D. Gouvêa, B. B. S. Murad Departamento de Engenharia ... · A escolha do tipo de dispersante...

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CERÂMICA 47 (301) 2001 51 INTRODUÇÃO A escolha do tipo de dispersante durante a formulação de uma suspensão cerâmica depende do solvente utilizado, do método de conformação para a preparação do corpo cerâmico e das caracte- rísticas físico-químicas do pó e de sua superfície. As principais características de um pó cerâmico que influenci- am a preparação de uma suspensão são: a distribuição granulométrica e as propriedades físico-químicas da superfície do material. A distribuição granulométrica, principalmente a fração inferior a 0,5 μm, influencia de forma determinante a reologia das suspensões [1]. O estado da superfície é modificado, por exemplo, pela alteração no número de hidroxilas formadas devido à hidratação e, em conseqüência, da modificação no ponto isoelétrico (IEP) e nas isotermas de adsorção dos dispersantes. A utilização de solventes é necessária para se fornecer fluidez ao sistema e ao mes- mo tempo para possibilitar a homogeneização dos aditivos. Os solventes podem ser classificados como polares e não-polares, onde a água é o solvente polar mais utilizado. Os solventes polares apre- sentam uma forte interação com a superfície dos óxidos devido à característica iônica da interface óxido/solvente. O tipo de conformação utilizado é que determina, na maioria das vezes, o tipo de solvente. A pressão de vapor é um outro crité- rio muito importante na sua seleção. A eliminação do solvente é Influência das características ácido-básicas da superfície dos óxidos na estabilidade de suspensões cerâmicas de Al 2 O 3 ou SnO 2 com dispersantes comerciais (Influence of acid-basic characteristic of Al 2 O 3 or SnO 2 surfaces on the stability of ceramic suspensions with commercial dispersants) D. Gouvêa, B. B. S. Murad Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais Escola Politécnica da USP Av. Prof. Mello Moraes, 2463 – Cidade Universitária – S. Paulo – SP [email protected]. Resumo Uma suspensão cerâmica estável pode ser obtida através da combinação de um pó cerâmico, um solvente e um dispersante. Polímeros adsorvidos às partículas de óxidos podem estabilizar uma suspensão através da formação de um potencial de repulsão entre as partículas que pode ser de origem eletrostática, estérica ou da combinação das duas. A adsorção depende das características da superfície dos óxi- dos cerâmicos utilizados. O SnO 2 apresenta um ponto isoelétrico igual a 4 e a alumina igual a 8. A característica ácida da superfície do SnO 2 faz com que ocorra uma com- petição entre a adsorção dos polímeros derivados de ácidos poliacrílicos e das hidroxilas. O aumento do potencial zeta ocorre devido à mudança do pH e não devido à adsorção dos polímeros. No caso da alumina, a superfície básica per- mite a adsorção dos polímeros e o aumento do potencial zeta sem que haja competição com os grupos OH - . Este es- tudo foi realizado através da medida simultânea de potenci- al zeta e pH das suspensões através da técnica ESA (Electrokinetic Sonic Amplitude). Palavras-chave: suspensão cerâmica, alumina, óxido de estanho. Abstract A stable ceramic dispersion can be obtained by mixing a ceramic powder, a solvent and a dispersant. Polymers adsorbed to ceramic particles may stabilize the dispersions by creating a repulsion charge among then.The stabilization has an electrostatic or steric origin, or even the sum of both processes. The adsorption depends on the characteristics of the powder surface. Isoelectric points (IEP) of the SnO 2 and alumina are 4 and 8, respectively. The basic/acid characteristic of the surface originates a competition between the adsorption of polymers derivated from polyacrilic acids and hidroxiles due to acidic characteristics of the SnO 2 surface. In the other hand, alumina’s basic surface allows polymers to adsorb and to increase the zeta potential without any competition between the dispersants and OH - ions. This study has been carried out by simultaneously measuring the pH, zeta potential temperature and conductivity of the system. ESA (Eletrokinetic Sonic Amplitude) technique was used. Keywords: ceramic suspensions, alumina, tin oxide.

