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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO NO BRASIL: UMA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL E SEUS LIMITES Por: Jackeline Koppe Eiriz Marvila Orientador Prof. Nelsom José Veiga de Magalhães Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO NO BRASIL: UMA

PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL E SEUS LIMITES

Por: Jackeline Koppe Eiriz Marvila

Orientador

Prof. Nelsom José Veiga de Magalhães

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO NO BRASIL: UMA

PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL E SEUS LIMITES

Apresentação de monografia à Universidade

Cândido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Gestão Pública

Por: Jackeline Koppe Eiriz Marvila.

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus único e verdadeiro, aos

queridíssimos Marcos e Samuel e aos

meus pais.

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DEDICATÓRIA

.Aos que me estimularam a aceitar o

desafio e ingressar nesta jornada.

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RESUMO

A cada ano temos observado um inegável crescimento do interesse das

pessoas pelas vagas de trabalho oferecidas na Administração Pública. Ser

detentor de um cargo público passou a ser sinônimo de status, sucesso

profissional e segurança.

Criou-se uma verdadeira “indústria” do concurso público, com a

proliferação de cursos preparatórios, em cujas salas de aula milhares de

candidatos competem por uma vaga no serviço público, jornais, mídia

especializada, venda de materiais de estudo impressos e virtuais, aulas por

videoconferência, tudo que pode ser mais um passo em direção à realização

do sonho de pertencer aos quadros de um órgão público.

Não há dúvida de que um dos principais atrativos do setor é a

estabilidade, valorizada prerrogativa constitucional que constitui o objeto do

nosso estudo.

Partimos da análise de seu conceito e fundamentos, requisitos de

aquisição do direito, hipóteses de perda e polêmicas doutrinárias correlatas.

Sobretudo, destacamos a implantação da reforma administrativa que culminou

com a aprovação da Emenda Constitucional nº 19/98, a qual trouxe profundas

transformações ao instituto da estabilidade do servidor público no Brasil.

A referida emenda provocou sensível enrijecimento das possibilidades

de aquisição do direito e uma flexibilização deste quando já adquirido pelo

servidor, ou seja, ficou mais difícil adquirir a estabilidade e mais fácil perder o

direito de permanecer trabalhando na Administração Pública, o que certamente

gerou inúmeras consequências, dentre elas, a perda do governo do apoio do

elemento mais importante de qualquer administração: o humano, neste caso, o

servidor público.

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METODOLOGIA

Trata-se o presente trabalho de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema

Estabilidade do Servidor Público no Brasil.

O instituto jurídico tem sido assunto de autores clássicos e modernos,

com diversificados pontos de vista, o que nos levou a dispor de farto material

na revisão da literatura pertinente.

Podemos destacar o Mestre do Direito Administrativo Brasileiro, Hely

Lopes Meirelles, leitura indispensável para todo estudante do tema em

questão, e os contemporâneos operadores do Direito, o constitucionalista

Alexandre de Moraes e Dra. Ana Luísa Celino Coutinho, valorosos autores

cujas idéias ajudaram a desenhar este trabalho.

Vale lembrar, ainda, a convivência cotidiana com os colegas servidores

públicos, que em palavras e atos, vivenciam na prática as dores e delícias

desta prerrogativa constitucional: a estabilidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - ESTABILIDADE: CONCEITO,

FUNDAMENTOS E REQUISITOS 09

CAPÍTULO II - O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

E AS HIPÓTESES DE PERDA DA ESTABILIDADE 21

CAPÍTULO III – A ESTABILIDADE E O DIREITO ADQUIRIDO 31

CONCLUSÃO 37

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 40

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INTRODUÇÃO

Existe uma ligação entre o valor atribuído pela sociedade ao trabalho e

a estabilidade do servidor público que tradicionalmente tem sido entendida

como o direito do servidor de permanecer trabalhando no serviço público, salvo

a ocorrência de situações anteriormente previstas em lei. Conferir estabilidade

é valorizar o trabalho, na medida em que é conferir ao servidor o direito de

permanecer, de continuar, de conservar-se trabalhando no serviço público.

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 1º, IV, proclama que a

República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de

Direito que tem como um de seus fundamentos os valores sociais do trabalho.

A estabilidade do servidor público, garantida pelo artigo 41 do texto

constitucional, configura-se numa reafirmação e reiteração de um dos

princípios constitucionais fundamentais: o valor do trabalho.

A razão de ser da estabilidade do servidor público, ou o motivo da

existência desse direito, está relacionado à pessoa humana, ao indivíduo,

neste caso, à pessoa do servidor ou do empregado público e também da

própria coletividade. Analisando esta questão sob um prisma mais

individualista, a estabilidade existe em função da pessoa do servidor para

garantir uma maior segurança em seu trabalho; e sob a ótica da coletividade, a

estabilidade traz benefícios a esta pois, na medida em que o servidor público

exerce seu trabalho com mais garantias, tem mais tranquilidade para prestar

um serviço de melhor qualidade à comunidade.

Portanto, a razão de ser da estabilidade encontra fundamento tanto na

coletividade quanto na pessoa do servidor público, ou seja, em sentido amplo,

em todo aquele que planeja e/ou executa atividade a cargo da Administração

Pública, o titular do direito.

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CAPÍTULO I

1. ESTABILIDADE: CONCEITO, FUNDAMENTOS E

REQUISITOS

A criação da norma jurídica tem como precedente determinada

relação social que necessita ser disciplinada. Ocorre que as transformações

nas relações sociais se dão em uma velocidade muito maior do que a criação

de normas e institutos jurídicos, que normalmente são positivados a partir da

necessidade de regular essas modificações sociais.

Outro fator determinante na criação e modificação das normas

jurídicas é o embate das forças reais de poder que também pode ser traduzido

como o jogo de interesses daqueles que detêm o poder e que tem como

síntese a norma jurídica.

O conceito de estabilidade sofreu grandes modificações com o passar

dos anos, uma vez que a maioria dos doutrinadores incluiu na conceituação do

instituto requisitos que a lei passava a determinar como essenciais para

aquisição deste direito pelo servidor público. Ora, como dissemos, a

modificação de determinado instituto jurídico, muitas vezes, é definida pela

retirada ou acréscimo de um ou outro de seus requisitos, e é fruto do jogo de

forças políticas imbuídas de interesses e objetivos pessoais daqueles que

detêm o poder.

De acordo com o entendimento de Maurício Antônio Ribeiro Lopes,

Estabilidade é a garantia de permanência no serviço

público assegurada após três anos de exercício, ao

servidor nomeado por concurso, que somente pode

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perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada

em julgado, mediante

processo administrativo em que lhe seja assegurada

ampla defesa e, após a reforma administrativa de 1988,

mediante procedimento de avaliação periódica de

desempenho, na forma de lei complementar que vier

disciplinar a matéria, assegurada também a ampla

defesa, segundo o nosso regime jurídico estabelecido

pela EC 19/98 (LOPES, 1998, p. 150).

