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    Cyberpunk e Ps-modernismo

    Adriana Amaral

    ndice

    1 Os anos 80 via literatura e as teorias

    contemporneas 22 Cyberpunk - gnese, conceito e prin-

    cipais temticas 33 Elementos ps-modernos no cyber-

    punk 54 Referncias Bibliogrficas 7

    Resumo: O presente trabalho traz umlevantamento das principais caractersticas do

    cyberpunk subgnero literrio que partiu dafico-cientfica em fins da dcada de 80 dosculo XX. Nesse artigo, o cyberpunk apresen-tado enquanto gnero tipicamente ps-moderno,hbrido, mescla tanto da literatura quanto dasteorias advindas das cincias sociais, represen-tando um imaginrio no qual a tecnologia toou mais importante do que a existncia humana.As imagens ps-modernas do cyberpunk tantoso produtos quanto produtoras desse contextotecnolgico e so permeadas por uma viso de

    futuro no qual a interao entre seres humanos emquinas indissocivel.

    Palavras-chave: ps-modernidade e tecnolo-gia, fico cientfica e cyberpunk.

    Mestre em Comunicao Social pelo Programade Ps-graduao em Comunicao Social pela Pon-tifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul,Brasil e Doutoranda pelo mesmo programa.

    As teorias ps-modernas, o contexto da soci-edade contempornea e a acelerao e propaga-o das tecnologias de comunicao tm geradodiversos fenmenos sociais e estticos. As artessempre trataram das angstias dos homens de seutempo. A literatura, as artes plsticas, o cinema,entre outros, sempre exprimem o imaginrio desua poca. A tecnologia que comeou a estar pre-sente na vida quotidiana em fins do sculo XIX,avana, desde o sculo XX, para uma quase queonipresena em nossos atos mais triviais. Comodescreveu Baudrillard em A sociedade de con-sumo, estamos rodeados de objetos por todos oslados e esses objetos adquiriram uma vida atra-vs da to proclamada reificao, ou seja, da suaelevao a um status de quase mgicos, impres-cindveis, como se jamais pudssemos ter vividosem tais objetos, ou melhor, como se toda a hu-manidade jamais pudesse ter existido sem eles. o que os marxistas (que atualmente parecemsoar to demods ou old-fashioned na lngua do-minante na cultura) como Guy Debord (2000, 67)chamam de fetichizao.

    Nos chaveiros brindes, por exemplo, que no

    so comprados mas oferecidos junto com a

    venda de objetos de valor, ou que decorrem

    de intercmbio em circuito prprio, poss-

    vel perceber a manifestao de uma entrega

    mstica transcendncia da mercadoria. (...)

    Como nos arroubos dos que entram em transe

    ou dos agraciados por milagres do velho feti-

    chismo religioso, o fetichismo da mercadoria

    atinge momentos de excitao fervorosa.

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    1 Os anos 80 via literatura e asteorias contemporneas

    Um desses momentos de excitao com a mer-cadoria a dcada de 80 do sculo XX situa-se justamente no mesmo perodo em que veioao mundo um subgnero da fico cientfica,o cyberpunk. Contudo, vamos explicitar umpouco mais a relao histrico-temporal na g-nese dessa representao artstica.

    A dcada de 80, muito bem descrita pelo jor-nalista e escritor Tom Wolfe em A Fogueira dasVaidades e A Palavra Pintada, entre outros, nosintroduz poca ps-guerra fria, do capitalismoselvagem de Wall Street, dos ternos desestrutura-dos dos yuppies em seu consumo fantico de gri-fes e da cocana como a droga da moda, tempode badalao dos artistas plsticos em vernissa-ges concorridas, na qual o crtico do jornal temmais poder que o prprio artista, criando rtulosa cada semana.

