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REVISTA EUROPEIA Cedefop 6 Os textos da exposição foram retirados de intervenções na conferência sobre «A História do Ensino e Formação Profissional na Eu- ropa numa Perspectiva Comparativa», orga- nizado pelo Cedefop em Florença, em Ou- tubro de 2002 Porquê uma exposição sobre a história do ensino e formação profissional na Europa? Porque para decidirmos para onde vamos, temos de descobrir de onde vimos. “Em Março de 2000, o Conselho Europeu de Lisboa reconheceu o relevante papel da educação, não só como elemento inte- grante das políticas económicas e sociais, mas também como instrumento de fortale- cimento do poder competitivo europeu no contexto mundial e, ainda, como o garan- te que assegurará a coesão das nossas so- ciedades e o pleno desenvolvimento dos seus cidadãos. O Conselho Europeu estabeleceu como ob- jectivo estratégico tornar a União Europeia na economia baseada no conhecimento mais dinâmica do mundo. O desenvolvimento de uma educação e de uma formação voca- cionais de qualidade elevada é parte inte- grante e crucial desta estratégia, nomeada- mente na promoção da inclusão e da coesão sociais, da mobilidade, da empregabilidade e da competitividade.” “O alargamento da União Europeia acres- centa uma nova dimensão e numerosos de- safios, oportunidades e exigências ao tra- balho no campo da educação e formação.” “Declaração de Copenhaga”, Novembro 2002 A cada novo passo em frente que damos, a cada problema que resolvemos, não só des- cobrimos problemas novos e por solucio- nar, mas também nos apercebemos que on- de julgávamos pisar terreno firme, na rea- lidade, é incerto e movediço.” Karl R. Pop- per (1902-1994). Estudante desistente, apren- diz de carpinteiro e filósofo da ciência. O que nos mostra esta exposição? Várias surpresas: que, durante a Idade Média, o ensino e a formação profissional eram muito se- melhantes na maior parte dos países euro- peus; a razão pela qual nos séculos XVIII e XIX surgiram em vários países europeus no- vas formas de ensino e formação profis- sional, bem diferentes das até então exis- tentes; quais os aspectos comuns surgidos na Europa nos últimos cinquenta anos. Mostra também que a história do ensino e formação profissional é também a nossa própria história e que o nosso ponto de vis- ta não é necessariamente o mesmo do dos historiadores que se debruçam sobre o te- ma. Origens Comuns Em quase todos os países europeus e du- rante muitos séculos após a criação das guil- das, o trabalho dos artesãos e o seu ensi- no e formação profissional eram muito se- melhantes. As guildas eram corporações que, a partir do século XII, passaram a reunir as pessoas que nas cidades ou vilas trabalhavam no mesmo ramo ou ofício. As guildas possuíram as suas próprias leis, o regimento, que todos os seus membros deveriam acatar. Da divergência à convergência Uma história do ensino e for- mação profissional Comissário da exposição e líder do projecto: Norbert Wollschläger Copcepção gráfica e textos: Helga Reuter-Kumpmann «Se dermos sempre aos nossos jovens uma educação esmerada, tudo o que empreendermos correrá pelo melhor, se não... o melhor será calar-me» Platão

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REVISTA EUROPEIA

Cedefop

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Os textos da exposição foram retirados deintervenções na conferência sobre «A Históriado Ensino e Formação Profissional na Eu-ropa numa Perspectiva Comparativa», orga-nizado pelo Cedefop em Florença, em Ou-tubro de 2002

Porquê uma exposição sobre ahistória do ensino e formaçãoprofissional na Europa?

Porque para decidirmos para onde vamos,temos de descobrir de onde vimos.

“Em Março de 2000, o Conselho Europeude Lisboa reconheceu o relevante papelda educação, não só como elemento inte-grante das políticas económicas e sociais,mas também como instrumento de fortale-cimento do poder competitivo europeu nocontexto mundial e, ainda, como o garan-te que assegurará a coesão das nossas so-ciedades e o pleno desenvolvimento dosseus cidadãos.

O Conselho Europeu estabeleceu como ob-jectivo estratégico tornar a União Europeiana economia baseada no conhecimento maisdinâmica do mundo. O desenvolvimento deuma educação e de uma formação voca-cionais de qualidade elevada é parte inte-grante e crucial desta estratégia, nomeada-mente na promoção da inclusão e da coesãosociais, da mobilidade, da empregabilidadee da competitividade.”

