Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

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Neste tratado, Aristóteles empreende uma digressão sistemática sobre a estru tura lógica da linguagem. Ancorado na linguagem natural - mais concretamente no grego clássico estuda a proposição - passando, antes, pela análise e pela com preensão dos termos dessa estrutura funda mental para a lógica e para o pensamento. Nessa empreitada, é certo que o autor não prescinde de apurada exploração gra matical - como evidencia, por exemplo, o brilhante capítulo dedicado ao verbo. Mas é na história da lógica que a obra fulgura, célebre. A apresentação dos discursos dedaratórios, a afirmação e a negação, e da conexão dessas com o problema da verdade, constitui perene contribuição do estagirita. Nesse e em outros pontos, o texto de Da Interpretação é fonte ines gotável de reflexão e suporte do diálogo de Aristóteles com o pensamento lógico contemporâneo. Ainda sob esse aspecto, a centralidade deste ensaio está especialmente atestada por seu famoso capítulo IX, onde se cuida do tratamento lógico do recorte do tempo a que chamamos de futuro. Aristóteles mostra que o futuro exige uma lógica peculiar, e, a partir dessa demonstração, dá origem a um novo campo, a lógica dos operadores modais, ou, simplesmente, “lógica modal”.

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Aristóteles

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Neste tratado, Aristóteles empreende uma digressão sistemática sobre a estru­tura lógica da linguagem. Ancorado na linguagem natural - mais concretamente no grego clássico estuda a proposição - passando, antes, pela análise e pela com­preensão dos termos dessa estrutura funda­mental para a lógica e para o pensamento.

Nessa empreitada, é certo que o autor não prescinde de apurada exploração gra­matical - como evidencia, por exemplo, o brilhante capítulo dedicado ao verbo. Mas é na história da lógica que a obra fulgura, célebre. A apresentação dos discursos dedaratórios, a afirmação e a negação, e da conexão dessas com o problema da verdade, constitui perene contribuição do estagirita. Nesse e em outros pontos,o texto de Da Interpretação é fonte ines­gotável de reflexão e suporte do diálogo de Aristóteles com o pensamento lógico contemporâneo.

Ainda sob esse aspecto, a centralidade deste ensaio está especialmente atestada por seu famoso capítulo IX, onde se cuida do tratamento lógico do recorte do tempo a que chamamos de futuro. Aristóteles mostra que o futuro exige uma lógica peculiar, e, a partir dessa demonstração, dá origem a um novo campo, a lógica dos operadores modais, ou, simplesmente, “lógica modal” .

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a Interpretação

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Vicente Pleitez

Editores-Assistentes Anderson Nobara Jorge Pereira Filho Leandro Rodrigues

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A R IST Ó T ELES

Da Interpretação

Tradução e comentários

José Veríssimo Teixeira da Mata

editoraunesp

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2013 © Editora Unesp

Título original: ΠΕΡΙ ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ

Texto original grego reproduzido a partir da edição Aristotle: Categoriae et Liber de Interpretatione, estabelecida por L. Minio-Paluello (Oxford Classicals Texts 1949),

com permissão da Oxford University Press.

Direitos de publicação reservados à: Fundação Editora da Unesp (FEU)

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CIP-Brasil. Catalogação na publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

AristótelesDa Interpretação/Aristóteles; tradução José Veríssimo Teixeira da

Mata. - l.ed. - São Paulo: Editora Unesp, 2013.

Tradução de: ΠΕΡΙ ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ ISBN 978-85-393-0405-9

1. Filosofia antiga. I. Título.

13-00056 CDD: 183.2

A75i

CDU: 1(38)

Editora afiliada

Asociaclón de E dltoriales U niversitarias de Am érica L atina y e l C aribe

A s s o c ia çã o B r a s i le ira de E d ito ra s U n iv e rs itá r ia s

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Agradecimentos

Ao professor Francis Wolff, pelas indicações bi­bliográficas; ao professor Paulo Marcelino e a Herondes Cezar, pela ajuda na correção do texto.

Page 7: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Sumário

Da Interpretação . i

Comentários . 6j

Referências bibliográficas . 183

índice onomástico . 189

Page 8: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

S I G L A

in adnotatione libri De Interpretatione adhibita

n = cod. Ambrosianus L 93, saec. ix n' = manus recentior quae 22^4.-32 (eivai) supplevit

B = cod. Marcianus 201, saec. x

T * = translationes antiquae:A = Arménia (olim Davidi adscripta), saec. v2 = Syra anonyma (?e Graeco exemplari saeculo vi antiquiore)A — Latina Boethii, c. jl.d. 510 F = Syra Georgii Arabum episcopi (|a.d. 724)

a — Ammonii recensio, saec. v (ex editione Academiae Borus8Ícae) : conBensus codd. A et F (Busse)

a ° = loci ab Ammonio in commentario allati ad =c consensus a et o°oA, aF, aoA, acF, adA, adF — cod. A vel F in a, ac, ad

s = Stephani Alexandrini commentarium, saec. vii (ex editione Academiae Borussicae): lemmata

sc = loci in commentario allati sd = consensus s et s°

* a ° s sc n1 = lectio quam in textum recepimus etiam in ac, s, s°, n‘ invenitur

[ r ‘], [-Si1]) etc. = quid translatores legerint ignoramus (4 ), (A), (s), etc. = non omnes codices translations A vel A, non omnes

loci in S) etc.i — fortasse

... = usque ad-f = addit, addunt (e.g. aura+ourcuj n/lad — post ai5rd addunt

ovrios n/lad)/ = rasura unius litterae

In textu uncis quadratis [ ] expunximus, acutis ( ) supplevimus velnostra vel aliorum coniectura.

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[ ΠΕΡΙ Ε ΡΜΗΝΕ Ι ΑΣ ]1 Π ρώτον δ ε ι θεσθαι τ ί Άνομα κα ί τ ί ρήμα, επειτα τ ί 1 6 a

εστιν άπόφασις καί κατάφασις καί απόφανσής καί λόγος.'Έ σ τ ι μεν οΰν r à êv τ ή φωνή rw v iv τή ψνχή παθη­

μάτων σύμβολα, καί τα γραφόμενα τω ν iv τη φωνή. καί ώσπερ ούδε γράμματα πάσι τα αυτά, ούδε φωναί at, 5

αύταί- δίν μέντοι ταϋτα σημεία πρώτων, ταύτά πάσι, πα­θήματα τής φνχήε, καί S v ταϋτα ομοιώματα πράγματα ήδη ταύτά. περί μεν οΰν τούτω ν εϊρηται εν toîs περί φυ- χής, -άλλης γάρ πραγματείας · - εστι δε, ώσπερ eV τη φυχή orè μεν νόημα ανευ του άληθεύειν η φεύδεσθαι ότε δέ ηδη ίο

ω ανάγκη τούτων ύπάρχειν θάτερον, οϋτω καί εν τη φωνή­ν epi γάρ σύνθεσιν καί διαίρεσίν εστι το φεΰδός τε καί το αληθές, τα μεν οΰν ονόματα αυτά καί τα ρήματα εοικε τω ανευ συνθεσεως καί διαιρέσεως νοήματι, οΐον το άνθρω­πος τ) λευκόν, οταν μη προστεθή τι- οϋτε γάρ φεΰδος 15

ούτε αληθές πω . αημειον δ’ εστί τοΰδε· καί γάρ ό τραγέλα­φος σημαίνει μεν τ ι, οϋττω δε αληθές η φεΰδος, εάν μη το εΐναι ή μη εΐναι προστεθή ή απλώς ή κατά χρόνον.

2 "Ονομα μεν οΰν εστί φωνή σημαντική κατά συνθήκην ανευ χρόνου, ής μηδέν μέρος εστί σημαντικόν κεχω ρι- 2ο σμενον εν γάρ τω Κ άλλιππος το ίππος ούδεν καθ' αυτό σημαίνει, ώσπερ èv τω λόγω τω καλάς ίππος, ού μην ούδ' ώσπερ εν το ίς άπλοΐς όνόμασιν, ούτως εχε ι καί εν το ις

Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑΣ Δ a c : ΑΡΙΣΤΟΤΕΑΟΥΣ Π. ΕΡΜ. nBoF : L IB E R Π. ΕΡΜ. Λ : simtlia Σ Γς i6a5 αυτά-\- οΰτως nAaß: + καί ουτωι Σ6 πρώτως : πρώτον α ^ - ί,ίΣ ταύτά] ταϋτα Γ , Herminusteste Boethio 7 ταιίτά Alex. Aphrod. teste Boethio 8 ταΰτα B(/l), Herminus teste Amm, 8-9 περί μεν . . . πραγματείας post αληθές (13) poni vult H. Maier 9 πραγματείαν] ταΰτα πραγμ, ώΣ : πραγμ.τσΰτο α ^ ,ίΓ 12—13 αληθές . . . ψεύδος Δα^α.α 12 τε om. :*s: [Γ 5] 13 avrà om. η,}ΣΓ·. *ac : [/I] 14 καί] η ηΓαΑ1 5 το λευκόν Ea^s : [ΔΣΛ] 15-16 αληθές . . . ψευδός Σ Α Γ21 αντό Ba1' : [A]

Aristóteles

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Da Interpretação

IPrimeiro, há necessidade de precisar o que é o nome e o 16a l

que é o verbo, depois o que é a negação e a afirmação, a declaração e o discurso.1 Há os sons pronunciados que são símbolos das afecções na alma, e as coisas que se escrevem que são os símbolos2 dos sons pronunciados. E, para comparar, nem a escrita é a mesma para todos, nem os sons pronunciados são os mesmos, embora sejam 5

as afecções da alma - das quais esses são os sinais3 primeiros - idênticas para todos, e também são precisamente idênticos os objetos de que essas afecções são as imagens.

A respeito dessas coisas já se falou no livro Da Alma,4 cujo objeto de estudo é distinto. Há, por conseguinte, na alma, tanto o pensamento sem o ser falso ou o ser verdadeiro, quanto o 10

pensamento em que é necessário que subsista um ou outro desses, e da mesma maneira em relação aos sons pronunciados. O falso e o verdadeiro existem na composição e na separação.5 Os nomes e os verbos, por eles mesmos, parecem o pensamento sem composição ou separação, como homem ou branco, quando não se anexa alguma coisa a eles. Pois, de qualquer modo, nem são falsos nem 15

verdadeiros. E, com efeito, o bode-cervo6 significa alguma coisa, ainda que nem verdadeira nem falsa, se não se anexar a ela o ser ou o não ser, ou absolutamente, ou segundo o tempo.

IIO nome é um som articulado e significativo, conforme

convenção7 e sem o tempo, e do qual nenhuma parte separada é sig- 20 nificativa. Por exemplo, em kallippos, o hippos por si mesmo nada significa, como significa na expressão kalos hippos.& Todavia, o que ocorre com os nomes simples não ocorre com os nomes complexos. Naqueles, com efeito, de nenhum modo a parte é significativa. Nos últimos, ela quer dizer alguma coisa, mas, separada, nada significa, 25

como a palavra keles na expressão epaktrokeles.9

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πεπλεγμενοις· εν έκείνοις μεν γάρ ούδαμώς το μέρος ση- 2S μαντικόν, èv δέ το ύ το κ βούλεται, μεν, άλλ' ονδενός κεχωρι-

αμένον, οΐον èv τω ènτακτροκελης το κελης. το δέ κατά συνθήκην, o n φύσει τω ν ονομάτων ovSév εστιν, άλλ' οταν γένηται σύμβολον irrel δηλοΰσί γ έ τ ι κ α ι οί αγράμ­μ α το ι ψόφοι, οΐον θηρίων, &ν ovSev έστιν δνομα.—το

30 8’ ούκ άνθρωπος ούκ δνομα- ον μην ούδε κ ε ΐτα ι όνομα ο τ ι Seî καλεΐν αυτό , -ο ν τ ε γάρ λόγος ούτε άπόφ ασίς ε σ τ ιν - άλλ' εστω δνομα αόριστον, τ ο δ ε Φίλωνος ή Φίλωνι και οσα

16b το ια ΰ τα ούκ ονόματα αλλά π τώ σεις ονόματος, λόγος δε έστιν αύτοΰ τ α μεν άλλα κ α τ ά τ α αυτά , δτι δε μ ετά τοϋ εστιν ή ήν ή εσ τα ι ούκ αληθεύει η ψεύδεται, - τ ο δ ’ δνομα ά ε ί , - οΐον Φίλωνός εστιν η ούκ εστιν· ούδεν γάρ -πω ούτε άλη-

5 θεύει οϋτε ψεύδεται.'Ρήμα δ ε εστ ι το προσσημαινον χρόνον, ον μέρος ούδεν 3

σημαίνει χωρίς· εστι δέ τω ν κ αθ ’ έτερον λεγάμενων σημεΐον. λέγω δ’ δ τ ι προσσημαίνει χρόνον, οΐον ΰγίεια μεν δνομα, το δ’ ύγιαίνει ρήμα· προσσημαίνει γάρ το νυν νπάρχειν. και αε ί

ίο των υπαρχόντων σημειόν εστιν, οΐον των καθ' υποκείμενόν. —το δέ ούχ υγιαίνει κα ι το ού κάμνει ού ρήμα λέγω· προσσημαίνει μεν γάρ χρόνον κα ι άει κ ατά τίνος υπάρχει, τη διαφ ορά δέ δνομα ού κεΐτα ι- άλλ' εστω αόριστον ρήμα,

15 οτ ι ομοίω ς έφ' ότονονν υπάρχει, καί δντος και μη δντος. ομοίω ς δέ καί το ύγίανεν ή το ύγιανεϊ ού ρήμα, αλλά π τώ σ ις ρήματος' διαφέρει δε του ρήματος, δτι το μεν τον παρόντα προσσημαίνει χρόνον, τ α δέ τον π έρ ιξ .— αυτά μεν οΰν καθ' αυτά λεγάμενα τ α ρή μ α τα όνόματά

20 εστ ι κ α ι σημαίνει τ ι, - ϊσ τ η σ ι γάρ <5 λίγω ν την διάνοιαν,

24 το μέρος οιιΒαμώί Β 3° κΐϊται+ ye α : [Τ1] 3 2 αόριστον-]·(ex ΐό*315) οτι ομοίως . . . μη όντας ο ! *ο° όσο-)- άλλα Δ (s) 16^7εστι Sè] ko! êoriv ôeî ΒΔΣΛασ ίο υπαρχόντων] καθ' érépov λεγομένωνnB<d2Ma^: *s, Porph. teste Amm, I l ύττακαμίνου-τη èv ύποκαμένωηΒΓ'α^: “Porph. teste Amm. 13 Sè διαφορά BadF: [Τ'*] 16ύγιανεϊ . . . ύγίανεν Λ

Aristóteles

16» Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ

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Da Interpretação

A expressão “conforme convenção”10 quer dizer que nada por natureza pertence aos nomes, mas vem a pertencer quando se lorna símbolo, uma vez que mesmo os sons inarticulados, como os das feras, revelam algum significado, ainda que nenhum deles seja um nome. O não homem não é um nome. Com efeito, não 30

está instituído o nome a que caberia denominar isso. Em verdade,| o não homem] nem é primeira unidade do discurso nem é negação, mas seja ele, então, um nome indefinido. A expressão “de Filão”, ou “a Filão” e todas quantas são desse tipo não são nomes, mas 16b l casos do nome.11 E também em relação aos casos, todos os outros, a definição deles é a do nome. Com o “é”, o “foi”, ou o “será”, [o discurso] não é nem verdadeiro nem falso, por exemplo: o discurso “de Filão é ou não é” ainda não tem nada nem de verdadeiro nem de falso.12 Todavia, o nome13 [com o verbo] é sempre [discurso] verdadeiro ou falso. 5

IIIVerbo é o que agrega àquilo que ele próprio significa o

tempo e cujas partes nada significam isoladamente. E sempre é sinal das coisas que são ditas de outra coisa. Digo que agrega àquilo que ele próprio significa o tempo, como no exemplo seguinte: a saúde é nome, mas “tem saúde” é verbo. Agrega, com efeito, ao que significa o fato de agora subsistir.14 E sempre é sinal das coisas subsistentes, por exemplo, das coisas ditas de um sujeito. A expressão “não tem io saúde” ou a expressão “não apresenta fadiga” não chamo de verbo, ainda que agregue à sua própria significação o tempo e subsista sempre em alguma coisa, não está instituído o nome para essa diferenciação.15 Porém, seja isso um verbo indefinido, porque subsiste16 de maneira semelhante em qualquer coisa, tanto no que é 15quanto no que não é. E, de maneira semelhante, a expressão “tinha saúde” ou a expressão “terá saúde” não são verbos, mas casos do verbo. Elas diferem do verbo porque este agrega ao que ele próprio significa o presente, e elas, o que está ao redor dele.17 Aquelas que chamamos de verbos são, elas próprias e por si mesmas, nomes e significam alguma coisa. O que os diz expõe o pensamento, e o que 20ouve deteve o seu. Todavia, isso ainda não significa se [a coisa] é

J

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κ α ι ο άκούσας ήρεμησεν,— άλλ' el εστιν ή μή οϋηω σημαίνει· ού γάρ το είναι ή μη eivai σημεΐόν εστ ι τοΰ ■πράγματος, οι5δ’ εάν το ον ειπης φιλάν, αύτό μεν γάρ ούδεν εστιν, π ροσση μ αίνα δε σύνθεσίν τινα, ήν άνευ τω νσυγκείμενων ούκ εστι νοήσαι. 25

4- Λ όγος δε εστ ι φωνη σημαντική , ής τω ν μερών τ ι ση­μαντικόν εσ τ ι κεχωρισμενον, ώ ς φάσις άλλ’ ούχ ώς κατά - φασις. λέγω δε, οΐον άνθρωπος· σημαίνει τ ι , άλλ' ούχ δτι εστιν η ούκ εστιν (άλλ' εσ τα ι κ ατάφ ασ is ή άπ ό- φασις εάν τ ι ττροστεθη)· άλλ' ούχ ή τοΰ άνθρωπον συλ- 3° λαβή μία- ονδε γάρ εν τ ω μΰς· το νς σημαντικόν, άλλα φωνη εσ τ ι νυν μόνον, εν δε ro t? διπλοΐς σημαίνει μεν, άλλ’ ού καθ' αύτό, ώ σπερ εϊρη τα ι. εστ ι δέ λόγος άπ ας μεν σημαντικός, ούχ ώς οργανον δε, άλλ’ ώ σπερ εϊρη τα ι κατά 17aσυνθήκην άποφαντικός δέ ου π α ς , άλλ' εν φ το άληθευεινή φεύδεσθαι υπάρχει· ούκ εν ά π α σ ι δέ υπάρχει, οΐον ή εύχή λόγος μεν, άλλ' οΰτ' αληθής οϋτε ψευδής, oi μεν ουν άλλοι άφ είσθω σαν, -ρητορικής γάρ η ποιητι- 5 κής ο ίκειοτερα ή σκεφ ις,— ό δέ αποφ αντικός της νυν θεωρίας.

5 "Εστι δε εις πρώ τος λόγος αποφαντικός κατάφ ασις, ε ΐτα άπόφ ασις· ο ί δέ άλλοι συνδεσμω εϊς. ανάγκη δέ πάντα λόγον αποφαντικόν εκ ρήματος εΐναι ή π τώ σ εω ς- 10κ α ι γάρ ο τοΰ άνθρωπον λόγος, εάν μή το εστιν ή εστα ι ή ήν ή τ ι τοιοΰτο π ροστεθη , οϋπω λόγος αποφαντικός (διότι δε εν τ ί εστιν άλλ' ού πολλά το ζωον πεζόν δίπουν,

22 ού] ουδέ ηΒα^: °Porph.: [Δ] ή μή ΐϊναι post πράγματος (23)pos. 4aFa°,?jT 23 eíwijs+aürò aFa c : + καθ' atírò η 27; -f-αύτό καθ’αύτό 26 Sé om. 27a^(s) 28 <τημαίνα-\-μεν ΔΣ;*acs 3° °νχ v] °νκ « Δ : ούχι Β α ,ΐΣ Δ Γ: *α° 33 προείρηταιηΒΔ I7 a9 άλλοι-\-ττάντίς ΊίΔΣα^ ίο τηώσεως-\·ρήματοςηΒΣα II λόγος om. Boethii exemplar: βα®9 ίστιν-\-·η το ούκ eanv Σ α ° : es 12 fjv ή εσται Βα^; ίσ τα ιΑ : *s 13 δή aF, ίΣ ;om. Γ·. \

Aristóteles

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ I6t>

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Page 14: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

ou não é.18 Com efeito, [dizer] o ser ou o não ser não é sinal19 do que subsiste20 nem mesmo se dissesses simplesmente aquilo que é. De fato, por ele próprio o ser não é nada, mas agrega àquilo que ele já significa alguma composição, a qual é impensável sem os componentes.

IVO discurso é som articulado e significativo; uma de suas

partes, separadamente, é significativa, como expressão, mas não como afirmação21 [ou negação]. Digo, por exemplo, que a expressão “homem”22 significa alguma coisa, mas não que é ou não é (todavia, será afirmação ou negação se alguma coisa lhe for aposta). Porém, uma sílaba da expressão “homem” não tem significado, nem na expressão “rato” ou “to”, mas é simplesmente um som articulado. Nas palavras compostas, a sílaba tem significado, mas não por si mesma, conforme já tinha sido dito. Todos os discursos são significativos, não como ferramenta,23 mas, como já tinha sido dito, por convenção; nem todo discurso é declaratório,24 mas apenas aquele em que subsiste o ser verdadeiro ou o ser falso. Com efeito, [o ser verdadeiro ou o ser falso]25 não subsiste em todos. Por exemplo, a prece é discurso, mas não é nem verdadeira nem falsa. Deixemos os outros discursos, pois o exame deles é mais próprio da retórica e da poética. Porém, o declaratório é próprio deste estudo.

VÉ a primeira unidade de discurso declaratório26 a afirmação,

em seguida a negação. Todos os outros discursos [declaratórios] são unos pela ligação entre aqueles.27 Há necessidade de que todo discurso declaratório decorra do verbo ou de um caso dele. Com efeito, o discurso do homem, se não lhe for aposto o “é”, o “será” ou o “foi”,28 ou alguma coisa desse tipo, ainda não é discurso declaratório (e por que29 é um o animal-pedestre-bípede e não múltiplo? Com efeito, não é pelo fato de as expressões terem sido ditas na sequência que constituem um mesmo discurso). Todavia, cabe a outra disciplina tratar disso.30

Page 15: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

-ο ν γάρ δη τω σύνεγγυς ειρήσθαι εΐς εσται.,- εστι δε άλλης15 τοϋτο π ραγ μ ατείας είπεΐν). εσ τ ι δέ εΐς λόγος αποφαντικός fj

6 ev δηλων ή 6 συνδέσμψ εΐς , πολλοί δε ο ΐ πολλά καί μη εν η ο ί ασύνδετοι, το μεν οδν ονομα κα ί τό ρήμα φάσις εστω μόνον, έπ εί ούκ εστιν είπεΐν οίίτω δηλονντά τ ι τη φωντ) ώ α τ άποφ αίνεσθαι, η έρω τώ ντός τίνος, η μη άλλ* αυτόν

20 προαιρούμενον. τούτων δ* ή μεν απλή εστιν άπόφανσις, οΐον τ ι κ α τ ά τινός η τ ι από τινός, η δ ’ εκ τούτων συγκείμενη, οΐον λόγος τ ις ηδη σύνθετος.

Ε σ τ ι δ’ η μεν απλή άπόφανσις φωνή σημαντική περίτου ει υπάρχει τ ι η μη υπάρχει, ώς οί χρόνοι διήρηνται·

25 κατάφ ασις δ ε εστιν άπόφανσις τίνος κ α τά τινός, άπ ό- 6 φασις δε εστιν άπόφανσις τίνος άπ ό τινός. έπ εί δέ εστ ι καί τό ύπαρχον άποφαίνεσθαι ώ ς μ~η ύπαρχον κ α ί τό μη ύπαρχον ώ ς ύπαρχον κα ί τό ύπαρχον ώς ύπαρχον καί τό μη ύπαρχον ώ ς μη ύπαρχον, κ α ί περί τους εκτός δέ

30 του νΰν χρόνους ώ σαύτω ς, άπ αν αν ένδέχοιτο κα ί δ κατέφησέ τ ις άποφ ήσαι κα ί δ άπεφ ησε καταφ ήσα ι· ώ σ τε δήλον δτ ι π άση καταφ άσει εστιν άπόφ ασίς άντικειμένη κα ί πάση άπ οφ άσει κατάφ ασις. κα ί εστω άντίφασις τοΰτο, κατάφ α- σις καί άπόφ ασίς α ι άντικείμεναι' λέγω δέ άντικεΐσθαι

35 την του αύτοΰ Κατά τον αντοΰ, -μ η όμωνύμως δέ, κα ί οσα αλλα τω ν τοιούτω ν προσδιοριζόμεθα προς τά ς σοφ ιστικάς ενοχλήσεις.

Έ π ε ι δ έ εσ τ ι τ ά μεν καθόλου τω ν πραγμ άτω ν τ ά δε 7 καθ ’ έκαστον , -λ έγ ω δέ καθόλου μεν δ επ ί πλειόνων πέφυκε

4ο κατη γορεΐσθα ι, κ αθ ’ έκαστον δέ ο μή, οΐον άνθρωπος μέν 171> τώ ν καθόλου Κ αλλίας δε τω ν καθ' έκ α στο ν ,- ανάγκη δ’

14 -15 τοΰτο ante άλλη; pos. ΣαΡ: post πραγματεία! Β : : [ΛΓ\ I ζηοια.ΛΓ·. #ocs 17 «αϊ]η B Ji?r'ad alt-τόom. B Ja d : [ΣΛΓ] ι8 cttciSt) : [Τ '] 23 μεν om, Γ,ΪΑΛ 24 «om . BdAa: *ac ΰπάρχεινbis Β, : *ac : [yl] 25 Se . . . άττόφασις om. n 26 εστιν om. AT30 χρόνου nBaA 31 άπέφησε+τκ nAA 17^1 S'] fSr/ ΒΓ:om. ΑΣ

17* Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ

Page 16: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

O discurso declaratório ou expressa uma única coisa, ou é um pela conjunção, mas os discursos múltiplos são aqueles que expressam muitas coisas e não uma única coisa, ou são aqueles que são assindéticos.31 Seja, portanto, apenas uma fórmula de expressão o nome e o verbo, uma vez que não é possível, por sons articulados, a exprimir somente um deles, assertar de maneira que se chegue a um discurso declaratório, como quando alguém pergunta ou não, mas um outro dá o seu próprio julgamento.

Dos discursos declaratórios, uma parte é declaração sim­ples, como dizer alguma coisa de alguma coisa ou negar alguma 20 coisa de alguma coisa; a outra parte é a composição destas últimas, por exemplo, um discurso já composto.

E é a simples declaração com som articulado e significativo a respeito do seguinte: se alguma coisa subsiste ou não subsiste [em outra coisa] conforme os intervalos do tempo.32

VIA afirmação é a declaração de que alguma coisa se refere

a alguma coisa e a negação é a declaração de que alguma coisa 25

está fora da relação com alguma coisa. Como é possível também declarar o que subsiste como não subsistente, o que não subsiste como subsistente, o que subsiste como subsistente e o que não subsiste como não subsistente (e da mesma forma a respeito do tempo exterior ao que é agora),33 tudo aquilo que se afirmou poderia 30

ser negado e tudo aquilo que foi negado alguém poderia afirmar.Por conseguinte, é evidente que, para toda afirmação, há uma negação que se lhe opõe, e para toda negação, há uma afirmação.Seja a contradição isto: a afirmação e a negação que se opõem.Digo que se opõem [como discursos declaratórios34 afirmar e negar] a mesma coisa de uma mesma coisa; não homonimamente, 35

e [considerando] todas as outras restrições que tais35 por onde afastamos os embaraços sofísticos.

VIIMas, uma vez que, dentre as coisas existentes, umas são

universais, outras singulares, denomino de universal aquilo que

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άποφ αίνεσθαι ω ς υπάρχει, τ ι ή μη , ότε μεν τω ν καθόλου τινί, ότ ε δε των καθ' έκαστον, èàv μεν οΰν καθόλου άποφαίνη- τ α ι in i του καθόλου ότ ι υπάρχει η μη, εσονται εναντίαι αποφ άνσεις , -λ έγ ω δέ επ ί τοΰ καθόλου άποφ αίνεσθαι καθ- 5 όλου, οΐον π α ς άνθρωπος λευκός, ούδείς Άνθρωπος λευκός·- οταν 8è επ ί των καθόλου μεν, μη καθόλου δέ, ούκ είσίν εναντίαι, τ α μέντοι δηλούμενα εστιν είναι εναντία, -λ εγ ω dè το μη καθόλου άποφαίνεσθαι επ ί τω ν καθόλου, οίον εστ ι λευκός Άνθρωπος, ούκ εστι λευκός Άνθρωπος· καθόλου γάρ οντος χο τοΰ Άνθρωπος ούχ ώ ς καθόλου χρήται τη άποφάνσει· το γ ά ρ π α ς ού το καθόλου σημαίνει αλλ’ οτ ι κ α θ ό λ ο υ ε π ί δε τοΰ κατηγορουμένου rò καθόλου κατηγορειν καθόλου ούκ εστιν αλη­θές· ούδεμ ία γ ά ρ κατάφ ασις εσ τα ι, εν fj τ οΰ κατηγορου­μένου καθόλου τ ο καθόλου κατηγορηθησεται, οΐον έστ ι π α ς ΐ5 Άνθρωπος παν ζωον. ι6

Ά ντικείσθαι μεν οΰν κατάφ ασιν άττο- ι6 φ άσει λέγω άντιφ ατικως την το καθόλου σημαίνουσαν τω αύτω οτ ι ού καθόλου, οΐον π α ς Άνθρωπος λευκός - ού π ας Άνθρωπος λευκός, ούδείς Άνθρωπος λευκός — εσ τ ι τ ις Άνθρω­π ος λευκός· εναντίως δ ε την τοΰ καθόλου κατάφ ασιν κ α ί 20

την τοΰ καθόλου άπόφασιν, οΐον π α ς Άνθρωπος δ ίκαιος - ούδείς Άνθρωπος δίκαιος· διό ταυτας μεν ούχ οϊόν τ ε Άμα αληθείς ε ί­ναι, τ ά ς δε άντικειμένας αύ τα ΐς ενδέχεται επ ί τοΰ αύτοΰ, οΐον ού π α ς Άνθρωπος λευκός, κ α ί εσ τ ι τ ις Άνθρωπος ζ5 λευκός. οσα ι μεν οΰν αντιφ άσεις των καθόλου είσί καθόλου, ανάγκη την ετέραν άληθη εΐναι η φευδη, κα ί

3 αΰν om. n.Tas 4 iiráp\ei-\-n nBas 5 a‘ άττοφάνσας a*'s i [.S/LT] άποφαίνίοθαι] άπάφανσιν 7 ante ούκ add. αΰταιμάν ηΒαΑ : as 8 ίναντία] ττοτε έναντ. Σας : ίναντ. -ποτέ Β 1 1 κέ-χρηται Βα: [7^] άποφάσα ηα 13 κατηγορουμένου-^- καθόλουΛας alt. καθόλου om. α : ° s 14 κατάφασκ-Ι-άληθής aAs : *sc15 κατηγορείται ΒΔΛα^·. *s 17 άντίφαντίκως η: άποφαντ. quidamteste Porph. : *ac 19 &m om. Γ ai ή iras . . . rfj oiSels n 23 ένίέχΐται.'-}-wore ηαΑ: *n° aùroû-\-άληθεναν α οΐον om. ΔΣ26 etm-f-íúr Γ : βα°

Aristóteles

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 17b

ΙΟ

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Da Interpretação

naturalmente é predicado em muitas coisas, e de singular aquilo que não é, por exemplo: homem pertence às coisas universais e Cálias às singulares. Também é necessário declarar que alguma 40coisa subsiste ou não subsiste, ora em alguma coisa universal ora 17b 1em alguma coisa singular.36 Se, portanto, for declarado, de maneira universal, a respeito do universal,37 que [nele alguma coisa] subsiste ou não subsiste, serão declarações contrárias.

Digo que se declara do universal universalmente [que nele 5alguma coisa subsiste ou não subsiste], como no caso seguinte: “todo homem é branco”38 // nenhum homem é branco; mas, quando as declarações a propósito do universal não são feitas universalmente,39 elas não são contrárias, a despeito de as coisas reveladas poderem ser contrárias.40 Digo que não se faz declaração, de maneira universal, a respeito do universal, nos exemplos seguintes: “um homem é branco” // “um homem não é branco”.41 Com efeito, 10mesmo sendo universal, o homem não é utilizado universalmente na declaração. Com efeito, o todo não significa o universal, mas [que o universal] é considerado de maneira universal.42

Não é verdadeiro atribuir o universal43 universalmente ao predicado. Com efeito, não haverá nenhuma afirmação na qual o universal será atribuído universalmente ao predicado, por 15 exemplo: todo homem é todo animal.

Digo, portanto, que a afirmação44 e a negação se opõem de modo contraditório, quando a [primeira] significa a coisa universal [tomada universalmente], em face do mesmo aspecto, enquanto na segunda [a mesma coisa universal é considerada de maneira não universal em face do mesmo aspecto], por exemplo: “todo homem é branco” // “nem todo homem é branco”; “nenhum homem é branco” // “algum homem é branco”. Chamo de afirmação do universal e negação do universal [opostas] de modo contrário, por 20exemplo: “todo homem é justo” // “nenhum homem é justo”. Por isso essas [declarações] não podem ser simultaneamente verdadeiras, ainda que as que a elas se opõem possam ser verdadeiras simultaneamente em relação a uma mesma coisa, por exemplo:“nem todo homem é branco” // “algum homem é branco”. Quando 25 todas as contradições45 são sobre coisas universais e de maneira

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Aristóteles

οσ α ι έπ ί τω ν καθ’ εκ α στα , oîov έστι Σ ω κράτη ς λευκός - ούκ έστ ι Σ ω κράτη ς λευκό?· δ σα ι δ’ επ ί τω ν καθόλου μη καθ-

30 όλου, ούκ ά ε ί ή μεν αληθής ή δέ ψευδής· - άμα γάρ αλη­θές εστιν ehretu ότ ι έστιν άνθρωπος λευκός κ α ι ότ ι ούκ εστιν άνθρωπος λευκός, καϊ έστιν άνθρωπος καλός κ α ί ούκ έστιν άν­θρω πος καλός· ei γάρ αισχρός, κα ί ού καλός· κα ί εΐ γίγνεταί τ ι , κα ί ούκ εσ τ ιν .- δόζειε δ ’ αν έζαίφνης άτοπον εΐναι δ ιά το

35 φαίνεσθαι σημαίνειν τό ούκ εσ η ν άνθρωπος λευκός άμ α και οτι ούδείς άνθρωπος λευκός· τό δέ οΰτε ταύτόν σημαίνει οΰθ’ άμ α εξ ανάγκης.—φανερόν δ’ οτ ι κα ϊ μ ία άπόφ ασις μ ιας καταφάσεως· τό γάρ αυτό δ ε ι άποφ ήσαι την άιτόφασιν όπερ κατέφησεν

40 ή κατάφ ασις , κ α ί άπό τοΰ αύτοΰ, ή τω ν καθ ’ εκαατά l8 a τίνος ή απ ό τω ν καθόλου τινός, ή ώ ς καθόλου ή ώ ς μή καθόλου·

λέγω δε οΐον έστι Σ ω κράτη ς λευκός — ούκ έστ ι Σ ω κράτη ς λευ­κός (èàv δε άλλο τ ι ή α π ’ άλλου το αύτό, ούχ ή άντικει- μένη άλλ' έσ τα ι εκείνης έτερα), τη δε π ας άνθρωπος λευκός

5 ή ού π α ς άνθρωπος λευκός, τη δε τι? άνθρωπος λευκός ή ού- δε'ις άνθρωπος λευκός, τη δε εστιν άνθρωπος λευκός ή ούκ εστιν άνθρωπος λευκός.

"Ο τι μεν οΰν μ ία κατάφ ασις μ ια άπ οφ άσει άντίκειται άντιφ ατικω ς, κ α ι τίνες είσιν aurai, ε ’ίρηται, κ α ι οτι a i

ίο εναντίαι άλλαι, κ α ι τίνες είσιν αΰτα ι, κ α ί οτ ι ού π ά σ α αληθής η ψευδής αντίφασις, κ α ι διά τ ί, κ α ί π ό τε αληθής ή ψευδής, μ ία δ έ έστι κατάφ ασις και άπόφ ασις ή εν καθ ’ ενός 8 σημαινουσα, ή καθόλου οντος καθόλου ή μή ομ οίω ς, οΐον πας

5 άνθρωπος λευκός εστιν - ούκ έστ ι πας άνθρωπος λευκός, εστιν άνθρωπος λευκός - ούκ εστιν άνθρωπος λευκός, ούδείς άνθρωπος λευκός - έσ τ ι τ ις άνθρωπος λευκός, ei τό λευκόν εν σημαίνει, ei δ έ Sveîv êv δνομα κ ειτα ι, έξ &ν μή εστιν έν, ού μ ία κατά-

2g καθόλου μίν (μεν om. aoF) μη καθόλου Sé ηΒα^ i 8 al μη ώϊ η Γ : *α°: [Λ] 8 μια καταφάαα μία άπόφασις Σ : μία άπάφ. μια καταφ. Δ :μια άποφ. μία κατάφ. Λα^ ιο αΰται-\-εϊρηται ηΒ2 : *α° ι8 οι!]ot5/c εστιν ης,?Λ κατάφασις-}- ούδί άπόφασις μία ΔΣαΡ

17b Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ

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Da Interpretação

universal, é necessário que uma das declarações seja verdadeira e a outra, falsa, e, da mesma forma, em relação às coisas singulares: “Sócrates é branco” // “Sócrates não é branco”.

Quanto a todas as declarações referentes a coisas universais e não consideradas de maneira universal,46 não se lhes aplicará sempre o verdadeiro e o falso. Simultaneamente é verdadeiro dizer que “um homem é branco” e que “um homem não é branco”, e que “um homem é nobre” ou que “um homem não é nobre”. Com efeito, se o homem é vil, ele também não é nobre; e se ele está se tornando alguma coisa, ele não é essa coisa. Poderia parecer, em uma momentânea consideração, um disparate [isso que se disse] pelo fato de “um homem não é branco” parecer significar, ao mesmo tempo, que “nenhum homem é branco”. Mas [essas declarações] não significam o mesmo nem são simultâneas necessariamente 47

É evidente que uma negação corresponde a uma afirmação. Com efeito, é necessário a negação negar a mesma coisa que a afirmação afirma e da mesma coisa [sujeito], ou de alguma das coisas singulares ou de alguma das universais, ou consideradas universalmente ou não consideradas universalmente.48 Digo, por exemplo, “Sócrates é branco” // “Sócrates não é branco” (se a mesma coisa49 - ou uma outra coisa - fosse negada de uma outra coisa, não haveria declaração oposta, mas uma negação diferente daquela). A declaração “todo homem é branco” é oposta à declaração “nem todo homem é branco”; as declarações “um homem é branco” e “nenhum homem é branco” se opõem; por sua vez se opõem “o homem é branco” e “o homem não é branco”.

Já se tinha dito, portanto, que uma afirmação se opõe à negação contraditoriamente e quais declarações são essas, e que as contrárias são distintas e quais são essas, e que nem toda contradição encerra uma declaração falsa e outra verdadeira,50 e por quê, e quando encerra uma declaração falsa e outra verdadeira.

VIIIHá apenas uma afirmação51 ou negação [contraditórias]

para significar uma coisa de uma coisa,52 sendo o universal considerado universalmente ou não sendo dessa forma, por exemplo: “todo homem é branco” // “nem todo homem é branco”;

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Aristóteles

φασις· οΐον ε ϊ τ ις θεΐτο ονομα ίμάτιον ΐππ ψ κ α ί άν­θρωπο), τό έστιν ίμάτιον λευκόν, αυτή αν μ ία κατάφ ασις 2ο [ουδέ άπόφ ασις μ ία ]· αΰδέν γάρ διαφ έρει τοΰτο είπεΐν η 'έστιν Ιππος κ α ι άνθρω ποί λευκό?, τοντο δ’ ούδέν διαφέρει τον είπεΐν έστιν ίππος λευκός κ α ι έστιν άνθρωπος λευκό?, εί οΰν αΰ τα ι πολλά σημαίνουσι καί είσι πολλαί, δήλον οτι και η πρώ τη ήτοι πολλά η ούδέν σημαίνει, -ον' γ άρ έστιν τ ις ζ$ άνθρωπος ίπ π ος ·- ω στε ούδ’ εν ταύτα ις ανάγκη την μεν αληθή την δε φενδή είναι άντίφασιν.

Έ π ϊ μεν οΰν των οντων καί γενομένων ανάγκη την κ ατά - φασιν ή την άπόφασιν αληθή ή φενδή είναι- κ α ι επ ί μεν τω ν καθόλον ώ ς καθόλον α ε ί την μεν αληθή την δέ φενδή 3° κα ι επί των καθ' έκ α στα , ώ σπερ εϊρηται· επ ί δέ τωνκαθόλον μή καθόλον λεχθέντων ονκ ανάγκη· εϊρη τα ι δέ καί π ερ ί τούτω ν.—έπ ι δέ των καθ ’ έκ α στα καί μελλόντων ούχ ομοίω ς, ε ί γάρ π ά σ α κατάφ ασις ή άπόφ ασις αληθής τ) φενδής, κα ι άπαν ανάγκη ή ύπαρχειν ή μή ύπαρχειν· ε ί γ άρ ό μεν 35 φήσει εσ εσθ α ί τ ι ό δέ μή φήσει τό αυτό τοντο , δήλον οτιανάγκη άληθεύειν τον έτερον αύτων, ε ί π ά σ α κατάφ ασιςάληθής ή φενδής· άμφω γάρ ούχ υπάρξει ά μ α έπ ι το ΐς τοιούτοις. ε ί γάρ αληθές είπεϊν οτ ι λευκόν ή ονλευκόν έστιν , άνάγκη είναι λευκόν ή ον λευκόν, κ α ι ε ί 18*5έ'στι λευκόν ή ον λευκόν, αληθές ήν φάναι ή άποφάναι· καιεί μή νπάρχει, ψ εύδεται, καί ε ί ψ εύδεται, ούχ υπάρχει· ω σ τ ’ άνάγκη την κατάφ ασιν ή την άπόφασιν αληθή είναι. ούδέν άρα ούτε εστιν οϋτε γ ίγνεται ούτε από τύχης οϋθ' 5οττοτςρ €τυχεν, ουο ζστα ι η ονκ βσται, αλλ εξ αναγκης ατταν-

19 θείη το Βα°Α: [Τ*] 2 2 τ)] η ότι Β,ί Γ : ότι Δα^: οιη. αΑ: [£]25 ήτοι] ή α ; [Τ*] 2η άντίφασιν εΐναι τια^^ΔΛ 29 καί οιη.ΓοΑ 3° ώί καθόλον οιη. ηΓ1:*®0 φευδτ/-{-είναι Β 32 λεχθέντωνμη καθόλου Δα ληφθεντων η 34 ή] και : βα Α 35ρΓΐιΐ3 η οιη. ηΒα^; εί να/)] εί &η α \ }Δ : εί δε : ώστε εί ηΒ; ίουτωϊ εΙΣ 37 κατάφασις-\-η (και Δ) άπόφασις: ΔΣα 39 ί+ ότι ηΒ 18* 2 ήν-\-ή Σ Λ : *α° 4 ο-νάγκη+ή ΣΛ(α°Α·) είναι+ή ψευδή ηΒΔΣα^

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 18*

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Da Interpretação

“o homem é branco” // “o homem não é branco”; “nenhum homem é branco” // “um homem é branco” - se o branco significa nessas proposições sempre um mesmo. Porém, se um mesmo nome que se coloca tem duas acepções, as quais não remetem a uma mesma coisa, não há apenas uma afirmação. Assim, se se aplicar o nome himátion53 a cavalo e a homem, então “é o himátion branco” não 20 significa apenas uma única afirmação (nem uma única negação).Com efeito, dizer isso em nada difere de dizer que o cavalo e o homem são brancos, e dizer isso também em nada difere de dizer que o cavalo é branco e que o homem é branco. Se então essas [proposições] significam várias coisas e são [proposições] diversas, é evidente que a primeira significa ou várias coisas ou nada, pois 25 não existe um homem cavalo. Por conseguinte, nesses casos não é necessário que a contradição encerre o verdadeiro e o falso.

IXA respeito das coisas que são ou que já foram, é necessário

que a afirmação (ou a negação) seja verdadeira ou falsa. Quanto às proposições universais, se consideradas universalmente, sem­pre [é necessário] que uma seja verdadeira e a outra, falsa.54 30 O mesmo ocorre com as singulares.55 Isso conforme já se dissera. Todavia, no que concerne às coisas universais, desde que não sejam ditas universalmente, não é necessário que isso ocorra. Também a respeito disso já se tinha falado. Esse não é o caso das coisas singulares que acontecerão. Se, com efeito, toda afirmação (ou toda negação) ou é verdadeira ou é falsa, é necessário que toda coisa subsista ou não subsista. Se, com efeito, fulano disser 35 que uma certa coisa ocorrerá, e se sicrano disser que essa mesma coisa não ocorrerá, é evidente que um dos dois está com a verdade, necessariamente - afinal, toda afirmação é verdadeira ou falsa. No que concerne a tais coisas, ambas, com efeito, não podem subsistir simultaneamente. Com efeito, se é verdadeiro dizer que o branco ou o não branco é, é necessário que o branco ou o não branco seja, 1 8b l e se é branco ou não branco, era verdadeiro afirmá-lo ou negá-lo.E se o branco não subsiste, há erro na proposição; e se há erro, o branco não subsiste. Por conseguinte, é necessário que a afirmação (ou a negação) seja verdadeira.

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Page 23: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

τα κ α ί ούχ όπότερ' ετυχεν (η γάρ ο φας αληθεύει ή ό άττο- φάς)· ομοίω ς γάρ αν εγίγνετο η ούκ ίγίγνετο- το γάρ όπότερ' ετυχεν ούδεν μάλλον ούτως ή μη ούτως 'έχει ή εξει.—ετι ε ί Ισ τ ι

ίο λευκόν νυν, αληθές ήν είπειν πρότερον ότ ι εστα ι λευκόν, ώ στε άεί αληθές ήν είπειν ότιοϋν των γενομένων ότι εσται· ε ί δ’ αεί αληθές ήν είπειν ότι έστιν ή εσ τα ι, ούχ οΐόν τ ε τοΰτο μη είναι ούδέ μη εσεσθαι. ο δε μη οΐόν τ ε μη γενέσθαι, αδύνατον μη γενέσθαι- ο δε αδύνατον μη γενέσθαι, ανάγκη γενέσθαι· άπαντα

15 οΰν τά έσόμενα άναγκαΐον γενέσθαι. ούδέν άρα οπ ότερ ’ ετυχεν ούδ' απ ό τύχης εσται· ε ί γάρ απ ό τύχης, ούκ έξ ανάγκης.— αλλά μην ούδ' ώ ς ούδέτερόν γ ε αληθές ενδέχεται λέγειν, οΐον ότι οϋτ εσ τα ι ούτε ούκ εσται. πρώ τον μεν γάρ οϋσης της κ α τα - φ άσεω ς φευδοΰς ή άπόφ ασις ούκ αληθής, κα ί ταυτης φευδοΰς

2ο οϋσης την κατάφ ασιν συμβαίνει μη αληθή είναι, κα ί προς τουτοις, εί αληθές ε'ιπεΐν ότι λευκόν κ α ί μέλαν, δ ε ι άμφω ύπαρχε ιν, εί δε ύπάρξειν εις αϋριον, υπάρξει εις αϋρ ιον ει δε μήτ εσται μήτε μή εστα ι αϋριον, ούκ αν εϊη το όπότερ' ετυχεν, οΐον ναυ-

25 μαχία· δέοι γάρ άν μήτε γενέσθαι ναυμαχίαν μ ήτε μή γενέσθαι.Τ ά μεν δη συμβαίνοντα άτο π α ταΰ τα καί τοιαϋθ' έτερα,

εΐπ ερ πάσης καταφ άσεω ς κα ί άποφάσεως, ή επ ί των καθ­όλου λεγομένων ώς καθόλου ή επ ί των καθ' εκ α στα , ανάγκη τω ν αντικειμένων είναι την μεν αληθή την δε φευδή, μηδέν

3ο δε όπότερ' ετυχεν εΐναι εν το ΐς γιγνομένοις, άλλα πάντα εΐναι κα ί γίγνεσθαι έξ ανάγκης, ώ στε αΰτε βουλευεσθαι δέοι άν οϋτε π ραγμ ατεόεσθαι, ώ ς εάν μεν τοδ ί ποιήσω μεν, εσται τοδ ί, εάν δε μή τοδ ί, ούκ εσται. ούδέν γ άρ κωλύει εις μυριοστόν ετος τον μέν φάναι τοΰτ εσεσθαι τον δέ μή φά-

7 αληθεύσει αά II γινομένων ηα: [Τ'] 15 άναγκαΐον-\-ήνηΔ,ίΛ 20 καί πρόί] ττρόΐ δέ η: [ΔΛ] 2 1 μέγα ηΒΛα 2 2 ύπάρξαν] -ξα Λα: [Β.ΣΓ] νπάρξει] ~ξαν 4αΛ: -χαν Λ: [Β£Γ] 23άς αϋριον ΔΣα? ·. #α° 2 ζ γίγνεσθαι 1)13 η : [Τ’] ναυμαχίαν+ αϋριον α βΐί. να>εσ0οι+ ναυμαχίαν ΔΛΓ' 2 & λεγομένων ή ροδ. Σ έκαστον Β; [Τ’] 33 «τται+τοδί ΒααΓΑ κωλΰει-τκαιΒα:·[Τ*]

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Da Interpretação

Nada, então, é nem surge por acaso56 e nada poderia ser de uma maneira indefinida, em que fosse e não fosse, mas todas as coisas aconteceram da necessidade e não de uma maneira indefinida (ou o que afirma diz a verdade, ou o que nega), como uma coisa que poderia ter ocorrido ou não ter ocorrido. Com efeito, a expressão “ocorrer de uma maneira indefinida” nada mais [significa] que [alguma coisa] pode ser ou poderá ser dessa forma ou de outra forma.

Demais, se existe o branco agora, seria verdadeiro dizer anteriormente que ele existirá, de modo que fosse então sempre verdadeiro dizer antes das coisas já terem acontecido que serão. Porém, se fosse sempre verdadeiro dizer que alguma coisa é ou será, isso não pode não ser nem não vir a ser. E se alguma coisa não pode não acontecer, é impossível que não aconteça. Aquilo que é impossível não acontecer, é necessário que aconteça. Portanto, todas as coisas futuras necessariamente acontecerão. Nada, por conseguinte, poderia suceder de uma ou de outra forma, nem nada virá a ser pelo acaso. Com efeito, se sucede pelo acaso, não sucede da necessidade. Todavia, pode-se dizer que nenhuma das duas hipóteses é verdadeira, por exemplo: que será ou que não será. Primeiramente, mesmo sendo falsa a afirmação,57 a negação não é verdadeira, e, sendo esta falsa, sucede não ser a afirmação ver­dadeira. Além disso, se é verdadeiro dizer que uma coisa é branca e negra,58 é necessário que ambas [as cores] subsistam em um mesmo. E se subsistirão amanhã, será verdadeiro dizer que subsis­tirão amanhã. E se nem será nem não será amanhã, não se poderia dizer que aquilo pudesse suceder de uma maneira indefinida como uma batalha naval. Com efeito, seria necessário que nem pudesse acontecer a batalha naval nem pudesse não acontecer.

Essas e outras coisas desse gênero são os absurdos que sucedem, se de fato é necessário ser uma das opostas verdadeira e a outra, falsa (para toda afirmação ou negação, quer a propósito das coisas ditas universais e tomadas universalmente, quer a propósito das coisas singulares), e nada pudesse acontecer de uma ou de outra forma no vir a ser, mas todas as coisas serem e virem a ser da necessidade. Por conseguinte, nem seria necessário deliberarmos,

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Aristóteles

ναι, ώστε εξ ανάγκης εσ εσθ αι οπότερον αυτών αληθές ήν 35

είπειν τότε. άλλα μην ουδέ τοϋτο διαφέρει, ε ΐ n v es ehrav την άντιφασιν ή μη εΐιτον· δήλον γάρ οτ ι ούτω ς εχ ει τα. π ρά γ μ α τα , καν μή δ μεν καταφ ήση ό δε άττοφήστ/· ού γάρ διά το καταφ άναι ή άττοφάναι εσ τα ι ή ούκ εσ τα ι, ούδ’ εις μυριοστόν έτος μάλλον η εν όττοσωοϋν χρόνοι, ω α τ ε ί εν άτταντι 19* τω χρόνω οϋτω ς εΐχεν ώστε τό έτερον άληθεύεσθαι, άναγκαΐον ήν τοντο γενεσθαι, κα ί έκαστον τω ν γενομένων α ε ί οΰτω ς εχειν ώστε? εξ ανάγκης γενεσθαι· ο r e γάρ αληθώς ε ίπ ε τ ις οτ ι εστα ι, ούχ οΐόν τ ε μη γενεσθαι· κ α ί το γενόμενον αληθές ήν 5

είπειν α ε ί οτ ι εσται.Ε ί δή τ αϋ τα αδύνατα, -όρώ μ εν γάρ ο τ ι εστιν αρχή

των έσομένων κα ί απ ό τον βουλεύεσθαι κα ί από τον π ρ α ξα ΐ τ ι, κα ί ο τ ι δλως εστιν εν το ις μή αεί ενεργοΰσι τό δυνατόν εΐναι κ α ί μ ή , εν ο ϊς αμφω ενδέχεται κα ί τό είνα ι κ α ί τό ίο μή εΐναι, ώ σ τε κ α ί τό γενεσθαι κ α ί τό μή γενεσθαι· καί πολλά ήμϊν δήλά εστιν οϋτω ς εχοντα, οΐον ο τ ι τουτί τό ίμάτιον δυνατόν έσ τ ι διατμηθήναι κα ί ού δ ιατμηθήσεται, άλλ’ έμπροσθεν κατατριβή σεται· ομ οίω ς δε κ α ί τό μή δ ιατμ η- θήναι δυνατόν ου γάρ αν υπήρχε τό εμπροσθεν αύτό κ α τ α - ϊ 5 τριβήναι, ε ’ίγ ε μή δυνατόν ήν τό μή διατμηθήναι· ώ στε κ α ί επ ί των άλλων γενέσεων, οσ α ι κατά δύναμιν λέγονται τήν τοιαντην— φανερόν άρα οτ ι ούχ άπ αντα εξ ανάγκης οϋτ εστιν οΰτε γ ίγνεται, άλλα τ ά μεν όπότερ' ετυχε κα ί ούδέν μάλλον ή ή κατάφ ασ ις ή ή άπόφ ασις αληθής, τ ά δε μάλλον μεν κ α ί αο ώ ς επ ί τό πολύ θάτερον, ού μήν άλλ’ ενδέχεται γ ενεσθαι κ α ί θάτερον, θάτερον δε μή.