O instituto jurídico da estabilidade consagra o direito do servidor

público de permanecer no serviço público, desde que este atenda às

exigências previstas em lei, e limitado pelas prescrições legais de como este

direito pode ser perdido. Portanto, entendemos que a estabilidade é o direito

de servidor público de permanecer vinculado à pessoa estatal em razão de

trabalho, sendo a ineficácia deste vínculo subordinada a evento futuro e

incerto, dentre os previstos em lei, como veremos mais tarde (possibilidades de

perda da estabilidade).

O servidor que tem três anos de exercício em cargo público efetivo,

em decorrência de aprovação em concurso público, tem direito à estabilidade

até que seja condenado em sentença judicial transitada em julgado ou em

processo administrativo em que lhe tenha sido garantida ampla defesa, ou que

seja reprovado em procedimento de avaliação periódica, em que lhe seja

assegurada ampla defesa ou, ainda, se a despesa com pessoal ativo e inativo

do ente da federação para o qual trabalha o servidor tiver excedido os limites

estabelecidos em lei complementar (Lei Complementar 101/00, conhecida

como Lei de Responsabilidade Fiscal), e já tiverem sido reduzidas em 20% as

despesas com cargos em comissão e funções de confiança, como também

sido exonerados os servidores não-estáveis.

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1.1- Fundamentos da estabilidade

Buscar o fundamento da estabilidade corresponde a encontrar sua

razão, sua justificativa, seu motivo, ou melhor, as razões e os argumentos

sobre os quais se funda este instituto jurídico.

A estabilidade jurídica do vínculo administrativo, firmado entre o

servidor público e a pessoa estatal, tem por fundamento, num primeiro

momento, garantir a qualidade do serviço prestado pela burocracia estatal

democrática, impessoal e permanente. A estabilidade conjuga o

profissionalismo que deve predominar no serviço público contemporâneo com

a impessoalidade que impede o nepotismo e o personalismo na Administração

Pública.

Quando se garante o servidor, garantem-se indiretamente as

indispensáveis impessoalidade e lisura (que correspondem ao propósito

fundamental do legislador) na condução administrativa da coisa pública. Com o

intuito de que a Administração Pública não se desvincule de suas finalidades e

não se transforme em um organismo a serviço dos ocupantes temporários dos

cargos de direção da coisa pública, é imprescindível que o corpo administrativo

do Estado, ou seja, os servidores, disponham de um regime propiciador de

uma razoável independência para poder agir tecnicamente, direcionado para

os objetivos públicos e, por conseguinte, impessoais.

Ocorre que o direito à estabilidade, à reintegração, à disponibilidade,

à aposentadoria, com proventos integrais ou calculados proporcionalmente

sobre a integralidade dos vencimentos em função do tempo de serviço

(previsão anterior à EC nº 20), garantidos ao servidor público por este estatuto

e, portanto, todos esses direitos individualmente considerados tem por

fundamento garantir a estabilidade, o profissionalismo e a impessoalidade da

Administração Pública.

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A estabilidade é, ao mesmo tempo, um direito e uma garantia do

servidor público concursado, ou seja, que ingressou de forma legítima nos

quadros da Administração Pública; correspondendo também à garantia de

profissionalismo, transparência e independência do serviço público, vez que

propicia o correto desempenho das funções públicas sem quaisquer

favoritismos, nepotismo ou ingerência política.

Portanto, o fundamento da estabilidade do servidor encontra sua

justificativa de existência, em última análise, no interesse público, na medida

em que uma prestação de serviços eficaz, imparcial e de qualidade só se

consegue através de um quadro de pessoal eficiente. Para se obter isto, além

de concurso público, avaliação periódica de desempenho e um certo tempo de

exercício, fundamental na aquisição de experiência, o Estado necessita

oferecer algumas vantagens, como, por exemplo, a estabilidade, para atrair as

pessoas mais capacitadas para o serviço público.

1.2- Requisitos da estabilidade

O termo “requisito” tem entre seus sinônimos: “exigência legal, para

certos efeitos; condição necessária para o preenchimento de certo fim ou para

o atingimento de certos objetivos”. Suponhamos, então, que este fim esperado,

este objetivo a ser alcançado seria o direito à estabilidade (este considerado

após as modificações implementadas pela EC nº 19/98). Para que o servidor

público alcance a estabilidade, deverá atender às seguintes condições: ter sido

nomeado para cargo de provimento efetivo, ter se submetido a concurso

público e ter sido aprovado no mesmo e contar, no mínimo, três anos de

efetivo exercício e ser aprovado em avaliação especial de desempenho.

O concurso público no direito público é um meio de acesso a cargos e

empregos públicos. Corresponde à uma materialização do princípio da

acessibilidade aos cargos públicos. Desde que o poder democrático é

titularizado legitimamente pelo povo, confere-se a este o direito de participar

ativamente de seu desempenho. Através da titularização dos cargos públicos,

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o administrado age diretamente no exercício do poder, transformando-se em

parte da estrutura administrativa e gestor direto da coisa pública, em nome de

todos os que formam a sociedade estatal.

O concurso público, da forma como está disposto no artigo 37, II da

Constituição, com redação modificada pela EC 19/98, é pressuposto para o

ingresso no serviço público , seja para a investidura em cargos ou empregos

públicos, como também para a aquisição da estabilidade. Independentes,

entretanto, do concurso público são as nomeações para cargo em comissão,

cujos ingresso e saída são de livre escolha dos administradores.

1.3- Conceito e finalidade do concurso público

O termo “concurso público” em sentido objetivo remete ao Poder

Público, no sentido de ser promovido por entidades estatais e não por entes

privados ou por pessoas físicas. O sentido subjetivo deste termo quer dizer

“direcionado para o público em geral”, ou seja, a todos aqueles que preencham

os requisitos inerentes aos cargos, aos empregos ou às funções públicas que

se pretende ocupar. Trata-se, assim, do instrumento através do qual o Poder

Público lato sensu escolhe, objetivamente falando, dentre os inscritos, o

candidato que mais se destacar na somatória das notas obtidas nas diversas

etapas do certame. É um procedimento organizado pelo poder público visando,

através do recrutamento de pessoal, à escolha daqueles que melhor atendam

às necessidades de satisfação do interesse público, materializando o princípio

da acessibilidade ao cargo público, positivado no artigo 37, I da CRFB.

A finalidade do concurso é assegurar igualdade de condições para

todos os concorrentes, evitando-se favorecimentos ou discriminações e

permitindo-se à Administração selecionar os melhores. A razão da existência

do concurso público corresponde à realização do interesse público, que neste

caso corresponde à existência de profissionais competentes e adequados para

a prestação de serviço à comunidade.