    Outras duas obras seminais que se passam noscoloridos oitenta e que traam um panorama da

    poca so Brilho da noite, cidade grande de JayMcInerney e American Psycho de Bret EastonEllis. A primeira obra mostra a decadncia de umjornalista ambicioso circulando na noite novaior-quina com o glamour das festas e a ostentaocaracterstica da chamada gerao X em sua tra-jetria rumo ao vazio existencial. J a segunda1,nos introduz ao mundo de um psicopata, escon-dido sob a mscara de um publicitrio hedonistaque assassina prostitutas e colegas de trabalhopor motivos banais como ter achado o carto de

    visitas do colega mais bonito que o seu prpriocarto.

    Em uma entrevista no lanamento do filme que no Brasil recebeu o ttulo de Psicopata Ame-ricano o ator gals Christian Bale, que inter-preta o protagonista Patrick Bateman, defende-se dos crticos norte-americanos que acusam o

    1 American Psycho foi transformado em um filmecom o mesmo nome no ano 2000.

    texto/filme de misgeno, sexista e repulsivo co-mentando que um retrato de um cidado doenteem uma poca doente: It shows how the practio-ners of that time had no regard for humanity. The1980s were a celebration of pure profit and capi-talism without any regard of spiritualism whatso-ever. (COWEN, 2000, p. 23)

    Na crtica do filme, o jornalista MatthewCowen faz questo de salientar a decadncia dadcada de 80 em contraste com a Amrica poli-ticamente correta de fins de 90/ 2000. WhetherAmerican Psycho is merely a disturbing sadismromp or a surreal critique of Ronald ReagansAmerica, the movie is sure to provoke lusty me-mories of bad pop music, platinum credit cards,and self-indulgent, coke-filled nights.(COWEN,2000, p.23)

    Essas e outras obras apresentam o retrato deuma gerao ps-guerra fria, na qual as utopias eideais pacifistas presentes nas dcadas anterioresencontram-se em processo de total dissoluo.

    A razo pura substituda pelo que Maffe-soli chama de razo sensvel. Por exemplo,o surgimento dos agrupamentos sociais efme-ros, as chamadas tribos, da qual a cultura jovemda dcada de 80 em diante tem se alimentado,so atores sociais no teatro da contemplao domundo. A extrema cientifizao do modernismocontrasta com os livros de auto-ajuda e com omisticismo acolhido por uma grande parcela daclasse mdia.

    Por outro lado, as grandes narrativas so subs-titudas pelo prazer imediato do consumo, doculto ao corpo e da idealizao da tecnologiacomo a redentora dos problemas da sociedade vi-abilizada atravs da cultura do computador pes-soal, tambm uma inveno daquele perodo.

    Alguns desses tpicos constituem o cernedas teorias dos chamados autores ps-modernosfranceses Da mesma forma, as imbricaes dacultura com a economia, a poltica, etc e asquestes em relao suposta ahistoricidade domundo contemporneo, compresso espao-

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    temporal e extrema acelerao das transforma-es tambm aparecem no pensamento dessesautores.

    So vrias as origens filsoficas que desembo-caram nas chamadas teorias ps-modernas paraalguns, teorias da contemporaneidade para outrose as controvrsias continuam no centro dos deba-tes acadmicos. No cabe aqui esse debate e sim,apenas apresentar a ps-modernidade como umdos elementos que d sustentao terica fic-o cientfica e mais precisamente ao cyberpunk.

    De acordo com Stuart Sim (1999) as ra-zes mais remotas do que chamamos de ps-modernidade encontram-se na Grcia Antigaatravs dos filsofos chamados cticos. Depoisdisso, segundo o autor, o ps-modernismo bebeuna fonte do marxismo e do niilismo nietzschi-ano com seu anncio de morte da metafsica edo estruturalismo, seja ele lingistico (Saussure)ou antropolgico (Lvi Strauss). Tanto o mar-xismo quanto as filosofia de Nietzsche e o estru-turalismo so legados da era moderna em suas es-sncias, primando pelo radicalismo e pela buscade novas formas de conhecimento.

    Sim (1999) tambm aponta a herana crticade Foucault e o ps-estruturalismo de Derridacomo os outros antecessores do pensamento ps-moderno. Como j foi dito anteriormente, essasorigens apontadas pelo autor do Dicionrio doPensamento Psmoderno so controversas e sus-citam mais questionamentos do que o que serabordado nesse artigo.