Τό μεν ούν εΐνφι τό ον 'όταν fj, κ α ί τό μή ον μή εΐναι

35 όποτερονοΰν Β : [Τ1] fy αύτων άληθ& α 3 καταφήσγι+ηΒΓα&· 39 ~Φ&θτ}ναι bis η : άποφάναι y καταφάναι (-φανθηναι bis Β)Β/1Γ ι ga2 τω οιϊι. Βα ί [Τ'] \ ο τε] οτε 'Γ* ς γινόμενον Βα^:[Τ1] 8 alt. άπο τον om. ΐϊΛ : *a c 10 μή-^-όμοΙως Β27α alt. τοom. η : βα ° : [Λ] 13 « m om. Γ ,ίΣ 15 κατατριβήναι αύτό noF :[Γί] 20 prius rj om. ηΒα ζι το om. oF,?B: [Τ1]

141-58 F

ΐ δ

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Page 26: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

nem nos esforçarmos de maneira que, se fizéssemos isso, isso viesse a acontecer, mas se não fizéssemos isso, isso não acontecesse.

Com efeito, nada impede que alguém possa predizer dez mil anos antes que isso acontecerá e fulano que isso não acontecerá, de modo que fosse verdadeiro dizer, já naquele momento, que uma 35 das proposições viria a acontecer necessariamente. Também não importa o seguinte: se se assertam proposições contraditórias ou não. Com efeito, é evidente que as coisas existem de uma maneira tal, mesmo que alguém não as afirme ou negue. Com efeito, não é pelo afirmar ou pelo negar que serão ou não serão, nem que [se afirme ou se negue] dez mil anos antes ou em qualquer outro tempo. 1 9a 1 Por conseguinte, se durante todo o tempo essas coisas existiam assim, de modo que uma das duas contraditórias era verdadeira, era necessário isso acontecer e cada um dos eventos sempre se dar de modo que se produzisse da necessidade. Com efeito, aquilo que alguém disse verdadeiramente que será não pode não acontecer e 5o que já aconteceu era verdadeiro dizer anteriormente sempre que«· /»CQisso sera.

E se essas coisas são absurdas, vemos, com efeito, que o princípio das coisas futuras em parte é proveniente do deliberar e do agir e que, de maneira geral, nas coisas que não são sempre em ato60 existe sempre o ser possível e o não ser possível, nelas 10 ambos podem ser: tanto o ser quanto o não ser, por conseguinte também o que acontecerá e o que não acontecerá, e vemos que são assim muitas coisas evidentes para nós, por exemplo, [vemos] que esta roupa aqui se pode cortar em dois pedaços, embora não venha a ser cortada, pois antes disso será usada. Da mesma maneira, é 15possível não ser cortada. Com efeito, não haveria como ela própria ser usada, se não fosse possível que ela não estivesse cortada.Assim também no que concerne aos outros acontecimentos, todos os que são ditos conforme tal possibilidade. É evidente, então, que nem todas as coisas são nem acontecem da necessidade, mas umas sucedem de uma forma ou de outra, e aqui não é mais verdadeira 20a afirmação ou a negação, ainda que, quanto a elas, também uma das duas ocorra mais, como na maior parte dos casos; todavia, é possível uma das duas acontecer ou não acontecer.

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Page 27: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

όταν μη fj, ανάγκη· ού μ ίντοι ο ντε τό δν art αν ανάγκη είναι ovre 25 τό μη ον μη είναι· -ού γάρ ταύτόν εστι το δν ατταν είναι εξ

ανάγκης o re εστιν, καί τ ό απλώ ς είναι εξ ανάγκης· ομοίω ς δε κ α ί 67τί τον μη ό ν τ ο ς - κ α ί έπ ΐ της άντιφάσεως ό αυτός λόγος· είναι μεν η μη είναι ατταν ανάγκη, κα ι 'έσεσθαί γ ε η μή· ού μεντοι διελόντα γ ε ειπεΐν θάτερον άναγκαΐον. λέγω

30 δε ο Ιον ανάγκη μεν εσεσθαι ναυμαχίαν αΰριον η μη εσεσθαι, ού μεντοι γενέσθαι αΰριον ναυμαχίαν άναγκαϊον ούδε μη γενεσθαι· γενεσθαι μεντοι η μη γενεσθαι άναγκαϊον. ώ στε, επ εϊ ομ οίω ς ο ί λόγοι αληθείς ώ σπερ τ ά π ράγμ ατα , δήλον δτι όσ α οϋτω ς 'έχει ώ στε δπότερ ’ ετυχε και τ ά εναντία ενδέχεσθαι,

35 ανάγκη ομ οίω ς έχειν κα ι την άντίφ ασιν δπερ συμβαίνει επ ί το ΐς μη α ε ί οΰσιν η μη αεί μη οΰσιν· τούτων γάρ ανάγκη μεν θάτερον μόριον της άντιφ άσεως αληθές είναι η φεΰδος, ού μένται τόδε η τόδε άλλ’ όπ ότερ ’ ετυχα>, κ α ί μάλλον μεν άληθή την ετέραν, ού μεντοι ήδη αληθή η ψευδή, ώστε δήλον

19b ότι ούκ ανάγκη πάσης καταφ άσεω ς κα ί άποφ άσεω ς τω ν αντι­κείμενων την μεν αληθή την δε ψευδή είναι· ού γάρ ώ σπερ επ ί των οντων οΰτω ς 'έχει κα ί επ ί των μη οντων, δυνατών δε είναι ή μη είναι, άλλ’ ώ σπερ εΐρηται.

5 'Ε π εί δε εστι τΐ κ α τά τινός ή κατάφ ασις σημαίνουσα, 10 τοΰτο δ' εστιν ‘η όνομα ή τό ανώνυμον, εν δε δ ε ι είναι καί καθ ’ ενός τό εν τή καταφ άσει (τό δέ δνομα εϊρηται κα ί τό άνώνυμον π ρότερον τό γάρ ούκ άνθρωπος όνομα μεν ού λέγω αλλά αό­ριστον όνομα, -ev γάρ π ω ς σημαίνει αόρ ιστον ,- ώ σπερ

ίο κ α ί τό ούχ υγιαίνει ού ρήμα), έσται π α σ α κατάφ ασις ή εξ ονόματος καί ρήματος ή εξ αορίστου ονόματος καί

2 4 μ ε ν τ ο ι ] μ η ν Β : [ Τ ’ ] 2 5 μ η ο ν - \ - α ν ά γ κ η Δ Σ Λ α . 2 7 —8 ο α ΰ τ ο Γ

λ ό γ ο ς o m . η 3 ° f t e v + ^ n 3 1 γ ο ’ έ σ θ α ΐ ΐ ϋ σ ε σ ΰ α ί γ ί Β : [ Τ ' ] ν α υ μ α ­

χ ί α ν α ΰ ρ ι ο ν η Α Σ α 3 3 ο ί λ ό γ ο ι ο μ ο ί ω ς η 3 4 ε τ υ χ ε + ε ί ν α ι Λ α 3 ^

ό η ό τ ε ρ ο ν Β : [ Τ ' ] i g b i κ α ϊ \ η Δ Σ Λ . 6 p r i u s η o m . Δ Γ : * α ° κ α ί ]

η μ η ε ί ν α ι η : [ Γ ] g σ η μ α ί ν ε ι - ] - κ α ι τ ό Β Σ α ° : - ] τ τ ό α : [ Δ Λ Γ ] α ό ρ ι σ τ ο ν

ό ν ο μ α Δ Σ α , ά ΙΟ ρ ή μ α - } - ά λ λ ’ α ό ρ ι σ τ ο ν ρ ή μ α Β Σ Λ : λ έ γ ω ά λ λ '

α ό ρ ισ τ ο ν ο κ α τ ά φ α σ ι ς - ] - κ α ι ( η Σ ) ά ν ό φ α σ ι ς Β Δ Σ α ^ : * o c

19* Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ

2 0

Page 28: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

E necessário então ser isso o que é, quando é, e o que não é 25 não ser, quando não é. Em verdade, não é absolutamente necessário nem o que é ser nem o que não é não ser. Com efeito, não é o mesmo dizer que tudo o que é, necessariamente, é, quando é, e dizer que o ser simplesmente é, de maneira necessária.61 E o mesmo ocorre ao que não é. Demais, cabe o mesmo discurso sobre o par de proposições contraditórias. Necessariamente, tudo é ou não é, e será ou não será. Em verdade, não é em dividir62 que se pode dizer que uma das duas alternativas é necessária. Digo, por exemplo, 30 que, necessariamente, acontecerá uma batalha naval amanhã ou não acontecerá; em verdade, nem acontecerá necessariamente a batalha naval amanhã, nem necessariamente não acontecerá. Todavia, acontecerá ou não acontecerá necessariamente. Por con­seguinte, uma vez que os discursos63 verdadeiros são, de uma maneira semelhante, conforme os fatos, é evidente que todos esses são de um modo tal que sucedam de uma maneira ou de outra e que os contrários possam admitir-se. E o mesmo se deve passar com a 35contradição [ou o par de proposições contraditórias] ,64 Exatamente isso é o que sobrevêm às coisas que nem sempre são ou às coisas que nem sempre não são.65 A propósito dessas coisas, é necessário, com efeito, que uma ou outra parte do par de contraditórias seja verdadeira ou falsa. Em verdade, não é esta ou aquela, mas poderia suceder qualquer uma das duas, mesmo que uma seja mais 19b 1 verdadeira66 do que a outra, não é ainda absolutamente verdadeira ou falsa. Por conseguinte, é evidente não ser necessário que, de toda afirmação e negação, que se opõem entre si, uma seja verdadeira e a outra seja falsa. Com efeito, como já se dissera, para as coisas que podem ser e não ser, não se aplica o que se aplica às coisas que são e não são.67

XPortanto, é a afirmação o que significa alguma coisa [dita] 5

de alguma coisa, e esta é ou um nome ou o que não tem nome. No que concerne à unidade,68 é necessário, na afirmação, que a coisa una seja [dita] de uma coisa una (anteriormente, já se dissera o que é o nome e o que é que não tem nome. Com efeito, digo que não

2 l

Page 29: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

ρήματος, άνευ Sè ρήματος ούδεμ ία κατάφ ασις οΰδ’ άπάφασις- το γάρ εστιν η έστα ι ή ήν ή γίγνεται ή οσ α άλλα τοιαΰτα , ρή μ ατα έκ των κειμένων εσ τ ίν προσαημαίνει γ άρ χρόνον, w are πρώ τη κατάφ ασις κ α ί άπάφ ασις το εστιν άνθρωπος - ούκ Χ5 εστιν άνθρωπος, ε ΐτα εστιν ούκ άνθρωπος - ούκ εστιν ούκ άνθρω­πος, πάλιν εστι π α ς άνθρωπος - ούκ εστ ι π ας άνθρωπος, εστι π ας ούκ άνθρωπος - ούκ εστι π ας ούκ άνθρωπος· κ α ί επ ί των εκτός δε χρόνων ο αυτός λόγος. ig

"Ο ταν δε το εστι τρίτον προσκατηγο- ig ρηθη, δίχως λέγονται a t αντιθέσεις, λέγω Sè oîov εστ ι ζο δίκαιος άνθρωπος, το εσ τ ι τρ ίτον φημί συγκεΐσθαι ονομα η ρήμα έν τη καταφ άσει. ώστε δ ιά τοΰτο τ έτ τα ρ α έσ τα ι ταΰτο., ων τα μεν δύο προς την κατάφ ασιν καί άπόφασιν εξ et κατά το στοίχουν ώ ς a i στερήσεις, τ α Sè δύο ον· λέγω Sè οτι το έατιν η τφ δικαίω π ροσκείσ ετα ι ή τ φ ού δ ικαίω , ώστε καί ή απ ό- 25

φασις. τ έττα ρ α ούν έσται. νοωμεν δε το λεγόμενον εκ των υπο­γεγραμμένων■ έο τ ι δ ίκαιος άνθρωπος — άπάφ ασις τούτον, ούκ εστι δ ίκαιος άνθρωπος' έατιν ού δ ίκαιος άν θ ρω π ος-τού του άπ ό- φασις, ούκ έατιν ού δ ίκαιος άνθρωπος, το γάρ έατιν ένταΰθα καί το ούκ εστιν τω δικαίω κα ί τφ ού δ ικαίω πρόσκειτα ι. ταν τα μεν 30 οΰν, ώ σπερ εν to Js Ά ναλντικοϊς λέγεται, οΰτω τέτακ τα ι. ομοίω ς δε έχει καν καθόλου τοΰ ονόματος rj ή κατάφ ασις, oîov π ά ς έστίν άνθρωπος δ ίκαιος - [άπ άφ ασις] ού π α ς εστίν άνθρωπος δίκαιος, π ά ς εστίν άνθρωπος ού δ ίκαιος - ού π ας έστίν άνθρωπος ού δίκαιος, πλήν ούχ ομ οίω ς τ ά ς κ α τά διάμετρον ενδέχεται 35 συναληθεύεσθαι, ενδέχεται δε π οτέ . αΰτα ι μεν οΰν δύο άντί-

12 οΰδ’] rj ΔΣΛ : *α°: [-Γ] 15 πρώτ-η-χΕσται Β ι8 Sè om.η,ίΔΛ Γ ig προακατηγορηται ήδη ΒΑΣα^ς 22 ταΰτα (σται α ’\}/\ΑΓ 2ζ et 30 δικαίω (quater)] ίνϋρώπω Alex. Aphr., Herminus, Porph. teste Boethio, multi teste Amm. : *s 26 νοοΰμα> Β/1αΑ ; \ΔΣΓ] 30 προσκείσεται (ante και pos. ΒαΑ)Β/Ι 3 1 λέγεται] είρηται !Λ , ?Philop. :V 32 α: *s 33~4 tis δίκαιος άνθρωπος η 33 άπάφασις-{'τούτον ΒΡα : om. Λ 36 συναληθευειν aacAs : άληθεΰεσθαι nacF:[Τ1] άντίκεινται (-κειται B'l-j-aAArjAais Σ : *α°

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 19^

22

Page 30: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

liomem não é nome mas nome indefinido; com efeito, significa alguma coisa de alguma maneira indefinida, como também o não gozar de boa saúde não é um verbo), por conseguinte toda afirmação será oriunda de um nome e verbo ou de um nome e verbo indefinidos. Sem verbo, não há nenhuma afirmação nem negação.

Das explicações já postas, verbo é o “é”, o “será”, o “tor­nar-se” e todos quantos são desse tipo, pois eles, para além do que significam, marcam o tempo. Por conseguinte, é a afirmação primeira (e a negação): “o homem é” // “o homem não é”; depois, “o não homem é” // “o não homem não é”; em seguida, “todo ho­mem é” // “todo homem não é”; “todo não homem é” // “todo não homem não é”.69 E cabe o mesmo discurso para as construções fora do tempo [presente].

Sempre que o “é” seja atribuído como o plus, como o terceiro [termo],70 as oposições são expressas de duas maneiras. Ao declarar, por exemplo, que o homem é justo, considero ser o “é” o terceiro a compor a afirmação, quer seja nome ou verbo. Por conseguinte, por isso, quatro são as proposições, das quais duas se referem à afirmação ou à negação, segundo uma sequência, como as privações, mas as outras duas não. Digo que o “é” se acresce ao justo ou ao não justo, e da mesma forma ocorre a negação. Quatro são, dessa maneira, as proposições. Compreendemos o que está a ser dito pelo que está exposto abaixo:71

(a) “O homem é justo” - e sua negação (b) “O homem nãoé justo”

(c) “O homem é não justo” - e sua negação (d) “O homem não é não justo”.

Aqui o “é” e o “não é” se acrescem ao justo ou ao não justo. Portanto, essas proposições são arrumadas da mesma forma que estão expressas nos Analíticos.72

Igualmente há de suceder se a afirmação for universal no que concerne ao nome, por exemplo:

(a) “Todo homem é justo” - [e sua negação] (b) “Nem todo homem é justo”

Page 31: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

κεινται, άλλαι δέ Ttpos τό ούκ άνθρωπος ώς υποκείμενόν τι. προστεθέντος* Han δίκαιος ούκ άνθρωποί - ούκ έστι δίκαιος ούκ άνθρωπος, έστιν ού δίκαιος ούκ άνθρωπος - ούκ έστιν ού δίκαιος

2 0 a ούκ άνθρωπος, πλείον$ 8e τούτω ν ονκ £σονται αντιθέσεις' αντα ι §€ χω ρίς εκείνων αύταΐ καθ’ αύτάς είσιν, ώς όνόματι τω

3 ούκ άνθρωπος χρώμεναι.» Τ Ά ! » « \ 1 Μ \ < /3 &φ οσων όε το εστι μη αρματτει,

οΐον επ ί του ΰγιαίνειν καί βαδίζειν, επ ί τούτων το αυτό π οιεΐ 5 οΰτω τιθέμενα ώς αν ε ί τό εστι προσήτττετο· οΐον υγιαίνει πας

άνθρωπος - ούχ υγιαίνει πας άνθρωπος, υγιαίνει πας ούκ άν­θρωπος - ούχ υγιαίνει πας ούκ άνθρωπος· ού γάρ εστι τό ού πας άνθρωπος λεκτέον, άλλα. τό οϋ, την άπόφασιν, τω άνθρωπος προσθετέον τό γάρ πας ού τό καθόλου σημαίνει, άλλ’ οτι καθ-

ιο όλου- δήλον δέ εκ τοΰδε, υγιαίνει άνθρωπος - ούχ υγιαίνει άν­θρωπος, υγιαίνει ούκ άνθρωπος — ούχ υγιαίνει ούκ άνθρωπος· ταντα γάρ εκείνων διαφέρει τω μή καθόλου· ώστε τό πας η μηδείς ούδεν άλλο προσσημαίνει η οτι καθόλου τοΰ ονόματος κατάφησιν η άπόφησιν· τά οΰν άλλα τά αύτά δ ε ι προστι-

15 θέναι.Έ π ε ι δ’ εναντία άπόφασίς εστι rfj άπαν έστι ζωον δί­

καιον ή σημαίνουσα ότι ούδέν έστι ζωον δίκαιον, αΰται μεν φα­νερόν ότι ούδέποτε έσονται οϋτε αληθείς άμα οϋτε έπ ι τοΰ αύτοΰ, α ί δέ αντικείμεναι ταύταις έσονται ποτέ· οΐον ού παν ζωον

so δίκαιον και έστι τ ι ζωον δίκαιον, άκολουθοϋσι δ’ αϋται, τβ μεν πας έστίν άνθρωπος ού δίκαιος ή ούδείς έστιν άνθρωπος δίκαιος,

37 δ^+διίο BaF : °a cs , 3 προατεθέντος (-\-iotov ΑΛ)] -Βίν/// ηΒ:-Bivres s : -Θ4ν aF : “α °: [ΔΣΓ] 20*I ΐίοιν ηΑΓ: *ο° 2 hcetvwχωρίς η : [Τ '] eaovrai ΒΑα 3 προσχρώμεναι Έί^αΑ·: [ΣΛΓ] 4 νγιαίνα . . . βαδίζει Β : 0g: [ΔΣΓ] το om. η : *s 5 ’Π-θίμενον ΒΑΣς οΐον -\rianv ύγιαίνων πας άνθρωπος ηα^ 6 prius άνθριovos-\-ΐστιν ούχύγιαίνων nas άνθρωπος ηαΑα° 13 τό μηδείς Σ ι *α °: [Λ] ονό­ματος-}-ή ΒΑΛα^ 14 bis -φήσειν a,^F: }-φάναι Δ : -φααιν ΣΓα^:-φασις α°^ οδί>] Se Β71 17 ζψόν ecm η 20—1 η . . . τρ ϊΊ21 ούδάς . . . δίκαιοί . . . ttS s . . . ού δίκ. ηΑα prius earlv ante ήpos. BA

19» Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ

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Page 32: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

(c) “Todo homem é não justo” - [e sua negação] (d) “Nem lodo homem é não justo”.

Não é admissível aqui - pelo menos da mesma maneira que anteriormente - que as proposições em diagonal sejam verdadeiras ambas, mas isso pode ocorrer alguma vez. Essas, portanto, se opõem como dois pares, mas outras há quando se junta alguma coisa ao não homem na condição de sujeito:

(a) “O não homem é justo” - [e sua negação] (b) “O não homem não é justo”

(c) “O não homem é não justo” - [e sua negação] (d) “O não homem não é não justo”.73

Não existirão mais oposições que essas. As últimas são, por elas próprias, distintas das outras pelo fato de se servirem do não homem como nome.74

Em todas as proposições às quais o “é” não se ajusta, por exemplo, no caso de alguém convalescer ou caminhar, [a expressão] assim colocada produz75 o mesmo efeito do “é” como se ele fizesse a ligação. Por exemplo:

(a) “Todo homem convalesce” - [e sua negação] (b) “Todo homem não convalesce”

(c) “Todo não homem convalesce” - [e sua negação] (d) “Todo não homem não convalesce”.

Com efeito, não é o não todo homem que deve ser dito, mas o não, a negação, que deve ser acrescentado ao homem. Com efeito, o todo não significa o universal, mas que esse é considerado universalmente. Isso é evidente no seguinte:

(a) “O homem convalesce” - [e sua negação] (b) “O homem não convalesce”

(c) “O não homem convalesce” - [e sua negação] (d) “O não homem não convalesce”.

Essas proposições diferem das outras pelo fato de não serem consideradas universalmente. Por conseguinte, o todo ou o nenhum não significam nada mais senão que a afirmação ou a negação do nome [sujeito] são consideradas universalmente. Iodas as outras partes da proposição devem ser acrescentadas permanecendo as mesmas.

Page 33: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

rfj δε ε σ η n s δίκαιο? άνθρω ποί ή άντικειμένη οτ ι ού πας εστιν άνθρωπος ού δίκαιος· ανάγκη γάρ είναι τινα. φανερόν δε οτ ι και επ ί μεν τω ν καθ' έκαστον , ε ί αληθές ερω τηθεντα άπ ο- φ ήσαι, ο τ ι κα ι καταφ ησαι αληθές, οΐον αρά γ ε Σ ω κράτης 25

σοφ ός; οϋ· Σ ω κράτης άρ α ον σοφός, επ ί δε τω ν καθόλου ούκ αληθής ή ομοίως λεγομενη, αληθής δε η άπ όφ ασις, ο ΐο ν αρά γ ε π ας άνθρωπος σοφ ός; ον- π α ς άρα άνθρωπος ού σοφός- τοΰτο γάρ φεΰδος, αλλά το ού π α ς άρα άνθρωπος σοφός

αΰτη δε εστιν ή άντικειμένη, εκείνη δε η εναντία. 3°A i δε κ α τά τ α αόρ ιστα άντικείμεναι ονόματα κα ι ρή­

μ α τα , οΐον επ ί του μη -άνθρωπος κ α ί μη δίκαιος, ώ σπερ απ ο­φ άσεις άνευ ονόματος κ α ί ρήμ ατος δόξαιεν αν εΐναι· ούκ είσί δε- ά ε ί γάρ άληθευειν ανάγκη η φεύδεσθαι την άπόφασιν, ό δ ’ είπώ ν ούκ άνθρωπος ούδεν μάλλον τοΰ άνθρωπος 35 άλλα καί ήττον ήλήθευκε τ ι η εφ ευσται, εάν μή τ ι προστεθη. σημαίνει δε το εστι π ας ούκ άνθρωπος δ ίκαιος ούδεμ ιά εκείνων ταύτόν, οΰδ’ ή άντικειμένη ταντη ή ούκ εστ ι π ας ούκ άνθρωπος δίκαιος· το δε π ας ού δ ίκαιος ούκ άνθρωπος τω ούδείς δίκαιος ούκ άνθρωπος ταύτόν σημαίνει. 4°

Μ ετατιθέμενα δε τ α ονόμ ατα κ α ί τ α ρ ή μ α τα ταύτόν 20*1 σημαίνει, οΐον εστι λευκός άνθρω πος — εστιν άνθρωπος λευκός· εί γάρ μή τοϋτό εστιν, τοΰ αύτοΰ πλείους εσονται αποφ άσεις, άλλ’ εδέδεικτο οτ ι μ ία μ ιας. τον μεν γάρ εσ τ ι λευκός άνθρω­πος άπόφ ασις τό ούκ εστ ι λευκός άνθρω πος■ τοΰ δε εστιν άν- 5 θρωπος λευκός, εί μή ή αυτή εσ τ ι τη εστι λευκός άνθρωπος, εσ τα ι άπόφ ασις ήτοι το ούκ εστιν ούκ άνθρωπος λευκός ή τό ούκ εστιν άνθρωπος λευκός, άλλ’ ή έτέρα μεν εστιν άπ ό- φασις του εστιν ούκ άνθρωπος λευκός, ή ετερα δε τοΰ εστι λευκός άνθρωπος, ω σ τε εσοντα ι δυο μ ιας. οτι μεν ίο

22 άνθρωποί δίκαιοί 23 άνθρωποί ècrnv ΒΔ : *α° 24καί ότι ηα: ότι s,?/! piv ?om. Τ ' : #s ίκαστα Βα^: *s: [Τ’] 29άρα οιώ. η 3° Sf-|-ye η : [Τ'] 35 εΐ-πόντοί ΔΣΓ $6 priusτι om. Λα 39~4° °ϊ’κ άνϋρω-nos δίκαιοί ηΣ 20* 4 δέδακτα ι α : [Τ']7 1J άπόφασίί η: [Τ'] 8 λευκοί άνθρωποί ΔΣΓα

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 20*

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Page 34: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

f Da Interpretação

Uma vez que a negação contrária à proposição “todo animal é justo” é a que diz que “nenhum animal é justo”, fica evidente que elas não serão jamais verdadeiras simultaneamente,76 a respeito de um mesmo aspecto, mas as opostas alguma vez. Por exemplo, “nem todo animal não é justo” e “algum animal é justo”.77 20 E as proposições se seguem da seguinte maneira: à proposição “todo homem é não justo” segue-se “nenhum homem é justo”.À proposição “algum homem é justo” segue-se a oposta “nem todo homem é não justo” (com efeito, é necessário que exista um).78 É evidente também a propósito dos [sujeitos] singulares79 que, ao se colocar uma pergunta, se é verdadeiro negar, também será verdadeiro afirmar, por exemplo: “Sócrates é sábio?” “Não. 25 Sócrates é não sábio”.

Quanto aos sujeitos universais, se a pergunta80 for colocada de maneira semelhante, a afirmação não será verdadeira, mas a negação será verdadeira, por exemplo: “Todo homem é sábio?”“Não. Todo homem é não sábio”. Com efeito, essa resposta é falsa, mas a seguinte: “Nem todo homem é sábio”81 é verdadeira. Essa é a 30oposta; aquela, a contrária.

As expressões opostas formadas por nomes ou verbos indefinidos, como não homem ou não justo, poderiam passar por negações sem nome ou sem verbo. Todavia, não são isso. Com efeito, é necessário a afirmação ser sempre ou verdadeira ou falsa. Aquele que não disse nada mais que não homem, se não tiver 35acrescido alguma expressão,82 não terá dito alguma coisa menos verdadeira ou menos falsa do que aquele que disse apenas homem.A proposição “todo não homem é justo” não significa o mesmo que nenhuma das proposições anteriores, nem a sua oposta “nem todo não homem é justo”.83 Porém, “todo não homem é não justo” significa o mesmo que “nenhum não homem é justo”.84 40

Os nomes e os verbos, até quando são trocadas as suas 20b l posições, significam o mesmo, por exemplo: “o homem é branco” e “branco é o homem”. Com efeito, se não é isto, existirão negações85 a mais para uma mesma afirmação, mas já ficou demonstrado que é uma para cada uma. É, pois, a negação de “o homem é branco”, “o homem não é branco”; e de “branco é o homem”, se não é a mesma 5

2 7

Page 35: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

ούν μετατιθεμένου τοΰ ονόματος κ α ι του ρήματος ή αύτή γίγνεται κατάφ ασις κ α ι άπόφ ασις, δήλον. το δέ εν κατά I I πολλών η πολλά καθ' ενός καταφ άναι ή άποφάναι, εάν μη ev τ ι η τό εκ τω ν πολλών συγκείμενον, ούκ εστι

ΐ5 κατάφ ασις μ ία ούδε απ όφ ασή , λέγω δέ εν ούκ εάν ονομα εν fj κείμενον, μη η δε εν τ ι εξ εκείνων, οΐον 6 άνθρωπος Ίσως εστ ι και ζωον κα ί δίπουν κα'ι ήμερον, άλλα και εν τ ι γ ίγνεται εκ τού τω ν εκ δε τοΰ λευκοΰ καί τον ανθρώπου και τοΰ βαδίζειν ούχ εν. ώ στε οϋτ’ εάν εν τ ι κ α τά τούτων

ζο καταφ ήση τ ις μ ία κατάφ ασις , άλλα φωνη μεν μ ία κατα ­φάσεις δε πολλαί, οϋτ εάν καθ ’ ενός ταΰ τα , άλλ’ ομοίως τΤολλαί. εί οΰν η ερώ τησις ή διαλεκτική άποκρίσεώ ς εστιν α ’ί- τησις, ή τής προτάσεω ς rj θατέρου μορίου τής άντιφάσεως, ή δε π ρότασ ις άντιφάσεως μ ιας μόριον, ούκ αν είη μ ία άπ ό-

25 κρισις προς ταΰτα· ούδε γάρ η ερώτησις μ ία , ouS’ αν fj αλη­θής. εϊρη τα ι δε εν το ΐς Τ οπ ικοΐς π ερ ί αύτών. ά μ α δέ δήλον ότ ι ούδε τ ό τ ί εστιν ερώ τησις εστι διαλεκτική · δει γάρ δεδόσθαι εκ τής έρω τήσεω ς έλέσθαι όπότερον βούλεται τής άντιφάσεως μόριον άποφήνασθαι. αλλά δεί τον ερω τώ ντα προσδιορίσαι

30 πότερον τάδε εστιν ο άνθρωπος ή ού τούτο.'ΕττεΙ δε τά μεν κατη γορεΐτα ι συντιθέμενα, ώ ς εν το

παν κατηγόρημα των χω ρίς κατηγορουμένων, τ ά δε ον, τ ις ή διαφ ορά; κ α τά γάρ τοΰ ανθρώπου αληθές είπεΐν κα ι χωρίς ζωον και χωρίς δίπουν, κ α ι ώ ς εν, και άνθρωπον και

35 λευκόν, κα ι ταυ θ’ ώς ε ν άλλ’ ούχί, ε ί σκυτεύς και αγαθός, κα ι σκυτεύς αγαθός, ε ί γ ά ρ , ο τ ι εκάτερον, κ α ι τό συν- άμφω , πολλά και ά το π α εσται. κατά γάρ τοΰ ανθρώ­που κ α ι τό άνθρωπος αληθές κα ί τό λευκόν, ώ στε και τό ά π α ν πάλιν ε ί τό λευκόν, κ α ϊ τό άτταν, ώ στε εστα ι άν-

13 η 14 συγκείμενον] δηλοΰμενον Β : om. Λ : βα° ι ζ~ι6(V όνομα η,ίΑ : *α° ι8 τοΰ bis om. η : [Τ*] 20 καταψί) η:[Τ'] 24 άττόκριαις μία ΉΔΣαΑ 3 4 a^· και-\-ταΰτα ΒΣΓα 36διότι nci: [Τ*] εκάτερον-\-iiariv Δ : εστιν π: -l-dM/Of's είναι SeiΒΣα^: -J- ?λέγεται Λ 39 λευκόν-{· αυτό Βα τά παν Β : [Τ']

20b Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ

ζ δ

Page 36: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

de “o homem é branco”, a negação será ou “branco não é o não homem” ou “branco não é o homem”, mas uma das proposições é a negação de “branco é o não homem”, a outra de “o homem é branco”, por conseguinte haverá duas [opostas contraditórias] 10 para cada uma [afirmação].86 É evidente, portanto, que a mesma afirmação e a mesma negação se produzem, quando são trocadas as posições do nome e do verbo.

XIAfirmar ou negar o uno a partir do múltiplo, ou o múltiplo

a partir do uno, não é afirmação una nem negação una, se o que 15se forma do múltiplo não for alguma coisa una.87 Não digo haver o uno, quando o nome posto for uno, se não houver alguma coisa una formada pelas outras. Por exemplo, o homem é igualmente animal, dípode e social,88 mas alguma coisa una se produz desses [predicados]. Do branco, do homem e do caminhar não se forma alguma coisa una. Por conseguinte, se deles alguém afirma alguma coisa una, não se produz afirmação una, mas apenas há expressão 20vocal una e várias afirmações; e mesmo que esses predicados sejam ditos de uma mesma coisa, não se produz afirmação una, mas igualmente se produzem várias. Se, portanto, o método de interrogação dialética é pergunta por uma resposta, ou de uma proposição ou de uma parte do par de contraditórias (a proposição é também uma parte do par de contraditórias), não poderia haver apenas uma resposta nesses casos. Com efeito, nem a interrogação 25 é una, mesmo que seja [a resposta] verdadeira. Já se comentara isso nos Tópicos.89 Ao mesmo tempo, é evidente não ser “o que é” uma questão dialética.90 É necessário, com efeito, ser permitido, pelo método de interrogação, escolher qualquer uma das partes do par de contraditórias que se queira enunciar. Porém, cabe àquele que pergunta dar preliminarmente as definições, e então perguntar:91 “Isto é o homem?” ou “o homem não é isto?” 30

Portanto, em relação às coisas que são predicadas sepa­radamente, umas são predicadas de forma compósita, o todo como apenas um predicado, mas outras não. Qual é a diferença? Com efeito, é verdadeiro dizer do homem tanto animal, separadamente,

Da Interpretação

z 9

Page 37: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

θρωπος λευκός λευκό?, καί ταντο εις ά π ε ιρ ο ν κ α ί πάλιν 40 μουσικός λειικός βαδίζω ν, κ α ι ταΰτα πολλάκις πεπλεγμένα. 2 1 ° «τι et ό Σ ω κράτη ς Σ ω κράτη ς κ α ι άνθρωπος, κα ί Σ ω κράτη ς άνθρωπος, κα ι εί άνθρωπος κ α ί δίπονς, κα ί άνθρω πος δίιτους.

"Οτι μεν ονν, et τις απλώ ς θήσει τ ά ς συμπλοκάς γ ί- 5 γνεσθαι, πολλά συμβαίνει λεγειν ά το π α , δήλον- δπω ς δέ θε- τέον, λέγομεν νΰν. των δή κατηγορουμένων, κ α ί έφ ’ οΐς κατ- ηγορεΐσθα ι συμβαίνει, όσα μεν λ έγετα ι κ α τ ά συμβεβηκός ή κ α τά τοΰ αύτοΰ η θάτερον κ α τά θατέρου, τα ΰ τα ούκ έσ τα ι εν- οΐον άνθρωπος λευκός εστ ι κ α ί μουσικός, άλλ’ ούχ εν το ίο λευκόν κα ί τό μ ουσ ικόν συμβεβηκότα γάρ άμφω τω αντω . ούύ' ε ί τ ό λευκόν μουσικόν αληθές είπεΐν , δμω ς ούκ έστα ι τό μουσικόν λευκόν εν τι· κ α τά συμβεβηκός γ άρ τ ό μουσικόν λευ­κόν, ώ στε ούκ έσ τά ι τό λευκόν μουσικόν, διό αύδ’ 6 σκυτεύς άπλώ ς αγαθός, αλλά ζφον δίνουν· ού γ ά ρ κ α τ ά συμβεβη- ΐ 5 κός. έτ ι οι5δ’ οσα ενυπάρχει εν τω έτέρω- διό οϋτε τό λευκόν πολλάκις οϋτε 6 άνθρωπος άνθρωπος ζωον η δ ίπ ουν ενυπ­άρχει γ άρ εν τω άνθρώπω τό δίπουν κ α ί τ ό ζωον. αληθές δ’ έστίν είπεΐν κ ατά τοΰ τινός κα ί άπλώ ς, οΐον τον τινά άνθρωπον άνθρωπον η τον τινά λευκόν άνθρωπον λευκόν· 2ο ούκ α ε ί δέ, άλλ’ όταν μεν εν τω προσκείμενοί τω ν αντικει­μένων τ ι ενυπάρχω οΐς έπ ετα ι άντίφ ασις, ούκ αληθές άλλα φεΰδος, -ο ΐο ν τον τεθνεώ τα άνθρωπον άνθρωπον ε ίπ ε ΐν ,- όταν δε μη ενυπάρχη, αληθές, η όταν μέν ένυπάρχη, αεί ούκ

, όταν δέ μή ένυπάρχη, ούκ α ε ί αληθές· ώ σπερ “Ομηρός 25

εσ τ ί τ ι , οΐον ποιητής· άρΊ οΰν κα ί εστιν, η ου ; κ α τ ά συμβεβηκός

21 αι πολλά η : *α° 2 εί om. ηΓ tert. Σωκράτη;-}-ΣωκράτηςA,iaF εί om, η(Δ)ΣΓ j Φη°ει B<da 11 τό om. η; [Τ’] συμ- βεβηκε η: [Ζ1] 13 λευκόν (-(-καί Σ) μουσικόν bis ηΣ, alt. 14λευκόν-)-και ΒΑ μουσικόν-}-εν ηΣ·. -\-ev τι ΒΔα ο om. παΑ ! [Τ']Ιξ αγαθός άπλως α,ΪΣΛ αγαθόν η: [ΔΣΓ] 1 J άνθρωπος semel om.ΒΣΓα. ζωον] εστι ζωον αΑ : ζ. εστιν Β η om. η ι8 ζωον. . . δίπουν ΒαΑ 19 εστιν om. η Λ : *α° 2 0 tcrl. άνθρωπον-}-άνθρωπον Βα 21προκειμένω Bad 22 φ Βα: *ac 23 άνθρωπον semel om. η 24 η\ καί Δ : η και Λ

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 20^

Page 38: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

quanto dípode, separadamente, como é verdadeiro dizê-los de modo uno,92 e também [se pode dizer separadamente] homem e branco, e também dizê-los de modo uno. Mas daqui não se segue, se é sapateiro e bom, que é sapateiro bom. Se, com efeito, pelo fato de se admitir que cada um desses predicados existe, também se admitir a unidade dos dois, muitos serão os absurdos. Com efeito, do homem é verdadeiro dizer tanto o homem como o branco, por conseguinte também é verdadeiro o todo93 [compósito]. Por sua vez, se há o branco e o todo [compósito], há também “o homem branco branco”, e assim até o infinito. Por sua vez, músico, branco 2ia e caminhante, também eles podem ser articulados muitas vezes. E, ainda, se o Sócrates é Sócrates e homem, também ele é Sócrates- -homem, e se é homem e dípode, também é ele homem-dípode.

É evidente, portanto, que alguém vai dizer muitos absurdos, se supuser que as complexões sucedem absolutamente. De que maneira isso deve ser, é o que agora vamos dizer. Em relação aos predicados e àquelas coisas que os recebem, todas as coisas quantas se dizem acidentalmente,94 seja de uma mesma coisa seja de uma em referência a outra, não serão uma unidade. Por exemplo, o homem branco é músico, mas o branco e o músico não constituem uma unidade. Com efeito, ambos são acidentes em referência à mesma coisa. E se for verdadeiro dizer que o branco é músico, não serão, ainda assim, esses [predicados] alguma coisa una. Com efeito, o músico é branco por acidente, de maneira que não será o branco músico [uma unidade]. Por conseguinte, também não é o sapateiro, absolutamente, bom, mas o animal é dípode e, com efeito, não por acidente.

E, demais, isso também não sucede para todas aquelas coisas que subsistem uma na outra.95 Por isso não se diz o branco inúmeras vezes nem se diz ser o homem homem animal ou homem dípode. Com efeito, o dípode e o animal subsistem no homem.96 É verdadeiro falar de um caso particular, mesmo de maneira abso­luta. Por exemplo, o homem individual é homem, o homem indi­vidual branco é branco, mas isso nem sempre é verdadeiro, como quando naquilo que se acrescenta subsiste algum dos opostos aos quais se vincula a contradição. Não é verdadeiro, mas falso, dizer, por

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Aristóteles

γάρ κ ατη γ ορ εΐτα ι το ίσ τ ιν τον Ό μ η ρ ο ν ότ ι γάρ ποιητής εατιν, άλλ’ ον καθ' αυτό, κατηγορεΐται. κ α τά τοΰ Ό μ η ρου το έστιν. ω στ' εν οσα ις κ ατη γ ορ ίαν μ ήτε εναντιότης ένεστιν, εάν λόγοι

30 άντ ονομάτων λέγω νται, καί καθ' αυτά κατηγορηται καί μη κ α τ ά συμβεβηκός, επ ί τούτων το τ ΐ κ α ί απλώ ς αληθές εσ τα ι ειπεΐν. το δε μη ον, οτ ι δοζαατόν, ούκ αληθές ειπεΐν ον

£//* ' > Λ > >/ ί/ » I \ Λ > «ί >»/τ ι· οοςα γαρ αντου ουκ εστιν οτι ςστιν, αλλ οτι ουκ ζστιν.Τούτων δε δω ρισμ ένω ν σκεπτέον οπω ς εχουσιν α ί ά π ο - 12

35 φ άσεις κ α ι καταφ άσεις προς άλλήλας α ί τοΰ δυνατόν είναι κ α ι μη δυνατόν, καί. ενδεχόμενον κα ί μη ενδεχόμενον, καί π ερ ί τοΰ αδυνάτου τε κ α ί αναγκαίου· εχει γάρ απ ορ ίας τινάς. ε ί γάρ τω ν συμπλεκόμενων αΰτα ι άλλήλαις άντίκεινται α ί αν­τιφ άσεις , οσα ι κ α τά τό είναι καί μη είναι τάττοντα ι, οΐον

21ι> τοΰ εΐνα ι άνθρωπον άπόφ ασις τό μη είναι άνθρωπον, ού τό είναι μη άνθρωπον, κ α ί τοΰ εΐναι λευκόν άνθρωπον τό μη εΐναι λευ­κόν άνθρωπον, άλλ’ ού τό εΐναι μη λευκόν άνθρωπον, - ε ί γάρ κ α τά παντός η κατάφ ασις η η άπόφ ασις, τ ό ζύλον εστα ι

5 αληθές ειπ εΐν εΐναι μη λευκόν άνθρω πον ε ί δε ούτως, κ α ί οσοις τό εΐναι μη προστίθετα ι, τό αυτό π ο ιή σει τό αντί τοΰ εΐναι λεγόμενον, οΐον τοΰ άνθρωπος β αδ ίζ ει ον τό ούκ άν­θρω πος β αδ ίζ ει άπόφ ασις, άλλα το ού β αδ ίζ ει άνθρωπος· ούδέν γάρ διαφ έρει ειπεΐν άνθρωπον βάδιζειν η άνθρωπον β α ­

τό δίζοντα ε ΐν α ι·- ω στε ε ί οντω πανταχοΰ, κα ί τοΰ δυνατόν εΐναι άπόφ ασις τό δννατόν μη εΐναι, άλλ’ ού τό μη δννατόν είναι, δ οκ ε ΐ δέ τό αύτό δννασθαι κ α ί εΐναι κ α ί μη εΐναι· παν γ άρ τό δυνατόν τέμνεσθαι η βαδίζειν κα ί μη βαδίζειν

27 τοΰ' Ομήρου το ίστιν ΒΣα^ 32 εοται] ΙστινΔα/^ ·. οπι. ηΣα? 33 ρπιιε ούκ «ττιμ] έστϊν ούχ Βαα0 : *5 34 η! [^'] 34~5 κατα-φάσας καί αποφάσεις ιιΔΣ: αποφ. (?) 3 αι< οιη· ΒαΛαοΙ?: [Τ*] 21^4παντός + 7 ΑΣ: ζ ειπεΐν αληθές η: * ς : [Τ’] δέ (δή αα,ίΣΓ)+ τ οΰτο Β(/!)αΡ: -{-μη Σ 8 άπόφασκ-\-έστιν ?ΣΛ: -{-εσται ηΒII άπΛφααις-{-εστι }Σ: -{-ίσται ΒΔΑα^ τό δυνατόν . . . μή δυνατόν] ού τό μη δυν. εΐναι άλλα το δυν. μη α?αα,ίΔ άλλ’] καιΣ : οπι. ηΓ 13-14 μη τέμνεσθαι και μι) βαδίζειν ιιΓα?

21“ Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ

J 2

Page 40: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

exemplo, que o homem morto é homem. Porém, quando não sub­siste [o oposto], é verdadeiro.97

21 a 24 - Ou, se subsistir [o oposto naquilo que se acres­centa], sempre não será verdadeiro [dizer a proposição], e se não subsistir, nem sempre será verdadeiro [dizê-lo].98 Seja, a título de 25 ilustração, Homero é alguma coisa, por exemplo, poeta; será, então, que ele é ou não é [absolutamente] ? " O “é”, com efeito, é dito apenas por acidente de Homero aqui. Com efeito, o “é” é dito de Homero porque ele é poeta, mas não por si mesmo.100 Por conseguinte, em todas as atribuições101 onde não existe contrariedade, se as definições102 forem ditas no lugar dos nomes, e [as coisas] forem 30 reconhecidas por si mesmas e não por acidente, nesses casos será verdadeiro dizer que uma coisa103 é absolutamente. E a respeito daquilo que não é, sobre o que se pode opinar, não é verdadeiro dizer que é alguma coisa. Com efeito, a opinião a propósito dela não é que ela é, mas que não é.

XIIDepois que essas coisas já foram esclarecidas, deve-se

examinar como são, umas em relação às outras, as negações e as 35afirmações a respeito do “é possível” e do “não é possível”, e do “é admissível” ou “não é admissível”104 e do “é impossível” e do “é necessário”. Com efeito, há aqui algumas dificuldades.

Com efeito, se [se pode dizer], a propósito das coisas que se articulam por complexão, que elas (todas quantas se determinam consoante o ser e o não ser) se opõem entre si como pares de contraditórias, então, a negação de “o homem é” é “o homem não 2lb l é”, mas não “o não homem é”. De “o homem é branco” a negação é “o homem não é branco”, mas não “o homem é não branco”. Se, com 5efeito, é verdadeira a afirmação ou a negação de um modo total, será verdadeiro dizer que a madeira é o homem não branco.105

Se é assim, para as proposições onde não se aplica “o ser”, o que se diz no lugar do ser produz o mesmo resultado, por exemplo, a negação de “o homem caminha” não é “o não homem caminha”, mas “o homem não caminha”. Com efeito, em nada difere dizer “o liomem caminha” ou “o homem é caminhante”.106 Se isso ocorre em 10

3 3

Page 41: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

καί μή τέμνεσθαι δυνατόν λόγος δ’ ότι άπαν το οντω δυνα­τόν ούκ dei ενεργεί, ώ στε υπάρξει αύτω κ α ί ή άπόφασις· is δυναται γάρ κ α ί μη βαδίζειν το βαδιστικόν κα ί μη όρασθαι τό ορατόν, άλλα μην αδύνατον κ α τά του αύτοΰ άληθεύεσθαι τα? αντικείμ ενα; φ άσεις’ ούκ αρα αϋτη duτόφασις· συμβαίνει γάρ εκ τούτω ν τ) το αυτό φάναι κα ί άποφάναι αμ α κ α τά τοΰ αύτοΰ, 20

η μη κ α τά το εΐναι καί μή εΐναι τ α προστιθέμενα γίγνεσθαι φ ά­σεις κ α ί ' αποφ άσεις, εΐ υΰν εκείνο άδύνατον, τοΰτ αν ειη α ι­ρετόν. εστιν αρα άιτόφασις τοΰ δυνατόν είναι το μή δυνατόν ε ί­ναι. ό δ ’ αυτός λόγος κα ί περί τοΰ ενδεχόμενον εΐναι· καί γάρ τούτου άπόφ ασις το μή ενδεχόμενον· εΐναι. κ α ί επ ί τω ν άλλων 25

δέ όμ οιοτρόπω ς, οΐον αναγκαίου τ ε καί αδυνάτου, γ ίγνεται γάρ, ώ σπερ επ ’ εκείνων το είναι καί μή εΐναι προσθέσεις , τ α δ ’ υποκείμενα π ρά γ μ α τα το μεν λευκόν το òè άνθρωπος, οΰτως ενταύθα το μεν εΐναι ώ ς υποκείμενον γ ίγνεται, το δε

δύνασθαι κα ί ένδέχεσθαι προσθέσεις δ ιορίζουσαι, ώ σπερ επ' 3° εκείνων το εΐναι καί μή εΐναι το αληθές, ομοίω ς ανται έπ ί τοΰ εΐναι δυνατόν καί εΐναι ου δυνατόν.

Τοΰ δε δυνατόν μή εΐναι άπόφ ασις το ού δυνατόν μή εΐναι. διό καί άκολονθεΐν αν δόξαιεν άλλήλαις a i δυνατόν ε ΐν α ι- 35 δυνατόν μή είνα ι· τό γάρ αύτό δυνατόν είναι κ α ί μή εΐναι· αύ γάρ αντιφ άσεις άλλήλων a i το ιαΰτα ι. άλλα τό δυνατόν εΐναι καί μή δυνατόν εΐναι ούδέποτε αμα· άντίκεινται γάρ. ουδέ γ ε τό 2 2 a

14- παν ns : [Τ '] 15 ή άπόφασις αυτω η Σ κα'ι am. η ,ΐΑ Σ Γ ι8αΰτη άπόφασις] ταΰ δυνατόν είναι άπόφασις (άπόφ. om. Σ ) εστι τό δυνατόν μη etvai αΰτη άπόφασις Σ ) ΒΣ α 20 άμα+καΐ Β 23 alt. ίΓμαι+αλλ’ ού το Swaròv μή eivai Δα? 26 αδυνάτου τε και αναγκαίου Δ 27 ΗΟί + τό Β α: ®s: [ΔΑ] πρόσθιοι; ΑΓαΡς 28 Aetwdç η : [Δ Σ Γ] ούτως -(-καί 2Μ α* 29 εΙναι-\~ και μή είναι ΒΑΣα 3° τό ^νδέχεσθαι Βα^,?Σ:[ΔΑ] 3 * άληθές-\-και τό φεΰδος ΒΑΣα 33 άπάφασις-\-ού τό αν SwarA» είναι αλλά (Δ)α alt. δυνατόμ-)- είναι (μή civ. (id)) άλλ’ où το δυνατόν (Δ)Σ 35~^ αί" ( + τί> α^) δυνατόν είναι (-(-καί τό αΑ, -(-καί Σ) Swv. μή civ. om. ΒΔΛ 3(ι ΤΟ . . . μή eivai om. η 3? τοιαΰται -(-δυνατόν (το δυν. ΑΣ) εΐναι (-(-καί Δ(Λ)) δυν. μή είν. ΑΣ(Α)Γ καί + τό ηΣ : [ΑΛ] 22aI άμα] άλλα Γ : επί τοΰ αύτοΰ άμα (άμα ante cm pos. naF) αληθεύονται (-frai n) n B JZ a

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 21b

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Page 42: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

todos os casos, a negação do que é possível ser é o que é possível não ser, mas não o que não é possível ser. Parece ser possível que a mes­ma coisa seja ou não seja. Com efeito, tudo o que pode ser cortado ou caminhar pode não ser cortado ou não caminhar. A razão é que tudo o que é assim em potência nem sempre é em ato, por conseguinte 1 5 também a negação aqui subsistirá. Com efeito, é possível que não caminhe aquele que pode caminhar, e também é possível que não veja aquele que pode ver (todavia, é impossível, em relação a uma mesma coisa, que as fórmulas proposicionais em oposição sejam verdadeiras).107 Evidentemente, esta última proposição não é a negação da primeira. Sucede, portanto, do que foi exposto, que 20 ou a mesma coisa é afirmada e negada simultaneamente de um mesmo, ou não é porque se acresce “o ser” e “o não ser” que se produzem fórmulas proposicionais e [suas] negações. Se, portanto, aquela alternativa é impossível, esta é a eleita. Será, dessa maneira, a negação de “é possível ser” “não é possível ser”.

O mesmo raciocínio se aplica ao que “é admissível ser”.Com efeito, a negação disto é o que “não é admissível ser”.108 E, 25a respeito de outras proposições, sucede da mesma maneira, por exemplo, a propósito do necessário e do impossível. Com efeito, como naqueles casos anteriores em que se acrescenta o ser e o não ser, sucedem aqui sujeitos atuais,109 o branco e o homem. Agora, da mesma maneira, o “ser isso” se torna o sujeito, e o “é possível” e 30o “é admissível” definem os acréscimos (como naqueles casos em que 0 “é” e o “não é” definem o verdadeiro). Assim também são esses [acréscimos] do ser possível e do não ser possível.

A negação de “é possível isso não ser” é “não é possível isso não ser”. Por isso [as proposições] “é possível isso ser” e “é possível 35isso não ser” pareceriam seguir uma da outra. Com efeito, é possí­vel que uma mesma coisa seja e não seja. E [essas proposições] não constituem contradições entre si. Porém, “é possível isso ser” e “não é possível isso ser” jamais existirão simultaneamente. Com 22a 1 efeito, elas se opõem.110 E também “é possível isso não ser” e “não é possível isso não ser” não existem jamais simultaneamente.

E, de maneira semelhante, a negação de “é necessário isso ser” não é “é necessário isso não ser”, mas “não é necessário isso

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Aristóteles

22“ Π Ε Ρ Ι ΕΡΜΗ ΝΕΙ ΑΣ

δυνατόν μή ίΐν α ι κα ί ού δυνατόν μη εΐναι ουδέποτε άμα. ομοίω ς δέ καί τοΰ άναγκαϊον eiva ι άπόφ ασις ού τό άναγκαΐον μη εΐναι, άλλα τό μή άναγκαΐον e iv ar τοΰ

5 Sè άναγκαΐον μή εΐναι τό μή άναγκαΐον μή είναι, καί τοΰ άδννατον εΐναι ού τό άδύνατον μή εΐναι, αλλά τό μή αδύνατον εΐναι· τοΰ δέ άδύνατον μή εΐναι τ ό ούκ άδννατον μή eivaι.—καί καθόλου δέ, ώ σπερ εϊρηται, τό μεν εΐναι κ α ι μή εΐναι δ ε ι τιθεναι ώς τ α υποκείμενα, κατάφ ασιν δέ και άπό-

ιο φασιν τα ΰ τα ποιοΰντα ίrpòs τό εΐναι και μή εΐναι σννάπτειν. και ταύ τας ο ΐεσθα ι χρή εΐναι ràs άντικειμένας φ άσεις, δυ­νατόν - ον δυνατόν, ενδεχόμενον - ούκ ενδεχόμενον, άδύνατον - ούκ άδύνατον, άναγκαΐον - ούκ άναγκαΐον, άληθές — ούκ αληθές.

Κ α ι α ι ακολουθήσεις δε κ α τά λόγον γίγνονται οΰτω τιθε- 13 15 μένοις· τω μεν γάρ δυνατά) εΐναι τό ένδέχεσθαι εΐναι, και

τοΰτο εκείνω αντιστρέφει, κ α ι τό μή άδύνατον εΐναι κα ι τό μή άναγκαΐον εΐναι· τω δέ δυνατω μή εΐναι και ενδεχομένω μή εΐναι τ ό τ ε μή άναγκαΐον μή εΐναι και ούκ άδύνατον μή εΐναι, τω δέ μή δυνατω εΐναι κ α ι μή ενδεχομένω εΐναι τό άναγ-

20 καΐον μή είναι και τό άδύνατον εΐναι, τω δέ μή δυνατω μή εΐναι καί μή ενδεχομένω μή εΐναι τό άναγκαΐον εΐναι και τό άδύνατον μή εΐναι. θεωρείσθω δέ εκ τής υπογραφής ώς λέγομ εν

ού δυνατόν eivai ούκ ενδεχόμενον είναι αδύνατον είναι άναγκαΐον μη eivat

25δυνατόν εΐναι ενδεχόμενον εΐναι ούκ αδύνατον είναι ούκ άναγκαΐον εΐναιδυνατόν μη εΐναι ενδεχόμενον μη είναι ούκ àSiWrov μη είναι ούκ άναγκαΐον μη εΐναι

ού δυνατόν μη εΐναι ούκ ενδεχόμενον μη εΐναι άδύνατον μη είναι άναγκαΐον είναι.

