(CURY M X) Comunicação Museológica

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  • MARLIA XAVIER CURY

    COMUNICAO MUSEOLGICA:

    UMA PERSPECTIVA TERICA E METODOLGICA DE RECEPO

    Tese apresentada rea de Concentrao: Comunicao

    da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de

    So Paulo, como exigncia parcial para obteno do Ttulo

    de Doutora em Cincias da Comunicao, sob a orientao

    da Profa. Dra. Maria Immacolata Vassalo de Lopes.

    So Paulo

    2005

  • 2

    BANCA EXAMINADORA

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  • 3

    DEDICATRIA

    A Ana Carla Alonso, Aureli Alves de Alcntara,

    Emlia Paula Vieira e Joana Montero Ortiz, pela

    competncia, amizade e lealdade.

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Vrias pessoas colaboraram com esta tese e agradeo a todas elas:

    - Ana Maria Gantois, Adriana Almeida, Camilo Vasconcellos, Dalva Bolognini, Denise

    Studart, Eilean Hooper-Greenhill, Elly Ferrari, Ilce Cavalcante, Luciana Seplveda,

    Tereza Scheiner e Teniza Spinelli, por indicao de bibliografia;

    - Cristina Bruno, pelas discusses e contribuies crticas e construtivas;

    - Erika Robrahn-Gonzlez e Paulo De Blasis, pela disponibilidade de ensinar arqueologia e

    de aprender museologia (atitudes fundamentais para a atuao interdisciplinar em

    museus);

    - colegas Maria Aparecida Alves, Maria Aparecida G. Andrade, Cida Santos, Camilo M.

    Vasconcellos, Carla G. Carneiro, Elly Ferrari e Judith M. Elazari do Servio Tcnico de

    Musealizao da Diviso de Difuso Cultural, pelo apoio e incentivo;

    - colegas do Curso de Especializao em Museologia, pelo apoio e incentivo;

    - todos os funcionrios da Biblioteca do MAE/USP, pela eficincia;

    - Fernandes de Souza Filho e Hlio de Oliveira, por tudo o que fizeram pela equipe do

    projeto Museu gua Vermelha;

    - funcionrios do Museu gua Vermelha, pela disponibilidade de ajudar;

    - ICOM Brasil, pelo apoio no levantamento de pesquisas brasileiras de recepo em museu;

    - Pr-Reitoria de Cultura e Extenso Universitria, USP, por apoio financeiro para

    divulgao e discusso do projeto Museu gua Vermelha;

    - Maria Margaret Lopes e Maria Aparecida Baccega, pelas valiosas orientaes durante a

    qualificao;

    - minha orientadora, a Profa. Dra. Maria Immacolata Vassallo de Lopes, pelo apoio

    essencial em todos os momentos.

  • 5

    RESUMO

    Comunicao museolgica: uma perspectiva terica e metodolgica de recepo.

    Esta uma pesquisa que aproxima as reas de comunicao e museologia, com o objetivo de

    realizar um estudo de recepo de pblico de museu. A recepo estudada de forma

    integrada com as condies de produo e entendida como um processo mediado pelo

    cotidiano do pblico. Tem como referencial terico a proposio de Jess MartnBarbero, que deslocou o foco dos estudos de comunicao do meio para as mediaes que se do no

    cotidiano. Junto produo do mesmo autor, busquei as bases para a construo do

    experimento metodolgico e para a interpretao dos dados. De acordo com MartnBarbero, o cotidiano se potencializa na questo popular como uma esttica que aproxima ou distancia o

    pblico dos produtos culturais e comunicacionais. Dessa forma, foram estabelecidas

    abordagens conceituais como possibilidades de vnculos entre sujeitos e culturas no processo

    de comunicao museolgica. As formas de apropriao do pblico dessas abordagens foram

    analisadas visando a contribuir para a construo de uma teoria compreensiva da recepo

    museolgica. O experimento emprico teve como locus de aplicao o Museu gua Vermelha

    e a exposio Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria, instituio de antropologia situada no interior

    do Estado de So Paulo, e envolveu os sujeitos do processo de comunicao, os profissionais

    os emissores e um grupo de estudantes os receptores.

    Palavras-chave: Recepo em museu. Avaliao museolgica. Comunicao museolgica.

    Exposio antropolgica. Educao em museu.

  • 6

    ABSTRACT

    Museological communication: a theoretical and methodological perspective of reception.

    This is a research that approaches the areas of communication and museology, with the

    objective of making effective a study on reception of public of museum. The reception is

    studied in a form integrated with the production conditions and is understood as a process

    mediated by the quotidian public. It has as theoretical reference the proposition of Jess

    Martn-Barbero who displaced the focus of medium studies of communication to the

    mediations occurring in the quotidian. Together with the production of the same author, I

    searched the basis for the construction of the methodological experimentation and for the

    interpretation of the data. In accordance with Martn-Barbero, the quotidian is potentialized in

    the popular question as an aesthetics that approximates or separates the public from the

    cultural and communicational products. This way, some conceptual references have been

    established as possibilities of links between subjects and cultures in the process of

    museological communication. The forms of appropriation of the public for these links have

    been analyzed aiming to contribute with the construction of a comprehensive theory of

    museological reception. The empirical experimentation had as locus of application the gua

    Vermelha Museum and the exhibition Ouroeste: 9 Thousand Years of History, institution of

    anthropology localized in the interior of So Paulo State, and involved the subjects of

    communication process, the professionals the transmitters and a group of students the receivers.

    Keywords: Reception in museum. Museological evaluation. Museological communication.

    Anthropological exhibition. Education in museum.

  • 7

    LISTA DE TABELAS

    QUADRO 1 Museus brasileiros com colees arqueolgicas e etnogrficas 143

    QUADRO 2 Pesquisas acadmicas brasileiras de recepo em museus:

    levantamento geral

    195

    QUADRO 3 Pesquisas acadmicas brasileiras de recepo em museus: objetivos e

    metodologias

    199

    QUADRO 4 Coleta de dados com estudantes 215

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO 11

    1. A ESTRUTURA DA TESE 11

    2. A PESQUISA 13

    2.1 OBJETO DE ESTUDO 18

    2.2 OBJETIVOS E HIPTESES 22

    2.3 SNTESE DA METODOLOGIA ADOTADA 26

    3. COMUNICAO E MUSEOLOGIA

    BREVE PANORAMA DA APROXIMAO 27

    3.1 SEMITICA E SEMIOLOGIA NO MUSEU 31

    CAPTULO 1 OS SUJEITOS DO MUSEU 39 1.1 O PBLICO COMO SUJEITO 41

    1.2 EXPRESSES DO PBLICO-SUJEITO 50

    1.3 EXPRESSES DO MUSEU E DO PROFISSIONAL-SUJEITO 53

    CAPTULO 2 COMUNICAO EM MUSEUS E COMUNICAO MUSEOLGICA 60

    2.1 MUSEU TRANSMISSO 61

    2.2 A FLEXIBILIZAO DO MUSEU 71

    2.3 MUSEU E AS MEDIAES DO COTIDIANO 75

    2.4 UM NOVO PARADIGMA PARA O MUSEU 83

    CAPTULO 3 LINGUAGEM CONDENSADA, LINGUAGEM ENGENHOSA 87 3.1 RETRICA ARGUMENTATIVA

    OBJETO, TEMPO, ESPAO E AMBINCIA 95

  • 9

    3.2 COLEES ANTROPOLGICAS

    ARTEFATOS "FORA DE LUGAR, MAS DENTRO DO MUNDO" 110

    3.3 OS DESAFIOS COMUNICACIONAIS DAS EXPOSIES SOBRE O PASSADO

    PR-COLONIAL BRASILEIRO - O SUBTEXTO INVISVEL 122

    3.3.1 A diversidade cultural como pretexto para a alteridade 124

    3.3.2 Tolerncia, cooperao e solidariedade 126

    3.3.3 Territorializao, desterritorializao e reterritorializao 130

    3.3.4 Saberes complexos, saberes do cotidiano e saberes populares 133

    CAPTULO 4 AS CONDIES DE PRODUO DO MUSEU GUA VERMELHA E AS CONDIES DE PRODUO DA EXPOSIO OUROESTE: 9 MIL ANOS

    DE HISTRIA 140

    4.1 DA ARQUEOLOGIA MUSEOLOGIA

    AS ORIGENS DO MUSEU GUA VERMELHA 148

    4.2 O PROJETO MUSEOLGICO INSTITUCIONAL 154

    4.3 O PROGRAMA ARQUITETNICO 156

    4.4 A EXPOSIO OUROESTE: 9 MIL ANOS DE HISTRIA

    OS DISCURSOS EXPOSITIVO E EDUCATIVO 159

    4.4.1 A expografia 164

    4.5 A METODOLOGIA DE TRABALHO 171

    4.5.1 O treinamento da Equipe Local 176

    4.5.2 O trabalho conjunto com os arquelogos 178

    CAPTULO 5 A PESQUISA ACADMICA DE RECEPO DE PBLICO EM MUSEUS NO BRASIL 184

    5.1 A PESQUISA DE RECEPO DE MUSEUS NO BRASIL 192

  • 10

    CAPTULO 6 A PESQUISA DE RECEPO NO MUSEU GUA VERMELHA 211 6.1 O EXPERIMENTO METODOLGICO: O MULTIMTODO PARA O MUSEU

    GUA VERMELHA 211

    6.1.1 A coleta de dados com a Equipe de Gesto Museolgica 212

    6.1.2 A coleta de dados com a Equipe Local 213

    6.1.3 A coleta preliminar de dados com o pblico 214

    6.1.4 A coleta de dados ps-visita 216

    6.2 A FALA DOS SUJEITOS 217

    6.2.1 A fala da Equipe de Gesto Museolgica 217

    6.2.2 A fala da Equipe Local 228

    6.2.3 A primeira fala dos receptores 232

    6.2.3.1 A relao dos estudantes com a arqueologia 235

    6.2.3.2 A relao dos estudantes com o ndio brasileiro 241

    6.2.4 Os sujeitos da recepo 244

    6.2.4.1 Dados de observao da recepo 245

    6.2.4.2 O que chamou a ateno dos receptores? O que eles acharam da exposio? 254

    6.2.4.2.1 A ambincia, a ao educativa e a relao do pblico com o museu 254

    6.2.4.2.2 Os vnculos com o passado pr-colonial brasileiro 274

    6.3 SNTESE DA RECEPO 299

    6.3.1 Sntese dos dados de recepo do questionrio 299

    6.3.2 Sntese da observao da recepo 301

    6.3.3 Sntese do registro escrito da recepo 304

    CONSIDERAES FINAIS 311

    BIBLIOGRAFIA 324

    ANEXOS 351

  • INTRODUO

    "Hoje, uma diversificao cada vez maior de especialidades profissionais interagem num museu, permeando a curadoria de acervos: o estudo para determinar a seleo e coleta de objetos e, depois de sua agregao aos museus, as pesquisas de diversas naturezas desenvolvidas em torno desses mesmos objetos, para melhor entender os seus significados intrnsecos e seus significados inferidos, isto , aqueles apreensveis a partir da sua morfologia e aqueles que, associados a outros elementos, possam levar alguma compreenso mais clara das sociedades que os produziram e utilizaram; o desenvolvimento de tcnicas para a sua boa conservao e eventual restaurao sem prejuzo de sua capacidade informativa; diferentes concepes, estratgias e articulaes para exp-los ao grande pblico; o desenvolvimento de sistemas que estimulem o pblico a explorar as muitas possibilidades de uma exposio e de um acervo so as metas buscadas pelos muselogos e por todos aqueles que exercem a curadoria de acervos e de exposies nos museus, em suas diferentes facetas."

