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São João del-Rei - Minas Gerais - Brasil

DA CORTE, PASSANDO POR BARBACENA E SÃO

FRANCISCO DO ONÇA, ATÉ A VILA DE SÃO JOÃO DEL-REI

José Antônio de Ávila Sacramento

(Para o amigo e barbacenense PAULO JOSÉ DE SOUZA, fiel

companheiro desde os nossos tempos da caserna no então 11º RI1)

A reconstituição do caminho percorrido pelo então príncipe regente do Brasil, depois imperador D. Pedro I, na sua cavalgada a Minas Gerais, no ano de 1822, foi magistralmente elaborada pelo historiador, cartógrafo e ilustrador Eduardo Canabrava Barreiros (Curvelo - MG, 1908 - 1981). O roteiro daquela espetacular viagem está descrito, traçado e foi mapeado no livro “D. Pedro, - Jornada a Minas Gerais em 1822”, obra editada pela Livraria José Olympio Editora (Rio de Janeiro, 1973).

A Sua Alteza Imperial Real, que naquele mesmo ano, em 07 de setembro, viria a proclamar a Independência do Brasil, deixou o Rio de Janeiro ainda na condição de Sua Alteza Real no dia 25 de março de 1822 para terminar a sua viagem em Vila Rica, no dia 09 de abril.

O príncipe saiu do embarcadouro de São Cristóvão, passou pelo Porto da Estrela (Magé-RJ2), pela Fazenda do Padre Correia (Petrópolis-RJ3), deixou para trás os registros do Paraíba, do Paraibuna e de Matias Barbosa; passou por Chapéu

1 Atual 11º Batalhão de Infantaria de Montanha (11º BI Mth), instalado na cidade de São João del-Rei – MG; este texto foi publicado originalmente e de forma reduzida no Jornal de Minas (São João del-Rei - MG, ano XV, edição número 249, de 20 a 26 de junho de 2014). 2 Estrela perdeu a autonomia no ano de 1892 e foi incorporada a Magé. Desde o ano de 1767 que aquele porto já era assinalado nas cartas topográficas da Baía da Guanabara; por lá passaram viajantes ilustres: Dom João VI, Saint-Hilaire, Pohl, Ender, Mawe, Burmeister, Langsdorff, Spix, Martius, Luccock, e, naturalmente, a Família Imperial quando ia passar o verão em Petrópolis. 3 A história de Petrópolis começou quando Dom Pedro I hospedou-se na Fazenda do Padre Correia (Antônio Tomás de Aquino Correia da Silva, 1759-1824); ele ficou encantado com a região e tentou comprar aquelas terras, sem sucesso. Assim, adquiriu uma propriedade vizinha, a Fazenda do Córrego Seco, que rebatizou com o nome de Imperial Fazenda da Concórdia, propriedade que corresponde à área primitiva de Petrópolis. D. Pedro I não conseguiu construir ali um palácio imperial, mas Dom Pedro II, em 1843, determinou ali o assentamento de um povoado e, depois, a construção do palácio de verão da Família Imperial, que ficou pronto em 1847.

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d’Uvas (Juiz de Fora-MG4), pela Rocinha do João Gomes (Palmira/Santos Dumont-MG5) e pela Fazenda da Borda do Campo6. O filho de D. João VI chegou à então Vila de Barbacena no oitavo dia da viagem, em 1º de abril, onde foi recebido debaixo de pálio, com repiques de sino e descargas de fogos, com toda a pompa e magnificência. Dirigiu-se à Igreja Matriz, onde se entoou um Te-Deum. Deixou a “Vila de D. Luís Antônio Furtado de Mendonça7” no dia 02 de abril, com destino à Vila de São João del-Rei.