2 άμα-f- επί τοΰ αύτοΰ άληθεύονται Βα 8 prius καί om. η 9 κα~ τάφααιν] φάσιν ηΓ : *ac : [Λ] ιο και μη εΐναι om, iΓ ,!Λ συντάττεινΒΣαΑ : [JP ] H άντικειμένας φάσεις] αντιθέσεις άντικειμένας Σ : αντι­θέσεις η ι 8 τε οιη, Βα: [Τ'] κοί+τό ΒΣα; [ΑΑ] tert. μη om, η 24-31 tabulam in textu pos. Σα, in marg. nsc (ένχδέεται quater sc:

3 6

Page 44: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Da Interpretação

ser”.111 De “é necessário isso não ser”, “não é necessário isso não ser”. 5E a negação de “é impossível isso ser” não será “é impossível isso não ser”, mas “não é impossível isso ser”.112 De “é impossível isso não ser” a negação será “não é impossível isso não ser”. E, de maneira universal, conforme já foi dito, deve-se colocar “isso ser” e “isso não ser” como sujeitos e agregar as expressões há pouco 10 referidas [é necessário, é possível...] ao isso ser ou ao iss'o não ser, de maneira que produzam afirmação e negação. E cabe considerá- -las serem fórmulas opostas: “é possível” // “não é possível”;“é admissível” // “não é admissível”; “é impossível” // “não é impossível”; “é necessário” // “não é necessário”; “é verdadeiro” //“não é verdadeiro”.

XIIIE as inferências113 acontecem conforme uma razão pelo

fato de as proposições estarem dispostas como as seguintes: de “é possível isso ser” segue, com efeito, “é admissível isso ser”114 (e esta 15é simétrica daquela) e também seguem “não é impossível isso ser” e “não é necessário isso ser”. Por sua vez, de “é possível isso não ser” e de “é admissível isso não ser” segue tanto “não é necessário isso não ser” quanto “não é impossível isso não ser”. Por seu turno, de “não é possível isso ser” e de “não é admissível isso ser”115 seguem “é necessário isso não ser” e “é impossível isso ser”. Também de “não 20é possível isso ser” e de “não é admissível isso não ser” seguem “é necessário isso ser” e “é impossível isso não ser”. Observe-se o que vimos expondo pelo quadro seguinte:

E possível isso ser É admissível isso ser Não é impossível isso ser Não é necessário isso ser

Não é possível isso ser Não é admissível isso ser E impossível isso ser E necessário isso não ser

E possível isso não ser É admissível isso não ser Não é impossível isso não ser Não é necessário isso não ser

Não é possível isso não ser Não é admissível isso não ser E impossível isso não ser E necessário isso ser.

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Page 45: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

To μεν οΰν αδύνατον καί ούκ αδύνατον τω ενδεχο- μενω καί δυνατά) καί ούκ ένδεχομένω καί μη δννατω ακολουθεί μεν άντιφατικώς, άντεστραμμένωs δε' τω μεν γάρ δυνατω ε ί­ναι ή άπόφασις του αδυνάτου, τη δε άποφάσει η κατάφασις- 35 τω γάρ où δυνατώ είνα ι το αδύνατον είναι· κατάφασις γάρ το αδύνατον εΐναι, το §è ονκ αδύνατον άπόφασις.

Το δ’ άναγκαΐον πω ς, οπτεον. φανερόν δη οτι ούχ οΰτως, άλλ’ αί' εναντίαι επονται, α ί δ’ αντιφάσεις χωρίς, ού γάρ εστιν άπόφασις του ανάγκη μη εΐναι το ούκ ανάγκη εΐναι· ενδέχεται 2 2 ι γάρ άληθεύεσθαι επ ί τον αύτοΰ άμφοτέρας- το γάρ άναγκαΐον μη εΐναι ονκ άναγκαΐον είναι, α ίτιον δε του μη άκολουθεΐν ομοίως το ΐς ίτέροις οτι εναντίως το αδύνατον τω άναγκαίω άποδίδοται, το αυτό δυνάμενον εΐ γάρ αδύνατον είναι, 5 άναγκαΐον τοΰτο ούχί εΐναι άλλα μη εΐναι· t ε ί δέ αδύνα­

τον μη εΐνα ι, τοΰτο ανάγκη εΐναι· ωστ εί εκείνα ομοίω ς τω δννατω καί μ ή , ταντα εξ εναντίας, έπεί σημαίνει γ ε ταύτόν τό τε άναγκαΐον καί το αδύνατον, άλλ’ ώσπερ είρηται, άντ- εατραμμένως. η άδύνατον οντω κεΐσθαι τάς τοΰ αναγκαίου άντι- ίο

φάσεις; το μεν γάρ άναγκαΐον εΐναι δυνατόν εΐναι· ε ί γάρ μ ή, ή άπόφασις άκολουθησει· άνάγκη γάρ η φάναι ή άποφά- ναι· ώ στ’ εί μή δυνατόν εΐνα ι, άδύνατον εΐναι· αδύνατον άρα εΐναι το άναγκαΐον εΐναι, οπερ ατοπον, αλλά μην τω γ ε δυ­νατόν εΐναι το ούκ άδύνατον εΐναι άκολουθεί, ταύτώ 8 έ το μή 15

άναγκαΐον είναι- ωστε συμβαίνει το άναγκαΐον εΐνα ι μ ή άναγ­καΐον εΐνα ι, οπερ άτοπον. άλλα μήν ούδε το άναγκαΐον εΐναι

ανάγκη bia in alt. col. η) : uno tenore ϋΔΣ (Svv. elv., ένδεχ. eh. , . . ovtc άναγκ. μί) eh., ού Sw. eh. . . . άναγκ. εΐν, B : δυν. eh., δνν. μη eh., οι5 διν. etv., ού δυν. μη elv., ένδεχ. eh. . . . άδιίν. eh. . . . άναγκ. μη ch., ούκ άναγκ. μη eh., άναγκ. eh., ούκ άναγκ. eh. Σ [qui haec post tabulam addidít] Δ [partim aliter disposita]) : ora. ΓΛ (habet tarnen Boethius in comm., aliter disposita) 33 μή] ού η : [Τ 1] άκολουβοΰσι nt [ΔΓ] 35άδννάτου-j- chai ΙιΔΣ $6 άδύνατον] δυνατόν η 37 °'’κ άδύ>'αταρ-(-elvai Σ 3® εχ« post irais add. nF, post ούτως B : *g 22^3άκολονθεΐν-^τό άναγκαΐον a : *s 5-6. el bis] δ α 6 οΰχί] ούκ αΑ :[Τ ’] 8 árd + o v ΒΔΣα: *η>

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 22“

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Da Interpretação

“É impossível isso ser” e “não é impossível isso ser”, seguem, portanto, por contradição e conversão, respectivamente, de “é admissível isso ser” e “é possível isso ser”, e de “não é admissível isso ser” e “não é possível isso ser”.116 Com efeito, a negação de “é impossível isso ser” [segue] de “é possível isso ser”; e também 35a afirmação segue da negação. Com efeito, “é impossível isso ser” segue de “não é possível isso ser”; ora, é afirmação “é impossível isso ser”, mas é negação [disso] “não é impossível isso ser”.

Deve-se observar como são as proposições que encerram o necessário. É evidente que elas não são como as proposições anteriores, mas aqui as contrárias se seguem, e as contraditórias são separadas. Com efeito, não é a negação117 de “é necessário 22b l isso não ser” a proposição “não é necessário isso ser”. Com efeito, admite-se ambas serem verdadeiras a respeito da mesma coisa, pois “é necessário isso não ser” não é “é necessário isso ser”. A causa,118 graças à qual o “é necessário” não segue de igual maneira as outras expressões, é que o “é impossível” equivale, de maneira invertida, ao “é necessário”, pois valem igualmente.119 5Se, com efeito, “é impossível isso ser”, “é necessário isso ser” não cabe, mas cabe a proposição seguinte: “é necessário isso não ser”.Se “é impossível isso não ser”, “é necessário isso ser”. Se, com efeito, aquelas proposições seguem, de maneira semelhante, de “é possível” e de “não é possível”, essas, de modo contrário, uma vez que o “é necessário” e o “é impossível” significam o mesmo, mas, como se acabou de dizer, de modo inverso. 10

Seria impossível que as contraditórias referentes ao “é ne­cessário” fossem dispostas de tal maneira? Com efeito, a proposição “é necessário isso ser” supõe “é possível isso ser”. Com efeito, se não for assim, a negação seguirá,120 pois é necessário afirmar ou negar. Por conseguinte, se “não é possível isso ser”, “é impossí­vel isso ser”. Então, “é impossível isso ser” é o mesmo que “é ne­cessário isso ser”, o que é absurdo. Porém, da proposição “é possível isso ser” segue a proposição “não é impossível isso ser”, e desta, 15 “não é necessário isso ser”. Por conseguinte, sucede que [a proposi­ção] “é necessário isso ser” é o mesmo que “não é necessário isso ser”, o que é absurdo. Porém, nem a proposição “é necessário

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Aristóteles

ακολουθεί τω Svvaròv είναι, ovSè τό άναγκαΐον μη είναι· τω μέν γάρ άμφω ενδεχεται συμβαίνειν, τούτων δ* όπότερον αν άλη-

20 θες η, ού κ ίτ ι εσ τα ι εκείνα αληθή■ άμ α γάρ δυνατόν είναι καί μη είναι· ε ί δ’ ανάγκη eivai η μη είναι, ούκ εστα ι δυνατόν αμφω. λ ε ίπ ετα ι τοίνυν τό ούκ άναγκαΐον μη είναι άκολουθεϊν τω δυνατόν elvat· τοΰτο γάρ άληθες κα ι κατά του άναγκαΐον eivaι. και γάρ αντη γ ίγνεται αντίφ ασή τη επόμενη τω ού δυνα-

25 τω είναι· εκείνα> γάρ ακολουθεί τό αδύνατον είναι κα ι άναγ­καΐον μη είναι, ου άπόφ ασις τό ούκ άναγκαΐον μη είναι, άκο- λουθοΰσιν άρα κα ι αΰτα ι α ί αντιφ άσεις κ ατά τον είρημενον τρόπον, κα ι ούδεν αδύνατον συμβαίνει τιθεμενων ούτως.

Άττορησειε δ’ αν τ ις ε ί τω άναγκαΐον είναι τό δυνατόν 3ο είναι επ ετα ι. ε ί τε γάρ μη επ ετα ι, ή άντίφασις ακολουθήσει, τό

μη δυνατόν είναι· και ε ϊ τ ις ταύτην μη φήσειεν είναι άντίφα- σιν, ανάγκη λεγειν τό δυνατόν μη είναι· άτrep αμφω φενδή κ ατά του άναγκαΐον είναι, άλλα μην πάλιν τό αύτό είναι δ οκ εΐ δυνατόν τεμνεσθαι κ α ι μη τεμνεσθαι, και είναι κα ι μη ε ΐ-

35 ναι, ώστε εσται τό άναγκαΐον είναι ενδεχόμενον μη είναι· τοΰτο δε ψευδός. φανερόν δη ότι ού παν τό δυνατόν η είναι η β άδ ι­ζε ιν κ α ί τα. αντικείμενα δύναται, άλλ’ εστιν εφ’ ων ούκ άληθες· πρώ τον μεν επ ί τω ν μη κ α τά λόγον δυνατών, οΐον τό πΰρ θερ­μαντικόν καί εχει δύναμιν άλογον, - α ί μεν οΰν μ ετά λόγου

23a δυνάμεις α ί αύταί πλειόνων κα ί των εναντίων, α ί δ’ aAoyoi ού π ά σ α ι, άλλ* ώ σπερ εϊρη τα ι, τό πΰρ ού δυνατόν θερμαίνειν κ α ί μη , ούδ’ οσ α άλλα ενεργεί αεί· ενια μεντοι δύναται κ α ί των κ α τά τά ς àAoyou? δυνάμεις άμ α τ α αντικείμενα· άλλα.

ι8 δυνατω Β : [Τ '] 19 âv om. η ': [Τ '] 20 άμα] άμφω Δ :-{•αμφω Σ : °η ' 24 Ttjs επομένης η'ΣΛ : [Δ] δυνατόν α^: βη ' :[Τ '] 26 άκολουθοΰσιν+τε Β : βη ' : [Τ'] ζ8 ίοντωΐ τιθέμενων Τ ! :hic eandem tabulam ac 22a24~31, sed ούκ άναγκ. etv. et ούκ άναγκ. μν elv. loco mutato, habent n'27sc,?aC 30 άπόφασις n‘ 3 1 μή ταΰ-την α^,ίΔΑΓ : °η' i/njaj) η ' : [Τ '] άπόφασιν η ' 32 λέγαν om. η' άπερ άμφω] άμφω Sè ηΔΣ 33- 4 δοκεΐ είναι η : [ΣΛ Γ] 3® priusη om. ΔΣαα 23a! αί ? om. ΔΑ 2 άλλ’ om. Σ Γ 4κείμενα+δέξασθαι BaacA

22b Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν ΕΙ Α Σ

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Da Interpretação

isso ser” nem a proposição “é necessário isso não ser” seguem de “é possível isso ser”.121 A essa proposição ambas aquelas duas se admite sucederem, mas, se qualquer uma das duas fosse verdadeira, a outra não poderia mais ser verdadeira.122 Simultaneamente, com 20 efeito, é possível isso ser e não ser. E se é necessário isso ser ou não ser, não é possível que ambas as proposições sejam.

Resta, então, que a proposição “não é necessário isso não ser” segue de “é possível isso ser”. Com efeito, esta também [segue] como verdadeira de “é necessário isso ser”. E ela [não é necessário isso não ser] aparece como contraditória da que segue de “não é possível isso ser”. Com efeito, dessa segue a proposição 25

“é impossível isso ser” e a proposição “é necessário isso não ser”, cuja negação é “não é necessário isso não ser”. Seguem, portanto, as contraditórias, conforme já se dissera anteriormente, e se forem assim dispostas, nenhum absurdo sucede.123

Alguém se encontraria em aporia se “é possível isso ser” se vinculasse a “é necessário isso ser”. Se, com efeito, não se vincula a 30

[essa], seguirá a contraditória “não é possível isso ser”. E se alguém dissesse não ser essa a contraditória, seria necessário dizer ser “é possível isso não ser”; precisamente ambas são falsas [quando ditas seguirem] da proposição “é necessário isso ser”. Porém, de novo parece ser o mesmo “poder isso ser cortado” e “não poder isso ser cortado”, e “poder isso ser e poder não ser”, por conseguinte a proposição “é necessário isso ser” será o mesmo que “é admissível 35

isso não ser”. E isso é falso.124 É evidente que nem tudo o que pode ser ou caminhar pode receber contrários. Há casos para os quais os opostos não são verdadeiros. Primeiramente, falemos das coisas que podem ser sem o emprego da razão, por exemplo, o fogo, que produz aquecimento e tem potência onde não intervém a razão.As potências125 onde se emprega a razão admitem, na maioria dos 23a l

casos, contrários; porém nem todas as potências sem [intervenção] da razão126 o podem, mas sucede aqui conforme já fora exposto: nem é possível o fogo aquecer e não aquecer, nem todas as coisas quantas são sempre em ato assim se comportam. Em verdade, algumas das coisas com potências [sem intervenção] da razão podem receber simultaneamente opostos. Mas o que também já

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Aristóteles

τοΰτο μεν τούτου χάριν εΐρη τα ι, o n ου π ά σ α δύναμις των αντί- 5

κειμένων, ουδ’ οσα ι λέγονται κ α τά το αυτό ε ίδ ο ς ,- eviai δέ δυνάμεις ομώνυμοί ε ίσ ιν τ ό γ άρ δυνατόν ούχ άπλώ ς λέγεται, άλλα το μεν οτι άληθες ώς ενεργεία ον, olov δυνατόν βαδίζειν ότ ι β αδ ίζει, κα ι δλως δυνατόν είναι ο τ ι ήδη εστι κατ' ενέργειαν δ λ έγ ετα ι δυνατόν, το δε οτι ένεργήσειεν ίο αν, ο Ιον δυνατόν βαδίζειν οτ ι βαδίσειεν άν. και αΰτη μεν επ ί τ ο ΐς κινητοις εσ τ ι μόνοις ή δύναμις, εκείνη δε καί επ ί t o î s άκινητοις· άμφω δέ άληθες είπεΐν τό μη αδύνατον είναι βαδίζειν η είναι., κα ί το βαδίζον ήδη καί ενεργούν καί το βα- διστικόν. τό μεν οΰν οϋτω δυνατόν ούκ άληθες κ α τά τοΰ άναγ- 15

καίου άπλω ς είπεΐν, θάτερον δε αληθές, ω στε, επ εί τω εν μ έ- ρει τό καθόλου έπ ετα ι, τω εξ ανάγκης οντι επ ετα ι τό δύνα- σθαι είναι, ου μέν'τοι παν. κ α ί εστι δή άρχή 'ίσως τό άναγ- καΐον κ α ί μή άναγκαϊον πάντω ν η εΐναι ή μή είναι, καί τ α άλλα ώ ς τούτοις άκολουθοΰντα επ ισκοπεΐν δει. ζο

Φανερόν δή εκ τω ν είρημένων ότ ι τό εξ ανάγκης δν κατ' ενέργειαν εστιν, ω στε ε ί ττρότερα τ α ά ίδ ια , κ α ί ενέργεια δυ- νάμεως προτέρα . κ α ί τα μεν άνευ δυνάμεως ένέργειαί είσιν, οΐον a i ιτρώται ούσία ι, τ ά δ ε μ ετά δυνάμεως, â τη μεν φύ­σει π ρότερα , τω χρόνω δέ υστέρα, τ α δέ ουδέποτε ένέργειαί 25 είσιν άλλα δυνάμεις μόνον.

14 Π ότερον δε εναντία εστίν ή κατάφ ασις τη άποφ άσει ή ή κατάφ ασις τη καταφ άσει, κ α ί ο λόγος τω λόγω ό λέγων οτι ττάς άνθρωπος δ ίκαιος τω ούδείς άνθρωπος δ ίκαιος, ή τό π ας άνθρωπος δ ίκαιος τω π α ς άνθρωπος άδ ικ ο ς ; οΐον εστι 30 Κ αλλίας δ ίκαιος - ούκ εσ τ ι Κ αλλ ίας δ ίκαιος - Κ αλλίας άδικός

8 ivépyeia η ν ot> om. ηαΛ, ί ο λ^γεται-\-etvai ΒΑΣΛα^ ι ι δυκατόι>+eîrat Β/Ια · 13 μτ) αδύνατον] Βννατόν ΑΣα?α° ; “quidam teste Amm. : [Ζ1] 14 τό èvepyow ΒαΛ,?/ϋ7: [Λ] 16-17 τό «< μερει τφ Β19 prius καί+τό α ,ίΛ 2ο eandem tabulam ac 22a2'4~3i) sed aliter dispos., habent ι\Σ$° 23 ενεργείς BA A: °a cs 24 â om. Α Σ: *s25 δε χρόνο) Bs : [Τ’*] ενεργείς BAA 26 δυνάμει AΑ Γ 3ο άδικος;οΓοί'] άδmós έστιν, nA 3o-1 Καλλίας Sixaws εστιν ηΑΣΑα^ 3 1Καλλίας δίκαιος ούκ εατιν AAaF

Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ 23“

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D a Interpretação

se acabou de dizer a propósito dessa matéria é que nem toda 5potência concerne aos opostos, nem todas quantas são se dizem de uma mesma forma [referente aos contrários]. E algumas potências são homônimas.

Com efeito, o “é possível” não se diz de maneira absoluta, mas é verdadeiro o que é em ato, por exemplo, é possível caminhar aquele que caminha, e, de maneira geral, é possível ser aquele que já é em ato, o qual se diz ser possível, e também o que seria em ato, 10por exemplo, é possível caminhar aquele que caminharia. E esta potência127 pertence somente às coisas móveis; aquela, também às coisas imóveis. Em relação a ambos os seguintes casos - ao que já caminha e é em ato e àquele que pode caminhar - é verdadeiro dizer que não é impossível poder caminhar ou ser. Desse modo, não é verdadeiro dizer o possível do que é absolutamente necessário,128 15

mas é verdadeiro dizê-lo em relação a uma outra necessidade. Por conseguinte, uma vez que o universal se vincula ao particular, o “é possível isso ser” se vincula ao que é necessariamente, mas não em todo caso.129

E é igualmente o necessário e o não necessário princípio de todas as coisas - quer o que seja quer o que não seja - e é preciso 20 observar como o restante das coisas deles segue.

É evidente, a respeito das coisas já ditas, que o que ne­cessariamente é,130 é em ato, por conseguinte se as coisas eternas são anteriores, o ato é anterior à potência. Umas coisas são em ato sem potência, por exemplo, as substâncias primeiras;131 outras com potência, as quais são anteriores pela natureza e posteriores pelo 25

tempo; há ainda aquelas que jamais são em ato, mas são apenas potências.

XIVQuais das duas são contrárias?132 A afirmação à negação? A

afirmação à afirmação? A proposição “todo homem é justo” será con­trária à proposição “nenhum homem é justo”, ou a proposição “todo homem é justo” será contrária à proposição “todo homem é injusto”?Por exemplo, “Cálias é justo” // “Cálias não é justo” // “Cálias é injusto” - 30

quais dessas duas proposições são contrárias?133 Se, com efeito,

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Aristóteles

εστιν, π οτέρα εναντία τούτων;—εί γάρ τά /Aey rfj φωνή ακολουθεί τ ο ΐς εν τη διανοία, εκ ε ί δ’ εναντία δόξα ή τοΰ εναντίου, οΐον οτ ι π α ς άνθρωπος δ ίκαιος τί) 7τ&ς άνθρωπος άδικος,

35 κα ί επ ί των εν τη φωvfj καταφ άσεω ν ανάγκη ομοίω ς εχειν. εί δε μηδέ εκ ε ί ή τοΰ εναντίου δόξα εναντία εστίν, ουδ’ ή κατά- φασις τη καταφ άσει εσ τα ι εναντία, άλλ’ ή ειρημένη άπόφασις. ω σ τε σκεπτέον πο ια δόξα αληθής φευδει δόξη εναντία, πότε- ρον ή της άπαφάσεω ς η ή το εναντίον είναι δοξάζουσα. λέγω

40 δε ώδε· εσ τ ι τις δόξα αληθής τοΰ άγαθοΰ οτι αγαθόν, άλλη δε 23b οτ ι ούκ αγαθόν ιψευδής, έτέρα δε οτι κ α κ ό ν π ατέρα δή τούτων

ενάντια τη άληθεΐ; κα ι ει εσ τ ι μ ία , κ α τά ποτέραν εναντία; (το μεν δή τουτω ο ϊεσθα ι τάς εναντίας δόξας ώ ρίσθαι, τω των εναντίων είναι, φεΰδος· τοΰ γάρ άγαθοΰ οτ ι αγαθόν και τοΰ

5 κακοΰ οτι κακόν ή αυτή Ίσως καί αληθής, ε ίτ ε ττλείους είτε μ ία εστίν· εναντία δε ταΰτα· άλλ’ ού τω εναντίων είναι εναντίαι,

7 άλλα μάλλον τω έναντι ως.)7 Ε ί δή εστι μεν τοΰ άγαθοΰ οτι εστίν

αγαθόν δόξα , εστι δ’ οτ ι ούκ άγαθόν, εστι δε οτ ι άλλο τ ι ο ούχ υπάρχει ουδ’ οΐόν τ ε ύπ άρξα ι (των μεν δή άλλων ούδεμίαν

ίο θετέον, οϋθ’ οα α ι ύπάρχειν το μή ύπάρχον δοξάζουσιν οϋθ’ δσαι μή ύπαρχειν τό ύπάρχον, -ά π ε ιρ ο ι γάρ άμ φ ότεραι, καί δσαιύπάρχειν δοξάζουσι τό μή ύπάρχον κα ί οσ α ι μή ύπάρχειν τόt / ) »/ 1 t f > / f * ύπ αρχον ,- αΛΛ ev οσαις ecrrtv η απ ατη · αυ τα ί öe €ς ων αιγενέσεις· εκ των αντικειμένων δε α ι γενέσεις, ω στε καί α ί

ΐ5 άπάται), ει οΰν τό άγαθόν καί άγαθόν καί ού κακόν Ιστιν, καίτό μεν κ α θ ’ αύτό τό δε κ α τά συμβεβηκός (συμβέβηκε γάρ

32 ποτέρα+δή Βα: [ΑΛ] μηδέ] /Λή_ηΒ/ίαΑ 37 εστίν ηΣ Γ23^1 ίτε'ρα] άλλη η: [Τ ’] 2 καθ' όποτέραν ή εναντία Βα^: [T ‘] Jαληθή;-]- εσται Β : *α° 6 eVavTtat] -ία Βα^: [ΑΣΓ] 7 εστίν om. η8 prius ?<m] άλλη ΒΣα alt. οτι om. ΒΑΣα^: καί Γα^ τι om. ΑΣ g δή om. η,ίΑΛΓ ίο ύπάρχειν το μή] ούχ ύπ. το η ιο-π alt.ο α α ι. . , ύπάρχον] όσα (ίοσαι) αν υπάρχει ύπάρχειν η 13 δε εξ ών]/// δε εξ ών η : ίε είσιν εξ ων Δ : δε εξ ων εισιν Σ

23a Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν ΕΙΑ Σ

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os sons falados seguem o que está na mente,134 e nessa é contrá­rio o juízo que tem alguma coisa de contrário, por exemplo, “todo homem é justo” é contrário a “todo homem é injusto”, também nas afirmações com sons falados deve acontecer o mesmo. 35

Porém, se ali135 não é contrário o juízo que tem alguma coisa de contrário, não será contrária a afirmação à afirmação, mas será a negação já dita. Por conseguinte, é necessário examinar qual juízo verdadeiro é contrário ao juízo falso, qual dos dois seguintes: o juízo da negação ou o juízo que sustenta ser o contrário? Eu quero dizer o que se segue. 40

É verdadeiro um juízo que diz do bom que é bom; um 23b 1

outro, falso, diz que não é bom; e há, distinto dos anteriores, o juízo que diz ser o que é bom mau. Qual desses é contrário ao verdadeiro? E se um deles existe, em relação a qual dos outros dois é contrário? (Por outro lado, é falso pensar, em relação a isso, serem definidos os juízos contrários pelo fato de pertencerem a coisas contrárias. Com efeito, o juízo que diz do bom que é bom é talvez o mesmo que diz do mau que é mau, e também é verdadeiro; 5

pouco importa aqui se se trata de um ou de vários juízos. E essas coisas são contrárias.136 Porém, não são os juízos contrários por dizerem respeito a coisas contrárias, mas mais pelo fato de serem ditos de modo contraditório.)137

Se existe juízo que diz do bom que é bom, e outro que diz que não é bom, e ainda o juízo de alguma outra coisa, a qual não subsiste nem pode subsistir [no que é bom] (não se deve colocar nenhum outro juízo: nem todos aqueles que assertam subsistir o 10que não subsiste, nem todos aqueles que assertam não subsistir o que subsiste) - com efeito, uns e outros são infinitos,138 seja todos aqueles que assertem subsistir o que não subsiste, seja todos aqueles que assertem não subsistir o que subsiste - porém, em todos esses [juízos] há o engano.139 Esses juízos provêm das coisas onde há gêneses. As gêneses140 dizem respeito aos opostos, de tal maneira que há também aqui engano. Se, então, o bom tanto é bom quanto 15não é mau;141 de um lado, é bom por si mesmo; de outro, não é mau por acidente (com efeito, para ele acidental é não ser mau).E o juízo mais verdadeiro a propósito de cada uma das coisas é

D a Interpretação

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Aristóteles

αντω ον κακω e U t) , μάλλον δ’ έκαστον αληθής ή καθ' αυτό, κα ί ψευδής ε'ίπερ κ α ϊ αληθής.—ή μέν ονν o n ονκ αγαθόν το αγαθόν τον καθ' αντό υπάρχοντας ψευδής, ή Sè τον δ η κ α ­κόν τον κατά σνμβεβηκός, ω σ τε μάλλον αν εΐη ψευδής τοΰ ζο αγαθόν ή τής άποψ άσεω ς ή ή τοΰ εναντίον, διέψ ενσται Sè μ άλ ιστα περί έκαστον ό τήν εναντίαν εχων δόξαν· τ α γαρ-εναν­τ ία τω ν πλεΐστον διαφερόντων π ερ ί το αντό. έ ί οΰν εναντία μεν τούτω ν ή έτέρα, εναντιω τερα δε ή τής άντιψ άσεω ς, δήλον δ η αϋτη αν εϊη ή εναντία, ή δε τοΰ δ η κακόν το αγαθόν σνμπε- ζ5 πλεγμένη εσ τ ίν καί γάρ o n ονκ αγαθόν ανάγκη ίσω ς ύπο- λαμβάνειν τον αντόν. ιη

"E n δ’ ei Kal επ ί των άλλων ομοίως ιη Set έχειν, κα ί ταυτη αν δόξειε καλώ ς είρήσθαι· ή γάρ παν- ταχον τό τής άντιψάσεως ή ούδαμοΰ· δσοις δε μη εστιν εναν­τ ία , π ερ ί τούτων εσ τ ι μεν ψευδής ή τή άληθεΐ σ,ντικειμένη, 30.

οΐον ό τον άνθρωπον μή άνθρωπον οίόμενος διέψενσται. el οΰν αΰ τα ι .εναντίαι, κα ί a i άλλαι, a i τής άντιφάσεως.

"Ετι ομοίω ς εχ ει ή .τοΰ άγαθοΰ δ η αγαθόν κα ί ή τοΰ μή άγ α- θοΰ δ η ούκ αγαθόν, κα ί προς ταυ τα ις ή τον άγαθοΰ δτι ονκ αγαθόν κα ί ή τοΰ μή άγαθοΰ οτι αγαθόν, τή οΰν τοΰ μή άγαθοΰ 35 δτι ονκ αγαθόν άληθεΐ ουση δόξτ) τ ις εναντία ; ου γ άρ δ ή ή λεγου- σ α δτι κ α κ ό ν άμ α γάρ άν π ο τε εϊη αληθής, ουδέποτε δ<? άληθής άληθεΐ εναντία· earn γάρ τ ι μή αγαθόν κακόν, ω στε ενδέχεται άμ α αληθείς εΐναι. οΰδ’ αΰ ή δ η ού κ α κ ό ν [αληθής γάρ κα ί αΰτη ·] ά μ α γάρ κα ί ταΰ τα αν εϊη. λ ε ίπ ετα ι δή τή τον μή άγαθοΰ 40

δτι ούκ αγαθόν εναντία ή τοΰ μή άγαθοΰ δ η άγαθόν [ψευδής■ 24»

20-1 δόξα post ψενδής add. Σ, post άποφάσεως A, post εναντίου Βα άποφάσεως Δα? 2$ prius ή om. α: [Τ '] 29 άποφάσεωςΚ 3 ° Vom. η 3 1 μή] où/c Β : [Τ 1] οίόμενος άνθρωπον α^,ίΔΣΛ : [Γ] 3 2έναντίαι bis scr. n α£ bis om. n, ? A : ait. om. Σ 34 7r/)ôi,'-p yt n :[T ‘] 36 Ttî+âr εϊη (+ ή B) B^oA : +i<mv ΣΛα? ή-\-γε n : *s : [Τ ’]37 elev αληθείς ηΣας 39 αληθής . . . αΰτη om. A καί om.(j)a^ 40 8ij] οΰν B-Sa^ : δή οΰν αΑ : [Λ] 24al ψευδής om. Δ Λ :*? a c , Alex. Aphr.

Π Ε Ρ Ι ΕΡ Μ Η Ν ΕΙΑ Σ 23b

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aquele que diz respeito ao que é por si mesmo,142 e se é isso, é assim tanto para o verdadeiro quanto para o falso.143 Portanto, dizer não ser bom o que é bom é juízo falso a propósito do que subsiste por si mesmo [no que é bom]. Por outro lado, o juízo que diz do que é bom ser mau é juízo falso a propósito do que subsiste por acidente 20[no que é bom],144 de modo que mais seria falso o juízo com a negação do que é bom do que o juízo com o seu contrário.

Mas é sobretudo o que tem juízo contrário145 a respeito de cada uma das coisas que se engana. Com efeito, os contrários são o que há de mais diferente em referência à mesma coisa.146 Se então dentre esses, há um juízo contrário distinto, mais contrário é o juízo da contradição, é evidente que esse deveria ser o [por si mesmo] contrário.147 O juízo que diz que o bom é mau é 25complexo.148 E, com efeito, talvez seja necessário supor que ele [o bom] não é bom.149

Demais, se também nos outros casos deve ser de maneira semelhante, também pareceria que já estão esclarecidas as coisas aqui. Com efeito, ou em todos os casos o contrário está na contradição ou não está em nenhum lugar. Para todos aqueles casos onde não há contrários - em relação a esses - o juízo oposto 30

ao verdadeiro é o que é falso. Por exemplo, o que crê que o homem não é homem se engana. Se, então, esses juízos150 são contrários, também os outros [que tais]151 encerram contradição.

Demais, e de maneira semelhante, há o juízo que diz do bom que é bom e o que diz do não bom que não é bom, e, além desses, o que diz do bom que não é bom, e o que diz do não bom que 35é bom. Qual é, então, o juízo contrário ao que diz do não bom que não é bom, uma vez que esse é verdadeiro? Com efeito, não é o que diz que é mau. Com efeito, seriam então simultaneamente verdadeiros, e nunca o verdadeiro é contrário ao verdadeiro.152 Com efeito, diz-se mau o que não é bom, de modo que se admite serem simultaneamente verdadeiros.153 Não é, por sua vez, o caso do juízo que diz do [não bom] que não é mau [com efeito, este também é verdadeiro]; com efeito, também esses154 simultaneamente po- 40

deriam ser. Resta o juízo que diz do não bom que é bom [este é falso],155 como contrário ao que diz do não bom que não é bom 24a l

D a Interpretação

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Aristóteles

αληθής γάρ αυτή], ω στε κ α ί ή τοΰ άγαθοΰ οτ ι ούκ άγαθόν Tfj 3 τοΰ άγαθοΰ οτι άγαθόν.3 Φανερόν δέ οτι ούδεν διοίσει ούδ' αν καθόλου

τιθώ μεν την κατάφασιν ή γάρ καθόλου άπόφασις εναντία 5 εσται, οΐον τή δόξη τη δοξαζουση οτι παν άγαθόν άγαθόν

ή οτι ούδ εν των άγαθων άγαθόν. ή γάρ τοΰ άγαθοΰ οτι άγαθόν, εί καθόλου τό άγαθόν, ή αύτη εστι τη ο τ ι âv ή άγαθόν δοξαζουση ότι άγαθόν τοντο δε ούδεν διαφέρει τοΰ ότι παν δ âv fj άγαθόν άγαθόν εστιν. ομοίως δε καί επ ί τοΰ μή

2 4 b άγαθοΰ.ι Μστ ernep em οοξης όντως €ΐσι oe ai ev tjj φωιητ)

καταφ άσεις καί αποφάσεις σύμβολα των έν τη φυχή, δήλον ότ ι κα ί καταφ άσει εναντία μεν άπόφασις ή π ερ ί τοΰ αυτού καθόλου, οΐον (τη) ό τ ι π'άν άγαθόν άγαθόν fj οτ ι π ας άν-

5 θρωπος αγαθός ή οτ ι ούδεν η ούδείς, άντιφ ατικως δε οτι η οι; παν η ού π ας. φανερόν δε κ α ί ο τ ι άληθή άληθεΐ ούκ ενδέχεται εναντίαν είναι ούτε δόξαν οΰτε άντίφ ασιν έναντίαι μεν γάρ α ΐ π ερ ί τ α άντικείμενα, π ερ ί ταΰ τα δ’ ενδέχεται άληθεύειν τον α ύ τ ό ν άμ α δέ ούκ ενδέχεται τ α εναντία ύπάρχειν τω αντω .

2, α λ η θ ή ς ] / / / / / / η : ο ύ κ ά λ η θ ή ; A , q u i d a m t e s t e A l e x . A p h r . : o m . Σ Λ α : * 0 t r a n s l . W i l l e lm i j J a c e t A l e x . A p h r . γ ά ρ α ΰ τ η o m . Λ 5

7r â v -| - ô â v j f n m a r S 'B / d 2 M a α γ α θ ό ν i c m v Β , ί Δ Λ 6 p r i u s ή ] ή

id,?B: îom. n 7 TfH~Tr v B 24^3 ή ά-πόφασ η : [Τ’] 4 Tfiom. ηΒΔΣΓα ait. ότι om. Δ ,ίΓ $ ij] ή Σ ,!η : ή ή Λ prius ότι+ή Γ άποφατικως : ίάποφαντ. Δ : ά//φαντικον η ait. ότι om.Λ α ,ίΣ ait. ί)] ή Β,?η : om. (Δ)Σ 6 πάς. . . irâv ηΛαΛ : [-ST] ή] ίήηΒ : [jî] ότι καΙΔΑα: io n Σ άληθεΐ αληθή ηΔ ; *α° 8 ταδτα] τοαυτά jda^ac

Α Ρ Ι Σ Τ Ο Τ Ε Λ Ο Υ Σ Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε Ι Α Σ η Β

23b Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ

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[este é verdadeiro], por conseguinte também o juízo que diz do bom que não é bom é contrário ao juízo que diz do bom que é bom.

É evidente que não haverá diferença mesmo que façamos a afirmação de maneira universal. Com efeito, a negação posta de maneira universal será contrária [à afirmação], por exemplo, o juízo que diz que nada do que é bom é bom156 é contrário ao que diz que tudo o que é bom é bom. Com efeito, o juízo que diz do bom que é bom, se o bom for considerado universalmente, é idêntico ao juízo que asserta ser bom o que é bom.157 Esse juízo em nada difere do que diz que tudo que é bom é bom. E de maneira semelhante se passa com o não bom.

Por conseguinte, se assim é com o juízo,158 e se as afirma­ções e negações faladas são símbolos das coisas que estão na alma, é evidente que a negação a respeito da mesma coisa, considerada universalmente, é contrária à afirmação, por exemplo: ao juízo tudo que é bom é bom, ou ao juízo todo homem é bom, são contrários os juízos nada [do que é bom é bom], ou nenhum [homem é bom], e, de modo contraditório, há o juízo que diz que nem tudo [que é bom é bom], ou que nem todo [o homem é bom]. É manifesto que não se admite ser contrário o verdadeiro ao verdadeiro, nem em relação aos juízos [contraditórios] nem em relação às proposições contraditórias. Com efeito, os contrários se referem aos opostos, e a respeito desses se admite que uma mesma pessoa produza juízos verdadeiros; porém, não se admite que os contrários subsistam simultaneamente na mesma coisa.

Da Interpretação

24b 1

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Aristóteles

N otas

1. A palavra grega άπόφανσις, literalmente “declaração”. Proposição é um análo­go consagrado, άπόφανσις significa “um dizer para fora, objetivo, um declarar, que aclara a condição do sujeito”. Moerbeke e Pacius preferiram enunciação (enuntiatio).

2. Cf. Refutações sofísticas, 165a 6. Nessa obra, os símbolos estarão não no lugar dos pensamentos, mas das coisas.

3. Aristóteles usou a palavra símbolo e a palavra sinal (σημεΐον). O símbolo é uma convenção, o sinal é a mera remissão objetiva a alguma coisa. O símbolo é mais que o sinal, mas também é um sinal. Cf. Retórica, 1357b 1. Na nota 38 da edição portuguesa da Retórica, Manuel Alexandre Junior, Paulo Alberto e Abel Pena escrevem ser “o semeion um sinal, signo ou indício de que algo acon­teceu ou que existe. Por comparação com o conceito de probabilidade, o sinal supõe relação entre dois fatos. Se esta relação for necessária, o sinal chama-se tekmerion (argumento concludente ou prova irrefutável)”. Cf. Retórica, 1357b 1; 1417b 2.

4. O Da Interpretação tratará essencialmente da declaração ou proposição, os es­tados da alma ficam para outro estudo (Da Alma).

5. Cf. Categorias 13a 37-13b 12. Só se pode falar em valores de verdade para as declarações (proposições) onde as coisas aparecem articuladas sob complexão (συμπλοκή).

6. Cf. Metafísica, Z, 1030a 17-27. De algum modo, também o que não subsiste pode ser dito que é.

7. Cf. Crátilo, 388a-c, onde os nomes aparecem como ferramentas, são, portanto, lapidados para o seu fim. Também Epicuro refutará a natureza convencional dos nomes, mas de outra tópica: “Disso se deve admitir também que os nomes não surgem originariamente por convenção, mas as próprias naturezas dos homens, conforme cada povo, a experimentar afecções peculiares e a captar imagens peculiares, expelem, à sua maneira, o ar que é enviado, conforme cada uma das afecções e imagens, de modo que então houvesse diferenças entre os povos, conforme as regiões” (Carta a Heródoto, p.75-6).

8. Kalos [belo]; hippos [cavalo].9. Pequena e leve embarcação usada por piratas.

10. A natureza convencional do nome é bem cunhada aqui. Embora convencional,o nome acolhe a natureza das coisas, na condição de símbolo.

11. “De Filão” corresponde ao genitivo; “a Filão” corresponde ao dativo.12. Leia-se à maneira contemporânea: ainda não se entrou aqui no campo dos

valores de verdade.13. Desde Dionísio, o Trácio, a gramática considera também o caso do nome ou

nominativo (31, 5).14. Embora não tenha aparecido no texto grego aqui utilizado, ο άεί [sempre] está

presente em versões da Antiguidade, como a de Boécio, e reaparece na versão

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de Pacius. A sua exclusão por Minio-Paluello parece-me injustificada, ύπάρχω [subsistir] aparecerá diversas vezes neste capítulo dedicado ao verbo. É um verbo importante porque sugere não só a existência, mas a sua continuidade, a subsistência, articulando-se, portanto, com a noção de substância. Seu uso é um traço da língua de Aristóteles e é bem provável que seja invenção do Esta- girita. A propósito, vide Kneale; Kneale, 1980, p.65.

15. Aristóteles detecta a dificuldade de pensar certos conceitos pela inexistência de um nome que o designe. Às vezes chega mesmo a apontar para a necessidade de criar o nome para designar a coisa anônima. A propósito, vide Categorias, 7a 5-22, trecho do capítulo reservado aos relativos.

16. “Cálias não tem saúde”: se Cálias existe e não tem saúde, a proposição é ver­dadeira, mas se Cálias não existe, também é, nesse caso deveria ser lida: não existe (é) Cálias são (que tem saúde) ou que não é são. A propósito, conferir Categorias, 13b 12 e 13b 36. O predicado sempre procurará o seu sujeito, isto é, nele deve subsistir. Outra questão é se esse subsiste mesmo.

17. Pacius lembra que o verdadeiro e perfeito verbo é aquele que significa a coisa no presente. O que está ao redor desse tempo é passado ou presente.

18. O pensar que a coisa é não garante por si mesmo que ela seja.19. O sinal sempre remete a alguma coisa para além dele. O sinal de que a coisa

subsiste é prova da existência da coisa.20. Traduziu-se aqui a palavra grega pragma por “aquilo que subsiste”.21. O texto de Pacius registra άπόφασις [negatio]. Dado o escrúpulo do grande

tradutor italiano, é razoável supor que ele disporia de fontes que lhe autoriza­ram a inclusão de negação no texto.

22. άνθρωπος - Ackrill, em sua grande tradução do Da Interpretação para a língua inglesa, por um descuido, traduz por “animal”.

23. Organon - a palavra grega que traduz instrumento, ferramenta. Aristóteles se afasta da tese de Platão, do Crátilo.

24. Ackrill se insurge contra o uso de declaratory [declaratório] ao dizer que essa tradução perde a identidade da raiz grega. Entretanto, a palavra de origem lati­na traduz bem a grega, no caso.

25. Para maior clareza, repete-se aqui a expressão colocada entre colchetes.26. Moerbeke traduziu o trecho por “Est autem una prima oratio enunciativa afir-

matio, deinde negatio” [É, então, a afirmação, a primeira oração enunciativa, una, em seguida a negação].

27. A articulação de unidades do discurso declaratório pode compor discurso uno. Essa ligação é algo profundo que não se confunde com a simples presença da conjunção.

28. Se se diz “Sócrates é”, ou seja, Sócrates subsiste, já estamos no campo dos dis­cursos declaratórios. Segundo Boethius (1877-1880, p.77, 13-23), ao se dizer “Sócrates não é”, separa-se o “ser”, enquanto predicado de Sócrates. De modo análogo, ao se dizer Sócrates não é filósofo, separa-se o “ser filósofo”, enquanto predicado de Sócrates.

D a Interpretação

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Aristóteles

29. Ο δ ιό τ ι [por quê?] denota uma pergunta objetiva (Mignucci, 1965, p.325). No caso, deve haver elementos objetivos que permitam a produção da unidade.

30. Cf. Metafísica, Z , 12, e Segundos Analíticos, II, VI.31. Assindético - sem profunda conexão entre as substâncias, cuja ausência

produz o múltiplo. Gato, cachorro, rato e outros que tais, mesmo que apareçam sem conectivo a articulá-los, compõem a espécie animal, e como “animal” se articulam, com ou sem conectivo, no discurso que lhes diga respeito.

32. A subsistência ou não de um predicado ou mesmo de um sujeito deve ser sempre tomada em referência ao tempo.

33. O tempo exterior ao que é agora, exterior ao presente, isto é, o passado e0 futuro.

34. O texto grego é muito sucinto, mas é evidente que supõe o afirmar e o negar há pouco referidos.

35. Identificação da homonímia, da anfibolia e de outros conceitos, pela qual se afastam os embaraços da proposição apresentados pelos sofistas, descritos sobretudo nas Refutações sofísticas. A esse propósito consultar também a Metafísica, 1005b 19-35, onde se apresentam o princípio da contradição e as restrições, as precisões de sentido, de tempo, de linguagem, necessárias para que ele se imponha. Especificamente sobre a homonímia, vide Categorias, la1 -1 a 6. Trata-se de citação clara a este último tratado, que o Da Interpretação certamente supõe.

36. O universal e o singular são substâncias e por isso podem acolher as demais categorias.

37. “Todo homem é branco” e “todo homem não é branco” (“nenhum homem é branco”) são proposições contrárias. Sobre o universal, consultar os Segundos analíticos, 73b 26-27.

38. A brancura subsiste no sujeito universal, segundo a teoria das categorias. “Todo homem é branco” // “todo homem não é branco” (“nenhum homem é bran­co”) são proposições contrárias. Nessas proposições, o universal foi tomado universalmente.

39. Na proposição “um homem é branco”, o universal é particularizado, não é tomado universalmente, mas uma parte do conjunto dos homens é retirada, uma parte qualquer indefinida, não singular, por isso não há necessariamente contradição entre “um homem é branco” e “um homem não é branco”. Eis por que uma parte do conjunto dos homens (isto é, do universal) pode ser branca, pode ser amarela, pode ser negra. A tais proposições se refere Aristóteles nos Primeiros analíticos como declarações particulares, 24a 17, 25a 7-13. A expressão έυ μ έρ ει se aplicará também aos silogismos, 53a 5-17. De modo diferente, na proposição “todo homem é branco”, ou universal “homem” é tomado universalmente (todo).

40. Portanto, nas proposições “um homem é branco”, “um homem não é branco”, o universal não foi tomado universalmente.

41. Já na proposição “todo homem é branco”, o universal (homem) foi tomado universalmente (todo).

42. Esse trecho vai contrastar com o que o segue imediatamente.

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43. A operação com o quantificador universal (todo) não pode ser aplicada ao predicado. Isso conduziria a absurdos como a multiplicação do singular: “Sócrates é todo homem”. Na proposição “todo homem é todo animal” haveria diversas identidades entre o homem e o animal. A espécie ou o gênero ora aparece em Aristóteles como coletivo inspirado na biologia, o universal na totalidade dos indivíduos concretos, cujo pioneiro foi Aristóteles, ora aparece como a forma do múltiplo, o universal extraído dos indivíduos concretos. Evidentemente, na frase “Sócrates é animal”, é a forma do múltiplo que comparece. Afinal, não é possível, pela proposição, revelar uma identidade quantitativa entre o indivíduo e o conjunto de seus pares (coletivo), pois se isso fosse possível, também nesse caso Sócrates, paradoxalmente, seria mais de um. Averroès (2000, p.98) observará em seus Comentários médios que a quantificação do predicado leva ou ao erro (“todo homem é todo animal”) ou à redundância (“todo homem é um animal”).

44. Segundos analíticos, 86b 33-36, sobre a anterioridade da afirmação em face da negação. Al-Farrabi (apud Benmakhlouf e Diebler, Introdução ao Commentaire moyen, 2000, p.51-2), dá três razões para a anterioridade da afirmação: a primeira é a simplicidade, a negação tem uma partícula a mais; a segunda é o fato de a afirmação possibilitar o conhecimento da coisa, enquanto a negação nos remete ao que é exterior à coisa; a terceira razão é dada pela frequência, a afirmação é mais usada nos silogismos do que a negação.

45. Normalmente se traduz a palavra àVTÍ^aotç por “par de” proposições con­traditórias ou par de contraditórias. Mantive o sentido primeiro, sem prejuízo, a meu ver. Há uma imprecisão no trecho que remete a duas universais tomadas universalmente e contraditórias. Eventualmente, ambas serão falsas: “todo homem é branco” // “todo homem não é branco”.

46. Isto é, homem, conceito universal, tomado não universalmente, quantificado por um, algum, nem todos. Enfim, proposição particular.

47. “Um homem não é branco” significa um qualquer, uma parte do conjunto dos homens não é de brancos. Nenhum introduz uma universal, e pode ser lido como “de todos os homens, nem ao menos um”.

48. Enfim, as possibilidades já dadas: todo homem (universal tomado univer­salmente), Sócrates (sujeito singular), um homem qualquer (o universal não considerado universalmente).

49. As proposições, para esclarecer a passagem: “Sócrates é amarelo” e “Sócrates não é branco” não são contraditórias (a mesma coisa, Sócrates, se refere a duas outras, brancura e amarelidão). O par “o porco é animal” e “a árvore não é uma planta” poderia ser exemplo de uma outra coisa negada de outra coisa. Nesses casos, as negações são totalmente exteriores e não constituem contradição. Era isso que Antístenes (Metafísica, 1024b 30-35) sustentava acontecer sempre, quando dizia ser impossível a contradição. Sua posição foi notável contributo para o desenvolvimento do conceito de negação e de sua relação com o conceito de contradição, os quais encontram a forma definitiva em Aristóteles. A despeito

D a Interpretação

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Aristóteles

de sua crítica, Aristóteles prestou-lhe a devida homenagem, seja na Metafísica seja nos Tópicos, 104b 18-22. No trecho ora analisado, é inequívoco o eco do pensamento antistênico no jovem Aristóteles. Vale notar que Platão manteve eloquente silêncio a propósito de seu contemporâneo Antístenes e de suas desconcertantes teses. Aqui evitei traduzir coisa por predicado ou sujeito, até para mostrar que os recém-nascidos não vêm ao mundo limpos, como sugerem certas traduções. Com o parto da teoria das proposições, as coisas não se passaram de modo distinto do habitual.

50. “O homem é branco” e “o homem não é branco” são duas proposições particulares que podem ser simultaneamente verdadeiras, ou simultaneamente falsas. A considerar de modo rigoroso, se se tratar de sujeitos distintos, não caberia falar aqui em contradição. Como Aristóteles mesmo afirmara neste Capítulo VII: “[...] é necessário a negação negar a mesma coisa que a afirmação afirma e da mesma coisa [sujeito] [...]”.

51. Se há um predicado, um sujeito, um quantificador, há apenas uma afirmação e apenas uma negação.

52. Significar uma coisa de uma coisa: um predicado de um sujeito.53. Himátion, originariamente, significa veste, mas está aqui como um simples nome.54. A redação desse trecho é muito sintética, o que gera diferentes caminhos de

tradução. O trecho deve ser lido, porém, da seguinte maneira: as proposições contraditórias referentes a coisas universais, consideradas universalmente, são duas: uma verdadeira, outra falsa. Isso, porém, nem sempre ocorre.

55. Das proposições contraditórias referentes a coisas singulares, uma é verdadeira, a outra é falsa. Não confundir o particular com o singular. Hegel, em sua lógica, trabalhará com a particularidade, a singularidade e a universalidade, de modo a marcar o peso da herança do Estagirita (um homem qualquer, Sócrates, e todos os homens).

56. Aristóteles usa a redução ao absurdo para demonstrar que a possibilidade é uma categoria de que não se pode prescindir. É por isso que dirá adiante: “Essas e outras coisas desse gênero são os absurdos que sucedem, se de fato é necessário ser uma das opostas verdadeira e a outra, falsa [...]” (18b 26), em sè tratando do^uturos contingentes.

57. Na verdadé,fflá‘ uma dificuldade em se trabalhar com os valores de verdade e falsidade para os futuros contingentes, e o raciocínio de Aristóteles peca aqui exatamente por isso.

58. O texto estabelecido por Minio-Paluello traz a palavra |J.éÀav [negro], que me parece mais próxima da lógica do texto, ainda que fora da tradição (Moerbeke, Pacius, Tricot, Ackrill), que considera aí haver |J,£Yav [grande]. Em verdade, a diferença em grego é de uma letra, um gama que se troca por um lâmbda. Com essa opção de tradução, o trecho do Da Interpretação em exame se aproxima mais da solução do princípio da contradição na Metafísica, 1005b 19.

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Da Interpretação

59. A preocupação que se teve foi evitar formas verbais do português que pudessem encerrar a noção de possibilidade, por isso a opção, ainda que às vezes pouco natural, pelas formas “era” e pelo futuro simples “será”: “[...] era verdadeiro dizer que isso será”.

60. Em ato, atuais; coisas atuais, que existem agora, que se opõem às coisas em potência.

61. Passagem muito sintética. Há aqui o trabalho magistral do filósofo a precisar que dizer que todas as coisas são, necessariamente, quando são, e dizer que o ser é necessário simplesmente, isto é, absolutamente, incondicionalmente, sem o quando, sem a referência ao tempo, significa dizer coisas bem distintas. Vale observar que, se, no trecho anterior, Aristóteles falava do par de contraditórias, aqui ele fala simplesmente das coisas, do ser.

62. Há uma razão para que se conclua, de todo o capítulo exposto, não serem as proposições de futuro contingente, de modo determinado, verdadeiras, mas serem de modo indeterminado, ou verdadeiras ou falsas (“Quod ex toto hoc capite colligitur, est propositiones de futuro contingenti non esse determinate veras, sed indeterminate veras, hoc est, aut veras aut falsas”). Commentarii Collegii Conimbrensis, 1976, Articulus III, p.186. III Mas o verdadeiro indeter­minado já não é o simplesmente verdadeiro.

63. Todos os discursos declaratórios verdadeiros, a unidade simples ou os com­postos dessas unidades simples.

64. No caso da modalidade do contingente. Nessa hipótese, a contradição se mantém em suspenso até que a coisa se torne, e a contradição corresponde à situação ontológica do futuro.

