Curso ECG 2011 - Dia 2

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Tema: Curso de Introdução à Electrocardiografia - - Taquiarritmias e Bradiarritmias Docente: Nuno Cortez-Dias Data: 20 de Março de 2011 Desgravado e corrigido por: Ana Rita Pereira Índice de Conteúdos TAQUIARRITMIAS ............................................................................................................. 2 Mecanismos gerais das taquiarritmias ......................................................................... 2 Estudo electrofisiológico............................................................................................... 6 Ritmo Sinusal/ Ritmo Não Sinusal................................................................................. 7 Fibrilhação auricular (FA) .............................................................................................. 8 Flutter auricular .......................................................................................................... 10 Taquicárdia Reentrante Nodal AV .............................................................................. 12 Taquicárdia reentrante aurículo-ventricular .............................................................. 14 Taquicárdia ventricular ............................................................................................... 18 Resumindo .................................................................................................................. 20 Exercícios de taquiarritmias ........................................................................................ 23 BRADIARRITMIAS ............................................................................................................ 29

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ECG 2

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Tema: Curso de Introdução à Electrocardiografia -

- Taquiarritmias e Bradiarritmias

Docente: Nuno Cortez-Dias

Data: 20 de Março de 2011

Desgravado e corrigido por: Ana Rita Pereira

Índice de Conteúdos

TAQUIARRITMIAS ............................................................................................................. 2

Mecanismos gerais das taquiarritmias ......................................................................... 2

Estudo electrofisiológico ............................................................................................... 6

Ritmo Sinusal/ Ritmo Não Sinusal................................................................................. 7

Fibrilhação auricular (FA) .............................................................................................. 8

Flutter auricular .......................................................................................................... 10

Taquicárdia Reentrante Nodal AV .............................................................................. 12

Taquicárdia reentrante aurículo-ventricular .............................................................. 14

Taquicárdia ventricular ............................................................................................... 18

Resumindo .................................................................................................................. 20

Exercícios de taquiarritmias ........................................................................................ 23

BRADIARRITMIAS ............................................................................................................ 29

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TAQUIARRITMIAS

Mecanismos gerais das taquiarritmias

1) Aumento do automatismo

2) Pós-despolarizações

3) Fenómenos de reentrada

Quando temos um estado de estimulação autonómico aumentado (aumento do

automatismo) podemos ter, para além de uma taquicárdia sinusal, um exacerbamento

dos fenómenos automáticos. As taquiarritmias condicionadas pela estimulação

adrenérgica (SNSimpático) são normalmente geradas por mecanismos automáticos.

Outra forma de aumentar o automatismo é quando existe isquémia miocárdica. Neste

contexto o tecido está na realidade contraído (isto é, despolarizado) uma vez que

ocorre libertação de cálcio durante a necrose. Logo, se o influxo de cálcio gera parcial

despolarização das células miocárdicas, pode conduzir a ocorrência de novos impulsos.

Portanto no contexto de isquémia temos frequentemente arritmias geradas por

mecanismo automáticos, pelo simples facto das células estarem já parcialmente

despolarizadas e por tal atingirem facilmente o limiar de activação que gera o novo

impulso.

As arritmias associadas a aumento do automatismo são as mais frequentes,

taquicárdia sinusal todos temos o direito a ter e extrassístoles auriculares e

ventriculares todos nós temos.

O segundo mecanismo das taquiarritmias é a pós-despolarização. Estas arritmias não

são muito frequentes mas quando ocorrem são frequentemente fatais.

Podemos ter dois tipos de pós-despolarizações (isto é, uma despolarização cardíaca

normal e depois ocorrer uma nova gerada espontaneamente pela célula e que é

consequência da despolarização inicial): precoces (aquela que se inicia antes do

término do potencial de acção e está associada a bradicárdia) ou tardias (aquela que

ocorre após do término do potencial de acção e se associa a taquicárdia).

Na síndrome do QT longo (que surge sobretudo no contexto de bradicárdia) existe um

problema que conduz a que o potencial de acção tenha uma duração aumentada

relativamente ao normal e a célula chega a um momento em que pode gerar um novo

impulso espontaneamente.

Anomalias na formação de impulsos

Anomalias na condução de impulsos

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As pós-despolarizações precoces ocorrem por exemplo no contexto de síndrome do QT

longo. No entanto é necessário que a frequência cardíaca sinusal fique

suficientemente baixa para que ocorram as condições que facilitam a manifestação de

arritmia (daí que em caso de taquicárdia não se manifestem as arritmias relacionadas

com pós-despolarizações precoces).

Se houver um batimento gerado por uma pós-despolarização num certo local do

coração (exemplo início no ponto A) que progride ao longo das células (de A para B, de

B para C, de C para D, etc) gerando-se nessas células pós-despolarizações, o eixo

eléctrico cardíaco muda em cada batimento, então isso gera um traçado

electrocardiográfico de uma taquicárdia ventricular (TV) tipo concertina, chama-se a

isto TV Polimórfica Torsade de Pointes (isto no contexto de pós-despolarizações

precoces).

Em relação às pós-despolarizações tardias podemos ter, por exemplo, mutações nos

canais de cálcio da membrana que facilitam a entrada de uma corrente de cálcio mais

abundante do que seria normal, se a isto se juntar uma estimulação catecolaminérgica

(que ocorre por exemplo quando corremos, aumentando a nossa frequência cardíaca -

taquicárdia) que também aumenta a entrada de cálcio nas células, vamos ter pelo

conjunto das duas situações correntes de cálcio de tal forma vigorosas que podem

tornar-se elas próprias automáticas, gerando-se assim pós-despolarizações tardias.

Se QT + longo

Eixo eléctrico

cardíaco

TV Polimórfica Torsade de Pointes

Pós-despolarizações

precoces

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Se estas pós-depolarizações atingirem um determinado limiar gera-se um novo

potencial de acção com resposta de tudo ou nada, senão fica como está no esquema.

Para além das ditas mutações congénitas, podemos ter ainda influxo excessivo de

cálcio como resultado de isquémia, provocando arritmias também por este

mecanismo.

As condições predisponentes (como as mutações dos canais de cálcio ou QT longos)

não são normalmente suficientes para deflagrar estas arritmias, será necessário que

chegue uma determinada frequência cardíaca (taquicárdia no primeiro caso ou

bradicárdia no segundo caso) para que se gere a taquiarritmia.

O terceiro mecanismo desenvolve-se através de fenómenos de reentrada. As arritmias

mais frequentes são geradas pelo aumento do automatismo mas essas são

habitualmente clinicamente irrelevantes, as arritmias clinicamente mais relevantes são

mais frequentemente causadas por fenómenos de reentrada.

Um conceito importante a reter é que as fibras musculares cardíacas não são

homogéneas e exibem diferentes velocidades de condução conforme o impulso tente

passar ao longo do eixo longitudinal da célula ou no sentido transversal.

Portanto se temos uma superfície endocárdica que é muito irregular, vamos ter fibras

quer longitudinais quer transversais. Se o estímulo tiver uma origem tal que encontre

estas fibras em sentidos diferentes, ele vai propagar-se mais rapidamente por umas

fibras do que pelas outras.

