CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA...

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SIMP.TCC/Sem.IC. 2019(17);1571-1577 CENTRO UNIVERSITÁRIO ICESP / ISSN: 2595-4210 1571 CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA EM CADELA - RELATO DE CASO HEPATIC INSUFFICIENCY IN BITCH - CASE REPORT Mayara Coelho Alvarenga Walescka Diniz de Moura Mirna Ribeiro Porto Resumo As doenças hepáticas podem ocorrer por qualquer distúrbio que provoque lesões em hepatócitos, colestase ou ambas, como ocorre na hipóxia, doenças metabólicas, intoxicação, inflamação, neoplasias, traumatismo mecânico ou obstrução de ducto biliar extra ou intra-hepático. O trabalho apresentado tem como objetivo relatar um caso de insuficiência hepática em uma cadela SRD, de aproximadamente 02 anos, apresentando sinais de insuficiência hepática e hipertensão portal. O animal acometido por essa enfermidade pode apresentar icterícia, encefalopatia hepática, ascite, hemorragia, palidez de mucosa, anomalia à palpação, ulceração gastrointestinal, colúria, poliúria e polidipsia. Os exames laboratoriais auxiliam no diagnóstico, apresentando anemia, hipoalbuminemia, eusinofilia, hipoproteinemia, leucocitose, ALT aumentada. Já na ultrassonografia, foi possível observar fígado com dimensões diminuídas, contorno irregular, parênquima homogêneo, normoecoico, arquitetura vascular preservada. O diagnóstico definitivo só pôde ser obtido, através da colheita de fragmento e análise histopatológica. Palavras-chave: Atrofia hepática, Cão, Hepatopatia, Hipóxia. Abstract Hepatic diseases may occur from any disorder that causes hepatocyte, cholestasis, or both, as occurs in hypoxia, metabolic diseases, intoxication, inflammation, neoplasms, mechanical trauma, or obstruction of the extra or intrahepatic bile duct. The objective of this study was to report a case of liver failure in a SRD bitch of approximately 2 years, presenting signs of hepatic insufficiency and portal hypertension. The animal affected by this disease may present jaundice, hepatic encephalopathy, ascites, hemorrhage, mucosal paleness, palpation anomaly, gastrointestinal ulceration, coluria, polyuria and polydipsia. Laboratory tests aid in the diagnosis presenting anemia, hypoalbuminemia, eusinophilia, hypoproteinemia, leukocytosis, increased ALT. On the ultrasonography, it was possible to observe liver with diminished dimensions, irregular contour, homogenous parenchyma, normoechoic and preserved vascular architecture. The definitive diagnosis could only be obtained whith biopsys and histopathological analysis. Key words: Hepatic atrophy, Dog, Hepatopathy, Hypoxia. Contato: [email protected]; [email protected]; [email protected] Introdução O fígado é um órgão com inúmeras funções metabólicas importantes para o organismo. As doenças que o acometem vão influenciar em quase todo o funcionamento corpóreo. A maior parte das hepatopatias em cães é crônica e sua manifestação, em geral, acontece quando aproximadamente 75% da função hepática já foram comprometidas (HOWES, 2011). De acordo com DYCE et al. (2004), o fígado fica localizado na parte mais cranial do abdômen entre o diafragma, o estômago e os segmentos intestinais, sendo que sua maior parte se localiza à direita do plano mediano, em todas as espécies. Em cães é divido em seis lobos: lobo direito, lobo esquerdo, ambos divididos em medial e lateral, lobo caudado que é divido em processo papilar do lobo caudado e processo caudado do lobo caudado e, por fim, temos o lobo quadrado. Apresenta coloração vermelho-acastanhada, é macio e de consistência friável é considerado a maior glândula do corpo, podendo equivaler de 3% a 5% do peso corporal (DYCE et al., 2004). As doenças hepáticas podem ocorrer por qualquer distúrbio que provoque lesões em hepatócitos, colestase ou ambas, como ocorre na hipóxia, doenças metabólicas, intoxicação, inflamação, neoplasias, traumatismo mecânico ou obstrução de ducto biliar extra ou intra-hepático. De forma geral, essa insuficiência resulta em algum tipo de doença hepática, sendo reconhecida pela impossibilidade do fígado de remover substâncias tóxicas e pela redução na produção de substâncias, geralmente metabolizadas pelo fígado. (KITAMURA, 2008). O fígado realiza diversas funções, incluindo: metabolismo da bilirrubina, metabolismo dos ácidos biliares, metabolismo dos carboidratos, metabolismo lipídico, metabolismo dos xenobióticos, síntese das proteínas e função imunológica (CULLEN & MacLACHLAN, 2001) É através da anamnese, exames físicos e exames clínicos que podemos suspeitar de uma Como citar esse artigo: Alvarenga MC, Moura WD, Porto MR. INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA EM CADELA - RELATO DE CASO. Anais do 17 Simpósio de TCC e 14 Seminário de IC do Centro Universitário ICESP. 2019(17); 1571-1577

