CUSTOS ECONÔMICOS DO TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO … · A Hipertensão Arterial é uma doença...

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FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS AGGEU MAGALHÃES Mestrado Acadêmico em Saúde Pública Cristiane Guedes de Mello CUSTOS ECONÔMICOS DO TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO NA ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA NO ESTADO DE PERNAMBUCO SOB A ÓTICA DO USUÁRIO Recife 2011

Transcript of CUSTOS ECONÔMICOS DO TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO … · A Hipertensão Arterial é uma doença...

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FUNDAO OSWALDO CRUZ

CENTRO DE PESQUISAS AGGEU MAGALHES

Mestrado Acadmico em Sade Pblica

Cristiane Guedes de Mello

CUSTOS ECONMICOS DO TRATAMENTO DA

HIPERTENSO NA ESTRATGIA DA SADE DA FAMLIA

NO ESTADO DE PERNAMBUCO SOB A TICA DO

USURIO

Recife

2011

1

Cristiane Guedes de Mello

Custos Econmicos do Tratamento da Hipertenso na

Estratgia da Sade da Famlia no Estado de Pernambuco

Sob a tica do Usurio

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico em Sade Pblica do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

rea de Concentrao: Epidemiologia, Poltica e Gesto em Sade. Orientadora: Prof Dr. Eduarda ngela Pessoa Cesse. Co-orientadora: Prof Dr. Adriana Falangola Benjamin Bezerra.

Recife

2011

2

Catalogao na fonte: Biblioteca do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes

M527c

Mello, Cristiane Guedes de.

Custos econmicos do tratamento da

hipertenso na Estratgia da Sade da Famlia

no Estado de Pernambuco sob a tica do

usurio / Cristiane Guedes de Mello. - Recife:

[s.n.], 2011.

98 p. : ilus., graf., tab., mapas.

Dissertao (mestrado) - Centro de

Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao

Oswaldo Cruz, 2011.

Orientadora: Eduarda ngela Pessoa

Cesse; co-orientadora: Adriana Falangola

Benjamin Bezerra.

1. Hipertenso. 2. Gastos em sade. 3.

financiamento das famlias. 4. Estratgia de

Sade da Famlia. 1. Cesse, Eduarda ngela

Pessoa. II. Bezerra, Adriana Falangola

Benjamin. III. Ttulo.

CDU 616.12-008.331.1

Cristiane Guedes de Mello

3

Custos Econmicos do Tratamento da Hipertenso na Estratgia da Sade da

Famlia no Estado de Pernambuco Sob a tica do Usurio.

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico em Sade Pblica do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

Aprovado em: 09/05/2011.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Prof Dr. Antnio Carlos Gomes do Esprito Santo

Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

____________________________________________

Prof Dr Tereza Maciel Lyra Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes - CPqAM/FIOCRUZ

_____________________________________________

Prof Dr Eduarda ngela Pessoa Cesse Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes - CPqAM/FIOCRUZ

4

minha me, Cleonice B. Guedes, pelo incentivo aos meus estudos e ao meu esposo, Gustavo Ramos, pelo amor, compreenso e apoio em todos os momentos.

5

AGRADECIMENTOS

Ao concluir este mestrado, me sinto feliz em agradecer sinceramente a todos quanto

me acompanharam e apoiaram nesse processo, em especial:

A Deus, acima de tudo, por Seu amor, orientao e por me ajudar a levantar a

cabea e seguir em frente, por ter iluminado o meu caminho quando tudo parecia

escuro;

minha orientadora, Professora Dr Eduarda Cesse, pela orientao, pacincia e

apoio neste trabalho e pelas oportunidades de crescimento geradas nesses anos;

professora Dr Adriana Falangola, pela co-orientao e apoio durante o processo

de desenvolvimento deste trabalho;

todos os meus amigos que com suas palavras de incentivo me ajudaram a trilhar

esse caminho;

A meus pais, por todo incentivo aos estudos, que me trouxeram at aqui e pelo

apoio incondicional em todos os momentos;

minha famlia pelo amor, pela pacincia e compreenso das minhas ausncias

nesses ltimos meses, o apoio de vocs foi fundamental;

Ao meu esposo, por toda a compreenso, apoio, pacincia infinda e amor a mim

dedicado;

toda a equipe do SERVIDIAH, pelo companheirismo e ajuda, em especial

Michelly Marinho que trilhou comigo esse pedregoso caminho, a Helosa pela ajuda

na estatstica e Annick Fontbonne pela orientao na construo dos resultados,

juntamente com minha orientadora, Eduarda Cesse;

Ao Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes pela infraestrutura e a CAPES pelo apoio

financeiro;

Aos membros da banca pela valiosa contribuio na avaliao da dissertao.

A todos, que direta ou indiretamente, contriburam para o desenvolvimento desta

pesquisa.

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melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar;

melhor tentar, ainda que em vo, que sentar-se fazendo nada at o final.

Eu prefiro na chuva caminhar que, em dias tristes, em casa me esconder.

Prefiro ser feliz, embora louco, que em conformidade viver.

Mesmo as noites totalmente sem estrelas podem anunciar a aurora de uma grande realizao.

Martin Luther King

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MELLO, Cristiane Guedes. Custos Econmicos do Tratamento da Hipertenso na Estratgia da Sade da Famlia no Estado de Pernambuco Sob a tica do Usurio. 2011. Dissertao (Mestrado Acadmico em Sade Pblica) Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes, Fundao Oswaldo Cruz, Recife, 2011.

RESUMO

A Hipertenso Arterial uma doena crnica que apresenta uma alta prevalncia, um grande impacto na morbimortalidade brasileira e do mundo e um alto custo econmico-social, sobretudo em decorrncia de suas complicaes. Os gastos decorrentes do tratamento da Hipertenso so bastante elevados tendo em vista que demandam mais aes, procedimentos e servios de sade. Este estudo se configura numa avaliao econmica parcial em sade sob a perspectiva do usurio, composta por uma amostra de 199 hipertensos atendidos na estratgia de Sade da Famlia em municpios de Pernambuco. Foram analisados os gastos diretos e custos indiretos para o tratamento da Hipertenso Arterial e sua relao com a renda individual e familiar. Foi realizada anlise descritiva dos dados e aplicados testes estatsticos, os achados foram analisados ao nvel de significncia de 5%. Os resultados apontaram que entre os gastos totais com o tratamento o gasto com o transporte (62,8%) foi o mais frequente, enquanto que o maior valor dispendido foi com alimentao (R$ 600,00) e com consultas especializadas (R$ 570,00). Em relao renda individual, verifica-se que o principal componente de despesa so os medicamentos em ambas as faixas de renda (at 1 salrio mnimo ou maior que 1 salrio mnimo), com gasto mediano de R$ 10,50 na 1 faixa e de R$ 19,90 na 2 faixa de renda. Gastos com alimentao e planos de sade so os que demandam os maiores gastos para todas as faixas de renda. Resultados semelhantes foram encontrados quando comparados s faixas de renda familiar. O valor de p foi considerado estatisticamente significativo apenas no gasto com a alimentao relacionada renda familiar (p=0,012). Os achados dessa pesquisa sugerem que o tratamento da Hipertenso Arterial um gasto importante no dispndio das famlias e apontam para necessidade de melhoria na continuidade e integralidade da ateno, bem como polticas pblicas eficazes que garantam a preveno e tratamento adequado dessa. Palavras-chave: Hipertenso Arterial; Gastos em Sade; Financiamento Pessoal; Programa Sade da Famlia; SUS.

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MELLO, Cristiane Guedes. Economic costs of the Treatment of the Hipertension

in the Strategy of the Health of the Family in the State of Pernambuco Under

the Optics of the User. 2011. Dissertation (Academic Master in Public Health) -

Center of Research Aggeu Magalhes, Oswaldo Foundation Cross, Recife, 2011.

ABSTRACT

Hypertension is a chronic disease with a high prevalence, a great impact on Brazilian morbidity and mortality in the world and a high economic and social cost, mainly due to its complications. The expenses resulting from the treatment of hypertension are quite high considering that demand more actions, procedures and health services. This study sets a partial economic evaluation in health from the user's perspective, consisting of a sample of 199 hypertensive patients in the Health Strategy of the Family in the municipalities of Pernambuco. The direct costs and indirect costs for the treatment of arterial hypertension and its relationship with the individual and family income were analyzed. Descriptive data analysis and statistical analyzes were performed, the findings were analyzed at a significance level of 5%. The results showed that among the total expenditure on treatment spending on transport (62.8%) was the most frequent, while the largest amount spent was with power (R $ 600.00) and specialist consultations ( 570.00). In relation to individual income, it appears that the main expense component are medicines in both income groups (up to 1 minimum wage or greater than 1 minimum wage), with average spending of US $ 10.50 in the 1st group and R $ 19.90 in 2nd income bracket. Spending on food and health plans are those that require higher expenses for all income levels. Similar results were found when compared to family income. The p value was considered statistically significant only in expenditure on food related to family income (p = 0.012). The findings of this research suggest that the treatment of Hypertension is a major expense in the expenditure of families and emphasize the need for improved continuity and comprehensive care and effective public policies to ensure the prevention and treatment of this. Keywords: Hypertension; Health Expenditures; Personal finance; Family Health Program; SUS.

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LISTA DE ILUSTRAES

Quadro 1 - Classificao do paciente segundo os valores da presso arterial sistlica e diastlica.............................................................................................

23

Quadro 2: Classificao da presso arterial segundo os valores da presso arterial sistlica e da presso diastlica, segundo o VII Joint National Committee.............................................................................................................

23

Quadro 3 - Estratificao e quantificao de prognstico. Presso Arterial (mmHg)..................................................................................................................

24

Quadro 4 Cdigos relacionados Hipertenso Arterial na lista de Classificao Internacional de Doenas CID-10................................................

25

Quadro 5 Estudos de prevalncia realizados em algumas cidades brasileiras no perodo de 1995 a 2007...................................................................................

28

Quadro 6 - Comparao dos estudos de prevalncia da hipertenso arterial. Brasil, 1990 a 2004...............................................................................................

29

Figura 1 - Mortalidade global e carga (taxa) da enfermidade atribuvel doena cardiovascular e seus maiores fatores de risco para pessoas com 30 anos de idade ou mais velhos...............................................................................

34

Mapa 1 - Organizao Territorial por Regies de Desenvolvimento (RD). Pernambuco 2008..............................................................................................

51

Mapa 2 Mapa dos municpios sorteados para compor a amostra da pesquisa SERVIDIAH.............................................................................................................

52

Quadro 7 Distribuio das variveis analisadas de acordo com o tipo de custo.......................................................................................................................

55

Quadro 8 Distribuio das variveis analisadas de acordo com a etapa de anlise dos dados...................................................................................................

