Curso de História
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Anpuh Rio de Janeiro
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro – APERJ Praia de Botafogo, 480 – 2º andar - Rio de Janeiro – RJ
CEP 22250-040 Tel.: (21) 9317-5380
O curso de História da Universidade Federal de Viçosa: formação,
expectativas e prática de pesquisa e docência de alunos no magistério
fundamental e médio
Angelo Adriano Faria de Assis/ Universidade Federal de Viçosa
Congregando-se as instituições que lhe deram origem, a Universidade Federal de Viçosa
completa 80 anos em 2006. Foi implantada no ano de 1926, durante o governo do então Presidente
Arthur da Silva Bernardes, originário da região de Viçosa, na Zona da Mata Mineira. Assim, em agosto
daquele ano, era inaugurada a Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV). Os cursos
fundamental e médio iniciaram-se em agosto do ano seguinte e o curso superior de Agricultura em
março de 1928.
Já expandida, a ESAV seria o núcleo original da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais
(UREMG), criada em novembro de 1948, incorporando a Escola Superior de Agricultura, a Escola
Superior de Veterinária, a Escola Superior de Ciências Domésticas, a Escola de Especialização, o
Serviço de Experimentação e Pesquisa e o Serviço de Extensão. Durante o período da Ditadura Militar
no Brasil, a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais acabaria incorporada à Universidade
Federal de Viçosa pelo Decreto nº 64.825, de 15 de julho de 1969, data em que foi instituída a UFV,
pelo presidente Arthur da Costa e Silva.
Embora desde a sua criação ainda como escola de agricultura e veterinária a
ESAV/UREMG/UFV tenha atuado como instituição de destacado papel na área agrícola, tendo sido
pioneira na criação de programas e cursos de graduação e pós-graduação nestes campos de pesquisa,
nas últimas décadas a UFV tem passado por considerável transformação em suas áreas de oferecimento
de cursos. Desta forma, a universidade não é mais apenas uma instituição de ensino agrícola como
previa seu projeto original, mas uma instituição mais complexa, como pede seu papel de instituição
federal de ensino superior, abrangendo um número considerável de cursos em outras áreas, como as
ciências humanas – responsáveis estas, atualmente, pela maioria das entradas de discentes na UFV a
cada ano.
Todavia, o processo de expansão vivido pela universidade em direção a outras áreas das
ciências a torne cada vez menos uma instituição de caráter eminentemente agrícola, a UFV ainda é
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assim percebida por grande parte da própria comunidade acadêmica, aí incluídos alunos e professores,
e pelos moradores da micro-região de Viçosa, que convivem cotidianamente com a Instituição, direta
ou indiretamente. Para muitos, a Universidade continua sendo vista como espaço de desenvolvimento
de pesquisas técnicas no ramo agrícola, fato que dá-nos indícios dos problemas de relação e interação
entre a Universidade e a Sociedade a qual está vinculada, que desconhece sua atuação. Embora fique
localizada na região central da cidade – e seja, em muitos aspectos, ela própria o centro da vida sócio-
econômico-cultural de Viçosa – considerável parcela da comunidade não conhece ou interage com as
práticas e processos relativos à instituição nem se sentem de qualquer modo atingidos pelos programas
de interação social levados a cabo pela UFV.
Apesar da existência de uma certa tradição das Ciências Humanas ofertarem cursos há algumas décadas dentro da UFV, como é o caso dos cursos na área de Letras e Literatura, cursos que já possuem algumas décadas de funcionamento, a demanda pela formação de professores para atuação nos ensinos fundamental e médio em todos os campos da Ciência numa região carente de docentes efetivamente preparados e de instituições para a sua formação, aliada à necessidade de expansão no oferecimento de vagas do sistema universitário nacional, levaria à implementação de outros cursos de licenciatura, na tentativa de atender a esta carência.
