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1 PROJETO PROCESSO CRIATIVO EM DANÇA (CONTEMPLADO COM O EDITAL PROCARTE 002/2014 - PROEXC/UFVJM) Coordenação Geral e Direção Artística: José Rafael Madureira* Produção: Guilherme Vieira Neves Lima INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Desde a inauguração do Laboratório de Dança do Departamento de Educação Física da UFVJM (campus Diamantina/MG), em abril de 2014, foi possível intensificar as atividades práticas do Grupo de Estudos em Técnicas e Métodos de Ensino de Dança, Teatro e Música (CNPq/UFVJM), cuja produção cênica estava um pouco limitada pela falta de um espaço adequado à pesquisa criativa. As atividades práticas do grupo foram retomadas com a participação de antigos membros e novos integrantes, estudantes e artistas de Diamantina e região. Os resultados desses encontros iniciais foram bastante satisfatórios. Participamos do PRÊMIO DIAMANTINA DANÇA EM CENA, organizado pela secretaria de cultura do município e conquistamos o primeiro lugar com o estudo coreográfico RAPSÓDIA PARA DOIS. A criação foi concebida a partir da Rapsódia (1956) de Ernst Mahle, uma peça escrita para violino solo e realizada em consonância com os ideais do manifesto Música Viva, liderado por Koellreutter. A Rapsódia de Mahle inspirou a criação de um estudo coreográfico expressionista e especialmente lúdico, que despertou a atenção de um público desacostumado com a linguagem da dança contemporânea. A experiência fortaleceu em nós a convicção que temos sobre a potência da arte na sensibilização dos indivíduos e sobre a intrínseca e necessária relação entre a dança e a música. A música tem um status garantido em Diamantina, o que não surpreende observando-se a tradição musical da cidade, desde os tempos do Arraial do Tejuco. A dança, excetuando-se as danças de salão dos bailes da aristocracia financeira da cidade, de forte orientação estética europeia, nunca teve por aqui o devido destaque. É evidente que as danças de tradição ancestral, em especial aquelas trazidas pelos povos africanos, estiveram sempre presentes, apesar de serem proibidas. O Lundu, por exemplo, a contragosto de alguns, acabou sendo assimilado pelas danças de salão, o que é bastante curioso. Ainda é possível testemunhar as manifestações de grupos tradicionais de marujada e congada, que invadem as ruas de Diamantina durante os ciclos religiosos, um fenômeno que enriquece o panorama cultural da cidade, mas que, em geral, é visto como expressão do exótico e consumido como produto turístico. Neste projeto, abordaremos a dança de tradição acadêmica, compreendida como um gênero teatral (CASINI-ROPA, 1990), que se inspirou nas danças tradicionais, mas seguiu uma orientação bastante particular, ultrapassando as fronteiras das expressões espontâneas, sociais ou religiosas.

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PROJETO PROCESSO CRIATIVO EM DANÇA (CONTEMPLADO COM O EDITAL PROCARTE 002/2014 - PROEXC/UFVJM)

Coordenação Geral e Direção Artística:

José Rafael Madureira*

Produção: Guilherme Vieira Neves Lima

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Desde a inauguração do Laboratório de Dança do Departamento de Educação Física da UFVJM

(campus Diamantina/MG), em abril de 2014, foi possível intensificar as atividades práticas do Grupo de

Estudos em Técnicas e Métodos de Ensino de Dança, Teatro e Música (CNPq/UFVJM), cuja produção

cênica estava um pouco limitada pela falta de um espaço adequado à pesquisa criativa.

As atividades práticas do grupo foram retomadas com a participação de antigos membros e novos

integrantes, estudantes e artistas de Diamantina e região. Os resultados desses encontros iniciais

foram bastante satisfatórios. Participamos do PRÊMIO DIAMANTINA DANÇA EM CENA, organizado

pela secretaria de cultura do município e conquistamos o primeiro lugar com o estudo coreográfico

RAPSÓDIA PARA DOIS. A criação foi concebida a partir da Rapsódia (1956) de Ernst Mahle, uma

peça escrita para violino solo e realizada em consonância com os ideais do manifesto Música Viva,

liderado por Koellreutter. A Rapsódia de Mahle inspirou a criação de um estudo coreográfico

expressionista e especialmente lúdico, que despertou a atenção de um público desacostumado com a

linguagem da dança contemporânea. A experiência fortaleceu em nós a convicção que temos sobre a

potência da arte na sensibilização dos indivíduos e sobre a intrínseca e necessária relação entre a

dança e a música.