“O alargamento da União Europeia acres-centa uma nova dimensão e numerosos de-safios, oportunidades e exigências ao tra-balho no campo da educação e formação.”“Declaração de Copenhaga”, Novembro 2002

A cada novo passo em frente que damos, acada problema que resolvemos, não só des-cobrimos problemas novos e por solucio-

nar, mas também nos apercebemos que on-de julgávamos pisar terreno firme, na rea-lidade, é incerto e movediço.” Karl R. Pop-per (1902-1994). Estudante desistente, apren-diz de carpinteiro e filósofo da ciência.

O que nos mostra esta exposição?

Várias surpresas:

❑ que, durante a Idade Média, o ensinoe a formação profissional eram muito se-melhantes na maior parte dos países euro-peus;❑ a razão pela qual nos séculos XVIII eXIX surgiram em vários países europeus no-vas formas de ensino e formação profis-sional, bem diferentes das até então exis-tentes;❑ quais os aspectos comuns surgidos naEuropa nos últimos cinquenta anos.

Mostra também que a história do ensino eformação profissional é também a nossaprópria história e que o nosso ponto de vis-ta não é necessariamente o mesmo do doshistoriadores que se debruçam sobre o te-ma.

Origens Comuns

Em quase todos os países europeus e du-rante muitos séculos após a criação das guil-das, o trabalho dos artesãos e o seu ensi-no e formação profissional eram muito se-melhantes.

As guildas eram corporações que, a partirdo século XII, passaram a reunir as pessoasque nas cidades ou vilas trabalhavam nomesmo ramo ou ofício.

As guildas possuíram as suas próprias leis,o regimento, que todos os seus membrosdeveriam acatar.

Da divergência à convergênciaUma história do ensino e for-mação profissionalComissário da exposição e líder do projecto: Norbert WollschlägerCopcepção gráfica e textos: Helga Reuter-Kumpmann

«Se dermos sempre aosnossos jovensuma educaçãoesmerada, tudo o queempreendermoscorrerá pelo melhor,se não...o melhor será calar-me»

Platão

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Estas normas e regulamentações definiam aforma como as coisas deviam ser feitas e es-tabeleciam preços vantajosos para os consu-midores.

As mercadorias eram sujeitas a um rigorosocontrolo de qualidade.

As normas das guildas asseguravam que:

❑ os proventos dos patrões e dos mestreseram consentâneos com o seu estatuto;❑ os membros mais pobres da guilda, bemcomo as viúvas e órfãos dos associados, ti-nham direito a assistência.

As normas das guildas definiam igualmen-te os requisitos para se ser membro e paraa formação dos aprendizes e artífices.

As guildas desempenhavam um importantepapel na vida política e económica da maiorparte das cidades.

Todavia, surgiram conflitos quanto à sua in-fluência sobre os assuntos públicos, comopor exemplo quando impediam os não mem-bros de exercerem a sua actividade ou deabrirem um negócio.

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, o siste-ma de guildas foi perdendo grande parte daimportância que antes tivera na Europa.

A doutrina económica liberal, que encora-java “a livre iniciativa”, considerava o sis-

tema de guildas um obstáculo à concorrên-cia e ao comércio livre.

O ensino e formação profissional nosistema de guildas

O sistema de guildas europeu obedecia auma hierarquia rígida: aprendiz, artífice emestre. O título de mestre era o único ates-tado de competência escrito, enquanto osaprendizes recebiam um certificado onde secomprovava terem completado a primeirafase da sua aprendizagem. O papel das mu-lheres - esposas ou criadas dos mestres - erasubalterno, limitando-se a ajudar.

Só após um período de teste, que duravavárias semanas, é que os aprendizes eramaceites na guilda. Geralmente, a família doaprendiz pagava ao mestre pela alimentaçãoe pelo alojamento daquele. O aprendizadoprolongava-se geralmente por um períodode dois a quatro anos, ou mais no caso dosofícios que requeressem um elevado nívelde especialização.

O aprendizado terminava sem a realizaçãode um exame específico, ficando o apren-diz “livre”. Cada ofício possuía as suas própriasnormas para a conquista deste privilégio epara o ingresso na comunidade dos artífices.

As qualificações profissionais dos artíficeseram reconhecidas noutros países. Não ten-do geralmente laços familiares, andavam deterra em terra, para aperfeiçoar e alargar osseus conhecimentos junto dos mestres dou-tros países: uma forma incipiente de mobi-lidade profissional na Europa.