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CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA EM CADELA - RELATO DE CASO HEPATIC INSUFFICIENCY IN BITCH - CASE REPORT

Mayara Coelho Alvarenga

Walescka Diniz de Moura Mirna Ribeiro Porto

Resumo As doenças hepáticas podem ocorrer por qualquer distúrbio que provoque lesões em hepatócitos, colestase ou ambas, como ocorre na hipóxia, doenças metabólicas, intoxicação, inflamação, neoplasias, traumatismo mecânico ou obstrução de ducto biliar extra ou intra-hepático. O trabalho apresentado tem como objetivo relatar um caso de insuficiência hepática em uma cadela SRD, de aproximadamente 02 anos, apresentando sinais de insuficiência hepática e hipertensão portal. O animal acometido por essa enfermidade pode apresentar icterícia, encefalopatia hepática, ascite, hemorragia, palidez de mucosa, anomalia à palpação, ulceração gastrointestinal, colúria, poliúria e polidipsia. Os exames laboratoriais auxiliam no diagnóstico, apresentando anemia, hipoalbuminemia, eusinofilia, hipoproteinemia, leucocitose, ALT aumentada. Já na ultrassonografia, foi possível observar fígado com dimensões diminuídas, contorno irregular, parênquima homogêneo, normoecoico, arquitetura vascular preservada. O diagnóstico definitivo só pôde ser obtido, através da colheita de fragmento e análise histopatológica. Palavras-chave: Atrofia hepática, Cão, Hepatopatia, Hipóxia. Abstract Hepatic diseases may occur from any disorder that causes hepatocyte, cholestasis, or both, as occurs in hypoxia, metabolic diseases, intoxication, inflammation, neoplasms, mechanical trauma, or obstruction of the extra or intrahepatic bile duct. The objective of this study was to report a case of liver failure in a SRD bitch of approximately 2 years, presenting signs of hepatic insufficiency and portal hypertension. The animal affected by this disease may present jaundice, hepatic encephalopathy, ascites, hemorrhage, mucosal paleness, palpation anomaly, gastrointestinal ulceration, coluria, polyuria and polydipsia. Laboratory tests aid in the diagnosis presenting anemia, hypoalbuminemia, eusinophilia, hypoproteinemia, leukocytosis, increased ALT. On the ultrasonography, it was possible to observe liver with diminished dimensions, irregular contour, homogenous parenchyma, normoechoic and preserved vascular architecture. The definitive diagnosis could only be obtained whith biopsys and histopathological analysis. Key words : Hepatic atrophy, Dog, Hepatopathy, Hypoxia. Contato: [email protected]; [email protected]; [email protected]

Introdução

O fígado é um órgão com inúmeras funções

metabólicas importantes para o organismo. As doenças

que o acometem vão influenciar em quase todo o

funcionamento corpóreo. A maior parte das

hepatopatias em cães é crônica e sua manifestação, em

geral, acontece quando aproximadamente 75% da

função hepática já foram comprometidas (HOWES,

2011).

De acordo com DYCE et al. (2004), o fígado

fica localizado na parte mais cranial do abdômen entre o

diafragma, o estômago e os segmentos intestinais, sendo

que sua maior parte se localiza à direita do plano

mediano, em todas as espécies. Em cães é divido em

seis lobos: lobo direito, lobo esquerdo, ambos divididos

em medial e lateral, lobo caudado que é divido em

processo papilar do lobo caudado e processo caudado do

lobo caudado e, por fim, temos o lobo quadrado.

Apresenta coloração vermelho-acastanhada, é macio e

de consistência friável é considerado a maior glândula

do corpo, podendo equivaler de 3% a 5% do peso

corporal (DYCE et al., 2004).