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CERÂMICA 47 (301) 2001 51

INTRODUÇÃO

A escolha do tipo de dispersante durante a formulação de umasuspensão cerâmica depende do solvente utilizado, do método deconformação para a preparação do corpo cerâmico e das caracte-rísticas físico-químicas do pó e de sua superfície.

As principais características de um pó cerâmico que influenci-am a preparação de uma suspensão são: a distribuiçãogranulométrica e as propriedades físico-químicas da superfície domaterial. A distribuição granulométrica, principalmente a fraçãoinferior a 0,5 µm, influencia de forma determinante a reologia dassuspensões [1]. O estado da superfície é modificado, por exemplo,

pela alteração no número de hidroxilas formadas devido à hidrataçãoe, em conseqüência, da modificação no ponto isoelétrico (IEP) enas isotermas de adsorção dos dispersantes. A utilização desolventes é necessária para se fornecer fluidez ao sistema e ao mes-mo tempo para possibilitar a homogeneização dos aditivos. Ossolventes podem ser classificados como polares e não-polares, ondea água é o solvente polar mais utilizado. Os solventes polares apre-sentam uma forte interação com a superfície dos óxidos devido àcaracterística iônica da interface óxido/solvente.

O tipo de conformação utilizado é que determina, na maioriadas vezes, o tipo de solvente. A pressão de vapor é um outro crité-rio muito importante na sua seleção. A eliminação do solvente é

Influência das características ácido-básicas da superfície dos óxidos na estabilidade desuspensões cerâmicas de Al2O3 ou SnO2 com dispersantes comerciais

(Influence of acid-basic characteristic of Al2O3 or SnO2 surfaces on the stability of ceramicsuspensions with commercial dispersants)

D. Gouvêa, B. B. S. MuradDepartamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais

Escola Politécnica da USP Av. Prof. Mello Moraes, 2463 – Cidade Universitária – S. Paulo – SP

[email protected].

Resumo

Uma suspensão cerâmica estável pode ser obtida através dacombinação de um pó cerâmico, um solvente e umdispersante. Polímeros adsorvidos às partículas de óxidospodem estabilizar uma suspensão através da formação deum potencial de repulsão entre as partículas que pode ser deorigem eletrostática, estérica ou da combinação das duas. Aadsorção depende das características da superfície dos óxi-dos cerâmicos utilizados. O SnO2 apresenta um pontoisoelétrico igual a 4 e a alumina igual a 8. A característicaácida da superfície do SnO2 faz com que ocorra uma com-petição entre a adsorção dos polímeros derivados de ácidospoliacrílicos e das hidroxilas. O aumento do potencial zetaocorre devido à mudança do pH e não devido à adsorçãodos polímeros. No caso da alumina, a superfície básica per-mite a adsorção dos polímeros e o aumento do potencialzeta sem que haja competição com os grupos OH-. Este es-tudo foi realizado através da medida simultânea de potenci-al zeta e pH das suspensões através da técnica ESA(Electrokinetic Sonic Amplitude).

Palavras-chave: suspensão cerâmica, alumina, óxido deestanho.

Abstract

A stable ceramic dispersion can be obtained by mixing aceramic powder, a solvent and a dispersant. Polymersadsorbed to ceramic particles may stabilize the dispersionsby creating a repulsion charge among then.The stabilizationhas an electrostatic or steric origin, or even the sum of bothprocesses. The adsorption depends on the characteristicsof the powder surface. Isoelectric points (IEP) of the SnO2

and alumina are 4 and 8, respectively. The basic/acidcharacteristic of the surface originates a competitionbetween the adsorption of polymers derivated frompolyacrilic acids and hidroxiles due to acidic characteristicsof the SnO2 surface. In the other hand, alumina’s basicsurface allows polymers to adsorb and to increase the zetapotential without any competition between the dispersantsand OH- ions. This study has been carried out bysimultaneously measuring the pH, zeta potential temperatureand conductivity of the system. ESA (Eletrokinetic SonicAmplitude) technique was used.