Após adquirirem experiência suficiente, re-queriam a uma guilda a sua admissão comomestres.

Xilogravura de um incunábulo holandês (1470)onde se podem ver artistas e artífices com osseus utensílios: fabricante de pigmentos, pintor,ourives, escultor, fabricante de órgãos, relojoeiroe copista.

Esta bela gravura retirada da Enciclopédia de Di-derot e d’Alembert retrata com detalhe as váriasfases da arte do tingimento da seda. No entan-to, não mostra o perigo do contacto com as sub-stâncias venenosas utilizadas - uma das razõespelas quais este ofício também representava umrisco para os artífices que o praticavam.

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Uma Excepção

Na Rússia medieval, ao contrário da maio-ria dos países europeus, não surgiram cor-porações de artífices passíveis de serem com-paradas às guildas.

Quando aos dezassete anos o czar Pedro Iascendeu ao trono, em 1681, o seu sonhoera reinar sobre um vasto império com umaeconomia forte e uma marinha poderosa.

Em 1697, enviou emissários a toda a Euro-pa, em busca de aliados que o ajudassem acombater os turcos e de pessoas qualifica-das nas áreas científica, técnica e artesanalde que o seu país, eminentemente agrário,tanto necessitava.

A partir de 1698, o czar desenvolveu asindústrias mineira e metalúrgica e a construçãonaval, a fim de proteger e expandir as fron-teiras da Rússia. Foi criado um sistema com-pleto de ensino e formação profissional: es-colas de navegação, balística, engenhariae medicina, academias para a formação detrabalhadores especializados e escolasprimárias.

Não dando a população mostras de grandeinteresse em enviar os filhos para estas es-colas, Pedro I promulgou leis severas quetornaram obrigatória a educação e formaçãoprofissional.

Durante muitos séculos, o ensino e formaçãoprofissional foram dominados pelo podercentral e influenciados por objectivos decarácter político.

Em 1968, Viktor Karlovich Della-Vos, direc-tor da Escola Técnica Imperial de Moscovo,criou aquilo que viria a ser chamado “Mé-todo Sequencial”. Os aprendizes começa-vam por aprender a executar e dominartarefas simples. De acordo com uma se-quência rigorosamente predeterminada, es-tas tarefas iam-se tornando cada vez maiscomplexas. Após a sua apresentação na Ex-posição Mundial de Viena, em 1873, estemétodo começou a ser adoptado por cadavez mais centros de formação profissionalum pouco por toda a Europa.

Os aprendizes viviam com as famílias dos seusmestres e trabalhavam na oficina de sol a sol, rea-lizando a maior parte do trabalho pesado. Poucoa pouco, sempre sob a rigorosa supervisão dosartífices e do mestre, iam aprendendo as bases doofício, através da observação, das explicações eda prática. Para além de se lhes exigir perícia nacondução das tarefas, procurava-se igualmenteincutir-lhes virtudes - muitas vezes através de cas-tigos corporais - como a aplicação, a dedicação ea observância e submissão incondicionais às re-gras da guilda. Tingimento da seda, Enciclopédia, de Diderot ed’Alembert

Nos tempos medievais, entre os impressores e gra-vadores era costume submeter os aprendizes, nofinal do seu aprendizado, a uma “praxe” cruel.Ao aceitarem submeter-se a tais maus tratos,tinham de provar ser capazes de sacrificar a saúdeao trabalho. Esta prova cruel significava igual-mente que o novo artífice tinha conquistado o di-reito de ser acolhido pelo mestre, viver no seioda família deste e ser assistido em caso de doen-ça.

O czar Pedro I costumava viajar incógnito pelaEuropa, na companhia dos seus emissários. Nosseus périplos, muitos destes emissários foram apren-dendo vários ofícios. Pedro I aprendeu as basesteóricas e matemáticas da arte da construção na-val e trabalhou também como carpinteiro numestaleiro holandês.

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Divergência

A diversidade de modelos de educação eformação profissional na Europa deve-se avários factores, tais como:❑ a abolição do sistema de guildas na se-quência de convulsões políticas❑ os diferentes ritmos a que, nos váriospaíses, se processou a industrialização❑ a influência de movimentos políticos, fi-losóficos, culturais e religiosos.

Na primeira metade do século XX, tinham-se desenvolvido na Europa três modelosbásicos de educação e formação profissio-nal.

Este quadro não reflecte a situação actual,pois os sistemas de educação e formaçãoprofissional são muito diversificados e evo-luem muito depressa. No entanto, muito doque então se passava nos diversos paísesainda se verifica hoje em dia ou ainda pos-sui uma certa influência.