Durante o período da ditadura militar (1964-1985) predominou no Brasil a abertura de cursos de Estudos Sociais em prejuízo de cursos tradicionais, como História, Geografia e Ciências Sociais, fruto do projeto de ordem política então vigente, mais preocupado em preparar o aluno para o mercado de trabalho que solicitava mão-de-obra mais especializada do que em formar um cidadão crítico, por motivos óbvios. A licenciatura em Estudos Sociais condensava áreas e visões de conhecimento distintas, comprometendo a formação de docentes e a qualidade do ensino de História, Geografia, Filosofia e Sociologia, que tinham seus conteúdos retalhados e minimizados, no intuito de descaracterizar sua especificidade crítica na formação do aluno e seu papel na transformação da realidade social vigente. A pequena oferta de vagas nas instituições públicas levou ao incentivo governamental no intuito de criação de cursos superiores pela iniciativa privada para atender à demanda nacional. Os cursos de Estudos Sociais eram oferecidos por instituições particulares que, muitas vezes, não contavam com acervo bibliográfico (é bom lembrar que, no período em questão, o mercado editorial para a área das ciências humanas era ainda bastante reduzido se comparado ao número de publicações que vigora a partir da década de 1990) e infra-estrutura de apoio condizentes. Como conseqüência desta política, percebe-se a desvalorização dos conhecimentos e habilidades específicos sobre o devir das ciências em questão, como memória, tempo, história, filosofia, sociedade e espaço no próprio processo de formação do aluno de nível superior e que desembocará – visto serem cursos de formação de professores – no comprometimento da qualidade do ensino médio e fundamental, evidenciadas nas recorrentes observações sobre o desinteresse e dificuldades de domínio sobre dessas áreas por considerável parcela de jovens e adultos que foram formados neste processo.
Neste sentido, cabe salientar que boa parte dos professores do ensino fundamental e médio, ligados à 33a Superintendência Regional de Ensino do Estado de Minas Gerais, localizada no município de Ponte Nova, que atuavam como professores de História e Geografia na década passada, possuíam licenciatura curta em Estudos Sociais, formados em instituições privadas de ensino superior. De acordo com dados da Superintendência de Ponte Nova, eles somavam cerca de 60% em meados da década de 1990, conforme recadastramento realizado à época.
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Com o fim dos cursos superiores de Estudos Sociais, estabelecido pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (Lei nº 9394/96) e, em conseqüência, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), as universidades públicas assumiriam um papel de referência na formação e capacitação de profissionais para o ensino fundamental e médio, da área de História, Geografia e Ciências Sociais, reacendendo a procura por cursos superiores nestas áreas e a necessidade do aumento do número de vagas tanto nas instituições públicas como privadas. Até cerca do ano 2000, a Universidade Federal de Viçosa contava com cursos de licenciatura em Biologia, Física, Matemática, Letras, Química, Pedagogia, Educação Física e Educação Infantil, porém, carecia de cursos de formação de professores de Geografia e História. É neste contexto que seriam criados estes cursos dentro da Instituição.
Em 2000, acompanhando o processo de expansão vivido pela Universidade nas áreas de atuação
em graduação e pós-graduação, seria aprovada a criação do curso de Licenciatura e Bacharelado em
História da Universidade Federal de Viçosa, com duração de quatro anos (oito semestres), e que
começaria a funcionar em 2001, com a entrada de 50 alunos por ano, sempre a partir do primeiro
semestre letivo. Atualmente, o curso conta com um quadro de seis professores efetivos, todos doutores
em História ou em áreas afins, e três professores substitutos (um doutor, uma doutoranda e uma
mestranda) e cerca de duzentos alunos matriculados. Em suas diretrizes curriculares, o curso propõe a
formação de profissionais de educação reflexivos, críticos e comprometidos com a inserção do ensino
de História no contexto social.