Keywords: ceramic suspensions, alumina, tin oxide.

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facilitada pela alta pressão de vapor e de preferência a temperatu-ras inferiores às da queima dos ligantes. Paredes ou partes finas doproduto influenciam também a seleção do solvente apropriado. Empeças com paredes muito finas, a alta volatilidade pode levar a for-mação de uma tensão excessiva no interior da peça cerâmica, se osporos forem muito pequenos e tortuosos. Um alto ponto de ebuli-ção pode ser desejável para evitar-se a formação de bolhas duranteo estágio de eliminação do solvente [1].

Dispersantes são necessários para evitar a sedimentação rápidadas partículas cerâmicas no solvente e para possibilitar a prepara-ção de suspensões com uma alta concentração de sólido. A nature-za e a quantidade otimizada de dispersante pode ser determinadaem função da viscosidade e do comportamento com relação à sedi-mentação. Dois mecanismos principais podem agir para gerar for-ças para a repulsão entre as partículas: eletrostático e/ou estérico [1].No mecanismo eletrostático, as forças de repulsão são originadasbasicamente pelo desenvolvimento de cargas elétricas na partícula,em decorrência da interação entre sua superfície e o meio líquido,formando a dupla camada elétrica. Já no mecanismo estérico, ocorrea adsorção superficial de polímeros que dificultam a aproximaçãodas partículas por impedimento mecânico.

Uma suspensão é considerada estável quando não ocorre aglo-meração, coagulação ou floculação das partículas. De fato, o pro-blema é de origem cinética e consiste em que partículas submetidasao movimento térmico podem se aproximar umas das outras a umadistância suficientemente pequena para formar associações, per-manentes ou não. O problema pode ser tratado pela teoria DLVO[1, 2]. A estabilização é controlada pelo potencial elétrico da su-perfície das partículas e pela espessura da dupla camada elétricaformada pelos contra-íons (íons que apresentam cargas opostas àque-la da superfície). O estudo do potencial de superfície é feito atra-vés da determinação do potencial zeta, ζ, que representa o potenci-al elétrico no plano de cisalhamento quando a partícula esta emmovimento sob ação de um campo elétrico. Os valores de potenci-al zeta são relacionados à estabilidade das suspensões. Um poten-cial de aproximadamente 20 mV, em valor absoluto e à temperatu-ra ambiente, é necessário para assegurar a estabilização eletrostáticade suspensões pouco concentradas.

Durante a conformação por deposição eletroforética (EPD) aspartículas devem apresentar um alto potencial zeta, pois o materialé conformado através da ação de um campo elétrico [4], e o solventedeve ser estável a esta solicitação elétrica.

Os dispersantes derivados de polímeros de ácidos acrílicos sãoos mais comuns para a preparação de suspensões estáveis de óxi-dos cerâmicos em água. A estabilização dessas suspensões éconseguida através do aumento do potencial de repulsão entre aspartículas. Esta repulsão ocorre porque as moléculas do dispersantese adsorvem sobre a superfície do pó cerâmico. Por efeito elétrico(aumento do potencial zeta) e/ou efeito estérico (aumento daentropia), impede que as partículas entrem em contato e coagulem[4]. A adsorção deste tipo de polímero na superfície das partículasde óxidos ocorre, geralmente, devido à formação de ligações tipoponte de hidrogênio ou por atração eletrostática.

Em estudos anteriores mostrou-se que a adição de poli (acrilatode amônio) durante a conformação por EPD de suspensões de SnO2

diminuem a taxa de deposição [5]. Ao mesmo tempo verificou-seque a viscosidade da suspensão aumenta e os valores de potencialzeta, calculados a partir das curvas de cinética de deposição, dimi-nuíram com o aumento da concentração de dispersante. Todos os

resultados mostraram que a ação do dispersante era pouco efetivapara esse sistema.