56

10

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Distribuio da amostra por municpio de acordo com o porte populacional........................................................................................................ 53

Tabela 2 Caracterizao dos usurios hipertensos acompanhados pela Estratgia SF em municpios do Estado, segundo variveis socioeconmicas e demogrficas. Pernambuco 2011................................................................. 60

Tabela 3 Prevalncia referida dos fatores de risco para a HA em hipertensos acompanhados pela Estratgia SF em municpios do Estado. Pernambuco 2011........................................................................................... 61

Tabela 4 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto mensal com planos de sade e odontolgico dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF. Pernambuco 2011................................................................................................................. 62

Tabela 5 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto mensal com o uso de medicaes dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF. Pernambuco 2011.................................................................................................................... 62

Tabela 6 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto com o uso de prticas integrativas para o tratamento da HA, dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF. Pernambuco 2011................................................................. 63

Tabela 7 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto referente aquisio do equipamento e realizao de auto monitoramento da presso arterial dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF. Pernambuco 2011.......... 63

Tabela 8 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto anual com procedimentos de diagnstico dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF, segundo tipo de exame. Pernambuco 2011............................................................................... 64

Tabela 9 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto anual com consultas especializadas dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF, segundo especialidade mdica. Pernambuco 2011....................................................... 65

Tabela 10 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto referente aos gastos com transporte para realizao de consultas na USF dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF. Pernambuco 2011....................................................... 66

11

Tabela 11 - Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos de desembolso direto com alimentao dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF. Pernambuco 2011.

68

Tabela 12 Frequncias absolutas e relativas, valores mnimos, mximos e medianos da de perda de rendimentos dos usurios hipertensos acompanhados pela estratgia de SF, relativos aos custos indiretos para o tratamento da Hipertenso Arterial. Pernambuco 2011.

69

Tabela 13 Gastos dos usurios acompanhados pela estratgia de SF para o tratamento da Hipertenso Arterial, segundo componente de despesa. Pernambuco 2011. 70

Tabela 14 Gastos dos usurios acompanhados pela estratgia de SF para o tratamento da Hipertenso Arterial por classes de rendimento individual segundo componente de despesa. Pernambuco 2011. 71

Tabela 15 Gastos dos usurios acompanhados pela estratgia de SF para o tratamento da Hipertenso Arterial, por classes de rendimento familiar, segundo componente de despesa. Pernambuco 2011. 72

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DCNT - Doena Crnica No Transmissvel

ESF - Equipe de Sade da Famlia

HA - Hipertenso Arterial

HAS - Hipertenso Arterial Sistmica

IAM - Infarto Agudo do Miocrdio

PIB - Produto Interno Bruto

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

SF - Sade da Famlia

USF - Unidade de Sade da Famlia

RECIFE

2010

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SUMRIO

1 INTRODUO 14

2 OBJETIVOS 17

3 REFERENCIAL TERICO 18

3.1 Transio epidemiolgica, demogrfica e nutricional e as Doenas Crnicas no Transmissveis.

18

3.2 Hipertenso Arterial Sistmica: Conceitos, Classificao e Diagnstico

21

3.2.1 Classificao da HA na CID 10 24

3.3 A Epidemiologia da Hipertenso Arterial no Brasil 25

3.4 HAS: Importante desafio da Sade Pblica no Brasil e no Mundo 30

3.5 Fatores de Risco para Hipertenso Arterial 32

3.5.1 Fatores de risco no modificveis 34

3.5.2 Fatores de risco modificveis 35

3.6 A Estratgia Sade da Famlia como acesso para um melhor controle das prticas assistenciais

37

3.7 Os gastos com as DCNT 42

4 MTODO 49

4.1 Desenho do Estudo 50

4.2 Populao do Estudo: 50

4.3 rea e Perodo de Estudo 50

4.4 Desenho Amostral / Clculo do Tamanho da Amostra 52

4.4.1 Da definio da amostra dos municpios 52

4.4.2 Da definio das Equipes de Sade da Famlia 52

4.4.3 Da definio dos Hipertensos entrevistados 53

4.5 Mtodo de Coleta de Dados 54

4.6 Plano de Anlise dos Dados 54

4.7 Definio de Variveis 56 5 ASPECTOS TICOS 57

6 RESULTADOS 59

6.1 Caracterizao do perfil socioeconmico e demogrfico dos usurios.

59

6.2 Identificao dos gastos diretos e custos indiretos dos usurios hipertensos para o tratamento da Hipertenso Arterial.

61

6.2.1 Gastos Diretos Sanitrios 61

6.2.2 Gastos Diretos No Sanitrios 66

6.2.3 Custos Indiretos 69

6.3 Anlise do gasto com o tratamento da Hipertenso Arterial de acordo com a renda familiar.

70

7. DISCUSSO 73 8. CONSIDERAES FINAIS 80

REFERNCIAS 84

ANEXO A - Carta de Anuncia 99

ANEXO B - Pesquisa SERVIDIAH Formulrio Aplicado ao Hipertenso 100

14

INTRODUO

A Hipertenso Arterial (HA) uma doena crnica no transmissvel (DCNT)

de alta prevalncia que se apresenta como um dos principais problemas de sade

pblica da atualidade. Seus fatores de risco e suas complicaes representam hoje

a maior carga de doenas em todo o mundo, sendo responsveis pelas maiores

taxas de morbimortalidade tanto da populao brasileira como mundial, provocando

o sofrimento pessoal e familiar, com alto custo financeiro e social (BRASIL, 2004).

A HA compe um grupo de agravos sade, de origem multifatorial, como

outras doenas cardiovasculares, neoplasias, doenas respiratrias crnicas,

hipertenso, diabetes e doenas musculoesquelticas, entre outras (BRASLIA,

2010). As DCNT apresentam de uma forma geral, longo perodo de latncia, tempo

de evoluo prolongado, etiologia no elucidada totalmente, leses irreversveis e

complicaes que acarretam graus variveis de incapacidade ou bito (MILLS,

1987).

A ocorrncia dessas doenas est relacionada a um processo de grandes

mudanas vivenciadas no Brasil, nas formas de adoecimento e morte, representada

pelo aumento das doenas crnicas em detrimento das doenas transmissveis

(BRASIL, 2010).

Nas ltimas dcadas observa-se, a ocorrncia de dois processos

concomitantes que tem produzido importantes mudanas no perfil de doenas da

populao: a transio demogrfica e a epidemiolgica. Na primeira vem ocorrendo

uma significativa diminuio das taxas de fecundidade, natalidade e aumento

progressivo na expectativa de vida, com isso verifica-se o crescimento progressivo

dos idosos, tendncia observada a partir da dcada de 1960 e que deveria se

estender pelos 20 anos seguintes (ARAJO, 1992). O IBGE (2010) mostrou que a

populao com 65 anos ou mais vem crescendo, chegando a 7,4% da populao em

2010.

Esse rpido envelhecimento da populao brasileira leva a um tipo de

demanda por servios mdicos e sociais que antes se restringia aos pases

industrializados (CHAIMOWICZ, 1997). Estima-se que no Brasil, entre 70% e 80%

15

da populao maior de 60 anos, vive com alguma condio crnica de sade. Em

2025 isso acarretar em 27 milhes de pessoas (BRASIL, 2010). De acordo com

Schramm (2004), os agravos crnico-degenerativos, que atingem esta faixa etria,

implicam tratamento de durao mais longa e recuperao mais lenta e complicada,

exigindo tambm intervenes de elevado custo. medida que a nossa sociedade

envelhece os desafios para o sistema de sade tornam-se cada vez mais urgentes

no que tange busca de solues para assegurar efetividade, eficincia e qualidade

do sistema (KALACHE, 2008).

Na transio epidemiolgica brasileira, entretanto, observa-se que esta no

tem ocorrido como na maioria dos pases industrializados. Na realidade h uma

superposio entre as etapas nas quais as doenas transmissveis e crnico-

degenerativas predominam, bem como a ocorrncia da reintroduo de doenas

como dengue e clera ou o agravamento de outras como a malria, hansenase e

leishmanioses (FRENK, et al., 1991). Outros fatores como a urbanizao, o acesso a

servios de sade, meios de diagnsticos e mudanas nos padres culturais

expressivas das ltimas dcadas influenciam o processo de transio

epidemiolgica (BRASIL, 2005).

Essa mudana no perfil de sade brasileiro no qual as doenas crnicas e

suas complicaes so mais prevalentes que as doenas infecciosas se refletiro

tambm em mudanas no padro de utilizao dos servios de sade, o que

acarretar ainda um aumento de gastos frente necessidade de incorporao de

novas tecnologias para o tratamento dessas doenas (GOULART, 1999),

principalmente tendo em vista que, por serem doenas geralmente de longa

durao, os gastos decorrentes do tratamento dessas so bastante elevados tendo

em vista que demandam mais aes, procedimentos e servios de sade.

1.1 Justificativa

Considerando o aumento da prevalncia da Hipertenso Arterial no Brasil e

os elevados custos que este aumento representa para o Sistema de Sade e para as

Famlias e que os estudos de custo relacionados com a ateno bsica e, mais

ainda, aos custos e gastos individuais do usurio do Sistema de Sade so raros no

16

Brasil; e considerando ainda que outros pases apresentam alguns estudos

relacionados ao tema, no entanto, a generalizao de seus resultados para o Brasil

pode no ser aplicvel realidade local, tendo em vista que dentre os fatores que

podem limitar essa generalizao incluem-se diferenas na morbidade, cultura,

economia, sistemas de sade e metodologia empregada na investigao dos custos

(DRUMMOND; JEFFERSON, 1996), buscou-se pesquisar os custos do tratamento

da Hipertenso Arterial para o usurio da estratgia de Sade da Famlia em

municpios de Pernambuco. A inteno deste estudo de contribuir com a produo

de conhecimentos a fim de subsidiar o processo de tomada de decises para o

estabelecimento de aes assistenciais e a adequao do programa de ateno ao

hipertenso na estratgia de Sade da Famlia.

1.2 Questes Norteadoras

Quais os custos diretos e indiretos do tratamento da Hipertenso Arterial e sua

relao com a renda individual e familiar para os hipertensos atendidos na Estratgia

da Sade da Famlia em municpios do estado de Pernambuco?

1.3 Pressupostos

Apesar do Sistema nico de Sade oferecer aes para o controle da

Hipertenso Arterial, esta ainda no tem sido realizada de maneira integral. Assim, o

custeio do tratamento pode se reverter em custos individuais elevados para o usurio

no tratamento da doena.

17

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Analisar os custos diretos e indiretos individuais do tratamento da hipertenso

arterial para os usurios atendidos em unidades da Estratgia da Sade da Famlia

residentes em municpios de mdio e grande porte do Estado de Pernambuco.