A Grã-Bretanha deu os primeiros passosno que hoje chamamos “industrialização”no século XVIII. Com a invenção da máqui-na a vapor, do tear mecânico e da máquinade fiação, surgiram fábricas de têxteis portodo o país. Muitas pessoas abandonaramas áreas rurais e fixaram-se nas cidades àprocura de trabalho.

Tudo isto originou transformações profun-das na sociedade: a “Revolução Industrial”.

O sistema de guildas foi abolido, tal comoo tradicional aprendizado de sete anos. Nasfábricas, a maquinaria era operada poroperários sem qualificações e mal pagos.

Na Europa, ainda hoje centenas de cursos se ba-seiam no “Método Sequencial”.Modelos de juntas de madeira (Clair, século XIX)

Os três modelos clássicos de ensino e formação profissional:

Modelo do mercado liberal: Modelo regulamentado pelo Estado: Modelo dual empresarial:

Grã-Bretanha França Alemanha

Quem determina a organização doensino e formação profissional?

Onde tem lugar o ensino e formaçãoprofissional?

Quem determina o conteúdo dos pro-gramas de ensino e formação profis-sional?

Quem paga o ensino e formaçãoprofissional?

Quais as qualificações obtidas atravésdo ensino e formação profissional, equais as oportunidades que estas ofer-ecem?

Negociado “no terreno”, entre repre-sentantes dos trabalhadores, gestores ecentros de formação profissional .

Há muitas opções: escolas, empresas,simultaneamente nas escolas e nasempresas, através dos meios de comu-nicação electrónicos, etc.O mercado ou as próprias empresas,dependendo das necessidades domomento. O conteúdo dos programasnão é predeterminado.

Regra geral, são os formandos quepagam. Algumas empresas financiamcertos cursos, que elas mesmas minis-tram.

Não há supervisão da formação profis-sional nem exames finais reconhecidospor todos.

O Estado.

Em escolas especializadas, denomi-nadas “escolas de produção”.

O Estado (em conjunto com os par-ceiros sociais). O objectivo não éreflectir a prática das empresas, assen-tando antes numa formação mais gerale teórica.

O Estado aplica um imposto às empre-sas e financia o ensino e formaçãoprofissional, mas só para um determi-nado número de candidatos por ano.

Os certificados emitidos pelo Estadopermitem que aqueles que mais se dis-tinguem prossigam os seus estudospara níveis de maior especialização.

Câmaras de comércio regulamentadaspelo Estado, agrupadas por profissão.

Alternando de forma predeterminadaentre as empresas e as escolas profis-sionais (“modelo dual”).

Decidido em conjunto pelosempresários, os sindicatos e o Estado.

As empresas financiam a formação noseu seio, sendo esses custos dedutíveisnos impostos. Os formandos recebemum subsídio definido por contrato. Asescolas profissionais são financiadaspelo Estado.Geralmente, as qualificações permitemque os formandos trabalhem naprofissão em causa e que prossigam osseus estudos para níveis de maior espe-cialização.

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Durante muitos anos, a indústria, em rápi-do crescimento, não necessitou de mão-de-obra qualificada, pelo que os jovens não re-cebiam qualquer formação.

Na época, a vida e o trabalho eram regi-dos por dois conceitos fundamentais, o “li-beralismo” e o “puritanismo”, que ainda ho-je influenciam o modelo de ensino profis-sional concebido para o “mercado liberal”.

Os representantes dos trabalhadores e dopatronato e os centros e escolas de formaçãoprofissional negoceiam “no terreno” qualo tipo de ensino e formação a prestar.

Na perspectiva do “liberalismo”, ou seja aausência de intervenção e de protecção es-

tatal, cada pessoa é responsável pelo seupróprio destino. Acredita-se que o “livre jo-go de forças” promove o bem-estar da naçãoe a saúde das empresas.

O “puritanismo”, um severo código moralprotestante, exige auto-sacrifício e dedicaçãoao trabalho. A prosperidade é consideradauma consequência dessa dedicação ao tra-balho.

A França teve um papel de destaque nasciências naturais no século XVIII. Instituiçõescomo as grandes écoles, tal como a ÉcolePolytechnique, tornaram-se um modelo pa-ra o ensino técnico na Europa. No entan-to, o país só atingiu o zénite da sua indus-trialização em finais do século XIX. Com aRevolução Francesa, o sistema de guildasfoi abolido em 1791, e a questão da for-mação de operários especializados perma-neceu sem solução durante muito tempo.