65. O ser tem na frase o sentido de existência: as coisas nem sempre existentes ou as coisas nem sempre não existentes.

66. Algo que mais se aproximaria em um primeiro juízo de verdade, que se situa no domínio da probabilidade.

67. A lógica das coisas que podem ser (do futuro contingente) não é a lógica das coisas que são.

68. Unidade declaratória, isto é, a coisa (una) que se afirma é dita de uma coisa una, da qual é dita a coisa (una) que se nega.

69. Em todas essas construções, o verbo ser tem sentido existencial. Não funciona como cópula, mas predica da existência o sujeito.

70. Como cópula, articulando o sujeito e o predicado.71. A questão gramatical (nome ou verbo?) a propósito da cópula é aqui irrelevante,

afinal a análise de que se cuida é de natureza lógica.72. Primeiros analíticos, 1 ,46, 51b 36-52. Na verdade, há diferenças entre a ordem

das proposições no Da Interpretação e a ordem nos Primeiros analíticos, embora alguns tradutores ajustem essas passagens ao que está posto nos Primeiros analíticos (vide Ackrill e Tricot, à diferença de Cooke). A ordem das proposições nos Analíticos é a seguinte:

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Aristóteles

(a)X (b)

(d) (c)

73. Três partículas negativas, três nãos na frase. Todavia, só uma delas, a que se cola à cópula, indica a negação. As outras funcionam como índice de privação.

74. Esse nome seria o sujeito; mantive, todavia, a solução do original.75. Talvez encontrem aqui os antecipacionistas uma ligação entre a dispensa

da cópula na lógica contemporânea, em Peirce ou Frege, e o pensamento aristotélico, e não se poderá dizer que não há alguma razão em tal paralelismo. Todavia, Aristóteles tem à sua frente o problema dos diversos sentidos do ser e, especialmente, da forma verbal “é”: ora é meramente uma cópula, ora é o próprio predicado, a expressar o sentido primordial do ser. Para além disso, há a função técnica da cópula, em relação à qual se distingue a natureza da negação: se esta incide sobre o terceiro elemento, é a atribuição do predicado ao sujeito que é negada; se ela incide sobre o predicado, é uma partícula metatética que torna esse predicado indefinido; se ela incide sobre o sujeito, há a indefinição metatética do nome; se ela incide sobre o modo, é uma negação modal. A cópula tem assim o sentido técnico de funcionar como localizador da posição da negação. Aristóteles, porém, definiu do ponto de vista meramente lógico-ontológico o significado das relações sujeito-predicado, nas Categorias. Nessa perspectiva, o fundamental é que o predicado esteja no sujeito ou que dele seja dito e não a presença do terceiro elemento, isto é, da cópula, esse acidente maravilhoso do grego, das línguas latinas e de tantas outras. É claro também que a cópula denuncia que não há pausa, que se diz “Sócrates é branco” e não “Sócrates; branco”. Isso parece ter alguma relevância em uma língua que não conhecia o sistema de pontuação gráfica, diferentemente das lín­guas contemporâneas.

76. A propósito, vale conferir a formulação do princípio da contradição na Metafísica, 1005b 19.

77. “Nem todo animal não é justo” e “algum animal é justo”. Em verdade, trata-se de proposições particulares e que poderiam ser expressas como “o animal nãp é justo” e “o animal é justo”, ou ainda “algum animal é justo” // “algum animal não é justo”, ou também: “nem todo animal não é justo” // “nem todo animal é justo”, onde “nem todo” significa algum, alguns.

78. Trecho muito sintético. Tricot supõe existir no texto um homem justo; Ackrill é mais literal (for there must be one). Todavia, é evidente que a hipótese só faz sentido se, ao menos, um homem existe. Aristóteles usou simplesmente aqui o indefinido τις [um, alguém, algum].

79. τα καθ’ ^κόοτον [o segundo cada um, o singular]; a expressão particular não traduz a expressão grega, pois remete ao indiferenciado e não ao singularizado. Pacius já o captara ao traduzir por in singularibus, isto é, no caso dos [sujeitos] singulares. Ackrill, em seu excelente trabalho, deixa escapar essa importante

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D a Interpretação

nuança, pois traduziu a expressão em sua língua do seguinte modo: “with regards to particulars”, isto é, com respeito aos [sujeitos] particulares. Hegel traduziu bem essas nuanças da lógica aristotélica e as empregou mesmo em sua filosofia do direito, verdade que à sua maneira. O singular de Aristóteles é reconhecido como uma particularidade definida - die bestimmte Besonderheit (2005, § 207). Em Aristóteles, o particular é sempre um qualquer, indefinido. A particularidade, ao mesmo tempo, definida e capaz de expressar o universal será, em Hegel, a singularidade (Einzelheit). É interessante notar como o léxico hegeliano está permeado pelas invenções aristotélicas. Levada para a história por Hegel, a singularidade adquire uma aura que a biologia de Aristóteles desconhece. Do ponto de vista meramente lógico, porém, a proposição “Sócrates é homem” embute a solução hegeliana, pois o sujeito singular já carrega o universal (2003, p.82-3).

80. Esse trecho é um dos que falam mais forte em favor dos propósitos dialéticos do tratado Da Interpretação, tese sustentada pelos medievais e por Averroès, (2000, p. 121). Whitaker, nos tempos recentes, (re)descobre essa tese com sabor de novidade, como se ela não pertencesse a uma longa tradição. A propósito cf. Commentarii Collegii Conimbricensis in universam dialecticam Aristotelis.

81. Ou seja, algum homem não é sábio. Tenha-se em mente que em tais casos não se pode inferir a verdade da contrária, senão eventualmente. A inferência não será, portanto, necessária. Para ser necessária, é preciso supor o trânsito da negação. Não havendo um homem, a proposição “algum homem não é sábio” deve ser lida como “não existe um homem sábio” (Categorias 13b 12-36), e, assim, será verdadeira.

82. Acréscimo de expressão é: “o pássaro é não homem”, ou “o não homem é justo”, ou o simples verbo como predicado da existência: “o não homem é”.

83. Algum não homem não é justo, isto é, alguma parte do conjunto dos não homens não acolhe o predicado justiça.

84. Nesse caso, a metatética universal equivale a uma proposição não metatética. Dito de uma maneira própria da linguagem categorial: se o predicado não jus­tiça é atribuído a todo não homem, isso equivale a dizer que o predicado justiça não é atribuível a nenhum não homem. O que se pode dizer aqui é que com os nomes indefinidos, sujeitos ou predicados, com as construções metatéticas, a lógica de Aristóteles se descola da linguagem natural. Poder-se-ia objetar que se trata de experiência já presente na língua grega clássica, mas seria forçar a barra. O grego clássico, é verdade, admite os nomes indefinidos, mas não com o sentido e alcance que vemos no Da Interpretação, que passa a ser puramente técnico ou lógico. Não se deve confundir a privação (mediante o alfa privativo) dos nomes concretos, experiência presente no grego clássico, com os nomes indefinidos. A diferença entre esses casos é que o primeiro remete à particularidade e o segundo parece remeter à universalidade. A palavra vowç, por exemplo, significa nave; a palavra à-vauç significa uma nave

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que já não é mais, isto é, uma nave que se privou de sua condição de nave, mas não uma não nave, no sentido que Aristóteles nos traz no Da Interpretação, que seria tudo o que não é uma nave. Por que metatéticas, por que nomes indefinidos? A resposta é que se trata de discutir os sentidos e o alcance do “não”, questão central tanto na lógica quanto na dialética.

85. Quando se refere à negação aqui, Aristóteles está dizendo negação contradi­tória. No exemplo, “o homem é branco” / “o branco é homem”, observa-se que a ordem não subverte a natureza do conceito.

86. Chega-se assim ao absurdo, ao se admitir que a ordem dos termos proposi- cionais gera novas proposições. Em verdade, ao se dizer que “branco é o homem” e “o homem é branco” se diz uma mesma proposição, do mesmo modo que a negação da primeira e a negação da segunda proposição constituem uma mesma negação.

87. Enfim, é preciso estar atento se a multiplicidade conforma a unidade. O gênero mais a diferença parecem produzir sempre algo de uno, como em homem, animal, dípode e racional. A definição é por natureza una e ela se forma do gênero e da diferença. É evidente que não se trata nesse caso de qualquer diferença, mas daquela que seja apta a revelar a essência. Sobre diferença e definição, vale consultar os livros V e VI dos Tópicos, bem como o livro II dos Segundos analíticos.

88. Não basta enfileirar predicados, há necessidade de que eles sejam expressão de atributos articulados de uma mesma coisa, para que explicitem a unidade.

89. Cf. Tópicos, 160a 18-35; Refutações sofísticas, 169a 6-22, 175b 4 0 -176a 18 e seguintes, 181a 38181b 1.

90. Como observa Tricot em nota a esse trecho em sua tradução, a interrogação sobre a natureza da coisa não deixa ao indagado outra opção. A interroga­ção dialética, porém, deixa sempre uma afirmação e uma negação diante do interlocutor. Para além desses aspectos, Aristóteles mostra que há espaço para perguntas essenciais fora da estrutura dialógica pensada e vivida por Platão, e pelo próprio Aristóteles nos diálogos perdidos, uma vez que o Estagirita tam­bém escreveu diálogos, ainda que esses não tenham chegado a nós.

91. A interrogação dialética aqui: isto é o homem? Isto não é o homem? Mas não quando se pergunta o que é o homem?

92. O homem é animal dípode.93. Tricot chama de predicado total. O texto grego apenas registra a palavra “todo”.94. Κατά συμβεβηκός. Não há formação de unidade, se a composição é de

acidentes. A unidade deve revelar uma articulação mais profunda que escapa ao meramente acidental.

95. Trecho muito sintético, mas o que expressa é que mesmo aquilo que subsiste em outra coisa com essa não se confunde, se não, seria a mesma coisa, com uma mesma existência. E, pelo fato de, nesse aspecto, não formar uma unidade, não faz sentido proposição como “o homem é homem animal”.

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96. Há um corte na argumentação. Embora as frases sejam semelhantes, o dípode e o animal subsistem no homem, mas o homem não é para esses predicados um outro, mas o mesmo. Nas Categorias, 2a 1 l-2a 19, Aristóteles preferiria dizer o homem subsiste no animal.

97. Um homem vivo é homem.98. A noção de homem morto contradiz a noção de homem, animal (animado,

vivente) racional. Se se disser “o homem branco é homem” não há contradição. Ainda: “o homem branco é preto” (falso); “o homem branco mora em Atenas” (falso ou verdadeiro).

99. Ser absolutamente, existir.100. Não se trata aqui do ser absolutamente, que significa existir (Averroès, 2000,

p. 129): “Se se disser apenas que Homero é, isso é falso, [...] porque ele não existe nesse momento. A razão disso é que a palavra pela qual nós dizemos e’ se predica de Imru’uTQaus (poeta árabe, que substitui, no exemplo de Averroès, Homero) quando esse é objeto da imaginação ou poeta, e não segundo uma predicação primordial e relativa à sua essência, a saber, de uma maneira absoluta. E, ao se dizer que ele é, enquanto ele é objeto da imaginação no pensamento, o enunciado é verdadeiro”.

101. κατηγορία [atribuição],102. λόγος, em grego, traduz-se por enunciado, discurso. Aqui segui Pacius, o qual

traduziu λόγος por definição.103. Uma coisa, o indivíduo, o particular, rigorosamente, é a substância. Por isso

não se poderia em um sentido primeiro dizer que o azul é, mas se poderia dizer que as coisas azuis são e, por conseguinte, que o azul é. // Na frase “Nicômaco é o filho de Aristóteles”, se Nicômaco existir, Nicômaco será por si mesmo e não por acidente em relação ao ser filho de Aristóteles. Nesse caso, será verdadeiro dizer que Nicômaco é absolutamente.

104. O contingente em Pacius e em grande parte da tradição. A opção por admissível (Ackrill, 1974, Capítulo XIII) me parece mais assimilável, todavia. Há que se ter presente aqui que esses termos (possível, impossível, necessário, admissível) condicionam o espaço proposicional e modificam a negação. Aristóteles mos­trará que essa deverá incidir sobre o modo e não sobre o verbo que se situa entre o sujeito e o predicado, diferentemente das proposições não modais. A (Lei dos Pares Contraditórios - LPC), como observa Whitaker, é mantida, mas graças ao deslocamento da negação, como se verá adiante.

105. A conclusão a que se chega aqui é semelhante àquela a que se chega pelo princípio da contradição. Esse fato apenas denuncia a relação entre a LPC e o princípio dos princípios.

106. Em verdade, no segundo caso a cópula segue importante para a determinação da posição da partícula negativa. Se ela incide sobre a cópula, temos uma proposição não metatética; se ela incide sobre o predicado, temos uma propo­sição metatética.

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107. Não se pode deixar de identificar a relação dessa passagem com o princípio da contradição (Metafísica, 1005b 19 e seguintes). Também um pouco mais adiante: “[...] a mesma coisa é afirmada e negada simultaneamente de um mesmo”. O fato de o verbo nas contraditórias se apresentar em um mesmo tempo e de estar embutido na proposição conduz ao ocultamento do tempo ou à sua limitação na formulação seguinte: “todavia, é impossível em relação à mesma coisa que as proposições opostas sejam verdadeiras”. O princípio da contradição, por enfocar a coisa e não a proposição, vai explicitar o aspecto e o tempo. Isso tem importantes consequências. Consideremos as proposições “Sócrates é calvo” // “Sócrates não é calvo”. Pela LPC, suponha-se que a proposição “Sócrates é calvo” seja verdadeira, “Sócrates não é calvo” será proposição falsa. É possível, porém, que Sócrates não é calvo tenha sido uma proposição ver­dadeira no passado. Essa hipótese, porém, vai muito além da LPC, não lhe diz respeito, ainda que se submeta ao âmbito do princípio da contradição. Esse fato confirma a universalidade e o nível de generalização superior do princípio dos princípios. No presente trecho, trata-se de demonstrar que a negação do modo da possibilidade deve incidir sobre o possível e não sobre o verbo fora do modo.

108. A posição da partícula negativa nas proposições modais se cola ao modo. Se ela comparece no restante da proposição, no ser isso, em é impossível (não) ser isso, por exemplo, ela tem uma função similar à da partícula metatética nas proposições não modais.

109. Sujeitos atuais por oposição aos sujeitos regidos pelo modo.110. No texto grego utilizado, essa oração se separa da anterior por ponto e vírgula.111. Evidentemente, Aristóteles foi aqui movido pela necessidade de preservar uma

mesma regra para as modalidades em geral. A lógica não examina as coisas que apenas servem ao correto por acidente, observou Averroès em seu ensaio “A propósito dos predicados isolados e compostos e da crítica da posição de Avicena” (2000, §3.1). Todavia, o modo da necessidade tem a sua especificidade e as duas proposições - “é necessário que isso aconteça” e “é necessário que isso não aconteça” - são incoexistíveis. Essa é mais uma diferença desse modo em relação ao modo do possível.

112. Também as proposições “é impossível isso ser” e “é impossível isso não ser” são incoexistíveis, ou incompatíveis, mas se trata de preservar aqui a universalidade da regra lógica da modalidade e da negação que se cola ao modo.

113. Aqui se apresenta um jogo das modalidades, as inferências que elas se permitem entre si, que revelam as relações entre os modos. A palavra grega óa<oA.oij0r|aiç [inferência], derivada do verbo òcKoXovGèco [seguir], literalmente significa sequência; por exemplo, a operação lógica que faz com que de A siga logicamente B.

114. Sempre se fala da equivalência do possível e do admissível. Já observara João de Salisbury (apud Isaac, 1953, p.55) que o possível e o contingente (admissível) têm praticamente o mesmo sentido no Da Interpretação. O possível, porém, parece remeter à objetividade e o admissível à ordem do pensamento. Não faria

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sentido Aristóteles colocá-los meramente como sinônimos. Enfim, temos aqui as duas ordens: a ordem das coisas e a ordem do pensamento. Cf. Primeiros analíticos, 32a 18. O leitor terá oportunidade de observar que o admissível é essencialmente uma posição do pensamento. Cf. ainda Lukasiewicz, 1972, p. 163. Cf. também Ackrill, 1974, p. 149. Sustento, porém, que não há palavras a sobrar no Da Interpretação, especialmente neste capítulo. A questão não é de sinonímia, portanto.

115. O próprio Aristóteles confirma a equivalência do possível e do admissível, nessas passagens. Todavia, há que subsistir alguma distinção de sentido para que os termos sejam apresentados como modalidades distintas, e a razão me parece a apontada na nota anterior. Demais, a equivalência é uma forma de articulação de modos diferentes aqui. Articulação que acontecerá também entre o possível e o necessário, mas mediante o uso da negação ou ainda mediante o uso dos conectivos e e ou (é possível p e ~p equivale a é necessário p ou ~p). A lógica das modalidades de Aristóteles só tem o alcance que tem porque considera a articulação dos diferentes modos. É exatamente aí que ela é genial e interessa mesmo às matemáticas atuais.

116. Estamos aqui no campo das inferências, que Aristóteles chama de sequências: umas por contradição e outras por contraposição. Por exemplo, do impossível, por contradição, segue o possível; do impossível, por contraposição, segue o não é possível. Da primeira inferência segue a contraditória; da segunda segue um mero espelhamento, uma reversão do enunciado em sua forma mais analítica.

117. Não se trata aqui de proposições contraditórias.118. A expressão αίτιον traduz-se aqui por “causa” (Pacius, 1967).119. O impossível por maneira inversa corresponde ao necessário; isto é, o comple­

mento do modo de um é negado em face do outro: “é impossível isso ser” corresponderá a “é necessário isso não ser”.

120. Temos aqui uma redução ao absurdo perfeita. Vejamos: se “é necessário isso ser” não supõe “é possível isso ser”, então “é necessário isso ser” suporá “é im­possível isso ser”, mas como algo é necessário ser, se for impossível que seja?

121. A possibilidade é mais ampla que a necessidade e, como modo, não pode ser reduzida ao modo da necessidade. “É possível isso ser” encerra, no plano meramente abstrato, simultaneamente “é necessário isso ser” e “é necessário isso não ser”, “não é necessário isso ser”, “não é necessário isso não ser”. De toda maneira, esse trecho guarda alguma dificuldade. Em que sentido se pode dizer que o “é necessário isso ser” e o “é necessário isso não ser” não seguem de “é possível isso ser”? A resposta é, talvez, in concreto que ambas não seguem lógica e simultaneamente do é possível, mas isoladamente cada uma delas sucede (e não segue necessariamente), no singular, do épossível. Demais, do momento em que uma delas é real, a outra já não é possível. E aí já não cabe mais falar do possível, mas simplesmente do necessário.

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122. “É necessário isso ser” e “é necessário isso não ser” não podem ser verdadeiras simultaneamente, ainda que não sejam modalmente contraditórias. Esse é um fato que mostra a especificidade da necessidade e da posição na negação nesse modo. Com efeito, a negação interna nesse modo (interna por oposição da negação que incide sobre a modalidade) tem um significado totalmente distinto da negação interna no modo do possível, pois as proposições “é possível isso ser” e “é possível isso não ser”, ao contrário daquelas, coexistem. E, diria, constituem apenas uma proposição (vide comentários ao Capítulo IX).

123. Absurdo seria que a LPC fosse violada e se chegasse a duas contraditórias verdadeiras.

124. O raciocínio por absurdo segue nesse trecho. Se algo deve ser necessariamente, esse fato exclui que esse mesmo possa não ser ou se admita não ser, afinal o modo da necessidade como que corta a disjunção puxada pela possibilidade, essa a sua especificidade. Eis por que o necessário não é redutível ao possível.

125. Aquelas coisas que podem ser pela intervenção da razão, sujeitas à deliberação, a qual sempre trata de escolhas entre possibilidades, ou melhor, entre admis- sibilidades (comentários ao Capítulo XIII).

126. O exemplo torna claro o conteúdo da expressão: as potências da natureza, não humanas, isto é, sem o uso da razão.

127. As palavras gregas δυνατόν e δύναμις são traduzidas aqui por “possível” e “potência”. Potência no sentido de feixe de possibilidades ou capacidades.

128. Como observa Tricot, em nota que corresponde a esse trecho: “O possível não pode ser afirmado do que é necessário absolutamente, mas pode ser do que é necessário ex hipothesi, pois será necessário que a coisa seja quando ela for”. O absolutamente necessário não pode ser apresentado como a potência sepa­rada do ato, pois de alguma forma já é também ato.

129. O possível tem um nível de generalidade maior do que o necessário. A pro­pósito, vide nota 120.

130. XÒ ÕV [o que é], aqui com o sentido de existência.131. A substância primeira aparece aqui em sentido próprio à passagem da

Metafísica, 1050b 3. Aí Aristóteles se refere a substâncias que seriam atos puros. Mais do que uma questão teológica, tais substâncias revelam hipótese lógico- -ontológica onde se dá a supressão do momento de potência para alguns seres. O sentido de substância no caso nada tem a ver com o sentido do Capítulo V, 2a 11-15, Categorias.

132. Em 17b 28, Aristóteles se referiu a tais proposições como contraditórias.133. Nas Categorias, 13b 12-36, Aristóteles trata dessa matéria. Aí responde por

que precisamente seriam contrárias (contraditórias) a afirmação e a negação. É que uma delas será sempre verdadeira e a outra falsa. Suponham-se as pro­posições “Heliodoro é doente” // “Heliodoro não é doente”, se Heliodoro existe, uma delas será verdadeira e a outra, falsa; se Heliodoro não existe, “Heliodoro é doente” será falsa, e “Heliodoro não é doente”, verdadeira. Para isso ser possível,

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há necessidade de trânsito da incidência da negação: lá ela incide sobre o pre­dicado; aqui ela incide sobre a existência do sujeito. Nesse caso, o verbo é mais do que a cópula.

134. O objeto do tratado é o exame das proposições, dos seus tipos e das leis de inferência entre elas, da negação que é um dos pontos-chave da lógica proposicional. Sob esse ponto de vista, não cabem discussões psicológicas (Cf. Da Interpretação, 16a 7). Porém, aqui Aristóteles volta à sede produtora das proposições, onde elas aparecem como juízos (ou crenças, segundo outras traduções), isto é, como produto da atividade mental ou do espírito.

135. Ali, isto é, na mente.136. O bom e o mau (Pacius).137. Essa passagem põe uma pedra nas dúvidas que o texto tenha gerado no que

concerne ao emprego da expressão contrário e da expressão contraditório. Os juízos são essencialmente contrários, ou melhor, contraditórios, por serem expressos de modo contraditório, isto é, por meio da negação e não por meio de uma expressão meramente contrária. Para levar a cabo a sua argumentação, Aristóteles chega ao exagero de dizer que o juízo que diz do bom que é bom e o juízo que diz do mau que é mau talvez sejam o mesmo.

138. É infinito o número de possibilidades de atribuições a um sujeito de predicados que nele não subsistam; porém, em que sentido se poderia dizer que a coisa tem sempre um conjunto de atributos infinitos que poderiam equivocadamente serem ditos não subsistentes nela? No mínimo, há uma assimetria entre as duas colocações. Com efeito, o primeiro número deverá ser maior que o segundo.

139. O engano se produz quando se espera a proposição verdadeira e se alcança a falsa, isto é, se produz entre as contraditórias.

140. Na gênese, algo que não era passa a ser: dois juízos opostos e contraditórios nela figuram: isto é, isto não é.

141. O objetivo dessa passagem é desqualificar a negação que não se faz pelas contraditórias. No caso, se o bom não é mau, o contrário de bom será mau, mas esse será um contrário acidental, e não por si mesmo ou essencial.

142. Por si mesmo, não por outro, por sua própria essência.143. O juízo falso por si mesmo, isto é, aquele que diz do bom que não é bom, ou do

que não é bom que é bom, será mais falso do que aquele que diz do bom que é mau, ou do que não é bom que não é mau.

144. O parto da doutrina exige uma complexa argumentação cujo fecho é que a afirmação e a negação encerram o juízo mais verdadeiro e o mais falso.

145. O engano, o erro, se dá ao se atribuir um contrário daquilo que é àquilo que é.146. A propósito, pelas diferenças e semelhanças, vale conferir o Capítulo X das

Categorias, que trata dos opostos. Em 11b 17 pode-se 1er: “Diz-se que uma coisa se opõe a outra de quatro modos: ou como os relativos, ou como os contrários, ou como a privação e a posse, ou como a afirmação e a negação”.

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147. Introduzi a expressão “por si mesmo” entre colchetes, para que a passa­gem se tornasse coerente. A expressão pode ser traduzida por em essência, essencialmente.

148. Esse juízo é a articulação de dois juízos: isso é bom, isso é mau; donde o que é bom é mau.

149. Ao invés de mau, deve-se supor “não é bom”.150. “O homem é homem”; “o homem não é homem”.151. Por exemplo, “a árvore é árvore” // “a árvore não é árvore”.152. Se fosse o verdadeiro contrário ao verdadeiro, estaríamos não diante de um

contrário, mas de um mesmo, e de um mesmo contrário a si mesmo. Enfim, estaríamos diante de um absurdo.

153. O texto é muito sintético como que a revelar a economia das anotações e não o texto rematado dos tratados. Em verdade, está-se sempre a tratar de juízos ou discursos declaratórios: isso não é bom, isso é mau etc.

154. O neutro plural foi usado aqui e também poderia ser traduzido por essas coisas, essas determinações, no caso.

155. A interpolação de Minio-Paluello foi modificada aqui por mim, uma vez que pareceu confusa. De fato, operei a disjunção dos colchetes da edição de Lorenzo Minio-Paluello.

156. O nada no grego, como no português, torna a segunda negação expletiva: tanto faz, assim, dizer nada do que é bom é bom, ou nada do que é bom não é bom. Por sua vez, o artigo definido como quantificador equivale a um quantificador universal.

157. O “bom é bom” e “o que é bom é bom”; ou ainda como está explícito no texto: “tudo o que é bom é bom”.

158. O juízo ou a opinião se apresentam como operações da mente (ou alma); a proposição, por sua vez, aparece como um momento objetivo, onde essas con­siderações psicológicas são desprezadas. /// Há dois níveis aqui, o da alma (juízos) e o das proposições como tais, objetivamente consideradas por sua estrutura. No primerio caso, estaríamos diante do que Quine (1956, p. 177- 87) chamou atitudes proposicionais. Em alguns textos gregos, a palavra áv-úíjxxaiç [proposições contraditórias, par de proposições contraditórias] não aparece, mas sim ówtóíjxxaiç [negação]. É o caso da solução paciana onde a distinção entre os níveis desaparece. / / / Quer tenha esse trecho sido agregado por Theofrasto ou não, a sua proximidade com o princípio da contradição em sua formulação na Metafísica é patente. Cf. 1005b 19. Em todo caso, essa é uma das passagens que mais geram diferenças nas traduções. O leitor poderá conferi-lo se cotejar o presente trecho com o de outras traduções. Sobre opostos e contrários, vide Categorias, 11b 17-24.

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Comentários

O livro Da Interpretação, de Aristóteles, é um daqueles peque­nos textos que conheceram a glória ainda na Antiguidade, seja pelo tema, seja pelo tratamento genial conferido ao seu conteúdo, seja pela concisão, que facilitaria o trabalho de reprodução dos copistas.

Com as Categorias, tratado a que o Da Interpretação segue,1 chegou ao Ocidente pela via latina, e não pelas mãos dos árabes ou pela herança de Bizâncio.2

Poucos autores terão influenciado na recepção de sua própria obra pelos pósteros como Aristóteles. Alexandre Magno, de quem fora preceptor, funda a cidade de Alexandria, cuja importância para a cultura universal é extraordinária, basta lembrar a sua famosa biblioteca.

O romano e patrício Boécio, cujo pai fora administrador do Egito, será um dos grandes tradutores de Aristóteles e entrará em contato com a tradição filosófica grega na cidade de Alexandre. Cogita-se mesmo que aí tenha sido aluno de Ammônio, um dos principais epígonos do Estagirita na Antiguidade e autor de famosos comentários sobre a obra de Aristóteles.

Nascido por volta do ano 480 d.C., Boécio já em 5103 passa a fazer parte do corpo de servidores do rei godo Theodorico, a quem servirá como cônsul e, depois, como ministro no palácio. Desde cedo ele se impôs o dever de trazer para o tesouro da língua latina a opulência literária dos gregos.

1. Até o século XII d.C., Categorias e Da Interpretação eram os únicos tratados do Órganon conhecidos na Idade Média latina.

2. Isaac, 1953, p.15.

3. Id., p. 16.

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Aristóteles

Com a sua tradução e os seus comentários, Da Interpretação será difundido no Ocidente. Registra-se, é verdade, uma tradução latina anterior, de Mário Vitorino, que se estima ter sido feita pela metade do século IV d.C.

Acusado de traição, Boécio é preso e passa longo período na prisão, onde escreve De Consolatione Philosophiae. Seu fim não pode­ria ter sido mais trágico: foi executado por ordem de Theodorico. Sete séculos depois, o tesouro Da Interpretação chega às mãos da cristandade medieval e será matéria de discussões e comentários de Abelardo, Alberto, o Grande, e Tomás de Aquino, entre outros.

A par da sua vida ocidental, Da Interpretação conheceu tra­duções e comentários hebraicos, siríacos, armênios e árabes muçul­manos. Avicena, Algazel e Averroès o comentaram. O Comentário médio, de autoria do último, será traduzido em Nápoles em 1321. De alguma forma, esse ramo oriental também chegará ao Ocidente medieval, a enriquecê-lo.

Outro grande tradutor de Aristóteles, particularmente do Peri Hermeneias, foi o flamengo Guilherme de Moerbeke, destacado intelectual do século XIII. Em 12 de setembro de 1268, em Viterbo, ele concluía a tradução do Tratado da Enunciação, um dos nomes do Da Interpretação, atendendo a encomenda de Tomás de Aquino, que ignorava o grego clássico. Moerbeke, helenista oficial da cúria romana, fora colocado à disposição do Doutor da Igreja, graças ao concurso do papa Urbano IV.4

Porém, o uso do tratado Da Interpretação nas disputas teoló­gicas já fora inaugurado bem antes por São Pedro Damião5 (1007- 1072), no seu esforço de rebater a perigosa tese de São Jerônimo segundo a qual mesmo a onipotência divina não poderia devolver a virgindade à rapariga deflorada. É verdade que a lógica de Aristóteles e, particularmente, o tratado aqui apresentado pouco poderiam fazer para restituir a inocência à pobre seduzida. Todavia, São Pedro

4. O livro de Isaac detalha a sorte do tratado nas mãos e no entorno de São Tomás.

5. Pier Damiani, apud Isaac, 1953, p.46.

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Da Interpretação

Damião faz referência ao Da Interpretação apenas para descrever as leis lógicas a que estão presos os mortais e para concluir que elas não se aplicam à figura mui poderosa do Deus dos cristãos. O fato é que sua citação porá, de modo definitivo, o Da Interpretação na tradição da cristandade do medievo e, assim, a obra se tornará componente essencial dos estudos lógicos e aristotélicos de diversas universidades europeias.

No final do século XVI, precisamente em 1592, vinha à luz a primeira edição do Órganon com tradução latina e comentários de Julius Pacius. Trata-se de um trabalho monumental. Pela argúcia de Pacius, pelo seu grande conhecimento do grego e do latim e pelas fontes em que pôde beber na maturidade do Renascimento, o texto grego, a tradução e os comentários de sua edição merecerão sempre ser revisitados.

A presente tradução

Esta tradução foi feita com base em texto estabelecido por L. Minio-Paluello e publicado em 1949, na Grã-Bretanha, em primeira edição e reimpresso em 1966 pela editora da Universidade de Oxford. Consultaram-se também os textos gregos estabelecidos por Bekker, por Waitz, bem como a edição de Julius Pacius. Algumas traduções também me ajudaram a superar as dificuldades desse texto, cuja forma muito sintética frequentemente põe problemas que exigem muito do tradutor. São elas: a tradução francesa de Tricot, as alemãs de Eugen Rolfes e de Hermann Weidemann, as latinas de Moerbeke e Pacius, as inglesas de Cooke e Ackrill, as italianas de Colli ou Zanatta. A tensão entre a fidelidade ao texto e a criatividade que esse tipo de tradução encerra constitui experiência inevitável em trabalho dessa natureza.

Tive o escrúpulo de evitar, tanto quanto me foi possível, a projeção de soluções que me pareciam fugir ao caráter inaugural do texto, onde os conceitos nem sempre aparecem em sua forma retocada e definitiva. Os nascituros não chegam ao mundo limpos.

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Aristóteles

Apenas para exemplificar, fórmulas como sujeito e predicado, tão presentes nas Categorias, obra que se considera como a introdução ao Órganon, foram evitadas, uma vez que Aristóteles praticamente não as nomeia desse modo no tratado que ora se entrega ao público de língua portuguesa. Assim, preferiu-se refletir exatamente as solu­ções de Aristóteles nesse texto, onde, em tais casos, o Estagirita recorre à fórmula “dizer alguma coisa de alguma coisa”, ao invés de “dizer um predicado de um sujeito”.

O espírito que presidiu a feitura da presente tradução foi colocar o leitor frente ao texto de Aristóteles com toda a riqueza e com todos os embaraços que a obra comporta.

O objeto do tratado

A palavra grega hermeneia, que se traduziu por interpretatio em latim, significaria a enunciação do pensamento, a proposição. Waitz, citando Biese, lembra que “A proposição é a expressão do pensamento reflexivo, o qual separa e combina” (Der Satz ist der Ausdruck [hermeneia] des reflectirende Denkens, welches trennt und verbindet).6 O fato é que o tratado remete para a construção da proposição, constituindo por isso mesmo importante passo para o desenvolvimento ulterior do Órganon. A tradução alemã de Eugen Rolfes traz o título de Lehre vom Satz [A doutrina da proposição]. O Peri Hermeneias é estudo importante tanto para a formulação da teoria das proposições dos Primeiros analíticos, que o seguem imediatamente, quanto para a compreensão dos Tópicos e da dia­lética aristotélica, como salientará Whitaker em seu Aristotle’s De Interpretatione.

Verdade que C. W. A. Whitaker7 colará o tratado exclusiva­mente à dialética, aos Tópicos e às Refutações sofísticas, a subestimar o fato de que conhecimentos fundamentais como os revelados pela

6. Waitz, 1844, p.323.

7. Whitaker, 2002, p. 182.

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proposição e por seu estudo possam servir a mais de uma disciplina. Whitaker sustentará, desse modo, que Da Interpretação, cujo título seria segundo ele On the Contradictory Pair, nem suporia o tratado das Categorias nem seria trânsito necessário para os Primeiros analíticos.

Parece-me que a tentativa de ler o Da Interpretação sem recurso à teoria das categorias conduz a dificuldades dispensáveis. Por exemplo, no tratamento dos universais, o que faz radicalmente distintas as proposições “algum homem é alto” e “algum Sócrates é alto”? Se o homem é já por si mesmo um universal é porque se trata de substância segunda. Também a compreensão do sentido da negação interna8 em Aristóteles acaba empobrecida sem o recurso às categorias e ao seu esquema de inserção e separação de atributos. Acresce que o problema da unidade das coisas (Capítulo V) e mesmo da definição passa à condição da quadratura do círculo, se se não recorre à tábua categorial: por que animal, bípede e pedestre constituem uma unidade e cão, bola e Xantipa não constituem?

Por outro lado, é preciso considerar que a negação dos pares contraditórios, negação forte, se não absoluta (incompatibilidade ou incoexistibilidade), talvez não seja a mais interessante para penetrar o reino dos topoi dialéticos, onde comparecem opinião, probabilidade e outras noções sem rigidez.9

Há ainda pergunta anterior à discussão da contradição e do falso e do verdadeiro: qual seria, afinal, a condição de possibilidade de

8. Anscombe, em artigo na revista Mind, intitulado “Aristotle and the Sea Battle” (1956, p. 1-15), já havia observado que a negação no filósofo se situa no interior da proposição, diferentemente da lógica contemporânea onde a negação é exterior à proposição.

9. A negação nas frases seguintes tem pesos distintos: 1) “a árvore não é um animal”; 2) “a túnica de Xantipa não está molhada”. No século XX algumas lógicas, como as chamadas paraconsistentes, ou ainda a fuzzylogic, introduziram o relaxamento da negação, isto é, negações de menor força. Vasíliev, no início do século XX, notara que a negação comporta diferenças, em seu seminal (Voobrajhaemaia Loguika, 1912). Vasíliev irá distinguir a nega­ção intrajudicial da interjudicial; ele também mostrará que nem sempre a negação supõe a incoexistibilidade do predicado e do sujeito, como o predicado “molhada” em relação à túnica de Xantipa. Retoma, assim, como tantos outros, um tema aristotélico. A distin­ção entre essência e acidente, por consequência, entre a negação da essência e a negação do acidente.

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dizer o falso ou de se contradizer? Não é este, talvez, o momento de se embrenhar em tais problemas. De todo modo, cabe lembrar que em Aristóteles a solução que garante essa condição de possibili­dade, em um mundo transido pela corruptibilidade e mutabilidade das coisas, se chama substância. Sem a rigidez relativa do sujeito em face do predicado, isto é, a ousia [substância], tais condições se volatizariam.10 Com efeito, careceria de sentido uma teoria das proposições em um mundo em que não se pudesse dizer o falso, em que não se pudesse exercitar a negação e suas leis. Se é impossível entrar duas vezes no mesmo rio, ou se é até impossível entrar uma única vez no “mesmo” rio (hipermobilidade heraclítica ou cratílica), a possibilidade de a proposição significar algo já não existe, e, por consequência, não há porque construir uma teoria das proposições. Por outro lado, se não é mesmo nem possível dizer o falso, por que operar com valores de verdade diferentes, por que desenvolver todas as operações relativas à negação?

Lembre-se ainda que qualquer movimento do “não” permanece absolutamente carente de significado no pensamento parmenidiano onde, simplesmente, o ser é e o não ser não é. Demais, somos eventualmente quase que levados a admitir que as consequências dessa postura parecem eventualmente beirar o extremismo de Antís- tenes, para quem a contradição seria impossível, pois se a proposição “a pedra está molhada no instante t1” é verdadeira, e “a pedra não está molhada no instante t1” também é verdadeira, teremos que admitir que se trata de duas pedras diversas.

Mesmo que se argumentasse pela impropriedade desse uso livre das ferramentas parmenidianas, como o se falar em tempo t1 e t2, mesmo que se argumentasse pela impropriedade do raciocínio que vê alguma aproximação entre a postura parmenidiana e a posição de Antístenes, não se poderia fugir à constatação de que no mundo de Parmênides não haveria a noção de “possiblidade”. E aqui já não

10. Em Introdução às Categorias (2005), abordo com detalhamento essa questão.

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se poderia falar de lógica modal tal como ela aparece no tratado Da Interpretação. Esse tratado é, com efeito, um capítulo posterior à teo­ria das categorias. Qualquer um que se aventurasse a desenvolvê-lo teria de pagar tributo à tábua categorial. Aristóteles, ao apresentar, no Da Interpretação, a linguagem lógica e os seus elementos estru- turantes, o faz, portanto, em horizonte que ele mesmo tornara possível. Não haveria falar de possibilidade em um mundo que fosse apenas mudança ou em um mundo que fosse somente permanência.

Pese concordar com Jonathan Barnes,11 para quem a teoria das proposições na obra Peri Hermeneias não é a mesma dos Primeiros analíticos, observo que não se pode fugir à constatação de que o desenvolvimento teórico desses supõe a aparição da proposição como matéria de reflexão do pensamento de Aristóteles. Há aqui inequívoco contributo do tratado Da Interpretação.

Outra grande questão que vem à baila, nos capítulos IX, XII e XIII do opúsculo Da Interpretação, é a contingência do futuro. Mesmo sem estar na posse de qualquer coisa que lembrasse o aparato filosófico de Epicuro, algo que constituísse uma filosofia do acaso (choque de átomos, chuva de átomos, clinámen), Aristóteles, ao fazer a leitura da lógica do futuro com grande sentido de realidade, vê a possibilidade não como resultado da leitura humana, o que será o caso de algumas versões teológicas, mas como uma determinação do real. Chega assim à conclusão de que suprimir essa determinação conduziria a absurdos lógicos e fáticos. A deliberação, por exemplo, perderia o sentido.

Por outro lado, a abertura do futuro reposiciona o problema dos valores de verdade, pois a proposição haverá amanhã a batalha de Salamina nem é verdadeira nem é falsa.12 Chega-se assim à lógica modal em Aristóteles, que aparece no Peri Hermeneias e também em alguns capítulos dos Primeiros analíticos. 1 3 Essa lógica foi redes-

11. Barnes, 1987, p.54.

12. Baylis, 1936, p. 156-66.

13. Capítulos 3 e 8-22.

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coberta na primeira metade do século XX por importantes autores como Paul Gohlke14 e Jan Lukasiewicz.15 Ela se vale dos quatro ter­mos modais: necessário, impossível, possível e admissível (contin­gente), que no Peri Hermeneias se sustenta equivaler ao possível. Pese toda essa tradição, entendo que o possível e o admissível não são assimiláveis um ao outro. Parece-me que o possível remete à ordem das coisas e o admissível diz respeito às coisas na ordem do pensa­mento. A tradução do ενδεχόμενον [endexómenon} pelo contingente acabou por eclipsar essa dimensão subjetiva que o modo carrega. Demais, Aristóteles não teria que citar o modo repetidas vezes tão somente para exercitar a sinonímia. Mesmo quando Aristóteles apro­xima tais conceitos, ou mesmo lhes dá o estatuto de identidade por uma redução que lhes suprime o ser diferente, ele o faz ao montar uma das engrenagens mais poderosas de sua lógica modal, que é a relação entre modalidades distintas. É verdade que se pode montar um esquema modal no interior de apenas uma modalidade. Todavia, a força da lógica modal em Aristóteles reside precisamente no fato de ele colocar em movimento modalidades distintas, convertendo umas nas outras.16 Operações que supõem reduções mais ou menos graves.

Os termos reveladores dos modos têm força e desenho origi­nários de tal sorte que criam seu próprio espaço lógico, o qual exige suas leis específicas. Apenas para ilustrar: a negação de “Sócrates está aqui” será “Sócrates não está aqui”. Já a proposição “é possível que Sócrates esteja aqui amanhã” terá como negação “não é possível

14. Gohlke, 1936, p.88-94.

15. Lukasiewicz, 1972, p.145-212.

16. É verdade que tem também muito interesse o movimento no sentido inverso, levado a cabo na lógica dos estoicos, para separar, conservar as diferenças entre as modalidades, o que pode ser relevante em contextos mais limitados. Por exemplo, as predições dos confatalia dos adivinhos nos exercícios lógicos de Crisipo. Esse tema é muito bem tratado no livro de Jules Vuillemin sobre o argumento dominador (Nécessité ou contigence, laporie de Diodore et les systèmes philosophiques). “A previsão a respeito de Édipo não poderia ter jamais a forma seguinte: ‘É necessário que Laius tenha relações com uma mulher e gere Édipo’, mas somente ‘Não é possível que não ocorra que Laius tenha relação com uma mulher e gere Édipo.’” (Vuillemin, 1985, p.142).

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que Sócrates esteja aqui amanhã”. Veja o leitor que não faria sentido, na última proposição, posicionar a negação entre o nome Sócrates e o verbo (esteja).

Enfim, o espaço das modalidades garante a si uma lógica própria, a lógica modal. Trata-se de um dos contributos geniais de Aristóteles à ciência da lógica. O Estagirita cuidou também dessa matéria com todo rigor e gênio. Verdade que Lukasiewicz17 diz que Aristóteles, ao tratar da matéria lógica e de suas leis, é “formal, sem ser formalista”. Reclama aqui, talvez sem razão, uma unicidade radi­cal de correspondência das expressões primitivas da lógica (forma­lismo) que não vê no fundador do Liceu, mas reconhece nos estoicos. O caráter formal da lógica, a forma, é aqui garantido pela projeção em letras (substituição) das proposições.

Autoria e datação

A autenticidade da autoria do Da Interpretação foi contes­tada por um dos primeiros editores de Aristóteles, Andrônico de Rodes. Porém, a tese da autenticidade da obra se fortalece, já na Antiguidade, com os trabalhos de Porfírio, ainda que esse recusasse o trecho que na paginação bekkeriana se situa entre 23a 28 e 24b 9. Alexandre de Afrodísias também sustentou a autenticidade do texto contra a opinião de Andrônico. O fundamento seria a relação do texto com os escritos de Theofrasto. No Renascimento, outros auto­res (Vives e Gassendi) sustentaram que a obra não fora escrita pelo

17. Lukasiewicz, 1972, p.32-8. Todavia, o próprio Lukasiewicz reconhecerá a proximidade da teoria da lógica em Aristóteles com a lógica das relações no domínio numérico (“maior que o menor”), vendo nisso uma ponte entre Aristóteles e os contemporâneos. Se alguém se aplicar ao difícil exercício de saber o que seria não apenas o cálculo lógico, mas também os princípios de uma matemática aristotélica, verá que a teoria das relações já está esbo­çada nessa acepção nas Categorias, no capítulo que trata dos relativos (6a 36-8b 24). Os relativos exigem um tratamento que não encontra lugar na proposição como forma fechada. A proposição “Xantipa está irritada” encerra um sentido em si mesmo completo e não carrega nenhuma outra proposição. A proposição “quatro é o dobro de dois” parece carregar o “dois é a metade do quatro”. Uma e outra se projetam sobre a sua simétrica, presente ainda que como sombra (Categorias, 2005, p.50-3).

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Estagirita. Essa tese, porém, parece definitivamente afastada. Escrito na forma de anotações, o tratado teria recebido algum contributo de Theofrasto,18 discípulo direto de Aristóteles. As dificuldades de se precisar esse tipo de informação, como aquelas referentes à data­ção da obra, o leitor bem compreenderá. A despeito disso, a ponte entre os escritos de Theofrasto e o Da Interpretação parece funda­mentar com segurança a autenticidade do tratado, particularmente o seu livro Sobre a afirmação e a negação. Há que considerar esse material uma prova de boa qualidade, sobretudo a partir do tra­balho de Maier, intitulado A autenticidade do Da Interpretação de Aristóteles.19 Mais recentemente, Graeser estabeleceu com precisão a ponte entre os capítulos do Da Interpretação e os capítulos do Sobre a afirmação e a negação.20 Como o leitor poderá ver, nos comen­tários ao último capítulo, há, todavia, razões para se indagar quem seria de fato o verdadeiro autor do Capítulo XIV? Há a tese de Maier (vide comentários ao Capítulo XIV), para quem o Capítulo IX seria posterior ao tronco fundamental do tratado, e o Capítulo XIV de feitura anterior ao referido tronco.

Já a posição do Da Interpretação na cronologia dos escritos de Aristóteles, diferentemente da pergunta sobre a sua autenticidade, é questão muito controversa.21

A obra é posicionada logo após as Categorias, cujos desen­volvimentos ela supõe. O problema é a presença de citações de trabalhos que lhe seriam conceitualmente posteriores (20b 26 - Tópicos; 17a 36 - Refutações sofísticas; 19b 31 - Primeiros analíticos). Aqui me parece ser possível eleger duas posições: pela primeira, a obra deve ter aparecido depois daquelas a que faz referência.22

18. Isaac, 1953, p.33.

19. Maier, 1936, p.72.

20. Graeser, 1973, p.51.

21. “Schwerer als die Frage nach ihrer Echtheit ist die Frage nach der Abfassungszeit der Hermeneutik zu beantworten” (Weidemann, 2002, p.45).

22. Isaac, 1953, p .ll.

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A segunda posição é considerar as citações a essas outras obras interpolações posteriores.

Em apoio à primeira tese, lembra-se que o Da Interpretação não é citado em outras obras. Nesse ponto, também se poderia dizer, a contraditar, que o fato de se compor de puras anotações pudesse explicar a ausência de citações à obra, mesmo que tivesse sido redigida antes. Ainda a favor da segunda tese, pode-se invocar a própria história do desenvolvimento dos conceitos, o que me parece argumento muito forte. A lógica modal, por exemplo, à qual Aristóteles dedica os seminais capítulos IX, XII e XIII do Da Interpretação, receberá, como já observara Lukasiewicz, sua exposi­ção sistemática no primeiro livro dos Primeiros analíticosP

Talvez não haja mesmo, sustentará a terceira vertente, condi­ções de se decidir entre a primeira e a segunda tese.

Mesmo um autor contemporâneo que parece cheio de dúvidas em relação à autenticidade das Categorias, refiro-me a Bochenski,24 coloca esse tratado como início do Órganon, ao lado dos Tópicos, e na sequência o Da Interpretação. É verdade que Bochenski não explora em toda a sua riqueza a linha de continuidade entre as Categorias e o Da Interpretação e os objetivos do primeiro desses tratados. Desse modo, não identifica o papel que as Categorias têm no Da Interpretação e no próprio desenvolvimento da filosofia e da lógica em Aristóteles. Quando se percorre esse caminho conceituai, examinando-se o texto grego, a língua concreta de Aristóteles, estreitam-se muito as margens para duvidar da autenticidade das Categorias. Demais, em Bochenski, a própria posição dos Tópicos ao lado das Categorias remete a um posicionamento lateral e não a uma linha de continuidade, determinada pelo objeto, a qual se instala com esse tratado e prossegue no Da Interpretação e nos Analíticos.

23. Lukasiewicz, 1972, p. 144.

24. “No passado a autenticidade de todos os escritos lógicos de Aristóteles foi frequentemen­te posta em dúvida. Hoje, exceção de passagens isoladas e talvez de capítulos, somente o tratado Categorias é, de modo sério, considerado espúrio.” (Bochenski, 1961, p.40).

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Os Tópicos e a Retórica, para nos remetermos ao Órganon árabe,25 poderiam constituir um segundo seguimento determinado pela natureza distinta de seu objeto (ou melhor, subobjeto) onde prevalece a precariedade ou a imprecisão do argumento.

De todo modo, a correta compreensão do significado de Da Interpretação vai ajudar na identificação das etapas do desenvolvi­mento dos conceitos da lógica em Aristóteles. Se se supuser aqui que há dois subobjetos distintos envolvidos, passa a ser interessante não só a cronologia total do Órganon, mas, mais ainda, a cronologia da gênese e da maturação de cada um desses dois subobjetos tomados de per si.

O primeiro capítulo do livro põe, de início, a necessidade de definir os elementos básicos de uma linguagem do ponto de vista lógico. Ele explicita o programa mínimo do Da Interpretação,26 Definir o nome, o verbo, a afirmação, a negação, a declaração e o discurso. Pode-se dizer que a enumeração inicial denuncia um crescendo: afirmação e negação conformariam os tipos de decla­ração; essa seria a unidade mínima da lógica proposicional. E esse o

25. Essas duas obras aparecem, respectivamente, como a terceira e a nona parte do Órganon. Os árabes incluíram também a Poética. A esse propósito, vale citar a nota de P. Thillet para a edição do terceiro tomo da Retórica de Aristóteles (1989, p. 16): “Os filósofos de língua árabe fizeram da Retórica e da Poética partes integrantes da lógica. Constatamos esse fato, por exemplo, ao ler o manuscrito da Biblioteca Nacional de Paris, cod. Parisinus arab. 2346, que contém essas duas obras como a terceira e a nona parte do Órganon na versão árabe. O próprio Avicena, ao expor as divisões da lógica, partilha também desse ponto de vista: ver I. Madkour, ÜOrganon d ’Aristote dans le monde árabe (1934, p.l 1)”.

26. Com a negação, a conjunção, as unidades de texto (declaração: S é P), Aristóteles constrói a sua linguagem lógica no Da Interpretação. Essa é a construção mínima para se falar dos juízos assertóricos. Mesmo a sua formalização em termos simbólicos contemporâneos não necessitaria mais do que a substituição do texto por letras, a negação, a conjunção e o pa­rêntese (Quine, 2006, p.67). É verdade que a partir do Capítulo VII aparece o problema da quantificação (universal, particular, singular), tornando a linguagem mais afiada e precisa.

Estrutura da obra

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tipo mais geral onde estão presentes todos os outros. Nome e verbo articulados permitiriam a afirmação ou a negação (a afirmação submetida ao sentido do não), as quais conformariam a declaração, conceito que emerge nos capítulos V e VI.

É muito resumido o primeiro capítulo, o qual explicita o estilo altamente condensado do Da Interpretação. Alguns se surpreendem com o grau de condensação do texto do tratado em exame. Ackrill, perplexo, indaga: “o que são, precisamente, afeccções da alma?”.27 A expressão parece de tal modo elástica que poderia abarcar os sig­nificados das coisas em seus limites, a imagem, o pensamento, os estados da alma (sentimentos). O comentador e tradutor inglês, tal­vez impregnado de noções mais recentes da alma, pergunta o que seriam os símbolos de afecção dela? Parece-me aqui plausível sus­tentar que certas afecções da alma, como a imagem, os sentimentos, as sensações em geral, adquirem seus equivalentes, os quais confor­mam a língua, esses seriam os símbolos. Há as sensações, as imagens e as suas respectivas codificações.

Os sons articulados em palavras funcionariam como símbo­los das afecções da alma, como se fossem - a metáfora é contemporâ­nea - transcrições cibernéticas. Aristóteles advoga que esses estados mentais seriam idênticos para todos, como seriam idênticos os objetos de que aqueles seriam as imagens. Ackrill salienta o seguinte: “É claro que não é verdade que todos os homens encontram as mesmas coisas e têm os mesmos pensamentos.”28 E aqui se insurge contra o que chama de graves fraquezas da teoria do significado em Aristóteles. Para além dessas limitações, a teoria exposta no Da Interpretação parece servir ao propósito de fundamentar a comunicação.

O trecho que se refere à identidade para todos das afecções da alma e dos objetos, cujas imagens seriam as afecções, faz-nos supor que estamos mais uma vez a lidar com as sensações. Imaginemos nós uma mesa com um rolo de pergaminho com alguns cantos da Ilíada,

27. Ackrill, 1974, p.113.

28. Ib.

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rodeada pelos presentes no auditório. Reconhece-se aqui que há identidade na percepção desse objeto pelos que estão ao redor da mesa. Por mais distinta que seja a percepção entre os presentes do objeto descrito, eles só poderão se comunicar sobre ele enquanto per­cebem um núcleo idêntico. Se não existir esse núcleo idêntico comum (que seja a referência, a Bedeutungde Frege), mesmo que seja fluido ou instável, não há comunicação. Mesmo as eventuais diferenças, só são identificáveis e discutíveis em referência ao núcleo idêntico. Sob esse prisma, a teoria de Aristóteles da significação permanece válida. E Frege com certeza dialoga com o Da Interpretação e as Categorias em seu famoso Über Sinn und Bedeutung. O isto põe inequivocamente as questões da significação (referência) ou Bedeutung fregiana. O bode- -cervo (16a 15-17), quando diz alguma coisa, sem existir, sem ser verdadeiro ou falso fora da declaração (σημαίνει μέν τι, ούπω δέ άληθές ή ψεΰδος), responde pelo Sinn ou sentido fregiano. Os que colocam dificuldade à teoria da correspondência de Aristóteles, para objetos que não existem, se esquecem de que essas diferenças postas com ênfase por Frege já estavam postas no Estagirita do Da Interpretação. O isto, o dêitico das Categorias (3b 10), constitui uma articulação de referência e sentido. A estrela da manhã e estrela da noite podem aparecer não só como sentidos distintos da mesma referência, isto é, da mesma estrela, mas como momentos distintos de uma mesma substância, onde a “própria referência” comporta distinções que não lhe retiram a identidade, como o Sócrates jovem e o Sócrates idoso se referem ao mesmo Sócrates. A solução fregiana (Es würde die Bedeutung von “Abendstern” und “Morgenstern” dieselbe sein, aber nicht der Sinn) que iguala a referência (Bedeutung) no caso das estrelas da manhã e da noite, mas lhes distingue apenas o sentido (Sinn), ignora platonicamente a possibilidade de distinção no interior da própria referência, o que só é possível com esse extraordinário utensílio conceituai, a substância e seus momentos.