    2 Cyberpunk - gnese, conceito eprincipais temticas

    Aps uma breve contextualizao da dcada de80 e das teorias ps-modernas, vejamos por queelas so uma fonte para a fico cientfica con-tempornea atravs do movimento cyberpunk.

    O termo cyberpunk foi cunhado pelo escritornorte-americano Bruce Bethke em 1983, em sua

    short-story2 homnima. Segundo Featherstonee Burrows (1995), o termo est diretamente li-gado s teorias ps-modernas, pois tanto o cy-berpunk uma fonte para essas teorias, sendo es-tudado por diversos autores, quanto, na contra-mo, as teorias fundamentam cultural e social-mente esse tipo de fico. Os autores apontamque o termo cyberpunk, assim como seu corre-lato, cyberspace3, origina-se do termo cibern-tica, conceito cunhado pelo terico Norbert Wi-ener em 1948, no por acaso uma das obras fun-damentais tanto para a informtica quanto para ateoria da comunicao.

    Featherstone e Burrows (1995) tambm apon-tam o trabalho de William Gibson como umaobra exemplar de potica cyberpunk. Gibson um dos principais autores de fico cyberpunk,tendo, no livro Neuromancer4 (1984) criado oconceito de ciberespao e inspirado uma srie deoutros autores como Pat Cadigan, Bruce Sterling,Lewis Shiner e Greg Bear.

    O cyberpunk visto como uma viso de fu-turo no qual h uma ambigidade intrnseca poca, sendo por vezes nostlgico, romntico eanti-tecnolgico e por vezes deslumbrado com osbrinquedinhos proporcionados pela tecnologia

    per se. Na introduo do livro Cyberspace, Cy-berbodies e Cyberpunk, Featherstone e Burrowsestabelecem uma relao entre a teoria social deBaudrillard e a literatura de Gibson enfatizandoque aonde Baudrillard diz ter abandonado a te-oria em favor de uma literatura acerca do socialfoi o exato ponto onde Gibson maximizou a teo-ria em sua literatura, sendo que, ambos associama cibercultura ps-modernidade.

    Ainda no mesmo artigo, os autores apontam

    2 Short-story um gnero literrio que difere doconto e da novela, tipicamente na lngua inglesa.

    3 Em portugus ciberespao.4 Neuromancer o principal livro no qual foi base-

    ado o filme Matrix (1999). Entre suas outras obras es-to Mona Lisa Overdrive e Johnny Mnemonic tam-bm transformado em filme.

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    que o cyberpunk uma viso de mundo atualque engloba literatura, msica, cinema, teorias, acultura jovem e a cultura da MTV e a cultura doPC/Macintosh. Nesse contexto, so citados MaryShelley, Philip K. Dick e J.G. Ballard, Gibson eoutros escritores, McLuhan, Wiener, Walter Ben-jamin e Baudrillard como tericos e a msica dePatti Smith, Lou Reed, Ramones, Sex Pistols (agerao punk ) como fontes de sua influncia.

    A viso cyberpunk reconhece o enfraqueci-mento do espao pblico e o aumento da priva-tizao da vida social, na qual os laos sociaisfortes no existem mais. Para os autores, nesseespao pblico as pessoas so tecnologizadas ereprimidas ao mesmo tempo, sendo que a tecno-logia media nossas vidas sociais. ainda maisfcil de perceber tais caractersticas nas imagensmostradas nos produtos culturais como videocli-pes, filmes, livros, comerciais, todos enfatizandoa interao e interface homem-mquina, seja viainternet, realidade virtual, RPGs, etc.

    Na viso dos autores atravs da hipereste-tizao do quotidiano que viemos a nos conhe-cer, atravs da fico, in an increasingly hype-raestheticized everyday life, it is through vari-ous fictions that we endavour to come to knowourselves. (FEATHERSTONE e BURROWS,1995, p.13)

    J McCarron (1995) afirma que o cyberpunkapresenta questes filosficas de ordem modernanos remetendo diretamente dicotomia cartesi-ana mente/corpo, no qual a mente pura apresentaum desprendimento puritano do corpo, sendoeste, um acidente de percurso, desconectado dasubstncia pura da mente. Ele apresenta a in-terao humana e mecnica como indissocivele conflituosa, todavia central na narrativa cyber-punk.