Sob a influência do “Iluminismo”, que davagrande destaque às humanidades e às ciên-cias, reconheceu-se pela primeira vez a e-norme importância do ensino infantil bemplaneado, tanto para o indivíduo comopara a sociedade.

Escolas que inicialmente tinham sido cria-das para os órfãos dos soldados foram trans-formadas em Écoles des arts et métiers, queformavam operários metalúrgicos, torneiros-mecânicos e carpinteiros, que iriam trabal-har em empresas estatais, em vez de ferrei-ros e seleiros destinados ao exército.

Nos outros aspectos, o ensino e formaçãoprofissional era semelhante à dos outrospaíses - aulas nocturnas, formação cívica etécnica - mas de forma alguma destinada atodos os jovens.

As mudanças ocorreram com a implantaçãoda República, em 1871:

Já no início do século XX, o trabalho infantil fa-zia parte da terrível vida quotidiana nas fábri-cas, e não apenas na Grã-Bretanha. As crian-ças representavam a mão-de-obra mais barata eeram essencialmente usadas em funções que im-plicavam estar debaixo e entre as máquinas, quese encontravam muito próximas umas das outras.

A partir de 1901 a escola, frequentada a tempoparcial, passou a ser obrigatória para todas ascrianças e jovens com menos de 16 anos. As au-las davam especial ênfase ao valor “moral” do tra-balho. Desde então, têm coexistido muitos mode-los de ensino e formação profissional: nas esco-las, nas empresas, em ambas simultaneamente,através do ensino à distância (recorrendo aosmeios de comunicação electrónicos), bem comoalgumas iniciativas estatais para introduzir o“aprendizado moderno”.

Nas Écoles des arts et métiers, as escolas de artese ofícios, em número de seis em 1900, a formaçãoprática era ministrada em oficinas, enquanto ateoria era ensinada nas salas de aula.

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❑ escolaridade universal e obrigatória, des-tinada a educar as crianças dentro do espíri-to da República e não já nos moldes católi-cos, ao contrário do que sucedia antes;❑ “tirar da rua” as crianças de 13 anos, ida-de em que terminava a escolaridade obri-gatória, e habituá-las ao trabalho;❑ havia uma necessidade premente deoperários especializados em electrotecnia emecânica, com vista ao crescimento da eco-nomia e do poderio militar da nação.

Foram criados dois tipos de escolas públi-cas, destinadas ao ensino de operários alta-mente qualificados e à formação de traba-lhadores manuais e de escritório. Actual-mente, o Estado francês continua a regula-mentar o ensino e formação profissional.

Na Alemanha, a mecanização do sector têx-til só começou em meados do século XIX.A partir desse momento, porém, registou-seum rápido desenvolvimento nos sectorestêxtil, mineiro, do aço e do carvão. Em fi-nais do século XIX, as indústrias eléctrica,química e automóvel estavam a tornar-se ca-da vez mais importantes.

A liberdade de emprego começou a difun-dir-se por volta de 1811 na Alemanha, e asguildas foram dissolvidas. Todavia, esta si-tuação não iria durar muito tempo. O ensi-no e formação profissional foi legalmentereintroduzida em 1897. Tal deveu-se a duasrazões fundamentais:

❑ Um mercado internacional muito com-petitivo levou a um aumento na procura detrabalhadores qualificados para postos detrabalho industriais e administrativos.

O movimento operário estava a tornar-se ca-da vez mais forte, pelo que o governo de-

cidiu agir para incutir entre os jovens asua visão política conservadora. O mundotradicional das corporações profissionais eraconsiderado uma boa base para a integraçãosocial e política dos aprendizes.

Ao longo do século XIX, muitos aprendizesfrequentaram as “escolas de acompanha-mento”, em regime pós-laboral ou aos do-mingos. Nestas escolas, fazia-se uma revisãodos programas da escola primária e minis-trava-se o conhecimento teórico específicopara se trabalhar num determinado sector.

No final do século XIX, estas escolas tinham-se transformado em “escolas profissionais”.Para além do ensino e formação profissio-nal, os estudantes recebiam ainda educaçãocívica. Na Áustria sucedeu o mesmo, sendoo sistema de ensino e formação profissionalmuito semelhante ao alemão.

Actualmente, o aprendizado possui aindaduas vertentes: ❑ a aprendizagem faz-se no local de tra-balho e na escola de formação profissional.