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O artigo 41 da Constituição Federal prevê como um dos requisitos

indispensáveis à aquisição da estabilidade do servidor público a aprovação em

concurso público para provimento de cargo efetivo. A aquisição da estabilidade

só se efetiva na medida em que estiverem, não apenas presentes, mas

legalmente constituídos, todos os requisitos previsto no mencionado artigo.

Uma vez seja o concurso público dotado de algum vício, poderá ser

determinada a anulação do mesmo, sendo-lhe retirados todos os seus efeitos.

Portanto, para a realização efetiva de sua finalidade, o concurso público não

pode conter nenhum vício.

O controle sobre os atos administrativos poderá ser feito tanto pelo

próprio Poder Executivo e pelo Poder Legislativo que se dividem, basicamente,

em controle político e controle financeiro (este exercido com o auxílio do

tribunal de Contas, conforme o artigo 71 da CRFB), além do controle realizado

pelo Poder Judiciário. O controle dos atos administrativos conferido aos três

poderes é uma das formas de efetivação do princípio da tripartição de poderes

consagrado no artigo 2º da Constituição Federal (São Poderes da União,

independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário)

e um meio de contribuir para a efetivação de um Estado Democrático de

Direito, através da submissão ao império da lei.

1.4- O estágio probatório

Outro requisito para aquisição da estabilidade corresponde ao estágio

probatório, embora o texto constitucional não faça referência expressa a este

termo e sim use a expressão “são estáveis após três anos de efetivo

exercício”.

Aprovado em concurso público para cargo efetivo, nomeado e

empossado, o servidor público, ao entrar em exercício no cargo, submete-se

ao chamado estágio probatório, ou período de prova, para que a Administração

Pública, através de seus agentes, certifique-se de que este novo servidor seja

apto e capaz para o desempenho do cargo. Trata-se, assim, de um período de

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exercício do funcionário durante o qual é observada e apurada pela

Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público,

mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para aquisição da

estabilidade: idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação ao

serviço e eficiência. Observa-se sempre a existência de um lapso temporal, no

qual o servidor está em exercício, e há uma presente vigilância da

Administração Pública para verificação das condições e capacidade do

servidor para exercer o cargo.

Os atributos que deve possuir o servidor público para ser considerado

estável, e que devem ser cuidadosamente analisados pela Administração,

estão dispostos nos incisos do artigo 20 da Lei nº 8.112/90 (apesar de o caput

deste artigo ter sido revogado, os seus incisos não o foram), quais sejam:

assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e

responsabilidade.

A reforma administrativa, positivada na EC nº 19/98, trouxe grandes

modificações ao regime jurídico-administrativo, atingindo direitos e deveres dos

servidores públicos e modificando diversos institutos jurídicos, entre eles, o

estágio probatório.

O artigo 6º da EC nº 19/98 trouxe modificações ao artigo 41 da CRFB,

que trata da estabilidade do servidor público. Entre essas modificações está o

aumento do período de estágio probatório de dois para três anos. Entretanto, a

emenda, em seu artigo 28, respeitou o direito daqueles servidores que já

haviam tomado posse, mas não haviam adquirido a estabilidade porque ainda

se encontravam dentro do período de dois anos, assegurados pela redação

anterior. Mas as pessoas que haviam sido aprovadas em concurso público

antes do advento da EC º 19/98 e até a promulgação da emenda não haviam

sido nomeadas nem tomado posse, estas deveriam ser submetidas ao estágio

probatório de três anos, pois a aprovação em concurso público não gera direito

adquirido e, sim, expectativa de direito. O direito adquirido nasce a partir da

nomeação.

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Sendo o estágio probatório um período de avaliação e de adequação

do servidor ao cargo, como em toda avaliação a que alguém é submetido,

pode ser aprovado ou não. Uma vez aprovado em avaliação especial de

desempenho, e passado o requisito de três anos de efetivo exercício no cargo,

o servidor público adquire a estabilidade. Do contrário, sendo reprovado no

estágio probatório, se o servidor já for estável no serviço público, será

reconduzido ao cargo anteriormente ocupado ou aproveitado em outro. Caso o

servidor não seja estável, será exonerado. A exoneração, neste caso, não

configura penalidade, mas medida de salvaguarda da correta execução das

atividades administrativas. Entretanto, se for o caso de exoneração, esta não

poderá ocorrer à margem da lei, tanto é que existe posicionamento sumulado

no STF nesse sentido, exigindo-se processo administrativo para exonerar o

servidor:

Súmula 21 – “Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem

demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua

capacidade”.

Haverá, ainda, que se respeitar as garantias constitucionais do devido

processo legal, do contraditório e da ampla defesa, dispostas no artigo 5º, LIV

e LV da CRFB.

1.5- Aprovação em avaliação especial de desempenho por

comissão instituída para esta finalidade

O artigo 6º da EC nº 19/98 introduziu mais esse requisito para

aquisição da estabilidade pelo servidor público. Tal requisito tem uma ligação

direta com o estágio probatório, poderia até ser considerado o seu ponto

culminante, mas a partir da emenda essa avaliação deve ser encarada como

uma etapa diversa do estágio probatório.

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O processo de avaliação e acompanhamento do servidor, conforme

determinação legal, deverá ser iniciado quatro meses antes do final do estágio

probatório e ser entregue à autoridade competente para homologação, sem

prejuízo da continuação do acompanhamento no período restante.

1.6- Nomeação, cargo público, função pública, emprego

público e algumas considerações importantes

Conforme se depreende da leitura do caput do artigo 41 da CRFB, o

concurso público e o decurso do tempo do estágio probatório não são

suficientes para que o servidor público adquira estabilidade: é necessário

também que haja nomeação válida do servidor para provimento de cargo

público de provimento efetivo. Para se entender este requisito da aquisição da

estabilidade, é importante atentar para a distribuição da competência pela

Administração Pública e os tipos de vínculos de trabalho que esta estabelece

com os seus agentes.

Toda competência da Administração Pública advém da lei e é

distribuída em três níveis: pessoas jurídicas (União, Estados e Municípios),

Órgãos (Ministérios, Secretarias e suas subdivisões) e servidores públicos, que

ocupam cargos ou empregos ou exercem funções. A questão dos cargos

públicos está ligada ao tipo de vínculo de trabalho que a Administração Pública

estabelece com seu pessoal. É necessário um título legal para que os

indivíduos atuem de forma contínua em nome da Administração. Esse título é

criado a partir de um ato de nomeação, de um contrato de trabalho ou de um

ato de designação e se perfaz em cargo, emprego ou função pública. É uma

maneira criada pelo Poder Público para legitimar a atuação contínua daqueles

que o fazem em nome da Administração.

O conceito de cargo público tem sido amplamente abordado pela

doutrina. Para o mestre Hely Lopes Meirelles,

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“cargo público é o lugar instituído na organização do

serviço público, com denominação própria, atribuições e

responsabilidades específicas e estipêndio

correspondente, para ser provido e exercido por um

titular, na forma estabelecida em lei” (MEIRELLES, 1990,

p. 360-361).