O presente trabalho teve como objetivo verificar a influênciade diferentes dispersantes comerciais nos valores de potencial zetadurante a preparação de suspensões de SnO2 e Al2O3. Estes doisóxidos são insolúveis em meios ácidos e básicos ao mesmo tempoem que apresentam pontos isoelétricos (IEP) bastante diferentes(ácido para o SnO2 e básico para o Al2O3) . Foram realizadas me-didas de potencial zeta em função do pH, tipo e concentração dedispersantes em meios aquosos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram utilizados os seguintes materiais: dióxido de estanho(Minasolo - 99,9% mín. - área de superfície específica = 7 m2/g), alumina(ALCOA A1000SG - área de superfície específica = 10 m2/g) , comosolvente água destilada e como dispersantes: Duramax D - 3005(sal de amônio de um poli eletrólito), Duramax D - 3007 (sal deamônio de um copolímero acrílico), Duramax - 3021 (sal de amôniode um poli eletrólito), todos da Rohm & Haas.

As principais características dos dispersantes utilizados são apre-sentados na Tabela I. Para a análise da influência do pH sobre opotencial zeta da suspensão, utilizou-se uma suspensão em águacontendo 2% em volume de SnO2 sem a presença de nenhumdispersante.

Partindo do pH inicial, variou-se o pH até 13 através da titulaçãocom uma solução 2N de hidróxido de potássio. A titulação ácidafoi realizada através da adição com uma solução 2N de ácido nítrico.Tratamento idêntico foi realizado para uma suspensão aquosa dealumina, contendo 5% em volume de material cerâmico, partindo-se do pH de equilíbrio da suspensão pH = 9.

Para a análise da influência de cada um dos dispersantes sepa-radamente, partiu-se de uma suspensão inicial idêntica à descritano parágrafo anterior, variando-se a concentração de dispersantesatravés da adição de 0,1 mL de uma solução aquosa de dispersantecom concentração 1:5 em volume. O aparelho mediu, então, a cadaadição da solução o potencial zeta e o pH.

Para as medidas de potencial zeta das suspensões, foi usada atécnica ESA (Electrokinetics Sonic Amplitude), que permite a de-terminação do potencial zeta para suspensões com até 10% emvolume de sólidos ou a mobilidade eletroforética para suspensõescom até 50% em volume de sólido, ou seja, em condições reais depreparação de suspensões cerâmicas. A técnica é baseada no efei-to eletro-acústico que se produz quando um campo elétrico alter-nado de alta freqüência é aplicado sobre dois eletrodos imersos emuma suspensão de partículas carregadas. A força devido ao campoaplicado deforma de forma periódica a distribuição das cargasmóveis da dupla camada elétrica de cada partícula criando ummovimento alternado entre a partícula e a dupla camada elétrica.

nome % em massa Mw Contra-íon pH

de sólido

D-3005 35 2400 NH4

+ 7,2

D-3007 45 5000 NH4

+ 3,2

D-3021 40 2500 NH4

+ 7,2

Tabela I - Principais características dos dispersantes utilizados.

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Este deslocamento alternado de cargas produz uma variação depressão nas vizinhanças da superfície dos eletrodos, criando assimuma onda sonora de mesma freqüência que o campo elétrico.

A amplitude dessa onda sonora é função das cargas deslocadaspor cada partícula, da concentração das partículas e do campo elé-trico aplicado. A amplitude relativa da onda sonora gerada poressa técnica é chamada de ESA, que é detectada graças a um sensorpiezoelétrico que fornece um sinal elétrico proporcional a amplitu-de da onda sonora medida. O equipamento utilizado foi o ESA-8000 da MATEC que permitiu a medida simultânea de potencialzeta, pH, condutividade elétrica e temperatura. Apesar da possibi-lidade de se trabalhar com altas concentrações de sólidos utilizou-se concentração de 5% em volume de óxidos, pois foi possível ob-ter-se o mesmo resultado, mas com economia de material.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Variação do potencial zeta em função do pH

As curvas de variação do potencial zeta em função do pH com-parativas entre o SnO2 e Al2O3 são mostradas na Fig. 1.