As doenças hepáticas podem ocorrer por

qualquer distúrbio que provoque lesões em hepatócitos,

colestase ou ambas, como ocorre na hipóxia, doenças

metabólicas, intoxicação, inflamação, neoplasias,

traumatismo mecânico ou obstrução de ducto biliar

extra ou intra-hepático. De forma geral, essa

insuficiência resulta em algum tipo de doença hepática,

sendo reconhecida pela impossibilidade do fígado de

remover substâncias tóxicas e pela redução na produção

de substâncias, geralmente metabolizadas pelo fígado.

(KITAMURA, 2008).

O fígado realiza diversas funções, incluindo:

metabolismo da bilirrubina, metabolismo dos ácidos

biliares, metabolismo dos carboidratos, metabolismo

lipídico, metabolismo dos xenobióticos, síntese das

proteínas e função imunológica (CULLEN &

MacLACHLAN, 2001)

É através da anamnese, exames físicos e

exames clínicos que podemos suspeitar de uma

Como citar esse artigo: Alvarenga MC, Moura WD, Porto MR. INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA EM CADELA - RELATO DE CASO. Anais do 17 Simpósio de TCC e 14 Seminário de IC do Centro Universitário ICESP. 2019(17); 1571-1577

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degeneração hepática, a qual irá se confirmar com

exames histopatológicos, podendo também se confirmar

através de sinais clínicos característicos como: icterícia,

encefalopatia hepática, ascite, hemorragias, palidez de

mucosa, anomalia à palpação, ulceração gastrointestinal,

colúria, poliúria e polidipsia. Sinais inespecíficos

(êmese, diarréia, anorexia, letargia e perda de peso)

podem ser levados em consideração (KITAMURA,

2008).

Exames complementares são necessários para

fechar um diagnóstico definitivo, tais como: ultrassom,

dosagem de enzimas hepáticas, urinálise, raios-x,

biopsia hepática, tomografia contrastada e outros

(KITAMURA, 2008).

O objetivo deste trabalho foi abordar aspectos

do quadro de desvio portossistêmico em uma cadela,

focando principalmente nos tratamentos clínicos e

cirúrgicos utilizados em seu caso, mostrar as diferentes

formas de apresentação da afecção, quais são os sinais

clínicos apresentados pela paciente e quais métodos

diagnósticos utilizados e os tratamentos recomendados.

Materiais e Métodos

Em dezembro de 2017, foi atendida em uma

clínica veterinária do Guará, uma cadela sem raça

definida (SRD), com aproximadamente um ano de

idade, cuja queixa principal era diarréia de cor

enegrecida.

Segundo o tutor, o animal estava com as

vacinas e vermífugo em dia, relatou também que

adquiriu o mesmo na feira dos importados, por meio de

adoção. Sendo criada solta em contato com os outros

animais da casa.

O animal foi internado por 03 dias com

suspeita de gastroenterite hemorrágica e continuou o

tratamento em casa. Um mês depois, o animal retornou

à clínica apresentando abdômen distendido, pela

presença de líquido translúcido (ascite). Foi requisitado

exames de sangue (Tabela 1) e exame de

ultrassonografia, com relato de que o fígado se

encontrava com dimensões diminuídas, contorno

irregular, parênquima homogêneo, normoecogénico e

arquitetura vascular preservada (Figura 1).

Figura 1. Fígado (ultrassonografia): dimensões diminuídas, contorno irregular, parênquima homogêneo, normoecogênico. Arquitetura vascular preservada. (Fonte: U.S VET Ultrassonografia Veterinária)

Devido à lesão, foi prescrito S-

adenosilmetionina (SAME - 320 mg/kg) e Silimaria

(280 mg/kg), a cada 24 horas, por 20 dias. Para

prevenção e tratamento de agressões tóxicas, infecciosas

e metabólicas dos hepatócitos.

Após esse tratamento, a efusão peritoneal

persistia, porém, as drenagens eram realizadas

mensalmente.

Em 23 de Agosto 2018, a cadela foi

encaminhada à Clínica Veterinária Escola do Centro

Universitário ICESP de Brasília, apresentando escore

corporal 2,5 (numa escala de 1 a 5), ascite severa,

mucosas (oral, ocular e vaginal) hipocoradas.

Hemograma completo e novo ultrassom foram

requisitados (Tabela 1). Foram drenados 06 litros de

líquido translúcido do abdômen, com presença de

proteína livre na análise microscópica.