Existem vários critérios mediante os quais a doutrina classifica os

cargos públicos. Por exemplo, quanto à possibilidade de progressão vertical e

quanto à possibilidade de permanência. Este último critério de classificação é

particularmente pertinente ao presente estudo, pois envolve o tipo de cargo

público que, juntamente com os demais requisitos, propicia a aquisição da

estabilidade.

Quanto à possibilidade de permanência no serviço público, a doutrina

clássica classifica os cargos como de provimento efetivo ou de provimento em

comissão. O cargo de provimento efetivo é aquele que pressupõe a

continuidade e a permanência de seu ocupante. Já o cargo em comissão,

também chamado de cargo de confiança, tem como característica a

temporariedade de sua ocupação, pois tem como pressuposto a confiança da

autoridade administrativa que nomeou o agente público. Há ainda outros tipos

de vínculos de trabalho com o Poder Público, os quais veremos a seguir.

1.6.1- Função Pública

Este termo tem duas acepções. Numa primeira acepção, função

pública designa uma forma especial relacionamento com o Poder Público,

assim como o cargo e o emprego públicos. É o caso disposto no artigo 37, IX

da CRFB, que trata os casos de contratação por tempo determinado para

atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. Neste

caso, o exercício da função está desvinculado do cargo público.

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Função pública também pode ser entendida no sentido mais restrito,

em que sua existência depende do exercício de cargos ou empregos públicos.

São criadas por lei e correspondem a encargos de direção, chefia ou

assessoramento, a serem exercidos por titular de cargo efetivo, da confiança

da autoridade que as preenche. Pode-se fazer um paralelo entre esta e o

cargo em comissão, considerando-se as atribuições e a confiança inerentes a

ambos. Entretanto, existe uma diferença básica entre os dois termos, que

corresponde ao fato de a função pública só poder ser ocupada pelos

servidores ocupantes de cargo efetivo, como, por exemplo, as funções

gratificadas, funções da carreira docente e funções de chefia acadêmica em

universidades públicas. Os cargos em comissão são possíveis de ser

ocupados por pessoas alheias ao quadro de pessoal da Administração.

1.6.2- Emprego Público

O emprego público é o tipo de vínculo de trabalho existente entre o

servidor e a Administração Pública regido pela Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT) e outros diplomas legais. Tem por base um contrato de

trabalho celebrado entre a Administração e seu empregado. No âmbito federal,

a EC 19/98 revogou a exclusividade do regime jurídico dos servidores públicos

federais. A Lei nº 9.962/2000 disciplina o regime de emprego público do

pessoal da Administração direta, autárquica e fundacional com base na CLT e

na legislação trabalhista.

1.6.3- Algumas considerações importantes

É importante ressaltar que nenhum dos requisitos abordados,

individualmente associados ou se associados a outros dois, são suficientes

para que o servidor público adquira a estabilidade. É necessária a existência

de todos os requisitos em conjunto, ou seja, que tenha transcorrido o estágio

probatório de três anos, que o servidor tenha sido aprovado em concurso

público, que, com nomeação válida, ocupe cargo efetivo e que seja aprovado

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em avaliação especial de desempenho, promovida por comissão instituída para

esta finalidade.

O termo “flexibilização”, utilizado em relação às modificações

ocorridas na estabilidade do servidor público, ocasionadas pela reforma

administrativa imposta pela EC 19/98, é muito adequado ao se referir ao direito

do servidor de permanecer no serviço público. No entanto, em se tratando dos

requisitos de aquisição da estabilidade, não houve flexibilização, mas um

enrijecimento, ou seja, houve um aumento das dificuldades para se adquirir o

direito, já que surgiram novas exigências (aprovação em avaliação de

desempenho e necessidade de nomeação para cargo de provimento efetivo) e

aumento do tempo de outras, como o estágio probatório, que passou de dois

para três anos. O termo “flexibilização da estabilidade”, conclui-se, denota o

fato de que ficou mais fácil perder o direito, pelo aumento das possibilidades

de perda, uma dessas sem ter o servidor contribuído em nada para a

configuração da situação, como, por exemplo, o aumento das despesas com o

pagamento de pessoal, ocasionado por administradores inconseqüentes que

contrataram demasiadamente.

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CAPÍTULO II

1- O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E AS HIPÓTESES

DE PERDA DA ESTABILIDADE

Não é exagero afirmar que o princípio da eficiência estaria para a

reforma administrativa assim como o princípio da legalidade está para o Estado

de Direito. Isto porque a eficiência no serviço público correspondeu à principal

justificativa do governo para a substituição da administração dita burocrática

por uma administração gerencial.

Na tentativa de materialização desta administração pública gerencial,

em que a EC 19/98 configurou-se como o principal instrumento concretizador,

foram criadas várias figuras jurídicas, tais como: as organizações sociais, as

agências executivas e reguladoras, o contrato de gestão, assim como a

modificação quase que completa de direitos já existentes, como foi o caso da

estabilidade do servidor público.

Tratando especificamente da estabilidade do servidor público, a

EC 19/98, tendo como justificativa a obtenção de maior eficiência no serviço

público, modificou substancialmente o direito do servidor à estabilidade, seja

pelo acréscimo de novas exigências para aquisição do direito, seja pelo

enrijecimento de outras, bem ilustrado pelo aumento do tempo para aquisição

da estabilidade pelo servidor público concursado, de dois para três anos, ou

pelo aumento das causas de perda desse direito, que trataremos de forma

mais detalhada no decorrer deste capítulo.

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1.1- Conceito e questões relevantes sobre o princípio da

eficiência

É num contexto voltado para uma administração de resultados e

diante da tentativa de se retirar o Estado brasileiro da esfera de gestão direta

de seus serviços, para posicioná-lo como avaliador do exercício da função

pública exercida por seus agentes, que o constituinte derivado incluiu a

eficiência como princípio constitucional.

A EC 19/98 trata a eficiência como finalidade da reforma

administrativa. O novo conceito instaurado no contexto da administração

gerencial, o de cliente, em substituição ao de administrado, cumpriu papel

importante para justificar a inclusão da eficiência como princípio constitucional.

O artigo 3º da EC 19/98 introduziu modificações consideráveis no

artigo 37 da CRFB, entre elas a implementada no caput deste artigo, que

incluiu a eficiência como princípio setorial da Administração Pública.

A palavra “eficiência” está ligada à idéia de ação direcionada à

produção de resultado, de modo rápido e preciso, para satisfazer às

necessidades da sociedade. Este termo tem como antônimo: lentidão,

descaso, negligência e omissão. A eficiência está ligada à correta e adequada

utilização dos recursos disponíveis. Trata-se de um problema de otimização

dos meios.