2.2 Objetivos Especficos

a) Descrever o perfil socioeconmico e demogrfico dos usurios;

b) Identificar os custos diretos e indiretos para os usurios hipertensos;

c) Analisar o gasto com o tratamento da hipertenso arterial de acordo com a

renda individual e familiar.

18

3 REFERENCIAL TERICO

3.1 Transio epidemiolgica, demogrfica e nutricional e as Doenas

Crnicas no Transmissveis

Nos ltimos 20 anos o Brasil e outros pases da Amrica Latina tm

experimentado um rpido processo de transio demogrfica, epidemiolgica e

nutricional (KAC; VELSQUEZ-MELNDEZ, 2003).

Na dcada de 70, Omran (1971) j havia descrito esse processo de

transformao dos padres de adoecimento e morte da populao relacionando-os

s mudanas socioeconmicas e nutricionais observadas na sociedade moderna, a

qual denominou transio epidemiolgica.

De acordo com Batista Filho et al. (2007) e Barreto e Carmo (1995), as

mudanas nos padres de morbimortalidade encontram-se relacionadas no

somente s mudanas nos padres socioeconmicos. Antes decorrem tambm de

uma complexa interao entre mltiplos fatores de ordem social, econmica e

demogrfica. As mudanas provocadas por essa interao resultam na reduo da

fecundidade e da mortalidade infantil, as quais decorrem das melhores condies

sanitrias, econmicas e de vida, reduo da morbimortalidade por doenas infecto-

parasitarias, envelhecimento populacional, mudana nos padres nutricionais e

surgimento de doenas crnicas no transmissveis, como hipertenso arterial,

diabetes mellitus e cncer.

Os avanos ocorridos na Medicina e no estilo de vida, aliados ao processo de

envelhecimento da populao e ao aumento de expectativa de vida tambm

influenciaram a modificao dos padres de morbimortalidade dos pases em

desenvolvimento, favorecendo o aumento das doenas crnicas (PINHEIRO, et al.,

2004).

A transio epidemiolgica experimentada pelas populaes, com a

consequente modificao no quadro de sade, influenciada por diversos fatores,

como a urbanizao, a industrializao, o crescimento da renda, a expanso da

educao e a melhoria da tecnologia mdica e em sade pblica (BRASIL, 2005).

19

O processo intermedirio de transio demogrfica vivenciado no Brasil figura

entre os fatores determinantes do crescimento das DCNT que, apesar de o pas

apresentar uma populao jovem expressiva, possui tambm um contingente

crescente de pessoas em idades avanadas, chamando a ateno maneira

acelerada com o qual esse processo vem se desenvolvendo (CESSE, 2007).

Desta forma, tm-se o declnio da mortalidade por doenas infecciosas, bem

como o declnio da fertilidade, o que leva ao envelhecimento da populao e a

prevalncia de doenas crnicas no transmissveis. De acordo com Carvalho;

Garcia (2003), a estrutura etria da populao brasileira vem se modificando desde

a dcada de 40, acentuando-se na dcada de 60, chegando, na dcada de 70, a

5,1% de populao idosa (com 60 anos ou mais). Em 1980 a participao de

indivduos idosos passou para 6,1%, chegando a 7,7% em 1991. De acordo com o

IBGE (2010), no ano de 1999 o nmero de idosos correspondia a 14,8 milhes de

pessoas. Dez anos mais tarde, em 2009, este nmero subiu para 21,7 milhes.

Popkin et al. (1993) conceitua a transio nutricional como um processo de

modificaes sequenciais associadas ao padro de alimentao, nutrio e

consumo. Neste sentido, as mudanas econmicas, sociais e demogrficas,

modificam o perfil alimentar e nutricional no contexto do processo sade-doena das

populaes. Assim, a diminuio progressiva da desnutrio e o aumento da

obesidade so resultantes dessas transformaes que vem ocorrendo.

De acordo com Godoy-Matos (2005), essas alteraes desempenham um

papel importante no aparecimento de doenas crnicas no transmissveis (DCNT).

Podemos citar como patologias mais prevalentes a hipertenso arterial, diabetes

mellitus tipo 2, dislipidemias e obesidade central.

O aumento expressivo das DCNT observado tanto nos pases

desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, (MALFATTI; ASSUNO,

2008). Liderando as causas de morte tambm no Brasil, as DCNT tiveram seu

crescimento aumentado a partir da dcada de 1960 (BAYER; GES, 1984). Desta

forma, verifica-se que o perfil atual de mortalidade brasileiro caracteriza-se pelo

aumento acentuado das mortes por DCNT e causas externas em detrimento quelas

causadas por doenas infectocontagiosas (COSTA, 2006; MOURA et al., 2007).

20

Assim, ao invs das doenas agudas, caracterizadas por sua curta durao e,

frequentemente letais, passamos s doenas de incio dificilmente percebido e de

longa durao, com prognstico marcado pela reduo progressiva da capacidade

funcional (COSTA, 2006). No que se refere morbidade das DCNT observa-se o

aumento concomitante na incidncia e prevalncia de problemas crnicos de sade

(ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003).

As projees para as DCNT nos prximos anos no so favorveis. De

acordo com a OMS apenas 20% das mortes por doenas crnicas ocorrem em

pases de alta renda, ou seja, 80% dessas mortes ocorrem em pases em

desenvolvimento. A estimativa de que at 2015, das 64 milhes de mortes no

mundo, 41 milhes ocorrero devido a uma doena crnica (ORGANIZAO

MUNDIAL DA SADE, 2005).

Essas mudanas tm srias implicaes do ponto de vista econmico, por

conta dos altos custos que esto atrelados a esse novo perfil (SILVA, 2004), j que o

considervel aumento na demanda por servios de sade, principalmente aqueles

curativos e de intervenes hospitalares, tais como diagnsticos e tratamentos, entre

outros, so decorrentes das DCNT (MOURA et al, 2007), gerando efeitos

econmicos adversos tambm para as famlias, comunidades e sociedades em

geral, o que implica ainda no prejuzo da qualidade de vida do indivduo e da

famlia, como tambm em mortes prematuras (ORGANIZAO MUNDIAL DA

SADE, 2005).

Em estudos nacionais e internacionais que discutem temas relacionados a

mudanas no perfil de sade e doena em populaes no mundo, a

morbimortalidade geral tem sido relacionada s condies socioeconmicas

(BEYDOUN; POPKIN, 2005). Em muitos inquritos de sade, os fatores

socioeconmicos tambm tm sido apontados como variveis explicativas do estado

nutricional e hipertenso arterial (BEYDOUN; POPKIN, 2005; DRESSLER; SANTOS,

2000; TAVEIRA; PIERIN, 2007).

No Brasil, a HA e suas complicaes so tambm responsveis por alta

frequncia de internaes (CARVALHO, 2002). As doenas cardiovasculares

ocupam a primeira colocao no Brasil, como causa de bitos definidos,

21

respondendo por 32,5% da mortalidade e por 1.181.612 (13,4%) internaes no

SUS em 2005. Nessas internaes, a hipertenso arterial especificamente

respondeu por 10,2% (BRASIL, 2010).

Considerando a grande importncia da HA como fator de risco para outras

doenas cardiovasculares, como o acidente vascular cerebral, a doena isqumica

do corao e a insuficincia cardaca congestiva, por exemplo, tem-se que a HA

pode ter contribudo, direta ou indiretamente, por 52,4% das internaes no SUS.

De acordo com dados do Ministrio da Sade (BRASIL, 2010), em

Pernambuco no ano de 2009, ocorreram 43.434 internaes hospitalares no SUS

devido a doenas do aparelho circulatrio em geral. Dessas, 23.040 internaes

ocorreram devido a tratamentos de doenas cardiovasculares.

Em relao mortalidade, no Brasil em 2007, ocorreram 308.466 mortes por

doenas do aparelho circulatrio. Dessas, 78.653 ocorreram na regio Nordeste do

Brasil, que se configura na segunda regio com mais mortes por doenas do

aparelho circulatrio, ficando atrs apenas da regio sudeste, com 147.393. Em

Pernambuco, no ano de 2007, ocorreram 16.629 mortes por doenas do aparelho

circulatrio, sendo 2.515 devido a doenas hipertensivas, 5.500 por doenas

isqumicas do corao, 4.768 por infarto agudo do miocrdio e 5.158 por doenas

cerebrovasculares. Em 2008, dados preliminares demonstram que ocorreram 16.781

bitos devido a doenas do aparelho circulatrio (BRASIL, 2010).

Desta forma, fica claro que existe uma necessidade, cada vez mais urgente,

de que sejam adotadas estratgias de interveno mais efetivas e a custos mais

baixos para que se possa deter esse processo de agravo sade (SILVA, 2004).

3.2 Hipertenso Arterial Sistmica: conceitos, classificao e diagnstico

A Presso Arterial (PA) pode ser definida como a tenso exercida pelo

sangue durante a sstole e distole ventricular. Esta fora tem incio com o batimento

cardaco e est relacionada a processos envolvidos no dbito cardaco, resistncia

vascular perifrica, volemia, agentes qumicos, hormonais e emocionais, dentre

outros.

22

A manuteno dos nveis pressricos normais pelo organismo bastante

complexa, envolvendo mecanismos como os hormonais, neurais e hemodinmicos

que interagem a fim de regular a presso diante das variaes impostas por vrios

estmulos. O comprometimento do equilbrio dos sistemas vasodilatadores e

vasoconstrictores, que tem por funo manter o tnus dos vasos sanguneos, levam

a uma diminuio da luz desses vasos e com isso a danos aos rgos irrigados por

esses (SILVA, 2010).

Assim, a Hipertenso Arterial Sistmica pode ser definida como uma doena

crnica, de natureza multifatorial, na maioria das vezes assintomtica e que se

caracteriza pela elevao dos nveis pressricos acima daquele recomendado para

determinada faixa etria. Pode ainda ser classificada de acordo com os nveis

tensionais ou ainda segundo a sua causa de base em primria, tambm chamada de

essencial ou secundria. A HA primria representa 95% dos casos enquanto que a

HA secundria representa os 5% restantes (BRASIL, 2001).

Ainda de acordo com Ministrio da Sade (BRASIL, 2001) as principais

causas da hipertenso primria so herana, grupo tnico, idade, classe social,

obesidade, uso excessivo de lcool, fumo, entre outros. J a HA secundria

apresenta etiologia definida e possibilidade de cura com o tratamento da doena

primria, j que a HA secundria decorrente de outra doena ou condio, como

por exemplo, uso de determinados medicamentos.

De acordo com Mion Jnior (2006) para que um adulto seja considerado

hipertenso necessria a tomada de trs medidas da Presso Arterial em

momentos distintos. Esse o elemento chave para o estabelecimento do

diagnstico da HAS. Na tabela 1 observa-se a classificao da HAS para adultos

(com mais de 18 anos de idade).