Outro conceito importante é se tivermos lesão tecidular. Como vimos esta lesão vai

sofrer reparação com formação de tecido fibroso, que é mau condutor. Ou seja, nas

Entrada vigorosa

de cálcio

Influxo de mais cálcio

devido à mutação da

membrana

Pós-despolarizações

tardias

+ lento

+ rápido

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zonas onde existe fibrose o impulso tem de passar pelas poucas células viáveis que

existam para prosseguir, já que o tecido fibrótico não conduz bem.

Logo, zonas de tecido próximas podem ter velocidades de condução diferentes, quer

seja como consequência fisiológica normal (sentido das fibras) ou como consequência

patológica (fibrose). Chamamos a isto anisotropismo.

Para que consigamos ter um fenómeno de reentrada precisamos de várias coisas em

simultâneo:

Bloqueio anatómico ou funcional à passagem do impulso (significando que o

impulso pode passar por um de dois caminhos)

Necessário que um dos circuitos tenha um bloqueio unidireccional

Necessário que o impulso que segue por um dos circuitos consiga atingir o

ponto inicial do trajecto no momento em que estas células já estejam fora do

período refractário efectivo, porque senão não consegue reentrar

Fenómeno de reentrada

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Se tivermos uma zona de tecido que conduz muito devagar e por outro lado tivermos

uma zona de tecido que conduz normalmente, o impulso vai passar por um caminho

(direita) muito devagar e pelo outro caminho (esquerda) rapidamente. Se passa

rapidamente pela esquerda pode chegar à zona distal do circuito antes que o impulso

que vinha da direita o ter atingindo também. Se assim for, vai estimular as células mais

distais que não tinham sido ainda estimuladas e vai reentrar no circuito. Isto é um ciclo

vicioso de estimulação a que se chama fenómeno de reentrada.

Estudo electrofisiológico

O estudo electrofisiológico e a electrofisiologia cardíaca dizem respeito a actividade de

algumas pessoas que tentam curar as pessoas que têm estas arritmias. Nós hoje temos

a possibilidade de curar, em 20 a 30 minutos, e não apenas tratar.

Temos apenas de ter a certeza do mecanismo da arritmia, da arrtimia que está em

questão e do sítio onde está o problema, modificando-o.

Recolhemos a informação sobre o que se passa no coração através de

electrocateteres, que são colocados pela veia femoral, estes têm formas que os

permitem dirigir especificamente para determinadas regiões do coração. Inserimos os

electrocateteres então nas cavidades cardíacas e posicionamo-los em sítios alvo. No

exemplo abaixo temos um electrocateter posicionado no feixe de His, outro

posicionado no seio coronário e outro no ápex do ventrículo direito. Obtemos com isto

electrogramas intracardíacos, onde conseguimos determinar a actividade eléctrica

especificamente do milímetro que está em contacto com a ponta do eléctrodo. Temos

assim um detalhe incomparavelmente maior, dizendo-nos onde está especificamente

o problema, permitindo-nos providenciar o tratamento mais adequado para cada caso.

Sala de electrofisiologia e electrocateteres

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Em suma, o estudo electrofisiológico permite assim uma avaliação invasiva do sistema

eléctrico de condução cardíaco (génese e propagação do potencial de acção cardíaco),

indução e término de taquidisrritmias e ainda terapêutica de ablação por

radiofrequência.

Ritmo Sinusal/ Ritmo Não Sinusal

Para sabermos se o ritmo é sinusal temos de responder às quatro perguntas da

mnemónica PQRS.

Electrogramas

intracardíacos

(P-WPW)

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Se a resposta às quatro perguntas for afirmativa o ritmo será sinusal e em função da

frequência cardíaca classificamos em ritmo sinusal normal, bradicárdia sinusal (se for

abaixo de 50bpm), taquicárdia sinusal (se for acima de 100bpm) ou arritmia sinusal (se

for sinusal mas tiver variação respiratória).

Se a resposta às quatro perguntas (particularmente à pergunta 1, 3 e 4) for negativa

então o ritmo será não sinusal. Depois conforme a frequência cardíaca poderemos ter

taquiarritmias ou bradiarritmias.

Fibrilhação auricular (FA)

A FA electrocardiograficamente apresenta-se com ritmo irregularmente irregular e

com ausência de Ondas P definidas, ao invés disso existem sim flutuações de base

(visíveis em DIII).

A frequência cardíaca é variável, podendo existir resposta ventricular lenta (<50/min),

controlada (50-100/min) ou rápida (>100/min).

É a arritmia mais frequente e a sua prevalência aumenta com a idade.

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Etiologicamente poderá ser devido a factores anatómicos (dilatação auricular, fibrose

degenerativa auricular), funcionais (sobrecarga auricular causada por hipertiroidismo)

ou ainda predisposição disrítmica (menos frequente, focos ectópicos nas veias

pulmonares).

Relativamente à fisiopatologia podemos ter:

Substrato Disrítmico

o Alteração da formação dos impulsos (actividade arritmogénica rápida,

repetitiva)

o Alteração da velocidade de condução (fibrose)

o Dispersão período refractário auricular (isquémia, alteração do tónus

autonómico)

Fenómenos Iniciadores

Fenómenos de Perpetuação

o Remodeling cardíaco eléctrico e anatómico

Temos vários tipos de fibrilhação auricular, que vão desde a simples FA eléctrica (cujo

coração está saudável) até à FA permanente (cujas aurículas estão dilatadas).

O importante a reter é que é um erro dar antiarrítmicos a doentes com FA

permanente, devido à frequente toxicidade tiroideia e à toxicidade pulmonar fibrosa

pouco frequente mas quase sempre fatal. O que devemos dar são fármacos que

prolonguem o período refractário do nódulo aurículo-ventricular, controlando assim a

frequência ventricular (β-bloqueantes, digitálicos ou antagonistas dos canais de cálcio)

e anticoagulantes orais crónicos, como a varfarina, para prevenção das complicações

tromboembólicas.

Mas se o indivíduo não tiver uma aurícula dilatada, ou seja, se não tiver uma FA

permanente, vamos tentar reverter o ritmo a ritmo sinusal. Para isso podemos usar

fundamentalmente duas estratégias: fármacos antiarrítmicos ou proceder à ablação da

fibrilhação auricular. Nós sabemos que os fármacos antiarrítmicos são muito pouco

eficazes, ou seja, quando os administramos temos uma probabilidade de conseguir

converter a ritmo sinusal na ordem dos 70% mas a probabilidade de se manter em

ritmo sinusal ao longo do tempo é diminuta, por exemplo, aos nove meses é de apenas

25%. Isto significa que dando fármacos antiarrítmicos não vamos ser eficazes porque

os doentes vão continuar a ter frequências de fibrilhação auricular, umas sintomáticas,

outras assintomáticas. Logo se as estratégias farmacológicas são pouco eficazes faz

sentido pensarmos nas não farmacológicas, sendo aqui que entra a ablação da

fibrilhação auricular, que é tanto mais eficaz quanto mais precocemente for realizada,

podendo curar estes doentes.

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Nota: a veia pulmonar esquerda superior é onde ocorrem mais frequentemente

extrassístoles.