O princípio da eficiência obriga o agente público a uma atuação que

produza resultados favoráveis à concretização dos fins que cabem ao Estado

alcançar. Tal princípio, associado à Administração Pública, determina o dever

desta de agir de modo rápido e preciso, para produzir os resultados que

satisfaçam à necessidade da população.

A eficiência, considerada sob seu ponto de vista jurídico e na esfera

da Administração Pública tem duas dimensões: a da racionalidade e

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23

otimização no uso dos meios e a da satisfatoriedade dos resultados da

atividade administrativa pública. Em seu sentido jurídico, no âmbito da

Administração Pública, o termo “eficiência” relaciona-se ao dever do Poder

Público de organizar sua atuação para a satisfação das necessidades de

interesse público.

É justamente sobre a dimensão da otimização no uso dos meios que

reside uma questão determinante da eficiência na Administração Pública: a

qualificação de pessoal. Isto porque, considerando na máquina administrativa a

qualidade e competência dos agentes públicos, estes são mais importantes na

determinação de uma administração pública eficiente que os aspectos

materiais e de infraestrutura. No entanto, observa-se que, a partir da reforma

administrativa de 1998, muito pouco tem sido feito (além dos parcos

investimentos que o governo já fazia antes) no que se refere a investimentos

para qualificação de recursos humanos, que corresponde ao principal

elemento na propulsão de um serviço público de qualidade.

1.2- Hipóteses de perda da estabilidade do servidor público

Com o aumento das hipóteses de perda da estabilidade, houve uma

flexibilização, uma atenuação deste direito, na medida em que ficou mais fácil

se perder o cargo e, conforme já vimos anteriormente, mais difícil de adquirir o

direito à estabilidade, não apenas pelo aumento do requisito temporal, mas

também pelo acréscimo de novos requisitos, como, por exemplo, servidores

nomeados para cargo de provimento efetivo.

A Constituição, após a modificação implementada pela EC 19/98,

prevê quatro possibilidades de perda do cargo por parte do servidor público,

quais sejam:

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a) Em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

O artigo 41, §1º, I da CRFB, ao referir-se à sentença transitada em

julgado, refere-se à coisa julgada material, ou seja, quando não há a

possibilidade de modificar a sentença neste – ou em qualquer outro processo –

isto porque não teria sentido o servidor perder o cargo se o conflito em razão

do qual ele foi condenado pudesse ser reexaminado em outro processo,

havendo possibilidade de ser o servidor absolvido.

Uma outra questão necessária ao pleno entendimento deste

dispositivo constitucional é que o fato praticado pelo servidor público poderá

ser passível de punição na esfera penal e administrativa (não há referência à

esfera civil porque a reparação do dano patrimonial não tem caráter de sanção,

e sim, de mero restabelecimento da situação anterior). Basta que a infração

prevista pela Lei 8.112/90 também esteja tipificada em um diploma penal.

Na verdade, o processamento de apuração, julgamento e punição de

infração cometida por servidor público, ensejadora de demissão do serviço

público, pode acontecer em esferas independentes. O ordenamento jurídico

nacional reconhece a total independência das esferas administrativa e penal,

processo que se estende da apuração de fato desencadeador de demissão de

servidor público à punição. O servidor estável já pode ser demitido, finalizado o

processo administrativo em que lhe tenha sido assegurada ampla defesa,

mesmo que ainda esteja em curso a ação penal fundada no mesmo fato.

b) Mediante processo administrativo em que seja assegurada ampla

defesa ao servidor público

Esta modalidade de perda do cargo público já era prevista pela

Constituição antes mesmo da EC 19/98, não tendo sofrido modificações com o

advento desta.

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25

O processo administrativo, referido pelo artigo 41, §1º, II da CRFB, é

o processo administrativo disciplinar que corresponde, dentro do ordenamento

jurídico pátrio, a um dos meios de apuração de ilícitos administrativos. É mais

uma forma de concretização do Estado de Direito, estando o ato administrativo

submetido ao império da lei, na medida em que obedece aos ditames legais,

ou seja, a como o ordenamento jurídico administrativo determina que deva ser

praticado o ato. O processo administrativo relaciona-se com os direitos e

garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição. Entre eles, está

a garantia do devido processo legal, prevista no inciso LIV daquele artigo, nos

seguintes termos: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal”. Neste caso, esta garantia deve ser entendida em

sentido amplo, em que o termo “bem” representa o cargo público.

A doutrina tem dividido o processo administrativo disciplinar em várias

fases. São elas: Instauração, instrução, defesa, relatório e decisão. Quando

não houver elementos suficientes para a instauração do processo,

instaurar-se-á previamente uma sindicância para apuração destes elementos.

O regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das

autarquias e das fundações públicas federais (Lei 8.112/90) dispõe, em seu

artigo 146, sobre a obrigatoriedade de instauração de processo administrativo

disciplinar sempre que o ilícito praticado pelo servidor seja passível de sofrer

as seguintes penalidades: suspensão por mais de trinta dias, demissão,

cassação de aposentadoria, disponibilidade ou destituição de cargo em

comissão.

O artigo 41, §1º, II trata da perda do cargo por parte do servidor

estável, portanto, de demissão, e coloca como condição sine qua non a

existência de processo administrativo em que seja assegurada ampla defesa

ao servidor.

A Lei 8.112/90 elenca, em seu artigo 132, os casos em que será

aplicada a pena de demissão contra o servidor público. São eles: crime contra

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a Administração Pública; abandono de cargo; inassiduidade habitual;

improbidade administrativa; incontinência pública e conduta escandalosa na

repartição; insubordinação grave em serviço; ofensa física em serviço, a

servidor ou particular, salvo em legítima defesa, própria ou de outrem;

aplicação irregular de dinheiro público; revelação de segredo do qual se

apropriou em razão do cargo; lesão aos cofres públicos e dilapidação do

patrimônio público nacional; corrupção; acumulação ilegal de cargos,

empregos ou funções públicas; transgressão dos incisos IX a XVI do

artigo 117: valer-se de cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em

detrimento da dignidade da função pública; participar de gerência ou

administração de empresa privada, sociedade civil, salvo a participação nos

conselhos de administração fiscal de empresas ou entidades em que a União

detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social,sendo-lhe

vedado exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou

comandatário; atuar como procurador ou intermediário junto a repartições

públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais

de parentes até o segundo grau e de cônjuge ou companheiro; receber

propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de

suas atribuições; aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro;

praticar usura sob qualquer de suas formas; proceder de forma desidiosa;

utilizar pessoal ou recursos matérias da repartição em serviços ou utilidades

particulares.

Nos retromencionados incisos tem-se todos os tipos de ilícitos que, ao

serem praticados por servidores públicos, ensejam a sua demissão. Entretanto,

considerando a prática destes ilícitos, a demissão tem necessariamente que

ser antecedida de processo administrativo em que seja assegurada ampla

defesa ao servidor.