A música tem um status garantido em Diamantina, o que não surpreende observando-se a

tradição musical da cidade, desde os tempos do Arraial do Tejuco. A dança, excetuando-se as danças

de salão dos bailes da aristocracia financeira da cidade, de forte orientação estética europeia, nunca

teve por aqui o devido destaque. É evidente que as danças de tradição ancestral, em especial aquelas

trazidas pelos povos africanos, estiveram sempre presentes, apesar de serem proibidas. O Lundu, por

exemplo, a contragosto de alguns, acabou sendo assimilado pelas danças de salão, o que é bastante

curioso.

Ainda é possível testemunhar as manifestações de grupos tradicionais de marujada e congada,

que invadem as ruas de Diamantina durante os ciclos religiosos, um fenômeno que enriquece o

panorama cultural da cidade, mas que, em geral, é visto como expressão do exótico e consumido como

produto turístico.

Neste projeto, abordaremos a dança de tradição acadêmica, compreendida como um gênero

teatral (CASINI-ROPA, 1990), que se inspirou nas danças tradicionais, mas seguiu uma orientação

bastante particular, ultrapassando as fronteiras das expressões espontâneas, sociais ou religiosas.

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No ocidente, a dança de tradição acadêmica nasceu com a dança barroca, cujas estruturas

rítmico-coreográficas foram baseadas nas danças populares como, por exemplo, a contredanse

francesa, uma versão mais austera da country-dance inglesa.

A dança barroca surgiu em meados do século XVI, tornando-se um elemento chave para a

educação corporal e gestual do cortesão, que deveria controlar seus gestos com exatidão, além de

manter-se em perfeito alinhamento vertical. Não saber dançar era considerado pela sociedade de corte

uma falta da mais elevada gravidade (CASTIGLIONI, 1997).

Devido à sua plasticidade, a dança barroca, assim como a música do mesmo período,

especializou-se, afastando-se de seu caráter social original e reorganizando-se como uma nova

linguagem artística de grande expressividade e virtuosismo, traduzida no balé de ação (MONTEIRO,

1998) que foi posteriormente denominado balé clássico.

O declínio do balé romântico, em meados do século XIX, impulsionou a modernidade na dança,

em especial na Europa - com Dalcroze, Laban, Mary Wigman, e Estados Unidos - com Isadora Duncan,

Ted Shawn e Martha Graham. O século XX possibilitou à dança investigar novas formas e pedagogias

que pudessem traduzir a realidade de um novo e trágico momento histórico, atravessado por duas

guerras mundiais (GARAUDY, 1994).

Em Diamantina, a presença da dança moderna, de orientação acadêmica, é bastante tímida,

limitando-se a um pequeno grupo de artistas, professores e coreógrafos. Entre os primeiros

profissionais da dança que estiveram por aqui, destacamos Natália Lessa, natural de São João da

Chapada, uma figura emblemática que fundou a primeira escola de dança de Minas Gerais, inaugurada

em Belo Horizonte no ano de 1934, e que vinha para Diamantina com frequência para ministrar cursos

e oficinas de dança (CHAVES, 2013).

A dança como área de conhecimento acadêmico foi legitimada nesta universidade com a criação

do curso de licenciatura em Educação Física, cuja matriz curricular prevê a presença desse

conhecimento. Além da disciplina Dança, destinada aos alunos do curso de Educação Física como

componente curricular e oferecida todos os semestres, coordenamos o Grupo de Estudos em Métodos

e Técnicas de Ensino de Dança, Teatro e Música (CNPq/UFVJM), fundado em 2010, responsável pela

produção científica sobre a temática.

Alguns projetos de extensão já foram desenvolvidos pelo grupo como, por exemplo: OS TIPOS

POPULARES DE DIAMANTINA, realizado em parceria com o Museu do Diamante, A DANÇA E A

FORMAÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA, realizado em parceria com a Vila Educacional de Meninas e

RÍTMICA DALCROZE A E FORMAÇÃO DE CRIANÇAS MUSICISTAS, realizado em parceria com o

Conservatório Estadual de Música Lobo de Mesquita , sendo que dois últimos foram comtemplados

pelo edital PIBEX (PROEXC/UFVJM).

