, na América Latina, percebem a

extrema concentração de poder econômico e político que entrava o nosso

desenvolvimento.

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196

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É urgente a necessidade de capacitar o gestor público para levar a cabo as tarefas

colocadas pela atual conformação das relações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser

construído. Fazê-lo através de um Curso de Especialização como este parece ser

essencial para fazer com que essas relações sejam capazes de promover o país mais

justo, igualitário e ambientalmente sustentável que todos desejamos.

Ajustar o aparelho de Estado visando a alterar essas relações Estado-Sociedade,

desde que respeitando as regras democráticas, é um direito legítimo de governos eleitos

com o compromisso de levar a cabo suas propostas. Assumir explicitamente essa intenção

não diferencia o atual governo de outros que ocuparam anteriormente o aparelho de

Estado. O que sim o faz é o fato de que ela esteja sendo buscada através de um

significativo esforço por aumentar quantitativa e qualitativamente a capacidade do corpo de

funcionários públicos para implementar as suas propostas.

Um Curso de Gestão Pública como o que aqui se discute parece ser uma condição

necessária, inclusive, para assegurar que as mudanças sejam realizadas de forma

competente, criteriosa, sem comprometer os êxitos anteriormente obtidos e com a máxima

aderência aos consensos que alcançou a sociedade brasileira de respeito à participação

cidadã, democrática e republicana de todos os seus integrantes.

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