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c) Mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho,

na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

O texto constitucional de 1988 não dispunha sobre avaliação

periódica do servidor público para a verificação de seu desempenho. O que

existia era a sujeição do servidor à análise para se atestar a sua capacidade

para o desempenho do cargo, durante o estágio probatório, o que ainda existe

hoje, de forma mais explicitada, com o advento da EC 19/98.

Observa-se que atualmente a avaliação de desempenho é

procedimento presente quando se trata da estabilidade, tanto como requisito

de aquisição, como ensejador da perda da mesma, caso o servidor seja

reprovado na avaliação. Na verdade, esta possibilidade de perda de

estabilidade era passível de concretização, apesar de tal previsão não estar

individualizada na Constituição (antes da modificação trazida pela EC 19/98),

através do processo administrativo disciplinar, assegurada ampla defesa, caso

fosse apurado o descumprimento do dever funcional de prestação de serviço

público de qualidade, através da concretização da desídia, por parte do

servidor, no desempenho de suas funções. Além disso, a Lei 8.112/90 já

estabelecia, em seu artigo 116, I, como um dos deveres do servidor público

exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo.

Quanto a esta questão, Alice Gonzalez Borges fez observação

extremamente pertinente ao afirmar que

“um dos defeitos da reforma administrativa é o de tentar

solucionar antigos males do serviço público pela

introdução desnecessária, no texto constitucional, de

determinados dispositivos já largamente previstos em lei,

em decorrência de não estarem sendo cumpridos na

prática” (BORGES, 2000, p. 8)

Em relação aos destinatários desta avaliação periódica de

desempenho, entendemos que todos os servidores públicos estão sujeitos a

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ela, inclusive aqueles pertencentes às carreiras típicas de Estado, exceto

agentes políticos, membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos

Tribunais de Contas e demais autoridades que agem com independência

funcional no desempenho de suas atribuições, portanto, não compõem a

categoria dos servidores públicos.

É importante ressaltar que o artigo 41, §1º, III da CRFB não é auto-

aplicável: refere-se expressamente à necessidade de lei complementar para

regulamentar o procedimento de avaliação periódica. Entretanto, a referida lei

ainda não foi promulgada, mas o projeto a ela referente encontra-se em

tramitação no Congresso Nacional. Este projeto de lei complementar aponta

como destinatários apenas os servidores públicos estáveis, uma vez que tem

como objeto regulamentar uma das causas de perda deste direito.

O segundo capítulo do referido projeto de lei dispõe sobre os critérios

de julgamento, conceitos de avaliação e também sobre o processo de

avaliação. No artigo 4º, o legislador previu uma periodicidade anual para

realização da avaliação de desempenho, a qual deverá obedecer aos

princípios gerais da Administração Pública, dispostos no caput do artigo 37 da

CRFB, além do contraditório e da ampla defesa, tais como qualidade do

trabalho; produtividade no trabalho; iniciativa; presteza; aproveitamento em

programas de capacitação; assiduidade; pontualidade; administração do tempo

e uso adequado dos equipamentos de serviço. É importante ressaltar que o

referido projeto de lei dispõe que os mencionados critérios de julgamento

deverão ser adaptados de acordo com as funções do cargo exercido por cada

servidor.

d) Descumprimento do limite de despesa com pessoal previsto no

artigo 169, §4º da Constituição Federal

A EC 19/98, materializando o propósito do constituinte derivado de

flexibilizar a estabilidade do servidor público, acrescentou mais esta

possibilidade de perda do cargo por parte do servidor:

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Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da união,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não

poderá exceder os limites estabelecidos em lei

complementar.

(...)

§3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com

base neste artigo, durante o prazo fixado na lei

complementar referida no caput, a União, os estados, o

Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes

providências:

I- Redução em pelo menos vinte por cento das despesas

com cargos em comissão e funções de confiança;

II- Exoneração dos servidores não-estáveis.

§4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo

anterior não forem suficientes para assegurar o

cumprimento da determinação da lei complementar

referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o

cargo, desde que ato normativo motivado de cada um

dos Poderes especifique a atividade funcional, o

órgão ou unidade administrativa objeto da redução de

pessoal (grifo nosso).

A lei complementar a que se refere este artigo é a Lei Complementar

101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Caso não seja

obedecido o limite de despesa previsto por essa lei, o servidor estável perderá

o cargo, bastando para isso a edição de ato normativo motivado, emitido por

cada um dos Poderes, especificando a atividade funcional, o órgão ou unidade

administrativa objeto da redução de pessoal.

O caput do artigo 18 da lei de Responsabilidade Fiscal trata dos tipos

de despesas que são consideradas, para efeito de somatório, dos gastos dos

entes da federação, para o cumprimento do limite previsto no artigo 19, que é:

para a União, 50% da sua receita corrente líquida, para os Estados e

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Municípios, 60% de suas receitas correntes líquidas. Estes limites de despesas

deverão ser considerados em cada período de apuração e considerando

individualmente cada ente da federação. Conforme dispõe o artigo 18 da

mesma lei, são considerados despesa total com pessoal: gastos som os ativos,

os inativos, os pensionistas, com mandatos eletivos, cargos, funções,

empregos civis, militares ou de membros de Poder.

São considerados ainda para efeito de somatório de despesa total

com pessoal: quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e

vantagens fixas e variáveis, subsídios, proventos de aposentadoria, reformas e

pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais

de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas

pelo ente às entidades de previdência.

O artigo 19, §1º dispõe sobre os tipos de despesa que não serão

computados para efeito dos limites estabelecidos nos incisos deste artigo.

Entre eles, estão: despesas oriundas de indenização por demissão de

servidores ou empregados e despesas relativas a incentivo de demissão

voluntária e às parcelas indenizatórias pagas aos membros do Poder

Legislativo pelas sessões legislativas extraordinárias. Ora, excluir esse tipo de

despesa do limite máximo determinado pela Constituição e previsto nesta lei

complementar mostra apenas que o verdadeiro intuito do governo, ao defender

a flexibilização da estabilidade concretizada pela EC 19/98, não foi a

preservação da qualidade do serviço público, e sim, a diminuição da despesa

com pessoal a todo custo, exceto com o sacrifício do próprio Legislativo, de

onde adveio a lei. Aliás, é o que resta comprovado com a própria inserção na

Constituição desta causa de perda da estabilidade, que em nada se relaciona

com qualquer comportamento indevido ou ineficiente do servidor e para cuja

perda o servidor em nada contribuiu. A drástica implantação do enxugamento

da máquina administrativa foi efetivada às custas do sacrifício daqueles que

seriam justamente os principais artífices das execução de qualquer reforma de

Estado: os servidores públicos.