Flutter auricular

É uma arritmia do ponto de vista fisiopatológico de circuito de reentrada (na aurícula

direita ao nível do istmo cava-tricúspide).

Não temos Ondas P uma vez que não temos actividade sinusal, o que temos é

actividade de despolarização auricular gerada pelo fenómeno de reentrada. Esta

actividade manifesta-se no ECG pelas Ondas F (ondas do flutter) cuja frequência está

na ordem dos 300 por minuto. A frequência das Ondas F é relativamente constante

uma vez que o fenómeno de reentrada está sempre no mesmo circuito, que envolve a

aurícula direita, e as dimensões da aurícula direita são relativamente comparáveis

entre indivíduos, logo o tempo que demora a percorrer uma circunferência da aurícula

direita gera uma frequência de 300/min, sendo essa a razão pela qual em regra a

frequência das ondas F é de 300/min.

Então falta explicar o porquê da frequência cardíaca ser de 150bpm e não de 300bpm.

Porque o nódulo aurículo-ventricular tem duas funções principais: a primeira é garantir

que as aurículas e os ventrículos não contraiam em simultâneo, a segunda é garantir

que a frequência cardíaca nunca atinja valores que impossibilitam o enchimento

ventricular. Então o que acontece é que se a frequência auricular exceder aquilo que é

fisiologicamente expectável para a frequência ventricular, a duração do período

refractário efectivo no nódulo AV passa a ser suficientemente longo para impedir que

essas frequências se transmitam, o período refractário do nódulo AV é inversamente

proporcional à frequência com que foi estimulado, ou seja, se a frequência cardíaca for

muito lenta temos um período refractário suficientemente curto porque acha que a

frequência cardíaca está abaixo do limiar, mas se começarmos a estimular com

frequências cardíacas mais altas o nódulo AV vai prolongando o seu período

refractário. O nódulo AV vai assim impedir que a frequência cardíaca atinja 300bpm e

portanto na realidade só conduz uma em cada duas Ondas F e é por isso que a

frequência cardíaca é de 150bpm.

em sentido anti-horário

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Ninguém sabe ainda porquê, mas o nódulo AV conduz em múltiplos de dois, isto é, se

dermos fármacos para bloquear este nódulo ele vai passar de 2:1 (frequência de

150bpm) para 4:1 (frequência de 75bpm).

Logicamente não podemos administrar fármacos a estes doentes que encurtem o

período refractário do nódulo AV.

Se um doente só tem flutter auricular o tratamento é um tratamento

electrofisiológico, não faz sentido estar a expor o doente a fármacos para controlar

uma arritmia com riscos de toxicidade frequentes, quando podemos tratar

electrofisiologicamente com riscos baixíssimos. Como o circuito passa sempre no istmo

veia cava inferior-tricúspide basta fazer uma ablação com energia de radiofrequência a

este nível, interrompendo assim o circuito de reentrada.

O flutter auricular manifesta-se então electrocardiograficamente pela ocorrência de

Onda F em dente de serra com frequência de 300/min melhor identificadas nas

derivações inferiores. O ritmo é geralmente regular porque a condução se faz com um

bloqueio relativamente estável de 2:1 ou 4:1. O ritmo pode ser no entanto irregular se

a condução for variável. Os QRS são estreitos.

As Ondas F nas derivações inferiores são habitualmente negativas porque o circuito se

faz normalmente de baixo para cima (sentido anti-horário). Se o circuito rodar no

sentido inverso (sentido horário) passamos a ter ondas positivas.

Ablação VCI-Tricúspide Circuito de reentrada

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O electrocardiograma pode ser muitas vezes de difícil interpretação. Se a frequência

cardíaca for de 150bpm precisamos de muita atenção para ver as Ondas F. O sítio onde

melhor se encontram as Ondas F é no segmento ST, próximo do ponto J. Então

pegamos numa folha de papel e marcamos aquilo que poderiam ser duas Ondas F

consecutivas, avançamos um e tem de bater certo, numa frequência de

aproximadamente 300/min. Ou seja, muitas vezes só chegamos ao diagnóstico porque

ao ver a frequência cardíaca pensámos que poderia ser um flutter.

Se ainda assim restarem dúvidas se é ou não um flutter, pegamos no estetoscópio e

auscultamos a carótida do doente para garantir que não existem sopros carotídeos.

Seguidamente monitorizamos o ECG enquanto fazemos massagem do seio carotídeo

(não menos de 30 segundos). Ao fazer a massagem aumentamos o tónus do sistema

nervoso parassimpático, aumentando assim a duração do período refractário e

portanto aumentamos o grau de bloqueio (2:1 para 4:1).

Passando agora para as taquicárdias, do ponto de vista electrofisiológico diferentes

arritmias manifestam-se na forma de taquicárdia paroxística supra-ventricular,

nomeadamente a taquicárdia reentrante nodal AV e a taquicárdia reentrante aurículo-

ventricular.

Taquicárdia Reentrante Nodal AV

Electrocardiograficamente caracteriza-se por uma taquicárdia regular com complexos

QRS estreitos não precedidos por Onda P (ou seja, não é taquicárdia sinusal), a Onda P

não é de todo evidente ou então surge na forma de uma Onda P retrógrada enxertada

no final do QRS (exemplo: r’ em V1 apenas durante a taquicárdia) e tem uma

apresentação paroxística, deflagrada por sístole prematura.

Esta representa 60% das taquicárdias supra-ventriculares.

O doente típico é um indivíduo jovem ou de meia-idade sem cardiopatia estrutural,

predominantemente do sexo feminino.

Clinicamente apresenta-se com episódios de taquicárdia regular tanto de início como

de término súbito, daí é chamada de taquicárdia paroxística supra-ventricular.

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Erradamente tendemos a pensar que o nódulo AV é uma estrutura compacta,

capsulada, bem definida, que se continua pelo feixe de His, mas na realidade, do ponto

de vista histológico, não é isso que sucede. O que acontece é que nesta região, junção

aurículo-ventricular, existe um conglomerado relativamente difuso de células de tecido

cardionector que convergem de uma zona mais compacta e essa zona mais compacta

continua-se pelo feixe de His. Portanto tudo isto é do ponto de vista histológico mais

difuso, o nódulo não é bem um nódulo, é uma convergência de fibras de tecido

cardionector e essas fibras têm propriedades de condução heterogénias. Temos fibras

que conduzem mais rapidamente e outras que conduzem de forma mais lenta. A

velocidade a que as fibras conduzem é inversamente proporcional ao seu período

refractário, ou seja, as fibras que conduzem mais rápido têm períodos refractários

mais longos, as fibras que conduzem de uma forma mais lenta têm períodos

refractários mais curtos. Por isso, as propriedades de condução destas aferências para

o nódulo AV são heterogénias e do ponto de vista fisiológico podem-se comportar

como se de dois tipos de condução se tratasse, uma via de condução rápida e uma via

de condução lenta. A existência destes dois tipos de aferências, rápidas e lentas,

designa-se dupla fisiologia de condução local.

Cerca de 40% das pessoas tem este fenómeno de dupla fisiologia de condução local e,

entre elas, nalgumas se ocorrer uma extrassístole suficientemente precoce pode

ocorrer reentrada nodal.