Interessante notar que Sua Alteza Real, como era de se esperar, não seguiu pelos dois caminhos mais curtos que eram oferecidos para São João e que passavam pelo Arraial de Nossa Senhora da Conceição dos Prados (Prados-MG) ou pelo Arraial do Barroso (Barroso-MG8). Escolheu outro caminho mais longo, difícil e cansativo. É que o seu fiel companheiro de viagem, desembargador Estêvão Ribeiro de Resende9, sugeriu ao príncipe que honrasse com a sua visita a propriedade do cunhado dele, o capitão José dos Reis, casado com a sua irmã dona Maria Clara de Resende Reis. Assim, saíram de Barbacena percorrendo o caminho mais tortuoso, passando pela Fazenda Ponte Nova (às margens do Rio

4 Chapéu d’Uvas é região por onde passa a Estrada Real e é um dos povoamentos mais antigos da região de Juiz de Fora - MG. A Barragem de Chapéu d'Uvas, que regula a vazão do Rio Paraibuna, localiza-se no local, hoje bairro juiz-forense. 5 João Gomes Martins (c.c. Clara Maria de Melo) é figura histórica importante para o atual Município de Santos Dumont - MG. A sesmaria a ele concedida foi fundamental na formação e povoamento da região, então conhecida como Rocinha de João Gomes, passando a Fazenda de João Gomes, Distrito de João Gomes, João Gomes Velho, Palmyra (nome de uma filha de João Gomes) e atualmente Santos Dumont. 6 Foi na Fazenda da Borda do Campo que surgiu a Freguesia de Nossa Senhora da Piedade, no município de Barbacena - MG. A fazenda foi construída no ano de 1698 por Garcia Rodrigues Paes, em sociedade com seu cunhado Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, às margens do então Caminho Novo da Estrada Real; depois, a fazenda pertenceu ao conjurado José Ayres Gomes. Atualmente, fui informado de que a fazenda é propriedade da família dos Andradas. A partir de 27 de dezembro de 1948, com a emancipação do Município de Antônio Carlos - MG, antigo Sítio, a área da fazenda deixou de pertencer a Barbacena. 7 Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro (Sacavém/Portugal, 07 de Setembro de 1754 - Lisboa, 07 de Abril de 1830), foi o 6º visconde e 1º Conde de Barbacena. Era o governador de Minas Gerais no tempo da Conjuração Mineira. 8 O Arraial do Barroso surgiu no século XVIII e a sua história está atrelada aos viajantes e desbravadores da região que percorriam a região em busca do ouro. No lugar, o alferes Joaquim Barroso ofertava pouso aos viandantes e as pessoas quando para lá se dirigiam costumavam dizer que “estavam indo para o Barroso", então Freguesia da Borda do Campo. O atual Município de Barrosos, depois de pertencer a Barbacena, Prados, São José del-Rei e Dores de Campos, foi emancipado em 12 de dezembro de 1953, através da Lei 1.259. 9 Primeiro barão com grandeza (barões “com grandeza” tinham o direito de usar em seu brasão, uma coroa de visconde em lugar da de barão), Conde e depois Marquês de Valença. Nasceu na Fazenda da Cachoeira, em 20 de julho de 1777; na época o local de nascimento dele pertencia a Freguesia de Prados - MG (atualmente o local fica no Município de Lagoa Dourada - MG). Faleceu no Rio de Janeiro, em 08 de setembro de 1856.

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das Mortes) e atingindo o povoado de Ilhéus (atual Padre Brito10). Daquele local, atravessaram o Rio Elvas, rumaram para sudoeste, passaram pelo Povoado de Montividiu11 e, depois de cavalgarem por cerca de oito léguas, alcançaram a Fazenda do Pouso Real, situada além das Fazendas do Matola de Baixo e de Cima, numa garganta às margens do Córrego das Pedras. Foi lá que a Sua Alteza Real pernoitou confortavelmente, para honra e alegria de todos. No dia seguinte, seguiram a viagem pelo caminho que passa entre os Ribeirões do Onça e do Matola, até atingirem o povoado de São Francisco do Onça12.