Pode-se, é claro, recriminar o Estagirita por não ter feito a dis­tinção entre as representações (Vorstellungen de Frege ou Kant) ou

7 δ

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imagens individuais da coisa. Seu texto no Da Interpretação passa ao largo dessa matéria, como já observara o indignado Ackrill. Há de se admitir, todavia, para além da ingênua tese de que Aristóteles deve­ria dizer tudo, que semelhante conceito onde aparecesse a pura sub­jetividade (Die Vorstellung ist subjektiv) ou impuramente articulada, enodada (Vernüpfung) com o sentido e o significado fregiano, não é exigido pela matéria discutida a essa altura por Aristóteles. Ele quer fundar a lógica, em seu aspecto mais necessário, e faz a sua exposi­ção desse objeto, a lógica, e não se faz isso na troca dos elementos puramente subjetivos envolvidos (Die Vorstellung des einen ist nicht die des anderen). Quando Frege repõe a questão, ele não precisa fun­dar um objeto já fundado, e tem, é verdade, de pagar tributo a essa importante palavrinha de sua tradição (Vorstellung). Como exposi­ção direta de uma linguagem lógica, o Da Interpretação não tem, portanto, que se ater aos aspectos não lógicos da questão.

É possível também minimizar o impacto da teoria dos signi­ficados sobre a teoria da proposição (declaração)29 e da lingua­gem, que seria o objeto próprio do tratado Da Interpretação. Com efeito, alma e proposição objetivada não parecem guardar muito em comum. Todavia, há que se refletir sobre a presença desse dado já na abertura30 do livro. Trata-se aqui também da militância antiplatô- nica discreta, mas eficiente de um Aristóteles quarentão que jamais parece ter deglutido a eternidade dos objetos platônicos e de suas ideias. Os sons, as afecções da alma, a declaração, isto é, o ato em

29. Ackrill, a esse propósito, assim se pronuncia: “Felizmente a noção de que as declarações são símbolos das afecções na alma e de que essas são idênticas às coisas não tem influên­cia decisiva sobre o restante do Da Interpretação. Por exemplo, Aristóteles não faz apelos constantes para a experiência psicológica ou para os fatos para expor ou fundamentar o que diz a propósito dos nomes, verbos, declarações etc.; a maior parte do que diz é independente de sua teoria das palavras, pensamentos e coisas.” (1974, p.l 13.)

30. A abertura é sempre abertura, quer seja em uma tragédia de Sófocles, quer seja em um tratado de Aristóteles, quer seja em uma partida de xadrez. E há que se observar que a mesma informação reaparece exatamente no fecho do livro. Por que esse cuidado? Trata-se, ao ver de Aristóteles e de sua tradição (na hipótese do Capítulo XIV ser da lavra de um outro, Theofrasto, possivelmente), de uma informação indispensável para a compreensão dos conceitos opostos no tratado.

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que se afirma ou se nega alguma coisa de alguma coisa, são no limite algo provisório, com prazo de validade, que seja maior ou menor. As proposições aparecem aqui como objetos de atitudes proposicionais, de afecções da alma. Aristóteles está, assim, a dizer que, a despeito de as proposições serem tomadas por si mesmas, objetivadas, em seu mundo como que autônomo, elas não estão simplesmente aí, mas apenas refletem afecções da alma ou articulações dessas, as quais remetem aos objetos que estão aí no mundo,31 de modo provisório. Elas poderão mesmo expressar relações eternas, como se verá em obras posteriores do Estagirita, mas elas próprias seguem provisó­rias, esse o detalhe, ou a contradição, se se preferir. Por outro lado,

31. Outro propósito para o qual se pensou serem as proposições necessárias é como objetos de atitudes proposicionais de crença, desejo, esforço, lamento e coisas que tais (Quine, 1974, p. 183). Aristóteles, aliás, está muito próximo daquilo que Quine chama de atos de proferência. Ao contrário de Quine, porém, não vê nenhum óbice sério à constituição de uma teoria da verdade referente às declarações ou atos de proferência. “Leis como aque­la, segundo a qual de duas falsidades quaisquer se forma uma disjunção falsa, e quaisquer duas verdades formam uma conjunção verdadeira, se tornam difíceis de interpretar se nos atemos à existência de proferências. Parece que essa dificuldade nos conduz aos condicio­nais contrafáticos, e assim passamos da frigideira ao fogo. Esta dificuldade não aparecia quando falávamos de sentenças, de formas linguísticas, no lugar dos atos de proferência, porque uma sentença pode ser pensada simplesmente como a sequência, não no sentido histórico, mas matemático, de suas sucessivas letras ou formas. As sentenças nesse senti­do existirão sempre, à margem de sua proferência, e em todo o caso não vacuamente como a classe vazia, se toleramos um pouco a teoria dos conjuntos.” Quine, porém, se esforça para superar a dificuldade que encontra. Uma das soluções que apresenta não é mais que um retorno a Aristóteles: “Que fazer, então, com os atos de proferência como veículos de verdade? Tenho duas ideias. A primeira é que explicamos a teoria lógica existente como um esquematismo conveniente que pode ser aplicado para dar resultados corretos quando se achem as condições adequadas de existência a respeito dos atos de proferência” (Ib.). Paolo Crivelli (2007, p.28-9) lembra que o tempo de produção do enunciado não é o seu tempo de verdade, pois Aristóteles não situaria o tempo dentro da declaração. E aqui traz o famoso exemplo das Categorias, “Sócrates está sentado”, e não Sócrates está sentado no instante t determinado. O presente do verbo ser aparece em tais construções como se fosse um aoristo: uma vez Sócrates está sentado. A meu ver, esse exemplo já não responde ao desenvolvimento conceituai do verbo no Da Interpretação, onde o tempo aparece de modo inequívoco, na famosa definição do verbo: nome mais tempo. Sobre o peso da coisa na linguagem, Maier (1936, p.87-8) lembra da concordância, no Da Interpretação (Uebereins- timmung), admissível de palavra, conceito e coisa, perspectiva introduzida em 16a 3-8: “Há os sons pronunciados que são símbolos das afecções na alma, e as coisas que se escrevem que são símbolos dos sons pronunciados. E, para comparar, nem a escrita é a mesma para todos, nem os sons pronunciados são os mesmos, embora sejam as afecções da alma - das quais esses são os sinais primeiros - idênticas para todos, e também são precisamente idên­ticos os objetos de que essas afecções são as imagens.”

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a imutabilidade não se deve assimilar à eternidade. A proposição e a opinião são imutáveis, enquanto durem (Categorias 4a 22-4b 20).

O nome, o verbo, a negação, a afirmação, a declaração (pro­posição) e o discurso são anunciados como fundamentais na cons­trução da teoria da proposição. O verdadeiro e o falso se vinculam à composição ou à separação dos termos da declaração. Se houver apenas nomes, não haverá sentido em se falar em verdade ou falsi­dade, mas meramente em significação.32 O verdadeiro e o falso se referem à proposição em contraponto com o fato, com a realidade. A passagem - “Há, por conseguinte, na alma, ou pensamento sem o ser falso ou o ser verdadeiro, ou o pensamento em que é necessário que subsista um ou outro desses, e da mesma maneira em relação aos sons pronunciados. O falso e o verdadeiro existem na composição e na separação.” - constitui uma das referências centrais da teoria da verdade em Aristóteles. A essa passagem, por sua força, poder-se- -ia talvez equiparar o trecho da Metafísica (E, 4-200): “O verdadeiro contém, com efeito, a afirmação no composto e a negação no divi­dido; e o falso, a contradição desta partição.” Evidentemente, esses excertos só fazem sentido dentro de uma teoria da correspondência ou espelhamento.33

32. É verdade que há no grego as frases nominais. Todavia, nestas, é como se existisse o verbo ser, mas em sua acepção mais abstrata. A esse propósito, consultar “A frase nomi­nal” (Benveniste, 1976, p.163-82). Nesse texto, p.172, lê-se: “A frase nominal em indo- -europeu afirma uma certa ‘qualidade’ (no sentido mais geral) como própria do sujeito do enunciado, mas fora de qualquer determinação temporal, ou outra, e fora de qualquer relação com o locutor. Há outras passagens, dispersas no De Anima e Metafísica (Θ, 10) que confirmam a escolha do Da Interpretação. A problemática da correspondência já está colocada de maneira inequívoca nas Categorias (4a 25): “Com efeito, uma mesma proposição parece ser ora verdadeira, ora falsa. Por exemplo, se for verdadeira a propo­sição uma pessoa está sentada’, levantando-se essa pessoa, essa mesma proposição será falsa”. Nem mesmo um livro de temática alheia à lógica, como a Ética a Nicômaco, uma das últimas obras de Aristóteles, esconde a opção inequívoca pela teoria da correspon­dência (1179a 20): “É necessário examinar as coisas anteriormente expostas contrapon­do-as aos fatos e à vida. Se estão de acordo com os fatos (έργα), devem ser acolhidas; se divergem [deles] devem ser compreendidas como meros discursos”. A esse propósito, a passagem mais eloquente parece-me 19a 33-34, do Da Interpretação, onde se sustenta que os discursos verdadeiros são conforme os fatos (πράγματα)”.

33. Vuillemin (1984, p.165) comentou: “II y a de correspondance entre vérité des énoncés et réalité des états de choses”.

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Aristóteles

Aristóteles definirá o nome, o verbo, o discurso, o discurso declaratório ou declaração nos capítulos II, III, IV, V e VI. Sustentará que a eleição das palavras é matéria de convenção, a ecoar o debate do Crátilo, onde Hermógenes pugnará pela convencionalidade da linguagem. A tese contrária à de Hermógenes será a que dá o caráter de ferramenta à linguagem (387d 1-8; 388a 8). Em 17a 1-2 (Da Interpretação, Capítulo IV), o Estagirita dirá que o discurso é significativo, não como ferramenta (Órganon), mas como convenção.

O fato de o Capítulo II lembrar a condição de som articulado e significativo do nome contrasta novamente com o mundo das ideias permanentes de Platão. Demais, aponta para o nascer desses nomes e ideias em Aristóteles, ao contrário do simples aparecer em Platão de algo que já é. A presença do nome como “convenção” é a expli­cação aristotélica para o fenômeno da linguagem e de suas diferen­ças. E, de certa forma, atende a certas propriedades da linguagem. Podemos, é evidente, chamar esse objeto de uma forma ou de outra. Mas essa possibilidade tem os seus limites: provavelmente escolhe­remos nomes de acordo com o padrão de nossa língua, e mesmo que os trouxéssemos de fora, os adaptaríamos ou acomodaríamos a nossa língua. A solução de Platão também encontra a sua âncora e também responde a aspectos da realidade da língua. Sobretudo, se se pensa que Platão procurou usar em seus diálogos a língua de forma artística, e é certo que o conseguiu. Aqui, na busca do padrão artístico de expressão, há que se encontrar a palavra exata, como a melhor expressão do conceito, seja como ideia, seja como veículo expressivo. Essa precisão, que nos leva a optar por uma solução e não por outras, respalda também a opção pela ferramenta. Com efeito, quando se procura rachar a lenha, e se escolhe o machado, e não a foice ou a enxada ou o martelo, tem-se uma imagem da solução que Platão deu a esse problema.

Posteriormente, Epicuro, a exemplo de Aristóteles, que rejei­tou a ferramenta de Platão de modo explícito, rejeitará também de modo explícito a convenção do Estagirita como modelo para as

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línguas - e oferecerá uma alternativa mais total e histórica, ainda que também geográfica, climática e biológica para o fenômeno das línguas. É evidente, portanto, que em sua Carta a Heródoto (75-76) dialoga diretamente com o Aristóteles do Da Interpretação:

D isso se deve adm itir tam bém que os nom es não surgem orig ina­

riam ente por convenção, m as as próprias forças da natureza dos

hom ens, conform e cada povo, a experim entar afecções peculiares

e a captar im agens peculiares, expelem , à sua m aneira, o ar que é

enviado, con form e cada um a das afecções e im agens, de m odo que

então houvesse d iferenças entre os povos, con form e as regiões.

O Capitulo III

O Capítulo III introduz o verbo e, por ele, o tempo. Pela linguagem corrente chega-se a um dos constituintes mais importantes da lógica, qual é o tempo. É verdade que a lógica em Aristóteles não está, a essa altura, apta a captar as meras mudanças de um instante para outro, mas não dispensa as grandes dimensões temporais, passado, presente e futuro. “Verbo é o que agrega àquilo que ele próprio significa o tempo e cujas partes nada significam isoladamente.” A introdução do tempo pelo verbo é mais uma condicionante da língua grega e, no caso, do indo-europeu. O relevante aqui, porém, é aparição do tempo para a lógica. O desenvolvimento da filologia mostrou que as noções de verbo e nome frequentemente se emba­ralham, conforme lembra Benveniste:34

Sobre a d iferença entre verbo e nom e, frequentem ente debatidas, as

definições propostas se reduzem em geral a um a das duas que se

seguem : o verbo indica processo; o nom e, ob jeto ; ou ainda: o verbo

im plica o tem po; o nom e não im plica. N ão som os os prim eiros a

insistir que essas definições têm um a e outra de inaceitável para um

linguista. Precisam os m ostrar em poucas palavra por quê.

34. Benveniste, 1976, p. 164.

Da Interpretação

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Aristóteles

U m a oposição entre “processo” e “ob jeto” não pod e ter em linguís­

tica n em validade universal, nem critério constante, nem m esm o

sentido claro. A razão está em que noções com o processo ou objeto

não reproduzem os caracteres objetivos da realidade, m as resultam

de um a expressão linguística da realidade, e essa expressão só pode

ser particular. Não são propriedades in trínsecas da natureza que a

linguagem registraria, são categorias form adas em certas línguas e

que foram projetadas sobre a natureza.

Evidentemente, não é preciso concordar com esse relativismo, nominalismo e pessimismo do grande linguista francês, onde a linguagem não pode alcançar uma descrição correta do que aí está, como se isso estivesse sempre a um passo inatingível, qual a coisa em si. Projeto, sem sombra de dúvidas, não aristotélico. Todavia, a outra parte de seu argumento tem alcance maior e é inteiramente fática: “Ninguém negará que a forma verbal, em várias famílias de língua, denota, entre outras categorias, a do tempo. Não se segue daí que o tempo seja expressão necessária do verbo.”35

Aristóteles, cujo modelo de linguagem lógica é o próprio grego clássico, não poderia aqui, mesmo que quisesse, escapar do horizonte da sua língua corrente.36 A língua corrente acaba sendo o substrato onde vai buscar as significações mesmo para as lingua­gens formais. Aliás, o nível de precisão da língua grega será con­sideravelmente elevado pelo esforço de Aristóteles. Podemos dizer que as conformações do meio-língua, se bem exploradas, não impe­dem a construção de uma teoria lógica ou da verdade com razoáveis

35. Benveniste, 1976, p.165. Aí se lê: “Há línguas como o hopi em que o verbo não implica absolutamente nenhuma modalidade temporal, mas tão somente modos aspectuais, e outras como o tübatulabal (do mesmo grupo uto-asteca que o hopi) em que a expressão mais clara do passado pertence não ao verbo mas ao nome: hani-1 - ‘a casa’; hani-pü-l, - ‘a casa no passado’ (= o que era uma casa e não é mais).” A palavra “anaus” - o barco que não é mais - expressa pelo alfa privativo essa possibilidade, que aparece apenas como residual no idioma grego clássico.

36. Weizsäcker, 2002, p.6 (“Wir entgehen also der Problematik der Umgangssprache nicht”).

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D a Interpretação

exigências de rigor.37 Mais importante é notar que o tempo, essa determinação essencial dos processos, chega, pela forma mais natu­ral, pela tradição indo-europeia, isto é, pelo verbo, à linguagem apre­sentada no Da Interpretação.

É verdade que para discriminar esse elemento essencial, essa determinação do mundo, que é o tempo, Aristóteles elabora defi­nição muito precisa e avançada do verbo: “Verbo é o que agrega àquilo que ele próprio significa o tempo e cujas partes nada significam isoladamente” Com efeito, ele nominalizará o verbo e agregará a isso o tempo. Pensemos na proposição “Alcebíades corre”, o que seria con­vertido em grego aristotélico à forma canônica da proposição atribu­tiva, “Alcebíades é ‘o que corre (expressão reduzível ao nome mais agora’)”. Pensemos também que a forma verbal “corre” não pode ser lida isoladamente, ela exige um sujeito, “alguém ou alguma coisa que corre agora”. Isso torna inteligível a passagem da nominalização do verbo posta, mais adiante, no mesmo capítulo: “Aquelas [coisas] que chamamos de verbo são, elas próprias, e por si mesmas, nomes e significam alguma coisa.” O tempo, como se depreende, já aparece aqui como um mero operador, exterior ao nome, a jogar o seu jogo no mundo da lógica, e entra, portanto, como uma expressão da lógica no Da Interpretação. Para alcançar esse resultado, o verbo não pode ser mais que um nome. Esse nome exibe, porém, propriedade especial: ele remete ao seu exterior, à determinação do tempo. Essa concepção representa uma ruptura com os exemplos que aparecem nas Categorias, onde o enunciado é compreendido quase que aoris- ticamente, isto é, o verbo é mero aspecto e não encerra a noção de tempo com a força e precisão que lhe são compatíveis. A proposição

37. As perguntas de Weizsäcker (2002, p.8), 24 séculos depois, estão, de certa forma já aqui respondidas: “Die Logik ist nach Abendländischem Veständnis Vorbedingung jeder Wis­senschaft, also doch wohl auch der Sprachwissenschaft. Ist nun auch die Logik Ausdruck unserer kulturellen Voraussetzungen? Verliert sie daduch den Wahrheitsanspruch?” [“A lógica é, na compreensão ocidental, precondição para cada ciência, portanto tam­bém da linguística. É então também a lógica expressão de nossos pressupostos culturais? Perde ela por isso a pretensão à verdade?”].

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Aristóteles

das Categorias poderia muito bem ser compreendida, ou transcrita, nas formulações seguintes: era uma vez um menino que tinha cabe­los brancos // uma vez Sócrates está (ou estava - o tempo é aqui o indiferente, ou algo eventual) sentado. Se em algum tempo esses eventos se confirmam, pode-se falar na verdade de tais proposições. Se eles se alteram, a proposição deixa de ser verdadeira. Tais cons­truções não carregam consigo a marca de um instante determinado.

Vê-se, portanto, que Aristóteles não está a discutir pela defi­nição do verbo no Da Interpretação os elementos da frase de um ponto de vista meramente gramatical, mas que ele já funda as suas noções gramaticais de um ponto de vista lógico, visando a fundamentar a sua proposição atributiva. Se ele considerasse o tempo elemento não só inseparável do nome, mas intrínseco a esse, o tempo não alcançaria o status de operador lógico, e aí, sim, a sua lógica se veria bem mais reduzida às conformações da língua grega clássica.

É verdade que, nesse trabalho, ele é obrigado a enfrentar questões gramaticais ou filológicas, a resolvê-las de um ponto de vista novo ou revolucionário. Assim, ao dizer que o verbo “é sempre sinal das coisas subsistentes, por exemplo, das coisas ditas de um sujeito”, ele explicita a necessidade de o verbo no sistema verbal grego exigir sempre a referência ao sujeito. Essa exigência é o principal distintivo do que se chama verbo em grego e em toda família indo- -europeia de línguas.38

“Digo que agrega àquilo que ele próprio significa o tempo, como no exemplo seguinte: a saúde é nome, mas ‘tem saúde’ é verbo. Agrega, com efeito, ao que significa o fato de agora subsistir.”39

38. “O que caracteriza propriamente o verbo indo-europeu é o fato de só fazer referência ao sujeito, não ao objeto. Ao contrário do verbo das línguas caucasianas ou ameríndias, por exemplo, este não inclui nenhum índice que assinale o termo (ou o objeto) do pro­cesso. É impossível assim, diante de uma forma verbal isolada, dizer se é transitiva ou intransitiva, positiva ou negativa no seu contexto, se comporta um regime nominal ou pronominal, singular ou plural, pessoal ou não etc.” (Benveniste, 1976, p. 184.)

39. Ytcópxco [hyparkhein] aparecerá diversas vezes nesse capítulo dedicado ao verbo. É um verbo Importante porque sugere não só a existência, mas a sua continuidade, a subsistên­cia, articulando-se, portanto, com a noção de substância. Seu uso é um traço da língua

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Da Interpretação

O presente aparece como tempo originário do verbo, em função do qual os outros tempos são demarcados: “[...] a expres­são ‘tinha saúde’ ou a expressão ‘terá saúde’ não são verbos, mas casos do verbo. Elas diferem do verbo porque esse agrega ao que ele próprio significa o presente, e elas, o que está ao redor dele”, isto é, o passado e o futuro. Essa passagem busca um paralelismo com o nome propriamente dito e seus casos, e indica os “casos do verbo”. Passado e futuro aparecem aqui de um ponto de vista gramatical ou mesmo lógico, como meras modificações ou declinações do presente. O verbo é nome e significa alguma coisa.

Pode parecer enigmático, no movimento do texto, o trecho seguinte: “O que [os verbos] diz expõe o pensamento, e o que ouve deteve o seu”. Aristóteles passa de uma passagem gramatical para considerações gnosiológicas fundamentais. Esse salto só é incom­preensível se insistirmos em nos manter no nível da gramática. O que ele significa é a ponte entre o sistema proposicional pensado objetivamente, para lembrar o mundo das essências platônicas, e a produção das proposições pelo pensamento. Esse salto nos põe, também, a indispensabilidade dos verbos na enunciação do pensa­mento. Aristóteles não se refere às ações que os verbos descrevem, mas deixa subtendido, e aqui não estamos a forçar, o movimento e o tempo a que eles se referem, sem os quais não há o pensar. Também o verbo sempre exige o sujeito, exige a unidade proposicional, pela qual o pensamento se realiza (capítulo seguinte). Acresce que o dis­curso declaratório, que se vincula ao ser verdadeiro ou ao ser falso, portanto, ao problema essencial da verdade e da objetividade, não existe sem “um verbo ou um caso dele” (17a 10). Mesmo outros dis­cursos, como a prece, exigirão o verbo. Não se há de esquecer que o pensamento, onde há discurso declaratório, se exerce pelo pensar simultaneamente e pensar separadamente (Metafísica, 1027b 20-25), o primeiro caso se refere à conjunção do sujeito e do verbo, ou do

de Aristóteles e é bem provável que seja invenção do Estagirita. A propósito, vide Kneale;Kneale, 1980, p.65.

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Aristóteles

sujeito, cópula e predicado; o segundo se refere à sua separação, por meio da partícula negativa.

Por último, Aristóteles lembra que há duas ordens, a do pen­samento e a das coisas. Há o pensar, o produto do pensar, o texto, o discurso, a proposição, a lógica das proposições, e há coisas que elas também procuram descrever. A proposição não pode garantir, por si própria, a existência das coisas exteriores a que se refere. Não é porque asserto a existência da coisa que essa coisa é.

Para além da descrição desses dois tipos de ordem, cuja ponte a teoria da verdade assegura, a importância dessa posição, a esse momento ou movimento do texto, é que ela permite a possibilidade da construção de uma linguagem e do estudo de sua sintaxe, sem que haja a pretensão de se estar falando de fato das coisas como elas são, mas também sem renunciar à possibilidade de falar delas, pois elas de alguma forma se refletem no discurso. De todo modo, trata o Estagirita aqui de uma tese central que conforma o quadro geral de nossa relação lógica com o mundo, como a dialética entre a ordem do discurso e a ordem do mundo.

Comentemos um pouco a questão da voz verbal. Em grego, apresentam as três vozes aspectos morfológicos e funcionais per­feitamente identificáveis. Na voz ativa, o sujeito pratica a ação, na passiva, o que era o objeto da ativa passa a condição de sujeito, na média o sujeito pratica ação para si e não para o outro. Todas essas distinções que poderiam ser captadas, às vezes mesmo pela morfologia, são ignoradas por Aristóteles. Esse fato apenas ratifica que Aristóteles não se interessa pelo verbo no Da Interpretação como matéria da gramática, mas como substrato de importante noção para a lógica, como é o tempo. Pelo verbo, sua lógica já nasce antiplatô- nica, já nasce acolhendo as coisas corruptíveis.

Aristóteles também está atento, nesse terceiro capítulo, ao efeito da partícula “não” sobre as formas verbais, em expressões que apare­cem em nossa tradução como “não tem saúde”, “não apresenta fadiga” e diz que não estamos, em tais casos, diante de um verbo, prefere

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Da Interpretação

aqui denominar a articulação do verbo com a negação de verbo indefinido, o que demonstra a sua plena consciência da importân­cia do operador “não” para a linguagem lógica e da natureza de seu impacto sobre os termos da frase e sobre a semântica de tais termos. Vale lembrar que o “não” talvez esteja para a lógica como o zero está para a aritmética. Aristóteles, desse modo, mostra nesse pequeno capítulo, com exagerada economia de palavras, que o espaço defi­nido pelo “não” que se cola ao verbo é distinto do espaço delineado pelo “não” que se cola a um simples nome, que não carrega con­sigo o tempo. Com efeito, o não homem remete a uma totalidade de expressões que se distinguem do homem. No caso do verbo, por ele exigir sempre um sujeito a que se vincula, o espaço da negação termina restrito ao espaço definido por esse sujeito, ao espaço defi­nido no interior da própria proposição. Fica claro que o fundador do Liceu aqui não se interessa pela gramática propriamente dita, mas, quando faz a sua leitura dos termos gramaticais, o faz do ponto de vista lógico. E o verbo, sobre aparecer como um nome mais um ope­rador de tempo, remete a outro aspecto da proposição que muito interessou Aristóteles: aparece na condição de predicado.40

De todo modo, levemos à exaustão algumas dificuldades da matéria agora em avaliação.

Consideremos, nos termos da nota 35, a palavra ávauç [anaus]. Tecnicamente ela aparece como um nome, um substantivo concreto articulado com um alfa privativo que destitui a sua concre- tude. Essa palavra poderia ser tomada como uma proposição-nome, vez que efetivamente significa “o barco que já não existe”. “Anaus” encerra, assim, nome e tempo, mas não é verbo. Aristóteles prova­velmente leria tal nome como mera abreviatura da sentença. Ela é, portanto, mais que um verbo, é uma proposição.

Consideremos ainda a própria definição de Aristóteles do verbo, que se pode entender como sofisticada, se se recorre às lições

40. “So verbs and predicates are one and the same thing - provided that you take ‘verb’ to mean ‘predicate’ (and hence classify names as verbs).” (Barnes, 2007, p.113.)

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Aristóteles

da linguística contemporânea. Suponhamos o verbo correr, um nome mais tempo, o que se poderia reduzir a “corrida no tempo tx”.41 Vê-se que, mesmo se conformando à condição de nome, essa expressão, nome mais tempo, pede um sujeito lógico, a corrida de alguém, de algum animal, de algum astro. Trata-se, portanto, de um tipo singular de nomes. Ela exige um nome, propriamente dito, que a ela se articule, em uma condição de gênero, espécie, ou de indivíduo, como na proposição: os astros se deslocam, astros, deslo­camento, sempre. Estamos, portanto, no ambiente bem fundado por Aristóteles, o espaço do sujeito e do predicado. Exatamente por exi­gir um sujeito, o verbo, na condição de predicado, dispensa a cópula (“é”, “será” ou “foi”), pois a articulação já está de alguma forma dada. É o que se vê em proposições como a seguinte: “Alcebíades seguiu para a batalha” ou “Sócrates desceu ao Pireu”.

Com certeza, a definição de verbo nesse capítulo é muito mais forte do que a noção de verbo usada pela própria lógica de Aristóteles, até pelas limitações e também necessidades de sua época no trato do tempo. Aristóteles não colheu os frutos de sua descoberta nesse capí­tulo. Todavia, há que se reconhecer tratar de contribuição valiosa cujo significado permaneceu inerte durante mais de dois milênios. E verdade que, em período histórico relativamente recente, aparece­rão na lógica os operadores temporais, sem, todavia, se fazer justiça ao mestre.

O Capítulo IV

Esse capítulo inicia com a palavra grega logos, cujo verbete é sempre um dos maiores de qualquer bom dicionário da língua grega clássica. “Phrase”, “sentence” etc., nessa tradução optou-se por dis­curso. Vê-se, porém, que Aristóteles está a referir-se às palavras, par­tes mínimas significativas, e de algo que as transcende, afirmação, negação, prece, encadeamento de proposições. A sílaba na palavra

41. Existe um (x) C(x) e existe um (y ) T(y).

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Da Interpretação

ainda nada significa, é elemento importante, mas que se localiza abaixo do limiar semântico. Quando tem significado, por exemplo, na expressão “bode-cervo”, não é por si mesma, mas na articula­ção com outra, como em “bode”, “bo” mais “de”. A construção de Aristóteles nesse trecho é angustiante (“Nas palavras compostas, a sílaba tem significado, mas não por si mesma, conforme já tinha sido dito”) e labora em favor da tese de que o Da Interpretação é mera anotação de cunho pessoal e não obra acabada. A frase que se acaba de citar é de contorno complicado e poderia ser bem mais simples e precisa. Não se pretendia em tal caso senão dizer que a palavra, com­posta de letras e sílabas, essa sim teria significado. Trata-se de uma anotação que demandava posterior revisão.

O giro mais radical de Aristóteles, nesse capítulo, talvez seja a afirmação de que “todos os discursos são significativos, não como ferramenta, mas, como já tinha sido dito, por convenção”. Há que se ter presente que tudo o que significa é discurso, o que recai den­tro do amplo verbete que os registros da língua reservam ao logos. Aristóteles parece supor que há uma soma lógica das convenções que sempre acontece no próprio conjunto das convenções. No entanto, poder-se-ia objetar, mesmo supondo a eleição das palavras por con­venção, que os discursos que articulam sujeito e predicado revelam leis objetivas que escapam à mera convenção, mas que são deter­minadas pela estrutura objetiva que as frases, compostas de pala­vras eleitas, parecem conter. Isso significa que se poderia, supondo a liberdade de, pela convenção, colar nomes e predicados às coisas, admitir que as relações que esses estabelecem entre si e com outros discursos do mesmo naipe expressam leis que estão longe serem meramente convencionais. Suponha-se que a palavra homem seja mera convenção para o que ela efetivamente designa, suponha-se também que a expressão racional cumpra o mesmo desígnio. Ora, isso não nos autoriza a dizer que a unidade “O homem é animal racional” seja significativa meramente por convenção. Essa frase fica como a sobrar se se pensa no realismo de Aristóteles e no desenvol­

9 ;

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vimento de sua teoria lógica, mesmo no Da Interpretação. Demais, a teoria do espelhamento impõe o seu conjunto de significações deter­minadas pela presença da coisa e a estrutura da proposição adquire uma objetividade em si mesma que não pode ser esgotada pela mera convenção, mesmo que se parta dela. Do mesmo modo, a relação entre as proposições apresenta, como se sabe, caráter objetivo.42 Com efeito, o próprio trabalho de Aristóteles na silogística, por exemplo, é demonstração que leis, até por necessárias, não poderiam ser ditadas pela convenção. Acresce que, nas Categorias, já estavam demonstra­dos os tipos de predicação, isto é, as grandes linhas das relações que o predicado mantém com o sujeito, as quais escapam ao mero con­vencionalismo. Aliás, convenção e ferramenta são enfoques que não podem ser convertidos em camisas de força para o enquadramento das linguagens, sob pena de se cair em paralogismos.

Como entender, portanto, essa passagem em que se vai do convencionalismo da palavra ao convencionalismo do discurso em geral, da frase, da afirmação e da negação? Trata-se evidentemente de uma investida explícita43 contra o discurso-ferramenta de Platão, mas também de uma investida contra a teoria das ideias de Platão, à medida que se nega de alguma forma a objetividade necessária do discurso posto, das ideias, enfim. Essa passagem, ou mesmo esse acerto de contas, aponta, portanto, para uma desconstrução radical de Platão, ainda que produza apenas mais dificuldades. Aristóteles, sem o recurso da historicidade da linguagem (Epicuro),44 não tem como justificar o seu ponto de vista de repúdio ao mundo das ideias de Platão, sem sacrificar a objetividade do próprio discurso posto. É conduzido, assim, a uma solução que derroga a própria necessi­dade ínsita às suas descobertas.

Aristóteles

42. A conjunção de p e ~p, por exemplo, será sempre falsa em lógica clássica.

43. 17a 1-2. “Todos os discursos são significativos, não como ferramenta, mas como já tinha sido dito, por convenção.”

44. Vide comentários aos capítulos 1 e II.

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D a Interpretação

A questão da verdade aparece em sua vinculação com um tipo especial de discurso, o discurso declaratório, objeto do Da Interpretação, assim reconhecido: “Deixemos os outros discursos, pois o exame deles é mais próprio da retórica e da poética. Porém, o declaratório é próprio deste estudo.” Em contraposição a esse dis­curso, Aristóteles já havia citado a prece, que não seria verdadeira nem falsa. A prece que faz essa aparição episódica, determinando negativamente o campo do discurso declaratório, deixará sempre a dúvida de como seria lida, em termos de valores de verdade. Também a modalidade do possível (Capítulo IX) não será nem verdadeira nem falsa, há que se considerar, porém, que se trata de matéria dis­tinta. Estaria, no caso da prece, Aristóteles pensando na função per- formativa de certos verbos? “Eu peço, Palas, que nos ilumine nesse momento.” Com efeito, no caso da modalidade do possível, uma coisa pode ser e não ser. Se aqui se pode falar de algo não ser nem verdadeiro nem falso, mas que deverá se resolver em verdadeiro e em falso, essa alternativa já não está presente no que concerne à prece. Todo o seu conteúdo já aparece imediatamente dado.

O Capítulo V

O Capítulo V se inicia apontando para uma hierarquia do dis­curso declaratório, onde em primeiro lugar aparece a afirmação e em seguida a negação. O critério que determina esse fato é a própria com­plexidade de suas construções, primeiro se obtendo a afirmação por nome e verbo, ou nome, predicado e cópula, e, depois, pela agrega­ção da partícula “não” se alcança a negação. Trata-se, evidentemente, da própria lógica de construção da linguagem,45 onde começamos

45. Quando não se está atento ao princípio de construção lógica da linguagem, tal como posto no Da Interpretação, a precedência da afirmação sobre a negação torna-se incom­preendida. Nesse erro laborou Paolo Crivelli com sua pouco plausível, ou simplesmente incrível, teoria dos states o f affairs em Aristóteles, que, segundo ele, ofereceria uma ex­plicação para Aristotle’s some what obscure claim that affirmations are prior to denials (Crivelli, 2007, p.50).

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Aristóteles

praticamente na sílaba, passamos pelos nomes que seriam obtidos por convenção, pelos verbos e agora chegamos nos capítulos IV e V ao discurso declaratório e também às articulações de unidades de tal tipo: (17a 9) “Todos os outros discursos [declaratórios] são unos pela ligação entre aqueles.” Esse modo de construção mostra o domí­nio da linguagem lógica a que chegou Aristóteles, onde praticamente define os termos da linguagem corrente, usa conscientemente do ponto de vista lógico os operadores “não” e “e”.46 Antes, portanto, de chegar ao problema da quantificação (Capítulo VIII), trabalha com os discursos declaratórios, assim simplesmente considerados, e os operadores citados. Vai reconhecendo, assim, na linguagem objetiva posta, os recursos propriamente lógicos e a forma como são logica­mente engendrados.

A importância do verbo para a determinação do discurso declaratório é reafirmada aqui, sem rodeios: “Há necessidade de que todo o discurso declaratório decorra de um verbo ou de um caso dele. Com efeito, o discurso do homem, se não lhe for aposto o e’, o ‘sera ou o ‘foi’, ou alguma coisa desse tipo [verbo, no limite], ainda não é discurso declaratório.”

Como que lançada à estupefação do leitor, aparece a indagação seguinte: “e por que é um o animal-pedestre-bípede e não múltiplo? Com efeito, não é pelo fato de as expressões terem sido ditas na sequência que constituem um mesmo discurso. Todavia, cabe a outra disciplina tratar disso”.

Por que a questão, se se trata evidentemente de matéria de outra disciplina? A resposta a esta pergunta me parece importante não só para compreender Aristóteles, como para compreender uma de suas contribuições fundamentais, frequentemente esquecida pela lógica contemporânea, apesar de essa navegar nas águas do filósofo. A resposta à questão está na teoria das categorias, em como ela orga-

46. A conjunção e a negação são os operadores essenciais: “Nós podemos considerar a con­junção e a negação como os únicos mecanismos de base em matéria de função de verda­de.” (Quine, 2006, p.59.)

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niza a identidade e a diferença em suas respectivas divisões. A ques­tão tem interesse, ao se procurar delinear os contornos do discurso declaratório, porque ela diz respeito ao fundamento da verdade. Ela responde ao fato de as proposições “Sócrates é animal”, “Sócrates é bípede”, “Sócrates é homem”, “Socrates é pedestre” referirem-se a um mesmo. Solução que de nenhum modo estaria dada apenas por uma teoria de linguagem lógica básica, apenas por uma teoria da verdade propriamente dita, seja tarskiana, seja fregiana. Solução que reflete, de modo profundo, a teoria da correspondência e das categorias em Aristóteles. Aliás, não é casual que, ao tratar da questão do verda­deiro e do falso, Aristóteles faça remissão ao problema da unidade do discurso. Apenas, para confirmar o valor dessa conjunção, o pro­blema da verdade e a unidade do discurso, vale lembrar que ela rea­parece anos depois na Metafísica (1027b 20-25):

C om efeito, o verdadeiro está na afirm ação sobre o com posto e na

negação sobre o dividido, e o falso nisso existe na contradição dessa

divisão. Porém , sucede coisa distinta: com o pensar o sim ultâneo e o

separado? E digo o que é sim ultaneam ente e o que é separadam ente

não com o o que é de m odo sucessivo, m as o produzir-se algum a

coisa una.

A resposta a essa pergunta sobre o uno e o múltiplo é um dos principais resultados colhidos por Aristóteles em sua militância anti- platônica: como evitar a multiplicação de Sócrates? A teoria platônica das ideias, pelo fato de as ideias estarem dispostas em seu mundo em si mesmas, tem dificuldade em resolver a questão de forma razoá­vel. Platão apela ao controverso conceito de participação para fazer frente ao problema, mas essa solução parecerá a Aristóteles artificial, como de fato o é. É, todavia, a solução possível no pensamento do fundador da Academia.

Em 17a 14, Aristóteles introduz uma das leis mais rigorosas e mais necessárias da proposição atributiva, isto é, sujeito e verbo, ou sujeito, cópula e predicado: cada discurso declaratório só explicita uma única coisa, ou é uno pela conjunção. Em verdade, Aristóteles

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parece aqui querer salientar o papel do operador “e”. Todavia, a uni­dade, problema fundamental, não é garantida apenas pelo operador, mas pela articulação intercategorial, que nas Categorias ele chamou de complexão (συμπλοκή).47 Com efeito, se o discurso expressa apenas uma coisa, ou se é múltiplo, é questão que se determina para além do discurso. Porém, a categorialização permite que o discurso acomode a organização do mundo, tal como ela se dá.

Parece, todavia, como fica expresso no início do capítulo, que a articulação dos próprios discursos produz um outro tipo de unidade, unidade do discurso, para além da unidade da coisa, assim nasce a unidade do texto, a unidade do livro como texto, a Ilíada, por exemplo, na Poética (1457a 28), como lembra Tricot em nota a esse capítulo. Às vezes se cuida de unidade apenas de uma expressão lin­guística, reveladora de uma categoria, por exemplo, “no liceu”, expres­são da categoria “onde”, a despeito de a própria expressão reunir em si duas categorias gramaticais distintas, a preposição e o nome.48

O que fica do συνδέσμος é que ele traduz aproximadamente o que se chama hoje conjunção: “O discurso declaratório ou expressa uma única coisa, ou é um pela conjunção Essa parte da frase indica que as proposições, a título de exemplo, “Sócrates é Homem”, ou “Sócrates é animal racional” expressam uma única coisa. Na primeira, a coisa única é declarada de imediato; na segunda, a unidade surge da conjunção de animal e racional. Na verdade, o que não se chegou a dizer no texto, mas que se pode dele decorrer é que a conjunção se dá nas duas frases, entre Sócrates e homem, entre Sócrates, animal e racional.

A segunda parte da frase comprova, a meu ver, que o operador “e” é colocado de modo inequívoco: “[...] mas os discursos múltiplos são aqueles que expressam muitas coisas e não uma única coisa, ou são aqueles que são assindéticos.” Essa frase poderia ser lida, sem titubeios, da seguinte maneira: “[...] mas os discursos múltiplos são

47. Categorias la 16-17. “Das coisas que são ditas, umas são ditas segundo complexão; ou­tras, sem complexão.”

48. Categorias lb 25.

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aqueles que expressam muitas coisas [pela conjunção] e não uma única coisa, ou são aqueles assindéticos”, o que poderia ser figurado nas proposições seguintes: “ali estavam Sócrates, Platão e Protágoras”, ou “Sócrates estava ali”, “Platão estava ali” e “Protágoras estava ali”. Estas três últimas frases podem ser lidas de modo segmentado, isto é, sem conjunção, assindeticamente, ou por meio de conjunção formando os discursos compostos que articulam diversas letras proposicionais - p, q e r - e que indicam, no último caso, que ali, em algum momento, estavam reunidos Sócrates, Platão e Protágoras. O “assindeticamente”, a separação, poderia ser expresso em linguagem formal contemporânea por diferentes letras proposicionais com a vírgula. Chega-se assim ao fato de que o discurso pode ser uno pela conjunção ou múltiplo, também pela conjunção, o que apenas quer dizer que a unidade ou a multiplicidade é produzida por algo mais profundo do que o operador “e”, apenas elemento essencial à organização do discurso e à descrição do mundo. Enfim, a unidade e a multiplicidade são emprestadas à lógica pela ordem ontológica.

“E é a simples declaração som articulado e significativo a respeito do seguinte: se alguma coisa subsiste ou não subsiste [em outra coisa] conforme os intervalos de tempo.”

Esse trecho confirma que, para Aristóteles, tanto o discurso quanto a coisa se dão no tempo, se submetem à sua ordem, não sendo, portanto, nem eternos nem atemporais, no mundo da substância onde essa condensa em si todos os atributos do mundo real, mesmo a corruptibilidade. Eis por que Ackrill a denomina, com razão, pen­sando na substância primeira, “somehow basic (contra) Plato”.

Em 17a 20, Aristóteles retorna à declaração simples, dizer ou negar alguma coisa de alguma coisa, e opõe esse discurso ao composto. Esse trecho tem um quê de ambiguidade em sua redação: a questão é saber se a declaração composta, que se opõe à simples, seria também uma declaração simples, como sustenta Whitaker.49 Parece-me mais

49. Nem a tradução de Ackrill, nem a de Weidemann, nem a que o leitor tem aqui abonam a leitura de Whitaker desse trecho. Tricot poderia sair em seu socorro, mas se trata de uma empresa sem lastro ou com lastro impreciso no texto grego.

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que a oposição é entre simples e composto, e isso é tudo o que se pode dizer aqui. De todo modo, passagem anterior do texto (17a 15) já havia esclarecido completamente o horizonte da simplicidade ou complexidade das declarações: uma declaração como “Sócrates, Alcebíades e Platão se encontram na ágora” constitui uma declaração- -composta, pois se diz uma coisa “encontrar-se na ágora” de vários sujeitos, isto é, de várias coisas. Por outro lado, a declaração “Sócrates é homem, branco, grego, racional”, que poderia ser decomposta em diversas declarações, constitui uma declaração simples, uma vez que os predicados, em conjunção, podem, por sua natureza, e não simplesmente por estarem em conjunção, produzir o uno.50

O Capítulo VI

Esse capítulo segue pelo tema e pela ordem a matéria desen­volvida no Capítulo V. Definido o discurso declaratório (λόγος ά ποφαντικός), a declaração (άπόφανσις), trata-se agora de definir o que é afirmação e o que é negação. Como já anotei anteriormente, trata-se de rigorosíssima definição da linguagem lógica que opera no interior da língua corrente: mais do que isso, com descrição semân­tica impecável da estrutura das declarações afirmativas e negativas e de suas possibilidades: “A afirmação é a declaração de que alguma coisa se refere a alguma coisa e a negação é a declaração de que alguma coisa está fora de alguma coisa.” Aristóteles evita definir a negação usando a partícula “não”, de tal sorte que não se possa enredar em círculo vicioso. A afirmação explicita a relação τινός κατά τινός, e a negação τινός από τινός. Esse fato confirma tam­bém a posição hierárquica (segunda posição) da negação em termos semânticos (Capítulo V).

50. “As proposições ‘Londres é grande e estrepitosa, ‘Londres é grande e ‘Londres é estrepi­tosa são visivelmente apenas duas maneiras de dizer a mesma coisa, quando se passa aos símbolos, elas se escrevem como a conjunção seguinte: Londres é grande [e] Londres é estrepitosa.” (Quine, 2006, p. 121.)

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Enfim, duas coisas, sujeitos ou predicados, são postas em relação, uma em referência à outra. A relação simples entre duas coisas é o segredo da proposição e da lógica que Aristóteles aqui nos revela. Essa verdade simples aparece como um dos fundamentos da lógica e permite a edificação de um gigantesco empreendimento.

C om o é possível tam bém declarar o que subsiste com o não

subsistente e o que não subsiste com o subsistente (e da m esm a

form a a respeito do tem po exterior ao que é agora), tudo aquilo que

se afirm ou poderia ser negado e tudo aquilo que foi negado alguém

poderia afirmar.

Essa frase marca bem o terreno, delineando os contornos da relação da coisa com o discurso. A coisa, posta em seu mundo, tem a sua configuração, a qual o discurso capta ou não. Quando alcança exatamente a relação real posta, ele pode dizê-la como ela é, afir­mando ou negando, conforme o caso. Pode também errar completa­mente em sua descrição da relação, afirmando ou negando, também conforme o caso. Afirmação e negação se situam como antípodas necessários no interior do discurso. Uma supõe a outra, como possi­bilidades extremas inerentes ao discurso.

Whitaker chama a atenção para o fato de o Da Interpretação servir aos propósitos dos debàtes dialéticos e vê nisso o leitmotiv da obra. E aqui dá um grande peso para a negação.51 Como já tive oportunidade de dizer nessa introdução, sem negar esses propósitos ou funções importantes para a dialética, parece-me que, nesse caso, quando se pensa na unidade do que em si mesmo seria o mais desu­nido, e que é de fato, é a própria dialética que ajuda a fundar a estru­tura da lógica formal de Aristóteles. Enfim, Aristóteles, fiel ao seu método de investigação, vai descobrindo na experiência corrente, na língua, nas disciplinas postas, incluindo aqui a dialética, as leis da lógica. Ele descobre a unidade da afirmação e da negação, na própria experiência da dialética, a desnuda, descobre os sentidos recíprocos

51. Whitaker, 2002, p.3-4.

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que elas encerram, uma guardando em si a possibilidade da outra. Mais do que isso, fiel ao seu método analítico, demarca exatamente o que é negação e o que é afirmação, dando uma rigorosíssima defi­nição semântica de cada uma delas, percebendo que elas encerram a tensão máxima entre as proposições possíveis. Elas constituem as proposições mais distantes entre si em referência a um mesmo sujeito e a um mesmo predicado, mas ao mesmo tempo as que guardam a maior tensão recíproca e formam, a despeito da distância, um par, pois incidem sobre a relação que se estabelece entre esse sujeito e esse predicado, relação que pode assumir um de seus dois sentidos, com a partícula “não” ou sem a partícula “não”. Trata-se do par do que não pode ser simultaneamente. Do par que, no limite, não é par. Trabalhar essa oposição como unidade, como pertencente a um mesmo espaço lógico, é generalização de grande ganho e alcance científico. Aqui, indubitavelmente, Aristóteles mostra mais uma vez o seu gênio.

Esse espaço que, em um extremo, encerra a afirmação, e, no outro, a negação, engendra a possibilidade de declarar o subsistente não subsistente, e o não subsistente, subsistente. Esse espaço é carac­terística objetiva dessa matéria dita discurso, e traz, desse modo, em si mesmo, a possibilidade do falso e do erro. A falsidade e a verdade, conforme postas no Da Interpretação e na Metafísica, parecem algo exterior à proposição, que diz respeito à conformidade do discurso com o fato. Como nos lembra Pavlov,52 na semântica lógica de Frege, as noções de verdade e falsidade são consideradas nos sentidos seguintes: predicado, referência, objeto abstrato, valor de verdade e argumento de função. A concepção de Aristóteles se enquadraria per­feitamente na concepção de valor de verdade, como algo que decide da relação entre a proposição e o fato, entre o discurso e a realidade.

Como já se observou, a negação em Aristóteles situa-se ime­diatamente na relação entre sujeito e predicado, sendo, portanto, uma negação interna à proposição. Aliás, Whitaker e Anscombe

52. Pavlov, 2011, p.l 14. Nesse texto, Pavlov demonstra que a verdade combinada com a ne­gação dispensa a noção de falsidade como objeto abstrato na lógica. Agrego por fim, para discussão, a verdade como operador modal, tal como Aristóteles sugere em 22a 14.

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chamam a atenção para esse fato.53 Não resta dúvida que esse epi­sódio da história da lógica tem consequências: uma delas, sem que­rer causar horror aos contemporâneos, é que a teoria de Aristóteles parece a mais apta a enquadrar as proposições da língua corrente e a compreender a relação que existe entre predicado e sujeito nelas. A outra diz respeito às possibilidades de leitura de uma estrutura proposicional formalizada, como não p, que no atomismo preposi­cional contemporâneo se desliga da relação entre o sujeito e o pre­dicado, com o esquecimento semântico desses dois objetos lógicos que tanto interessaram a Aristóteles. Há que se considerar ainda que, para a linguagem corrente, do ponto de vista das condições de verdade, onde incidem com mais força as preocupações contem­porâneas, há grande intersecção entre os resultados colhidos pela aplicação da negação interna e os colhidos pela aplicação da nega­ção externa. Subsiste, todavia, conforme salientam os estudiosos da ruptura da lógica de Aristóteles com a modernidade, um conjunto de enunciados onde as diferenças aparecem.54 Examinemos, como exemplo, para mencionar uma das proposições mais festejadas, a seguinte: “O atual rei da França é careca”. Evidentemente, a negação interna e a externa produzem aqui valores de verdade distintos.

Todavia, achar que Aristóteles se conformaria com a negação interna, nesse caso, parece-me equivocado. O exame do trecho 13b 29-35 (Categorias) mostra que há trânsito ou movimento da negação, do interior para o exterior da proposição, de modo que se detecta em Aristóteles, inequivocamente, um princípio de negação externa:

A ssim , [considerando os discursos] “Sócrates é doente” e “Sócrates

não é doente”, se ele existe, é evidente que um deles é verdadeiro

e o outro falso; e, se não existe, de m od o sem elhante. C om efeito,

“Sócrates é doente”, quando ele não existe, é falso; e, “Sócrates não é

doente” é verdadeiro.

53. Whitaker; Anscombre, 2002.

54. Steinacker, Die epistemische Komponente einer nichtklassischen Negation. In: Stelzner, Philosophie und Logik, 1993, p.329-37.

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Ora, para essa proposição, nessas condições, ser verdadeira,55 há de haver a emigração da partícula negativa do interior da proposição para o seu exterior, portanto a negação, nesse caso, deve ser compreendida como se fosse externa. E também, essa migração transmuda a cópula em verbo de existência.

Demais, a contradição entre p e ~p, se se considera o aspecto interno da negação, só é possível porque o que é interno já carrega consigo mesmo esse aspecto exterior. Do contrário, não se poderia assertar a incompatibilidade de p e ~p, isto é, não se poderia assertar a incompatibilidade de dois juízos, um afirmativo e outro negativo, se não se supusesse que a negação interna a um deles já tem o seu aspecto exterior. Com efeito, trata-se de dois momentos distintos, mas que se encontram entrelaçados. Até que ponto se pode esticar a tensão entre esses dois momentos, é experimento das chamadas lógicas não clássicas.56 Vasíliev pensará, por exemplo, um juízo em que a negação interna não terá a sua expressão externa, o qual chamará de juízo indiferente. Indiferente porque nele dois predica­dos contraditórios poderão coexistir sem que isso torne inconsistente o sistema. Aqui A e ~A poderão conviver sem problemas, porque confinados em um mesmo predicado de um mesmo juízo.

O Capítulo VIl~i

Nesse capítulo, Aristóteles vai precisar a natureza de concei­tos essenciais à organização e mesmo à possibilidade da proposi­ção. O conceito de universal (τά καθόλου) e o conceito de singular (τά καθ’ έκαστον) são aqui introduzidos:

55. Whitaker (2002, p.81-2) observa que a verdade e a falsidade não são mencionadas nes­se capítulo e que não seriam, portanto, parte da teoria da contradição de Aristóteles. Aristóteles define a contradição não em termos de verdade, ainda que esta venha a ter consequências para o conceito de contradição. Obviamente, não se pode querer que em algumas linhas se desenhe todo o círculo das proposições contraditórias. De todo modo, Aristóteles dá uma contribuição aqui à semântica da proposição, a qual nem sempre é bem compreendida pelos lógicos contemporâneos.

56. da Mata. Sobre a contribuição de N. A. Vasiliev à Lógica. Investigação Lógico-Filosófica, n.4, 2010; Arruda. N. A. Vasiliev e a Lógica paraconsistente, 1990.

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M as, um a vez que, dentre as coisas existentes, um as são universais,

outras singulares, denom ino de universal aquilo que naturalm ente

é predicado em m uitas coisas, e de singular aquilo que não é, por

exem plo, hom em p ertence às coisas universais e Cálias às singulares.

O universal, como salta desse trecho denso e significativo, pode ser associado a uma pluralidade de coisas. O singular nos remete ao que seria hoje um nome próprio, e, como coisa, é único. Enquanto homem pode ser vinculado a Sócrates, Cálias, Platão, Parmênides e assim por diante, o singular, Cálias, pensado como esse Cálias aí, é único.57 Estamos aqui diante das instâncias lógicas que correspondem às substâncias (Cálias ou Sócrates) individuais ou primeiras e às subs­tâncias segundas (homem, animal), espécies ou gêneros: “E o todo individual, Cálias ou Sócrates, é como esta esfera de bronze, e, por outro lado, o homem e o animal, como a esfera de bronze em geral” (.Metafísica, 1033b 24-25).58 A par do singular, existe o particular (Primeiros analíticos, 24a 17,25a 8 e 53a 3 - fev μέρει) que poderia ser traduzido como um qualquer de determinado universo, onde o sujeito universal nem é considerado universalmente, nem singularmente.

Quanto à quantificação, Aristóteles apresenta diretamente a proposição singular e a universal, e por último a particular, onde o sujeito é um particular indiferenciado. Na primeira, temos a ocor­rência de um nome próprio como sujeito, na segunda temos o uni­versal considerado universalmente (todos os homens) e na terceira o particular indiferenciado, um homem, um cão etc. O universal sem artigo em grego (έσχι λευκός άνθρωπος), homem é branco, equi­vale, em português, a um homem é branco.59

57. O singular é normalmente um sujeito, mas pode aparecer também como predicado: “Este que aí está ou este branco é Cálias.” (Primeiros analíticos, 43a 35.)