    Helosa Barbuy

    1. A estrutura da tese

    Esta pesquisa emprica e exploratria e visa a levantar um conjunto de hipteses que

    podero orientar ou ser aprofundadas pesquisas futuras desse carter. Pretendi construir um conhecimento inicial no campo da museologia apoiado pela rea da comunicao.

    Seguindo as orientaes de Immacolata Lopes, a pesquisa se desenvolveu na confluncia dos

    campos de comunicao, pesquisa de recepo, museologia e antropologia, visando ao

    alargamento de limites desses campos (2000-2001, p. 46) e construo de um quadro

    interpretativo que permita o tratamento da realidade emprica do Museu gua Vermelha

    (1993, p. 84). O quadro interpretativo foi criado para suprir, conforme apontado por Garca

    Canclini (1993, p. 33), um conjunto combinado de princpios tericos e metodolgicos

    transversais ainda no existentes nos estudos culturais, ou ainda, como apontado por

    Immacolata Lopes, suprir uma teoria compreensiva dos estudos de recepo (1993, p. 85)

    aplicada museologia.

  • 12

    Nesse sentido, esta tese se apresenta com a seguinte estrutura:

    Captulo 1 - Na trajetria dos museus houve uma transformao constante sobre a concepo de pblico de passivo a ativo e criativo, isto porque foi possvel ao pblico mudar a sua atitude de contemplao para um comportamento mental ativo e, finalmente, uma

    atitude de (re)criador do discurso museolgico. Neste captulo apresento a atual concepo de

    pblico como sujeito participante e criativo do museu, integrando nesta viso os profissionais

    dessa instituio. Para tanto, busquei reunir as falas de diversos profissionais de museu sobre

    esse tema.

    Captulo 2 - Apresento a aproximao feita entre as reas de comunicao e museologia a partir dos modelos comunicacionais adotados pelo museu. Considerando que

    vrias anlises poderiam ser realizadas, optei por discutir os modelos de comunicao

    museolgica a partir da concepo atual de sujeito do museu, conforme apresentado no

    Captulo 1, e a partir do paradigma proposto por Jess Martn-Barbero (1997a) de

    deslocamento "dos meios s mediaes". Esse autor, ao retirar dos meios o foco dos estudos

    em comunicao, deu nfase ao cotidiano do receptor como mediador da recepo e fez

    desvelar o popular como "lugar metodolgico" primordial. Martn-Barbero elucida quanto a

    uma esttica popular uma sensibilidade expressa claramente no folhetim, no melodrama e na telenovela como sntese da narrativa oral do folhetim e da emoo do melodrama. Captulo 3 - Discorro sobre a lgica do museu como meio, focando na exposio e ao educativa como a essncia da comunicao museolgica. Apresento-as como os

    elementos comunicacionais fundamentais do museu e como "lugares metodolgicos"

    essenciais para a pesquisa museolgica. No obstante serem o principal ponto de contato do

    museu com a sociedade, constituem-se em linguagens condensadas e altamente engenhosas.

    Ainda neste captulo apresento e discuto questes como alteridade, tolerncia, diversidade

    cultural e reterritorializao como uma problemtica que desafia as exposies e aes

  • 13

    educativas sobre o passado pr-colonial brasileiro, o que faz rever a finalidade dessas aes

    expositiva e educacional.

    Neste captulo proponho um modelo de experincia expogrfica e educativa baseada na teoria

    sobre rituais e na concepo de experincia esttica de John Dewey (1990).

    Captulo 4 - Apresento as condies de produo do Museu gua Vermelha e da exposio e ao educativa Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria.

    Captulo 5 - Exponho um quadro das pesquisas acadmicas de recepo brasileiras j realizadas, discutindo-o. Trao a diferena entre pesquisar o e pesquisar no museu para fazer a

    distino entre pesquisa da eficincia e pesquisa da eficcia, entre pesquisa centrada na

    emisso e a centrada na recepo, entre pesquisa sobre as condies de produo e pesquisa

    terica. Apresento como o experimento metodolgico para coleta, anlise e interpretao de

    dados empricos foi construdo e discorro sobre os dados interpretados.

    Nas Consideraes Finais analiso as contribuies da pesquisa de recepo museologia.

    2. A pesquisa

    O museu uma instituio complexa porque lida com a preservao e com a comunicao do

    patrimnio cultural. Estas duas responsabilidades so constitutivas de sua natureza

    institucional: preserva-se para comunicar as relaes sociais mediadas pelo objeto

    musealizado e comunica-se para preservar o patrimnio como vetor de conhecimento sobre

    essas relaes.

  • 14

    O objeto musealizado no museu ressignificado mltiplas vezes porque ele , como

    documento, analisado em sua materialidade, sua trajetria, e a partir de questes

    contemporneas que so tambm mltiplas, e ainda fragmentadas e mutantes.

    Os profissionais envolvidos so tantos quantos os exigidos para compor um quadro

    interdisciplinar. So vrios e de diferentes disciplinas para suprir a complexidade da

    instituio. Distribuem-se nas diversas especializaes do processo curatorial cadeia operatria pela qual o objeto passa e na qual ele musealizado, ou seja, alcana o status

    museolgico. O objeto adquirido, estudado, conservado, documentado e comunicado. O

    museu, por assim dizer, uma instituio preservacionista e de comunicao, sendo que se

    agregam ao seu perfil institucional o carter de meio de comunicar e a comunicao como

    funo social. uma instituio cultural, de cultura material, e portanto, integrante e

    participante de uma dinmica na qual atuam igualmente o profissional de museu e a

    sociedade. atravs da comunicao que o museu se faz visvel sociedade e ganha forma.

    Esta tese de doutorado se desenvolve no eixo entre o uso pblico do museu e as formas

    adquiridas a partir desse uso e se fundamenta em quatro premissas. Primeira: o museu tem

    uma responsabilidade social nica: no h outra instituio que se ocupe do estatuto do

    objeto, preservando-o e comunicando os seus significados. Segunda: comunicao e cultura

    so articulaes mtuas, definindo um processo de comunicao cultural, aquela em que a

    dimenso e a dinmica comunicativa da cultura esto em primeiro plano. Se cultura e

    comunicao esto imbricadas, a cultura material aquela que se estabelece a partir da

    relao dos homens entre si mediada pelo objeto e comunicao museolgica aquela mediada por instituies preservacionistas tambm esto. Terceira: cultura e comunicao se articulam com educao porque o museu prope um processo de (re)significao do objeto

    que se realiza no bojo da cultura material por meio da comunicao museolgica, processo

    consciente para os participantes que aceitam, rejeitam, propem, negociam o bem

  • 15

    ressignificado. O prprio ato de musealizar retirada do circuito comercial e insero no circuito museal (re)significao cultural e discutido com o pblico. A educao preconizada pelo museu , sobretudo, de natureza atitudinal pois se realiza na perspectiva da

    construo de valores patrimoniais. Quarta: o museu trabalha na perspectiva da comunicao

    social.

    Se esta pesquisa busca configurar o museu a partir da maneira como apropriado pelo

    pblico, ento tem como ponto referencial privilegiado a recepo. Considera, entretanto, que

    a recepo no uma ao que se possa analisar isoladamente, e sim integrada produo,

    veiculao, difuso e consumo1. A comunicao um processo que transcorre entre, posso

    sintetizar, dois plos o emissor e o receptor. A instituio museu v hoje com clareza a premncia de privilegiar o receptor sem detrimento

    das aes do processo curatorial. A rea de comunicao museolgica entende que a

    participao no processo de (re)significao cultural um pleno direito cidadania,

    entendimento que situa o pblico como agente, ator, sujeito participante e criativo do processo

    de comunicao no museu e indivduo exercendo a cidadania.

    Um confronto inicial entre a rea da comunicao e a comunicao museolgica demonstra

    que, apesar de o museu ter no pblico uma referncia primordial, ainda so encontrados em

    suas prticas modelos de comunicao que, embora hegemnicos, esto ultrapassados. Esses

    modelos se manifestam claramente em estudos de pblico realizados nesse contexto,

    revelando motivos e intenes que atendem a interesses ora mercadolgicos, ora

    funcionalistas ou de cunho behaviorista. Constato que o modelo da cincia da informao

    ainda influencia fortemente uma prtica condutivista nos museus, ou melhor, h uma relao

    assimtrica entre emissor e receptor estruturada em uma postura de transmisso de

    1 Uso o termo consumo da forma como foi proposto por Garca Canclini (1993, p. 24), ou seja, na sua dimenso simblica prpria das prticas culturais.

  • 16

    conhecimento. Ainda predominante o senso dos efeitos ou impactos2 de uma exposio e/ou

    ao educativa sobre o pblico como reflexo da capacidade dessas aes museolgicas de

    transmitir informao.