Com base nos resultados, realizou-se

tomografia, onde foi observado espessamento,

formando estrutura irregular de caráter sólido e

expansivo, com baixa captação ao meio de contraste

venoso, medindo aproximadamente 2,3 cm x 2,5 cm x

6,1 cm, evidenciado em aspecto dorsolateral esquerdo

da cavidade mesogástrica abdominal, com sinais

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sugestivos de envolvimento da topografia de estruturas

adjacentes (linfonodos mesentéricos regionais,

vascularização regional, glândula adrenal esquerda,

polo cranial do rim esquerdo e pâncreas) (Figura 2).

Figura 2: Abdômen (tomografia): Espessamento hepático, formando estrutura irregular de caráter sólido e expansivo. Fonte: Diagnopet.

Diante do resultado, foi realizada uma

celiotomia exploratória pré-retro-umbilical e drenagem

de ascite com aproximadamente 03 litros. No

procedimento, observou-se fígado hipoplásico, pálido,

com áreas nodulares de 0,2 cm a 1,0 cm de diâmetro.

Havia inúmeras ramificações venosas

derivadas da cava abdominal; os vasos linfáticos

estavam espessados e muito evidentes; os linfonodos

mesentéricos e intestinais estavam aumentados; o

pâncreas e o omento apresentavam aspecto edematoso;

o baço estava pálido e com os vasos ingurgitados; o

músculo abdominal apresentava-se delgado (atrofiado).

Foram coletados fragmentos do linfonodo mesentérico

e do lobo hepático caudal direito.

Nos fragmentos coletados, foram observadas

áreas de degeneração vacuolar citoplasmática e núcleos

centralizados. À coloração ácido periódico de schiff

(PAS), os hepatócitos apresentavam-se tumefeitos, com

microvacúolos intracitoplasmáticos, não corados e,

preservação central dos núcleos. Essa degeneração

hidrópica era difusa, acometendo todas as regiões

acinares (peri-portal, médio-zonal e centro-lobular).

Não havia estase sanguínea (congestão) e nem

infiltrado inflamatório em todo fragmento analisado

(Figura 3).

Figura 3. Fígado (PAS): hepatócitos com microvacuolização pálida e núcleos centralizados. Degeneração hidrópica.

Após o procedimento cirúrgico, o animal

apresentou uma visível melhora com ganho de peso

satisfatório, voltando ao seu comportamento ativo. O

animal segue com uso contínuo de SAME (400

mg/SID), Silimaria (500mg/SID), Ursacol (150

mg/SID), Prednisolona (5 mg/BID) e Combiron

(120mg/SID).

No dia 23 de maio de 2019, o animal retornou

para consulta de rotina e foram pedidos exames

complementares, como: hemograma e bioquímico pré-

operatórios (Tabela 1).

Tabela 1. Exames de sangue (bioquímicos e hemograma) Coleta 1

03/03/18 Coleta 2 11/04/18

Coleta 3 14/06/19

Valores de referência

Creatinina (mg\dl)

-- 1,2 1,0 0,5-1,5

Uréia (mg\dl) -- 53 25 21-60 ALT \TGP (UI\L) 265 178 356 10-88 FA (UI\L) 170 107 104 20-156 Proteínas totais (g/dL)

-- 5,40 7,0 5,4-7,5

Albumina (g/dL) -- 2,82 3,27 2,6-3,3 Globulina (g/dL) -- 2,58 3,73 2,7-4,4 Hemácias (x10/ul)

6.8 5,90 7,1 5,5-8,5

Hemoglobina (g/dl)

14 12,40 14,5 12-18

VGM (%) -- -- 45 37-55 VCM (fl ) 58,68 66,10 63,38 60-70 CHCM (%) 35,09 31,79 32,22 31-36 PPT (g/dl) 4,8 5,6 6,0 6-8 Metarrubrícitos -- 0 0 0

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Leucócitos T (mm3)

16900 15,700 12,900 6-17 x103

Segmentados (ul) -- 12,246 10,836 3-11,5 x103

Linfócitos (ul) 2197 1,884 1,290 1-4,8 x103

Plaquetas (mil/ul) 186 96 148 150-500

Foi realizada ultrassonografia, observando-se

manutenção das alterações anteriores (hipoplasia

hepática). Diante deste resultado, foi marcado uma

nova celiotomia exploratória e

ováriosalpingohisterectomia (OSH), sendo realizadas

no dia 19 de Junho de 2019, onde foi visualizado o

fígado com uma hipoplasia bastante significativa, com

aspecto friável e um vaso bastante espessado (Figura

4), que ligava o fígado ao baço, nos levando a um

diagnóstico sugestivo de hipertensão portal. Foi

retirado novo fragmento hepático para biópsia.