58. A ordem do exemplo, primeiro Cálias, depois a esfera determinada, não é de todo casual: Aristóteles configura a sua lógica a partir da Biologia e depois a traz para o mundo. A Biologia que ele fundou atua como fundante.

59. Em 17b 34-36 isso fica claro quando Aristóteles precisa o sentido das frases: “[um] ho­mem não é branco” e “nenhum homem é branco”. A segunda proposição, em grego, apresenta-se, do ponto de vista de Aristóteles, com uma negação exterior: não (é [um[

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17b 1-3 - “Também é necessário declarar que alguma coisa subsiste ou não subsiste, ora em alguma coisa universal ora em alguma coisa singular.” Vejamos como se configura tal colocação na proposição. Suponhamos aqui a racionalidade: em “Sócrates é racional”, ela subsiste no singular; em “o homem é racional”, ela subsiste no universal. Evidentemente, estamos aqui no plano da construção da linguagem, pois no nível ontológico a coisa não vai estar no universal apenas, sem estar no particular ou no singular.

“Se, portanto, for declarado, de maneira universal, a respeito do universal, que [nele alguma coisa] subsiste ou não subsiste, se­rão declarações contrárias.” O universal, como se dirá na sequên­cia, é declarado universalmente, quando, na condição de sujeito da proposição, lhe é anteposta a expressão “todo ou toda”, isto é, o que se chamará depois de quantificador universal. O termo “todo” não seria universal, mas junto de um universal permitiria que esse fosse tomado universalmente. Outro termo que designará o quantificador universal será “nenhum”. Essa curiosa partícula, oí)ôeiç, já seria um caso, a meu ver, de negação externa, como se a própria língua em seu uso corrente apontasse para essa preciosidade de que os lógicos

homem branco). Em verdade, poderia ser lida como [um] homem jam ais é branco. Whi­taker (2002, p.87) comete um equívoco, ao considerar que Aristóteles se refere às pro­posições “[um] homem é branco” e “[um] homem não é branco” como contraditórias em 17b 31 e seguintes. Isso não está dito no texto citado. Esse erro lhe custou caro, pois desenvolve uma longa argumentação em sua base. Em 17b 31, o Estagirita esforça-se por distinguir o sentido de duas proposições na língua grega. Verdade que Aristóteles se refe­re expressamente no capítulo a universais não considerados universalmente (17b 29-30), isto é, um homem, um cão etc. A confusão, talvez, seja induzida pelo próprio Estagirita, quando passa a falar de um homem nobre, que é também vil. Aristóteles se refere a dois aspectos distintos, nomeados pela mesma forma universal (nobre). Nobre como pertencente à nobreza, nobre como aquilo que se opõe ao baixo e ao vil moralmente. Por último, Aristóteles se refere a uma coisa, um homem que está se tornando uma coisa, que é e não é, onde seria possível um homem ser uma coisa e não ser uma coisa, nesse caso as proposições seriam simultaneamente verdadeiras, também. Um segundo equívo­co de Whitaker, equívoco lógico para acomodar o par de contraditórias, erroneamente suposto, é considerar “um homem não é pálido” como equivalente a “nenhum homem é pálido” (2002, p.87). No caso das particulares, “um homem é pálido”, pode ocorrer que outro “homem é não pálido”, de tal sorte que a conversão em “nenhum homem é pálido” não se autoriza.

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contemporâneos tanto se orgulham em seu esforço para distancia- rem-se de Aristóteles. Suponha-se a frase:

Nenhum filósofo cobra por suas lições, em Atenas,

ela pode ser compreendida como

Não há um filósofo que cobra por suas lições, em Atenas.

A própria palavra “nenhum”, portanto, essa invenção maravi­lhosa da língua, já aponta para um começo da negação externa. Se Weizsäcker afirmava (vide nota 36) que não se pode fugir da pro­blemática da linguagem corrente, responderíamos àquele que acolhe essa constatação com uma ponta de sentimento trágico: ainda bem que não se pode!

É preciso observar que também a ordem dos capítulos denuncia que estamos seguindo os passos da construção da linguagem lógica, ou da exposição aristotélica do núcleo lógico da linguagem corrente de seu tempo e mundo. Os capítulos são rigorosamente ordenados em disposição que revela a escala de complexidade da linguagem apresentada. Desse modo, quando Aristóteles diz que alguma coisa subsiste ou [ou excludente] não subsiste, ora em alguma coisa uni­versal [sujeito], ora em alguma coisa singular [sujeito], afasta-se a possibilidade de o universal (predicado) subsistir e não subsistir, simultaneamente, em uma mesma coisa, e numa mesma proposição. A esse propósito, não se deve esquecer aquilo que o capítulo anterior já definira a esse respeito:

17a 25-26 - “A afirmação é a declaração de que alguma coisa está em relação com alguma coisa e a negação é a declaração de que alguma coisa está fora da relação com alguma coisa.” Se se considerar que Sócrates é branco e não branco, por exemplo, como apenas uma proposição, a lei lógica da proposição, explicitada no Capítulo VI, será quebrada, pois a coisa Sócrates estará em relação com branco e

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não branco, dentro de uma mesma proposição.60 Uma coisa, Sócrates, está em relação com duas coisas, com o branco e com o não branco. A construção da lógica, com disciplina organizada e científica, nesse primeiro sopro, bane as proposições heraclíticas do tipo “Sócrates é branco e não branco”, bane o que seria o juízo indiferente na cons­trução não clássica de Vasíliev. Aristóteles constrói a sua lógica sobre a ontologia de seres que se conservam, ainda que provisoriamente, esses são as substâncias. Admite ele, porém, já nesse momento dado pelas Categorias e pelo Da Interpretação, o juízo heraclítico como uma possibilidade para a descrição do real? O trecho 17b 30-34, por mais enigmático que seja, parece conservar a memória em Aristóteles do espólio de Heráclito, ou simplesmente da mudança na realidade objetiva e sua impressão na linguagem. Ele começa a dizer que simultaneamente seria verdadeiro dizer que “um homem é branco” e “um homem não é branco”, mas sugere com o exemplo da sequência, que os predicados aparentemente idênticos podem ser de fato dife­rentes, como no caso de “um homem é nobre”, quanto à sua origem, mas “não é nobre” quanto ao seu comportamento, se é, de fato, vil. E na sequência afirma: “E se ele está se tornando alguma coisa, ele

60. A história que Aristóteles faz da Filosofia na Metafísica mostra que tinha consciência de todas essas dificuldades e que admitia a contradição como elemento da realidade. De resto quase uma unanimidade no pensamento grego. Mesmo Platão a admitia, mas consciente das dificuldades lógicas de pensar a mudança se refugia no mundo seguro das ideias (vide Metafísica, 987a 30). Parmênides em seu esforço só se compreende como a tentativa de operar uma disjunção no juízo heraclítico: tudo é e não é. Eis por que o pensamento parmenidiano insiste no “ser é” e no “não ser é”. É verdade que Heráclito sustentara que “tudo é e não é”, e toda a sua descendência. Todavia, mesmo não fazen­do sentido dividir a sentença de Heráclito em duas proposições, há que se constar que não havia uma teoria da proposição nessa tradição que explicitasse rigorosamente essa possibilidade. Enfim, não havia uma construção rigorosa que explicitasse que, naquele universo, o fato de uma coisa estar em relação com alguma coisa e estar fora da relação com essa coisa engendra uma unidade proposicional mínima. Essa é, talvez, uma das contribuições mais importantes de N. A.Vasíliev à lógica. Com efeito, ele definiu, como uma das unidades irredutíveis de sua lógica, em uma de suas primeiras versões, o chama­do juízo indiferente, no qual conviveriam o juízo afirmativo e o negativo, mas esse juízo indiferente não seria redutível a um e ao outro. Em Aristóteles, não existe essa unidade proposicional, o que existe é a unidade de um par de proposições, que são excludentes, mas que constituem para os fins lógicos uma unidade, o par de contraditórias.

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não é [essacoisa]” (καί εί γίγνεταί τι, και οϋκ εστιν). Aristóteles aqui expressa ο sentido próprio do movimento para a lógica, algo que está se tornando, que nem é nem não é, ou que é e não é. Sua lógica, porém, captará o que é ou o que não é, mas não o que “está se tornando”. Sua linguagem lógica capta o resultado do tornar-se, mas não o próprio tornar-se. Todavia, nesse sintético, obscuro parágrafo, como muitos dirão, Aristóteles parece exprimir que se poderia dizer, simultaneamente, de a que é b e que não é b, e que isso poderia ser verdadeiro, onde b, diferentemente do predicado nobre, em o homem é nobre, apresentará um mesmo significado. Porém, ele aponta para dois juízos simultaneamente verdadeiros: 1) a é b; 2) a não é b. Esse fato diz respeito à sua construção lógica e à sua organização da pro­posição, onde a não poderia se referir a duas coisas, b e não b. Eis por que ele não pode fundar um cálculo lógico para esse contexto de transição, mantida a bivalência e a possibilidade de apenas dois juízos. O sistema entraria em colapso, evidentemente. E, daí, porque essa passagem muito importante do Da Interpretação fica como que confinada no corpo do texto.

Uma outra lei da lógica aristotélica aqui estabelecida e que parece ter alcance muito grande, se se pensa nas proposições em geral, é a apresentada em 17b 12-16. Ela é apresentada sob a forma de determinação negativa, com aquilo que não pode ser:

N ão é verdadeiro atribuir o universal universalm ente ao predicado.

C om efeito, não haverá nenhum a afirm ação na qual o universal será

atribuído universalm ente ao predicado, por exem plo: “todo hom em

é todo anim al”.

Embora não esteja dito, o animal na frase, como predicado, não pode ser quantificado, isso significa que não se diria também “todo homem é algum animal”, ou ainda que se pudesse admiti-la, haveria que se admitir que ela não coincide com “todo homem é animal”. Na segunda, animal aparece como a essência ou a substância segunda que unifica todas as espécies animais; na primeira, o quantificador parece reduzir a dimensão do predicado, e ele parece

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perder a dimensão de substância segunda. Ele deixa de ser aquele que unifica as diversas espécies distintas, para ser apenas o que explicita a essência do homem, como se quase nos fora necessário dizer: “todo homem é algum animal” e “algum animal é animal”.

O Capítulo VII-z

Em 17b 16-20 aparecem a afirmação e a negação opostas de modo contraditório (òcuxi axiKCüç): “todo homem é branco”, “nem (não) todo homem é branco”; “nenhum homem é branco”, “algum homem é branco”. As contraditórias permitirão inferências decisivas com os valores de verdade e falsidade. Observe o leitor que o nem todo, ou não todo, que se traduz por algum, consiste em um caso de negação localizada no exterior, mas que incide apenas na borda da proposição, no caso o quantificador universal. Já o nenhum, essa ferramenta que alguns querem ter descoberto, já estava posto pela língua e é definitivamente uma negação exterior: não há um homem branco, ou não (todo homem é branco), como se o não precedesse os parênteses. A inferência decisiva, ou verdade ou falsidade que o par das contraditórias encerra, constitui o que Whitaker chama de Lei dos Pares Contraditórios (LPC), que aparece já no Capítulo VI.61 Aristóteles chama de contraditória a oposição, pela negação, de uma proposição universal, tomada universalmente, quantificador todos, diante de uma proposição particular, quantificador nem todos etc.; ou nenhum , diante de uma proposição particular, quantificador algum (algum - sujeito - é - predicado).

A propósito, Whitaker denomina o sétimo capítulo de seu livro de “The First Exception to RCP; Singular and Universal Asser- tions” (A primeira exceção da LPC, asserções universais e singu­lares). Duas particulares se oporiam aqui de tal sorte que a simul­taneidade da verdade de ambas as proposições seria possível (“um homem qualquer é branco”, “um homem qualquer não é branco” - 17b 30-33). Esse caso constituiria uma primeira exceção à lei do

61. Whitaker, 2002, p.79.

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par contraditório, que seria para muitos uma formulação da lei do terceiro-excluído (de duas proposições, uma é verdadeira, a outra falsa, e uma terceira hipótese está excluída). Whitaker usa esse fato62 para distanciar a LPC do princípio da não contradição. Há de se reconhecer, a despeito de o Da Interpretação não explorar essa vertente, que, a rigor, se um homem qualquer é branco, e um homem qualquer não é branco, a condição de que a negação deverá negar a mesma coisa que a afirmação afirma e em referência ao mesmo sujeito (coisa) não foi preenchida. A exceção, no caso, contrariamente ao defendido por Whitaker, seria apenas uma pseudoexceção, pois o homem qualquer da afirmação não pode coincidir com o homem qualquer da negação, salvo a hipótese de eles serem um mesmo. Acresce que esse “um homem é branco” nos remete a um universo incompleto em que não se pode falar em inferências necessárias, e é esse exatamente o motivo por que tais proposições podem apresentar algum interesse para a dialética, tal com se praticava na Grécia.63

Na sequência do capítulo, reaparece um problema já presente nos capítulos VI e VII, e com consequências para todo o Da Interpretação e para a lógica, de Aristóteles em particular, e para a lógica em geral. Refiro-me, no Capítulo VII, à passagem seguinte (17b 37: “É evidente que uma negação corresponde a uma afirma­ção.”). O curioso a essa altura do texto é que Aristóteles tenha preferido dizer que uma negação corresponde a uma afirmação, deixando em silêncio, se a uma mesma afirmação correspondem diferentes negações. Demais, sendo a afirmação primeira em relação à negação, era de se esperar que se mantivesse aqui a ordem lógica. É provável que a opção de Aristóteles seja uma forma de eludir, a esse momento (vide capítulo seguinte, o VIII), a discussão sobre como, de uma afirmação,

62. Whitaker, 2002, p.202. O princípio da contradição não conheceria exceções, a LPC, sim.

63. Não nos esquecer que a lógica formal, ao menos em um primeiro momento, cuidou de inferências rigorosamente necessárias, seu primeiro objetivo seria encontrar relações de declarações necessárias.

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se obtém mais de uma negação. Podemos, todavia, imaginar como em exercício de inteligência analítica se poderia levar essa questão ao limite. Consideremos a proposição “todos os cavalos são irracionais” e as possibilidades do não a ela aplicadas. Temos, aqui, 1) “todos os cavalos não são irracionais”, 2) “nenhum cavalo é irracional”, 3) “não todos (nem todos) os cavalos são irracionais”, 4) “um cavalo não é irracional” como possibilidades de negação para uma mesma afir­mação. É certo que as formulações 1 e 2 são equivalentes lógicos muito consistentes, ainda que se lhes possa explorar as diferenças. Pequenas nuanças de significado (ou de sentido, como diriam os fregianos) podem ser colhidas, todavia. A proposição “nem todos os cavalos são irracionais” vem acompanhada de sua sombra “nem todos os cavalos não são irracionais”. Com efeito, dada a totalidade, onde há cavalos irracionais, se “nem todos são irracionais”, isso significa que “nem todos não são irracionais”. Vê-se, portanto, que o “nem todos” não pode ser reduzido a simplesmente a “alguns”, pois não há a oposição forte entre “alguns” e “todos”, oposição que há sempre entre “todos” e “nem (não) todos”. Com efeito, de “alguns cavalos são irracionais”, não se pode deduzir a sombra “alguns cavalos não são irracionais”.

No caso de não existirem os cavalos absolutamente, a aplicação do predicado “não são irracionais”, ou “são racionais” a todos os cavalos pode parecer uma operação absurda, ou, pelo menos, mais complicada. Com efeito, de alguma forma, o objeto é suposto no momento da aplicação, já a aplicação de racional a nenhum cavalo parece mais consistente, pois o que se supõe é a ausência do objeto indicado pelo pronome indefinido nenhum, de tal forma que se asserta que dado predicado não se conduz a um objeto que não existe e que, ab ovo, é considerado como não existente. Quando se asserta, portanto, a equivalência dessas formas, há uma redução em que se per­de significado, mas onde se ganha alcance lógico, expandindo-se o raio das deduções lógicas. Pode haver, contudo, algum interesse de cunhar a diferença em algum momento. Aliás, as restrições a reduções e as reduções são o campo fértil para as distintas posturas

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lógicas com inevitáveis repercussões na formalização dos sistemas lógicos.64

O Capítulo VIII

Aristóteles inicia esse oitavo capítulo com a seguinte colocação:

Há apenas um a afirm ação ou negação para exprim ir um a coisa de um a

coisa, sendo o universal considerado universalm ente ou não sendo da

m esm a form a, por exem plo: “todo hom em é branco” // “nem todo

hom em é branco” // “o hom em é branco” // “o hom em não é branco”

// “nenhum hom em é branco” // “um hom em é branco”, se o branco [e

o hom em ] significa[m ] nessas proposições sem pre um m esm o.

Com esse trecho, Aristóteles parece dissociar um núcleo da proposição de sua quantificação e dá uma resposta ao problema que aparecia no capítulo imediatamente anterior de modo distinto do exercício de inteligência analítica que se fazia ali. O núcleo da afirmação e da negação é dado pela articulação do sujeito e do predicado, destituídos de qualquer quantificador. O quantificador é um plus que se agrega a esse núcleo, ainda que ele possa carregar em si uma negação (o caso do nenhum), que seria exterior, com a qual Aristóteles trabalha, mas de que não trata analiticamente aqui no Tratado. De todo modo, o que é importante, salientarei que aqui, neste Capítulo VIII, é explicitamente dito que só há uma afirmação para dizer alguma coisa de alguma (outra ou a mesma) coisa, mas que esse dizer aparece ligado a um quantificador universal ou particular, com esse sendo um ou nem todo. Da mesma maneira, a negação,65 que também é única, diz respeito à mesma relação de

64. Cite-se aqui a recusa de Crisipo em reduzir a expressão modal “é impossível que não” à expressão modal “é necessário que”, ou a recusa de Epicuro e dos megáricos em reduzir a disjunção p ou não p ao princípio do terceiro-excluído. A esse propósito vide Vuillemin, 1984, capítulos V, VI e VII.

65. A tradução alemã de Weidemann cunha bem esse aspecto da unicidade da afirmação e

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uma coisa em face de uma coisa, mas está fora dessa relação. Essa é a razão mais forte por que a negação segue a afirmação e não pode precedê-la. Para dizer que algo está fora da relação, temos que dizer antes a relação. A partícula “não” marcará precisamente que o mes­mo sujeito e o mesmo predicado estão fora da relação que a afirmação introduz. Em lógica e pela lógica, tudo o que exige mais um termo, ou mais uma passagem, vem depois daquilo que ainda não o exige. Trata-se de uma sequência necessária. A negação e a afirmação são apresentadas nesse capítulo em termos do que se chamaria hoje de enunciado aberto.66 Enfim, para discutir e entender a negação interna não há necessidade de passar pelo que lhe é exterior, como os quantificadores.67 E verdade que aqui Aristóteles, em sua investigação analítica, chega ao nível puramente lógico, uma vez que para ele o que há efetivamente é esse cavalo, aquele cavalo, seres concretos e individualizados dos quais falamos, e aos quais o Estagirita dedicou a sua teoria das categorias, teoria que o acompanhará da juventude aos últimos dias.

A proibição que impede, na proposição, uma coisa de se referir a mais de uma coisa, a mais de um predicado, é utensílio, ferramenta, que permite resolver problemas de linguagem ou de lógica como o que é apresentado logo na sequência da abertura do Capítulo VIII:

[...] se um m esm o nom e que se coloca tem duas acepções, as quais

não rem etem a um a única coisa, não há apenas um a afirm ação.

A ssim , se se aplicar o nom e himátion a cavalo e hom em , então “é o

him átion b ra n co ” não significa apenas um a ú n ica afirm ação (nem

um a ú n ica negação). C om efeito , dizer isso em nada difere de dizer

que o cavalo e o hom em são b ran cos, e dizer isso em nada difere de

dizer que o “cavalo é branco” e que “o hom em é b ran co”.

da negação; “Eine einheitliche bejahende und einheitliche verneinende Aussage.” (Wei- demann, 2002, p. 10.)

66. “Um enunciado aberto tem sempre a forma de uma proposição, mas ele apresenta variá­veis que não são regidas por um quantificador.” (Quine, 2006, p.128.)

67. Isso não significa que se possa discutir a aparição da negação no interior do quantificador ou mesmo no interior da coisa, capítulos que não foram escritos na lógica de Aristóteles.

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Enfim, já de posse das ferramentas apresentadas anterior­mente: o que é a afirmação e o que é a negação (Capítulo V), a decla­ração de que alguma coisa se refere a alguma coisa (Capítulo VI) e de que só há uma afirmação ou negação a exprimir uma coisa de uma coisa - Aristóteles pode resolver, de modo satisfatório, o problema do himátion. Poderia ocorrer aqui simultaneamente que “o himátion é branco” e que “o himátion não é branco”, sem que esse par encer­rasse a contradição entre o verdadeiro e o falso (18a 26-27 - “Por conseguinte, nesses casos não é necessário que a contradição encerre o verdadeiro e o falso”). Isso poderia ocorrer, por exemplo, quando o cavalo fosse preto e o homem fosse branco. Estaríamos aqui diante de proposições paralelas, que não se tocam, e não diante de um par de proposições contraditórias. Teríamos, assim, mais uma exceção à LPC, a segunda, para retomar a expressão cunhada por Whitaker. De todo modo, é importante ter presente a força e a utilidade do critério semântico que podem esclarecer em última instância a verdadeira identidade daquilo a que nos referimos. Sendo os nomes símbolos (Capítulo I), é o critério semântico que pode decidir do que o sím­bolo de fato está falando, o que de fato está a dizer, o que significa. Se himátion é tanto um cavalo quanto um homem, pode-se ora se refe­rir ao cavalo, ora ao homem. Alguém poderia juntar os dois univer­sais, o cavalo e o homem, em uma mesma camisa, o cavalo-homem, mas nesse caso não haveria objeto a que essa entidade se referisse (e ela nada significaria - 18a 25), pois não existe um homem cavalo, ainda que conservasse o sentido fregiano.

Whitaker, em longa e brilhante exposição sobre o CapítuloVIII do Da Interpretação, busca salientar a importância da dis­tinção de sentido, o critério semântico, para a dialética na Grécia onde o interrogado deveria responder com o sim ou não a pergun­tas que, de fato, poderiam embutir proposições complexas, na ver­dade um conjunto de proposições. Não se pode, porém, reduzir a lógica de Aristóteles, e essa sua primeira exposição formal, essa do Da Interpretação, a uma espécie de metadialética cuja finalidade não

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seria outra senão justificar os procedimentos da dialética e mesmo esclarecê-los.68 Evidentemente, um sistema geral de leis de dedução aplicar-se-á a quase todos os objetos, ou a um reino satisfatoriamente grande de entidades, incluindo aqui os temas da dialética. Demais, o próprio Estagirita, quando abandona o diálogo, em que o seu mestre Platão foi simplesmente insuperável, e em que o próprio Aristóteles labora em seu primeiro período de produção intelectual, já o faz con­vencido69 de que as exposições lógicas, quando aprofundadas, nada teriam a ganhar com a exposição dialética, na acepção platônica em que esse termo pode ser entendido. Aristóteles abandona o diálogo não apenas porque antecipa essa dificuldade, mas porque a própria natureza dos temas de que trata exige o abandono do diálogo. Esse abandono, por exigência da natureza da matéria, deve ser visto não simplesmente como importante episódio da história da Filosofia, mas como um momento decisivo da história do discurso cientí-

68. Essa função é cumprida no Órganon essencialmente pelo tratado Os tópicos.

69. Jaeger já assinalava a contradição entre os diálogos e os tratados em Aristóteles. Todavia, tinha em mente a fase de diálogos do Estagirita em contraponto com os tratados. Porém, a sua percepção recai, sobretudo, sobre a evolução do pensamento aristotélico e se atém principalmente às contradições de visão do Aristóteles dos diálogos em face do Aristóteles dos tratados. Ele vai descobrir que os neoplatônicos encontrarão nos diálogos a prova da influência incontrastável do mestre da Academia. Os peripatéticos tardios, por sua vez, verão no resíduo de platonismo dos diálogos algo que não tem a ver com o verdadeiro Aristóteles e razão para repudiá-los. Jaeger assinalará ainda a diferença entre escritos exo- téricos (diálogos), para o público, e escritos esotéricos (tratados), reservados aos inicia­dos. “Der Inhald der Dialoge verhielt sich zu den Lehrschriften anscheinend also wie die δόξα zur α λη τεία .” (Jaeger, 1923, p.32). Na sua tentativa de recompor o percurso do jovem Aristóteles, Jaeger termina por concluir, nas conjecturas sobre os conteúdos dos diá­logos do Estagirita, que o antiplatonismo já está presente na obra Em torno da Filosofia, mas que não haveria base para estender essa conclusão para a totalidade dos diálogos (p.26-31). A questão que Jaeger não aborda é por que, exatamente, Aristóteles opta pelos tratados? Trata-se, sem dúvida, de eleição de um modelo demonstrativo com opção clara por uma decisão a respeito de uma tese. O diálogo aqui tornaria muito difícil, à medida que se apro­funda a demonstração, o acompanhamento de suas passagens, dos lemas da demonstração. Demais, pode ter concorrido para isso uma “razão política”, pois o diálogo poderia realçar a ruptura entre o platonismo e o aristotelismo nascente. A nova forma de exposição per­mitiria a exposição discreta, à maneira de um contrabando, das novas ideias. Aliás, esse fato justificaria a ausência de citações diretas em obras como as Categorias ou o Da Inter­pretação. Um diálogo que focasse o tema das Categorias seria provavelmente um escândalo antiplatônico muito maior do que a fria exposição tratadística realizada.

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fico. Whitaker não deixa de ter razão quando lembra a presença da dialética, e não é preciso ir muito longe para saber que havia um conhecimento ínsito de noções como afirmação e negação na expe­riência inafastável da dialética na Atenas clássica. Todavia, o fato, trazido pelas Categorias e pelo Da Interpretação, mais fundamental do que a explicação residual do elemento dialético é precisamente o abandono da dialética platônica e de sua forma de exposição literária, o diálogo, pelo que será, na história do pensamento, o mais famoso e bem-sucedido dos alunos de Platão.

Também a chamada segunda exceção à LPC, de certa forma induzida pelo fim do capítulo (“Por conseguinte, nesses casos não é necessário que a contradição encerre o verdadeiro e o falso.”), não é mais que uma pseudoexceção, do mesmo modo que a primeira exceção também não passa de uma pseudoexceção (vide o capítulo anterior). Afinal, o “dizer alguma coisa de alguma coisa” que configure apenas uma afirmação não pode ter no “alguma coisa” objeto direto mais de uma coisa, nem o “alguma coisa” objeto indireto pode ser mais de uma coisa. Isso significa que a proposição “[um] cavalo é branco” não pode ser confundida com a proposição “[um] homem é branco”, e “[um] homem não é branco” não seria jamais a negação de “[um] cavalo é branco”. Não há, portanto, confundir o himátion cavalo e o himátion homem, se se já exercitou o critério semântico entre as pro­posições agora citadas, e é por isso que não é necessário que a contra­dição (18a 27) entre elas (“o himátion é branco” // “o himátion não é branco”) encerre obrigatoriamente o verdadeiro e o falso. De fato, os critérios postos por Aristóteles (capítulos V, VI e VIII) permitem a solução desses problemas sem que surja no horizonte qualquer con­tradição. Aliás, o mérito de Aristóteles, e onde ele sobrevive, situa-se exatamente na posição dessas leis e não na exposição e solução de um problema exemplar de modo inconsistente com o que brilhantemente ensinara. O emprego do termo contradição (ca/ú(|)aaiç) em 18a 27 apenas documenta a inconsistência apontada.

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Acresce que, para além das diferenças notáveis entre o cavalo e o homem, a proposição que encerra a fórmula oca (a vestimenta, o himátion, pois o himátion é uma veste, que pode assumir a forma de um cavalo ou de um homem, podendo vestir, em última instância, um homem ou um cavalo) aparece sem um quantificador universal. Eis por que poderia ser provavelmente lida como “[um] cavalo é branco”, “[um] homem é branco”, de tal sorte que também aqui pode­ria ocorrer que “um cavalo é branco” e “um cavalo não é branco” não constituíssem uma contradição e pudessem ser ambas as proposições simultaneamente verdadeiras, tal como ocorrera já no Capítulo VII. O erro de Aristóteles aconteceu, e aqui temos de perdoá-lo, pois se trata da primeira exposição de uma linguagem lógica, e o Estagirita deixou escapar a obrigatoriedade da atuação dos axiomas postos. O de Whitaker já ocorre exatamente porque ele não acompanha a exposição do Da Interpretação como um primeiro esboço de uma linguagem lógica, mas centra o seu interesse nos vínculos dessa obra com a dialética, onde alcança, aliás, importantes resultados.

Calcado em passagens dos Tópicos (104a 8, 160a 23 e seguin­tes) e dos Posteriores analíticos (72a 9), Whitaker pretende reduzir a questão da verdade posta no Da Interpretação a um mero problema da dialética, afinal uma questão seria verdadeira ou falsa.70 Ora, a unidade básica do discurso declarativo é aqui a declaração, é sobre ela que se fala em verdade ou falsidade. Quando pergunto é “Sócrates o marido de Xantipa?” - nada faço senão indagar se a proposição “Sócrates é o marido de Xantipa” é verdadeira ou falsa. Reduzir esse problema a uma mera pergunta circunscrita à esfera de determinada disciplina, por mais ampla que essa fosse, como a dialética, em suas várias versões, na Grécia, é não perceber o seu alcance muito mais dilatado, que é o alcance da matéria como objeto da lógica, é tam­bém não reconhecer a razão porque a matéria do Da Interpretação segue viva para nós. Enfim, pergunta-se basicamente, posta a exis­

70. Whitaker, 2002, p.106.

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tência de Sócrates, se o predicado marido de Xantipa se lhe aplica em determinado tempo. Desse modo, pergunta-se se os símbolos das afecções da alma corretamente articulados na unidade básica do discurso declarativo, a declaração, correspondem ao Sócrates posto no mundo, se ele é de fato marido da Xantipa. Enfim, pergunta-se, no limite, se o isomorfismo do discurso e do corte do mundo indicado existe ou não.71

Como já se teve a oportunidade de salientar, o postulado de que há apenas uma afirmação ou negação para exprimir uma coisa de uma coisa fixa o quadro geral da lógica biproposicional de Aristóteles, impedindo a aparição de juízo como o indiferente da lógica de Vasíliev e o acolhimento de uma eventual contradição intraproposicional ou intrajudicial. Não há lugar no quadro posto no Da Interpretação para uma declaração à maneira de Heráclito:

“Um X é A e não A ”, pois “duas coisas”, o “A” e o “não A”, apa­recem inseparavelmente nessa proposição e ela não pode ser desdo­brada em 1) “um X é A” e 2) “um X não é A”, pois, a contradição em sua aparição heraclítica não pode ser fendida em duas partes, onde cada uma delas é consistente em si mesma. A revolução na lógica que se pode pensar a partir dos conceitos seminais de Vasíliev consiste na construção de um cálculo lógico em que as declarações da lógica aristotélica, a afirmação e a negação, já não bastam, há que articulá- -las também ao juízo heraclítico, que recebe em Vasíliev o nome de juízo indiferente.72

A questão que surge aqui é a seguinte: a lei aristotélica de que na afirmação e na negação apenas se exprime uma única coisa de uma única coisa permanece válida nas novas condições, quando se amplia o horizonte das formas de juízo, acolhendo uma proposi­ção à Heráclito? Parece que sim. A contradição, se entra a forma do

71. “[...] se for verdadeira a proposição ‘uma pessoa está sentada’, levantando-se essa pessoa, esta mesma proposição será falsa” (Categorias, 4a 22-b 20). No exemplo agora citado, o verbo (vide comentários ao Capítulo III) ainda não se apresentou como nomeplus tempo.

72. Vasíliev, 1912, p.207-45.

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juízo, aliás, deve ser vista como uma totalidade contraditória, mas que é em si mesma uma, indivisível, caso contrário poderia em última instância ser convertida nas formas judiciais já dadas no hori­zonte aristotélico.

O Himátion e as Categorias

No exemplo do nome “himátion”, aplicável ora a homem ora a cavalo, aparece nitidamente uma remissão aos fundamentos postos na teoria das categorias no tratado Categorias. Cavalo e homem remetem categorialmente a gêneros material e biologicamente dis­tintos, de tal sorte que se pode a priori dizer que não existe um homem cavalo. Por mais banal que nos possa parecer, sobretudo hoje quando o avanço da ciência é um fato de nosso dia a dia, Aristóteles faz uso aqui da teoria das categorias, de sua construção, da separação de substâncias de gêneros distintos, o que permite dizer peremptoriamente que não há um homem cavalo. O uso da tábua categorial permite que decidamos a priori o destino ou o lugar de determinadas proposições. Essa constatação e a busca de seus resultados se tornarão a obsessão do Kant da Crítica da razão pura. Aristóteles, portanto, influencia profundamente Kant, nem tanto quando este último elege o caminho de sua rapsódia categorial, mas, sobretudo, quando Kant busca a partir de seu quadro conceituai (ou categorial) decidir a priori sobre a posição de certas proposições ou conceitos. O que, em especial, fascina Kant é a possibilidade que determinada tábua de categorias ou conceitos dá de decidirmos a priori a propósito de um conjunto de proposições ou conceitos. Quando Aristóteles diz que “o homem cavalo não existe”, ele está fazendo, mais do que uma afirmação empírica, uma afirmação no domínio da lógica que alcança a realidade, ou para dizer em outras palavras, dado o quadro de gêneros tal como ele concebia, ele podia dizer, sem qualquer busca ou aventura empírica, que não poderia haver um homem cavalo.

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O exemplo do homem cavalo do Da Interpretação tem, por­tanto, como fundamento, a teoria das categorias posta no tratado Categorias. Aliás, Kant, na “Analítica dos Princípios”, na Crítica da razão pura, mostra o quanto ele próprio deve ao desenvolvimento da teoria categorial em Aristóteles. Ele salienta a importância do quadro categorial para o pensamento mesmo. Com todas as diferenças que o projeto de Kant guarda em relação ao programa lógico de Aristóteles, há que se reconhecer como especialmente perpicaz e produtiva a observação do filósofo de Königsberg sobre a dispensa,73 ao se traçar um quadro das categorias, de definir exaustivamente uma após outra e buscar, no plano dado da própria tábua categorial, a enumeração completa de seus elementos e razões. Com isso, ele dá a chave para se compreender a eficácia de uma lógica definida em termos estrita­mente aristotélicos, o que pode ser, em última análise, medido pela sua operatividade e capacidade de expor o real. O Da Interpretação, como era de esperar, move-se no espaço criado pela tábua catego­rial, produz proposições a partir do material categorial já posto, per­tence ao mesmo projeto lógico, ainda que as ligações entre o livro das Categorias e o Da Interpretação não estejam exaustivamente ex­plicitadas à maneira de muitos lógicos contemporâneos. Porém, a incompletude do modelo não compromete a sua eficácia.

Os movimentos do Capítulo IX

O Capítulo IX do Da Interpretação é um dos capítulos de maior fortuna, sobre ele se discute entusiasticamente desde a Antiguidade. Ele introduz de fato matérias muito importantes e é, sem dúvida, um

73. “[...] com a exposição da tábua das categorias, nós nos dispensamos da definição de cada uma delas pelo seguinte: nosso intuito, o qual conduz ao uso sintético delas, não a torna necessária, e não se deve assumir nenhuma responsabilidade com empresa desnecessá­ria, que se pode dispensar. Isso não era [na exposição da tábua das categorias] nenhuma fuga, mas é regra de prudência em nada negligenciável não se atrever a produzir defini­ções ab ovo, e não buscar ou pretender a completude e a precisão na determinação do conceito, se se pode passar com uma ou outra característica dele, sem mesmo ser neces­sária aqui exaustiva enumeração de todas elas, as quais formam o conceito in totum”. (Kant, 2010, p.327.)

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dos textos mais complexos da Filosofia. Sobre ele assim escreveu Jules Vuillemin: “Le chapitre IX du De Interpretatione est l’un des textes les plus difficiles et les plus contestés d ’Aristote”.74

A nossa abordagem do capítulo será feita dentro do qua­dro maior do livro. Whitaker, um dos mais célebres comentadores recentes, vincula o capítulo, excessivamente, aos dois preceden­tes. Todavia, a meu ver, uma das chaves para leitura desse capítulo encontra-se precisamente no Capítulo XII, onde é exposta a lógica das modalidades, com os operadores modais “é possível”, “é impos­sível”, “é necessário”.

O leitor deve estar muito atento ao movimento do capítulo, onde Aristóteles se vale de argumento do tipo “redução ao impos­sível”, para assegurar a abertura dos possíveis no tempo futuro. Se se considera a datação provável das obras de Aristóteles, é aqui que aparece pela primeira vez esse tipo de argumento, emprestado das matemáticas.

O Capítulo IX abre asseverando a necessidade de que a afirmação (ou negação) seja verdadeira ou falsa, em relação às coisas que são e às coisas que foram.

Trata-se de um primeiro corte que visa a introduzir a distinção das proposições referentes ao futuro, em contraposição àquelas que di­zem respeito ao passado e ao presente. Ontologicamente, podemos dizer aqui que o tempo entra na lógica não apenas em sua marcação de intervalos, minutos, dias, horas e anos, que não subsistem, mas que entra também pela sua estrutura primeira, pelos seus grandes quadros estruturantes, passado, presente e futuro, os quais exigem tratamento próprio. Esse tratamento não vai ser ajustado a cada uma dessas gran­des molduras temporais, mas vai dividir-se em dois grandes grupos: de um lado, passado e presente, para os quais a afirmação e a nega­ção devem ser necessariamente verdadeiras ou falsas onde os valores de verdade (V) e (F) devem se distribuir entre elas, considerando-as,

74. Vuillemin, 1984, p.149.

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claro, proposições singulares, do tipo: “Sócrates esteve ontem no Dicastérion" // “Sócrates não esteve ontem no Discastérion”.

Em verdade, há a possibilidade de ler o texto de Aristóteles (vide logo adiante o argumento do fatalismo) simplesmente como a afirmação (ou a negação) é verdadeira ou falsa, hipótese em que estaria contemplado o caso de proposições universais a propósito do passado e do presente.75 Naturalmente, o Capítulo IX foi escrito após Aristóteles ter refletido sobre o tema. Mais: após ter inovado sobre o tema. E a lógica de sua abertura não deixa dúvidas: o futuro exige tratamento lógico próprio. Aristóteles quer garantir a indeterminabilidade do campo do futuro e tratará de demonstrá-la com suas armas, talvez excessivamente lógicas, já que lhe falta uma ontologia do acaso, à Epicuro, a qual garanta de algum modo a abertura do futuro.

Há, no início do capítulo, dois cortes fundamentais a serem explorados. O primeiro de viés mais ontológico e representado pelos grandes quadros do tempo. O tempo não só se divide em instantes que não se conservam, mas ele tem a sua divisão em três ordens, passado, presente e futuro. Essa divisão tem consequências importantes para a lógica. Pode parecer banal esse fato, mas não é.

A lógica não pode ser construída fora da estrutura mínima dada pela realidade. A lógica é essencialmente lógica do nosso mundo. Mais uma vez, avulta a diferença entre Aristóteles e o seu mestre na Academia, Platão.

O segundo corte, de natureza já lógico-ontológica, é operado no interior da grande divisão do tempo, alcançando o passado e o presente.

75. Pode-se ler o trecho compreendendo que o falso e o verdadeiro se distribuem entre a afirmação e a negação, ou que uma delas, tomada individualmente, é verdadeira ou falsa. Nesse caso, o texto de Aristóteles, ao se referir a proposições com quantificadores univer­sais a respeito do passado e do presente, também estaria correto. Afinal, uma proposição assertórica será sempre verdadeira ou falsa: 18a 28-29 - “A respeito das coisas que são ou que já foram, é necessário que a afirmação (ou a negação) seja verdadeira ou falsa.”

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“É necessário que a afirmação (ou a negação) seja verdadeira ou falsa.”

Afirmação e negação expressam aqui a relação lógica no sentido primeiro dessa expressão como uma relação necessária. O modo necessário - aquilo que não pode não ser - se faz presente no primeiro e no segundo corte, mas Aristóteles não o foca nesse momento.

Ele próprio não segue essa linha que nos coloca e que é, ine­quivocamente, muito forte. A razão, parece-me, é de natureza mais de técnica exposicional do que oriunda do esquecimento. Aristóteles não quer trilhar o caminho das modalidades (vide Capítulo XII) antes de chegar a elas, mas não pode escapar de alguns de seus usos a esse momento. O desenvolvimento da argumentação é mais espiral que linear, diria Hegel a escapar da circularidade e da linearidade, a um só tempo.

Como não estamos aqui obrigados a trilhar o mesmo caminho de Aristóteles, quiçá possamos explorar essa que é uma pista muito forte que ele mesmo nos trouxe. Para o passado e para o presente, é necessário que a afirmação (ou a negação) seja falsa ou verdadeira. Para o futuro, restaram então as seguintes possibilidades, vez que ele não se encontra no grande bloco do passado-presente:

1) É necessário que a afirmação (ou a negação) não seja falsaou verdadeira. Isso significa que não há para o futuro osvalores (V) ou (F).

O futuro então designa um valor de verdade diferente de (V) ou (F).

A outra possibilidade, se se explora a lógica que o próprio Capítulo XII nos apresentará, será usar a negação oficial da moda­lidade “necessidade”:

2) “Não é necessário, para o futuro, que a afirmação (ou anegação) seja verdadeira ou falsa.”

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D a Interpretação

Disso decorre que é possível (“não é necessário”), para o futuro, que a afirmação (ou negação) seja (V ou F) ou que não seja (V ou F), mas que seja (?), onde (?), interrogação, é um outro valor de verdade.

Em ambos os casos, a abertura de Aristóteles do capítulo aponta para além do princípio da bivalência.

Como bem nos reporta Whitaker, em seu clássico, as duas escolas predominantes que examinam o argumento sobre o fata­lismo no Capítulo IX partem de que o Estagirita coloca como uma das premissas de seu argumento o princípio da bivalência. Há que se distinguir, todavia, a abertura do capítulo - onde Aristóteles pra­ticamente já nos dá a sua solução do problema - do argumento do fatalismo propriamente dito, pelo qual ele se esforça para implodir a tese fatalista e usando, naturalmente, o princípio da bivalência. A implosão do fatalismo significará, tecnicamente, também a implo- são do princípio da bivalência no Capítulo IX, mas significará muito mais, como teremos oportunidade de ver na sequência.

O argumento do fatalismo

É facilmente notado, em diversas traduções, que antes de Aristóteles apresentar o argumento do fatalismo, aparece um erro quando afirma que:

18a 28-29 - “Quanto às proposições universais, se considera­das universalmente, é necessário que uma seja verdadeira e a outra, falsa.”

O erro é muito evidente para admiti-lo sem mais, ou sim­plesmente. É perfeitamente plausível, a despeito o texto grego dis­ponível não nos autorizar essa leitura, como também possível, que Aristóteles quisesse dizer o seguinte:

“Quanto às proposições universais, se consideradas univer­salmente, é necessário que uma seja verdadeira (ou falsa) e a outra, verdadeira (ou falsa).”

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Aristóteles

Enfim, Aristóteles não estaria a dizer que p e ~p são tais que uma delas é verdadeira e a outra, falsa, mas que p é (V) ou (F) e ~p é (V) ou (F).

Na sequência, Aristóteles, retomando o tema do Capítulo VII, afirma que às coisas universais, não consideradas universalmente, não se aplica necessariamente o (V) ou (F).

Assim, “um homem é branco” não é, necessariamente, (V) ou, necessariamente, (F). Com efeito, a proposição pode ser simultaneamente verdadeira e falsa, se se encontra um X (sujeito, que é branco) e um X (sujeito, que não é branco) que a satisfaça. Uma coisa é dizer que (V) ou (F) se aplicam, no limite, a p e ~p, outra é dizer que (V) ou (F) se distribuem entre p e ~p.

Esta última alternativa, onde (V) e (F) se distribuem entre p e ~p, vai ser utilizada no argumento do fatalista. Esse argumento é a primeira ocorrência de uma redução ao impossível nos escritos de Aristóteles. Como se sabe, esse tipo de argumento vai ser utilizado pelo Estagirita doravante e será mesmo recurso usual na Metafísica. Vamos reconstruir aqui trechos desse argumento do fatalista:

Se, com efeito, toda afirm ação (ou toda negação) ou é verdadeira

ou é falsa, é necessário que toda coisa subsista ou não subsista. Se,

com efeito, fulano disser que um a certa coisa ocorrerá , e se sicrano

disser que essa m esm a coisa não ocorrerá, é evidente que um dos

dois está com a verdade, necessariam ente - afinal, toda afirm ação

é verdadeira ou falsa. No que con cern e a tais coisas, am bas, com

efeito, não podem subsistir sim ultaneam ente. C o m efeito, se é

verdadeiro dizer que o b ran co ou o não b ran co é, é necessário que

o b ran co ou o não b ran co seja, e se é b ran co ou não branco, era

verdadeiro afirm á-lo ou negá-lo. E se o b ran co não subsiste, há erro

na proposição; e se há erro, o b ran co não subsiste. Por conseguinte, é

necessário que a afirm ação (ou a negação) seja verdadeira.

O argumento, portanto, assimila o que subsistirá e o que não subsistirá ao (V) e ao (F). O argumento acolhe a lei dos pares

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D a Interpretação

contraditórios de tal sorte que ou a afirmação ou a negação terá de ser verdadeira no caso.

O resultado na continuação do argumento é todas as coisas serem produzidas por absoluta necessidade, um absurdo onde a própria noção de deliberar é sacrificada:

Nada, então, não é nem surge nem p or acaso nem nada poderia ser

de um a m aneira indefinida, em que fosse e não fosse, m as todas as

coisas aconteceram da necessidade e não de um a m aneira indefinida

(ou o que afirm a diz a verdade ou o que nega), com o um a coisa que

poderia ter ocorrido ou não ter ocorrido.

O fatalista acolhe a hipótese de que os enunciados sobre o futuro não fossem nem verdadeiros nem falsos, mas amarra essa nova variante à implosão do princípio do terceiro-excluído. Assim, em vez de dizer que a proposição p não será nem verdadeira nem falsa (“amanhã haverá uma batalha em Salamina”, nem (V) nem (F), ele vai dizer que amanhã nem haverá uma batalha em Salamina nem não haverá. Ele insinua que a ruptura com a bivalência é também a ruptura com o princípio do terceiro-excluído. E aí, em sua perspectiva, o mundo ruiria. Ele associa cada valor de verdade a um tipo de juízo: afirmação, negação, e algo que fosse a negação de ambos. Essa passagem é uma forma de lembrar que o uso da bivalência ainda é a melhor solução. Todavia, ele é conduzido aos absurdos, justamente porque ele assume que a LPC vale também a propósito dos enunciados futuros. Enfim, o fatalista chega aos absurdos descritos, porque ele assume a bivalência e a sua lei para enunciados futuros que sejam singulares e contraditórios.

O resultado mais palpável dessa argumentação é que não se pode deliberar a propósito do futuro:

Essas e outras coisas desse gênero são os absurdos que sucedem ,

se de fato é necessário ser um a das opostas verdadeira e a outra,

falsa (para toda afirm ação ou negação, quer a propósito das coisas

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Aristóteles

ditas universais e tom adas universalm ente, quer a propósito das

coisas singulares) e nada pudesse acon tecer de um a ou de outra

form a no vir a ser, m as todas as coisas serem e virem a ser da

necessidade. Por conseguinte, n em seria necessário deliberarm os,

nem nos esforçarm os de m aneira que, se fizéssem os isso, isso viesse

a acontecer, m as se não fizéssem os isso, isso não acontecesse.

O impossível a que se chegou é a conjunção do deliberar com o não deliberar. Note-se que o não deliberar, não é, em si mesmo, nenhum absurdo. O absurdo, porém, fica patente diante do empírico deliberar. Ante essa constatação, a constatação de que nós deliberamos, o não deliberar deve ser abandonado. O absurdo ou impossível, no caso, só aparece quando contraposto ao fato empírico da deliberação. Emerge então um par contraditório. Mas essa contradição é apenas o primeiro momento, a superfície, pois o exame do A e do ~A, que se contrapuseram no caso, vai mostrar que, ante a existência fática do A (deliberar), o não deliberar (~A) é uma hipótese que deve ser descartada. É o elemento empírico com seu peso76 que ordena seja o argumento reconstruído, que descarta a contradição. Um dos braços do par contraditório é tão forte, mercê de sua carga empírica ou fatual, que destitui o outro membro do par de sua própria existência, aliás, uma existência que não subsiste propriamente ou que não é de fato. Ele, o fatalista, agrega um elemento cuja natureza não é meramente lógica, mas se trata de um elemento de convicção77 ancorada no próprio exercício

76. Embora no Órganon Aristóteles empreste muito valor ao que é lógico (o qual tem nature- za geral), são os argumentos com peso de realidade que terão a preferência do Estagirita. Na Ética a Nicômaco (II 7 ,1 107a 8), ele afirmará: “as considerações gerais são sem dúvida de uma aplicação maior, mas as considerações particulares têm mais verdade”. Em De Caelo (III, 7, 306a 10), ele afirmará: “Os princípios devem ser homólogos aos sujeitos: os seres sensíveis requerem princípios sensíveis, os seres eternos, princípios eternos, os corruptíveis, princípios corruptíveis.” A propósito, vide Le Blond, 1973, p.204-6.

77. “J’insiste sur la difference entre un jugement qui est un fait logique et une conviction qui est un phénomène psychique. Les logiciens et les psychologies contemporains en son de plus en plus conscient. Meinong, par exemple, distingue les convictions, cest-à-dire les actes de croyance, et les objets des conviction, lesquels consistent dans le fait que quelque

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D a Interpretação

da psique que delibera. Tecnicamente, a hipótese não gerou um argumento contrário a si mesmo por um mero exercício lógico, mas a contradição que se produziu tem um de seus braços de natureza empírica, e aí, na empiria, reside a força irrefragável desse braço.

Reconstrução do argumento de Aristóteles pela jigura do deliberacionista

Suponhamos que Aristóteles tivesse optado em construir o argumento pela constatação de fato, que ele, como acertadamente cunhara Le Blond (vide nota 76), tanto prezava, segundo a qual “deliberamos”.

Se “deliberamos”, então a hipótese de que os juizes condena­riam Sócrates não poderia nem ser verdadeira nem ser falsa, pois ela é absolutamente produto da deliberação dos juizes, e a deliberação pode tomar em princípio o caminho da condenação ou o caminho da absolvição.

Do ponto de vista da inferência lógica, esse argumento - o argumento do deliberacionista é apenas um braço do argumento do fatalista, a despeito de ser o braço essencial. Qual o sentido, por­tanto, do argumento do fatalista? Primeiramente, notamos que o seu sentido retórico é evidente, pois com ele se arrasta o fatalista para uma argumentação que faz o caminho desse, o caminho que lhe é mais natural. E o fatalista devia ser o comum dos gregos,78 pois

chose est ou n est pas, ou dans le fait que quelque chose est ainsi ou autrement. Meinong appelle ces faits objectifs’, et il confie leur examen à une science particulière, appellée la théorie des objets (Gegenstandstheorie). Cette science comprend aussi la logique pure et les mathématiques.” (Lukasiewicz, 2000, p.50.)

78. A tese, sustentada por Whitaker (2002, p. 124), segundo a qual Aristóteles desejaria salva­guardar a ideia que o senso comum tem de futuro (“The solution preserves the reality of future, while still allowing is openness, which matches common-sense ideas about the future, and is exactly what Aristotle wanted”), parece equivocada. O mais provável é que o fatalismo fosse a ideia dominante em Atenas, demais ainda mais provável é que houvesse em abun­dância a figura dos que misturavam o fatalismo com a possibilidade da deliberação, por mais esdrúxula que soem aos puristas lógicos. Karpenko (1985, p.98) sustentou, diferentemente de Whitaker, a forte presença na Antiguidade clássica do fatalismo. Em verdade, a solução

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Aristóteles

ainda hoje muitos homens se prendem à estreita faixa do (V) e do (F), ou, ainda, venhamos a conceder: pode ser que a figura dos que aceitam unicamente o (V) e o (F) e a dos que se consideram fatalis­tas não coincidam ou não coincidiam de modo estrito. Concedamos que não estamos obrigados à coerência em todas as nossas ações. Concedamos também que o politeísmo grego dificulta construções deterministas à maneira do monoteísmo incontrastável e que, assim, introduz certa indeterminação em nossas vidas. Concedamos, por fim, que o argumento arrasta consigo fatalistas do (V) e do (F) e deli- beracionistas do (V) e do (F), concedamos assim que a força retórica do argumento tem alcance muito maior do que o raio que cobre os fatalistas atenienses. Porém, e isso é o que me parece mais importante, o experimento do fatalista é bem mais que retórico, ele tem grande alcance do ponto de vista da produção de um novo conhecimento. O fatalista, de alguma forma, percebe o papel gnosiogônico da nega­ção, o que, digamos em alto e bom som, não é pouca coisa, pois a negação é ansiosa e incansável produtora de nuanças, e na lógica, de nuanças lógicas. A descoberta desse fato deveria passar a integrar a lógica das descobertas. No caso em exame, a primeira negação produz do verdadeiro (V)79 o falso (F), a segunda produz o que nem é falso nem é verdadeiro.

O fatalista coloca em seguida a principal dificuldade a se vencer nessa hipótese. Os valores de verdade (V) ou (F) se prendem a uma determinada forma do juízo, por exemplo, (1) “amanhã haverá uma batalha naval em Salamina”, e à sua negação, (2) “amanhã não haverá uma batalha naval em Salamina”. A negação dos valores dessas proposições, algo que não é (V) nem é (F), deve produzir outra

aristotélica, enquanto construção lógica, nada tem a ver com o senso comum. É verda­de, todavia, que a religião grega com seus deuses se digladiando parece introduzir margem para a indeterminação do futuro.

79. Pavlov (2011) mostra que a primeira negação deve produzir o que não é verdadeiro, dispensando o falso como objeto abstrato do nível ontológico. Uma construção lógica poderia, assim, em nível ontológico, dispensar o falso como conceito originário. Tratar- -se-ia aqui de um avanço com economia conceituai, passando-se a navalha de Ockham no objeto abstrato “falsidade”.

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Da Interpretação

forma de juízo, mantida aqui praticamente a mesma matéria de (1) e de (2), para usarmos aqui a nomenclatura de Kant na indispensável Crítica da razão pura. No magnífico capítulo dedicado à Analítica dos Princípios, ele afirma: “Em qualquer juízo pode-se denominar de matéria lógica (do juízo) os conceitos dados e forma do juízo sua relação (estabelecida por meio da cópula)”.80

Hoje em lógica matemática, e ainda em maior proporção nas imitações da lógica matemática, é fácil imaginar uma proposição p e confrontá-la com uma tabela de valores de verdades, tantos quantos se queiram. Outra coisa, e que não é nada fácil, é encontrar para determinada matéria judicial ou de juízos as formas (dimensões) possíveis que lhe correspondam. O argumento do fatalista, e talvez seja essa a sua maior contribuição, coloca determinada matéria lógica e a confronta com as relações possíveis que essa matéria aco­lhe, mostrando os seus limites intransponíveis:

1) “Amanhã haverá uma batalha naval em Salamina” - se essa proposição é (V) verdadeira, deve ser falsa (F) a sua negação; se essa proposição é falsa (F), deve ser verdadeira a sua negação (V).