A aferência lenta aparece mais frequentemente no triângulo de koch (entre o seio

coronário e a válvula da tricúspide). O que acontece é que o impulso que vem do

nódulo sinusal chega à aferência rápida e chega à aferência lenta. Como demora mais

tempo a passar pela aferência lenta, quando chega ao nódulo AV ele já foi estimulado

pela aferência rápida e portanto a condução pela aferência lenta é ineficaz. Mas se

ocorrer uma extrassístole muito precoce ela pode atingir a aferência lenta num

momento em que ela já está fora do seu período refractário (uma vez que é mais curto

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do que o período refractário da aferência rápida) e reentra no circuito inverso.

Passamos a ter um circuito de reentrada que ocorre no interior do nódulo AV em que o

impulso segue pela via lenta para o ventrículo e é conduzido retrogradamente à

aurícula pela via rápida. Por tal diz-se que é uma taquicárdia de reentrada nodal AV.

Se a condução à aurícula se faz a partir do nódulo o impulso será visto de baixo para

cima e portanto a Onda P será invertida. Como a estimulação à aurícula está a

acontecer ao mesmo tempo que está a haver condução para o ventrículo a Onda P

pode não se ver e pode ficar obscurecida dentro do QRS ou então ela surge

imediatamente no término do QRS na forma do r’ em V1.

Nestes casos o doente pode ser curado se fizermos a ablação da via lenta do nódulo

AV, deixando de haver a possibilidade de reentrada, com uma taxa de sucesso-cura de

98%.

Taquicárdia reentrante aurículo-ventricular

Em condições normais o coração não é um sincício único, mas sim, dois sincícios

funcionais (auricular e ventricular) separados por um septo de tecido conjuntivo. Se

existirem falências nesse septo de tecido conjuntivo o miocárdio auricular contacta

com o miocárdio ventricular e o impulso pode seguir acessoriamente por esse trajecto,

tanto em sentido ascendente como descendente. Portanto podemos ter vários tipos

de arritmias, tal como vários tipos de consequências, conforme a via acessória.

Por exemplo, imaginando que temos uma via acessória localizada na região lateral do

ventrículo direito (1), o impulso atinge a via acessória praticamente ao mesmo tempo

que atinge o nódulo AV. Ao invés, se a via estiver muito distante do nódulo sinusal (2),

o impulso chega primeiro ao nódulo AV do que chega à via e portanto a possibilidade

de pré-excitação é muito menor, a via está lá mas a pré-excitação é reduzida ou pode

ser mesmo inexistente, porque a via pode existir mas o impulso pode já ter passado

pelo nódulo AV e excitado todo o ventrículo e portanto nem sequer se chegar a notar

no ECG a presença da via. Ou seja, a presença ou não de pré-excitação em repouso

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dependerá da distância entre a via acessória e o nódulo sinusal, dependerá da

velocidade de condução da própria via (a via 1, apesar de próxima do nódulo sinusal,

também poderá gerar pouca pré-excitação se a condução for muito lenta, fazendo com

que a via normal chegue primeiro ao nódulo AV) e depende do período refractário da

própria via (se for muito longo o impulso pode chegar à via mas não ser conduzido).

Portanto as vias poderão ter ou não tradução electrocardiográfica em repouso.

Podemos ter vias manifestas (se tiverem tradução em repouso), essas são as vias que

constituem a Síndrome de Wolff-Parkinson-White, ou podemos ter vias ocultas (sem

tradução em repouso). Em ambos os casos podem ocorrer arritmias, porque a via pode

estar oculta em repouso mas ser capaz de conduzir se o impulso não tiver origem no

nódulo sinusal, mas sim noutra localização, como por exemplo a extrassístole

representada no esquema com o número 3. A extrassístole representada em 3 chega

muito rápido à via acessória 2, originando manifestações.

Então, em repouso, se a via for manifesta, manifestar-se-á como Síndrome de Wolff-

Parkinson-White (SWPW). Para tal precisamos da associação de três coisas:

1. Intervalo PQ curto

2. Complexo QRS alargado (à custa da Onda Delta inicial,

isto é, o QRS é normal, mas soma-se uma Onda Delta

inicial parecendo que o complexo QRS está alargado)

3. Onda Delta no início do QRS

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Na SWPW o septo fibroso aurículo-ventricular pode ter defeitos a vários níveis, sendo

os mais frequentes na parede livre do ventrículo esquerdo (50-60% dos casos), depois

na parede livre do ventrículo direito (10-20% dos casos) e menos frequente no próprio

septo aurículo-ventricular.

Com base nas características electrocardiográficas da Onda Delta é possível prever

onde é a localização mais provável da via acessória.

A presença da via acessória, manifesta ou oculta, pode suscitar a ocorrência de

diferentes tipos de arritmia, sendo elas:

Em relação à taquicárdia reentrante AV ortodrómica pode

ocorrer tanto nas vias manifestas como nas vias ocultas.

Chamamos taquicárdia reentrante AV a uma reentrada que usa

reacções do seu circuito, neste caso a aurícula, o ventrículo e a

via acessória, ou seja, o impulso segue do nódulo sinusal para o

nódulo AV, pode descer pelo sistema de Purkinje e subir pela via

acessória dando reentrada no circuito, isto é habitualmente

precipitado por extrassístoles particularmente ventriculares.

Chamamos ortodrómica porque a estimulação do ventrículo

está na dependência do próprio sistema de Purkinje, ou seja, a

Vias acessórias

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estimulação ventricular processa-se como normalmente, logo os QRS são estreitos. A

estimulação auricular é que se dá por via retrógrada. Esta é a arritmia mais frequente.

Menos frequentemente temos taquicárdia reentrante AV

antidrómica. É antidrómica porque a estimulação ventricular

em vez de se fazer na dependência do sistema de Purkinje,

faz-se através da via acessória e portanto dará QRS alargados

(condução célula a célula).

Atenção, a TRAV antidrómica é rara! Por isso, quando

observarmos uma taquicárdia com QRS alargados essa não é

a nossa primeira hipótese, é na realidade a última. Até prova

contrário uma taquicárdia com complexos QRS alargados

deve ser encarada como taquicárdia ventricular.

Taquicárdia regular com

complexos QRS estreitos

não precedidos por onda P

Onda P invertidas

(estimulação de baixo para

cima) que surgem mais

tardiamente (estimulação

auricular só surge depois

de fazer um determinado

trajecto no ventrículo)

Apresentação paroxística,

deflagrada por sístole

prematura.

Taquicárdia regular

com complexos QRS

alargados

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Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 18 de 33

Agora imaginando que um doente nasce com uma via acessória, faz a sua vida

normalmente, mas um dia, em consequência de exercício físico intenso faz uma

fibrilhação auricular. Se isso acontecer a sua aurícula passa a ser percorrida nesse

instante por dezenas de ondas caóticas de fibrilhação. Vimos que em indivíduos

normais a frequência ventricular nunca vai atingir valores superiores ao fisiológico

porque o nódulo AV impede que tal aconteça, mas a via acessória não tem essa

propriedade, tem sim uma condução que é apenas dependente do período refractário

(período refractário esse que é muito mais curto do que o período refractário do

nódulo AV). Portanto a frequência cardíaca no decurso da fibrilhação auricular em

indivíduos com via acessória é excessivamente alta e incompatível com a vida, isto é,

se tiver uma via acessória e desenvolver fibrilhação auricular essa pessoa morre.