Os valores de pH ponto isoelétrico (IEP) medidos para a Al2O3

e para o SnO2 foram, respectivamente, 8,0 e 3,5, e estão de acordocom os valores apresentados na literatura [6]. Estes valores mos-tram que a superfície da alumina apresenta caráter básico e a super-fície do SnO2 caráter ácido com relação à água. Este comporta-mento é evidenciado quando os pós dos dois materiais são introdu-zidos em água deionizada. O pH da suspensão de SnO2 é cerca de4 e da alumina em torno de 9. Isto pode ser interpretado conside-rando que a superfície do SnO2 em água apresenta a tendência aadsorver preferencialmente grupos hidroxilas (OH-), ou seja, apre-sentar um comportamento de um ácido fraco. Já o comportamentopara a superfície da alumina é de uma base fraca. Estas caracterís-ticas ácido-básicas da superfície devem determinar também o me-canismo de adsorção de polímeros na superfície dos diferentes óxi-dos.

As curvas apresentadas na Fig. 1 mostram dois valores máxi-mos (em módulo) de potencial zeta: um a pH ácido e outro a pHbásico. É interessante observar que o maior valor de potencial zeta(em módulo) para cada óxido ocorre sempre para pH oposto ao pHdo ponto isoelétrico, ou seja, para o SnO2 que apresenta pHIEP =

3,5 (ácido) o máximo valor de potencial zeta (ζ = - 39 mV) é obtidoem pH = 11,5 (básico). A alumina o pHIEP = 8,0 e o máximovalor de potencial zeta (ζ= + 34 mV) é obtido para pH = 2,4. Ofenômeno observado evidencia que a afinidade da superfície comcomportamento de um base fraca é maior para íons H+ e aquela queapresenta comportamento de uma ácido fraco é maior para os íonsOH-. Deve-se levar em consideração que, no caso da adsorção deum polímero à superfície do óxido, a característica de doação ourecepção de pares eletrônicos (conceito de ácido e bases de Lewis)pode ter uma influência determinante na energia de adsorsão. Ou-tro fator que deve ser levado em consideração é a capacidade daadsorsão dos polímeros ocorrer através da formação de pontes dehidrogênio com as hidroxilas formadas na superfície dos óxidosimersos em água.

Influência da concentração de dispersantes no potencial zeta epH de suspensões de SnO2 e Al2O3

O caso do SnO2

A análise da influência da concentração de cada um dosdispersantes no pH e no potencial zeta da suspensão de SnO2 émostrada na seqüência de curvas da Fig. 2.

A adição dos dispersantes torna mais negativo o potencial zetaem todos os casos. O máximo valor de potencial zeta obtido foi de ζ= -23 mV e ocorreu para o dispersante D-3021. Os dispersantesD-3005 e D-3021 levaram a uma variação bastante sensível no pHda suspensão obtendo-se um pH final de 7,5. No caso do 3007 opH final se mantém ácido em torno de 3,5.

Os dispersantes D-3005 e D-3021 são mantidos em pH básico(com relação ao pKa de ionização do polímero) para que adissociação de seus grupos acrilatos leve a formação de cargas elé-tricas. Quando o polímero se adsorve a superfície do óxido ascargas geradas pela ionização do mesmo podem contribuir para oaumento do potencial zeta e, em conseqüência, da formação deuma suspensão mais estável.

Os dispersantes derivados de poliácidos acrílicos devem per-manecer ionizados em solução aquosa. Para isso, o pH básico émantido através da adição de NH4(OH) ou NaOH. Esse é o casodos dispersantes D-3005 e D-3021. Desta forma, o pH da soluçãoserá sempre básico.