2) “Amanhã não haverá uma batalha naval em Salamina.”

3) Se essa proposição não é nem verdadeira (V) nem falsa (F), deve-se encontrar, à Kant, para a matéria posta - a) amanhã, b) haverá, c) uma batalha naval, d) em Salamina - uma for­ma que não explicite nem a relação n. 1 nem a relação n. 2. A modalidade deve reger as duas subproposições simétricas.

O fatalista, com seu desconcertante argumento, encontrou para a matéria posta a forma que lhe convinha: ele descobre que o que “nem é verdadeiro nem é falso”, no caso, deve estar conectado a uma outra forma de juízo, e ele expressa com toda a coragem esse

80. “In jedem Urteile kann man die gegebenen Begriffe Logische Materie (zum Urteile), das Verhältnis derselben (vermittelst der Kopula) die Form des Urteils nennen” [“Em todo juízo, podem-se chamar os conceitos lógicos dados de matéria (do juízo), e a relação entre eles (por meio da cópula) a forma do juízo”]. (Kant, 2010, p.352.)

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Aristóteles

juízo, mesmo que seja para rejeitá-lo: se não é nem verdadeiro nem falso que “amanhã haverá uma batalha naval em Salamina,” então se obtém (proposição n. 1) “nem haverá amanhã uma batalha naval em Salamina” (proposição n. 2) “nem não haverá amanhã uma batalha naval em Salamina”. Observe-se que a forma do juízo que nega simultaneamente que haverá e não haverá uma batalha naval amanhã em Salamina importa certa coordenação entre os dois enunciados (n. 1 e n. 2). A sua matéria lógica envolve tanto o “haverá” quanto o “não haverá”, dois braços (subproposições) que não podem ser cindidos, de tal sorte que esse novo juízo encontrado no experimento do fatalista pudesse assim ser expresso:

É im possível (lem brem os que o fatalista não usa essa palavra, ele

se con tenta, m odestam ente, com a coordenativa nem ... nem ...) que

am anhã haja e não haja um a batalha naval em Salam ina.

Com essa redução, embora tácita, ao impossível, o fatalista se dá o direito de retornar confiante à bivalência. Porém, o rastro de seu experimento permanece: ele criou um tipo de enunciado que articula o n. 1 e o n. 2 com um aditivo (e), enquanto a negação e a afirmação se excluíam, em enunciados separados (ou). Ele apresentou pela primeira vez um enunciado que é a articulação de dois braços (simétricos), ele introduziu de alguma forma a modalidade.81 Não seria exagero dizer que ele inventou de certa forma a lógica das modalidades ou, no mínimo, foi o seu precursor mais imediato.

Aristóteles fez do fatalista aqui o que muitos disseram que Marx fizera de Hegel (incluindo-se aqui o que Marx dissera de si mesmo em face de Hegel), colocou-o de cabeça para baixo: ali onde o fatalista poderia escrever “é necessário p e q”, Aristóteles escreveu

81. Jaako Hintika distingue os enunciados de Aristóteles a respeito de uma data determinada, como os referentes à batalha que acontecerá ou não amanhã, e os enunciados de tempo indeterminado. Ele sustenta, no limite, haver em Aristóteles uma concepção de possibi­lidade semelhante à de Diodoro, para quem o possível em algum momento se realizará. Pelo menos no que concerne ao Da Interpretação, considero que não há fundamento para o ponto de vista do célebre lógico finlandês (Jaako Hintika, 1973, Capítulo VIII).

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D a Interpretação

“é necessário p ou q”; onde o fatalista escreveria “é impossível p e q”, ele escreveu “é possível p e q”.

Nos Primeiros analíticos, que seguem na linha cronológica do Órganon o Da Interpretação, Aristóteles (25b 20-25) dirá que o “é admissível”, que se assimila aqui ao “é possível”, tem sempre o valor de afirmação - mesmo que seu predicado seja “não é bom” ou “não é branco”. Aristóteles diz que essas “subproposições” ou predicados são governados pelas mesmas condições que suas simétricas afir­mativas (“é branco”, “é bom”). Ele não chega a estabelecer nitida­mente a indissociabilidade lógica e proposicional desses predicados (“é branco” // “não é branco”), mas ele deixa o caminho totalmente aplainado e preparado para que se assuma tal indissociabilidade.

Em suma, não existe MA, mas existe sempre M (A e ~A), em que A e ~A constituem “dieta” e M (como L), modus.

Com relação ao sentido do possível no Da Interpretação, considero que o experimento radical do fatalista na batalha naval que aconterá amanhã resolve, ao menos para as finalidades internas do tratado em exame, a questão do significado do termo. Ainda nos Primeiros analíticos, Aristóteles tratará do “é possível” do ponto de vista de seus sentidos ditos. Ele afirma então que as proposições admissíveis “são ditas de várias formas”, antecipando aqui a famosa frase da Metafísica,82 Essas formas são aqui três:

1 ) 0 admissível (Ενδεχόμενον) como necessário;2) ο ενδεχόμενον como não necessário; e3) o admissível como aquilo que é capaz (possível) de ser.

Aristóteles usou a palavra δυνατόν apenas neste último caso. Não vamos aqui entrar nessa difícil questão, mas quer nos parecer, até pelo emprego, nessa passagem crucial, que Aristóteles reserva o possível para uma categoria objetiva do ser, a qual pode ser e não ser, enquanto o admissível é uma categoria da “possibilidade” sob o ângulo do pensamento. Para usar a terminologia kantiana, hoje

82. Metafísica, 1028a 10.

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Aristóteles

um tanto fora de moda, mas essencial para esclarecer essa sutileza, o “possível” no aparato transcendental é o “admissível”. A lógica de Aristóteles de certa forma põe em movimento esses conceitos que ele retira da opinião e os relaciona à possibilidade ou à admissibilidade, mas sob condições bem precisas, formalmente lógicas:

1) L (A ou ~A) é o mesmo que M (A e ~A);

2) ~L é o mesmo que M no caso do tempo futuro;

3) M (A e ~A) é uma categoria da realidade que pode ser lidacomo o admissível (M’) e seu uso praticamente se confundeem termos lógicos: M’ (A e ~A) = M (A e ~A).

Embora tenha apresentado a minha leitura da exposição do Capítulo IX, é importante observar que as proposições sobre os even­tos futuros singulares, recebem na história da lógica algumas leitu­ras padrões. O artigo de A. S. Karpenko83 descreve didaticamente as principais vias de interpretação do episódio da batalha de Salamina no Da Interpretação. São basicamente as seguintes:

1) Interpretação tradicional - teve Boécio e Ammônio como seus representantes já na Antiguidade. Os partidários dessa via sustentam que os eventos singulares futuros não têm significado de verdade, mas pode-se descobri-lo a posteriori. Eles sustentam que é verdadeiro o enunciado “haverá ou não haverá uma batalha naval em Salamina”, mas que (para descrevermos sua posição em termos contemporâneos) o operador (T) de verdade não é distribuído relativamente à disjunção (ou).

Desse modo, não é verdadeiro para uma declaração p que:T (p ou ~p) implica T (p) ou T (~p).A polêmica se instala sobre a possibilidade de deliberar: se as

proposições já devem ser de início verdadeiras ou falsas, os aconteci­mentos são predefinidos, como pensara o fatalista.

83. Karpenko, 1985, p.98-111.

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D a Interpretação

2) Interpretação não tradicional - os intérpretes dessa via consideram que p ou ~p seja verdadeira, mas não seria necessário que p fosse verdadeira nem seria necessário que ~p fosse verda­deira. Segundo esse ponto de vista, uma declaração não pode não ser verdadeira e depois tornar-se verdadeira: a verdade constitui uma propriedade da declaração exterior ao tempo. Todavia, a declaração pode de início não ter o status de necessária (necessariamente verda­deira, necessariamente falsa) e depois adquirir esse status. Aqui não existe uma proposição p de tal sorte que

L [T (p) ou T (~p)], mas somente após o ocorrido se poderá falar em L [T (p) ou L (T~p)].

3) Interpretação que cuida do status próprio das declarações sobre o futuro. Nessa vertente, inaugurada por Jan Lukasiewicz,84 considera-se a existência de um novo valor de verdade, transição entre o falso e o verdadeiro, para tais declarações. Trata-se da lógica trivalente.

4) Interpretação que cuida do status do princípio do terceiro- -excluído. Karpenko85 lembra que Prior sustentou que a disjunção de Aristóteles em “amanhã haverá ou não haverá uma batalha em Salamina” não constitui uma função de verdade, que é uma forma de eludir, com fundamento lógico, muitos dos problemas que o enunciado oferece. A contraparte ontológica desse argumento é o fato de que os estados a que se referem os enunciados futuros não têm sua correspondência assegurada, e não se poderia falar em verdade para eles, dentro de uma perspectiva da verdade vista a partir da teoria da correspondência. A tese de que a disjunção não constitui uma função de verdade e a tese da não correspondência dos enunciados futuros a algum fato que lhes assegurasse a verdade são apresentadas por comentadores distintos, por exemplo, Prior, de

84. Lukasiewicz, 1972, p.153-78.

85. Karpenko, 1985, p. 105.

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Aristóteles

um lado, e o casal Kneale,86 de outro, mas constituem a meu ver faces de um mesmo movimento, com dois momentos, o lógico e o onto­lógico. Em verdade, nem a disjunção nem a conjunção podem ser apresentadas nessas hipóteses separadamente das modalidades que a elas se articulam na descrição do enunciado da batalha de Salamina que acontecerá ou não acontecerá amanhã. Poder-se-ia dizer, nessa perspectiva, que também a conjunção articulada à possibilidade não constitui função de verdade em Aristóteles, afinal L (A ou ~A) equi­vale a M (A e *-A).

5) A respeito da não correspondência do futuro e seu estado contraditório com algum correspondente real que lhe assegure a verdade, é necessário dizer o seguinte:

Uma proposição afirmativa e uma proposição negativa a res­peito do passado e do presente têm status ontológicos rigorosamente distintos: uma delas tem o seu correspondente no real e a outra, não; em relação ao futuro, o par contraditório conserva ambos os braços com o mesmo status, ambos não foram realizados e podem se reali­zar, não há, portanto, distinção ontológica decisiva entre um e outro, eis por que não se pode, no limite, falar em verdade a respeito do futuro. Não se trata de nenhuma defesa cega da correspondência “grosseira”, mas de consequência que decorre da natureza das propo­sições no futuro, onde não se pode falar de correspondência, no sen­tido forte desse termo, exatamente porque a coisa ainda não ocorreu e é esse fato que coloca no mesmo nível ontológico afirmação e negação.

86. Kneale, M. e Kneale, W., 1980, p.53. “É verdade que haverá uma batalha amanhã, se e so­mente se houver uma batalha amanhã.” Disso resulta, embora não dito por esses autores, que eu não posso garantir a verdade da batalha de amanhã, enfim, que essa verdade seja de fato uma verdade. Esses autores acabam fazendo uma avaliação incorreta do proble­ma da batalha naval no Capítulo IX do Da Interpretação, porque subestimam os grandes marcos temporais como produtores de sentidos distintos nas proposições que de alguma forma os expressam. Importa aqui separar a tese da correspondência, que é correta, mas cuja formulação para o futuro exige ad hoc “aspas”, da bivalência, pois se não se pode de­cidir entre (V) ou (F), não convém falar em função de verdade aqui, ao menos no sentido forte de Frege (2008) em seu ensaio “Funktion und begriff”.

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6) Questão87 que surge, a despeito de os documentos textuais serem escassos e mesmo indiretos no que concerne à matéria, é a atribuição a Epicuro da possibilidade de recusar o princípio do terceiro-excluído. Vuillemin salienta essa vertente no seu magnífico tratado, ancorando-se em citação de Cícero88 sobre o inconformismo de Epicuro diante da seguinte disjunção: “Se, com efeito, diz ele em relação a Carnêades, admito que um ou outro é necessário, será necessário que amanhã ou que Hermarco viva ou não viva.”

Refletindo sobre a matéria, chega-se à conclusão de que só se pode fugir do princípio do terceiro-excluído, se se rejeitar a negação como espécie de integral que descreve finitas ou infinitas possibilidades incompatíveis entre si: amanhãp ou r, s, t (...), onde o ~p é lido como r, s, t (...). Enfim, a via epicuriana é mais física do que lógica, ou tem uma lógica-física irredutível ao princípio da lógica universal (~p). O exemplo citado por Cícero, porém, parece confi­nar o universo de possibilidades a duas: viver ou não viver. Todavia, quando se considera o palco físico-espacial para os fenômenos, onde se dá a chuva de átomos, poder-se-ia considerar que (p) “amanhã haverá uma batalha naval em Salamina”, ou (q) “amanhã haverá uma confraternização entre as frotas em Salamina”, (r) “amanhã haverá um furacão em Salamina” etc. Todas essas hipóteses podem ser trans­critas em termos aristotélicos, no limite, com a sua negação: p e ~p; q e ~q; r e ~r etc. Todos esses pares não fazem senão transcrever no aristotelismo em uma proposição e em sua negação a série possível de eventos p, q, r, s etc. Eis por que poderiam ser, no limite, equi­valentes. A ontologia de Epicuro percebe que aqui não há terceiro- -excluído, pois o que sucede é uma abertura para a multiplicidade de possibilidades. O gênio de Aristóteles consiste aqui em operar uma redução puramente lógica, a que ele chega até porque parte da pro­posição e não de uma hipótese físico-atômica à Demócrito. Todavia,

87. A leitura desse item é do autor desta tradução.

88. Cícero, em Primeiros Acadêmicos, II, XXX, apud Bréhier, 1962, p.231-2.

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Aristóteles

a vertente de Aristóteles acaba por ocultar o universo múltiplo que subjazerá à hipótese epicuriana. Uma leitura em profundidade, porém, vai mostrar que o ~x, em geral, remete a uma multiplicidade de possíveis individualmente distintos. O raciocínio epicuriano não vai rejeitar a negação, mas vai remetê-la sempre à infinidade do pos­sível. O mérito dessa posição é mostrar que o princípio do terceiro- -excluído, que ela rejeita, não é senão pura abstração lógica, mas essa abstração lógica termina sendo logicamente mais operativa, e aqui também a perenidade do pensamento lógico de Aristóteles. A chuva dos democritianos átomos em Epicuro é, e não poderia ser diferente, uma via essencialmente física. Ela abre o horizonte para se pensar seriamente a probabilidade.

Uma nova exceção à Lei dos Pares Contraditórios

O Capítulo IX traz uma nova exceção à LPC: as proposições singulares que dizem respeito ao futuro. “Sócrates estará em Creta na segunda-feira” // “Sócrates não estará em Creta na segunda-feira”. Aqui não se poderá dizer que uma dessas proposições é verdadeira e a outra é falsa. Mais: também não se poderá dizer que ambas as proposições são verdadeiras, ou que ambas são falsas. Aqui temos verdadeiramente o mesmo sujeito e o mesmo predicado, eis os moti­vos por que se trata de exceção qualitativamente nova em face das precedentes. A sutileza (e aqui nada melhor do que convidar o leitor a ler com atenção o capítulo) que se introduz é exatamente a noção de contingência ou possibilidade que o futuro, como categoria da realidade, nos oferece.

A descoberta de Aristóteles consiste em esclarecer que, do ponto de vista lógico, lógico modal no caso, as duas proposições consistem em uma unidade necessária para expressar a possibilidade, o futuro. Dessa maneira, se é possível que Sócrates esteja em Creta na segunda-feira, também é possível que Sócrates não esteja em Creta na segunda-feira. A LPC estará preservada quando se identificar a

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Da Interpretação

contradição entre “é possível” e “não é possível”. As proposições singulares ou universais futuras escapam à LPC, mas reunidas pela modalidade retornam à LPC.

Enfim, embora o próprio Aristóteles nos apresente essas exce­ções, a análise revela que as duas primeiras são facilmente descons- tituídas. A terceira exceção parece mais forte. Porém, tanto no caso da LPC quanto do princípio dos princípios, os predicados “estará em Creta na segunda-feira” e “não estará em Creta na segunda-feira” não podem ser separados um do outro e só fazem sentido se reunidos sob a batuta da modalidade.

A despeito disso, o princípio da contradição ou da não contra­dição, tal como aparece na Metafísica (1005b 19), é impossível para uma mesma coisa pertencer e não pertencer à mesma coisa, em relação ao mesmo aspecto e ao mesmo tempo, parece muito próximo à LPC. Whitaker lembra que a LPC conhece exceções, ao contrário do princípio da contradição. Entendo que, de fato, se trata de coisas com estatuto diferente, mesmo se se admite que as exceções à LPC possam ser afastadas.

A LPC está limitada aos valores de verdade (V) e (F) com os quais opera. O princípio da contradição tem formulação mais abran­gente, puramente ontológica, e escapa do quadro de possibilidades do princípio da bivalência, onde uma proposição deve ser verdadeira e a outra deve ser falsa. Apenas para exemplificar: as proposições “todo homem é branco” e “todo homem não é branco” não podem ambas subsistir, segundo o princípio da contradição, mas nem por isso, no caso dessas universais, uma deve ser verdadeira e a outra deve ser falsa. Essa a diferença de natureza entre os dois princípios (LPC e princípio da contradição), que delineia os objetos distintos descritos respectivamente no livro Gama da Metafísica e no Da Interpretação.

Em relação ao predicado “estará em Creta na segunda-feira”, a aplicação do princípio da contradição poderia assim ser expressa: “é impossível que simultaneamente seja possível que Sócrates es­

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Aristóteles

teja em Creta na segunda-feira e que seja impossível que Sócrates esteja em Creta na segunda-feira”.

Tempo, necessidade e possibilidade

O Capítulo IX é importante não só pela abertura que traz em relação ao futuro e ao desenvolvimento que Aristóteles soube dar à modalidade do possível, como também pela interpretação do passado como necessário. Convém ao leitor estar atento aí para os elementos da lógica modal e para o seu modo de operar.

Uma das linhas do trabalho de Jules Vuillemin e também de Jaako Hintika89 é repor o diálogo do mais ilustre dos filhos de Estagirita com os megáricos e estoicos, mais precisamente com o megárico Diodoro Cronos. Esse tinha cunhado um conceito de pos­sibilidade muito distinto do conceito próprio ao Capítulo IX do Da Interpretação, a que nos acostumamos desde séculos. Diodoro conce­bia o possível dentro dos limites da lógica bivalente onde vigem abso­lutos o verdadeiro e o falso. Tinha como possível o que “é verdadeiro ou será verdadeiro”. A ideia de algo que fosse possível e que pudesse não ser, isto é, que jamais viesse a ser verdadeiro, lhe era estranha. Confinava o possível às paredes da lógica bivalente. O impossível defi­nira como o que nem é nem será verdadeiro. O necessário como aquilo que, sendo verdadeiro, jamais será falso. O não necessário como aquilo que ou é ou será falso.

Ainda que se considere que o diálogo entre Aristóteles e Diodoro não pode ser reputado de provável, ao contrário do que ava­liam Vuillemin e Hintika, mas apenas de plausível,90 pois o primeiro

89. Vuillemin, 1984; Hintika, 1973, p.179-213.

90. Não se tem a data de nascimento de Diodoro, mas ele teria falecido quase quarenta anos após Aristóteles. Se se supuser que ele tenha vivido oitenta anos e tenha nascido vinte anos após Aristóteles, deve ter produzido o seu argumento entre dezessete anos e vinte anos, o que deveria girar em torno da data de saída do Estagirita da Academia e da redação das Categorias e do Da Interpretação. Se produzira o argumento nessa idade, certamente se tornaria uma celebridade e deveria ser citado nos 25 anos seguintes. É verdade que, saindo da Academia, Aristóteles trabalhe na construção de sua lógica e

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D a Interpretação

nascera no ano 384 a.C. e falecera em 322 a.C., e o segundo morre­ria em 284 a.C., há que se considerar que efetivamente o Estagirita debate essas questões com os megáricos. Demais, é mais provável que as cunhagens iniciais do conceito de possibilidade se façam, em um primeiro momento, em termos de bivalência, e só o desenvolvi­mento do problema explicite as dificuldades dessa posição. A própria formulação do chamado argumento dominador por Diodoro supõe, a meu ver, um trabalho prévio do tema na escola de Mégara.

Aristóteles, em sua resposta, cujo núcleo pode ser encontrado nesse Capítulo IX, reinventa a noção de possibilidade e, nessa rein- venção, retira-a do confinamento próprio à verdade e à falsidade. O que pode ser não é nem verdadeiro nem falso, pode ser. Esse perfil do possível revelou-se o mais adequado à descrição do mundo. Sua extração, porém, em Aristóteles, sucede nesse magnífico CapítuloIX e é feita por redução ao impossível. Ele assume em 18a 35 que o verdadeiro e o falso se aplicam às proposições singulares futuras. Em seguida aplica o verdadeiro e o falso aos objetos que estão a salvo do futuro, os que são agora, e sobre os quais necessariamente a afir­mação e a negação são ou verdadeiras ou falsas. O “pulo do gato” da demonstração consiste em considerar que, se a afirmação é ver­dadeira agora, era já verdadeiro afirmá-la antes. O resultado que se colhe é o que está posto entre 18b 5-10:

Nada, então, é nem surge por acaso e nada poderia ser de um a

m aneira indefinida, em que fosse e não fosse, m as todas as coisas

aconteceram da necessidade e não de um a m aneira indefinida (ou o

que afirm a diz a verdade, ou o que nega), com o um a coisa que poderia

ter ocorrido ou não ter ocorrido. C om efeito, a expressão “ocorrer de

um a m aneira indefinida” nada m ais [significa] que [algum a coisa]

pode ser ou poderá ser dessa form a ou de outra form a.

sua ontologia e evite citações de nomes e polêmicas abertas. Com efeito, deixava, assim, com toda discrição o passado platônico, mas não há porque supor que essa discrição fosse também estendida àqueles que se situavam longe da escola de Platão, como Dio­doro Cronos.

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Aristóteles

Todavia, sem uma ontologia do acaso, à maneira de Epicuro, Aristóteles tem dificuldades em se satisfazer com o resultado colhido e conduzirá o raciocínio até a prova que lhe parece definitiva: sus­tentar o necessitarismo significaria mesmo suprimir a possibilidade de deliberar (18b 30-33). Aqui se poderia objetar que, para as coisas que sucedem fora do deliberar, seguiria vigendo o mais estrito neces­sitarismo. Afinal, não há fundamento físico ou ontológico a esse momento para justificar a fuga total do necessitarismo. Aristóteles, porém, com a experiência das dificuldades lógicas ensejadas pela aplicação da bivalência ao discurso sobre o futuro, funda a sua noção de possibilidade para o futuro em geral:

E se essas coisas são absurdas, vem os, com efeito, que o princíp io das

coisas futuras em parte é proveniente do deliberar e do agir e que, de

m aneira geral, nas coisas que não são sem pre em ato existe sem pre o

ser possível e o não ser possível, nelas am bos p odem ser.

Enfim, o par ato e potência, que tanta importância terá na filo­sofia aristotélica, praticamente nasce nessa passagem, se não, pelo menos dá um susto na parteira, e sua aparição ou quase aparição é providencial para garantir a indeterminabilidade do futuro em geral, a qual exige o socorro de alguma ontologia.

As duas necessidades descritas no Capítulo IX

Em 19a 23, lemos: “É necessário então ser isso o que é, quando é, e o que não é não ser, quando não é. Em verdade, não é absolutamente necessário nem o que é ser nem o que não é não ser.” Aristóteles define aqui o que se chama de necessidade hipotética, ao distingui-la da necessidade absoluta. A coisa que é, necessariamente é, quando é, mas isso não quer dizer que ela seja absolutamente neces­sária. Na necessidade simples, o predicado pertence ao sujeito sem- piternamente, ou, no mínimo, predicado e sujeito são coextensivos. Vuillemin apresenta da seguinte maneira a fórmula da necessidade hipotética: “Qualquer que seja t, se p acontecer durante o tempo t, é necessário durante o tempo t que aconteça durante o tempo f.”

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D a Interpretação

Essa fórmula corresponderia à reação de Aristóteles à cons­trução da necessidade hipotética nos megáricos, a qual poderia ser apresentada da seguinte maneira:

“Se p acontece, então é necessário que p aconteça.” A despeito de sua apresentação hipotética (se, então), a formulação afirma a necessidade simples: “É simplesmente necessário que p aconteça.” A fórmula megárica, por camuflar o tempo, acaba transformando a necessidade hipotética em necessidade simples ou absoluta.

A necessidade hipotética responde em Aristóteles pela escrita no passado e no presente do que fora possível anteriormente. Um possível que se realizou aqui e por isso se torna verdadeiro, se define, resolve a contradição ínsita à possibilidade, pendendo para um dos lados de sua balança. Esse lado se torna, então, necessário. De L (A ou ~A) chega-se a L (A) ou L (~A), ou ainda de M (A e ~A) chega-se igualmente a L (A) ou a L (~A), e o M é sacrificado no altar do tempo, pois nem suporta o presente nem o passado.

Já a necessidade simples expressa apenas que as coisas que lhe dizem respeito estão desde sempre decididas, seja ontem, hoje ou amanhã. Os grandes quadros do tempo não repercutem sobre as proposições dotadas de absoluta necessidade. São as proposições apodêiticas, que se contrapõem às problemáticas (possíveis) e as puras ou assertóricas (S é P).

O Capítulo X

No Capítulo X, Aristóteles explicita o significado da afirmação e mostra analiticamente a função do nome e do verbo na sua forma­ção. A afirmação, a partir da qual se define a negação, por determi­nados empregos do não, é exibida aqui como algo que nos presentifica a coisa e é intermediado pelos nomes, os quais comparecem como sujeito obrigatoriamente na proposição. A discussão é feita nesse capítulo em torno das proposições assertóricas. Eis por que esse fato deve nos levar a indagar sobre a posição do Capítulo IX, introdu-

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Aristóteles

tor das modalidades, no conjunto da obra que se denomina Da Interpretação. Com efeito, do ponto de vista da sequência geral dos capítulos, isto é, da lógica dos capítulos assentados no livro, o Capítulo X e o Capítulo XI poderiam estar colocados na sequência do Capítulo VIII, pois neles o que pontifica são as proposições assertóricas. Podemos dizer que a sequência de capítulos aqui obe­dece muito mais provavelmente a ordem da sua criação do que a ordem ou lógica mais conveniente de exposição.

A abertura do Capítulo X põe em relação nomes e coisas, relação essencial do pensamento e da formulação de enunciados. Aí está dito de uma forma concisa: “Portanto, é a afirmação o que significa alguma coisa de alguma coisa, e esta é ou um nome ou o que não tem nome.”91

As proposições aparecem com dois elementos, nome e verbo, ou com um terceiro elemento em que aparece a forma verbal “é” como um terceiro termo, donde o que a tradição chamou de proposição binária (com dois elementos) e proposição ternária (onde aparece o terceiro termo). Há ainda as proposições sem o verbo ser e com outro verbo, que se encaixam no limite no segundo tipo. Aristóteles chamará de primeira afirmação proposição como a se­guinte: “o homem é”; “o homem não é” será a primeira negação. A partícula negativa poderá aparecer junto ao nome, tornando-o indefinido, ou junto ao predicado, e esse fato potencializará as possibilidades da afirmação e da negação. Por exemplo, “o homem é justo” // “o homem não é justo”; “o não homem é não justo” // “o não

91. Esse trecho do Capítulo X certamente evoca os temas fregianos (Über Sinn und Bedeu- tung), e Frege com certeza o leu. A própria palavra Bedeutung traduz em alemão o subs­tantivo que se obtém a partir do verbo σημαίνω, e que em Aristóteles remete à coisa, posta em algum nível ontológico hipotético ou real. Aristóteles, porém, e aqui retoma capítulos anteriores, dá um destaque à questão da unidade da proposição, e aqui a sua solução é incontrastavelmente superior, permitindo resolver intricados problemas que escapam à teoria fregiana. Frege, é verdade, vai cunhar a relação da coisa com os nomes, lembrando ser esses índices (Zeichen) das coisas indicadas (Bezeichneten). Distinções de alguma forma dadas no Capítulo I do Da Interpretação: aí aparecem as noções de símbo­lo das afecções da alma, objeto e imagens do objeto (afecções).

1/ f . l

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D a Interpretação

homem não é não justo”. Esse “não” que se cola ao predicado ou ao nome a tradição chamará de partícula metatética, de metathesis, que significa transposição e indica o deslocamento do advérbio de negação. Ammônio testemunha que foi Theofrasto quem introduziu essa nomenclatura.92 Esse deslocamento do “não” e seu acoplamento a um nome mostra o esforço de Aristóteles para compreender as distinções de significado da “negação”, tomada aqui em seu sentido mais lato. O “não”, ao se acoplar a um nome, produz na lógica de Aristóteles um efeito similar ao alfa privativo, que persiste de algum modo na tradição das línguas românicas.

Aristóteles, no entanto, fiel ao seu estilo de proceder onde se buscam as distinções, a diferença que singulariza uma coisa ou um uso, prefere aqui o “não”, que é também uma possibilidade da língua, embora a não eleita no seu dia a dia. A vantagem operativa do “não” aqui sobre o alfa privativo é que ele pode gerar significados novos a partir de uma linguagem mais simples, que prescinda de um maior número de operadores. O alfa privativo aparece em Aristóteles ao definir aqui mais uma vez o que é a afirmação (19a 10 - “Portanto, é a afirmação o que significa alguma coisa [dita] de alguma coisa, e esta é ou um nome ou o que não tem nome - esta última expressão, o que não tem nome, traduz a palavra grega “anônimos”). O não X se poderia traduzir sempre aqui como o que é distinto de X, ou o que é incompatível com X, o Q, o R, o S, o T... o Ql, o Q2(...). Depois o a (alfa), como se vê na palavra áv au ç [anaus], adquire um significado concreto eventualmente, deixando de significar simplesmente o que não é nau, no caso, e passando a significar “a nau que já não é”. Enfim, o alfa deixa de remeter a tudo o que não é nau, para apenas designar a nau que já não existe e que existiu em algum momento. Enfim, o alfa designa apenas esse que já não é, e que algum dia foi, mas não simplesmente o não esse. Eis por que aqui a força do “não” na sintaxe greco-romana parece insubstituível.

92. Ammonius, 1897, p.161 - 27-32.

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Aristóteles

“Com efeito, digo que não homem não é nome, mas nome indefinido; com efeito, significa alguma coisa de alguma maneira indefinida, como o não gozar de boa saúde não é um verbo.” O não homem - mais esse caso do não se poderia dizer - exibe as propriedades da intervenção dessa partícula, ela ataca algo definido, um universal bem identificado, com os contornos nítidos e a partir desse terreno perfeitamente identificado aponta para o indefinido, todas as ocorrências que não remetem ao universal homem, isto é, tantos universais quantos não sejam homens e - quem sabe, não universais. Assumamos, porém, que o não homem é uma fórmula resumida onde todos os universais distintos do homem são enfeixados - coelho, abóbora, porco, cabelo, mão etc. Ele tem uma função muito próxima daquela que o ~A designa quando se coloca ao lado do A no dictum do modo, como apontáramos anteriormente. É exatamente por ele guardar a possibilidade de remissão a uma totalidade de universais que apenas exclui o homem, que ele entrará na primeira aparição do princípio da explosão das contradições, na Metafísica,93 Nesse caso, um homem é também um não homem, então ele pode ser tudo, uma trirreme, uma cebola, uma bola etc. O nome indefinido será, portanto, essencial à semântica da explosão da contradição. Se se supusesse uma negação do nome próxima ao que se entende na semântica do alfa privativo, tal qual aparece no vocábulo anaus, não haveria explosão da contradição, pois a negação seria apenas a negação de um conjunto de determinações concretas com um campo de atuação limitado. Assim, na evolução, o homem aparece como a negação de seu ancestral a (e, em algum momento, um proto-homem foi o ancestral a e ~a) até adquirir plenamente a

93. Ex contradictione sequitur quod libet. Aliás, a passagem na Metafísica (1007b 30-35) pode ser vista como uma consequência dessa compreensão do nome indefinido no Da Inter­pretação. Ali se lê: “Com efeito, é absurdo se em cada coisa subsiste a contradição dela própria, mas não subsiste a contradição de uma outra coisa a qual não subsiste nela; digo, por exemplo, que se é verdadeiro dizer que o homem não é o homem, é evidente que é verdadeiro dizer que ele é tanto uma trirreme quanto uma não trirreme.”

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sua humanidade. Esse ~a, no entanto, não pode ser o nome indefinido absoluto do Da Interpretação.

(1) a(2) a e ~a(3) ~a

Quadro de proposições com o terceiro elemento (é)

Sem pre que o “é” seja atribuído com o o plus, com o o terceiro

[term o], as oposições são expressas de duas m aneiras. Ao declarar,

por exem plo, que o hom em é ju sto , considero ser o “é” o terceiro

a com p or a afirm ação, quer seja nom e ou verbo. Por conseguinte,

por isso, quatro são as proposições, das quais duas se referem à

afirm ação ou à negação, segundo um a sequência, com o as privações,

m as as outras não.

Como já vimos, a privação, pelos menos o alfa privativo, não corresponde exatamente ao acoplamento da partícula “não” ao nome e mesmo ao adjetivo. Todavia, Aristóteles aqui remete a sua solução à privação, o que pode induzir a soluções equivocadas. O não justo remete ao que é desonesto, ao brutal, mas também ao branco, ao azul, afinal “a cor branca não é a qualidade justiça que se atribui ao homem”.

O primeiro quadro exibido nessa seção introduz as possibili­dades de proposições não quantificadas articuladas às distintas apa­rições da partícula negativa:

(a) “O homem é justo” - e sua negação (b) “O homem não é justo”

(c) “O homem é não justo” - e sua negação (d) “O homem não é não justo”.

Na sequência, nesse trecho, Aristóteles remete-nos à solução dos Analíticos. É evidente se tratar aqui essa referência de uma interpolação posterior.

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Aristóteles

Essa evidência corrobora-se pelo uso do critério de desenvol­vimento conceituai da matéria, quando se constata a sua pujança e complexidade no interior dos Analíticos.

O milagre da multiplicação dos pães ou dos nãos

Na sequência, são apresentadas as proposições com os quanti- ficadores “todos” e “nem todos”.94 Esse “nem todos” corresponde ao conjunto “todos” diminuído de pelo menos um de seus membros, e esse membro virá em uma proposição regida pelo “não”. Isso sig­nifica que, se todos os homens são brancos, a negação será “nem todos os homens são brancos”, o que equivale à frase: “pelos menos um dos homens não é branco” // “algum homem não é branco”. No limite, o “não todos” acaba sendo uma curiosa expressão cujo “não” alcança duplamente o nome, o universal, posto como sujeito e o verbo ou a cópula verbal. O algum, o pelo menos um, o não todos são expressões que negam a expressão “todos”, mas o não aí posto incide também sobre o verbo. Pode-se, portanto, ler o “nem todos” como “algum [...] não é [...]”. Essa parece uma interessante lei das línguas, pelo menos das indo-europeias, pois um “não” acaba tendo um duplo efeito e se refletindo em dois loci da proposição. Esse fato deve tem induzido Whitaker ao erro a que apontávamos na nota de número 94. Se a partícula negativa que se cola ao quantificador

94. O nem todo é o não todo (oí> tiôç). Em seu grande livro Aristotle’s De Interpretatione, o bravo Whitaker encaminha-se para desnecessária solução, sobre ser equivocada, ao afirmar que o todo não é negado na expressão “nem todo”: “[...] Aristotle does note allow any role to the negation of the word ‘every’. To negate the universal, man, negation should be added to ‘man; to make the assertion negative, the verb need to be negated, for, as we saw in chapter 7, the contradictory of a universal assertion is itself universal (17b 16). In either case every’ is untouched.” Em verdade, o texto de Aristóteles é muito claro no trecho 17b 15-20, onde o Estagirita se refere ao universal tomado não universal­mente, por exemplo, “nem todo” homem. Esse “nem todo” expressa exatamente o “não universalmente” que se cola ao universal. 17b 15-20 “Digo, portanto, que a afirmação e a negação se opõem de modo contraditório, quando a [primeira] significa a coisa univer­sal, [tomada universalmente], em face do mesmo aspecto, enquanto na segunda [a mes­ma coisa universal é considerada de maneira não universal em face do mesmo aspecto], por exemplo: ‘todo homem é branco’ // ‘nem todo homem é branco’; ‘nenhum homem é branco’ // ‘algum homem é branco?’

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universal “todos” incidisse apenas sobre o verbo ou sobre a cópula, como sustentou o notável Whitaker, a negação de “todos os homens são brancos” deveria ser apenas “todos os homens não são bran­cos”. O interesse de Aristóteles na oposição entre as expressões que designam quantiíicadores universais e particulares ou existenciais se justifica em seu esforço de estabelecer relações necessárias no que concerne aos valores de verdade. A oposição entre as proposições contraditórias permitirá sempre a distribuição entre dois valores de verdade (V) e (F).

Essa regra absoluta (LPC) constitui uma das grandes desco­bertas da lógica, sobretudo para o seu nível de absoluta necessidade. É verdade que esse tema é retomado de um trecho das Categorias (13b 12-36), onde Aristóteles para garantir a regra inexorável assume mesmo o trânsito da negação. Desse modo, dadas as proposições sin­gulares “Sócrates é doente” e “Sócrates não é doente”, sempre uma delas será falsa e a outra, verdadeira. Existindo Sócrates, ou ele será doente ou não será doente. Não existindo Sócrates, a proposição “Sócrates não é doente” será verdadeira, e isso naturalmente com o deslocamento da negação, de tal sorte que não exista um Sócrates que seja doente. A negação nesse caso, para garantir a inexorabili­dade da LPC, passa a ser externa.

Os problemas do comportamento da expressão “não todos”, todavia, não param por aí, mostrando a complexidade lógica da chamada língua viva, no caso do grego clássico (20a 20-25). E essas observações se referem aqui unicamente ao texto grego. Ao se intro­duzir mais um não na frase, a primeira negação perde a sua segunda incidência. Assim, no caso, em contexto de oposição, a oposta de έστι τις δίκαιος άνθρωπος [“algum homem é justo”], com a introdu­ção da expressão negativa junto ao predicado (expressão metatética), se obtém: ού πας έστίν άνθρωπος ού δίκαιος [“nem todo homem é não justo”], e não “algum homem não é não justo” [“algum homem é justo”], mas, simplesmente, “algum homem é não justo”. O que era o milagre da multiplicação torna-se agora o milagre da supressão.

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O uso da partícula negativa junto ao predicado vai introduzir um enunciado afirmativo com o sentido de um enunciado negativo. Isso ocorre quando se pergunta (20a 25-30): “Sócrates é sábio?” e é verdadeira a negação (“Sócrates não é sábio”). A negação equivale aqui à afirmação com a negação metatética: “Sócrates é não sábio.” O grande traço da lógica aristotélica, em suas distintas variantes e em seus distintos espaços, é buscar o caminho de equivalências de fórmulas. No caso se pode perguntar se também aqui se daria o trânsito da negação já registrado nas Categorias e indicado um pouco acima dessas linhas. Parece, porém, que a forma da proposição oferece aqui resistência a esse trânsito, mesmo se se considera que o grego não articula a expressão metatética ao predicado por meio de nosso hífen.

Não há dúvida de que o contexto do exemplo, posto por uma pergunta, remete à arte da dialética. Todavia, a própria reflexão sobre a dialética, tida por muitos como uma das disciplinas mais gerais, reflexão fora da dialética, isto é, fora do próprio espaço dessa, coloca- -nos inevitavelmente diante da lógica como disciplina geral e primei­ra, capaz de servir mesmo à dialética. Para além disso, vale notar ainda que, como tudo poderia ser objeto de negação e afirmação no espaço dialético, Aristóteles, usando desse fato, introduz ironi­camente a figura de Sócrates nesse memorável trecho. Não se pode excluir se tratar aqui de um esforço de desconstrução de uma matéria quase sagrada no interior da Academia.

A negação e a partícula negativa

Aristóteles define conceitualmente o espaço da negação como a proposição que se obtém pela incidência da partícula negativa sobre o verbo de uma declaração que, sem essa partícula negati­va, deveria ser uma afirmação. No limite, a lógica assertórica com- põe-se de duas dimensões judiciais ou proposicionais. A primeira dimensão é aquela onde aparecem sujeito, cópula e predicado ou sujeito

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D a Interpretação

e verbo. A segunda apresenta esses mesmos elementos, ou essa mesma matéria, mas com a incidência da negação sobre o verbo ou a cópula. Todavia, e aqui se pode entender a negação latu senso como as aparições, ou melhor, como as incidências dessa partícula que é o “não” e as suas consequências. Uma linguagem natural, criada historicamente, apresenta os seus próprios contornos, os quais não decorrem de uma definição artificial, e exige definições factuais que identifiquem os contornos dos conceitos como eles são, não lhes prescrevendo voluntariamente a forma de ser. A língua apresenta- -se assim como um fato objetivo que impõe seu próprio curso nas construções lógicas. Assim, há peculiaríssimos fenômenos, como a aparição do nenhum, que remete à negação exterior. Tais fenômenos não cabe inventar, mas apenas descobrir e reconhecer.

A proposição que apareceu no trecho 20a 25-30, cuja citação se fez a poucas linhas daqui, “Sócrates é não sábio” é, portanto, como forma de organização da matéria do juízo uma afirmação, ainda que seja equivalente à negação. Essa busca, para não falar em obsessão das equivalências, mas encontradas com prudência, tato e arte, constitui uma das grandes virtudes de Aristóteles e bem se poderia dizer que é um componente universalizador de sua lógica e - por que não dizer? - de um rasgo matemático de seu pensamento. Esse balanço entre a negação strictu senso e latu senso conforma uma das linhas de investigação mais importantes no trabalho de Aristóteles na composição do Da Interpretação. Ele alcança, com todo o impacto, os capítulos XII e XIII onde a lógica das modalidades, já introduzida, de alguma forma, no Capítulo IX, reaparece, como veremos adiante.

20a 30-33 - “As expressões opostas formadas por nomes ou verbos indefinidos, como não homem ou não homem ou não justo, poderiam passar por negações sem nome ou sem verbo. Todavia, não são isso.”

Esse trecho explora a definição de negação já estabelecida e a confirma negativamente, isto é, mostra o que não é uma negação, a despeito da presença da partícula negativa “não” e de seu interesse

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Aristóteles

para a semântica e para a lógica. “Não justo” não é, assim, uma negação strictu senso, pois, sem se articular a um verbo e a um nome, não cumpre o requisito essencial de uma declaração, seja afirmativa, seja negativa. “Não justo” não é nem verdadeiro nem falso. Essa última posição pode insinuar falsamente que a “não justo” se poderia atribuir um outro valor de verdade. Melhor será, portanto, dizer que tais expressões isoladamente não podem receber valores de verdade.

Hom em / / não homem

Observando-se essas duas expressões, vê-se que elas remetem a universos bem distintos. É claro que a segunda se forma segundo a negação da primeira e tem a sua existência condicionada pela existência da primeira, ainda que como determinação negativa. Basicamente, o efeito da partícula negativa aqui é remeter a um conjunto que exclui o homem. Esse “não” pode ser traduzido pelo sinal menos das matemáticas, isto é, uma totalidade de unidades de determinado caráter menos o homem. Aristóteles se exonera aqui de explicitar se esse ~h (não homem) se vincula a um conjunto que reúne apenas substâncias (nesse caso, ~h é igual a porco, macaco, cadeira, urso, bola e que tais), ou se ele engloba também distintas categorias, como quantidades e qualidades etc.

Homem não é mais verdadeiro (nem mais falso) que não homem , pois, estando isolados, sem cópula e predicado (ou sem o verbo no sentido próprio), a verdade e a falsidade, ou, simplesmente, os valores de verdade em geral, não se lhe aplicariam. Na proposição, porém, o efeito da diferença do homem (justo) em face do não homem (não justo) é bem determinado.

É possível mesmo identificar proposições equivalentes, as quais encontram a sua equivalência em distintas combinações entre o predicado (justo // não justo) e o quantificador (todo // nenhum). Por exemplo:

“Todo não hom em é não justo.”

I j O

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D a Interpretação

“N enhum não ho m em é justo.”

O roque entre o Predicado e o Sujeito

“Branco é o homem” e “o homem é branco” significam o mesmo. O estatuto lógico de uma proposição não se altera pelo roque entre o Sujeito e o Predicado. Com o instrumental fregiano poder-se-ia, talvez, identificar uma distinção de sentido à medida que a inversão deflagra ordens de representações distintas.95 Todavia, como fato lógico as proposições seguem equivalentes, e o esforço de Aristóteles consiste precisamente em alcançar essas equivalências, não em repeli-las. Para além disso, há o substrato ontológico da declaração (afirmativa ou negativa), ele põe em relação uma coisa com outra coisa:

“Há apenas uma afirmação ou negação para exprimir uma coisa de uma coisa” (18a 11-12). A simples inversão da ordem, dentro do objetivismo lógico à Estagirita, não modifica esse substrato ontológico, não altera a natureza dos componentes envolvidos nem a natureza da relação entre eles estabelecida. E o que fundamenta essa postura é âncora ontológica da lógica em Aristóteles onde se procura alcançar as leis da proposição e da linguagem lógica como relações objetivas que essas exibem.

O Capítulo X I

O tema da abertura do Capítulo XI retoma um do pilares da teoria das categorias e, portanto, do tratado intitulado Categorias, o qual cronologicamente antecede o Da Interpretação. Trata-se, pois, nessa abertura do problema da unidade do ser. O que é e quando se produz a unidade dos seres, essa é a questão:

1) “H om em é a n im a l”;

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95. “Über Sinn und Bedeutung”.

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Aristóteles

2) “H om em é dípode”;

3) “H om em é social”;

4) “H om em é anim al d ípode e social”, onde os predicados distintos

em articu lação com o su jeito produzem a unidade.

Com efeito, “O homem é igualmente animal, dípode e social, mas alguma coisa una se produz desses [predicados]”. O imbrinca- mento ontológico (espécie, gênero mais diferença) é decisivo para determinar a unidade que a proposição não faz senão revelar. Sem esse imbrincamento profundo, construído pelas categorias, não se pode falar em produção do uno.

20b 15-20 - “Do branco, do homem e do caminhar não se forma alguma coisa una”. De onde se podem compor as seguintes proposições:

1) “O hom em é branco”;

2 ) “O hom em cam inha”.

Ainda que esses elementos se articulem - Sócrates, que é branco, por exemplo, caminha - a articulação que eles revelam é meramente acidental, não formando uma unidade no sentido pro­fundo ou categorial que a ontologia exige. Eis por que Aristóteles vai dizer (20b 19-21): “[...] e mesmo que esses predicados sejam ditos de uma mesma coisa, não se produz afirmação una, mas igualmente se produzem várias”. Sem o recurso à teoria das categorias, e, portanto, ao tratado precedente, Categorias, o problema da unidade do ser permaneceria tal qual a quadratura do círculo.

É essa teoria que permite, portanto, no limite dizer se a matéria reunida em proposição, ou em simples enumeração constitui unidade ou pluralidade. E essa questão, que diz respeito à teoria do ser, tem consequências para a arte da dialética:

Se, portanto , o m étodo d ialético é pergunta por um a resposta, ou

por m eio de um a proposição ou p or m eio de um a parte do par

de contrad itórias (a proposição é tam bém um a parte do par de

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contraditórias), não poderia haver apenas um a resposta nesses

casos. (20b 2 0 -2 5 )

Aristóteles está, portanto, dizendo aqui que a doutrina das categorias, a sua doutrina do ser, que tem repercussões sobre a lógica, também vem a iluminar com seu facho a arte dialética. E, como ele confirma logo no primeiro parágrafo desse Capítulo XI, o que define o ser, o que responde à questão “o que é”, não é matéria da dialética. Temos aqui uma posição antiplatônica bem explícita e não é pouca coisa, pois se trata simplesmente de responder à pergunta essencial (“o que é?”). Como consequência do método e da doutrina introduzidos por Aristóteles, a herança do mestre da Academia, Platão, é repudiada aqui também em sua forma, o diálogo, pois esse não daria conta de tudo.96

A separação entre o essencial e o acidental, um dos emblemas da filosofia aristotélica,97 será aplicada aos predicados. O homem branco é músico, exemplo, trará dois predicados acidentais, branco e músico, em face da coisa, o homem. Também se deslindará a arti­culação de predicados a focar a coisa que é afirmada ou negada, e se mostrará o que a eles é interdito. De um homem bom e que é sapa­teiro, por exemplo, não se concluirá que é sapateiro bom. O predicado bom, na primeira proposição, se refere ao homem e, na segunda, ao sapateiro, eis por que a passagem ao sapateiro bom não é possível.

A presença da totalidade compósita não impede que ela seja descrita analiticamente pela articulação do predicado com esse todo compósito. Se homem e branco compõem uma totalidade, mesmo que acidental, é verdadeiro dizer “o homem branco é branco”. Essa

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96. Vide nota 69.

97. O desenvolvimento das noções de essência e acidente pode ser visto como mero capítulo das categorias, desenvolvimento dos tipos de predicação básicos que elas encerram e que distinguem a proposição “Sócrates é branco” da proposição “Sócrates é homem”. Parece claro, porém, no Da Interpretação que o par - essência e acidente - se autonomiza e passa a incidir diretamente sobre predicados, ainda que substancializados, como no caso do sa­pateiro bom. Sapateiro, que seria naturalmente um predicado, aparece aqui como sujeito.

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proposição traz uma lei que é menos que a identidade, ela não diz que a = a, mas que se a um todo compósito ba pertence um predicado b, então esse predicado pertence a esse todo compósito e a esse todo compósito pode ser atribuído.

E, evidentemente, se esse predicado é b e não a, ou se esse predicado b exclui o predicado ~b, ~b não pode ser atribuído ao todo compósito. Enfim, se ba, então ba é b; ou se ba, não há ba é ~b. As consequências desse princípio analítico para a argumentação em geral e para a argumentação dialética em particular o colocam como um dos eixos de qualquer lógica geral do argumento (logica universalis). É também um princípio de argumentação de ordem computacional, que incorpora a repetição ao argumento lógico. Enfim, se é a correta a atribuição de um predicado a um determinado sujeito, essa predi­cação pode ser feita ao infinito no curso do argumento e será sempre correta, desde que o sujeito não tenha se alterado em face de tal pre­dicado: se ba, então ba é b, ba é b é b, ba é b é b e é b [...].

Hoje esse princípio é confirmado pela computação. Na época de Aristóteles, não se tratava, porém, de simples abstração ou elocu- bração genial. Ao contrário, foi esse princípio erigido como barreira à intromissão da tradição heraclítica, onde de “um homem é branco” se poderia, em algum momento, tirar “um homem é branco, e não é branco”. O princípio vale também para os universais, na condição de sujeito, assim, se ba é válido, então é a (se Sócrates é homem, então é homem). Todavia, ele conhece limitações:

Por exem plo, o hom em individual é hom em , o hom em individual

é branco, m as isso nem sem pre é verdadeiro, com o quando

naquilo que se acrescenta subsiste algum dos opostos aos quais se

v incu la a contradição. N ão é verdadeiro, por exem plo, dizer que o

hom em m orto é hom em . Porém , quando não subsiste (o oposto), é

verdadeiro. (21a 16-24)

O predicado morto encerra contradição com o conceito de homem, e tem o condão de aniquilar a essência desse de tal sorte que “o homem morto já não é homem”.

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Esse fato engendra um paradoxo: “esse que está morto é Cálias”. A morte é a negação de Cálias, de homem etc. Então, pode-se dizer que “Cálias não é Cálias”.

O paradoxo tem solução, quando se percebe que proposições de tal tipo encerram dois tempos e organizam a transição entre eles. Trata-se aqui da conexão entre o tempo em que Cálias era e o tempo em que Cálias já não é. A proposição traz uma novidade, ela parte de um Cálias que é, para dizer que ele já não é, ou em outras palavras, o que era Cálias é o que aí está morto. A dificuldade reside essencialmente em que a proposição, por sua limitação estrutural, traz apenas um verbo, um tempo, o tempo presente. A linguagem natural como que busca resolver essa dificuldade ao se valer da expressão “(já) não é mais”. Essa expressão é suficiente para produzir uma distinção fundamental no que seria idêntico, para implodir a identidade, isto é, produzir uma explosão no próprio interior da proposição, assegurando a distinção cujo fundamento é ontológico e temporal e que encerra, não na sua aparência, mas, no seu fundamento, dois verbos, dois tempos distintos:

“Cálias já não é mais Cálias”, isso significa que o Cálias que era nos remete àquilo que já não é mais. As partículas “já” e “mais” combinadas com a partícula negativa e o verbo nos dizem que a proposição não é apenas uma representação de um estado presente, mas representação, que, de alguma forma, se articula ao tempo passado onde Cálias fora.

A fotografia em Aristóteles, se se me permitir essa liberdade, registra dois momentos: Cálias e Cálias morto, mas não se interessa - suponha-se aqui a morte natural - pela transição de um estado de vida para um de morte, isto é, pelo Cálias que é e que, de alguma forma, antecipa o que não é. Ela, a fotografia, o registro lógico, passa de um estado para um outro, como se fosse um quantum, ou melhor, um qualis mágico. Esse modelo é consistente e pode descrever a maioria dos fatos, daí a sua longevidade, para não dizer perenidade,

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mas tem aqui a sua grande limitação: produz a aparição de um novo qualis, mas não designa a transição que o conduz.

Acabamos de analisar proposições como “o homem morto é homem” em que o predicado - “morto”, no caso - aniquila o univer­sal que existira até bem pouco. Enfim, proposições em que se passa de uma existência a uma não existência, apesar de tais proposições apenas se apresentarem na situação de existência. No trecho imedia­tamente seguinte - 21a 24 - nos defrontamos com proposições em que em nenhum momento se cogita da existência do sujeito real:

Seja, a títu lo de ilustração, H om ero é algum a coisa, por exem plo,

p oeta ; será, então que, ele é ou não é [absolu tam ente] ? O “é”, com

efeito, é d ito apenas por acidente de H om ero aqui. C om efeito, o “é”

é dito de H om ero porque ele é poeta, m as não p or si m esm o.

Aristóteles, nesse trecho, realça o fato de o verbo ser dito não por si mesmo, isto é, não para remeter a um estado real, mas apenas para vincular (fazer a cópula) Homero a poeta e produzir, desse modo, um pensamento. O Estagirita não chega a desenvolver em detalhes a sua concepção aqui, mas o corte é claro e está dito fundamental e laconicamente o que deveria ser dito. A distinção fregiana entre Sinn [sentido] e Bedeutung [significação], festejada como se fora o nas­cimento de uma filosofia da lógica contemporânea, provavelmente surge da ideia de significação da coisa por si mesma (Bedeutung) do Da Intepretação. Por sua vez, Sinn, o sentido, surge do trecho ora comentado, até no seu exemplo grego:

D er Satz “O dysseus wurde t ie f schlafend in Ithaka ans Land gesetzt”

hat offenbar einen Sinn. D a es aber zweifelhaft, ob der darin

vorkom m end e N am e “O dysseus” eine Bedeutung habe, so ist es

dam it auch zw eifelhaft, ob der ganze Satz eine habe.98

98. “A proposição ‘Odisseus estava deitado em ítaca dormindo profundamente’ tem um sen­tido nítido [significação acidental, em Aristóteles], mas é aqui duvidoso que o nome Odisseus aí referido tenha significação plena (Bedeutung), assim, por isso, é também duvidoso que toda a proposição tenha essa significação.” (Frege, 2008, p.29.)