Este projeto, além de agregar membros da comunidade acadêmica e artistas de Diamantina e

região, poderá contribuir com a produção cultural da cidade na área das dança/artes cênicas, através

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da criação de estudos coreográficos a serem publicamente apresentados. É importante ressaltar a

parceria com os músicos da cidade, o que irá contribuir na interação entre os artistas-criadores a partir

da pesquisa e execução de diversos gêneros musicais e coreográficos.

Em relação às Metas do Plano Nacional de Cultura, destacamos a consonância deste projeto com

a META DE NÚMERO 22, que aponta para o apoio, o incentivo e a valorização de grupos e coletivos

locais, pois: [...] são espaços privilegiados para a experimentação e inovação tanto amadora como

profissional. Além disso, são lugares nos quais as manifestações artísticas podem ser divulgadas e a

diversidade cultural, valorizada.” (BRASIL, 2012, p. 68). E como temos o propósito de levar a produção

criativa deste projeto até as escolas municipais e estaduais de Diamantina e região, nos aproximamos

da META DE NÚMERO 14, que propõe: “Oferecer atividades de arte e cultura em 100 mil escolas

públicas de ensino básico”. (ibidem, p. 50).

Por fim, dentro dos objetivos específicos deste projeto e observando-se a inexistência de cursos

superiores de artes nesta região, pretendemos promover oficinas destinadas aos professores de artes,

de modo a compartilhar o pensamento, as técnicas e os métodos de pesquisa que sustentam o

processo criativo em dança, o que nos aproxima da META DE NÚMERO 13: “Proporcionar

aperfeiçoamento profissional à 20 mil professores de Artes do Ensino Médio em escolas Públicas”.

(ibidem, p. 48).

OBJETIVO GERAL

Criar 08 estudos coreográficos a partir de obras musicais formais e experimentações sonoras a

serem apresentados em escolas públicas de ensino infantil, fundamental e médio de Diamantina e

região com a participação de músicos convidados.

METODOLOGIA

Os encontros práticos de estudo e criação serão realizados preferencialmente no Laboratório de Dança (DEFI-UFVJM), que dispõe de condições ideais para a execução desta proposta (piso de madeira flutuante, sistema de som amplificado e instrumentos musicais). I. DOS ENCONTROS DE PESQUISA CRIATIVA

Os encontros de pesquisa criativa serão realizados semanalmente com duração de 6 horas divididas em duas sessões. Cada sessão será organizada em três momentos: 1) Preparação técnico-expressiva com base na técnica da Eutonia aplicada à dança e nos estudos prático-teóricos da Rítmica de Jaques-Dalcroze, da Estética Aplicada de François Delsarte e da Coreologia de Rudolf Laban; 2) Improvisação temática individual e em grupo; 3) Organização do material expressivo desenvolvido e composição de estudos coreográficos. II. DA PESQUISA DE REPERTÓRIO E EXPERIMENTAÇÃO DE TRILHAS SONORAS

Realizaremos, durante todo processo pesquisa de repertório musical erudito e tradicional que seja adequado à proposta, ou seja, peças curtas e dinâmicas que possibilitem a transcriação da música em dança. Também está previsto a criação de trilhas sonoras a partir de arquivos digitais (efeitos,

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ruídos, sampler), que serão produzidas especialmente para os estudos coreográficos, o que nos lança num processo de experimentação bastante interessante e presente na música concreta e no conceito de landscape ou paisagem sonora de Schafer (2012). III. DAS PERFORMANCES E INTERVENÇÕES

Os estudos coreográficos serão apresentados em escolas de educação infantil, fundamental e médio da rede pública de ensino de Diamantina e região com o propósito de despertar a imaginação das crianças e incitar neles a vontade de fazer arte. IV. REGISTRO E DIVULGAÇÃO OS ESTUDOS COREOGRÁFICOS

Os estudos, assim que finalizados e publicamente experimentados, serão filmados, editados em linguagem videográfica e divulgados na rede.