Figura 4: Fígado com uma hipoplasia bastante significativa, com aspecto friável e um vaso bastante espessado.

Discussão

Com base no histórico do animal, nos

resultados laboratoriais e nos achados da celiotomia

exploratória, podemos dar um diagnóstico sugestivo de

hipertensão portal, causada por uma destruição

acentuada dos hepatócitos (cirrose) (TILLEY & SMITH

JR, 2015).

A hipertensão portal é considerada a

complicação clinica mais importante da cirrose, sendo

diretamente responsável pelo desenvolvimento de ascite

e desvios do sangue portal na circulação sistêmica

(MONTEIRO. 1998).

Para CULLEN & STALKER (2015); THEISE

(2016), a consequência clínica mais grave de uma lesão

hepática é a insuficiência hepática, que pode ser causada

por destruição hepática súbita. Com maior frequência, a

insuficiência hepática ocorre como desfecho de uma

lesão progressiva do fígado, seja por destruição

insidiosa de hepatócitos ou por ataques repetidos de

lesão ao parênquima hepático.

De acordo com TILLEY & SMITH JR (2015),

a cirrose é uma consequência da fibrinogenese crônica

combinada à tentativa de regeneração hepática, podendo

ser caracterizada pela formação de nódulos

regenerativos, redução da massa hepática e depósitos de

colágeno ao longo dos sinisóides e em torno das tríades

portais.

ZACHARIAS & McGAVIN (2015) citam a

declaração da OMS, que define cirrose como um

processo difuso, caracterizado por uma fibrose e

conversão da arquitetura hepática normal, tendo como

resultado final irreversível doença hepática, estando o

fígado em estágio terminal, onde sua marca é a ausência

de qualquer arquitetura lobular normal. Havendo perda

de parênquima hepático, o fígado apresenta distorcido

em nódulos regenerativos de variados tamanhos.

MARTINELLI (2004) define hipertensão

portal como a pressão portal como o aumento fluxo

sanguíneo portal ou aumento da resistência

vascular ou de ambos.

CULLEN & MACLACHLAN (2001)

ressaltam que somente lesões que afetam a maior parte

do parênquima hepático poderão produzir sinais de

insuficiência hepática, já que lesões focais raramente

destroem uma quantidade suficiente de parênquima para

sobrepujar as reservas do órgão.

JERICÓ et al. (2015) definiram hipertensão

portal como a complicação clínica mais importante da

cirrose, sendo diretamente responsável pelo

desenvolvimento da ascite e o desvio portossistêmico.

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A hipertensão pré-hepática, não sendo muito

comum, acontece quando o fluxo de sangue, através da

veia porta, é comprometido, antes de entrar no fígado. A

hipertensão portal intra-hepática ocorre pelo aumento da

resistência do fluxo sanguíneo para os sinusóides ou em

seu interior. A doença hepática crônica resulta

tipicamente em septos colagenosos em ponte, perda da

arquitetura lobular e formação de nódulos regenerativos

(ZACHARY & McGAVIN, 2013).

Já, a hipertensão portal pós-hepática é

incomum e incluem quaisquer anormalidades, que

levem ao aumento da resistência do fluxo venoso na

veia hepática ou cava adjacente (MAMPRIM et

al.2015).

Independente da causa, se a hipertensão portal

for persistente, podem originar derivações

portossistemicas adquiridas. Sendo essas derivações

numerosas e compostas por veias distendidas com

paredes finas, que podem se conectar às veias

mesentéricas e à cava caudal. A ascite é comum, em

condições de desvios adquiridos, causada pela

hipertensão portal associada (ZACHARY & McGAVIN,

2013).

SILVA (2005) relata que a hipertensão portal

intra-hepática seguida de cirrose leva ao aumento na

produção de linfa hepática com baixo teor de proteína

levando a formação de ascite.

De acordo com SILVA et al. (2013) a

hipertensão portal ocorre por aumento da resistência

vascular na veia porta e dilatação das veias esplâncnicas

nisso se desenvolve uma circulação adjacente para que o

fluxo sanguíneo alcance a veia cava superior. Esta

situação pode acompanhar doenças localizadas em

situações pré, intra ou pós-hepáticas. Com a intenção de

diminuir a pressão venosa aparecem dilatações das veias

levando a liberação de substâncias vasodilatadoras

como vasoconstritoras pelo endotélio que vão agir na

musculatura lisa vascular.