A variação observada no pH é devida ao pH final da solução dedispersantes. O pH final das soluções dos dispersantes D-3005 eD-3021 é 7,2. No caso do dispersante D3007, o pH final da solu-ção é 3,2. Como o pH da suspensão de SnO2 é igual a 4, era espe-rado que no caso dos dispersantes D-3005 e D-3021 o pH aumen-tasse e no caso do D-3007, diminuísse. O mais interessante é ob-servar que, na Fig. 3, o potencial zeta pára de aumentar em módulojustamente para valores de pH igual ao pH final das soluções dosdispersantes D-3005 e D-3021. Isto pode significar que a variaçãodo potencial zeta observado para tais tipos de dispersantes está di-retamente ligada à variação do pH, e não especificamente à adsorçãodas moléculas dos dispersantes. Este comportamento explicaria ofenômeno observado durante a deposição por eletroforese do SnO2

com dispersantes à base de poli(acrilatos de amônio) [5]. A dimi-nuição da massa depositada ocorreria devido ao aumento da visco-sidade da solução. Desde que o dispersante não se adsorve à super-fície das partículas, todo material adicionado contribuiria para oaumento da viscosidade do líquido, e assim, segundo o modelo

Figura 1: Curvas de potencial zeta em função do pH para a alumina e o óxido deestanho. Suspensões a 2% em volume de SnO2 e 5% em volume de Al2O3.[Figure 1: Zeta potential versus pH of alumina (5% volume) and SnO2 (2%volume) suspensions].

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proposto, diminuiria a taxa de deposição do SnO2.No caso do D-3007, em que a variação do pH não é significati-

va, observa-se um aumento do valor em módulo do potencial zeta.Contudo, os valores máximos obtidos não chegam a -19 mV, o quesignifica uma suspensão ainda pouco estável.

O caso do Al2O3

Para as suspensões de Al2O3, a variação de potencial zeta e pHcom a adição da solução de diferentes tipos de dispersantes pode

ser observada na Fig. 4 A – 4C. Os dispersantes D-3005 e D-3021parecem ser muito efetivos na estabilização deste material, já que avariação de pH é bastante pequena enquanto o potencial zeta obti-do é muito superior a –20 mV. No caso do dispersante D-3007ocorre uma nítida variação para pH ácido, ao mesmo tempo que osvalores de potencial zeta são significativamente menores (Fig. 4C).No caso da alumina, os dispersantes parecem adsorver à superfíciedas partículas e modificam a dupla camada elétrica elevando suacarga superficial negativa e possibilitando a estabilização das sus-pensões. Contudo, a diminuição do pH faz com que o potencialzeta final seja inferior ao obtido com os dispersantes D-3005 e D-3021. A variação do potencial zeta em função do pH para as sus-pensões de alumina com a adição de diferentes dispersantes podeser observada na Fig. 5. Para o dispersante D-3007 fica nítida avariação do pH ao mesmo tempo em que ocorre a estabilização dosvalores de potencial zeta.

Comparação entre as suspensões de SnO2 e Al2O3

A adição de solução dos dispersantes D-3005 e D-3021 ao SnO2

parece gerar uma modificação do potencial zeta devido ao aumen-to do pH. No caso da alumina, o efeito parece estar ligado à adsorsãodestes polímeros à superfície dos grãos de Al2O3, que ocorre, nocaso de óxidos, por pontes de hidrogênio [1]. A superfície do SnO2,por apresentar um IEP ácido, tem uma grande afinidade por gruposOH- enquanto o Al2O3 apresenta um IEP básico e, por conseqüên-cia, grande afinidade por íons H+. A adição de uma solução depolímero em meio básico a uma suspensão de SnO2 deve gerar umacompetição entre a adsorção de OH- e do polímero à superfície. Aligação do OH- deve ser muito mais forte, uma vez que tal espécieé um íon determinante de potencial e, por conseqüência, suaadsorção deve ser preferencial à ligação dos polímeros por pontesde hidrogênio à superfície dos SnO2. Ao mesmo tempo, a geraçãode cargas elétricas negativas na superfície do SnO2 devido à adsorçãodos grupos OH- pode, por repulsão eletrostática, impedir a adsorçãodo polímero que se encontra carregado negativamente. No caso daalumina, ocorre justamente o inverso. Em primeiro lugar, a suspen-são já se encontra em um pH mais básico que a solução e não existe