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Enfim, a distinção que em Frege assume o binômio Sinn [sentido] e Bedeutung [significação, referência ao objeto] é ou já fora aqui resolvida pelo uso acidental ou absoluto do verbo no Aristóteles do Da Interpretação. No uso acidental, o verbo ser apenas explicita o vínculo interno da proposição que une sujeito e prediGado. No sentido absoluto, ele, o verbo, é dito “por si mesmo”, isto é, por sua significação existencial, pelo conteúdo de realidade que veicula. A propósito, vale a observação de que, se a significação é fato, a tentativa de Frege" de separar completamente o sentido dela, da significação, é resíduo idealista, confiança na possibilidade de conter o sentido apenas na sua própria esfera. A realidade produz sentidos próprios e insuspeitados, agrega valores, desperta representações etc., de tal sorte que não se pode antecipar totalmente os sentidos que veicula ou as torsões que impõe aos sentidos já postos.

Sugestão de um experimento conceituai

O Capítulo I e o Capítulo XI do Da Interpretação oferecem material importante para um diálogo com o grande Frege: aí apa­recem noções como símbolo, imagens das coisas, afecções da alma que são imagens, sinais primeiros, sons pronunciados vinculados a afecções da alma, símbolos dos sons pronunciados, símbolos das afecções da alma, e o Capítulo I coloca a base universal dos objetos existentes como produtora da significação comum que as palavras adquirem, a despeito das distintas línguas. É verdade que Epicuro sinalizará para algo ainda mais complexo com sua leitura histórica da formação das línguas, à qual se fez referência no Capítulo II dessa introdução.

Poderá o leitor fazer, portanto, por si mesmo, essa interessante comparação com conceitos-chave fregianos tais como Eigenname,

99. “O pensamento permanece o mesmo se o nome ‘Odisseus’ tem ou não tem significação plena.” (Der Gedanke bleibt derselb, ob der Name “Odysseus” eine Bedeutung hat oder nicht) (Frege, 2008, p.30.)

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Wort, Zeichen, Zeichenverbindung, Ausdruck, Anführungszeichen, Prädikat [nome próprio, palavra, índice, ligação de índices, locução, índice de citação e predicado]. Recomenda-se também que se valha do aparato categorial dos tratados das Categorias onde sujeito e predicado aparecem na sua acepção aristotélica plena. No que con­cerne à filosofia básica da linguagem, esse experimento conceituai aqui sugerido permitirá - acredito - iluminar a questão da ruptura entre a modernidade e a antiguidade aristotélica com novo olhar e menos dogmatismo superador. O leitor e experimentador que tire as suas próprias conclusões.

O Capítulo X II

Aristóteles, retomando a temática do Capítulo IX, continua a desenvolver pioneiramente as bases da lógica modal. As relações lógicas que se estabelecem entre os operadores modais e as estruturas modais que se equivalem, ou não, são apresentadas. A negação, nesse caso, não se colará à cópula, mas deverá atuar sobre o operador modal, como indicamos acima. A partícula negativa, quando fora do modo, terá nessas proposições modais efeito análogo ao da partícula negativa nas proposições metatéticas. O que esses capítulos ratificam e, sobretudo, destacam, se se pensa em todo o conjunto do Da Interpretação, é a importância da negação na construção da lógica, questão que diz respeito tanto ao sentido que ela recebe quanto às leis puramente técnicas a que se submete nos diversos contextos: a negação dos enunciados simples, a negação dos nomes indefinidos (negação metatética), a negação dos operadores modais.

D epois que essas coisas já foram esclarecidas, deve-se exam inar

com o são, um a em relação às outras, as negações e as afirm ações a

respeito do “é possível” e do “não é possível” e do “é adm issível” ou

“não é adm issível” e do “é im possível” e do “é necessário”.

O Estagirita concentra o seu foco no “possível”. De início, ele supõe que a negação das proposições problemáticas se comporta

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como a negação das assertóricas, hipótese em que a negação de “é possível ser” seria “é possível não ser”, onde ocorreria um paralelismo até geométrico com as correspondentes assertóricas. Por exemplo, “Sócrates está no Pireu” e “Sócrates não’ está no Pireu”. Todavia, Aristóteles afirma que “Parece ser possível que a mesma coisa seja ou não seja”. Essa colocação exige alguma detença para refletir. Ela dis­tingue as proposições assertóricas das modais, no caso, construída com “o possível”. A distinção reside exatamente sobre fundamentos ontológicos distintos. Em um caso é impossível a existência simultâ­nea de duas situações descritas: “Sócrates está no Pireu” e “Sócrates não está no Pireu”. Isso se traduz em valores de verdade distintos, verdade e falsidade.

No outro caso - “É possível haver amanhã uma batalha naval no estreito de Ormuz” // “E possível não haver uma batalha naval no estreito de Ormuz” - se a modalidade do possível se aplica de fato ao caso, não se pode separar as duas proposições, elas representam duas situações que coexistem, representam um mesmo estado ontológico onde é possível A e ~A, e expressam, portanto, um mesmo valor de verdade, ainda que se possa à Lukasiewicz dar-lhe um caráter provisório, pois em algum momento a situação deve ser resolvida em “há uma batalha naval e não há uma batalha naval no estreito de Ormuz”.

De todo modo, a partícula “não” que aparece no enunciado que se agrega à modalidade não marca a separação ou a incompatibilidade que ela introduz nas proposições assertóricas. Essa distinção traduz, em última instância, estados ou situações ontológicas bem nítidas:

C om efeito, tudo o que pode ser cortad o ou cam inhar pode não

ser cortado ou não cam inhar. A razão é que tudo o que é assim em

p otência nem sem pre é em ato, por conseguinte tam bém a negação

aqui subsistirá.

Aristóteles revela aqui alguma hesitação nesse texto inaugu­ral - e não é fácil ser pioneiro e inovar - entre a negação como proposi­

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ção negativa e a negação como ocorrência no interior de uma moda­lidade, que a rigor não pode explicitar duas proposições. E Aristóteles não chegou a este solo firme, exatamente por que não compreendeu, com absoluta clareza, que a unidade do estado ontológico, unidade contraditória, é verdade, deve se expressar em termos de unidade pre­posicional e não por meio de duplicidade de proposições.

“É possível que amanhã haja uma batalha naval no estreito de Ormuz e é possível que amanhã não haja um batalha naval no estreito de Ormuz” - esse enunciado, exatamente por expressar um mesmo estado ontológico, não pode ser distribuído em afirmação e negação, isto é, em proposição afirmativa e proposição negativa. A negação que ele acolhe não é uma negação proposicional, mas apenas a negação que ajuda a revelar a totalidade de possibilidades dadas na ocorrência do conceito metafísico e ontológico de potência.

Nesse caso, se se preferir, poder-se-ia dizer que é possível a negação e a afirmação da coisa sem a produção de uma proposição afirmativa e de uma proposição negativa, ao menos enquanto pro­posições distintas. A acepção da palavra negação, nesse trecho, expressa, portanto, a hesitação de Aristóteles em face dos sentidos da partícula negativa. Ele tem consciência do problema, ainda que não chegue a construir uma solução conceituai totalmente consistente com o estado da questão.

A disjunção ambígua

Depois de considerar que um homem que pode ver também não pode ver, e que é impossível que φάσεις [fórmulas proposicionais] opostas referentes à mesma coisa sejam verdadeiras, e que não é a última - “um homem não pode ver” - negação da primeira (“um homem pode ver”), Aristóteles introduz a seguinte disjunção, na qual convém deter ainda que por um tempo não longo:

21b 1 9 -2 4 - Sucede, portanto , do que foi exposto, que ou a m esm a

coisa é afirm ada e negada sim ultaneam ente de um m esm o, ou não é

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porque se acresce o “ser” e o “não ser” que se produzem afirmações enegações. Se, portanto, aquela alternativa é impossível, esta é a eleita.Será, dessa maneira, a negação de “é possível ser” “não é possível ser”.

Com efeito, o final do raciocínio parece-me elucidante: Aris­tóteles considera negação de “é possível ser” “não é possível ser”. Ele emprega aí negação como proposição negativa, dentro do par das contraditórias. No início do argumento, atentemos, ele diz: “[...] ou a coisa é afirmada e negada simultaneamente de um mesmo Essa possibilidade é recusada, mas ela só é recusada porque se considera que o afirmar e o negar a coisa simultaneamente deve produzir uma proposição afirmativa e uma proposição negativa. Se se considera, porém, que esse afirmar e esse negar, em relação ao mesmo, são, na hipótese aqui assumida, internos ao sujeito da expressão modal “é possível”, não há porque recusar essa possibilidade, ela não é excluída pela outra parte da disjunção, onde o acréscimo do “ser” e do “não ser” não produzem um enunciado independente afirmativo e um enunciado independente negativo. Aristóteles deixa aqui como que latente que os enunciados 1) “é possível que p e 2) é possível que ~p” constituem de fato uma só proposição e de natureza afirmativa. Na verdade, rigorosamente falando, não há disjunção em 21b 19-24, mas conjunção, conquanto que se precise que as ocorrências do negar e do afirmar, ou da negação e da afirmação, no caso, apresentam nuances ou acepções distintas. No primeiro enunciado, trata-se de uma negação, mas no interior da oração (sujeito da modalidade); no segundo, da negação da proposição, negação que deve incidir sobre a modalidade, daí por que o próprio Estagirita, em meio a essas hesitações ou a esses percalços conceituais, concluirá peremptório no que é forte sinalização para a solução definitiva do problema: 21b 20-25 - “Será, dessa maneira, a negação de e possível ser’ ‘não é possível ser”’. Por negação aqui Aristóteles quer dizer a proposição negativa diante da proposição afirmativa e mais: a incompatibilidade entre essas duas proposições, de tal sorte que se

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uma delas pode ser, a outra não pode ser. Enfim, aquilo que será no futuro expresso como a subordinação ao império irrefragável do princípio da não contradição. O “é possível ser”, o estado de potência ou essa situação ontológica, se se preferir, encerra “o que pode ser cortado” e “o que não pode ser cortado”, de tal sorte que te­mos a unidade sob a batuta de um mesmo modo ou modalidade. Aristóteles, é verdade, não chega a dar esse passo com a clareza que o tratamento da linguagem lógica sempre exige, mas no seu texto estão dados todos os elementos para tal solução. Ele avançou mais nessa direção nos exercícios que conduz no dificílimo Capítulo IX (vide comentários a esse capítulo) do Da Interpretação. Ali, em face da necessidade, do modo “necessário”, ele dirá: 19a 25-31 - “Digo, por exemplo, necessariamente, acontecerá uma batalha naval amanhã ou não acontecerá; em verdade, nem acontecerá necessariamente a batalha naval amanhã, nem necessariamente não acontecerá”. Ele percebeu aí que os enunciados-braço da proposição regida pelo modo da necessidade não podem ser separados, e pela mesma razão, ainda que ele não o diga nesse Capítulo XII com todas as letras que a situação estava a exigir - se “a roupa pode ser cortada e pode não ser cortada” - esses enunciados contraditórios, ou enunciados-braço, como dizia agora, cuja existência se dá no interior da modalidade do “possível”, também não podem ser separados.

E esse fato que não percebeu Lukasiewicz,100 e tal fato torna a representação do lógico polonês da lógica modal das proposições em Aristóteles equivocada, além de conduzi-lo a falsos paralogismos. O equívoco é de fundamento, pois aquilo que em aparência são duas proposições não passa de dois enunciados-braço, os quais não podem ter vida simplesmente individual, estando ambos vinculados à batuta de uma mesma modalidade.

100. O descaminho de Lukasiewicz se deve basicamente ao fato de ele desconsiderar uma equivalência fundamental que subjaz à lógica das modalidades no Estagirita: L (p ou ~p) equivale a M (p e ~p). Evidentemente, essa equivalência é válida para os chamados futuros contingentes. (Vide Capítulo VI de La syllogistique d ’Aristote.)

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Mutatis mutandis, o que se aplica ao “é possível ser” se aplica ao “é admissível ser”. Esse é o simétrico (antistrófico) do “é possível ser”. A propósito, vide 22a 15 (início do Capítulo XIII). Aristóteles assume que essa modalidade tem o mesmo comportamento da pos­sibilidade. Trata-se de uma equivalência que organiza conceitos dife­rentes. Aristóteles supõe que uma coisa é a organização do mundo, a sua estrutura e suas relações internas; a outra, a organização da linguagem que explicita o mundo, que produz a imagem desse. Ele parece acreditar, se a hipótese aqui é a correta, que entre esses dois conceitos modais - possibilidade e admissibilidade - em que um deles é categoria do mundo, a possibilidade, e o outro é uma catego­ria mental, a admissibilidade, existe uma correlação forte, e, quando a segunda categoria é corretamente exercitada, pode-se falar na equivalência entre as duas. Enfim, a possibilidade exprime o possível real, que é inerente à coisa; a admissibilidade, o possível na leitura do homem, a partir do uso de suas categorias internas.

E, se as coisas se passam conforme se dizia no parágrafo ante­rior, a negação, tendo sido posicionada entre as paredes da modali­dade que o “é admissível” expressa, também não pode produzir dis­tinções preposicionais, mas apenas produz com a afirmação irmã uma mesma proposição onde o modo organiza em uma mesma tota­lidade indivisível os dois enunciados-braço.

Aristóteles está convencido, nesse momento (22a 3), de que se tem aqui uma lógica geral da negação para as modalidades: possível, admissível, impossível e necessário. Todavia, há aqui um equívoco que nos parece detectável, se se examinam as nuanças de comportamento de modalidades como o impossível e o necessário:

1) “É necessário que p”;2) “É necessário que ~p”.

Nesse caso, as duas ocorrências - (1) e (2) - constituem propo­sições distintas e incompatíveis, diferentemente dos enunciados-

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-braço: 3) “é possível que p ” e 4) “é possível que ~p”. Sendo que estes dois últimos enunciados apenas explicitam, de fato, uma única proposição, e somente uma:

“É possível que p e que ~p" Por outro lado, “não é necessário que p ” parece traduzir bem “é possível que p ” e, portanto, deve ter como enunciado complementar “é possível que ~p”. Disso se chega a que “não é necessário ser p ” é o mesmo que “é possível ser p e ser ~p”. Em relação ao impossível, poder-se-ia identificar comportamento similar ao da necessidade. Desse modo, “é impossível ser p ” poderia ser transcrito na modalidade da necessidade como sendo “é neces­sário ser ~p”. Por sua vez, a negação do “impossível” é o que “não é impossível”, a qual poderia ser transcrita como: “é possível que p e que ~p”.

A negação proposicional e a relação entre as modalidades

Aqui se poderia dizer sucintamente sobre tais modalidades, assumindo como negação forte a incompatibilidade de coexistência dos modos, as seguintes variantes:

1) O im possível ser p não é o possível ser p e não ser p;

2) O im possível ser ~p não é o possível ser p e não ser não p\

3) O im possível ser p não é o necessário ser p;

4) O possível ser p e ~p não é o necessário ser p;

5) O possível ser p e ~p não é o necessário não ser p.

Tomando como ponto de partida o “necessário”, poder-se-iadizer:

1) O necessário ser p não é o necessário não ser p;

2) O necessário ser p não é o im possível ser p;

3) O necessário ser p não é o é possível ser p e ~p;

4) O necessário não ser p não é o possível ser p e ~p.

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Um bom exercício analítico seria detalhar com precisão os sen­tidos que se podem emprestar à partícula negativa (não), quando ela se cola ao modo da necessidade frente a cada um dos outros modos. Há aqui duas vertentes. Na primeira, considera-se o não necessário ser p como equivalente ao impossível ser p. Na outra, considera-se o não necessário ser p como equivalente ao é possível ser p e ~p.

As nuanças do movimento do coro

Se se admitir para o “é admissível” o mesmo comporta­mento do “é possível”, hipótese que o próprio Aristóteles coloca em 22a 15-16,101 início do próximo capítulo, a relação da modalidade “admissível” com as demais modalidades, isto é, o “impossível” e o “necessário” é a mesma que essas estabelecem com o “é possível”. Na passagem do próximo capítulo agora referida, Aristóteles usa o adje­tivo “antistrófico” para se referir à modalidade do “admissível” por referência à modalidade do “possível”. Esse termo - òamcrcpo(|>oç - aparecerá para definir a retórica em face da dialética na Retórica. Ele é herdado da tradição musical e teatral grega, em que o coro canta a “estrofe” e retorna para cantar a antístrofe, que é a parte correspon­dente à estrofe, respondendo simetricamente à estrofe, para se usar o vocábulo - simétrico - da química. O coro devolve, desse modo, com o seu canto a matéria que diz respeito à estrofe.102 O termo quer, assim, sugerir que o possível e o admissível estão no mesmo plano, na mesma posição hierárquica, sendo correlativos, mas que o segundo responde ao que o primeiro termo colocara. Disso, a hipó­tese que aqui levanto de, embora se vincularem à mesma posição hierárquica (por estarem no mesmo plano), um dos termos, o estró- fico, o possível, vem primeiramente, isto é, dá conta da possibilidade enquanto instância inscrita no real; já o outro termo, o antistrófico,

101. “[...] de ‘é possível isso ser’ segue, com efeito, e admissível isso ser’ (e esta [proposição] é simétrica daquela)

102. Bailly, 2000, p. 187.

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Aristóteles

o simétrico, o que segue o primeiro, dá conta da possibilidade como inscrita na subjetividade, isto é, aquilo que nos parece ser possível, o reflexo da possibilidade em nós. Trata-se, enfim, da distinção entre o que é de fato possível (pois a possibilidade não é senão uma catego­ria da realidade) e o que admitimos (ενδεχόμενον) como possível, o que assumimos como possível e que, enquanto o assumimos, não é categoria da realidade. Enfim, esses termos se referem a matérias simétricas, postas em mesmo plano, mas distribuídas entre as duas ordens, a da realidade e a do pensamento.103 Essa compreensão do admissível parece-me a que se encaixa melhor ao texto nesse momento. Considero equivocado tentar atribuir para as ocorrên­cias desse termo no Da Interpretação significados que se articulam a ocorrências em obras que são posteriores ao tratado aqui exami­nado.104 Pela sua própria concepção, os termos no Da Interpretação devem ser compreendidos em seu próprio contexto. E esse coloca no Da Interpretação, expressamente, em um mesmo plano o admissí­vel e o possível. A lógica de Aristóteles não pode ser vista como um disco onde todos os conceitos foram inscritos simultaneamente e em que os livros apenas transcrevem uma matéria que já nasceu pronta, mas precisa de várias obras para ser apresentada.

103. Althusser (1999, p.34), em sua explicação do nascimento da Filosofia, colocará essa disci­plina entre dois fogos cuja conjunção é seminal: a realidade social (a existência de classes sociais) e o pensamento conformado em uma ciência, como a matemática dos gregos. De um lado, determinado fato social, e, de outro, determinado discurso e prática racional. Aristóteles, em suas Categorias (2005), não faz senão responder à questão: como é pos­sível uma ordem de linguagem que possa descrever a ordem das coisas de um ponto de vista lógico e racional? A chave desse enigma é a sua tábua de categorias e a possibili­dade da proposição sobre o real que ela encerra (Categorias, 2005: nossos comentários introdutórios nos capítulos I, II e III) contra Platão, para quem a ordem das coisas seria inacessível. A esse propósito, a originalidade de Kant se traduz em sua fundação da ter­ceira via: coisa em si, fenômeno e pensamento, com o último tendo a possibilidade de alcançar, de alguma forma, o penúltimo e nada mais.

104. Lukasiewicz (1972, p. 163), embora tente preservar a especificidade da ocorrência do ad­missível no Da Interpretação, chega à conclusão de que o sentido do possível (δυνατόν) e do admissível (ένδεχόμενον) é o mesmo nessa obra. Trata-se de um raciocínio no mí­nimo paralógico, afinal como pode se admitir que um alfabeto (e um alfabeto criado por Aristóteles!) em sua primeira apresentação apresente letras com idêntico valor?

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D a Interpretação

Na sequência do capítulo, Aristóteles insiste na negação geral das modalidades como externa a essas e se centra no caso da “necessidade”:

“E de maneira semelhante, a negação de e necessário isso ser não é e necessário isso não ser’, mas não é necessário isso ser’.” Como aqui já se tinha notado, há uma nuança nessa modalidade que não se encontra na modalidade do possível. Se “é necessário isso ser” e “não é necessário isso ser” não podem coexistir, pois tais enunciados se excluem mutuamente, também não podem coexistir “é necessário isso ser” e “é necessário isso não ser”. Acresce que se o par de contraditórias, formado pelos últimos enunciados, ocorre, de fato, ele é um par de enunciados contraditórios no interior das paredes de uma mesma modalidade. Esse não é o caso da negação geral aplicada ao “necessário” por Aristóteles, pois o “não é necessário isso ser” é na verdade a modalidade do possível escrita no modo da necessidade, não dizendo senão que “é possível isso ser e não ser”. Evidentemente, como dizia na seção intitulada “A negação proposicional e a relação entre as modalidades”, há margem, para, dentro do horizonte de Aristóteles, pensar variações de sentido do não que se cola ao ne­cessário. Mutatis mutandis, vale aplicar aqui as mesmas conclusões no que toca ao “é impossível ser”. Aristóteles, todavia, nessas passagens, insiste mais na negação do modo, na tentativa de captar uma lógica universal das modalidades, não se detendo na especificidade do uso interno da partícula negativa, isto é, na especificidade do uso da partícula negativa no interior das paredes das modalidades do “é necessário” e do “é impossível”, cujas consequências, até onde se pode notar, não são nada desprezíveis. Com efeito, no interior destes dois últimos modos a negação interna ao modo e a afirmação constituem proposições distintas e incompatíveis. Uma alternativa há, porém, de construir uma proposição organizada por enunciados-braço, mas esse caminho que guarda muitas possibilidades, foi apenas mencionado pelo Estagirita en passant em suas digressões no Capítulo IX, e, exatamente, ao tratar da abertura do futuro e de sua transcrição

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Aristóteles

em linguagem da necessidade. Ele mostra aí, em passagem meio camuflada no interior do argumento, que a necessidade, ao menos ela, pode expressar a mesma matéria da possibilidade, se se conecta o functor da modalidade “é necessário” ao conectivo “ou”, de tal sorte que temos a seguinte equivalência:

M (p e ~p) equivalente a L (p ou ~p),105 onde a distribuição emMp e M~p e Lp e L~p não é admitida.

O final do Capítulo XII confirma o projeto do Estagirita de encontrar uma lógica da formação das proposições modais e usar a gramática para definir os termos da lógica, de tal modo que os sujeitos (TÒcmoKEipeva) - o “isso ser” e o “isso não ser” - deverão se articular às expressões “é possível e não é possível” (ou “é necessário e não é necessário”) para produzir afirmação e negação. A lista de oposições que encerra esse capítulo (posto que deixe escapar as nuanças na contradição de um modo como a necessidade, onde “o necessário ser isso” e “o necessário não ser isso” expressam proposições incompatíveis) alcança o propósito maior de Aristóteles, o qual não é senão encontrar um comportamento geral das modalidades (como a oposição representada pela negação do modo e pela afirmação do modo) que lhe permita enfeixá-las em um mesmo grupo como categorias modais da lógica. Não fosse esse comportamento geral não faria talvez sentido falar em modalidades.

A listagem na sua última oposição apresentada traz-nos uma surpresa que merece reflexão: as expressões “é verdadeiro’ e “não é verdadeiro” fecham o Capítulo XII, pondo ponto final à lista das oposições modais. Deveríamos, portanto, também considerar a verdade como uma modalidade? Ou se trata de uma mera agregação episódica ao trecho analisado?

105. “Digo, por exemplo, que, necessariamente, acontecerá uma batalha naval amanhã ou não acontecerá; em verdade, nem acontecerá necessariamente a batalha naval amanhã, nem necessariamente não acontecerá” (19a 29-33).

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Da Interpretação

O Capítulo X III

Já se disse que o Capítulo IX é um dos mais difíceis da filosofia de Aristóteles e mesmo da Filosofia em geral, e parece ser o grau de dificuldade em compreendê-lo diretamente proporcional à capacidade seminal de seu texto. O Capítulo XIII, pode-se dizer, não é menos pesado que o IX e sua análise pode ser bastante fecunda. Comecemos por notar que o par potência e ato, que já fizera sua estreia no Capítulo IX, aparece com os contornos mais definidos no último parágrafo do Capítulo XIII.

É evidente a respeito das coisas já ditas, que o que necessariam ente

é é em ato, por conseguinte se as coisas eternas são anteriores, o ato é

anterior à potência. U m as coisas são em ato sem potência, por exem ­

plo, as substâncias prim eiras; outras com potência, as quais são ante­

riores pela natureza e posteriores pelo tem po; há ainda aquelas que

jam ais são em ato, m as são apenas potências. (23a 2 0 -2 5 )

Poderá parecer ao leitor estranho que se inicie o comentário a esse capítulo desde o seu último parágrafo, mas essa é, ao ver deste comentarista, a via que nos poupa de muitas discussões, posto que essas não sejam inúteis. Pelo tema, a aparição do par potência e ato é mais do que justificável como desdobramento da discussão do modo do possível. Essa aparição vai ser muito importante como resposta às necessidades de fundamentação da substância, a qual recebe o seu perfil acabado nos livros da Metafísica.

Esse último parágrafo pode ser visto também como gancho entre a teoria categorial, exposta no tratado Categorias, e na Meta­física, de um lado, e o Da Interpretação, de outro. A referência às substâncias primeiras supõe, evidentemente, o tratado Categorias. A questão que remanesce, porém, é se se trata de texto redigido na sequência do tratado das Categorias, ou se se trata de interpolação posterior. A referência às coisas eternas e à natureza da substância parece guardar relação com a passagem 1069a 30-1069b 2:

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Aristóteles

São três as substâncias. U m a é sensível, que é, p or um lado, eterna, por

outro corruptível. Esta é adm itida por todos, por exem plo as plantas

e os anim ais. A segunda é a eterna, sobre os elem entos dela deve-se

inquirir-se é um ou se são vários. A terceira é im óvel, e dela dizem

alguns que é separável; e uns a dividem em duas, ainda que outros

as ponham em um a m esm a natureza: a espécie e as coisas m atem á­

ticas. As prim eiras p ertencem ao dom ínio da Física (pois im portam

m ovim ento); m as a terceira corresponde a outra ciência, se não há

nenhum princípio com um a todas elas.

Ούσίοα δέ τρεις, μία μέν αισθητή - ής ή μέν άΐδιος ή δέ φθαρτή, ήν πάντες, όμολογοΰσιν, οΐον τά φυτά καί τά ζωα[ή δ’ άΐδιος] - ής άνάγκη τά στοιχεία λαβεΐν, είτε εν είτε πολλά άλλη δέ άκινητός, καί ταύτην φασί τινες είναι χωριστήν, οί μέν εις δύο διαιροΰντες, οί δέ εις μίαν φύσιν τιθέντες τά εί δη και τά μαθηματικά, οί δέ τά μαθηματικά μόνον τούτων, έκεΐναι μέν δη φυσικής [μετά κινήσεως γάρ], αύτη δέ έτέρας, εί μηδεμία αύτοΐς άρχή κοινή.

Para além desses aspectos, o último parágrafo do Capítulo XIII é muito importante ao afirmar que há coisas, estados ou o que lhes possa equivaler que jamais são em ato, mas apenas permanecem na condição de potência, isto é, há possíveis que jamais se realizarão, que jamais passarão à condição de ato. Todavia, Hintika sustentará que, na Metafísica, Aristóteles defenderá o princípio da plenitude, isto é, a assumpção de que toda possibilidade é realizada em algum momento futuro.106

No penúltimo parágrafo, Aristóteles chama a atenção para o necessário e o não necessário como princípios de todas as coisas. O necessário como definição positiva vem naturalmente antes, pois, a partir dele, chega-se ao não necessário. O próprio Aristóteles nos

106. Hintika, 1973, p.199, observará que na Metafísica, livro VIII, 4, Aristóteles defenderá o princípio da plenitude, segundo o qual se assume que todo o possível se realizará mais cedo ou mais tarde. Parece-me, todavia, que essa posição de nenhum modo fica explícita na leitura do livro VIII, onde Aristóteles se mantém cauteloso a respeito da questão: “Há uma dificuldade [em saber] como a matéria de cada coisa se relaciona com os contrários” (1045a 30).

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D a Interpretação

lembra que é preciso observar como o restante das coisas deles se segue. Essa observação deve posicionar essa modalidade - a necessi­dade - anterior, portanto, à possibilidade, a qual tem suas várias apa­rições e metamorfoses, e o trecho, ainda próximo do final do Capítulo XIII, nos esclarece, que o possível não se diz de maneira absoluta, remetendo-nos para as várias aparições desse modo e dizendo que ele não se confunde com a necessidade, sem mais, essa, sim, podendo fazer suas aparições absolutas. Aliás, esse trecho - “[...] o é possível não se diz de maneira absoluta” - é traduzido por Ackrill por “For the capable is spoken in more than one way”, que longe de ser uma tra­dução literal, é mais uma livre explicação que apresenta o trecho ime­diatamente na sequência. De toda forma, é uma maneira de assumir as diferentes nuanças que o possível expressa em Aristóteles. E vale regis­trar que Aristóteles usa aqui um de seus procedimentos que se tor­narão usuais na Metafísica: a distinção dos significados do conceito.

Uma das importantes assumpções é a de que o presente envolve o possível e o necessário. Afinal, se alguma coisa é, então ela é necessária. O presente, ao ser agora, supõe também o possível “[...] é possível ser aquele que já é em ato”. A concepção de possibilidade normalmente atribuída a Diodoro Cronos aparece aqui sob contornos muito especiais. A ideia de que o possível é o que é verdadeiro ou que em algum momento será, aparece aqui exatamente como o que é agora verdadeiro e que, por isso mesmo, é possível. O que caminha, se caminha agora, necessariamente caminha e, portanto, é possível ele agora caminhar. Excetuada essa hipótese, boa parte dos paralogismos a que se chega nesse Capítulo XIII se deve exatamente à separação dos braços proposicionais a que nos referíamos no Capítulo IX. Por sua vez, a articulação desses braços proposicionais parece, no entanto, bem clara no trecho que ora aqui se transcreve:

Porém , nem a proposição “é necessário isso ser” nem a proposição

“é necessário isso não ser” seguem de “é possível isso ser”. A essa

proposição am bas aquelas duas se adm ite sucederem , mas, se

qualquer um a das duas fosse verdadeira, a outra não poderia mais

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Aristóteles

ser verdadeira. Sim ultaneam ente, com efeito, é possível isso ser e não

ser. E se é necessário isso ser ou não ser, não é possível que am bas as

proposições sejam . (22a 15-22)

Enfim, em meio à nuvem argumentativa, esse texto aponta claramente para a unidade da proposição de enunciados-braço, a grande invenção do fatalista, em sua experiência verdadeiramente gnoseogônica, a despeito de todos os problemas apontados no famoso Capítulo IX do Da Interpretação. O absurdo, ao se tratar da abertura do futuro, sucede exatamente pelo tratamento preposicional daquilo que é, no máximo, apenas um dos enunciados-braço de uma proposição que tem dois enunciados-braço.

A abertura do capítulo coloca em mesma posição o “é admis­sível ser” e o “é possível ser” e essas estruturas proposicionais, segundo Aristóteles, seguem também de “não é impossível isso ser” e de “não é necessário isso ser”. Para além do fato de a abertura postular a equivalência do admissível com o possível, e mais do que isso (vide comentários ao capítulo anterior), ela os posiciona frente à frente de tal sorte que um deles é a expressão da possibilidade real e o outro, a expressão da possibilidade subjetiva. A equivalência, obsessão da lógica de Aristóteles, põe em relação de igualdade noções que são distintas, mas redutíveis no limite uma à outra. No quadro que oferece (22a 25-31), Aristóteles procura preservar o caráter mais geral da negação das modalidades e as fórmulas incompletas que apresenta, aquilo que chamávamos de enunciado-braço, produzem os paralogismos ao se substituírem proposições, essas, compostas de dois enunciados-braço. O quiproquó se estabelece na negação de um modo, por exemplo, como a necessidade. Ao se aplicar a “é necessário isso não ser” a negação, obtém-se, no quadro apresentado, “não é necessário isso não ser”. Sucede que o primeiro enunciado é uma proposição completa, enquanto o segundo não é senão um enunciado-braço de uma proposição que tem dois enunciados- -braço: “não é necessário isso não ser e isso ser”.

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Da Interpretação

Ackrill107 sustenta que, para tornar claro a tábua de con­traditórias do início do capítulo (22a 24-32), se deve recorrer à distinção dos sentidos presente nos Primeiros analíticos (25a 37-40, 32a 18-21). Aí o possível aparece ora como equivalente a não impossível e necessário, ora como equivalente a não impossível e não necessário. Essa é também a senda eleita de Lukasiewicz108 e de Whitaker.109

Enfrentemos essas duas variantes que foram certificadas pelos Primeiros analíticos e pelos comentadores contemporâneos agora citados.

Variantes: 1) possível como não impossível e necessário; 2) possível como a intercessão do não impossível e não necessário.

Examinemos, analiticamente, a primeira variante.Aqui temos os seguintes desdobramentos do não impossí­

vel: 1-a) possível e necessário (necessidade hipotética); 1-b) possí­vel e necessário (necessidade absoluta). O primeiro desdobramento deve ser clivado em possível e necessidade hipotética para o passado (1-a-I) e possível e necessidade hipotética para o presente (1-a-II). Se observarmos bem as teses explicitadas no Da Interpretação, vere­mos que Aristóteles apenas dá suporte à necessidade hipotética do presente como possível (23a 7-11): “Com efeito, o e possível’ não se diz de maneira absoluta, mas é verdadeiro o que é em ato, o qual se diz ser possível, e também o que seria em ato, por exemplo, é pos­sível caminhar aquele que caminharia”. Em nenhum momento, sus­tenta, no tratado em exame, o possível para a necessidade hipotética concernente ao passado. O que seria, se bem refletimos, no mínimo desconcertante. A descrição do passado apenas requer a necessidade hipotética e o impossível (o que é necessário ser e o que é impossí­vel não ser), não há razão para se recorrer aí a outra modalidade.

107. 1974, p. 151.

108. 1972, p.163.

1 0 9 . 2 0 0 2 , p. 1 6 2 .

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Aristóteles

Bastam aqui L e ~M, pois é necessário ser p (Lp) deve equivaler a é impossível ser ~p (~M~p).

Se se não admite a possibilidade para a necessidade hipotética concernente ao passado, tampouco se poderia admiti-la no que con­cerne à necessidade absoluta, pois essa encerra o que deve ser ver­dadeiro no passado, no presente e no futuro, isto é, absolutamente. A hipotenusa é a raiz quadrada da soma do quadrado dos catetos, ontem, hoje e amanhã. Assim, tanto para a necessidade hipotética do passado como para a absoluta só operam duas modalidades: a impossibilidade e a necessidade.

A conclusão é que um possível que expressa o não impossível plus o necessário, remete a três subconjuntos de necessidade, em verdade, a três subconjuntos imiscíveis. Dois deles - referentes ao passado e à necessidade absoluta - , Aristóteles implicitamente os descarta; o que resta - a necessidade hipotética do presente - nos lança em uma sorte de “possibilidade hipotética”, a qual nada agrega em termos conceituais. Portanto, a possibilidade como expressão apenas do que “não é impossível” e que pudesse, portanto, também enfeixar o necessário (1-a; 1-a I: 1-a II e 1-b) é uma variante (ou um conjunto de subvariantes) que leva a conceitos verdadeiramente imiscíveis, formando apenas artificialmente um conjunto que tudo reúne, mesmo o que, por sua natureza, não pode nem deve ser reunido. Desse modo, até sem se discutir, e essa discussão seria interessante, a pertinência da hipótese que considera como possível a necessidade hipotética referente ao que é, ao presente, o possível apenas como o não impossível mais o necessário é um conceito sem consistência de sentido. E o Da Interpretação escapou, parece-me, gloriosamente dessa armadilha, ao identificar tão somente a hipótese do presente como o que é, simultaneamente, possível e necessário.

Feitas essas observações, resta a questão a que especificamente Ackrill se propusera enfrentar: como ler o quadro de 22a 24-31? A meu ver, essa formulação deve ser lida simplesmente como projeção da moldura das modalidades e de suas respectivas negações. Os pro­

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D a Interpretação

blemas surgem precisamente quando a negação de uma modalidade importa a passagem de um enunciado simples para um enunciado de dois braços; ou de um enunciado que deveria ser de dois braços para um enunciado de apenas um braço. Para ilustrar: de “é impossível isso ser”(enunciado simples) para “não é impossível isso ser e isso não ser”.

Aristóteles é levado ao equívoco por não guardar a lição ma­gistral do Capítulo IX. Esse fato talvez tenha acontecido pela repre­sentação resumida das fórmulas modais e, provavelmente, revela que a redação de capítulos como ο XIII é bem posterior à do Capítulo IX, ou, se se preferir solução mais prudente, foram, no mínimo, compos­tos em tempos bem distintos, com razoável interregno entre a com­posição do Capítulo IX e os outros. Só esse expressivo interregno pode explicar o esquecimento das fórmulas obtidas no Capítulo IX. É claro, um seguidor de Maier sempre poderá dizer que o Capítulo IX é de fato o último (a esse propósito, vide comentários ao Capí­tulo XIV).

Outra questão que é digna de examinar nesse capítulo é a acepção do verbo “seguir” (άκολουθέω- ώ) e do substantivo que lhe corresponde “sequência” (άκολούθησις). O Estagirita procura fixar um sentido que previna a ambiguidade em sua linguagem lógica. Ao que parece “seguir” importa uma sequência lógica necessária: 22a 16-20 - “Por sua vez, de e possível isso não ser’ e de e admissível isso não ser’ [segue]110 tanto não é necessário isso não ser’ quanto não é impossível isso não ser’”.

Todavia, o verbo συμβαίνω [ocorrer, suceder] realiza o sen­tido de sucessão na linha temporal (22b 25-20):

Porém , nem a proposição “é necessário isso ser” nem a proposição

“é necessário isso não ser” seguem de “é possível isso ser”. A essa

proposição am bas aquelas duas se adm ite sucederem, m as se

110. Em verdade, Aristóteles usou o substantivo “inferência” ou “sequência, no sentido lógi­co” (ctKoXou&ficriç) no início do parágrafo, de tal modo que ele se encontra elíptico no trecho citado.

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Aristóteles

qualquer um a das duas fosse verdadeira, a outra não poderia mais

ser verdadeira.

Os paradoxos a que se chega em 22a 10-17, pelo menos em relação ao tempo futuro, são todos tributários do abandono da solução do Capítulo IX, onde “é necessário isso ser ou não ser” se chega a “é possível isso ser e não ser”. O amputamento da fórmula de dois braços leva inexoravelmente aos paradoxos descritos no trecho agora examinado. Por outro lado, considerar como possível o presente necessário, de tal sorte que tenhamos “é necessário isso ser”, “é impossível isso não ser” e “é possível isso ser”, solução que Aristóteles sustenta em 23a 5-16, esvazia a fórmula “é possível isso ser”, e ela não passa aqui de um sinônimo do “é necessário isso ser” que nada agrega à descrição do fato. Aristóteles assume, a essa altura, a fórmula “é possível isso ser”, por uma razão lógica, pois cairia (22a 1-17), segundo ele, no “é impossível isso ser”, se não acolhesse o contrário desse. Todavia, ele bem poderia evitar o paradoxo, no caso do tempo presente, também escapando a um e a outro, assumindo apenas como suficientes logicamente aqui o “é necessário isso ser” e “é impossível isso não ser”, banindo simultaneamente o “é possível isso ser” e o “é impossível isso ser”.

O Capítulo X IV

O último capítulo explora a contrariedade das proposições e sua relação com o que se produziu na alma, com o ato de julgar. Trata-se de precisar a matéria da contrariedade das proposições. Nesse Capítulo XIV, indaga-se de forma provocativa:

Q uais das duas são contrárias? A afirm ação à negação? A afirm ação

à afirm ação? A proposição “tod o hom em é ju sto” será contrária à

proposição “nenhum hom em é justo”, ou à proposição “todo h om em é

injusto”? Por exemplo, “Cálias é justo” // “Cálias não é justo” // “Cálias

é in justo” - quais dessas duas proposições são contrárias? Se, com

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D a Interpretação

efeito, os sons falados seguem o que está na m ente, e nessa é contrário

o ju ízo que tem algum a coisa de contrário, por exemplo, “todo hom em

é ju sto” é con trário a “todo hom em é in justo”, tam bém nas afirm a­

ções com sons falados deve acontecer o m esm o. Porém , se ali [isto é,

lá na m ente] não é contrário o ju ízo que tem algum a coisa de con trá­

rio, não será con trária a afirm ação à afirm ação, m as será a negação

já dita. Por conseguinte, é necessário exam inar qual ju ízo verda­

deiro é con trário ao ju ízo falso, qual dos dois seguintes: o ju ízo da

negação ou o ju ízo que sustenta ser o contrário . Eu quero dizer o

que se segue. É verdadeiro um ju ízo que diz do bom que é b o m ; um

outro, falso, diz que não é bom ; e há, d istinto dos anteriores, o ju ízo

que diz ser o que é bom mau. Q ual desses é contrário ao verdadeiro?

E se um deles existe, em relação a qual dos outros dois é contrário?

Enfim, destaca-se a relação umbilical entre o pensamento e as formas proposicionais. A proposição revela pensamentos, e pensamentos contrários parecem às vezes escapar do par “afirmação e negação”, ainda que esse par seja tão importante para expressar a contraditoriedade, como se mostrou no Capítulo VII. O importante é que as proposições podem expressar pensamentos contrários, e é a matéria do pensamento (enquanto juízos) que é decisiva aqui. Duas afirmações podem ser contrárias, se expressam juízos contrários. A palavra δόξα traduz-se por “juízo”. Ela expressa o resultado do pensamento em determinada direção, a opinião, portanto ele ressalta a natureza provisória da intervenção humana e a própria intervenção humana com atividade criadora de juízos na mente.

Se, com efeito, os sons falados seguem o que está na m ente, e nessa é

contrário o ju ízo que tem alguma coisa de contrário, por exemplo, “to­

do hom em é justo” é contrário a “todo hom em é injusto”, tam bém nas

afirm ações com os sons falados deve acontecer o m esm o. (23a 30-35)

Esses elementos já estão presentes na abertura do tratado. A afirmação e a negação garantem sempre alguma contrariedade (23a 35-40). A relação dessa oposição fundamental com a verdade e

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Aristóteles

a falsidade aparece nesse capítulo de modo frouxo, se se considera o já posto anteriormente no Capítulo VII.

Esse último capítulo não responde a nenhuma exigência do desenvolvimento de temas do livro. As hipóteses de notas de aulas assentadas por um aluno, ou mesmo de um capítulo escrito, aristotelicamente, por Teofrasto avultam aqui. Afinal, um tratado, até para guardar sua necessária coerência não precisaria retomar, dessa forma, temas anteriormente postos (capítulos I e VII, sobretudo). A propósito do estilo, sente-se mesmo a perda da árida e eficaz condensação da escrita do Estagirita no desenvolvimento desse último capítulo. E isso se dá em favor da preleção mais suave para o auditório.

Ackrill111 percebe, ao seu modo, que o Capítulo XIV não faz parte do Da Interpretação. Ele elege, assim, a terceira-via: “There is no reason to doubt the aristotelian authorship of this chapter, but it seems unlikely that it was originarlly written as part of De Interpretatione.”

O comentador inglês conclui que o capítulo não pertence com certeza ao Da Interpretação, mesmo concedendo que o seu autor seria o Estagirita. Com isso, ele não faz senão reproduzir com menos detalhes a tese de Maier.112 Esse, com efeito, sustentou que o Capítulo XIV seria anterior ao tronco fundamental do Da Interpretação, e o Capítulo IX, posterior. Ackrill observa ainda que a contrariedade entre a afirmação e a negação presente neste Capítulo XIV derrogaria a distinção entre contrariedade e contraditoriedade, posta no Capítulo VII. Ora, vale aqui salientar que o Capítulo VII é bem técnico na definição da contrariedade e as suas hipóteses são a de uma proposição universal com uma particular (“todo homem é branco” // “algum homem não é branco”), ou a de duas proposições singulares, como “Sócrates é

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D a Interpretação

branco“ e “Sócrates não é branco”. A simples ausência do critério aqui me parece mais um indício de que a atribuição do Capítulo XIV a Aristóteles não se sustenta. A contraditoriedade é um elemento universal para a determinação do falso e do verdadeiro aos membros do par de proposições, coisa que já está praticamente definida, ainda que não nomeada, nas Categorias (vide 13b 12-35). Esse trecho das Categorias se fecha com a seguinte frase: “Por conseguinte, o sempre ser um ou outro dos discursos verdadeiro ou falso seria próprio somente dos quantos que se opõem como afirmação e negação” Desse modo, nada justificaria o tropeço, ou o esquecimento de uma regra técnica essencial da parte de Aristóteles nesse Capítulo XIV, sobretudo se se considera a memória extraordinária dos gregos homéricos ou clássicos. Essa regra (LPC), (vide Capítulo VII), diga-se, é essencial na construção da lógica aristótelica e mesmo fundante na construção do Da Interpretação.

Entre os nossos contemporâneos, Whitaker,113 por sua vez, anota que esse Capítulo XIV traz um novo tratamento do par con­traditório, mas não vê inconsistência entre esse novo tratamento e o desenvolvimento precedente do livro.

A definição da contrariedade no Capítulo XIV, no que pode ser visto como uma novidade nesse “Capítulo”, inclui a contradito­riedade, ainda que reserve a essa a posição extrema ou dos extremos contrários. Do ponto de vista operacional, porém, nada se ganha com essa inclusão. Mesmo que se possa ontologicamente situar a contraditoriedade entre os contrários, os seus efeitos são tão fortes e tão técnicos, que se poderia dizer que sua inclusão nesse grupo mais confunde que esclarece. O tratamento do par contraditório como uma oposição lógica essencial é, sem dúvida, a espinha do tratado Da Interpretação.

Tecnicamente, parece-me que o interesse desse capítulo reside na dedução da possibilidade lógica do engano ou erro, a partir da

113. 2002, p. 171 e seguintes (Capítulo XIV: Contrary Beliefs).

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A ristóteles

relação entre o juízo, proposição e valor de verdade. O conceito de juízo (δόξα) é que permite o erro. Quando se consideram só as proposições, onde essas são falsas ou verdadeiras, a ideia de engano ou erro parece não fazer sentido. O erro aparece quando se atribui a uma proposição um valor de verdade que não corresponde à situação ontológica que se lhe vincula, ou, dito de outro modo, quando se atribui a uma situação ontológica uma proposição que não lhe corresponde. O erro ou o engano são, portanto, vinculados ao juízo, a um estado da mente e ao ato que essa veicula:

Portanto, dizer não ser b o m o que é b o m é ju ízo falso a propósito

do que subsiste p or si m esm o [no que é b om ]. P or outro lado, o

ju ízo que diz do que é b o m ser m au é ju ízo falso a propósito do

que subsiste por acidente [no que é b o m ], de m odo que m ais seria

falso o ju ízo com a negação do que é bom do que o ju ízo com o seu

contrário . (23a 15-20)

O ato da mente que vincula determinada proposição a uma situação ontológica, ou, simplesmente, que lhe atribui um determinado valor de verdade, é o juízo. Assim, por sua própria natureza, o juízo encerra a possibilidade do engano. A esse propósito, vale ler o trecho seguinte (23b 30-32): Ό que crê que o homem não é homem se engana.” Para descrever, analiticamente, esse trecho, poderíamos escrever:

1) Proposição: “o homem não é homem” (falsa).2) Juízo (opinião): “eu creio que o homem não é homem”.

O reconhecimento (eu creio, o ato da mente etc.) de uma proposição falsa como verdadeira consiste, precisamente, no engano. Esse reco­nhecimento é juízo e não, simplesmente, proposição.

Sem dúvida, a relação dos contrários ou do par contraditório com a produção de juízos é aqui de maior interesse. Por outro lado, tal como opomos proposições, podemos também opor juízos. E se o modelo de linguagem lógica de Aristóteles é essencialmente um modelo da linguagem comum, a utilidade desses artifícios lógicos

Page 188: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

está mais que justificada. Essa é a lição do “Capítulo XIV” (aspas). Aliás, basta ler o seu último parágrafo para perceber o valor que a tradição aristotélica, ab ovo ou quase, emprestara à diferença entre juízo e proposição.114

D a Interpretação

114. Pode parecer mera coincidência, mas vale observar que o famoso texto de Frege, “Über Sinn und Bedeutung”, precisamente seu último parágrafo, é encerrado com distinção semelhante, aqui entre pensamento e juízo. O juízo é definido como a passagem do pen­samento para o seu valor de verdade “[...] wir, [...] unter ‘Urteil’, verstehen den Fortschritt von Gedanken zu dessen Warhreitswerte [...]” (Frege, 2008, p.46). Enfim, quando eu pretendo que meu pensamento seja verdadeiro ou falso, eu o transformo em um juízo. Não será demais supor que Gottlob Frege escreveu o seu “Über Sinn und Bedeutung” com um olho em seu próprio texto e o outro no Da Interpretação.

i 8 i

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índice onomástico

AA belardo, 66 A bel Pena, 50A ckrill, 51, 54-6 , 59, 61 , 67 , 77, 79,

97, 171, 173-4 , 178 A lberto, o Grande, 66 A lcebíades, 85, 90, 98 A lexandre de A frodísias, 73 A lexandre M agno, 65 A l-Farrabi, 53 Algazel, 66 A lthusser, 166 A m m ônio , 65, 132, 143 A nd rônico de Rodes, 73 A nscom be, 69, 100 A ntístenes, 53-4 , 70 A ristóteles, 50 -63 , 6 5 -6 ,6 8 -9 5 , 97-

1 0 9 ,1 1 1 -2 4 , 126-7 , 130-43 , 145-56 , 158-63 , 165-76, 179-80

A rruda, 102Averróis, 53, 57, 59 -6 0 , 66 Avicena, 60, 66, 76

B

Bailly, 165 B arnes, 71, 89

Baylis, 71 Bekker, 67 Benm akhlou f, 53 Benveniste, 81, 83 -4 , 86 Biese, 68 Bochen sk i, 75 B oecio , 50, 6 5 -6 , 132 Brehier, 135

cCalias, 1 1 ,4 3 ,5 1 , 103, 155, 176Carneades, 135C icero, 135C olli, 67C ooke, 55, 67C ratilo , 5 0 -1 ,8 2Crisipo, 72, 111Crivelli, 80, 93

D

D iebler, 53 D iodore, 72D iodoro, 130, 138-9 , 171 D ionisio , o Tracio, 50

E

Epicure, 5 0 ,7 1 ,8 2 , 92 , 111, 121, 135-6 , 140, 157

Page 195: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

Aristóteles

Estagirita, 51, 54, 5 8 ,6 5 , 68, 7 3 -4 , 78, 80 , 82, 8 7 -8 , 1 0 4 ,1 1 2 , 114, 116, 1 2 3 -4 ,1 2 6 ,1 3 8 -9 , 146, 1 5 1 ,1 5 6 ,1 5 8 ,1 6 1 -2 , 167-8 , 175, 178

Eugen Rolfes, 6 7 -8

F

Frege, 7 8 -9 , 100, 1 4 2 ,1 5 6 -7 , 181

G

G assendi, 73 G olhke, 72 Graeser, 74

H

Hegel, 54, 57, 122, 130 H eráclito, 106, 117 H erm arco, 135 H erm ógenes, 82 H eródoto, 50, 83 H intika, 130, 138, 170 H om ero, 33 , 59, 156

I

Im ru’u T Q a u s, 59 Isaac, 60 , 6 5 -6 , 74

JJaeger, 114João de Salisbury, 60

K

Kant, 78, 118-9 , 129, 166 K arpenko, 1 2 7 ,1 3 2 -3 K neale, 5 1 ,8 7 , 134

L

Le Blond, 126-7

Lukasiew icz, 61, 7 2 -3 , 75, 1 2 7 ,1 3 3 , 159, 1 6 2 ,1 6 6 , 173

M

M adkour, 76

M aier, 74, 80, 175, 178

M anuel A lexandre Junior, 50M ário V itorino, 66

M arx, 130

M ignu cci, 52

M inio-Paluello , 51 , 54, 64 , 67 M oerbeke, 50, 51, 54, 6 6 -7

N

N icôm aco, 59, 81 , 126

oO fatalista, 125-32 , 172

P

Pacius, 5 0 -1 , 54, 56, 59, 61 , 63, 67 Parm ênides, 70, 103, 106 Paul G ohlke, 72 Paulo A lberto , 50

Pavlov, 100, 128 Peirce, 56

Platão, 51, 54, 58, 82, 92, 95, 97-8 ,

103, 106, 114-5 , 121, 139, 153, 166

Prior, 133

Protágoras, 97 P. Thillet, 76

tgo

Page 196: Da 1Interpretação Aristóteles Grego Português

D a Interpretação

QQ uine, 64 , 76, 80, 94, 98 , 112

sSão Jeronim o, 66 São Pedro D am ião, 66 Sócrates, 13, 27, 31, 51, 5 3 -4 , 56-7 ,

60 , 69 , 7 2 -3 , 78 , 80 , 86, 90, 9 5 -8 ,1 0 1 , 103-6 , 116-7 , 121, 127, 136-7 , 1 4 7 -9 ,1 5 2 -4 , 159, 178-9

Steinacker, 101

T

Theod orico , 6 5 -6 Theofrasto, 64, 7 3 -4 , 79, 143, 178 Tom ás de A quino, 66 T rico t, 5 4 -6 , 58, 62, 67 , 9 6 -7

V

Vasiliev, 6 9 ,1 0 2 , 106, 117 Vives, 73Vuillem in, 72, 81, 111, 120, 135,

138, 140

wW aitz, 67 -8W eidem ann, 67, 74, 97, 111-2 W eizsäcker, 8 4 -5 , 105 W hitaker, 57, 59, 6 8 -9 , 97, 9 9 -1 0 2 ,

104, 108-9 , 113, 115-6 , 120, 1 2 3 ,1 2 7 ,1 3 7 ,1 4 6 -7 ,1 7 3 ,1 7 9

X

Xantipa, 69, 73, 116-7

zZanatta, 67

1 9 1

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SOBRE O LIVRO

Formato: 14 x 21 cm Mancha: 23 x 44 paicas

Tipologia: Minion Pro 10/14 Papel: Pólen Soft 80 g/m2 (miolo) Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)

1- edição: 2013

EQUIPE DE REALIZAÇÃO

Edição de texto Huendel Viana (Preparação de original) Marise Leal e Geisa Oliveira (Revisão)

Editoração eletrônica, capa e miolo Eduardo Seiji Seki

Assistência editorial Jennifer Rangel de França

GRÁFICA PAYMTel. (11) 4392-3344 · [email protected]

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A sofisticação, profundidade e origina­lidade radical deste opúsculo substanciam documento inconteste da envergadura do pensamento aristotélico.

A ristóteles (384 a.C-322 a.C), conhe­cido como “o estagirita” , por ter nascido em Estagira, na Grécia, pode ser conside­rado, ao lado de Sócrates e Platão, um dos sustentáculos de todo o pensamento ocidental. Seus estudos envolveram, entre outras áreas, a metafísica, a política, a re­tórica, a lógica, a biologia e a estruturação da poética.

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