    A exposio museolgica e a ao educativa so, no museu, as principais formas de

    comunicao com o pblico e, integradamente, a principal expresso de uma poltica de

    comunicao museolgica e real manifestao de que o museu tem o pblico em sua agenda

    de preocupaes. Exposio e ao educativa so formas comunicativas e, inclusive, esto

    amparadas pelas reas de expologia e expografia e educao. Expologia, como parte da

    museologia, estuda a teoria da exposio (DESVALLEES, 1998, p. 222) e envolve os

    princpios museolgicos, comunicacionais e educacionais de uma exposio, a sua base

    fundante (CURY, 2003b, p. 172). A expografia, como parte da museografia, "visa pesquisa

    de uma linguagem e de uma expresso fiel na traduo de programas cientficos de uma

    exposio" (DESVALLEES, 1998, p. 221); a forma da exposio de acordo com os

    princpios expolgicos e abrange os aspectos de planejamento, metodolgicos e tcnicos para

    o desenvolvimento da concepo e materializao da forma (CURY, 2003b, p. 172).

    Educao, em sntese, o conjunto que abrange o estudo sobre as formas de ensino e

    aprendizagem a partir da cultura material musealizada, as metodologias pertinentes e

    estratgias particulares para pblicos especficos. As duas reas esto integradas

    comunicao museolgica, conforme o tpico Museologia Aplicada do Quadro-Geral da

    Disciplina Museologia3, e assumem juntas a essncia da comunicao nos museus. Podem,

    2 Estou me referindo a efeitos e impactos de acordo com o proposto no modelo 'A pesquisa dos efeitos'; pela qual o pblico visto como "receptor puro, exposto irradiao dos meios, de onde a ao dever ser cada vez mais dominada pelos criadores, programadores e operadores" (LOPES, 1993, p. 79-80). importante distinguir esse modelo daquele recorrente de modelo sociolgico aplicado educao, em que o impacto corresponde eficcia de aes quanto a aspecto cognitivos, afetivos e psicossociais. 3 No incio da dcada de 1960, Zbynek Z. Strnsk props um sistema da museologia baseado em uma historicidade, em aspectos prticos dos museus e na relao da museologia com outras disciplinas. Esse modelo foi rediscutido sucessivamente desde o Encontro Internacional do Comit para a Museologia do Conselho Internacional de Museus ICOFOM/ICOM de 1977. Em 1980 e 1981 o debate se intensificou, e chegando a uma proposta tripartida Museologia-Geral, Museologia Especial e Museologia Aplicada. Geoffrey Lewis, W. Klausewitz e Vinos Sofka colaboraram com essa proposta (BURCAW, 1983, p. 21 e GUARNIERI, 1983, p.

  • 17

    em certas situaes, agir em separado, mas juntas potencializam o poder comunicacional

    museolgico. Para Davallon, a estratgia didtica prpria da ao educativa um caso

    particular de estratgia de comunicao (1989, p. 56). Para Hooper-Greenhill, a abordagem de

    comunicao escolhida para uma exposio pedagogia do museu e o fenmeno da exposio

    a sua principal forma pedaggica (2001f, p. [3]). Para Valente, comunicao expositiva

    educao, ou h nela um carter educacional inerente (1995). Para Cazelli, Alves e Valente

    (2004), h uma relao intrnseca entre comunicao e educao. Em suma, em toda ao

    pblica desenvolvida pelo museu h um carter educativo, toda exposio educa e toda ao

    educativa se efetiva porque a comunicao se efetivou. Por outro ponto de vista, ambas,

    exposio e educao, esto unidas pela teoria museolgica que se desenvolve a partir da

    definio de museologia de Guarnieri. Para essa autora, museologia o estudo do fato museal

    ou museolgico, a saber: "A relao profunda entre o Homem, sujeito que conhece, e o

    Objeto, parte da realidade qual o Homem tambm pertence e sobre a qual tem poder de agir

    relao esta que se processa num cenrio institucionalizado chamado museu" (1990, p. 7). Isso posto, argumento que a exposio museolgica e a situao educativa construda no

    museu por seus profissionais so os cenrios que facilitam ou dificultam a vida cultural das

    pessoas junto ao museu e cultura material.

    O museu sua equipe propriamente cria e produz exposies e aes educativas, desenvolve uma lgica conceitual, organiza os objetos museolgicos, associa-os a elementos

    125). Em 1983, o sistema de museologia foi o pano de fundo da temtica central do encontro anual do ICOFOM/ICOM e fez-se uma reviso das discusses anteriores. Colaboraram com os debates e com o amadurecimento da proposta tripartida (Museologia Geral, Museologia Especial e Museologia Aplicada): George Ellis Burcaw (ISS, 1983, p. 21), Peter van Mensch (ISS, 1983, p. 83) e Waldisa Rssio Camargo Guarnieri (ISS, 1983, p. 118). Nesse ano, Waldisa Guarnieri sintetizou as discusses anteriores do ICOFOM a natureza do conhecimento museolgico, os objetivos da museologia, a interdisciplinaridade como mtodo para a museologia e para a ao nos museus (ISS, 1983, p. 114-125) e trouxe uma nova contribuio: um Quadro-Geral da Disciplina Museologia onde apresenta o sistema da museologia; como uma proposta aperfeioada do quadro apresentado em 1980 por Klausewitz e Sofka (GUARNIERI, 1983, p. 118). Atualmente o quadro mantm a mesma estrutura e o detalhamento vem sendo adequado por diversos profissionais. No Brasil, cito a proposio de Maria Cristina Oliveira Bruno (2000, p. 92-93), modelo adotado pelo Curso de Especializao em Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, o qual vem sendo transmitido ao corpo discente desse curso de formao profissional.

  • 18

    contextualizadores que o signifiquem e que permitam a sua (re)significao pelo pblico,

    tendo um espao fsico e o tempo como balizadores dessa ordem. Cria uma lgica discursiva

    para comunicar conhecimento. Esta tese busca a compreenso de como o pblico apropria-se

    de exposio associada a aes educativas e como ele a reelabora e a recria na forma de um

    outro discurso, isto porque "[...] a comunicao s se efetiva quando ela incorporada e se

    torna fonte de um outro discurso" (BACCEGA, 1998, p. 104). Para tanto, a recepo ser

    estudada em face dos pressupostos institucionais, entendendo a recepo como parte

    integrante de um processo que implica, seqencialmente, a criao, a produo e a veiculao

    de exposio e ao educativa, pois a pesquisa de recepo integra o planejamento e a

    produo. No entanto, e apesar disso, a recepo um processo que antecede e sucede a visita

    ao museu. "A recepo um processo mediado pelo cotidiano dessas pessoas e quando elas

    chegam ao museu esse processo j se iniciou" (CURY, 2004d, [8]).

    2.1 Objeto de estudo

    Considerando que a recepo estudada a partir de uma realidade emprica, elegi,

    primeiramente as exposies com temtica arqueolgica brasileira, e posteriormente defini a

    exposio de longa durao Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria como locus. Assim sendo, o

    interesse central desta tese de doutorado pesquisar a recepo de um grupo de visitantes da

    exposio arqueolgica regional Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria. De fato, priorizei um caso

    para anlise do objeto de estudo, o Museu gua Vermelha instituio onde a exposio est instalada.

    Com relao proposta tripartite, ver tambm MuWoP n. 1, 1980, pginas 11,12 e 13, as contribuies de Klauzewitz e Sofka; MuWoP n. 2, 1981, a contribuio de Geoffrey Lewis.

  • 19

    A escolha do caso estudado decorreu de oportunidade no contexto profissional. Considerando

    que outras oportunidades ocorrem, esclareo que defini como locus o Museu gua Vermelha,

    uma vez que o projeto integrou pesquisa arqueolgica regional, criao de um museu,

    montagem de uma exposio, abertura pblica e visitao (consumo). Essa situao de

    criao museolgica desde o "ponto zero" se no rara, no comum. Melhor dizendo, a

    pesquisa em museologia desenvolve-se mais comumente em instituies j existentes e com

    um histrico de formao. Nessas situaes os pressupostos institucionais j existem e so

    analisados ante as formas de consumo de seus produtos museais. O estudo de caso Museu

    gua Vermelha nesse sentido , como prope Orozco Gmes, nico, exemplar ([s. d.], p. 109-

    110), e conforme Yin, revelador de fenmenos contemporneos inseridos em um contexto de

    vida real (2001), pois consiste no em um caso dado, mas em caso construdo no transcurso

    desta pesquisa, fato que agrega valor anlise da cadeia produo-veiculao-difuso-

    consumo-recepo. Um segundo motivo para a escolha do caso o fato de que a sua

    construo foi coordenada pela autora desta tese. Longe de supor que isto pudesse provocar

    alguma confuso entre pesquisador e objeto de estudo e perda de objetividade, essa

    circunstncia permitiu uma oportunidade nica de exercitar o confronto entre inteno e

    resultado, o aprimoramento profissional e, antes de tudo, de exercitar o compromisso do

    pesquisador com o objeto de estudo, como bem exposto por Orozco-Gmez ([s.d.], p. 93).

    Essa circunstncia faz com que uma mesma pessoa ocupe a posio de comunicador quem cria e produz , e de comuniclogo aquele que estuda processos de comunicao. tambm uma afirmao do compromisso partilhado entre o investigador e as pessoas que fazem parte

    do objeto de estudo e do universo emprico levantado e analisado, condio que Brando

    considera relevante em pesquisas que envolvem o pesquisador de maneira participante (1981,

    p. 9-16). Isso orientou a um terceiro motivo para a escolha do caso Museu gua Vermelha

    como objeto de estudo: a oportunidade de inserir outros profissionais no processo de

  • 20

    construo das intenes institucionais e de participao do processo de confronto entre a

    inteno e os resultados. Foram duas equipes que sofreram, ao longo do processo, treinamento

    ou capacitao em trabalho: as equipes de Gesto Museolgica e a Local, as quais foram

    constitudas e treinadas e/ou capacitadas no processo.

    Um quarto e ltimo motivo o fato de que o museu situa-se em uma pequena cidade com

    6 500 habitantes, de acordo com o censo de 2000. Trata-se da cidade de Ouroeste, a noroeste

    do Estado de So Paulo, s margens do rio Grande, na divisa do Estado de Minas Gerais, e

    dista 660 km da capital. A populao tem alto nvel de escolaridade, grande acesso educao

    nos nveis fundamental, mdio e superior, e pequeno acesso a outros recursos de mdias como

    cinema, videolocadoras, teatro, internet.