Figura 2 - Comparação do comportamento do pH e do potencial zeta para suspensõesde SnO2 2% em volume com diferentes dispersantes: (A) D3005, (B) D3007 e (C)D3021.[Figure 2: Zeta potential and pH modification of SnO2 suspension (2% volume)during addition of different dispersants: (A) D3005, (B) D3007 and (C) D3021].

Figura 3 - Variação do potencial zeta e do pH durante a adição de diferentesdispersantes a uma suspensão de SnO2 e comparada à variação de pH durante atitulação da mesma suspensão com soluções de HNO3 (2N) e KOH (2N) .[Figure 3: Zeta potential and pH of tin oxide suspensions presenting differentconcentrations of dispersants and compared with titration curve (HNO3 and KOH- 2N) of a SnO2 suspension].

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geração de cargas negativas. Assim, as moléculas de polímero po-dem se adsorver a superfície da alumina por pontes de hidrogêniocom as hidroxilas superficiais. Com a adição de um dispersanteacrílico em meio ácido (caso do D-3007) deve ocorrer uma compe-tição entre a adsorção dos íons H+ e o polímero carregado negati-vamente para a alumina. Desta forma o potencial zeta total ficadiminuído e o valor máximo é bastante menor que no caso dosoutros dois dispersantes.

CONCLUSÕES

A adsorção de polímeros na superfície de um pó cerâmico coma finalidade de formação de uma suspensão estável é dependentedas características ácido-básicas da superfície do óxido cerâmicoutilizado e do tipo de polímero. Para óxidos com IEP básico, comono caso da alumina, a adsorção de polímeros em meio básico deveocorrer por pontes de hidrogênio à superfície dos grãos e o aumen-to do potencial zeta é devido à carga elétrica do dispersante que seencontra ionizado. No caso de óxidos com IEP ácido, como nocaso do SnO2, deve ocorrer uma competição entre a adsorção dehidroxilas e a adsorção dos polímeros. Como o OH- é um íondeterminante de potencial para os óxidos sua adsorção deve ocor-rer preferencialmente àquela do polímero por pontes de hidrogê-nio. A geração de uma carga superficial negativa pode por repulsãoeletrostática impedir a adsorção do polímero carregado negativa-mente. Neste caso a mudança de potencial zeta observada se deveunicamente à modificação do pH da solução. Caso semelhanteocorre para a alumina com o dispersante D-3007, onde ocorre acompetição entre a adsorção do polímero e das espécies H+.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP pelo financiamento do projeto 97/06152-2 e à Rohm& Haas pelas amostras dos dispersantes.

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Figura 5 - Variação do potencial zeta em função do pH para a alumina com osdiferentes dispersantes.[Figure 5: Zeta potential and pH of alumina suspensions (5% volume) presentingdifferent concentrations of dispersants].

Figura 4 - Variação do potencial zeta e do pH em função da adição de solução dedispersantes D-3005 (A), D-3007(B) e D-3021(C) a uma suspensão de aluminaem água (5 % em volume de sólido).[Figure 4: Zeta potential and pH modification of alumina suspension (5% volume)during addition of different dispersants: (A) D3005, (B) D3007 and (C) D3021].

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Cerâmicas. Parte II: Mecanismos de Estabilidade Eletrostática eEstérica, Cerâmica 43, 280 (1997), 77-83.[5] D. Gouvêa, B. S. S. Murad, Estudo Sobre a Influência dasConcentrações de Sólido e de um Dispersante sobre a Cinética deDeposição por Eletroforese do SnO

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(Rec. 01/08/00, Rev. 13/02/01, Ac. 02/03/01)