Para estas arritmias resultantes da existência de uma via acessória só há um

tratamento, que é o estudo electrofisiológico com ablação da via acessória.

Taquicárdia ventricular

Manifesta-se do ponto de vista electrocardiográfico pela ocorrência de 3 ou mais

complexos QRS alargados não precedidos por Onda P. Esta é uma arritmia tão grave do

ponto de vista das suas potenciais consequências que basta que existam 3 complexos

com estas características para que consideremos que existe uma taquicárdia

ventricular.

Até prova do contrário sempre que virmos um ECG obedecendo a estas características

devemos considerar que existe uma taquicárdia ventricular, no entanto sabemos que

algumas outras arritmias podem mimetizar estas características (como por exemplo a

taquicárdia reentrante AV antidrómica). Portanto se para além dos 3 ou mais

complexos QRS alargados não precedidos por Onda P, visualizarmos ainda complexos

de fusão, complexos de captura ou dissociação AV, sabemos que a probabilidade de

ser TV é ainda maior.

Fibrilhação auricular

em doente com via

acessória

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 19 de 33

Podemos obter taquicárdias ventriculares por diversos mecanismos:

1. Fenómeno de reentrada (o mecanismo mais frequente) – se tivermos cicatriz

de fibrose intraventricular na consequência de um enfarte do miocárdio, o

impulso do nódulo sinusal é conduzido para ao nódulo AV, daí é conduzido pelo

feixe de His, estimula a parede anterior do ventrículo e pode reentrar no

circuito antes de surgir um novo impulso sinusal, aqui temos uma TV

monomórfica (frequência >100bpm, ritmo regular, QRS alargados e morfologia

estável). Às vezes as cicatrizes são heterogénias e existem áreas de miocárdio

viável no seu interior, quando isso sucede o risco de se formarem fenómenos

de reentrada é ainda maior.

Nestes casos o tratamento é individualizado, por vezes o que se faz é a

implantação profilática de cardioversores desfibrilhadores implantáveis (CDI) 4

a 6 meses após um episódio de enfarte (porque sabemos que estes indivíduos

que ficam com cicatriz têm uma probabilidade aumentada de desenvolver

arritmias). O CDI quando detecta o inicio de uma arritmia, provoca uma

estimulação mais rápida do que a própria TV para tentar interromper o circuito

(a reentrada só se mantém enquanto o circuito não for activado por um

impulso ainda mais precoce do que o fenómeno de reentrada).

2. Aumento do automatismo – particularmente no contexto de isquémia

miocárdica aguda, ou no contexto de alterações electrolíticas/ ácido-base (TV

TV monomórfica

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

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de pós-despolarizações precoces deflagrada por bradicárdia em indivíduos com

QT longo ou TV por pós-despolarizações tardias deflagrada por taquicárdia em

indivíduos com perturbação nos canais de cálcio)

3. Actividade deflagrada – TV polimórfica de tipo torsade de pointes (Síndrome de

QT longo, frequência >100bpm, normalmente entre 200-250bpm, ritmo

irregular, QRS alargados e morfologia em modificação), em que a morfologia do

QRS muda a cada batimento porque o sítio de origem da pós-despolarização

muda também sequencialmente, o que faz oscilar o ECG tipo concertina.

Resumindo

Quando vemos um ECG a primeira coisa que deveremos pensar é se será ou não ritmo

sinusal (fazendo as 4 perguntas). Se as perguntas forem positivas o ritmo é sinusal e no

caso de termos uma frequência cardíaca >100bpm temos uma taquicárdia sinusal.

Se o ritmo não for sinusal o nosso raciocínio diagnóstico vai ser orientado pelas

características do ECG e pela frequência cardíaca do próprio doente. Se a FC for

>100bpm (taquiarritmia) a primeira coisa que vamos ver é se os QRS são estreitos ou

alargados. Se os QRS são estreitos a segunda coisa que vamos ver é se o ritmo é

regular ou irregular.

Se o ritmo for irregular a maior probabilidade é que seja uma fibrilhação auricular.

Se o ritmo for regular poderá

ser uma taquicárdia sinusal (em

que não estamos a conseguir

ver as Ondas P mas elas estão

lá), pode ser um flutter auricular

(se a FC for 150bpm), pode ser

uma TRNAV, pode ser uma

TRAV ou pode ser uma

taquicárdia auricular ectópica. A

resposta destas arritmias à

estimulação vagal é diferente,

Extrassístole que inicia uma TV polimórfica Torsade de Pointes

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 21 de 33

isto é, se fizermos massagem do seio carotídeo a um indivíduo com taquicárdia sinusal

a frequência cardíaca começa a diminuir de forma progressiva, quando se cessa a

estimulação vagal ela vai progressivamente voltar ao normal. Se tivermos um flutter

auricular o que vai acontecer é que a frequência que estava a 150 ou 160bpm, quando

fazemos a massagem do seio carotídeo, passa subitamente para 75bpm, ou seja, deixa

de conduzir 2:1 para conduzir a 4:1, quando deixamos de fazer a massagem a

frequência volta para os valores anteriores. Se tivermos uma taquicárdia de reentrada

(nodal AV ou mediada por via acessória) ao fazermos estimulação vagal perturbamos

as condições necessárias para o fenómeno de reentrada (aumentamos o período

refractário do nódulo AV), então subitamente o doente passa a ter ritmo sinusal à sua

frequência cardíaca normal e não volta a ter arritmia.

Desta forma a massagem do seio carotídeo também nos pode orientar no diagnóstico,

no entanto há casos em que não há resposta, isto é, imaginando uma jovem que inicia

uma arritmia, está em pânico, com os níveis de adrenalina muito elevados, logo por

muita massagem do seio carotídeo que se faça podemos ser incapazes de gerar uma

estimulação do tónus vagal que contrabalance o tónus do sistema nervoso simpático

que o doente tem. Nestes casos em que nada acontece com a massagem usamos

manobras farmacológicas que têm o mesmo efeito (administração de adenosina).

Antes da administração devemos avisar o doente para estar descontraído, para ter

calma porque vai sentir um calor, uma pequena aflição, mas para não se assustar que

só vai durar 5 ou 6 segundos no máximo. O que a adenosina vai fazer é uma paragem

cardíaca e daí as sensações do doente. Fazemos o procedimento com alguma

segurança porque a semi-vida da adenosina é mesmo essa, na circulação sanguínea na

ordem dos 6 segundos, portanto mesmo que o coração pare não vai estar parado mais

do que 6 segundos, a menos que não tenho um nódulo sinusal que seja depois capaz

de funcionar (daí termos de ter um cardiodesfibrilhador ao lado, não para tratar uma

arritmia mas para o caso de não haver nenhum ritmo a seguir que mantenha o coração

vivo).