23

Quadro 1 - Classificao do paciente segundo os valores da presso arterial sistlica e diastlica

Classificao da presso arterial Presso arterial sistlica

(mmHg) Presso arterial

diastlica (mmHg)

tima < 120 e < 80

Normal < 130 e < 85

Limtrofe 130 a 139 ou 85 a 89

Estgio 1 140 a 159 ou 90 a 99

Estgio 2 160 a 179 ou 100 a 109

Estgio 3 ou

Hipertenso sistlica isolada > 140 e < 90

Fonte: Mion Jnior (2006).

Conforme se observa no Quadro 2, em 2003 a publicao o VII Joint National

Committee apresentou uma nova classificao da HA onde foi introduzido um novo

conceito: o da pr-hipertenso. Condio esta em que o indivduo apresenta PA

limtrofe e que, portanto, possui maiores chances de apresentarem eventos

cardiovasculares do que aqueles com PA considerada normal. Assim, os estgios 2

e 3 foram combinados num mesmo estgio a fim de enfatizar a importncia de seu

controle e tratamento.

Quadro 2 - Classificao da presso arterial segundo os valores da presso arterial sistlica e da presso diastlica, segundo o VII Joint National Committee.

Classificao da presso arterial Presso arterial sistlica

(mmHg) Presso arterial

diastlica (mmHg)

Normal < 120 e < 80

Pr-hipertenso 120 a 139 ou 80 a 89

Hipertenso estgio 1 140 a 159 ou 90 a 99

Hipertenso estgio 2 ou

Fonte: Modificado de Chobanian (2003).

Comumente, a presena de fatores de risco cardiovascular se apresenta de

maneira combinada (WILSON et al., 1999). Essa combinao pode variar nos

indivduos de acordo com a idade, inatividade fsica, sobrepeso, hiperglicemia e

dislipdemia, podendo ser influenciados por fatores ambientais, alm da

predisposio gentica (IV BRAZILIAN GUIDELINES IN ARTERIAL

HYPERTENSION, 2004).

A estratificao do risco cardiovascular recomendada por Mion Jnior

(2006), conforme se observa no Quadro 1. Consiste na avaliao da presena de

24

fatores de risco, doenas associadas e medida do nvel da PA. De acordo com o

risco verificado no conjunto de fatores se dar a orientao quanto ao tratamento e

preveno de complicaes cardiovasculares.

Quadro 3 - Estratificao e quantificao de prognstico. Presso Arterial (mmHg).

Outros fatores de risco ou doena

Grau 1 Hipertenso leve PAS 140 - 159 ou

PAD 90 - 99

Grau 2 Hipertenso moderada PAS 160 -179

ou PAD 100 109

Grau 3 Hipertenso Grave PAS 180

ou PAD 110

I - Sem outros fatores de risco

Risco Baixo Risco Mdio Risco Alto

II - 1-2 fatores de risco Risco Mdio Risco Mdio Risco Muito Alto

III - 3 ou mais fatores de risco Risco Alto Risco Alto Risco Muito Alto

IV CCA Risco Muito Alto Risco Muito Alto Risco Muito Alto

Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia (2006). Nota: Condies Clnicas Associadas (incluindo doena cardiovascular ou renal).

3.2.1 Classificao da HA - CID - 10

A Classificao Internacional das Doenas, em sua dcima edio de reviso

(CID-10) publicada pela OMS, uma classificao estatstica internacional que visa

padronizar a codificao de doenas e problemas relacionados com a sade. Essa

classificao composta de cdigos formados por letras e nmeros relativos

classificao de doenas e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos

anormais, queixas, circunstncias sociais e causas externas para ferimentos ou

doenas. A cada estado de sade atribuda uma categoria nica qual

corresponde um cdigo CID 10. Desta forma, uma mesma doena pode ser

identificada em qualquer lugar do mundo, ainda que os nomes no sejam os

mesmos em virtude da diferena das lnguas. Atualmente a CID-10 apresenta a

Hipertenso Arterial representada pelos seguintes cdigos:

25

Quadro 4 Cdigos relacionados Hipertenso Arterial na lista de Classificao Internacional de Doenas CID-10.

CID - 10 (I10-I15) Descrio

I - 10.

Hipertenso essencial (primria)

- Hipertenso arterial

- Presso arterial sangunea alta

I - 11 Doena cardaca hipertensiva

I - 11.0 Doena cardaca hipertensiva com insuficincia cardaca congestiva

I - 11.9 Doena cardaca hipertensiva sem insuficincia cardaca congestiva

I 12 Doena renal hipertensiva

I 12.0 Doena renal hipertensiva com insuficincia renal

I 11.9 Doena renal hipertensiva sem insuficincia renal

I 13 Doena cardaca e Doena renal hipertensiva

I 13.0 Doena cardaca e Doena renal hipertensiva com insuficincia cardaca congestiva

I 13.1 Doena cardaca e Doena renal hipertensiva com insuficincia renal

I 13.2 Doena cardaca e Doena renal hipertensiva com insuficincia cardaca congestiva e insuficincia renal

I 13.9 Doena cardaca e Doena renal hipertensiva, no especificada.

I 15 Hipertenso secundria

I 15.0 Hipertenso renovascular

I 15.1 Hipertenso secundria a outras afeces renais

I 15.2 Hipertenso secundria a afeces endcrinas

I 15.8 Outras formas de hipertenso secundria

I 15.9 Hipertenso secundria, no especificada.

I 15 Hipertenso secundria

I 15.0 Hipertenso renovascular

I 15.1 Hipertenso secundria a outras afeces renais

I 15.2 Hipertenso secundria a afeces endcrinas

I 15.8 Outras formas de hipertenso secundria

I 15.9 Hipertenso secundria, no especificada.

Fonte: Organizao Mundial da Sade (2010).

A codificao da causa do bito se baseia nas regras da conveno

internacional. Estas, no entanto, limitam o uso da HA como causa bsica nas

declaraes de bito, ainda que a relao causal seja bvia. Assim, a mortalidade

por HA no representa proporo considervel nas principais capitais ou em

qualquer outra localidade. Assim, nos estudos de mortalidade nos quais

necessrio determinar a influncia da hipertenso arterial, devem ser utilizados os

dados de mortalidade por causas mltiplas e no apenas por causa bsica (NEDER,

BORGES, 2006).

3.3 A Epidemiologia da Hipertenso Arterial no Brasil

Com o aumento da idade mdia da populao e a mudana que vem

ocorrendo no perfil demogrfico brasileiro, a importncia da Hipertenso Arterial na

populao geral tende a aumentar progressivamente (BRASIL, 1993; RIBEIRO et

al., 1988).

26

Desde 1993, o Ministrio da Sade apontava a HA como um dos trs

diagnsticos mais frequentes em pacientes ambulatoriais e uma das principais

causas de incapacidade temporria ou permanente no Brasil.

O relatrio anual da OMS (2003), World Health Report, apontou que, em

relao mortalidade mundial, a hipertenso arterial se apresentava como o terceiro

principal fator de risco associado, perdendo apenas para aquelas mortes

decorrentes do sexo inseguro e da desnutrio (ORGANIZAO MUNDIAL DA

SADE, 2003).

Em 1997, a prevalncia de HAS no Brasil era de 20%, numa populao de

aproximadamente 20 milhes de pessoas com idade igual ou maior que 20 anos

(GUIMARES, 2002).

J no ano de 2000, a prevalncia de pacientes hipertensos nos pases

desenvolvidos era de 333 milhes e nos pases em desenvolvimento foi de 639

milhes (KEARNEY et al., 2005).

Inquritos de base populacional realizados em algumas cidades brasileiras

mostraram que a prevalncia de hipertenso arterial (140/90 mmHg) varia de

22,3% a 43,9% entre as cidades (MATOS, LADEIA, 2003; GUS et al., 2004; IV

BRAZILIAN GUIDELINES IN ARTERIAL HYPERTENSION, 2004).

Atualmente a HAS tem sido identificada no s em adultos e idosos, mas

tambm em crianas e adolescentes. Estima-se que no Brasil, cerca de 5% dessa

populao seja hipertensa (MINISTRIO DA SADE, 2005).

De acordo com a Agncia Nacional de Sade (2006), a probabilidade de um

indivduo desenvolver a HAS ao longo de sua vida de 90%, aproximadamente. A

estimativa de que na prxima dcada as mortes decorrentes das DCNT aumentem

em 17%. Assim, estima-se que em 2015 ocorram 64 milhes de bitos, sendo que

41 milhes desses sero consequentes de uma DCNT.

As taxas de prevalncia da HA variam de acordo com a faixa etria da

populao. Tanto nos pases desenvolvidos quanto nos pases em desenvolvimento

cerca de 25 a 35 % da populao adulta hipertensa, e nos indivduos com mais de

70 anos, 60 a 70% da populao sofrem com HA (STAESSEN et al., 2003).

27

Mano (2007) tambm relaciona a faixa etria do indivduo com a prevalncia

da HA. Para esse autor, at os 40 anos a prevalncia de aproximadamente 10%,

dobrando esse valor para a faixa etria at 50 anos (20%). Para a populao negra

observa-se uma prevalncia maior nessas faixas etrias (sendo 20% e 40%, nas

faixas referidas, respectivamente). Aps os 60 anos, ultrapassam os 40%, atingindo

60% aps os 70 anos.

De acordo com o Ministrio da Sade (BRASIL, 2001), 22% da populao

brasileira acima de 20 anos convive com a HA. Ela responsvel pela ocorrncia de

diversas doenas cardiovasculares, como por exemplo, 80% dos casos de acidente

vascular cerebral (AVC) e 60% dos casos de infarto agudo do miocrdio (IAM)

(GUIMARES, 2002).

A tendncia da hipertenso na populao de que haja um incremento de

29% at o ano de 2025, alcanando 1,56 bilhes de adultos no mundo, tendo em

vista o advento de novos frmacos e o avano na medicina (KEARNEY et al., 2005).

Analisando alguns estudos sobre a prevalncia da HAS em algumas cidades

brasileiras, embora no existam dados sistematizados que correspondam s

diferentes regies do pas, verifica-se que a mdia de dessa prevalncia de 31,3%,

conforme se observa no quadro 5 (BARRETO et al., 2001; CASTRO; MONCAU;

COSTA et al., 2007; DE SOUZA et al., 2007; FREITAS et al., 2001; JARDIM et al.,

2007; KLEIN et al., 1995; MARCOPITO, 2007; TRINDADE et al., 1998).

Desconsiderou-se o valor apresentado pelo estudo realizado na cidade de Campinas

haja vista a diferena acentuada encontrado nesse estudo (51,8%), o que pode ser

explicado pelo mtodo empregado, j que se tratava da hipertenso autorreferida

(ZAITUNE et al., 2006).