    Em sntese, o estudo de caso Museu gua Vermelha apresenta as seguintes caractersticas: o

    Museu gua Vermelha de arqueologia regional foi planejado, concebido e implantado na

    cidade de Ouroeste entre 2000 e 2003, tendo sido inaugurado no dia 2 de setembro de 2003.

    Foi idealizado a partir das pesquisas arqueolgicas ocorridas em 1997-8 e 2002 e seguiu o

    protocolo da moderna museologia quanto gesto patrimonial e processo curatorial. Teve seu

    projeto museolgico-institucional (2000-1) e programa arquitetnico (2001) elaborados por

    uma museloga, que tambm coordenou todo o processo de implantao do mesmo, sempre

    apoiada por dois arquelogos. O edifcio foi projetado4 e construdo em 2002. O projeto

    museolgico-institucional foi detalhado em subprojetos e executado por um grupo de

    profissionais que constituiu a Equipe de Gesto Museolgica EGM. O cotidiano do museu, a partir de maro de 2003, ficou a cargo da Equipe Local EL, pessoas indicadas pela Prefeitura Municipal de Ouroeste para essa finalidade. Esclareo que grande parte dos

    trabalhos ocorreu em So Paulo, principalmente aqueles relativos a planejamento, concepo

    e produo, seja do Museu, seja da exposio e da ao educativa. O perodo de tempo em

    4 Projeto da arquiteta Cssia Regina Carvalho de Magaldi.

  • 21

    que o processo transcorreu pequeno 2000 a 2003 , sendo que os trabalhos da EGM tiveram seu ritmo intensificado entre maio de 2002 e setembro de 2003. Aps a abertura

    pblica do museu, a EGM dissolveu-se e a responsabilidade dos trabalhos passou para a EL,

    sendo que a Coordenao Museolgica se manteve (at dezembro de 2003) e intensificou e

    desdobrou o treinamento/capacitao j iniciado com a Equipe Local. Desde o incio dos

    trabalhos pude registrar em detalhes todas as etapas de idealizao e produo do Museu

    gua Vermelha e da exposio Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria. Assim sendo, destaco que a

    recepo da exposio Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria foi pesquisada no confronto com os

    dados de produo no s da exposio arqueolgica em questo, mas de um museu de

    arqueologia brasileira como espao produtor do discurso que gerou o discurso expositivo. O

    ponto inicial do projeto foi a pesquisa em arqueologia (campo e laboratrio). Isto

    compreendeu, ento, um processo integrado de pesquisa cientfica em arqueologia brasileira,

    a concepo e produo de uma instituio de preservao e comunicao cientfica e de uma

    exposio, sua veiculao sociedade e as formas de consumo cultural dessa exposio que

    se manifestaram empiricamente.

    importante dizer que pesquisa de recepo de exposies existe em todo o mundo h 30

    anos, nos moldes de "avaliao". No Brasil temos alguns trabalhos acadmicos realizados e

    vrias pesquisas sendo feitas diretamente por museus. A contribuio desta pesquisa consiste

    no aprofundamento do enfoque comunicacional. Nesse sentido, sua contribuio atuar em

    trs perspectivas: primeira, levantar na literatura museolgica os momentos e formas de

    aproximao entre museologia e rea de comunicao; segunda, ampliar no meio

    museolgico as discusses sobre a participao do sujeito no processo comunicacional em

    museu; terceira, propor um modelo terico-metodolgico que amplie as discusses sobre

    inteno e resultado, inteno dos idealizadores e realizadores de exposies e aes

    educativas em confronto com as formas de interao levantadas por meio de pesquisa

  • 22

    emprica junto ao pblico visitante. Esta ltima perspectiva colabora com a transformao da

    realidade museolgica, com seu refinamento profissional e, sobretudo, com a transformao

    do papel do museu a partir da participao do pblico.

    2.2 Objetivos e hipteses

    entendido, desde o advento do Darwinismo, que toda exposio deva ser contextualizada.

    No sculo XIX o museu foi o cenrio da mudana de postura cientfica. De uma cincia

    positivista descritiva passou-se a uma cincia racionalista-contextualizadora, explicativa,

    discursiva e argumentativa. As exposies deixaram de ser catlogos classificatrios e

    taxonmicos e passaram a abrigar exposies cujos objetos estavam contextualizados uma explicao da realidade. Isso foi um avano cientfico e expogrfico. Esse avano para a

    inteligibilidade das exposies voltadas ao grande pblico exigiu que alm do

    desenvolvimento cientfico ocorresse o reconhecimento do museu como canal de

    comunicao. Essa evoluo possibilitou ainda uma mudana na concepo de pblico: de

    passivo passou a ativo e, finalmente, criativo; isto porque foi possvel ao pblico mudar a sua

    atitude de contemplao para um comportamento mental ativo e, por fim, a uma atitude de

    (re)criador do discurso museolgico. De fato, o entendimento do museu e das exposies

    como processos de comunicao vem sendo amadurecido e acredito que esse entendimento

    deva dar um salto qualitativo de maneira a conscientizar essas instituies e seus profissionais quanto a modelos de comunicao, considerando que existem vrios e que a escolha de um consiste em posies to polticas quanto acadmicas.

    Se uma exposio no somente transmite informao, qual o alcance de suas

    potencialidades comunicacionais? Qual o papel de comunicador do museu? E qual a

  • 23

    participao do pblico de museu? Como integrar organicamente o processo e a recepo sem

    cair em solues paliativas limitadoras da participao dos sujeitos do museu?

    O museu formula e comunica sentidos a partir do seu acervo. Os processos de elaborao de

    exposies em museu devem levar em conta que a aproximao entre exposio e pblico

    deve se dar tendo o pblico como referncia (VOLKERT, 1996; GARCIA BLANCO, 1999).

    Hooper-Greenhill corrobora com esta posio (2001f, [p. 6]):

    A fim de construir um relacionamento mais efetivo com os visitantes, os

    valores tradicionais do museu precisaro mudar; o foco tradicional na percia

    da curadoria e o cuidado das colees, com uma limitadssima ateno aos

    visitantes, precisar ser reconsiderada. Erudio e colees naturalmente so

    essenciais, mas tornam-se meios para um fim, e o fim aquele de possibilitar

    aos visitantes apreciar e aprender com o museu de uma maneira

    contempornea, em vez de maneira do sculo dezenove. Focando-nos no

    desenvolvimento do museu como um ambiente de aprendizagem

    contemporneo, a maior parte dos valores de senso comum tradicional do

    museu precisar ser discutida e modificada. Nem a menor parte destes

    valores representa o uso do educador especialista em museu.

    Considerando esse posicionamento, o que proponho nesta tese que tanto os temas e assuntos

    escolhidos para ser musealizados5 quanto a elaborao do discurso expositivo se dem a partir

    do cotidiano dos receptores. Contextualizar os objetos museolgicos alcana sentido se, ao

    mesmo tempo, contextualizamos o tema e o assunto diante do cotidiano das pessoas. No

    basta expor contextualizando a partir da origem e trajetria do artefato, e sim expor fazendo

    com que se estabeleam vnculos entre culturas, entre grupos e entre pessoas de culturas

    diferentes, e isto s se d na comunicao de sentidos. Acredito que somente estabelecendo

    vnculos que conseguiremos estabelecer uma relao dialgica entre exposio e grupos culturais e o receptor. No meu entender, e ao contrrio do que se afirma que o consumo de museu uma das prticas culturais mais dependentes de um capital cultural elevado

    5 Transformados em exposies, uma vez que todas as outras aes do processo j se concretizaram.

  • 24

    (BOURDIEU, 2003; SAFA, 1993) , podem existir outras interpretaes possveis sobre o uso de museus por diversas classes sociais, ou seja, o capital cultural no a nica

    interpretao possvel, academicamente falando, e tampouco a nica possibilidade de

    apropriao por parte do pblico no informado sobre as questes acadmicas, neste caso a

    arqueologia.

    No fcil criar um museu e implantar uma poltica de comunicao, mas o mais difcil

    entender o rico encontro que se d entre essa instituio e seu pblico, levantar e analisar as

    mltiplas formas s vezes ricas interpretaes, s vezes negociaes e outras vezes conflitos de interao entre o pblico e a instituio. Parece fcil para alguns conceber e montar uma exposio, mas elaborar um discurso expositivo que estabelea uma relao dialgica com o

    pblico no . Difcil , tambm, elaborar o discurso expositivo, e nesta elaborao prever e

    deixar espao para que o pblico (re)elabore o seu prprio discurso, e ao mesmo tempo

    (re)elabore as suas significaes.

    Dos museus como "meios s mediaes" (deslocamento de foco) significa que o cotidiano do

    pblico o enfoque contemporneo a ser enfrentado por essa instituio. As pessoas vo ao

    museu e tm contato com conhecimentos, significados e valores. Isso tudo posto por elas

    mesmas em confronto com os conhecimentos, significados e valores que elas j tm. Muitas

    vezes elas modificam o que j sabem, entendem e sentem, e outras no, pelo contrrio,

    confirmam. E outras vezes as pessoas rechaam o que viram. E outras vezes o confronto se

    processa durante muito tempo, at mesmo durante suas vidas. A recepo um processo

    mediado pelo cotidiano dessas pessoas, e quando elas chegam ao museu esse processo j se

    iniciou. Isso comunicao e isso participar da dinmica cultural, visto que a recepo um

    processo individual mas compartilhado socialmente. O processo de (re)significao parte do

    indivduo-sujeito e se torna efetivamente apropriado quando gera outra significao que

    compartilhada no e com o contexto social a significao circula no contexto cultural.

  • 25

    Isso posto, apresento os objetivos desta pesquisa de doutorado:

    Objetivo Geral Analisar as formas de apropriao de exposies antropolgicas pelo pblico de museu.

    Espero desvelar como o pblico estabelece vnculos com culturas pr-coloniais, isto , como

    estabelece vnculos pontos de reconhecimento entre seu cotidiano e o cotidiano de populaes pr-coloniais.

    Objetivos Especficos 1- Entender as formas de uso de um museu por meio de uma exposio museolgica e de sua

    ao educativa.

    2- Suscitar os pontos de reconhecimento e identificao entre o pblico e as culturas

    apresentadas e refletir sobre eles.

    3- Desvelar como o pblico reelabora o discurso expositivo.