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CAPÍTULO III

A ESTABILIDADE E O DIREITO ADQUIRIDO

Neste último capítulo do nosso trabalho, nos dedicaremos à questão

da possibilidade de manutenção do direito servidor público estável de

permanecer no cargo sem ser atingido por novas condições resolutivas, ou

seja, novas possibilidades de perda do cargo introduzidas pela EC 19/98.

O questionamento do direito adquirido do servidor público frente à

emenda constitucional há muito vem sendo exaustivamente discutido e é, sem

dúvida, uma das questões mais polêmicas da doutrina.

A questão do direito adquirido do servidor público à estabilidade gira

em torno dos seguintes pontos: direito adquirido e regime

jurídico-administrativo.

Considerando o dinamismo das relações sociais, sabemos que,

geralmente, a lei disciplina assuntos já regulamentados em lei anterior, ou seja,

disciplina interesses relativos a determinada matéria que já foi objeto de

regulamentação em lei anterior. Uma vez dispondo a lei nova sobre a mesma

matéria e de forma diversa que a lei anterior, temos um conflito de leis no

tempo.

Há acontecimentos (fatos e atos jurídicos) que nasceram no passado,

mas não estão juridicamente finalizados, ou seja, aqueles cujos requisitos para

a aquisição do direito já se realizaram no passado, mas não houve ainda o

gozo, o desfrute deste direito. É em relação a este tipo de acontecimento que

surge a figura do direito adquirido. Bandeira de Mello defende que

“Mesmo se não existisse a previsão constitucional da

figura do direito adquirido, os acontecimentos que não se

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exauriram no passado e cuja fruição se estende ao

presente estariam protegidos dos efeitos da nova lei, com

base na noção de irretroatividade e pela imposição de

respeito ao ato ou fato jurídico perfeito” (MELLO, 1998,

p.56).

Não existe na doutrina consenso acerca do conceito de direito

adquirido. Talvez esta ausência de consenso também se explique pelo fato de

a Constituição não conceituar direito adquirido, limitando-se a assegurar a sua

intocabilidade, assim como o do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. O

ordenamento jurídico brasileiro abraça a irretroatividade como regra, enquanto

a retroatividade configura exceção.

1- Conceito e função de direito adquirido

Podemos considerar que direito adquirido é a garantia de exercício

sobre qualquer bem resultante de fato jurídico, legitimamente incorporado ao

patrimônio de alguém, não sujeito ao império da lei posterior. Bandeira de

Mello faz uma analogia interessante sobre o tema. Para o autor,

“O direito adquirido é uma blindagem. É o encasulamento

de um direito que segue e seguirá sempre envolucrado

pela lei do tempo de sua constituição, de tal sorte que

estará, a qualquer época, protegido por aquela mesma lei

e por isso infenso a novas disposições legais que

poderiam afetá-los”. (MELLO, 1998, p. 58)

Conforme nos referimos anteriormente, como pressuposto do direito

adquirido tem-se a lei. Ou seja, é necessário que exista a lei para que, com

base nela, exista o direito adquirido. Mas somente a existência de lei não é

suficiente para a firmação do direito adquirido como garantia do cidadão: é

necessário que haja sucessão legislativa no sentido de substituição de lei

antiga pela lei nova. É a partir dessa situação que o direito adquirido se

contextualiza e passa a ser concretizado, pois é partir da permutação da norma

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jurídica anterior por uma nova que disponha de maneira diferente que o direito

adquirido tem como se reafirmar.

É função própria do direito adquirido garantir, través do tempo, a

permanência das conseqüências jurídicas de normas que foram modificadas

ou suprimidas. Bandeira de Mello entende a função do direito adquirido como

sendo

“A garantia da sobrevivência da lei antiga para disciplinar

relações jurídicas nascidas no passado, mas que

permaneceram no presente e se projetam para o futuro. O

direito adquirido, então, serve para garantir a segurança

jurídica”. (MELLO, 1998, p. 58)

Sem dúvida, a segurança jurídica é imprescindível para o convício e

harmonia social. Deverá ser dada maior importância à segurança jurídica para

que se evite que, por causa de fenômenos decorrentes da incompetência

administrativa ou conveniência política, sejam relevados os efeitos decorrentes

de direitos que o servidor levou anos para incorporar ao seu patrimônio. O

direito adquirido nada mais é que um instrumento que põe em relevo a

segurança jurídica, pois corresponde à maneira de materializá-la. Bandeira de

Mello entende que

“A segurança e a estabilidade jurídicas são valores

altamente importantes no ordenamento jurídico e, como

forma de evitar o risco que colocaria em permanente

sobressalto as partes da relação jurídica, deve-se

conceber que, em casos específicos, a força da lei antiga

se perpetue para o futuro, assegurando relações

constituídas, porém inacabadas, que se iniciaram sob o

seu império”. (MELLO, 1998, p. 56)

A Constituição de 1988 foi fiel ao princípio da intangibilidade do direito

adquirido, prevendo-o expressamente em seu Capítulo II - Dos Direitos e

Garantias fundamentais, especificamente no artigo 5º, XXXVI, quê dispõe:

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Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito

à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato

jurídico perfeito e a coisa julgada”.

É posicionamento dominante na doutrina e jurisprudência nacionais a

inexistência de direito adquirido frente à Constituição. A questão surge na

medida em que tenha havido a aquisição de determinado direito que teve por

base a ordem jurídica revogada e a partir do surgimento do novo texto

constitucional que não previu a aquisição de tal direito.

Pacífico é o entendimento de que o direito adquirido está totalmente

garantido, caso venha a ser confrontado com norma infraconstitucional

posterior. Tal entendimento justifica-se pela própria disposição das normas no

ordenamento jurídico, em que a Constituição é a lei máxima, hierarquicamente

superior às demais normas do ordenamento, e é ela que garante o respeito ao

direito adquirido frente à agressão de qualquer lei infraconstitucional. Neste

mesmo sentido, afirma Martins Cardozo que

“A doutrina e a jurisprudência tem se posicionado de

forma induvidosa no sentido de que o respeito aos

direitos adquiridos, aos atos jurídicos perfeitos e à coisa

julgada de forma alguma poderá ser excepcionada pelas

leis – caso exista exceção neste campo, esta

submeter-se-á às normas constitucionais”. (CARDOZO,

1995, p. 312)

No Direito Brasileiro é pacífica a intocabilidade do direito adquirido

quando confrontado com uma lei ordinária, que não poderá prejudicá-lo. A

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categoria que mais tem gerado controvérsia no que respeita ao seu confronto

com o direito adquirido é a emenda constitucional. Tais controvérsias estão

mais presentes no âmbito da doutrina, pois, considerando a jurisprudência

nacional, sobretudo a dos tribunais, esta é quase unânime em não aceitar

direito adquirido quando este entra em confronto com emenda constitucional,

sobretudo quando esta se refere a direito adquirido de servidor público.