28

Quadro 5 Estudos de prevalncia da hipertenso realizados em algumas cidades brasileiras no perodo de 1995 a 2007.

Cidade

Estado Ano do estudo

Prevalncia da

hipertenso Referncia

Goinia GO 2 2002 36,40% JARDIM et al., 2007

Formiga MG 2 2004 32,70% CASTRO; MONCAU; MARCOPITO, 2007

Bambu MG 2 2001 24,80% BARRETO et al., 2001

Campo Grande MS 2 2005 41,40% DE SOUZA et al., 2007

Ilha do Governador RJ 1 1992 24,90% KLEIN et al., 1995

Pelotas RS 2 2000 37,20% COSTA et al., 2007

Passo Fundo RS 1 1995 21,90% TRINDADE et al., 1998

Campinas SP 2 2002 51,80% ZAITUNE et al., 2006

Catanduva SP 1 1998 31,50% FREITAS et al., 2001

Fonte: Melchiors (2008).

Um outro estudo realizado por Passos, Assis e Barreto (2006) teve o objetivo

de revisar, criticamente, os estudos recentes de base populacional que estimaram a

prevalncia de Hipertenso em adultos brasileiros est exposto no quadro 6.

Apesar do aumento do nmero de estudos transversais para estimar a de

prevalncia de base populacional da hipertenso arterial, observa-se que esses

estudos no Brasil ainda esto restritos s Regies Sul e Sudeste do Pas (PASSOS,

ASSIS, BARRETO, 2006).

Sendo assim, as informaes procedentes desses estudos no so

representativas da populao brasileira, tendo em vista que no possvel

extrapolar com segurana a magnitude da HA baseado nas informaes

encontradas nesses estudos. A variabilidade das informaes nesses estudos acaba

por inviabilizar a sua comparao e utilizao como ferramenta de deciso para a

Sade Pblica (PASSOS; ASSIS; BARRETO, 2006).

29

Quadro 6 - Comparao dos estudos de prevalncia da hipertenso arterial. Brasil, 1990 a 2004.

Local Data Autor Populao N de

Participantes

Hipertenso arterial

sistmica (HAS)

Prevalncia total (%)

Prevalncia por sexo (%)

Homens Mulheres

Cotia-SP 1990

e 1991

MARTINS et al. 20-88 anos n=1.041 PA140/90 ou tratamento

44,4 H 47,9 M 41,0

Ilha do Governador - RJ

1991 e

1992 KLEIN et al. 20 anos n=1.500

PAS160, PAD95 ou tratamento

24,9 H 22,6 M 26,8

Pelotas-RS 1992 PICCINI, VICTORA

20-69 anos n=1.657 PAS160, PAD95 ou tratamento

19,8 M 21,2 H 18,3

Porto Alegre-RS

1995 FUCHS et al. >18 anos n=1.091 >160/95, >140/90 ou tratamento 19,2 b / 29,8

H 13,1 b

M 12,1 b

Passo Fundo-RS

1995 TRINDADE et al. 18-74 anos n=206 PAS160, PAD95 ou tratamento 21,9 H 24,7 M 19,8

Salvador-BA 1996 FORMIGLI et al. 20 anos n=491 PA140/90 auto-referida 41,1 H 38,9 M 41,9

Bambu-MG 1997

BARRETO, et al. 18-59 anos n=820 PAS140

PAD>90 ou tratamento

24,8 H 22,0 M 26,9

FIRMO, UCHOA, LIMA-COSTA

>60 anos n=1.494

Bauru-SP 1997 FERREIRA et al. 41-79 anos n=530 PA>140/90 e/ou tratamento 29,8 H 34,9 M 33,9

Catanduva-SP, 23,24

1998 IBGE, FREITAS

et al. 18 anos n=688 140/90

31,5 H 33,9 M 29,9

Estado do Rio Grande do Sul

1999 e

2000

GUS, FISCHMANN,

MEDINA 20 anos n=1.066

PA>140/90 PA>160/95

31,6 - -

Salvador-BA 2000 LESSA, et al. 20 anos n=1.298 PAS140 PAD90 ou tratamento - - -

Ipacaet-BA 2003 MATOS, LADEIA 19 anos n=143 PAS140 PAD90 ou tratamento

36,5 - -

Inqurito domiciliar em 15 capitais e no Distrito Federal

2002 e

2003 INCA 25 anos

Auto-referida

- - -

Fonte: Passos (2006).

O Inqurito Domiciliar Sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida

de DCNT, realizado pelo Instituto Nacional do Cncer (INCA) em 2002-2003,

investigou a prevalncia da hipertenso autorreferida em amostra aleatria de

adultos, com idade a partir de 25 anos, em 15 capitais brasileiras e no Distrito

Federal. A prevalncia de Hipertenso Arterial encontrada foi de 26,6% para o

consolidado das capitais estudadas e de 29,5% para o Recife (INSTITUTO

NACIONAL DO CNCER, 2004).

30

Diante desse quadro, h necessidade de ampliar nosso conhecimento sobre a

sade da populao brasileira no seu conjunto, j que fatores etrios, econmicos e

sociais podem influenciar a prevalncia da Hipertenso (PASSOS; ASSIS;

BARRETO, 2006).

Assim, conhecer o perfil de morbidade da populao importante visto que

as caractersticas populacionais ou de indivduos influencia na tomada de deciso

em Sade Pblica (SILVA, 2004).

3.4 Hipertenso Arterial Sistmica: Importante desafio da Sade Pblica no

Brasil e no Mundo

Em 1978 a Organizao Mundial da Sade definiu a HAS como uma doena

caracterizada pela ascenso permanente da PA. Em 1999, o III Consenso Brasileiro

de Hipertenso Arterial reconheceu a HAS como uma sndrome, haja vista envolver

uma srie de componentes que auxiliam e acompanham a elevao da PA. Para

Ferreira (1989), a HAS constituda como um conjunto de sinais e sintomas, os

quais podem ser produzidos por uma causa ou mais, que comprometem a sade do

indivduo em suas vrias dimenses.

Essas concepes, no entanto, reduzem a HAS a uma viso estritamente

biomdica e reducionista, apesar de se evidenciar o carter multifatorial da doena,

colocando em segunda instncia as variveis psicossociais, como o ambiente social,

cultural e econmico (RIBEIRO, 2010).

Para Pierin et al. (2001) a HA uma doena de alta periculosidade por gerar

leses e comprometimentos em rgos vitais, alm de ser agente do fator de risco

mais importante para as doenas cardiovasculares em mbito mundial.

A HA uma doena crnica que apresenta uma alta prevalncia, um grande

impacto na morbimortalidade brasileira e do mundo (a cada ano, cerca de 7,1% da

populao mundial morre devido presso sangunea elevada) e um alto custo

econmico-social, sobretudo em decorrncia das complicaes advindas desta

(CORREA, 2006; ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2005). uma

enfermidade de origem multicausal e multifatorial, decorrente da interao de vrios

31

fatores que foram surgindo com a evoluo da humanidade (FLACK et al., 1992;

PORTO et al., 1999).

A relao das doenas cardiovasculares, cerebrovasculares e renais forte,

contnua, proporcional, consistente, independente, preditiva e etiologicamente

significativa. Assim, a medida da presso arterial considerada um marcador de

morbimortalidade que alerta mdicos e pacientes quanto a necessidade de medidas

amplas de profilaxia a fim de modificar este risco (JOINT COMMITTEE, 1993).

Sendo um importante fator de risco para a doena cardiovascular, seja na

forma de doena isqumica, insuficincia cardaca ou doena cerebrovascular, tem-

se que em 2003, no Brasil, as mortes por doena cardiovascular representaram

27,4% de todos os bitos. Nas mortes por doena cerebrovascular e por doena

coronariana, a HAS esteve envolvida em 40% e 25% desses bitos,

respectivamente (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2005; MANO, 2010).

No caso da morte por doena cerebrovascular, e mais especificamente pela

hemorragia intraparenquimatosa, tem-se que sua ocorrncia encontra-se

diretamente relacionada com os nveis tensionais. Assim, um aumento de 10mmHg

da presso arterial diastlica usual se traduz no aumento de 56% da incidncia de

acidente vascular enceflico e de 37% de doena coronariana, de acordo com

estudos americanos. (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2005; MANO, 2010).

A grande prevalncia de HA (variam de 22,3% a 43,9%) e de seus fatores de

risco multiplica o risco de problemas cardiovasculares, colaborando para incrementar

as taxas de morbimortalidade e os custos socioeconmicos (CARVALHO et al.,

1995; CAVAGNA, 1998).

Sabendo-se da alta prevalncia da HAS e que esta se configura como

principal fator que leva a tais mortalidades, chama-se a ateno para que sejam

tomadas as medidas em sade pblica no mundo, para o controle, preveno,

deteco e tratamento da HAS (KEARNEY et al., 2005).

32

3.5 Fatores de Risco para Hipertenso Arterial

Diversos estudos relacionados aos fatores de risco envolvidos no processo de

desenvolvimento da HA tm sido realizados no mundo, sobretudo o estudo de

Framinghan nos Estados Unidos, considerado o estudo epidemiolgico mais

importante nesta rea em todos os tempos.

Trata-se de um estudo longitudinal iniciado em 1948. O grupo original do

Framingham Heart Study consistiu de 5.209 respondentes, homens e mulheres, com

idade de 30 a 62 anos de idade, por domiclio de uma amostra aleatria de 2/3 da

populao adulta da cidade de Framingham, Massachusetts. A cada 2 anos essa

populao reavaliada e os sobreviventes (at 1990, 60% da populao j havia

falecido) foram submetidos a mais de 20 destas avaliaes bianuais.

Um estudo de caso-controle realizado com amostras de vrios pases, o

INTERHEART, teve o objetivo de avaliar a importncia dos fatores de risco para a

doena arterial coronariana, e identificou nove fatores que explicaram mais de 90%

dos riscos de infarto agudo do miocrdio (YUSUF, et al., 2004). A associao de

fatores de risco para o IAM tambm foi descrito no trabalho de Lanas et al. (2007),

dos quais o tabagismo, a dislipidemia, a hipertenso, o diabetes, a obesidade

abdominal, o estresse, a falta de consumo dirio de frutas e verduras e o

sedentarismo compunham o quadro de fatores envolvidos.

Outro estudo, denominado AFIRMAR, foi desenvolvido em 104 hospitais,

distribudos em 51 cidade brasileiras. Seus achados confirmam a importncia dos

fatores de risco, como a hipertenso, o diabetes e a histria familiar, por exemplo, na

associao com o IAM (PIEGAS et al., 2003).