    Em busca do alcance dos objetivos tenho duas hipteses de trabalho:

    - Independentemente de seu capital cultural, o pblico faz um uso de exposies a partir

    de seu cotidiano. Isto equivaleria a dizer que a antropologia compreendida pelo pblico a

    partir dos referenciais de seu cotidiano. Distanciar as exposies antropolgicas desse

    cotidiano distanciar as pessoas das discusses antropolgicas, distncia que consiste em

    dissonncia cognitiva, fato que prejudica qualquer processo de comunicao da antropologia e

    da arqueologia.

    - As exposies antropolgicas tm seus discursos elaborados com base em uma

    concepo popular, aqui entendida como expresso de viso de mundo, quando seus discursos

    so concebidos como um jogo de espelho: eu me vejo no outro. Essa uma relao

    constitutiva cujos elementos so as populaes apresentadas, o pblico e ocultamente mas no menos importante o profissional de museu. Acredito que assim o emissor e o receptor

  • 26

    esto liberados da posio limitada de (re)codificador e decodificador e passam a atuar na

    construo e negociao do significado da mensagem.

    2.3 Sntese da metodologia adotada

    Para o desenvolvimento desta pesquisa adotei alguns procedimentos metodolgicos.

    Para traar o "estado da arte" dos estudos acadmicos de recepo de exposies e ao

    educativa no Brasil realizei um levantamento junto a profissionais da rea museolgica para

    compor um Quadro. Recorri ao Comit Brasileiro do Conselho Internacional de Museus ICOM Brasil , que em 2003 retransmitiu aos associados brasileiros ligados internet uma mensagem eletrnica divulgando o levantamento que eu realizava. Por outro lado, obtive da

    museloga Cristina Bruno um levantamento que ela realiza periodicamente de monografias,

    dissertaes e teses no Brasil. Desse levantamento foram selecionadas as pesquisas que

    atendiam aos propsitos do Quadro. Posteriormente recebi outras indicaes e comparei os

    dados levantados com outros levantamentos como os realizados por Studart, Almeida e

    Valente (2003, p. 149-153), Kptcke (2003, p. 66-67) e Cazelli, Marandino e Studart (2003,

    p. 95-96).

    Para discutir exposio e ao educativa como linguagens condensadas e engenhosas, recorri

    a experincias museolgicas anteriores e atuais. Adoto h algum tempo como procedimento

    regular registrar em um "caderno de campo" discusses e manifestaes de profissionais

    durante projetos expositivos, e outras falas e atitudes do cotidiano de trabalho em museu

    relacionadas expografia e educao. Algumas das experincias podero ser citadas, como as

    exposies Plumria Indgena Brasileira (1996), Gasbol e os Antigos Habitantes do Sul do

    Estado de So Paulo (2000), Brasil 50 Mil Anos Uma Viagem ao Passado Pr-Colonial

  • 27

    (2001), Formas de Humanidade (1995), Herbert Baldus Cientista Humanista (2000) (todas no contexto do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo MAE/USP), e Um Dia na Vida (parceria em andamento entre o MAE/USP e o Instituto de

    Cincias Biomdicas ICB/USP). Os dados registrados sero usados para situar a discusso no contexto real.

    Para a pesquisa de recepo elaborei um multimtodo com o objetivo de abarcar todas as

    etapas vistas integradamente do processo de comunicao. Foi pensado para associar

    pesquisa qualitativa quantitativa, etnografia pesquisa participante, observao entrevista,

    e est assim estruturado:

    - Quanto ao processo de produo do museu e da exposio e ao educativa:

    1- coleta de dados com a Equipe de Gesto Museolgica por meio de questionrio. Foi dado

    um tratamento qualitativo aos dados coletados;

    2- coleta de dados com a Equipe Local por meio de observao participante. Foi dado um

    tratamento qualitativo aos dados coletados.

    - Quanto ao pblico e recepo do museu e da exposio:

    3- coleta preliminar de dados com estudantes, antes da abertura do Museu e por meio de

    questionrio. Foi dado um tratamento estatstico;

    4- coleta de dados aps a visita ao museu e exposio por meio de depoimento escrito livre.

    Os dados foram analisados qualitativamente.

    3. Comunicao e museologia - breve panorama da aproximao

    Roger Miles (1989, p. 146-148) e Hooper-Greenhill (1996, p. 55-57) so categricos em

    apresentar Duncan Cameron como um dos expoentes da aproximao da rea de comunicao

  • 28

    aos museus em 19686, corroborando a viso de comunicao de Cameron, E. Knez e

    A.Wrigtht em 19707. Esses autores abordam a cadeia emissor-meio-receptor-feedback

    baseada na teoria de informao e na concepo de comunicao como transferncia ou

    transmisso de informao.

    Em 1973, Roland Barthes publicou "Mythologies" e o estudo "The great family of man"

    realizado em 1970 sobre uma exposio fotogrfica8. Esse estudo, de abordagem semitica,

    analisou, em seu conjunto, a escolha do tema, a diviso conceitual e a distribuio das

    fotografias, e o estilo adotado para a preparao dos textos. O objetivo de Barthes foi

    demonstrar como os mitos podem ser estruturados a partir de exposies (HOOPER-

    GREENHILL, 1996, p. 49).

    Ainda na dcada de 1970, no mbito das motivaes provocadas pela introduo de estudos

    de pblico em museus, vrias instituies desenvolveram estudos em exposies. As que

    foram citadas por Hooper-Greenhill se apoiaram no suporte da semitica, quais seriam:

    Museum of Modern Art de Nova York, em 19789; Western Australian Museum, em 197910;

    Natural History Museum, em 198011; Louvre, em 198012 (idem, p. 50).

    Na dcada de 1980, Davallon iniciou uma srie de estudos tericos voltados compreenso

    do museu como canal de comunicao e do tipo de comunicao passvel de ser idealizada

    por essa instituio. Ele tambm se apoiou na semitica (1989, p. 47-59).

    Paralelamente, e em dilogo com os modelos transmissivo e/ou semitico, ocorreu um avano

    no desenvolvimento dos processos de desenvolvimento de exposies. Os Estados Unidos e o

    6 Os autores acima citam como marco o artigo de CAMERON, Duncan F.: A viewpoint: the museum as a communications system and implications for museum education. Curator, v. 11, n. 1, p. 33-40, 1968. 7 KNEZ, E. I.; WRIGHT, A. G. The museum as a communications system: an assessment of Cameros viewpoint. Curator, v. 13, n. 3, p. 204-212, 1970. 8 BARTHES, R. The great family of man. In: BARTHES, R. Mythologies. England: Paladin, 1973. 9 DUNCAN, C.; WALLACH, A. The Museum of Modern Art as late capitalist ritual: an iconographic analysis. Marxist Perspectives, p. 28-51, winter 1978. 10 HODGE, R.; DSOUZA, W. The museum as a communicator: a semiotic analysis of Western Australian Museum Aboriginal Gallery, Perth. Museum, v. 34, n. 4, p. 251-266, 1979. 11 ANON. Adams ancestors: Eves in-laws. Schooling and Culture, n. 8, p. 57-62, 1980. 12 DUNCAN, C.; WALLACH, A. The universal survey museum. Art History, v. 3, n. 4, p. 448-469, 1980.

  • 29

    Canad foram pioneiros na elaborao de material de apoio e treinamento para dar suporte aos

    processos expositivos. Em 1969 o Natural History Museum of Los Angeles County preparou

    o manual "How exhibits are developed", e em 1971 a revista Curator publicou o artigo de

    Daniel B. Howell: "A network system for the planing, designing, construction, and

    installation of exhibits." Em 1973 o Field Museum of Natural History preparou um

    documento interno com procedimentos para planejamento de exposies e liderou uma srie

    de oficinas de treinamento entre 1982 e 1987 nos Estados Unidos. O Royal Ontario Museum

    publicou em 1976 o livro "Communicating with the museum visitor; Guidelines for planning"

    (CURY, 1999, p. 40).

    Entre as dcadas de 1980 e 1990 floresceu a idia de exposio participativa e o aprendizado

    tornou-se um dos elementos crticos dos objetivos do museu e, especialmente nos Estados

    Unidos, as

    [...] discusses comearam a focalizar o modo como as pessoas aprendem e

    relacionam-se com seu ambiente, que formas de estratgias de ensino

    deveriam ser adotadas, e como conhecer as variadas inteligncias de nossos

    visitantes. Em outras palavras, educao no museu como um campo de ao.

    Comeamos a procurar por novas maneiras de comunicar sem ter que

    escrever tudo nas paredes. Tivemos de encontrar novos vocbulos para

    exposies [...] (VOLKERT, 1991, p. 47).

    Consistiam em um vocbulo visual. O design de exposies se desenvolvia.

    Ainda nas dcadas de 1980 e 1990 iniciou-se a discusso sobre a "museologia dos objetos" e a

    "museologia das idias" como propostas antagnicas. E por que essas propostas afetaram a

    viso comunicacional dos museus? Para Garca Blanco, ambas tratam do estatuto do objeto,

    mas a "museologia dos objetos" como proposta est baseada na cincia positivista do sculo

    XIX, enquanto

    [...] a museologia das idias conceitualiza o objeto como portador de

    informao, como signo significante, como suporte de significados

    referenciais, todo ele em consonncia com os novos paradigmas cientficos e

  • 30

    a influncia do estruturalismo e da semiologia na anlise da interpretao e

    comunicao da cultura material (GARCA BLANCO, 1999, p. 60).

    Junto idia de objeto como documento surgiu a idia de objeto-signo.

    Em ambas as museologias h idias e objetos. No entanto, na "museologia do objeto" o

    discurso est oculto aos olhos do pblico. Trata-se de uma comunicao dada pela exposio

    de objetos "sistematicamente selecionados e organizados segundo um discurso cientfico"

    (GARCA BLANCO, 1999, p. 60) implcito, pois no h inteligibilidade. Essa que para mim

    uma postura e no uma museologia supe que o visitante informado.

    Em 1992, com a Declarao de Caracas, consolidou-se a idia de museu como meio de

    comunicao e inseriu-se a idia de processo de comunicao como uma das funes

    primordiais do museu: o museu "[] transmite mensagens atravs da linguagem especfica

    das exposies na articulao de objetos-signos, de significados, idias e emoes,

    produzindo discursos sobre a cultura, a vida e a natureza" (ARAJO; BRUNO, 1995, p. 39).