METAS

1. Criar um total de 08 estudos coreográficos. 2. Realizar um total de 30 apresentações durante o ano letivo de 2015 em escolas públicas de ensino infantil, fundamental e médio de Diamantina e região. 3. Divulgar os 08 estudos coreográficos através de edições em vídeo a serem disponibilizadas na rede.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, Theodor. O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição. Textos Escolhidos. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 165-191. ALEXANDER, Gerda. Eutonia: um caminho para a percepção corporal. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. ALMEIDA. Milton José de. Imagens e Sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994. APPIA, Adolphe. A Obra de Arte Viva. Lisboa: Editora Arcádia, (s. d.). BARBA, Eugenio e SAVARESE, Nicola. A Arte Secreta do Ator: dicionário de antropologia teatral. São Paulo-Campinas: Hucitec e Editora da UNICAMP, 1995. BRASIL. Ministério da Cultura. As Metas do Plano Nacional de Cultura. Brasília, 2012. BURNIER, Luis Otávio. A Arte de Ator: da técnica à representação. Campinas: Unicamp, 2001. CASTIGLIONE, Baldassare. O Cortesão. São Paulo: Martins Fontes, 1997. CHAVES, Elisângela. Uma escola de graça, saúde e beleza: Natália Lessa, a dança e a educação da feminilidade. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, 2013, 233 p. (tese de doutorado). DOSSIER AUTOUR DE RUDOLF LABAN. Nouvelles de Danse. Bruxelles, n. 25, 1995. DUPUY, Françoise. On ne danse jamais seule. Paris: Ressouvenances, 2012.

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FINDLAY, Elsa. Rhtythm and Movement: applications of Dalcroze Eurthymics. California: Summy-Birchard Inc., 1971. GARAUDY, Roger. Dançar a Vida. 6. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. GRAMANI, José Eduardo. Rítmica. São Paulo: Perspectiva, 2009. HARNONCOURT, Nikolaus. O diálogo musical. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. JAQUES-DALCROZE, Émile. La Rythmique. Lausanne: Jobin & Cie, 1916. _________. Le Rythme, la Musique et L’Éducation [1965]. Lausanne: Editions Fœtisch. KATER, Carlos. Música Viva e H. J. Koellreutter: movimentos em direção à modernidade. São Paulo: Musa, 2001. LABAN, Rudolf. O Domínio do Movimento. 3. Ed. São Paulo: Summus, 1978.

LOUPPE, Laurence. Poètique de la Danse Contemporaine. Paris: Contre Danse, 1997. MADUREIRA, José Rafael. A estética aplicada de François Delsarte: entre memórias e esquecimentos, Imaginário (USP). São Paulo, n.17-18, p.310-345, 2009. MILLER, Jussara. A Escuta do Corpo: sistematização da técnica Klauss Vianna. São Paulo: Summus Editorial, 2007. MOMENSOHN, Maria e PETRELA, Paulo. (orgs.) Reflexões sobre Laban o mestre do movimento. São Paulo: Summus, 2006. MONTEIRO, Marianna. Noverre: cartas sobre a dança. São Paulo: Edusp, 1998. RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. 3. Ed. São Paulo: Anadarco, 2014. ROBATTO, Lia. Dança em Processo: a linguagem do indizível. Bahia: Centro Editorial da UFBA, 1994. CASINI-ROPA, Eugenia. (org.). Alle Origine della Danza Moderna. Bologna: Il Mulino, 1990. SCHAFER, Murray. Afinação do Mundo. 2. Ed. São Paulo: Editora da UNESP, 2012. WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. 2. Ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. * JOSÉ RAFAEL MADUREIRA possui mestrado e doutorado em Educação, Linguagem e Arte pela UNICAMP. É professor de Dança e Rítmica junto ao Departamento de Educação Física da UFVJM e líder do Grupo de Estudos em Métodos e Técnicas de Ensino de Dança, Teatro e Música (CNPq/UFVJM). Realizou especializações no Centre d’Études et Recherches en Danse Contemporaine - Mas de la Danse (França) e no Dipartimento di Musica e Spettacolo - Universitá degli Studi di Bologna (Itália). Foi professor na Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás e no Departamento de Linguagem e Arte da Faculdade de Educação da UNICAMP. Estuda a Estética Aplicada de François Delsarte e a Rítmica de Jaques-Dalcroze, cujos desdobramentos orientam trabalhos sobre a expressão dramática na dança e sobre métodos e técnicas de ensino de dança, teatro e música. Escreveu e dirigiu diversas obras cênicas, destacando-se: Échasse (Goiânia, BH, SP, RJ, Buenos Aires e Chile), Homenagem à Augusta Faro (Goiás/GO), Cinzas (Muzambinho/MG), Retirantes (Muzambinho/MG), Julie (Americana/SP), Colapso (SESC Santos/SP), O Sonho de Sarah (SESC Campinas/SP) e, em Diamantina, O Sublime Labroque, Oblivion, Rapsódia, Para Aline e Rapsódia para Dois.