Ao se analisar as condies de sade de uma populao, se torna possvel a

identificao da distribuio populacional dos principais fatores de risco, o que pode

proporcionar subsdios na orientao da poltica de sade quanto a preveno de

agravos futuros (BARATA, 2008).

Sabe-se que entre as principais causas de morbimortalidade no mundo esto

as doenas cardiovasculares, presso arterial elevada, colesterol e fatores de risco

nutricional como, por exemplo, sobrepeso e obesidade. Esses fatores aumentam

33

juntamente com crescimento econmico, sendo, portanto, mais acentuado nos

pases desenvolvidos (EZZATI et al., 2005).

De acordo com Mackay e George (2004), aproximadamente 75% das

doenas cardiovasculares relacionam-se com a hipertenso arterial, dieta

inadequada, inatividade fsica, anormalidade nos nveis de colesterol, tabagismo e

diabetes mellitus.

Dentre os fatores relacionados com o aparecimento da HA cita-se a idade, o

consumo de sal, o consumo elevado de lcool, ingesto de gorduras saturadas e

reduo do consumo de fibras, fatores socioeconmicos, obesidade e sedentarismo.

No Brasil, um percentual elevado da populao tem hbitos de vida sedentrios. O

controle de alguns desses fatores poder reduzir os danos que estas doenas

podem causar ao organismo, alm de trazer benefcios para a sade como um todo

(MALFATTI; ASSUNO, 2008).

De acordo com Ezzati et al. (2005) em seu artigo Rethinking the Diseases of

Affluence Paradigm: Global Patterns of Nutritional Risks in Relation to Economic

Development mostra que o aumento da renda est diretamente associado com os

aumentos do IMC e dos nveis de colesterol.

A figura 1 demonstra as relaes entre as doenas cardiovasculares,

obesidade e sobrepeso, colesterol e PA elevada. Os tamanhos dos crculos so

proporcionais ao nmero de mortes ( direita) ou a taxa da doena ( esquerda).

Esta ltima medida pela incapacidade ajustada pelos anos de vida perdidos.

Observa-se ainda a ntida influncia da HA nas mortes e na taxa de doena

cardiovascular.

34

Figura 1 - Mortalidade global e carga (taxa) da enfermidade atribuvel doena cardiovascular e seus maiores fatores de risco para pessoas com 30 anos de idade ou mais velhos.

Fonte: Ezzati et al. (2005).

A Organizao Mundial da Sade (2002) reafirmou a importncia da vigilncia

e monitoramento das doenas cardiovasculares e seus fatores de risco, dada

relevncia dessas doenas no cenrio atual de morbimortalidade mundial deles

decorrentes.

Segundo a Organizao Pan-Americana de Sade (2000), fatores de risco

so dados pelo surgimento de causalidades que podem interferir nos sistemas

psicossociais e do ser humano em seu funcionamento, de maneira a prejudicar as

condies individuais ou coletivas de sade. Na anlise dos fatores de risco devem-

se considerar os aspectos fsico, qumico, psicossocial, biolgico, socioeconmico e

sindrmico. Os fatores de risco associados HAS podem ser denominados como

modificveis (hbitos alimentares, estilo de vida) e no modificveis (idade, sexo,

etnia).

3.5.1 Fatores de risco no modificveis

3.5.1.1 Idade

Em relao ao fator idade, observa-se que a Presso Arterial aumenta

medida que aumenta a idade (VASAN, 2001). Enquanto que nos indivduos jovens a

35

hipertenso decorre geralmente da elevao da presso diastlica isoladamente,

nos indivduos acima de 60 anos o principal componente elevao da presso

sistlica. O risco absoluto de desenvolvimento de doena cardiovascular associado

ao aumento da PA bastante acentuado (FRANKLIN, 2005).

De acordo com o Ministrio da Sade (BRASIL, 2010), o inqurito telefnico

realizado em 2009 pela VIGITEL (Vigilncia dos Fatores de Risco e Proteo para

as Doenas Crnicas) detectou as seguintes prevalncias de hipertenso: 24,4% da

populao adulta (maior que 18 anos) e 63,2% na populao maior de 65 anos.

3.5.1.2 Sexo

Em relao ao sexo, estimativas globais demonstram que as taxas de HA so

mais elevadas em homens at os 50 anos e mulheres principalmente a partir da

sexta dcada (KEARNEY, 2005).

3.5.1.3 Herana Gentica

Para Avezum, Piegas, Pereira (2005), a histria familiar de doena cardaca est

relacionada tambm a um maior risco de doena cardiovascular, reafirmando a

predisposio gentica da doena.

Num estudo realizado com objetivo de verificar a ocorrncia de fatores de

risco cardiovasculares em um grupo de trabalhadores, 88,7% das pessoas da

amostra relataram ter parentes consanguneos com um ou mais dos problemas

apresentados, como AVC, problemas cardacos, problemas renais, morte sbita em

idade jovem (CRUZ; LIMA, 1998).

Alguns estudos, porm, demonstram que a contribuio quantitativa dos

fatores genticos para a HAS de apenas 30%, devendo, portanto haver a

coexistncia de outros fatores para o desencadeamento da patologia (GIMENEZ-

ROQUEPLO; JEUNEMAITRE, 2003; STAESSEN et al., 2003).

3.5.2. Fatores de risco modificveis

36

3.5.2.1 Consumo de Sal

A ocorrncia da HA est associada ao consumo elevado de sal. Este

formado principalmente por cloreto de sdio e est envolvido na regulao da gua

no organismo humano. O consumo excessivo de sal, superior a 5 gramas por dia

prejudicial sade. A prevalncia da HA aumenta medida que a idade avana,

sendo maior em populaes com alta ingesto de sal, como o caso do Brasil,

principalmente nos nveis sociais mais baixos. Em populaes com baixa ingesto

de sal, como o caso dos ndios Yanomami, no foram observados casos de

Hipertenso Arterial.

3.5.2.2 Obesidade e Sobrepeso

A obesidade e o sobrepeso so fatores predisponentes para a HAS, podendo

ser responsveis por at 23% dos casos em pacientes com sobrepeso e 67% em

pacientes com obesidade grau trs (CARNEIRO et al., 2003; NISKANEN et al.,

2004; NETER, et al., 2003). Entre os sexos, 75% os homens e 65% das mulheres

com diagnstico de HAS so atribuveis ao sobrepeso e obesidade. No entanto, nem

todo indivduo que possui sobrepeso desenvolve a HAS.

Alguns estudos observacionais demonstraram que o aumento do peso e da

circunferncia da cintura so ndices prognsticos importantes, tendo em vista que a

obesidade central um importante indicador de aumento do risco de

desenvolvimento de doena cardiovascular. Desta forma, pessoas magras,

normotensos que ao longo da vida desenvolvem a obesidade central apresentam

maior incidncia de HA (CARNEIRO et al., 2003; NISKANEN et al., 2004; NETER, et

al., 2003).

3.5.2.3 Consumo de lcool

O aumento da PA provocado pelo consumo elevado de bebidas alcolicas

tem seu efeito varivel de acordo com o gnero da bebida. A magnitude do efeito

est associada quantidade de etanol como tambm frequncia de ingesto.

Independente da quantidade de lcool ingerida, quando o consumo se d fora de

37

refeies h um aumento do risco de desenvolvimento da hipertenso, de acordo

com estudo observacional (STRANGES et al., 2004).

3.5.2.4 Tabagismo

De acordo com a Organizao Mundial da Sade, o tabagismo a maior

causa de desenvolvimento das doenas que mais levam morte no mundo

(ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2007). considerado um fator de risco

independente de outros fatores.

3.5.2.5 Sedentarismo

Outro fator de risco para a HA o sedentarismo. Este definido como a falta

e/ou ausncia e/ou diminuio de atividades fsicas ou esportivas. Este

comportamento est associado s facilidades decorrentes dos confortos da vida

moderna. O sedentarismo pode provocar um processo de regresso funcional,

hipotrofia das fibras musculares, perda da flexibilidade articular e comprometimento

do funcionamento de vrios rgos.

Indivduos sedentrios possuem um risco aproximado 30% maior de

desenvolver a HAS do que indivduos ativos (PAFFENBARGUER, et al., 1991;

FAGARD, 2005).

3.5.2.6 Nvel Socioeconmico

Quanto mais baixo o nvel socioeconmico maior a prevalncia de HA bem

como de fatores de risco para elevao da PA e maior risco de leso em rgos-alvo

e eventos cardiovasculares. Outros fatores possivelmente associados ao fator

socioeconmico so os hbitos alimentares, o ndice de massa corprea (IMC)

aumentado, o menor acesso aos cuidados de sade e grau de escolaridade

(DRUMMOND, 1999).

3.6 A Estratgia Sade da Famlia como acesso para um melhor controle

das prticas assistenciais

38

Criado pelo Ministrio da Sade em 1994, o Programa de Sade da Famlia

PSF, se consolidou como estratgia estruturante de um modelo de ateno sade,

pautado nos princpios e diretrizes do SUS, que prioriza as aes voltadas para

grupos populacionais com maior risco de adoecer ou morrer e entendendo o

indivduo como singular e parte integrante de um contexto mais amplo que a

famlia e a comunidade (MS, 2003). Com a superao da antiga proposio de

carter exclusivamente centrado na doena, a estratgia de SF vem desenvolvendo-

se por meio de prticas gerenciais e sanitrias, democrticas e participativas, sob a

forma de trabalho em equipes, dirigidas s populaes de territrios delimitados,

pelos quais assumem responsabilidade (BRASIL, 2011).

Desta forma, a estratgia de Sade da Famlia (SF) apresenta-se como eixo

estruturante dos sistemas municipais de sade, sendo um poderoso instrumento de

reordenamento do modelo de ateno no Sistema nico de Sade (SUS). tida

como um projeto dinamizador do sistema de sade brasileiro, condicionada pela

evoluo histrica e organizao do SUS (BRASIL, 2011).

De acordo com Mendes (2008), o Sistema de Sade brasileiro encontra-se

num estgio avanado de desenvolvimento do processo de descentralizao, com

uma crescente expanso de modelos de sade centrados na ateno bsica. Esta

compreendida como a principal porta de entrada do SUS, e a estratgia de Sade

da Famlia configura-se num espao privilegiado de sua operacionalizao.

A estratgia de SF representa um meio de mudana do Sistema nico de

Sade SUS, na busca de superao de um modelo meramente assistencial e

hospitalocntrico para um mais abrangente, que englobe aes de promoo,

preveno de agravos, vigilncia sade, tratamento, reabilitao e manuteno da

sade, pautado num acesso universal, integral e contnuo dos servios de sade

(BRASIL, 2007a; 2009).

O acesso aos servios de sade exprime a capacidade de produzir servios e

de responder s necessidades de sade da populao. A capacidade de utilizao

desses servios influenciada por um conjunto de caractersticas, as quais se

constituem, muitas vezes, em barreiras de acesso a estes servios (TRAVASSOS;

CASTRO, 2008).