    No incio da dcada de 1990 foi sentida uma mudana substancial quanto a romper com o

    modelo de transmisso de informao e quanto a pensar em uma alternativa para o modelo

    semitico. Essa mudana de enfoques foi denominada como um novo modelo de

    comunicao para os museus (HOOPER-GREENHILL, 1996). O que houve de novo foi o

    rompimento da cadeia linear emissor-meio-receptor-feedback, propondo o meio como ponto

    de contato, encontro, troca e conflito entre o emissor e o receptor. O que h de novo nesse

    modelo que ele vai alm da exposio, desloca-se do ponto de vista do emissor em direo

    ao receptor. Ele implanta a concepo de pblico como intrprete criador e cidado que

    substitui a aceitao passiva pela argumentao e negociao.

    Seria interessante fazer notar que todos esses modelos transmissivo, semitico e da

    interao coexistiram e ainda coexistem nos museus de todo o mundo.

  • 31

    Para efeito de discusso, nesta pesquisa separei essas propostas em dois blocos: (1) o

    semitico e (2) a relao entre o emissor e o receptor. O primeiro bloco apresentado nesta

    Introduo e o segundo, referencial para esta pesquisa, ser detalhado no Captulo 2.

    3.1 Semitica e semiologia no museu

    A museologia sempre namorou a semitica e a semiologia, e no difcil entender o porqu.

    Ambas, semitica e semiologia, "referem-se de semelhante forma teoria dos signos, e

    portanto forma pela qual um estudo de signos e sistemas de signos pode explicar problemas

    de significados e comunicao" (EDGAR; SEDGWICK, 2003, p. 296, destaque dos autores),

    ou seja, a semitica termo mais recorrentemente usado "procura entender os processos pelos quais eles [produtos culturais diversos] se tornam significativos e como eles so

    diversamente interpretados" (idem, p. 297).

    Por um lado, a semitica trata da linguagem e de seus elementos constitutivos como uma

    realidade experimentada culturalmente e no predeterminada e descontextualizada. Sendo

    assim, a linguagem como um sistema de signos interage com o sistema de signos do contexto

    cultural.

    Susan Pearce recorre semitica de Saussure para representar o processo do colecionismo no

    museu. Para a autora,

    [...] langue, no sentido de "linguagem", o termo convencional para a

    estrutura fundamental de todos os tipos, incluindo a linguagem verbal e

    outros sistemas como o dos objetos e parole, no sentido de discurso, o

    termo para toda ao concreta seja em palavras ou coisas (2001, p. 16).

    Meneses (1994, p. 32) exemplifica a proposta de Pearce assim:

  • 32

    [...] um museu de Antropologia [...] toma a cultura material de um grupo (no

    sentido de evidncias materiais observveis) como repertrio, conjunto de

    possibilidades caractersticas socialmente disponveis (langue para

    Saussure); da seleciona elementos que constituiro sua coleo (atualizao

    do potencial da langue, portanto, parole); a coleo, por sua vez, funciona

    novamente como repertrio (langue) que ser acionado como parole na exposio.

    De fato, junto idia de objeto como documento est a idia de objeto-signo e uma concepo

    de comunicao:

    A conceitualizao dos objetos como um sistema de comunicao, aporte

    feito desde o estruturalismo e a semiologia, permitiu investigao

    arqueolgica, antropolgica e artstica explorar os objetos como

    documentos, provedores de informaes sobre as sociedades s quais

    pertenceram, e convert-los em signos portadores de significados, de idias.

    Ao mesmo tempo permitiu refletir sobre as dificuldades de recepo das

    mensagens construdas com objetos, por parte das pessoas que no

    dispunham dos cdigos de valorizao cultural ou esttica de tais objetos

    (GARCA BLANCO, 1999, p. 7).

    Por outro lado, a semitica, como rea de conhecimento, compreende um capital terico

    amplamente experimentado e utilizado pelos estudos culturais, suporte que a museologia viu

    como apropriado para construir a sua prpria problemtica comunicacional.

    Uma postura semitica aplicada exposio privilegia a compreenso da recepo perante os

    estmulos dos objetos, visuais, sonoros e outros. Esta postura tem a inteno de compreender a

    produo de sentido em uma exposio a partir de seus elementos constitutivos (e da

    combinao entre eles) e de conhecer as formas como o pblico percebe os elementos

    expogrficos e apreende a mensagem. Nessa postura, busca-se compreender a relao entre os

    objetos, organizao do contedo, textos e legendas e uso de demais elementos expogrficos e

    como produzem sentidos. Essa preocupao semitica auxilia a produo de exposies

  • 33

    pensar nas partes com relao ao todo , assim como a anlise do produto final como produtor de sentido.

    A comunicao museolgica j foi abordada em vrios textos baseados na semitica como

    suporte terico. Posso citar alguns autores que trabalham nessa perspectiva. Miles (1989, p.

    152) entende comunicao e avaliao na concepo de semiologia:

    [...] percebe-se que seu papel [da semiologia] procurar assegurar ao

    comunicador e ao pblico o acesso aos mesmos cdigos, como tambm de

    os tornar disponveis para ajudar, pois, caso contrrio, os smbolos estaro

    desprovidos de significado e a comunicao malograr. A avaliao

    formativa tem, portanto, alguma importncia, como confirmam os estudos de

    casos publicados por diversos pesquisadores, notadamente Griggs (198113) e

    Jarrett (198614). Percebe-se claramente, no entanto, que ela no pode jamais

    garantir o sucesso total, pois permanece sempre a possibilidade de algumas

    pessoas que, por uma ou outra razo, no colocam em aplicao o cdigo do

    comunicador, confinando-se a uma m interpretao. Considerando-se a

    heterogeneidade dos visitantes, esta eventualidade parece muito verossmil.

    Mesmo se se pudesse melhorar sensivelmente a situao com a utilizao

    dos modelos mais considerveis dentro da avaliao formativa e combinando

    a variedade das comunicaes diversidade do pblico, permaneceria

    sempre um "problema": que este ltimo deliberadamente d um senso

    paralelo mensagem. Esperando, o comunicador pode esforar-se para

    impor pela fora a leitura privilegiada, o conhecimento e a pertinncia de seu

    trabalho, o que impossvel se no proceder anlise preliminar tanto como

    avaliao formativa.

    Jean Davallon um outro exemplo. Ele constata que uma exposio uma mdia e "um fato

    semitico (ela capaz de comunicar e de significar, de produzir efeitos de sentidos)" (1989, p.

    48). Para tanto, e segundo Davallon, necessrio criar uma estratgia de comunicao que

    pressupe diversas operaes semiticas que entrelacem o discurso ao espao, fazendo com

    que a exposio assegure uma orientao para a recepo (percurso/circuito e leitura

    interpretativa) (idem, p. 56).

    13 GRIGGS, S. Formative evaluation of exhibits at the british Museum. Curator, v. 24, n. 3, p. 189-201, 1981.

  • 34

    Outro exemplo: Francisca Hernndez Hernndez (1998, p. 22) entende o museu como meio

    de comunicao, no qual se aplica a semitica porquanto um meio que se acerca da

    significao. Para a autora:

    O museu nos apresenta como um processo de comunicao e como uma

    forma de linguagem significante. [...] o museu atravs de sua prpria

    estrutura, se converte em um meio ou emissor da mensagem dos signos,

    prprio da sintaxe. Em um segundo momento, o museu trata de oferecer-nos

    uma srie de contedos bem organizados que formam a base discursiva e

    semitica do mesmo; ou seja, o museu pretende comunicar-nos algo e, para

    isso, serve-se da semntica, onde tm lugar as relaes entre signo e objetos.

    E, por ltimo, o receptor ou pblico trata de dar sentido ao objeto,

    interpretando o seu significado e aplicando-o situao cultural em que se

    movimenta, prprio da pragmtica, dando-se uma relao entre os signos e o

    pblico.

    H alguns estudos brasileiros que se apoiaram parcialmente na postura semitica de Davallon,

    como os elaborados pelos profissionais do Museu de Astronomia e Cincias Afins MAST,

    Cazelli, Alves e Valente (2004, p. 378):

    Na abordagem museolgica foi considerado o trabalho de Davallon (198815),

    que ao tratar do principal meio de comunicao dos museus, ressalta os

    desafios encontrados na elaborao de exposies cientficas, partindo da

    hiptese de que, nesse momento, ocorre um processo de representao, de

    figurao que acompanha a passagem do discurso cientfico (a fonte) ao

    discurso da divulgao (o alvo). Ele analisa o processo de representao com

    base na interpretao semitica do espao no qual ocorre a divulgao,

    indicando que a passagem do "texto-fonte" para o "texto-alvo" no pode ser

    compreendida como uma simples traduo, mas sim como uma

    transformao.

    Em outro artigo do MAST, Marandino (et al.) apresenta uma exposio desse museu como

    uma unidade de anlise elaborada para fazer sentido a partir da disposio de seus recursos

    14 JARRET, J. E. Learning from developmental testing of exhibits. Curartor, v. 29, n. 4, p. 296-306, 1986. 15 DAVALLON, Jean. Lexposition scientifique, espaceet ostentation. La divulgacion du savoir: thories et pratiques smiotiques. Expo Media, v. 16, n. 3, p. 5-16, 1988.

  • 35

    expogrficos, como uma mdia, e como resultado de um processo de construo. A autora

    sustenta ainda que toda exposio est estruturada em estratgias para prever as competncias

    do futuro receptor (2003, p. 165-167).

    H uma inteno nos estudos do MAST que no se restringe semitica: a de integrar os processos de concepo e produo recepo. O recurso utilizado foi analisar o processo

    interno pelas vias de uma postura semitica.

    Na verdade, parece que alguns princpios da semitica so teis para a anlise da exposio

    como produto, e principalmente para demonstrar que h em sua elaborao um pensamento

    complexo de escolhas e associao de elementos com vistas participao do pblico.

    Ademais, acredito que a semitica, ou semiologia, colabora para a valorizao do processo de

    elaborao de exposio e para que a mesma adquira um status de linguagem elaborada.

    No contexto brasileiro, uma aproximao mais intensa entre museologia e semitica foi

    realizada por Maria de Lourdes Parreiras Horta em dois artigos seus: O processo de

    comunicao em museus (1989) e Semitica e museu (1994).