1.1- O direito adquirido e o regime dos servidores públicos

Direcionando o uso da expressão “regime jurídico” para os servidores

públicos, trata-se do conjunto de normas que dispõem sobre os deveres, os

direitos e demais aspectos da vida funcional do servidor. Odete Medauar

define o regime estatutário como sendo

“Aquele em que os direitos, deveres e demais aspectos

da vida funcional do servidor estão contidos basicamente

em uma lei denominada Estatuto. O estatuto pode ser

alterado no decorrer da vida funcional do servidor,

independente de sua anuência, ressalvados os direitos

adquiridos”. (MEDAUAR, 1998, p. 333)

Não é conferida a possibilidade ao servidor público (embora este sendo

uma das partes da relação trabalhista) de estabelecer os critérios para compor

o estatuto do pessoal da Administração Pública, assim como não lhe é

facultada a modificação das regras vigentes quando da sua admissão, mas tal

possibilidade é conferida à Administração Pública. A manifestação da vontade

por parte do servidor se dá quando da sua posse.

O estatuto do servidor pode ser geral (que estabelece as diretrizes

básicas das relações estatutárias entre o servidor e o pode público, fixando

suas diretrizes fundamentais) e particular (que disciplinará a relação de

determinadas categorias funcionais). Nestes casos, o próprio estatuto

determinará quando o estatuto geral deverá ser aplicado subsidiariamente.

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Conforme o doutrinador Bandeira de Mello,

“As relações contratuais se caracterizam pelo fato de os

direitos e obrigações dos empregados e da própria

Administração Pública que foram definidos na ocasião do

acordo não serem passíveis de modificação unilateral por

nenhuma das partes, isso porque esses direitos e

obrigações aderem ao patrimônio das partes, gerando de

imediato direito adquirido em relação a eles”. (MELLO,

1999, p. 183)

1.2- O direito adquirido na jurisprudência

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao se posicionar quanto a direito

adquirido frente à emenda constitucional, tem optado por interpretar o termo

“lei”, presente também em textos constitucionais anteriores e contido no

artigo 5º, XXXVI da CRFB/88 (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato

jurídico prefeito e a coisa julgada), em sentido estrito ou formal, referindo-se

apenas às normas infraconstitucionais. Ou seja, sendo a Constituição norma

em sentido material, segundo o entendimento do Supremo acerca do termo

“lei”, não se aplica a qualquer de seus dispositivos, ainda que acrescidos ou

modificados por emendas constitucionais, a proteção ao direito adquirido

disposta no retromencionado dispositivo constitucional.

Assim, resta pacificado no âmbito jurisdicional, inclusive já consagrado

pelo Supremo, posicionamento segundo o qual não pode haver direito

adquirido contra preceito expresso da Constituição. Por outro lado, não há

como se negar o direito adquirido à estabilidade àquele que completou o

tempo determinado pela lei na vigência de lei anterior. Defender outro

posicionamento seria uma negação do que determina a própria Constituição.

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CONCLUSÃO

A reforma administrativa, que na última década vem sendo implantada

no país, não foi a primeira pela qual a Administração Pública já passou. As

décadas de 30 e de 60 também vivenciaram modificações que foram

implantadas na Administração Pública. Esses ciclos de reformas pelas quais

esta tem passado tem sido atribuídos à supervalorização dada ao elemento

institucional, à crença de que a reforma administrativa corresponde ao remédio

para todos os males da Administração Pública e a um total desapreço pela

continuidade, um dado cultural dos administradores brasileiros. Esta sucessão

de mudanças se deu não só no âmbito geral da Administração Pública, como

também atingiu o próprio delineamento de alguns direitos, no caso específico,

o da estabilidade. O conceito que a maioria dos doutrinadores tem atribuído a

este instituto jurídico tem variado bastante de acordo com as várias definições

legislativas atribuídas ao instituto.

Entendemos a estabilidade como o direito que o servidor público adquire

ao atender todas as exigências previstas em lei, de permanecer trabalhando

para a Administração Pública, limitado pelas prescrições legais de como este

direito pode ser perdido. Em outras palavras, a estabilidade é o direito do

servidor público de permanecer vinculado à pessoa estatal em razão do

trabalho, sendo a ineficácia deste vínculo subordinada a evento futuro e

incerto, dentre os previstos em lei (hipóteses de perda da estabilidade- objeto

de estudo em nosso segundo capítulo).

A estabilidade do servidor público corresponde à materialização de um

dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 1º, IV

da CRFB: o valor social do trabalho. A EC 19/98 trouxe muitas modificações ao

direito à estabilidade, o que se convencionou chamar de flexibilização da

estabilidade do servidor público.

O que houve foi um enrijecimento no que respeita à possibilidade de se

adquirir o direito à estabilidade e uma flexibilização desse direito quando já

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adquirido pelo servidor, na medida em que foram acrescidas novas

possibilidades de perda desse direito. Ou seja, ficou mais difícil adquirir o

direito e muito mais fácil perder o direito de continuar trabalhando na

Administração Pública.

Como estratégia política para conseguir implantação da reforma

administrativa, o governo passou a divulgar amplamente nos meios de

comunicação a idéia de que o principal mal da Administração Pública estava

nos seus servidores, que eram indolentes, preguiçosos, e, muitos deles,

marajás. Isto porque o servidor público seria o principal alvo das mudanças

que viriam com a reforma.

A opinião pública foi aos poucos absorvendo tal ideologia e, por ocasião

da aprovação da EC 19/98, apesar de muitos movimentos por parte dos

sindicatos dos servidores e políticos de esquerda, quase não houve resistência

da sociedade em geral. Entretanto, tal estratégia utilizada pelo governo no que

respeita aos servidores públicos revelou-se extremamente equivocada.

Primeiro, porque foi generalizada e divulgada uma situação que correspondia

apenas à realidade de pequena parcela de servidores públicos. E,

principalmente, porque através dessa estratégia caluniosa, o governo perdeu o

apoio do elemento mais importante de qualquer administração: o elemento

humano. Sem o apoio deste é impossível se implantar qualquer reforma efetiva

que funcione no dia-a-dia, apesar de modificadas as instituições.

Portanto, divergindo da posição do STF, que já se pronunciou em

sentido contrário em controvérsias relacionadas ao direito adquirido,

entendemos que existe direito adquirido em frente à emenda constitucional.

Entendemos, ainda, que a perda de cargo público decorrente de excesso de

despesas com pessoal não se aplica aos servidores públicos que ao tempo da

promulgação da EC 19/98 já tinham adquirido o direito à estabilidade, sob

pena de se ferir a Constituição, que é a garantia fundamental do direito

adquirido, e o princípio geral do Direito de que a sanção não deve passar da

pessoa do infrator. E, no caso de excesso de despesas com pessoal, todos

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sabem quem são os infratores: administradores irresponsáveis, nepotistas e

clientelistas, absolutamente descompromissados com o interesse público.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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