Se pelo contrário tivermos uma taquiarritmia com complexos QRS alargados vamos

pensar em primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto lugar e assim sucessivamente

em taquicárdia ventricular e só depois é que surgem as hipóteses menos prováveis.

Até porque se tratarmos qualquer uma das outras entidades menos prováveis como

sendo TV somos eficazes e efectivos, se tratarmos TV pensando que será uma das

outras hipóteses provavelmente o doente morrerá, ou seja, os medicamentos que

tratam TV tratam todas as outras, muitos dos medicamentos que tratam as outras não

tratam TV.

Uma questão importante é que a estabilidade clínica e hemodinâmica do doente não

condiciona em nada o nosso raciocínio diagnóstico, ou seja, não podemos mudar a

nossa forma de pensar perante um doente com QRS alargados pelo simples facto de

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ele estar calmamente a falar connosco, isto porque podemos ter uma TV lenta ou

rápida. Se o doente tiver uma TV de 110bpm terá um débito cardíaco normal, fazendo

com que esteja estável apesar de estar com uma TV, no entanto isto não diminui a

probabilidade daquela TV passar a FV e fazer o doente entrar repentinamente em

colapso hemodinâmico. O que é relevante na abordagem a este doente é o ECG e não

as manifestações clínicas.

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

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Exercícios de taquiarritmias

FC=150bpm (taquiarritmia, até prova contrário é flutter); QRS estreitos; ritmo regular; temos

um flutter auricular de condução 2:1

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Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 24 de 33

Indivíduo que tem várias coisas ao mesmo tempo; ritmo não regular; FC aproximada 90bpm

(contanto os QRS e multiplicando por 6); no geral não está em taquicárdia, mas

momentaneamente temos períodos em que o complexo QRS é demasiado precoce, não temos

uma arritmia mantida no tempo mas dizemos que existem episódios disritmicos repetidos ao

longo do tempo; analisamos a tira de ritmo (feita com base na derivação V1) onde temos uma

onda P dentro do primeiro rectângulo vermelho diferente da anterior e mais precoce, ou seja,

temos uma sístole prematura auricular, depois temos novas ondas P sinusais, depois aparece-

nos no 2º rectângulo vermelho uma sístole prematura não precedida pela onda P (que terá

origem no nódulo AV ou no feixe de His) chamando-se sístole prematura juncional, temos

depois nova onda P e depois uma sístole prematura precedida por onda P (assinalada no 3º

rectângulo vermelho) que é então uma sístole prematura auricular; logo a nossa análise

deveria ser ritmo de base sinusal com FC de 70bpm (fazendo as contas entre QRS normais

como é habitual para ritmos sinusais) e extrassístoles auriculares e juncionais isoladas;

intervalo PQ de duração normal medido nas sístoles sinusais; QRS estreito; intervalo QT acaba

antes de metade de RR, portanto normal; DI positivo, aVF negativo, DII negativo logo temos

desvio esquerdo do eixo eléctrico; hipertrofia auricular não tem; critérios de Sokolow-Lyon e

hipertrofia ventricular esquerda não tem; critérios indirectos de hipertrofia ventricular direita

não tem; sinais de isquémia não tem; neste contexto aparentemente terá havido um

hemibloqueio esquerdo anterior e se medirmos a duração do QRS vemos que está

ligeiramente alargado; dando mais atenção aos complexos QRS nas extrassístoles, o que

percebemos é que este doente em ritmo sinusal não víamos as ondas delta porque a via

acessória estava muito distante do nódulo sinusal mas quando existe uma extrassístole

auricular com origem própria da via acessória, o impulso vai pela via acessória e dá mais pré-

excitação e portanto passamos a ter a onda delta evidente; logo temos um doente com ritmo

sinusal, com extrassístoles auriculares e juncionais e que nas extrassístoles tem alargamento

do QRS sugestivo de pré-excitação, colocando a hipótese de Síndrome de Wolf-Parkinson-

White.

Onda delta

evidente

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 25 de 33

FC=150bpm (até prova contrário é um flutter auricular); ritmo sinusal; QRS estreitos; em DII

em vez de ondas P positivas e de morfologia constante encontramos ondas F negativas; temos

um flutter auricular anti-horário

Ritmo não regular; FC aproximadamente 84bpm; QRS estreitos; logo a hipótese mais provável

é fibrilhação auricular; olhando com mais atenção para V1 temos actividade periódica com

frequência de 300/min, com padrão em dentes de serra, mas em DII não temos ondas F

negativas, o que temos aqui será um flutter auricular em sentido horário com padrão variável

(4:1, 5:1; 4:1, 2:1, 2:1, 3:1, 4:1 e assim sucessivamente). Trata-se do doente anterior mas com

o flutter a alterar.

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 26 de 33

FC=180bpm; ritmo regular; QRS alargados; diagnóstico de TV monomórfica mantida

FC>200bpm; QRS alargados logo TV

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Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 27 de 33

Homem, 60 anos com HTA e DM tipo 2 diagnosticadas há 5 anos; desde Fevereiro 2008

desenvolve uma dispneia de esforço em crescendo (poderá ser insuficiência cardíaca ou

isquémia miocárdica silenciosa equivalente de angor) e múltiplos episódios de palpitações

rápida; em Setembro de 2008 vem ao Hospital Santa Maria no decurso de palpitações que

tinham começado mais ou menos há 30 minutos e sem quaisquer outras queixas; no momento

de entrada no hospital já não sentia as palpitações e o ECG 1 foi adquirido nessa altura;

relativamente ao ECG 1 tem uma FC=75bpm, ritmo sinusal com ondas P positivas e constante

em DII, os QRS são alargados, ritmo regular e as ondas P estão casadas com o QRS, intervalo

PQ normal, intervalo QRS alargado portanto vamos olhar para V1 onde temos rSr’, olhando

1

2 Ritmo sinusal

TV

Ritmo sinusal

Ritmo sinusal

Ritmo sinusal

TV

TV TV

TV Extrassístole

Sístole de fusão

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 28 de 33

para V6 e DI temos um S empastado, então temos um bloqueio completo de ramo direito,

intervalo QT mesmo no limite da metade RR, eixo: DI negativo, aVF positivo, logo eixo

desviado para a direita, logo existe um bloqueio bifascicular (BCRD + hemibloqueio esquerdo

posterior), há dilatação da aurícula esquerda, não há hipertrofia ventricular esquerda, critérios

de hipertrofia ventricular direita eventualmente existem (r’ em V1 que poderá ser hipertrofia

do ventrículo direito, não temos a certeza mas colocamos essa hipótese), isquémia: derivações

inferiores sem ondas Q e segmento ST normal, derivações anteriores QRS positivo,

supradesnivelatemento do segmento ST de V2 a V6, poderá ser um enfarte agudo miocárdio

anterior extenso mas ao fazer o cateterismo coronário não tínhamos nenhuma artéria ocluída,

logo este doente pode ter tido um enfarte no passado ter ficado com uma cicatriz (que produz

onda Q) e um aneurisma ventricular (e portanto ter um supredesnivelamento do segmento

ST). No entanto devemos agir sempre segundo o patamar mais alto, ou seja, se não temos

exames passados que mostrem que já existia esta onda Q e o supra-ST, vamos considerar que