    No primeiro artigo, publicado em 1989, Horta trata da inter-relao entre memria,

    comunicao e linguagem. A seguir, define qual a linguagem museolgica, fazendo um

    paralelo desta com a linguagem textual e, por fim, aborda a problemtica da comunicao no

    contexto do museu.

    No segundo artigo, de 1994, Horta discute semiologia e semitica a partir de Ferdinand

    Saussure e de Charles Sanders Peirce, e o processo semitico da cultura a partir de Umberto

    Eco, e conclui apresentando em que, no seu entender, consiste o processo semitico na

    musealizao.

    Para alguns a semitica vista com restries. Lauro Zavala diz que, "[...] a semitica uma

    ferramenta [de investigao de recepo] que somente responde a perguntas que comeam por

    'Como?', e no d nenhuma resposta a perguntas comeadas por 'Por qu?'" (1998, p. 82).

  • 36

    Severas crticas so feitas por Hooper-Greenhill anlise semitica aplicada aos museus

    (1996, p. 51-52), pela participao restrita do pblico no processo de interpretao, e por no

    colaborarem objetivamente com o processo de desenho de exposies, uma vez que priorizam

    a anlise do produto cultural final. Entretanto, a mesma pesquisadora adota o conceito de

    semiologia da comunicao de Georges Mounins16 (idem, p. 53) estudo dos sistemas de

    linguagem apreendidos socialmente e compreendidos pela maioria das pessoas. A semiologia

    da comunicao entende que os ndices podem ou no ser interpretados por algum. Assim,

    no museu os elementos comunicacionais devem ser produzidos intencionalmente para

    transmitir mensagens significativas entre os criadores e os leitores.

    Para Hooper-Greenhill (1996, p. 55),

    Os museus e as exibies esto saturados de ndices, mas so tambm

    construdos atravs de um conjunto de signos e sinais, que na terminologia

    de Mounin significam que eles carregam mensagens intencionais. Creio que

    poderamos legitimamente alegar que as exibies em museus e cartazes, por

    exemplo, operam dentro de um sistema de comunicao que pode ser

    aprendido. Existe certamente um argumento a ser preparado sobre quem tem

    acesso a tal aprendizado social, e quo efetivo este aprendizado social, mas

    no momento desejo deixar isso de lado. Se aceitarmos a considerao de

    Mounin sobre a semiologia da comunicao, e se pudermos para o momento

    aceitar que as prticas de comunicao dos museus caem dentro de um

    sistema comunicativo que pode ser socialmente aprendido, ento podemos

    continuar a dizer que todos os atos comunicativos nos museus consistiro de:

    primeiro, signos e sinais, que carregam mensagens intencionais: e segundo,

    ndices significativos, que podem ou no se tornar importantes atravs de um

    processo de interpretao.

    Hernndez Hernndez (2001, p. 205) concorda com Hooper-Greenhill que a inteno dos

    profissionais deva estar claramente expressa na exposio para que haja comunicao:

    Opinamos que o xito de uma exposio est em ter muito claro o que o

    que queremos comunicar. Deve haver uma mensagem geral, suporte de toda 16 MOUNIN, G. Semiotics praxis: studies in pertinence and in the means and expression of communication. New York; London: Plenum Press, 1985.

  • 37

    comunicao. Para transmitir tal mensagem se utilizam signos, considerados

    como veculos atravs dos quais se realiza a dita comunicao, entre os que

    podemos citar os objetos, os textos, as fotografias, as maquetes, o espao da

    exposio e a iluminao.

    Em sntese, de acordo com a semiologia da comunicao h sempre duas leituras possveis em

    um processo comunicacional, que interagem entre si: uma objetiva e outra subjetiva. As duas

    concomitantemente consistem na experincia nica que a visita a uma exposio.

    Nessa circunstncia, a museologia tem na semitica ou mesmo na semiologia da comunicao

    um referencial orientador adotado por alguns, para pensar, sobretudo, no processo de

    produo de exposies e na exposio museolgica como produto final e como linguagem

    estruturada e carregada de intenes institucionais. No quero aqui defender ou rechaar essas

    posturas tericas, mas tenho que destacar que, por um vis, essa postura aplicvel por

    aqueles que teorizam sobre processos de produo, refletem sobre o impacto dos recursos

    expogrficos no pblico e se interessam por descries sobre o comportamento do pblico,

    como Eliseo Veron e Martine Levasseur na conhecida obra "Ehtnographie de lexposition"

    (1991). Para esses autores, um estudo sobre o comportamento do pblico envolve a anlise da

    exposio, das propriedades e do projeto dos idealizadores, o que indica uma gramtica de

    produo, e as leituras dos visitantes, o que envolve uma gramtica de reconhecimento (idem,

    p. 43). Por outro vis, essa postura limitada, pois no avana na complexidade da relao do

    pblico com a exposio e tampouco colabora para com uma teoria compreensiva da recepo

    de museu. Creio, inclusive, que a semitica em museus, apresentada aqui de uma forma

    simplificada, um tema difcil e polmico e deveria ser analisado em profundidade em outra

    pesquisa. Por acreditar que h controvrsias com relao a esta questo pensar no museu

    luz da semitica Meneses considera que a "[] digresso seria longa e espinhosa, em razo

    do terreno movedio e lacunoso []" (1994, p. 37).

  • 38

    Quero, no entanto, destacar que a semitica (e mesmo a semiologia comunicacional) pensa na

    recepo do ponto de vista da produo, ou seja, dos parmetros definidos pelo emissor,

    quando o que proponho nesta pesquisa de doutorado pensar na comunicao privilegiando o

    plo receptor, ou ainda, pensar no processo de comunicao de forma processual e integrada,

    mas a partir da recepo. Esse modelo pressupe que h uma forma particular de interao

    entre o emissor e o receptor. O modelo da interao, conforme proposto por Martn-Barbero,

    desloca a ateno do meio para as mediaes e, conseqentemente, as reflexes em

    comunicao da semitica para as relaes interativas que se do no e fora do museu entre

    sujeitos, interaes essas mediadas pelo cotidiano do pblico.

  • CAPTULO 1

    OS SUJEITOS DO MUSEU

    "Os dados e as decises so trabalhados concomitantemente, num permanente processo de construo e avaliao. No processo, todos so participantes ativos, ao construir e ao avaliar: alunos, pais, professores e monitores. O autor, mesmo que mantendo-se 'distante' para manter a objetividade, coloca a sua experincia e como participante ativo do processo de pesquisa e de desenvolvimento do projeto."

    Ivo Leite Filho

    Podemos dizer que a comunicao museolgica s se efetiva quando o discurso do museu

    incorporado pelo visitante e integrado ao seu cotidiano em forma de um novo discurso. O

    pblico de museu se apropria do discurso museolgico, (re)elabora-o, e ento cria e difunde

    um novo discurso e o processo recomea, sendo que esse novo discurso ser apropriado por

    outros e a histria se repete. mais que um processo, uma dinmica, e so vrios os sujeitos

    que participam dela. O pblico um dos vrios sujeitos do museu. Na outra ponta est o

    criador do objeto que no museu adquiriu um status museolgico ao ser inserido em um novo universo simblico e seus usurios. No museu esto os sujeitos promotores da musealizao o pesquisador, o documentalista, o conservador, o muselogo e o educador, dentre outros que compem os recursos humanos da instituio. So sujeitos todos aqueles

    profissionais de museu que atuam coletando, conservando, documentando, estudando e

    comunicando, que participam ativamente da construo dos mltiplos e s vezes fragmentrios sentidos que so atribudos consciente e sucessivamente no decorrer da trajetria museolgica do objeto. Esses atores participam tambm da construo do discurso

    museolgico que alimenta os discursos comunicacionais.

  • 40

    O pblico, o autor e o usurio do objeto e o profissional de museu, todos so sujeitos, e muitas

    vezes esses sujeitos esto distantes entre si geogrfica ou culturalmente; existem no presente

    ou existiram no passado e nem sempre se encontram, pois nem sempre esto fisicamente

    presentes no museu, mas todos so sujeitos porque participam da (re)significao do objeto

    patrimonial e da circulao da significao (CURY, 2004b, [p. 4]).

    Deslocar as atenes para a recepo quer dizer, para o pblico fez deslocar igualmente os nossos olhares para todos os sujeitos do processo de comunicao. Muito embora o desvelar

    do pblico como sujeito seja de vital importncia para a compreenso contempornea da

    comunicao museolgica, considero vital tambm atribuir ao profissional de museu a mesma

    considerao. Entendo que a simetria de papis deva ser observada para que no se construa

    uma imagem para um em detrimento do outro. O museu espao de inmeros sujeitos, do

    passado e do presente, daqui e de outros lugares, de culturas diferentes, com o mesmo ponto

    de vista ou com divergentes e diferentes posies. Ao admitir que h um sujeito, muitos

    outros aparecem. Um sujeito se faz na relao com o outro, nos fazemos sujeitos na interao

    com outro sujeito, isto porque a comunicao provoca o estabelecimento de vnculos e os

    vnculos s so possveis com a comunicao de sentidos. Melhor dizendo, no somos

    sujeitos sozinhos e no (re)significamos sozinhos, ns (re)significamos com outros, uma

    atuao mtua e compartilhada entre o pblico e o museu.

    Participamos criador, produtor, usurio, pblico, profissionais do processo de comunicao museolgica em diferentes posies, e estas posies definem como nos

    fazemos como sujeitos.

  • 41

    1.1 O pblico como sujeito

    Ao pblico foi reservado o papel de escritor porque ele participa como criador do discurso

    museolgico. Criar e escrever suplanta o papel que lhe foi atribudo por muito tempo de

    leitor-decodificador, pois ao ler ele interpreta e ao interpretar ele recria. Com referncia a isso,

    Cury (2003c, p. 49-50) fala sobre a sua experincia como coordenadora de exposies:

    A exposio foi pensada para exigir algo do pblico: este deveria ser

    constantemente desafiado, convidado a dela participar efetivamente. Nunca

    vislumbramos uma exposio na qual as pessoas recebessem a informao

    passivamente ou fossem colocadas diante de um objeto e no

    compreendessem a sua importncia dentro de seu contexto cultural e social.

    Tnhamos a certeza de almejar uma exposio em que o pblico tivesse,

    alm de uma participao ativa, uma qualidade participativa numa dimenso

    cognitiva.