    Essa mesma narrativa, segundo ele, questionaas hierarquias humanas propondo uma diminui-o e, quase um borro, nas diferenas entre ani-mais, humanos, andrides, etc. Ele cita comoexemplo desse questionamento hierrquico, o

    filme Blade Runner considerado como o pri-meiro filme cyberpunk, tanto nas concepes decontedo como de forma originado do livro Doandroids dream of eletric sheep? de Philip K.Dick. Somos nossa memria, mas se ela podeser implantada que garantia h para nossa identi-dade? (DICK apud McCARRON, 1995, p. 264)

    Este outro ponto que McCarron (1995) des-taca na temtica cyberpunk, a questo da identi-dade/existncia e o fim da memria privada. Se-gundo ele, o computador, seja o hardware ouo software, importante por ser uma metforapara a memria humana. Ele tambm indica quenos textos (aqui em um sentido amplo, incluindoimagens, sons, jogos, filmes, etc) h um desdmem relao ao fsico, uma fascinao com as for-mas pelas quais a carne irrelevante comparadacom a memria. Quanto aos personagens, elesso, em sua maioria, meio humanos, meio an-drides e, em geral, os cyborgues so mais huma-nizados que os prprios humanos. Apesar disso,os leitores procuram a supremacia do humano emrelao mquina, justamente, como afirma Bau-drillard (1997), em funo dos erros e da impre-visibilidade das atitudes humanas em relao aosseres maqunicos.

    McCarron (1995) lista ainda outros pontoscentrais na fico cyberpunk:

    Falta de interesse pela reproduo biol-gica;

    H possibilidade de mundos paralelos;

    Ataque ao corpo (compra de prteses e im-

    plantes que indicam o desejo do consumo, agrande crena americana de auto-inventar-se);

    O ciberespao apresentado teologica-mente;

    H uma stira ao capitalismo e socie-dade em geral, mas, h uma utilizao ex-tensiva dos meios de comunicao para di-vulgar essas obras;

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    Questiona o conceito de humanidadeopondo-o com o inumano;

    As multinacionais substituem o governo eso atacadas por grupos (um bom exemplo no filme Clube da Luta, a cena em que ogrupo liderado pelo personagem de EdwardNorton explode o prdio do Credicard emNew York).

    McCarron (1995) acredita ser irnico o fato deque o capitalismo o responsvel pela literatura

    de fantasia moderna, mas que, ao mesmo tempo,ele seja agredido por ela. It is ironic to thinkthat if capitalism is responsible for the modernfantastic, then the modern fantastic is more thanhappy to bite the hand that feeds it, and to bite thehand, moreover, with a prosthetic mouth (Mc-CARRON, 1995, p.272)

    Bukatman (1998) tambm comenta que umadas questes centrais do cyberpunk est na di-ficuldade de separar humanos de no-humanos,humanos da tecnologia, tanto retrica quanto fe-

    nomenologicamente. por isso, que para ele, afico-cientfica de maneira geral e o cyberpunkcriam metforas do discurso ps-moderno, apre-sentando uma profunda reorganizao da socie-dade e da cultura e, alm disso, repetidamentenarram o novo sujeito, ao qual ele diz possuiruma identidade terminal.

    O autor afirma que a tecnologia sempre criauma crise para a cultura e , ao mesmo tempo,a forma de maior liberao e a mais repressivana histria, evocando terror e euforia sublime em

    medidas iguais. Esse misto de medo e adora-o geram histrias que tanto parecem ser anti-tecnolgicas quanto a favor da tecnologia, for-mas hbridas de representao artstica que estoaltamente conectadas ao tempo em que pertecem.