Além dos espaços e estruturas fundamentais para o funcionamento do curso (lotação departamental, área
de trabalho para os professores, salas de aula), outros espaços para o desenvolvimento de atividades de pesquisa
e ensino passaram a integrar o curso. Desde 2003 o Arquivo Histórico da UFV passou a ser gerido pelo Curso de
História. Seu acervo é formado por documentos produzidos pela instituição, desde a sua criação, na década de
1920, até o final do século XX. Em 2004, foi criado também o Laboratório Multimídia de Pesquisa Histórica,
localizado na Biblioteca Central, com um acervo composto por várias bases eletrônicas digitais de documentos e
de coleções de microfilmes de periódicos mineiros dos séculos XIX e XX. Recentemente, o Museu Histórico da
UFV, que contém fontes e documentos sobre a história da Instituição e de seus cursos, também passou para o
controle do Curso de História.
O Arquivo Histórico da UFV, o Laboratório Multimídia de Pesquisa Histórica e o Museu da UFV estão
mais diretamente ligados às atividades do bacharelado, embora também funcionem como suporte às pesquisas na
área do ensino. Um quarto espaço, este, voltado mais especificamente para o curso de Licenciatura é o
Laboratório de Ensino de História e Geografia, dotado de recursos didáticos e equipamentos, destinado às
atividades de prática de ensino e estágio supervisionado.
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Os alunos são oriundos não apenas da região em que está localizada a UFV, a Zona da Mata
Mineira, mas também de outras regiões de Minas Gerais e de outros estados da Federação, com
destaque para Espírito Santo e Bahia, devido à proximidade geográfica.
Entre os problemas enfrentados pelos cursos de graduação em História em todo o país e que
também seria problema quando do surgimento do curso da UFV está a discussão sobre o tipo de
profissional a ser formado: pesquisador, professor, professor-pesquisadori. Apesar de oferecer
formação em Licenciatura e Bacharelado, percebe-se uma certa preferência dos alunos em focar sua
formação na Licenciatura, e só depois voltar seus interesses para o Bacharelado. Fato não muito
comum dentro das Instituições Federais de Ensino Superior que, pela excelência dos professores e
pesquisadores que possuem, costumam servir de ponto de referência na pesquisa e formar um
contingente maior de pesquisadores, em contraste com as instituições particulares, que ainda são, em
boa parte, centros responsáveis pela formação mais de professores do que de pesquisadores. Alguns
alunos, inclusive, limitam-se à formação em Licenciatura, não completando o curso de Bacharelado.
Uma das explicações possíveis para este processo reside no fato de ser um curso relativamente novo,
ainda em processo de solidificação, com número reduzido de professores - embora todos desenvolvam
pesquisas individuais – e sem a existência, ainda, de um curso de pós-graduação que incentive o aluno
à prática mais presente da pesquisa. A aprovação de alunos formados no curso de História da UFV em
programas de pós-graduação em instituições de prestígio no país, como UFMG, UFRGS e UNICAMP,
por exemplo, além do interesse crescente dos alunos, desde os períodos iniciais do curso em participar
dos eventos de pesquisa e extensão dentro e fora da universidade – inclusive, com apresentação de
resultados finais ou parciais de suas pesquisas -, assim como o aumento do número de projetos de
pesquisa e de iniciação científica financiados pela própria instituição e pelas instituições oficiais de
fomento, como FAPEMIG, CAPES e CNPq são prova do aumento deste interesse em pesquisa em
relação direta com o processo de consolidação do curso.
Por outro lado, compreende-se ainda este processo pela relação direta entre a necessidade de
ingresso imediato no mercado de trabalho por parte dos alunos e carência de profissionais para atuação
nas escolas, seja na própria região da UFV, seja nos espaços de origem destes estudantes, que optam
pelo regresso às cidades natais de imediato após o término da licenciatura.