    A exposio e o discurso expositivo estariam sendo organizados de modo a

    ser possvel, ao pblico, a leitura daquilo que estava sendo exposto e que, ao

    final da visitao, ele tivesse um conjunto de informaes articuladas a

    respeito do passado pr-colonial.

    Qualidade participativa numa dimenso cognitiva significa ter o pblico

    como leitor, e a exposio, como um texto legvel, pelo qual o pblico, em

    sua visita, pudesse ter a compreenso do todo [].

    Queramos tambm que o pblico, aps sua participao como leitor,

    pudesse ter uma participao criativa, com o intuito de poder apropriar-se da

    Exposio e perceber as conexes possveis [pensadas como tal]. O projeto

    museolgico apontou para a possibilidade de conexes entre todos os

    mdulos [conceituais]. A partir da leitura a respeito do que estava sendo

    exposto, o pblico faria as conexes, recriando o discurso expositivo. Com

    essa participao criativa, o visitante deixaria de atuar como leitor e passaria

    a ser autor da exposio e escritor do discurso expositivo.

    Frayze-Pereira reala que a leitura que concretiza uma obra como tal e que aproxima dois

    plos o emissor e o receptor e dois universos distintos. "Nesse sentido, importa conhecer a viso do espectador com relao a uma exposio pblica de 'arte de loucos' [objeto de estudo

  • 42

    do pesquisador], escutar a fala do silencioso sobre o silenciado e aguardar o que a partir da

    poder ser pensado" (1987: 7). O autor destaca que no ato da leitura h recriao (idem, 12).

    Sendo assim, podemos dizer que h trs participaes unidas entre si: a leitura, a interpretao

    e a recriao. So trs aes distintas que ocorrem sucessivamente e so indissociveis: no

    h leitura sem interpretao (do contrrio, no houve leitura de fato) e no h interpretao

    sem leitura (que o que possibilita a interpretao) e a interpretao em si recriao.

    Fazemos aqui um jogo de idias entre leitura, interpretao e criao para reafirmar o que foi

    dito por Ferrari: "Saber ler hoje no implica em decodificar palavras. Saber ler hoje produzir

    sentido. Este um processo que se aprende, mas principalmente, que tem que ser exercido

    com esprito crtico" (1999:, Resumo). Ferrari amplia o jogo de idias: une leitura e

    interpretao a (re)significao. Essas aes so indissociveis na recepo realizada por

    indivduos-sujeitos.

    Para Frayze-Pereira, o pblico-intrprete interroga de modo a obter de uma obra a resposta

    mais reveladora para ele, o pblico. Entende que uma obra tem em si a potencialidade de

    suscitar significados novos, em vez de conter em si mltiplos significados que precisam ser

    decifrados e desvendados pelo espectador (1987, p. 209). Para o autor, "[...] a leitura de uma

    obra trabalho e no deciframento, [...] instaurao do sentido e no mero desvendamento

    de um significado que se cr j depositado em si mesmo na obra [...]" (idem, p. 213).

    Hooper-Greenhill (2001b, [p.9]), clebre pesquisadora em museologia, defende que "Dentro

    dos museus que genuinamente consideram e se programam para a experincia dos visitantes,

    o conceito de construo de significados tornou-se rapidamente influente e existe mais sobre o

    entendimento de que a significao no fixa ou singular, mas fluida e plural."

    Valente d nfase figura do visitante ao "penetrar a relao visitante/museu, a partir dos

    significados e representaes que nela se processam [...]". De fato, so relaes de produo e

    troca de significaes que se processam dinamicamente entre inmeros sujeitos. "A tendncia

  • 43

    interpretativa est centrada na busca dos significados e significaes das aes sociais que

    esto na trama das relaes" (1995, p. 109). "A importncia da investigao [de recepo],

    portanto, reside na captao dos diversos significados atribudos exposio pelos visitantes"

    (idem, p. 125).

    O pblico ativo em interao com a exposio que lhe d forma e contedo definitivo, isto

    porque o pblico parte integrante da exposio (GARCA BLANCO, 1999, p. 7).

    A antropologia e a sociologia trouxeram para os museus a noo de pblico visitante como

    sujeito, quando o profissional de museu recorreu a essas reas para substituir a postura

    behaviorista dominante nos processos educacionais, expositivos e, conseqentemente,

    avaliativos. Para Hooper-Greenhill, a substituio seria inevitvel pois o behaviorismo tem

    sua raiz na observao das reaes de animais e coisas enquanto a antropologia e a sociologia

    tm suas razes na observao de homens (1996, p. 81-82).

    Hoje sabemos que o pblico sujeito da construo de seus conhecimentos inclusive em

    museus , e portanto, de sua prpria aprendizagem dentro e fora dessa instituio. Para isso, as situaes educativas so voltadas aprendizagem e esta se d com a experincia do pblico

    que, pelas suas qualidades, uma experincia esttica. Segundo Dewey, uma experincia de

    qualidade completa e consciente, integrada e delimitada, ntegra de maneira a alcanar a

    consumao. "Tal experincia um todo e traz consigo sua prpria qualidade

    individualizadora e sua auto-suficincia" (DEWEY, 1990, p. 247), e que atenda aos princpios

    de continuidade e interao propostos pelo filsofo, ou seja, que a experincia educativa ou

    expositiva em museu esteja "conectada com as suas [do pblico] experincias anteriores e que

    influencie positivamente suas experincias futuras" (apud ANSBACHER, 1998, p. 44).

    Tratar a visita ao museu como uma experincia abre muitos horizontes e descobertas quanto

    ao papel do pblico na instituio museal, de acordo com Eilean Hooper-Greenhill (2001b, p.

    8):

  • 44

    Dentro dos museus, uma vez reconhecida a importncia da experincia do

    visitante, perguntas comeam a ser feitas sobre o que eles aprenderam. As

    respostas so freqentemente surpreendentes, e muitas vezes tm muito

    pouco a ver com a informao de aprendizado. As exibies so produzidas

    para a comunicao de declaraes cheias de significado visual e textual,

    mas no existe garantia de que o significado pretendido ser alcanado. Os

    visitantes das exposies em museus respondem de diversas formas. Eles

    podem ou no perceber os significados pretendidos, e percebendo-os, podem

    ou no concordar com eles, ach-los interessantes, ou prestar ateno a eles.

    "Os visitantes usam suas prprias estratgias de interpretao para obter o sentido das

    exposies que encontram durante suas visitas a museus" (HOOPER-GREENHILL, 2001f,

    [p. 3]). Essas estratgias interpretativas so montadas pelo pblico a partir de seu prprio

    repertrio de conhecimentos, vivncias e valores. Em interao com a exposio, o pblico

    mobiliza de sua experincia vivencial os aspectos para sua interpretao. Um dos ingredientes

    para a interpretao a imaginao do pblico que resulta do envolvimento emocional do

    visitante com a exposio, mediada pela sua biografia. Seguindo esse raciocnio, fica fcil

    entender que a partir de seu mapa cognitivo, a ao do pblico circula naturalmente entre a

    aceitao e a rejeio de um discurso. E no podemos negar que rejeitar ao de um sujeito

    tanto quanto aceitar.

    No entanto, o pblico como sujeito plural e criativo porque no est amarrado em aspectos interpretativos fechados , e criativo porque, quando em interao com o museu, aciona o seu repertrio vivencial e cria, na acepo de HooperGreenhill:

    Os processos de interpretao dos visitantes no so singulares, mas

    mltiplos, e procedem de uma srie de pontos iniciais. [...] O significado

    produzido pelos visitantes dos museus a partir de seus prprios pontos de

    vista, usando quaisquer habilidades e conhecimentos que possam ter, de

    conformidade com o contingente de exigncias do momento, e em resposta

    experincia oferecida pelo museu (HOOPER-GREENHILL, 2001f, [p. 3]).

  • 45

    Nessa linha de pensamento, Silverstone cr que "o significado de um objeto continua no

    trabalho imaginativo do pblico que traz isso consigo em sua prpria agenda, experincia e

    sentimentos" (1994, p. 164). No processo de musealizao os objetos so retirados do circuito

    comercial e so inseridos em um novo universo simblico, sofrendo diversas aes de

    significao por diversos especialistas de museu, principalmente do investigador, profissional

    que estuda as colees, e do muselogo e do educador, profissionais que formulam os

    discursos expositivo e educativo ou o discurso comunicacional. Cada um em sua posio

    agrega significado ao patrimnio cultural musealizado, e por isso so curadores. Essa ao

    curatorial prossegue no processo de comunicao, pois "[] o sentido de um objeto

    significativamente dependente de um trabalho 'curatorial' do visitante, no qual os objetos so

    reinscritos na cultura pessoal da memria e da experincia" (SILVERSTONE, 1994, p. 165).

    Assim, o pblico curador tambm. Somos todos curadores em diferentes posies:

    pesquisador, muselogo, educador, pblico. Nosso trabalho, inclusive o do pblico,

    aprender a ser curador, aprender a construir significados desde uma lgica inferencial.

    Hooper-Greenhill (2001f, [p. 6]) tambm v o pblico como curador em face de uma

    experincia que lhe oferecida. Ela indaga sobre qual seria o desempenho dos visitantes na

    comunicao museolgia, e ela mesma responde:

    Espera-se que entrem completamente nos processos de aprendizagem

    projetados [pelo museu] para captar e acionar os estilos de aprendizagem

    preferidos [dos visitantes], que encorajem as ligaes a conhecimentos

    anteriores, que encorajem a personalizao de sua visita e sua resposta. Eles

    so encorajados a atuar como co-curadores do processo de aprendizagem e

    freqentemente no de exposio tambm.

    Considerando que a interpretao e a (re)significao de uma exposio envolve o uso do

    espao, Cristina Freire destacou a ao espacial do pblico-sujeito em sua pesquisa. "Tal

    anlise revelou que a recepo das obras remete relao percepo/espao e implica

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    respostas afetivas que configuram uma maneira de olhar particular" (1990, Resumo). A

    seguir, a pesquisadora reconhece:

    [...] a anlise, fundamentada na Fenomenologia, recorta nas falas dos sujeitos

    entrevistados [o pblico] temas propriamente perceptuais, ligados ao olhar-

    as-obras-na-exposio, sempre com vistas apreenso do sentido desse olhar

    e das