39

Ainda segundos esses autores, as barreiras se do pela indisponibilidade

e/ou falta de presena fsica de servios e recursos humanos, questo financeira do

usurio, organizao dos servios, no que tange ao horrio de funcionamento da

unidade, tempos de espera, medidas de acolhimento e qualidade tcnica do servio.

A desigualdade na utilizao dos servios de sade pode se dar tambm pelas

desigualdades individuais no risco de adoecer e morrer, ou seja, nas diferenas no

comportamento do indivduo perante a doena.

Formigli et al., (2000) acrescenta ainda que tambm h a influncia das

caractersticas do usurio como poder aquisitivo, local de moradia, disponibilidade

de tempo, mas tambm da relao entre caractersticas dos usurios e dos servios.

Salienta-se que a eliminao apenas da barreira geogrfica no implica na

garantia do acesso aos servios de sade. Tanto as diferenas no comportamento

do indivduo quanto oferta de servio disponibilizada para a populao

influenciaro na sua utilizao (PINHEIRO; TRAVASSOS, 1999; TRAVASSOS et al.,

2000).

Os indicadores de acesso a servios de sade apontam para uma importante

diferena de gnero. A maior utilizao dos servios observada no gnero

feminino, tanto em relao ao uso regular de um mesmo servio quanto no nmero

de consultas mdicas (PINHEIRO et al., 2002).

Lima-Costa (2004) verificou ainda, em sua pesquisa, que a maior prevalncia

de utilizao dos servios preventivos de sade foi de idosos, em comparao com

a populao mais jovem.

Em relao situao socioeconmica, observa-se que as pessoas com

maiores rendas recorrem mais aos servios de sade para exames de rotina e

preveno e com a cobertura de planos de sade privados. J os mais pobres

buscam o servio de sade principalmente por motivo de doena (NERI; SOARES,

2002).

Diante das dificuldades encontradas no acesso aos servios de sade, fica

evidenciada a necessidade de implementao de modelos de ateno sade que

incluam aes estratgicas individuais e coletivas para a melhoria da qualidade da

40

ateno e reduo da morbimortalidade por doenas crnicas no transmissveis

(BRASIL, 2006b).

Em anos recentes, vrios autores e instituies ligadas promoo da sade

e preveno de doenas tm recomendado aos pases menos desenvolvidos que

se preparem cada vez mais para o tratamento de doenas crnicas, cuja carga

sobre a populao provavelmente dever aumentar nas prximas dcadas

(AZAMBUJA, 2008).

A importncia do controle da HA demonstrada numa meta-anlise de 14

ensaios prospectivos bem controlados na qual se observou que uma reduo de 5 a

6 mmHg na presso diastlica em adultos acarreta na reduo de 42% na incidncia

de acidentes vasculares cerebrais. Outros estudos que envolveram pacientes mais

idosos mostraram taxas de reduo de coronariopatias entre 13 e 27% com a

reduo da PA (JOINT COMMITTEE, 1993).

O Ministrio da Sade vem adotando vrias aes e estratgias no intuito de

reduzir a ocorrncia de diversas doenas crnicas, como as polticas de alimentao

e nutrio, reduo do tabagismo, ateno hipertenso arterial e diabetes mellitus,

com a garantia de medicamentos bsicos na rede pblica e a capacitao dos

profissionais (BRASIL, 2006c). As propostas do Pacto da Sade, no ano de 2006,

reafirmaram os objetivos de promoo da sade e da ateno bsica, consolidadas

por meio da Estratgia de Sade da Famlia (BRASIL, 2006d).

Mais recentemente, em fevereiro de 2011, o Ministrio da Sade lanou o

Programa Sade No Tem Preo, no qual a populao com hipertenso e diabetes

passa a ter acesso gratuito aos medicamentos para tratamento das doenas

tambm nas redes de farmcias populares. O acordo entre o Ministrio da Sade e

sete entidades da indstria e do comrcio beneficia 33 milhes de brasileiros

hipertensos e 7,5 milhes de diabticos. Contribui ainda para ajudar no oramento

das famlias mais humildes, que comprometem 12% de suas rendas com

medicaes (BRASIL, 2011).

Apesar da grande prevalncia da hipertenso e dos riscos decorrentes dessa,

sabe-se que menos de um tero dos indivduos com presso alta esto

adequadamente tratados (KAPLAN; OPIE, 2006), e muitas vezes esses indivduos

41

desconhecem a existncia da doena em si mesmos (PESSUTO, 1994; WETZEL

JR.; SILVEIRA, 2005). De acordo com alguns autores, 50% das pessoas

devidamente diagnosticadas como hipertensas, no se submetem a nenhum tipo de

tratamento e dentre os que o fazem, apenas 30% controlam os nveis pressricos

(BARRETO, MEIRA, 1980; CAPOROSSI, 1988; FUCHS et al., 1994; e SANTOS,

KOIKE).

O grande obstculo para o controle da HA a no adeso ao tratamento dos

pacientes, o que se configura num dos principais problemas para a sade pblica e

gerar gastos ao sistema de sade, o que em relao aos Estados Unidos, chega a

100 bilhes de dlares ao ano (DONOVAN; BLAKE, 1992; MORRIS; SCHULZ,

1992). Ainda que o tratamento farmacolgico seja seguido, essencial que haja

medidas bsicas de modificao no estilo de vida e hbitos alimentares (CORREIA,

2008).

Para Pierin (2004), a adeso ao tratamento refere-se ao grau de cumprimento

das medidas teraputicas indicadas, medicamentosas ou no, a fim de manter

normais os nveis da PA. Assim, a adeso ao tratamento considerada

imprescindvel para o controle da HA.

O Plano de Reorganizao da Ateno Hipertenso Arterial e ao Diabetes

Mellitus (DM), criado no ano de 2001, tem como propsito diminuir a

morbimortalidade da HA e DM, atravs da identificao precoce da doena e

estabelecimento de um vnculo entre os portadores de HA e as unidades de sade,

a fim de obter sucesso no controle desses agravos (BRASIL, 2001).

O cuidado oferecido no caso dessas doenas deve tambm ser realizado por

meio de um sistema de sade hierarquizado, sendo a porta de entrada a Estratgia

Sade da Famlia (MALFATTI; ASSUNO, 2008). As propostas do Pacto da

Sade, no ano de 2006, reafirmaram os objetivos de promoo da sade e da

ateno bsica, consolidadas por meio da Estratgia de Sade da Famlia (BRASIL,

2006d).

No Estado de Pernambuco, em 1998, existiam 240 equipes, passando para

1.671 em 2007, com cobertura de 67,38%. Nesse mesmo ano, em relao

distribuio espacial da cobertura da estratgia Sade da Famlia verificou-se a

42

existncia de reas com: menos de 70%; mais de 70% e menos de 100%; e tambm

com 100% de cobertura. As reas que possuem 100% de cobertura esto

concentradas no litoral. Esforos devero ser realizados no sentido do

desenvolvimento da estratgia no interior do estado, favorecendo os princpios de

regionalizao, territorializao e descentralizao dos servios (BRASIL, 2008).

A equipe bsica do SF composta por um mdico, um enfermeiro, um auxiliar

de enfermagem e quatro a seis agentes comunitrios de sade. A partir do ano

2000, foram includas as equipes de sade bucal (BRASIL, 2006). Os profissionais

que compe a Equipe de Sade da Famlia (ESF) apresentam-se como peas

chaves no reconhecimento do perfil epidemiolgico dos portadores de hipertenso

na rea de abrangncia da unidade, o que pode facilitar e orientar a proposio de

medidas preventivas, de controle e de tratamento (MALFATTI; ASSUNO, 2008).

No entanto, observa-se em grande parte do pas a falta de vnculo entre os usurios

e as unidades de sade.

Assim, o atendimento aos pacientes ocorre de maneira assistemtica nos

servios de emergncia, onde no h a garantia da identificao das leses em

rgos alvos e nem o devido tratamento dessas complicaes (BRASIL, 2001).

Apesar do crescimento observado desde sua criao, para que essa

estratgia seja consolidada, necessrio que a mesma seja sustentada por um

processo que permita a real substituio da rede bsica de servios tradicionais no

mbito dos municpios, bem como pela capacidade de produo de indicadores de

sade com resultados positivos e de qualidade de vida de seus usurios (BRASIL,

2011). Um dos principais desafios para a qualificao da Sade da Famlia a

necessidade de avanar na integralidade e na resolubilidade da ateno (BRASIL,

2005).

3.7 Os gastos com as DCNT

Por serem enfermidades crnicas, de longa durao e, geralmente, de

progresso lenta, as doenas cardacas e respiratrias, infartos, cncer e diabetes

so as principais causas de mortalidade no mundo, sendo responsveis por 60%

das mortes. Em 2005, 35 milhes de pessoas morreram de uma DCNT

43

(ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2011). As complicaes advindas das

DCNT representam um problema econmico significativo para o Pas, com custos

crescentes para o sistema de sade e para o paciente merecendo, portanto,

destaque.

O estudo de Schramm, et al. (2004) financiado pelo Ministrio da Sade,

sobre a carga da doena no Brasil em 2002, analisou os indicadores YLL (Years of

Life Lost), YLD (Years Lived with Disabiity) e DALY (Disability Adjusted Life of

Years). Os resultados encontrados mostraram que as doenas no transmissveis

so responsveis pelas maiores propores de anos de vida perdidos por morte

prematura (YLL 59%), por anos de vida vividos com incapacidade (YLD 74,7%) e

anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY 66,3%) em relao s

doenas infecciosas/parasitrias, maternas, perinatais e nutricionais (YLL 26%,

YLD 19,8% e DALY 23,5%), e as por causas externas no-intencionais e

intencionais (YLL 15%, YLD 55% e DALY 10,2%).

Na maioria das economias mundiais a preocupao com a proviso de bens e

servios tem se configurado num dos principais objetivos das polticas pblicas, o

que pode se observado pelo aumento da participao dos gastos em sade no PIB

nas ltimas dcadas (ANDRADE; NORONHA; OLIVEIRA, 2006).

Em 20 anos, a participao do Produto Interno Bruto (PIB) no setor sade

dobrou ou quase dobrou em um grande nmero de pases da Organizao de

Cooperao e de Desenvolvimento Econmico (LABOURDETE, 1988).

J a alocao de recursos para o Sistema de Sade brasileiro no possui um

percentual fixo do oramento federal, o que representa um forte impacto no

planejamento em sade. O gasto federal em sade, no ano de 2000, foi de US$

53,66 per capita, investimento esse considerado insuficiente. Perduram ainda,

questionamentos sobre a organizao (HAINES et al., 1995), qualidade e

capacidade do sistema em satisfazer s demandas em sade da populao

(NORONHA; PEREIRA, 1998).