De São Francisco do Onça, passaram pela Fazenda da Casa Velha, pelo Morro Grande (um dos pontos mais altos da região) e pela Fazenda Pedra Branca até descerem ao vale do Córrego do Lenheiro. Assim, no décimo dia de viagem, o príncipe e seus séquitos adentraram na então Vila de São João del-Rei, acompanhados da guarda de honra (que foi encontrá-lo no caminho) e de pessoas de todas as ordens; chegou lá pelas duas horas da tarde, onde já se achavam postados a Câmara, o clero, a nobreza e o povo, com o pálio e um carro triunfante debaixo de soberbo arco. Todos soavam vivas ao príncipe, ao Senhor D. João VI, à Constituição, à religião e à dinastia dos Bragança; seguiu Sua Alteza até a Matriz. Repartiu esmolas aos pobres e presos da cadeia. Em 06 de abril, já tendo percorrido cerca de setenta e uma léguas e passado por 125 localidades, o príncipe saiu rumo à Vila Rica, onde chegaria dentro de três dias, depois de ter viajado noventa e sete e meia léguas e transitado através de 160 locais de categorias diferentes, misturando-se ao povo nas vilas, nos arraiais, nas fazendas, nas estradas, nos humildes ranchos de pousos das tropas e estrebarias13.

10 Padre Brito é distrito de Barbacena-MG. Foi criado pela Lei nº 663, de 18 de setembro de 1915, então com o nome de Ilhéus; depois, pela lei estadual nº 843, de 07 de setembro de 1923, passou a ter seu nome atual. No local existiu uma estação ferroviária da antiga EFOM, aberta no ano de 1880. A linha férrea foi extinta no ano de 1983 e a estação foi demolida, restando apenas a plataforma; no ano de 2012, construíram uma residência por sobre a plataforma... 11 Corruptela de Montevidéu/Montevideo, ou seja, monte visível, morro que se avista de longe. 12 Atual distrito são-joanense com o inadequado nome de “Emboabas”, desde 1943. Eduardo Canabrava Barreiros escreveu que “o local é um dos mais antigos de Minas”. 13 O príncipe era pessoa de hábitos extremamente simples. Por ocasião da viagem, Estêvão Ribeiro de Resende, interessado nas comodidades de Sua Alteza Real queria mandar avisar antecipadamente o local dos pousos, para que o príncipe pudesse ser condignamente recebido e hospedado. Então, o príncipe respondeu-lhe: ”Quero poupar aos povos todo o incômodo; sobre uma esteira se dorme fazendo da mala travesseiro e com dinheiro que se leva na algibeira há sempre feijão para comer”. Assim, sem nenhuma providência especial, ele fez a sua jornada a Minas Gerais. Esta informação consta das páginas de “Apontamentos de Estêvão Ribeiro de Resende, Marquês de Valença. Motivos e sucessos na jornada de S. A. R., o Sr. D. Pedro de Alcântara, Príncipe Regente do Brasil à Província de Minas Gerais, em 1822” (In: Anais do Museu Paulista, Tomo I, Comemorativo do Primeiro Centenário da Independência Nacional, São Paulo, 1922, Segunda Parte, Documentação, p. 469/471).

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Na análise do historiador Pedro Calmon, a impetuosa viagem do príncipe pelas alterosas montanhas teve o mérito de submeter-se à avaliação de sua popularidade e da legalidade que ele personificava. Foi em Minas que se deu o encontro de Sua Alteza Imperial com a população para além do estreito horizonte da Corte, onde, ao som dos sinos, recebeu as bênçãos dos nobres e também dos humildes que ia encontrando, tudo em forma de unânime aclamação.

Pela primeira vez, então, em 1822, o príncipe regente subira as serras mineiras e respirou seus ares de liberdade. Palmilhava a Sua Alteza Real o terreno d’onde, algum tempo atrás, já havia descido para terminar preso e condenado à forca, devido à sua luta pela tão sonhada pátria livre, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes14.

S. A. R. o Sereníssimo Príncipe D. Pedro Príncipe Real do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves.

(Reprodução de retrato de Jesn-Baptiste Debrer, gravado por Pradier)

14 Importante observar que os ideais de liberdade se espalharam trinta anos depois da morte de Joaquim

José da Silva Xavier. Por ironia do destino, em 07 de setembro de 1822, o Brasil se tornou independente de Portugal pela ação de D. Pedro I, que era neto de Dona Maria I, a Louca, aquela que no dia 21 de abril do ano de 1792 havia mandado enforcar o Tiradentes.