é um enfarte agudo e levamos o doente para a sala de hemodinâmica. Mas entretanto quem

estava na urgência percebeu que se aquilo fosse um enfarte de evolução neste momento, para

haver ondas Q tão profundas o enfarte teria ocorrido necessariamente há vários dias e não

estaria na fase em que havia benefício de fazer angioplastia. Pediu-se então a troponina (que

permanece elevada durante uma a duas semanas após o enfarte) e esta vinha normal, logo

sabemos que nas últimas duas semana este doente não teve um enfarte, portanto isto só

poderia ser verdadeiramente antigo. O indivíduo tinha tido um enfarte silencioso no passado

do qual resultam alterações graves do ventrículo esquerdo, um aneurisma ventricular e

quando chega ao serviço de urgência só traz as consequências de tudo isto. As palpitações que

o doente sentiu em Setembro de 2008, que o levaram ao HSM, poderiam ser resultantes de

uma arritmia por fenómeno de reentrada ventricular, nomeadamente taquicárdia ventricular

(com compromisso grave da fracção de ejecção). Ao fazer uma monitorização a este doente

(ECG 2) vemos que existem registos, nomeadamente às 22 horas e 56 minutos, às 23h31, às

23h24 e às 23h44 onde o doente está em ritmo sinusal e entra em TV. A existência de uma

sístole de fusão permite-nos ter a certeza de 100% que se trata de uma TV. A sístole de fusão

gera-se quando há um impulso do nódulo sinusal que foi capaz de entrar no ventrículo e

fundir-se com a activação do fenómeno de reentrada (o doente encontrava-se em TV e

ocorreu esta fusão do impulso do nódulo sinusal com o fenómeno de reentrada), gerando um

QRS diferente dos outros. Resumindo temos um doente com cardiopatia estrutural grave, com

aneurisma ventricular que desenvolve taquicárdias ventriculares recorrentes que o levam ao

hospital. Como as TV eram tão frequentes o CDI só não iria resolver, portanto faz-se um estudo

electrofisiológico para tentar modificar o circuito da TV e tratar assim o doente.

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 29 de 33

BRADIARRITMIAS

Relativamente ao diagnóstico de arritmias, o ECG só

é eficaz se o doente estiver naquele momento em

arritmia, se a arritmia for episódica temos de

monitorizar através de um exame não invasivo

electrocardiográfico que registe o ECG durante o

período de tempo suficiente para que a arritmia se

manifeste. Se a arritmia for muito frequente poderá

ser detectada no electrocardiograma Holter de 24

horas, que faz um registo electrocardiográfico,

usando algumas derivações do electrocardiograma,

de forma contínua durante 24h a 48h. Se a arritmia

for menos frequente podemos usar os registadores

externos de eventos, são na prática Holters que

têm uma maior capacidade de armazenamento de dados e podem registar de forma

contínua períodos de tempo mais largos (2 semanas a 1 mês). Estes registadores

externos de eventos têm a particularidade de serem menores que o Holter e apenas

nos momentos em que é detectada uma arritmia é que o aparelho é activado e regista

a actividade ou então o doente se sentir uma arritmia pode carregar no botão e os 5

últimos minutos que tiverem sido registados pelo aparelho são gravados na memória.

Enquanto as taquiarritmias se manifestam mais tipicamente por palpitações, as

bradiarritmias manifestam-se mais frequentemente por episódios de lipotímia e

síncope, por vezes só temos queixas de cansaço e não menos frequentemente queixas

de tonturas.

Existem vários tipos de bradiarritmias que podem causar este tipo de manifestações, a

história clínica pode dar-nos algumas pistas sobre a causa mais provável, mas por

vezes, mesmo depois da história clínica continuamos com dúvidas. Se tivermos, por

exemplo, um doente com 60 anos que teve uma síndrome vascular aos 55 anos e que

quando desmaia tem um comportamento compulsivo pensamos em epilepsia. Isto

para dizer que frequentemente episódios de perda de conhecimento têm origens não

cardíaca. Mas em alguém que não tem queixas que apontem para outras patologias

vamos considerar que o mais provável é que a perda de conhecimentos tenha causa

cardíaca.

A forma de investigar depende, uma vez mais, da periodicidade dos fenómenos. Se

forem fenómenos muito frequentes poderão ser detectados em ECG Holter ou em

registadores de eventos, se o doente estiver com queixas naquele momento a arritmia

poderá ser detectada por electrocardiograma a 12 derivações, mas não é raro que os

episódios sincopais sejam pouco frequentes (uma vez de 3 em 3 meses, de 4 em 4

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 30 de 33

meses) para podermos esclarecer esses eventos não

podemos usar um registador de eventos, então o

que fazemos nestes casos é usar registadores

implantáveis (implantable loop recorder). O “reveal”

tem o tamanho de uma pen, é implantado por via

subcutânea, à frente do coração, nas senhoras

coloca-se habitualmente no sulco inferior da mama

esquerda sendo absolutamente imperceptível. O que

o aparelho vai fazer é gravar a actividade cardíaca de

forma contínua em períodos de 5 minutos, se não

detectar actividade nesses 5 minutos vai sendo

apagado, se tiver detectado uma arritmia grava

esses 5 minutos, se o doente activar o comando os 5

minutos anteriores passam para a memória do

aparelho e quando se retirar o aparelho vê-se o que

gravou e tentamos esclarecer a origem da arritmia.

A manutenção do ritmo cardíaco depende fundamentalmente da integridade da

actividade do nódulo sinusal e da integridade da condução desses impulsos da aurícula

para o ventrículo. Podemos ter portanto bradiarritmias por disfunção do nódulo

sinusal ou podemos ter bradiarritmias geradas por perturbação da condução, ou seja,

por bloqueios aurículo-ventriculares.

O nódulo sinusal poderá ser incapaz de produzir impulsos por vários mecanismos: ou

porque a actividade pacemaker do próprio nódulo se deteriorou ou porque os

impulsos gerados no nódulo ficam bloqueados antes de chegar ao tecido auricular (por

exemplo, se o miocárdio circundante ao nódulo sinusal funcionar como um bloqueio,

não transmitindo o impulso). Ao nível do ECG normal de superfície não é possível

distinguir estes tipos de bradiarritmias, uma vez que o nódulo sinusal não tem células

suficientes que gerem um impulso detectável à superfície, ou seja, no ECG não é

possível distinguir a disfunção pura do nódulo sinusal dos bloqueios sino-auriculares.

As manifestações electrocardiográficas destas entidades são repetitivas, primeiro se

não existe actividade do nódulo sinusal não existe Onda P, podendo não haver nunca

ou não haver de vez em quando. Se não tivermos Onda P a actividade cardíaca é

mantida através do ritmo de escape (o ritmo de escape capaz de gerar uma frequência

cardíaca mais elevada é o juncional, gerado ao nível do segmento proximal do feixe de

His). Se o ritmo de escape tem uma localização proximal à bifurcação do feixe de His os

QRS vão ser estreitos, se também esta zona estiver lesada, o ritmo de escape vai ter

uma origem mais distal e então nesse caso os QRS vão ser alargados. Numa disfunção

do nódulo sinusal não vamos ter então Ondas P e temos um ritmo de escape, podendo

ser observadas pausas sinusais (o doente tem uma actividade auricular normal, depois

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 31 de 33

não há Onda P e acaba por surgir um complexo juncional de escape e a seguir volta a

ter uma Onda P).