Um estudo realizado no Brasil mais recentemente estimou o custo anual para

o tratamento da HAS no pas, tanto para o sistema pblico quanto para o privado.

Avaliou ainda o impacto desses gastos no oramento geral da sade e a proporo

44

em relao ao PIB do Brasil. Dentre os resultados, observou-se que o custo anual

direto para o sistema pblico de sade foi de US$ 398,9 milhes, enquanto que para

o sistema de sade privado foi de US$ 272,7 milhes. Esses gastos significaram

0,08% do produto interno bruto de 2005. Com um gasto total em sade de cerca de

7,6% do PIB do Brasil, este custo representou 1.11% (0.62% a 2.06%) do custo total

em sade, sendo 1,43% dos gastos do SUS e 0,83% dos gastos do sistema privado

(DIB; RIERA; FERRAZ, 2010).

A concluso dos autores foi de que para garantir servios de sade baseados

nos princpios de universalidade e equidade, com os recursos limitados, os esforos

devem focar a educao da populao a respeito das medidas de preveno e

tratamento das HAS, principalmente tendo em vista que estas requerem

considerveis recursos sanitrios.

A relevncia das DCNT como problema de sade pblica requer a

reestruturao do sistema de sade nos nveis bsico e hospitalar como meio de

promoo, preveno, diagnsticos e tratamento precoce das incapacidades

geradas por esses agravos (RAMOS et al., 1993).

No entanto, a produo de servios mdicos-sanitrios s poder influir de

maneira satisfatria sobre os indicadores de sade coletiva, de maneira permanente,

quando oriunda de medidas que superem as restries impostas pelo contexto

econmico e social (VIANA; ROMEU; CASTRO, 1982).

Entre as cinco principais causas de anos de vida perdidos por morte precoce

e incapacidade, num cenrio projetado para o ano de 2020 utilizando o indicador

Disability-Adjusted Life Year (DALY), esto as doenas isqumicas do corao, a

depresso, acidentes de trnsito, doenas cerebrovasculares e doenas pulmonares

obstrutivas crnicas (MURRAY; LOPEZ, 1996), das quais duas delas so claramente

identificadas como decorrentes da HA.

De acordo com Silva e Maldonato (2003), as doenas cardiovasculares e

seus fatores de risco alm de influenciarem de maneira decisiva os dispndios da

sade, da previdncia e nos gastos, comprometem tambm a qualidade de vida dos

indivduos acometidos e seus familiares.

45

Em 2005, ocorreram 1.180.184 internaes relacionadas com a doena

cardiovascular com um custo global superior a U$ 575.000.000,00 (ORGANIZAO

MUNDIAL DA SADE, 2005; MANO, 2010).

Alguns autores relatam que a HA causa frequente de absentesmo e

invalidez no trabalho, o que vem a comprometer a aprovao de candidatos

hipertensos nos exames de admisso no trabalho. Esse fato pode refletir nos custos

indiretos do indivduo em relao ao tratamento da HA, o que produz um efeito sobre

as taxas de morbimortalidade pela doena e suas complicaes (WHO EXPERT

COMMITTEE, 1978; RIBEIRO et al, 1988).

Tem-se ainda que 40% das aposentadorias precoces decorrem da HA, o que

significa uma despesa equivalente a R$ 475 milhes, destes, R$1,1 milho gasto

em internaes por ano (GUIMARES, 2002).

Diante desse cenrio, a perda da mo-de-obra qualificada e de difcil

reposio, os anos de vida produtiva e as horas de trabalho perdidos, somados aos

gastos com aposentadorias precoces devido a doenas e a utilizao crescente e

at mesmo abusiva de procedimentos diagnsticos e teraputicos de alta tecnologia,

leva observao de que a no adoo de mecanismos adequados de preveno

das DCNT ir comprometer o desenvolvimento do Pas. Ao serem implementados

novos modelos de interveno, os quais considerem o contexto socioambiental no

qual o Brasil encontra-se inserido, as estratgias de promoo e preveno sade

podero reduzir, significativamente, a morbimortalidade por essas doenas (SILVA;

MALDONATO, 2003).

Kalache (2008) tambm relata a necessidade de abordar esses desafios de

maneira sistemtica e abrangente, o que inclui o financiamento das aes de sade

e outras questes intersetoriais. Com essa abordagem mais ampla na preveno,

pode-se levar a um aumento em anos de vida ganhos e reduo da carga

financeira da doena crnica. Outras aes com objetivos a prazos mais longos

podem ajudar o governo a alcanar o controle da morbimortalidade por DCNT,

garantindo melhor expectativa de vida ao cidado e levando ainda economia dos

recursos.

46

Diante desse perfil de morbimortalidade se evidencia a necessidade de

aumento da complexidade dos sistemas de sade. Para tanto, se impe a

necessidade de racionalizar os custos tendo em vista as limitaes dos recursos

financeiros diante da crescente demanda em sade (BOBADILLA et al., 1994;

SARACCI, 1998).

Sabendo-se que os servios de sade dispem de uma quantidade reduzida

de recursos, importante que os estes sejam utilizados de acordo com critrios de

equidade. Assim, necessrio otimizar o benefcio gerado pelo emprego dos

recursos (SILVA, 2004). Atravs do acompanhamento e o controle adequados da

doena no mbito da ateno bsica, o surgimento e a progresso das complicaes

poder ser evitado, o que refletir na reduo das internaes e mortalidade por

essas doenas.

Por suas caractersticas de longa durao e progresso, as DCNT so as que

mais demandam aes, procedimentos e servios de sade. No ano de 2002,

estimativas dos gastos do Ministrio da Sade com as DCNT foi de cerca de R$3,8

bilhes em gastos ambulatoriais e R$3,7 bilhes em gastos com internao, o que

totalizam aproximados R$7,5 bilhes/ano em gastos com DCNT (BRASIL, 2005).

Ressalta-se que alm desses custos, os estados e municpios devem aportar

recursos de sua responsabilidade e contrapartida na preveno e controle dessas

doenas, os quais no foram incorporados no clculo do gasto apresentado acima

(MALTA et al., 2006).

Ainda segundo Silva (2004), em decorrncia das limitaes dos recursos

disponveis nos meios assistenciais, est cada vez mais presente a ideia da

necessidade da avaliao econmica, visto que os recursos sero sempre limitados

e menores que as necessidades potenciais ou do que a demanda de intervenes

necessrias. Sendo os recursos findveis e reconhecendo que, embora a

necessidade venha aumentando ano a ano, no houve um incremento significativo

nos ltimos anos na alocao de verbas para o setor de sade, o sistema de sade

necessita reexaminar os custos e benefcios de suas aes, a fim de que a

implementao e alocao dos recursos seja feita de maneira eficiente (BRASLIA,

2008).

47

Assim, cada vez mais imperativo que se realizem estudos sobre a avaliao

econmica da sade, para que se possa intervir de maneira eficiente. No Brasil, as

informaes sobre a utilidade da anlise econmica como subsdio s decises na

sade ainda so pouco disseminadas (PIOLA; VIANNA, 2002).

Os estudos econmicos esto situados na rea da Economia da Sade a qual

abrange todos os aspectos relacionados atividade econmica do setor sade,

desde questes mais amplas como as polticas governamentais, at o alcance de

aspectos especficos. As respostas a estas questes contribuem para a adoo de

medidas que levem a uma vida mais longa e saudvel e fundamentam a base para o

progresso econmico (SILVA, 2004).

De acordo com o Ministrio da Sade (2008), a inter-relao da sade com a

economia representa uma das estratgias fundamentais para desenvolver

conhecimentos bsicos, habilidades e capacidade crtica quanto ao

funcionamento/gesto do sistema de sade brasileiro, com grande importncia para

a crescente parcela da populao em nosso pas e em nosso municpio.

Assim, as anlises econmicas constituem importantes etapas no processo

de tomada de deciso sobre o financiamento e a implantao de intervenes,

programas e tecnologias em sade (KERNICK, 1998; ROBINSON, 1993a). Essas

anlises so comumente utilizadas nos pases desenvolvidos antes da implantao

de novos procedimentos ou tratamentos (KASSIRER, 1993; MURRAY; FRENK,

2000). Nos pases em desenvolvimento, no entanto, as anlises econmicas e de

impacto no so realizadas com frequncia (CASTELLANOS, 1990; GOLDBAUM,

1996).

Os estudos sobre custos de doenas compem um tipo de anlise

econmica, sendo considerada uma importante etapa para realizao posterior de

avaliaes econmicas completas, que fornecem informaes estratgicas para a

tomada de deciso no setor sade, uma vez que permitem avaliar as doenas de

maior impacto econmico para a sociedade. Nos estudos de economia da sade, os

custos so divididos em categorias, como custos diretos (que podem ser

classificados como mdicos e no mdicos), custos indiretos e custos intangveis

(AZEVEDO; CICONELLI; FERRAZ, 2008).

48

De acordo com Walker (2001), as anlises de custos em sade no se

caracterizam como avaliaes econmicas, visto que no comparam as razes de

custo e efeitos de ao menos duas alternativas, se caracterizam, no entanto, como

um importante componente-chave das avaliaes. Ainda segundo este autor, a

anlise dos custos da ateno sade, de maneira a sinalizar os componentes de

custos individualizados podem resultar em economias mais eficientes e mais

racionais. Para Jimenez (2000), podem servir ainda como uma primeira etapa para

estudos econmicos mais completos.

No Brasil, os custos diretos com as DCNT totalizaram aproximadamente R$

7,5 bilhes no ano de 2002, entre gastos ambulatoriais e hospitalares. Dentre os

custos indiretos, decorrentes do absentesmo, das aposentadorias precoces e da

perda de produtividade, o Brasil ainda no dispe de estudos que possam

quantific-los (MALTA et al., 2006).

De acordo com Azevedo, Ciconelli e Ferraz (2008), os gastos diretamente

relacionados aos cuidados com a sade, como a remunerao de profissionais de

sade e o pagamento de medicamentos, exames complementares e dirias

hospitalares, por exemplo, so chamados de custos diretos mdicos. J os custos

no mdicos so aqueles que incluem as despesas como o transporte do paciente

para a(s) unidade(s) de sade, adaptaes domiciliares e em veculos realizadas em

funo de uma doena, bem como os cuidados necessrios com alimentao e

vestimentas, entre outros.

J os custos indiretos so aqueles relacionados perda da capacidade de

trabalho ou de lazer devido morbidade ou mortalidade precoce causados por uma

doena, sendo decorrentes do absentesmo e da reduo da produtividade no

trabalho. Os custos intangveis, no entanto, so difceis de avaliar e dependem

exclusivamen