Outro ponto interessante é o fato de que, por ser uma cidade universitária – além da UFV,
Viçosa conta com outras instituições, particulares, que oferecem cursos em variadas áreas, atraindo
público principalmente das cidades circunvizinhas -, desenvolveu-se na cidade um grande número de
colégios e cursos preparatórios para o ingresso no vestibular, além de colégios e cursos preparatórios
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para o ingresso de alunos no Colégio de Aplicação da UFV, o COLUNI, considerado uma das melhores
instituições de Ensino Médio de Minas e do país. Por conta disto, criou-se um mercado para a mão de
obra formada em História na UFV para ocupar estes espaços docentes, proporcionando a muitos alunos
a possibilidade de iniciarem suas atividades como professores antes mesmo de haverem terminado seu
curso de graduação. O próprio colégio de aplicação, à guisa de exemplo, oferece um curso de pré-
vestibular comunitário voltado para as populações carentes que capta seus professores dentre os alunos
da UFV, que é o único curso superior de História da cidade. A seleção dos professores é feita através
de concurso, com banca de avaliação formada pelos professores do Colégio de Aplicação e do Curso de
História da UFV. A entrada de alunos no mercado de trabalho é ainda facilitada pelo fato do curso ser
noturno, o que permite que o aluno tenha tempo livre durante o dia para cumprir jornada de trabalho.
Expressivo contingente de alunos formados nas primeiras turmas do Curso de História ingressou no
magistério tanto fundamental quanto médio.
A culminância do processo de formação tanto na Licenciatura quanto no Bacharelado em
História na UFV, porém, envolvem a prática de pesquisa e ensino e a noção de inter-relação entre elas.
No Bacharelado, o aluno é obrigado a apresentar uma monografia de conclusão de curso, que passa por
processo de avaliação pública, através de banca composta por orientador e professores da área. Já na
Licenciatura, o aluno é levado a cumprir, nos últimos semestres letivos, a carga horária necessária de
Estágio Supervisionado, onde toma contato com a experiência em sala de aula e, sob a orientação de
professores, realiza experiência docente. Esta experiência é documentada e relatada através da
produção de um Trabalho Final de Licenciatura (TFL), espécie de “monografia da licenciatura” que o
aluno também é obrigado a apresentar ao término do curso, com divulgação pública dos resultados
através de evento específico dentro da própria universidade e aberto para o público em geral, inclusive
professores das escolas onde os estágios foram realizados. Outro fato que merece atenção é a
preocupação dispensada nas especificidades de formação do futuro professor de História e sua atuação.
Prova disto é a contratação por concurso público de professor para as disciplinas de Ensino de História
com formação em História e atuação comprovada em sala de aula nos ensinos fundamental e médio, e
não um profissional formado em Educação, como era mais comum até então. Com isto, objetiva-se que
o conhecimento da Ciência Histórica seja pensado a partir de um profissional com atuação em sala de
aula, possibilitando dividir e discutir a experiência de sua prática aos futuros professores.
Aos poucos, a entrada de profissionais formados em cursos de História, e não mais nos antigos
cursos de Estudos Sociais, vai possibilitando uma mudança no perfil do corpo docente nas regiões
atendidas por alunos egressos do curso de História da UFV e aumentando o teor crítico no ensino desta
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ciência. Da mesma forma, o relato destas experiências possibilita aos alunos mais novos uma reflexão
cada vez mais aprofundada sobre a formação do professor de História e da realidade de sua prática de
trabalho. Neste sentido, o professor deve estar capacitado para o trabalho do Historiador em todas as
suas dimensões, conforme estabelecem as Diretrizes Curriculares dos Cursos de História, com pleno
domínio do saber histórico e das práticas essenciais de sua produção e difusão, englobando ensino,
pesquisa e extensão como atividades indissociáveis e complementares na formação do profissional de
História completo, ou seja: Historiador, porque professor e pesquisador.
i MATTOS, Marcelo Badaró. “Experiências de Ex-alunos de História da UFF no Magistério de 1o e 2o Graus – Uma Abordagem Preliminar”. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro, vol. I, no 2, 1996, pp. 151-165.