    Alm de permear o universo fantstico dafico-cientfica, a distino entre os pr-tecnologia e os anti-tecnolgicos tambm acon-tece no domnio das cincias humanas comopode-se perceber em obras distintas como as de

    Pierre Lvy e Nicholas Negroponte e, por outrolado, em Paul Virillio e Jean Baudrillard, apenaspara citar alguns.

    Conforme Roberts (2000), o gnero de fico-cientfica como um todo no futurstico, nemproftico, mas sim nostlgico e principalmentediz mais a respeito da sociedade do tempo emque foi escrito (o tempo presente), do que so-bre as possibilidades de viso de futuro. ParaBukatman (1998), a fico cientfica ganha cadavez mais importncia no momento cultural pre-sente por ser este um momento que v a si pr-prio como fico-cientfica, ou, nos termos deBaudrillard, um tempo hiperreal. Esse presen-tesmo encontra-se no centro de uma cultura emtransformao. O autor ingls fala que a fico-cientfica oferece um modo de representao al-ternativo, mais adequado sua era, tentando re-colocar um quadro filosfico e metafsico emtorno dos eventos mais importantes dentro dasnossas vidas.

    A partir disso, podemos inferir que a fico-cientfica e o cyberpunk como um sub-gnerodesta, seja, nos termos de Eco (1998), um mundopossvel construdo a partir de um presente quenos parece por demais complexo e cujas cama-das como a sociedade, a tecnologia, a esttica, aeconomia, a cultura parecem estar confusas, mes-cladas umas s outras. Atravs da arte cyberpunkem sua narrativa espelhada do mundo presente, ofuturo se mostra como uma possibilidade de an-lise cultural.

    3 Elementos ps-modernos nocyberpunk

    Uma outra questo extremamente ligada ps-modernidade e que, segundo Bukatman (1998),aparece muito freqentemente na temtica cyber-punk que a cidade modernista cede espao aono-lugar e o espao sideral da fico cientficado perodo clssico anos 30/40 d lugar aociberespao.

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    No cyberpunk, a cidade aparece tanto comoum parque temtico, quanto uma simulao,combinando smbolos da era espacial de alta tec-nologia com a viso vitoriana do crescimento de-sordenado e no planejado. A cidade aparececomo uma entidade negativa, um espao escuroe superpovoado quebrado por formas de neone estruturas corporativas, sendo claustrofbica emondica. Os detritos do passado reaproveitadomisturam-se aos shopping-centers onde o tempono parece passar. O espao terminal o domniodo cyberpunk.

    Nesse cenrio, o submundo e a escurido darua so componentes essenciais do gnero e nosremontam s origens gticas da fico-cientfica.Roberts (2000) afirma que o ar sombrio, o estra-nhamento, o sobrenatural e o etreo so cons-tituintes da literatura gtica do final do sculoXIX tendo em Edgar Allan Poe e em Blake al-guns de seus textos fundadores. Frankestein deMary Shelley aparece como o grande paradigmado gnero gtico, porm apontando para a fico-cientfica em seus pontos mais clebres. A ques-to da razo e da cincia, do progresso desorde-nado que as mesmas proporcionam ao homem,a existncia humana, a morte de Deus e tantasoutras idias encontram no famoso romance ummodelo que ainda citado at os dias de hoje.

    Bukatman (1998) explica que essa nova repre-sentao do espao (seja a cidade, seja o cibe-respao) aponta para uma desorientao ou des-locamento de um mapa cognitivo para que o su-jeito possa compreender os novos termos da exis-tncia na contemporaneidade. Segundo ele, acultura dominante definida pela acelerada mu-dana tecnolgica, especialmente eletrnica.

    Segundo Bruce Sterling, que alm de escri-tor cyberpunk tambm terico, o novo mododo ser o estado tecnolgico da mente technostate of mind. (STERLING apud BUKATMAN,1998). Para ambos esse modo do ser possui umaaproximao entre a fico e a teoria tanto estils-tica quanto tematicamente. Isso possibilita uma

    associao entre esse estilo literrio/visual com aestrutura comercial da cultura de massa, atravsda qual o estilo difundido.