Se falhar uma Onda P e se este período de pausa for suficientemente longo o doente

poderá ter queixas, tonturas ou eventualmente até lipotímia. A falha do ritmo sinusal

pode resultar de uma disfunção intrínseca do nódulo sinusal ou por uma resposta

excessiva do nódulo sinusal a estímulos vagais (se o doente tiver uma

hipersensibilidade do seio carotídeo, quando lá tocamos há um aumento tal do tónus

do sistema nervoso parassimpático que o nódulo sinusal é inibido e surge uma pausa,

estes são os doentes que quando mexem o pescoço, apertam uma gravata ou a camisa

desmaiam). Estas são portanto pausas sinusais, ou seja, manifestações episódicas.

Se o silenciamento do nódulo sinusal for mantido no tempo então nunca teremos

Ondas P, apenas ritmos de escape. Então nesse caso o ECG apresentará mais

frequentemente um ritmo de escape juncional, então vemos complexos QRS estreitos

não precedidos por Onda P e ou não existe de todo Onda P ou existe Onda P

retrógrada (porque o impulso juncional é conduzido quer ao ventrículo quer à aurícula

e acaba por ser conduzido de forma retrógrada, apesentando uma Onda P invertida).

Portanto se tivermos um ritmo de escape juncional sabemos que o nódulo sinusal não

está a funcionar e que o ritmo está a ser assegurado por algo de tecido cardionector

proximal à bifurcação do feixe de His. Se ao invés, fizermos o ECG ao doente e virmos

apenas um ritmo com QRS alargados o ritmo terá origem distal à bifurcação do feixe

de His (por exemplo no ventrículo), ai a frequência é tendencialmente menor,

enquanto a frequência típica do ritmo de escape juncional é na ordem dos 60 a

80bpm, compatível com uma vida assintomática, a frequência do ritmo de escape

ventricular está na ordem dos 40 a 60bpm. Quanto mais distal for a origem do ritmo

de escape mais aberrante é o QRS, isto é, quando mais distal for a origem do ritmo de

escape significa que todo o tecido que se encontra acima desse ponto está lesado e

portanto a manutenção da função cardíaca está a cargo de um ponto que tem menos

características e menos capacidades de automatismo e portanto mais probabilidade de

vir a falhar, entrando em assistolia. Logo, quando vemos um doente com ritmo de

escape temos de tentar perceber antes de mais se é um ritmo de escape com QRS

estreitos ou com QRS alargados. Se for um ritmo de escape com QRS estreitos estamos

Falhou Onda P Ritmo de escape

Pausa sinusal

Actividade auricular normal Actividade auricular

normal

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 32 de 33

relativamente seguros porque significa que o feixe de His ainda está íntegro, se for um

ritmo de escape com QRS alargados ficamos mais preocupados porque é um ritmo de

escape de origem distal e o doente pode entrar a qualquer momento em paragem

cardíaca. Estas são as manifestações electrocardiográficas da disfunção do nódulo

sinusal.

O bloqueio aurículo-ventricular é tipicamente classificado em 3 níveis: 1º, 2º e 3º grau.

O bloqueio aurículo-ventricular de 1º grau é aquela situação em que todos os impulsos

sinusais (Ondas P) são conduzidos ao ventrículo, mas são conduzidos com atraso. Ou

seja, existe um prolongamento do intervalo PR (>0,20 segundos) mas todos os

impulsos são conduzidos.

O bloqueio AV de 2º grau é aquele em que alguns dos impulsos sinusais (Ondas P) são

conduzidos, originando complexos QRS e outros ficam bloqueados. Ou seja, algumas

Ondas P são conduzidas e outras não. Este grau vai ser ainda subdividido em Mobitz I,

Mobitz II e bloqueio 2 para 1 (2:1).

É expectável que alguns de nós (jovens, que têm o sistema nervoso autónomo mais

funcionante) tenham bloqueio AV de 2º grau Mobitz I durante o sono, este bloqueio

não é por isso necessariamente algo patológico e traduz uma resposta fisiológica do

nódulo aurículo-ventricular ao tónus do sistema nervoso parassimpático em indivíduos

com tónus vagal aumentado. Portanto quando o tónus do sistema nervoso

parassimpático se eleva o período refractário do nódulo aurículo-ventricular aumenta.

O que vamos ver é um prolongamento progressivo do intervalo PR até que uma Onda

P não é conduzida. Isto vai-se repetindo ao longo do ECG.

No bloqueio AV de 2º grau Mobitz II alguns dos impulsos não vão ser conduzidos

(existindo bloqueio nesses impulsos) mas esse fenómeno não é previsível no ECG, ou

seja, temos também ondas P que são conduzidas e ondas P que são não conduzidas,

mas agora sem aumento prévio do PR, ocorre subitamente.

O Mobitz II é mais grave. O que temos no Mobitz I é apenas o aumento do tónus do

sistema nervoso parassimpático, mas com todas as estruturas do tecido cardionector

íntegras. No Mobitz II já temos tecido cardionector lesado a dar o seu máximo, mas

por vezes o seu máximo não é suficiente e portanto nesta circunstância o impulso não

vai passar e o bloqueio ocorre.

Bloqueio AV 1º grau: PR aumentado

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Curso de Introdução à Electrocardiografia - Taquiarritmias e Bradiarritmias

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Página 33 de 33

No bloqueio AV de 2º grau 2:1 temos que para cada 2 Ondas P forma-se apenas um

complexo QRS, portanto teremos uma Onda P que é conduzida e uma onda P que é

bloqueada, e isto sempre assim. Este bloqueio aurículo-ventricular do 2º grau é um

grupo à parte do Mobitz I e Mobitz II.

O bloqueio AV de 3º grau/completo é aquele em que nenhuma Onda P é conduzida ao

ventrículo. Existem várias ondas P, sempre à mesma distância entre si, e que por vezes

caem em cima das ondas T, dos complexos QRS, etc. Mas estas ondas P não estão

relacionadas com os complexos QRS, porque estão a ser bloqueadas. Os complexos

QRS têm uma frequência regular, que é inferior à das ondas P. No fundo, vemos um

ritmo de escape, já que as ondas P não são conduzidas. Se tivermos ritmos de escape

juncionais vamos ter QRS estreitos, se o ritmo de escape for distal teremos QRS

necessariamente alargados (quanto mais alargados, mais distal a origem do impulso e

portanto maior é a probabilidade de progressão para assistolia).

Bloqueio AV 3º grau: temos ritmos de escape já que as Ondas P não são conduzidas

Bloqueio AV 2º grau: Bloqueio de Mobitz I ou de Wenckebach

Bloqueio AV 2º grau: Bloqueio de Mobitz II

Bloqueio AV 2º grau: Bloqueio de 2 para 1 (2:1)

PR PR PR Onda P não

conduzida

Onda P não

conduzida

de súbito

PR constante