Seus sinais clínicos estão relacionados a

complicações decorrentes da hipertensão portal e

comprometimento da função hepática (ascite,

emagrecimento progressivo, ALT elevada,

hipoalbuminemia) (TILLEY & SMITH JR, 2015).

Para YAMAMOTO et.al (2014) a

hipoalbuminemia contribui para a ascite, pois seus

baixos níveis levam a uma diminuição na pressão

oncótica sanguínea, que leva ao acúmulo de líquido na

cavidade abdominal.

ZACHARY & McGAVIN (2013) definem a

ascite como um excesso de fluido na cavidade

peritoneal com causas inespecíficas. Para HOWES

(2011) a ascite é uma efusão abdominal com baixo a

moderado, conteúdo de proteínas e contagem de células.

Sendo normalmente relacionadas aos distúrbios de

origens hepáticas, cardiovasculares, entéricas ou

nefropatias.

TILLEY & SMITH JR (2015) definem ascite

como o escape de líquido para o interior da cavidade

abdominal, entre o peritônio parietal e visceral, e suas

causas podem ser insuficiência cardíaca congestiva,

depleção de proteínas, obstrução da veia cava ou veia

porta, efusão neoplásica, peritonite, desequilíbrio

eletrolítico e cirrose hepática.

O aumento da atividade da alanina

aminotransferase (ALT) se dá nos quadros de hepatites

agudas, neoplasias hepáticas primárias, processos

infecciosos, doenças hepáticas graves (cirrose) e

doenças vasculares (desvios portossistemicos), doenças

vacuolares ou degenerativas e congestão hepática.

(JERICÓ et al., 2015).

HOWES (2011) cita que os maiores aumentos

de ALT são observados na necrose hepatocelular aguda

e na inflamação. Também afirma que essa enzima não é

específica do fígado, estando presente em muitos

tecidos.

Para WANDERLEY (2016) A alanina-

aminotransferase (ALT) é uma enzima de

extravasamento livre no citoplasma dos hepatócitos e

especifica para cães e gatos. Seu aumento sérico indica

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uma lesão celular. Lesões na membrana permitem sua

passagem sem perda da função celular. ALT é

considerado o comum e o melhor para detecção da lesão

Conclusão:

Devido à gravidade da doença hepática, é

necessário que, além dos sinais clínicos, que podem

confundir com outros quadros, sejam realizados exames

laboratoriais, de imagem e biopsia hepática, para que se

alcance um provável diagnóstico.

A história clínica da paciente associada à

conduta terapêutica adotada neste caso demonstra uma

evolução positiva do quadro. O sucesso no tratamento

se deu, principalmente, pela precoce suspeita

diagnóstica, permitindo boa evolução do caso. A

continuidade do tratamento medicamentoso e o

monitoramento periódico da função hepática

demonstraram a eficácia da terapêutica instituída e os

bons resultados na saúde do animal.

Agradecimentos:

Agradecemos a Deus, às nossas famílias,

principalmente, às nossas mães, Olgney e Andréia, pela

vida e apoio incondicional. Também, agradecemos à

Professora Dra. Mirna Ribeiro Porto, pela paciência e

carinho.

Referências:

CULLEN, J. M.; MacLACHLAN, N. J. Liver, biliary system, and exocrine pancreas. In: McGAVIN, M. D.,

CARLTON, W. W., ZACHARY, J. F. Special Veterinary Pathology. Ed 3. ed. Missouri. p. 81-124. Mosby,

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HOWES, F. Hepatopatias crônicas em cães. Santa Maria. 2011. Dissertação em pós-graduação –

Faculdade Federal de Santa Maria – Centro de Ciências Rurais.

ZACHARY, J. F.; McGAVIN, M. D. Bases da patologia em veterinária. Rio de Janeiro, 2013

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KITAMURA, A. E. Perfis hematológico, hepático, lipídico e lipoprotéico de cães (Canis familiaris) com

doença hepática. Botucatu, 2008. Tese em doutorado - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia -

Universidade Estadual Paulista.

MAMPRIM R. S. M. J. Hipertensão portal em cães: fisiopatologia e diagnóstico 2015

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