    Para finalizar as relaes entre fico-cientfica e ps-modernidade Bukatman (1998)afirma que tanto nas teorias ps-modernasquanto na fico-cientfica, atravs da sualinguagem iconogrfica e narrativa o choquedo novo estetizado e examinado; alm disso,ambas possuem uma ahistoricizao, contudocom uma perspectiva crtica, pois a fico-cientfica transforma nosso prprio presenteem um passado determinado de algo que vir,o que remonta novamente idia de Roberts(2000) de que a fico-cientfica extremamentenostlgica e romntica.

    Por fim, o autor explicita a relao entre afico-cientfica e os efeitos especiais to acla-mados e criticados por sua presena como formasde convencimento fenomenolgico: Further, thespecial effect is often a product of the very tech-nologies that the narrative attempts to explain andground. (BUKATMAN, 1998, p.14)

    No que diz respeito a esttica, Bukatman(1998) afirma que o cyberpunk tem suas ima-gens centradas no surrealismo, enquanto Roberts(2000) j v a fico-cientfica como um mistoentre realismo e simbolismo.

    Nessa pequena anlise entre cyberpunk e ps-modernidade ainda preciso ressaltar uma outraposio que tem a ver com a atitude cyberpunk eno diretamente com seus textos.

    Para Barbrook (2001), o cyberpunk nos Esta-dos Unidos um filhote da ideologia californianada dcada de 60 em duas correntes que se relaci-onam e se chocam, estando estampada nas atitu-des dos hackers e crackers (piratas digitais) queacreditam no livre fluxo de informao e na pi-rataria de dados. Uma outra vertente encontra-sena fundao da ONG EFF (Eletronic Free Fron-tiers) fundada por John Perry Barlow, ex-letristae compositor da banda hippie Greatful Dead eatualmente lobbysta no senado norte-americano

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    para o no-controle da internet pela polcia epelo sistema. Apresenta-se aqui uma relao en-tre cowboys, hippies e cyberpunks, apenas lem-brando que o que une os dois grupos a utopiade um estado no-controlado, sendo que a EFFprega um renascimento eletrnico da democraciajeffersoniana misturando anti-autoritarismo ao li-beralismo.

    4 Referncias Bibliogrficas

    BARBROOK, Richard, CAMERON, Andy. Ca-lifornian Ideology. In: LUDLOW, P (ed.).Crypto Anarchy, Cyberstates, and Pirate

    Utopias. Cambridge: MIT Press, 2001.

    BENEDIKT, Michael. Cyberspace first steps.Cambridge: MIT Press, 1994.

    BUKATMAN, Scott. Terminal Identity. Thevirtual subject in post-modern science fic-

    tion. 4 ed. Durham: Duke Universtiy Press,1998.

    COWEN, Matthew. Misogynist Menace. Ge-orge, New York, n.4, apr. 2000.

    DEBORD, Guy. A sociedade do espetculo. Riode Janeiro: Contraponto, 2000.

    ECO, Umberto. Kant e o ornitorrinco. Rio deJaneiro: Record, 1998.

    ELLIS, Bret Easton. American Psycho. NewYork: Knopf, 1991.

    FEATHERSTONE, Mike; BURROWS, Roger(ed.). Cyberspace Cyberbodies Cyberpunk.London: Sage, 1996.

    LUDLOW, P (ed.). Crypto Anarchy, Cyberstates,and Pirate Utopias. Cambridge: MIT Press,2001.

    McCARRON, Kevin. Corpses, Animals, Machi-nes and Mannequins: The Body and Cyber-punk. In: FEATHERSTONE, Mike; BUR-ROWS, Roger (ed.). Cyberspace Cyberbo-dies Cyberpunk. London: Sage, 1996.

    McINERNEY, Jay. Brilho da noite, cidadegrande. Porto Alegre: L&PM, 1986.

    ROBERTS, ADAM. Science Fiction. London:Routledge, 2000.

    SIM, Stuart. The Routledge Critical Dictionaryof postmodern thought. New York: IconBooks, 1999.

    WOLFE, Tom. A palavra pintada. Porto Alegre:L&PM, 1990.

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