Muitas empresas criaram programas desportivospara melhorar a saúde dos seus aprendizes epara estreitar os laços destes entre si e com aempresa. (Ginásio na AEG, 1927)

A indústria “moderna” inspirou-se na relação tra-dicional entre mestre e aprendiz, e assinaram-se contratos com jovens para fazer deles “operáriosespecializados”. Grandes empresas montaram assuas próprias oficinas para formação, como esta,na secção de moagem de uma empresa de Borsig.Foto: Deutsches Technikmuseum Berlim

Hoje em dia, as escolas secundárias técnico-pro-fissionais são frequentadas por um milhão dejovens. Outros tantos frequentam as escolas se-cundárias convencionais. Cerca de 300 mil re-cebem a sua formação nas empresas, como esta-giários.

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É por isso que se chama a este modelo deformação profissional “sistema dual”.

Nos Países Baixos, a partir de 1860, a indústriafoi-se implantando. As actividades mais im-portantes eram as fundições, a construçãode maquinaria, a construção naval e a pro-dução de alimentos, esta última muito di-versificada. Sob a influência da “ocupação”francesa, as guildas foram abolidas em 1806.A princípio, os trabalhadores especializadosde que o país carecia vinham do estran-geiro ou recebiam a sua formação nas pou-cas escolas existentes. A partir de 1860, aindústria em franco e rápido desenvolvi-mento tinha necessidade de um maior núme-ro de trabalhadores especializados. Em res-posta, foram criadas inúmeras escolas técni-co-profissionais em todo o país, frequenta-das em regime diurno.

Gradualmente, o Estado foi chamando a sia responsabilidade do financiamento destasescolas, muitas das quais eram inicialmen-te privadas. O êxito destas escolas de for-mação profissional, as ambachtscholen,prolongou-se pelo século XX. As burger-avondscholen eram escolas de outro tipo,sendo frequentadas em regime pós-laboral.O objectivo inicial destas escolas consistiaem serem um complemento ao ensino ge-ral das escolas básicas. Mas, para se responder

às necessidades laborais, rapidamente seprocedeu à sua reorganização.

O sistema do aprendizado desempenhouum papel não negligenciável nas oficinase no pequeno comércio. O ensino “dual” naempresa e na escola difundiu-se sobretu-do após a Segunda Guerra Mundial, sem noentanto ter a importância de que o ensino“a tempo inteiro” continua a gozar.

Na Finlândia, durante muitos séculos sobdomínio sueco e posteriormente russo, osesforços de industrialização concentraram-se na manufactura e transformação de pro-dutos agrícolas e florestais e na produçãode máquinas e utensílios necessários àque-las actividades. A Finlândia tornou-se umprincipado autónomo do Império Russo em1809. A sociedade finlandesa empreendeuentão uma reorganização e a política, a eco-nomia e o ensino sofreram profundas trans-formações.

Envidaram-se esforços para instruir a po-pulação rural: conselheiros itinerantes e es-colas especializadas ensinaram os agricul-tores a trabalhar com maior eficácia. Durantemuito tempo, a responsabilidade pela criaçãode novas indústrias e pelo desenvolvimen-to do ensino e formação profissional de-

Frequentar as aulas nas ambachtscholen era umaboa alternativa ao aprendizado. O seu único ob-jectivo era claro: oferecer formação profissional,tanto teórica como prática, aos estudantes.

Curiosamente, durante muitos anos, a palavrafinlandesa para “profissão” (elatuskeino) signifi-cava também “modo de vida”, o que demonstraque uma vida independente abrangia todas asformas de actividade.

Nas escolas comerciais, as disciplinas da área docomércio são consideradas como fazendo partedo ensino geral e não do ensino e formação pro-fissional. É interessante, mas não surpreendente,se pensarmos na grande tradição mercantil des-te país.

Apesar dos esforços políticos para a introdução,nas empresas, da formação profissional atravésde estágios, o número de formandos é muito re-duzido. Actualmente, a maior parte dos jovensaprende a sua profissão através do ensino escolarconvencional.

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pendia de uma única entidade. Por volta de1840, uma das primeiras autoridades nacio-nais para os incentivos à produção criou asprimeiras escolas técnico-comerciais. A par-tir de 1890, o desejo unânime de fugir à in-fluência russa inspirou novos e maioresesforços para promover a indústria e o en-sino, o que levou à criação pelo Estado deescolas mistas de formação profissional emregime diurno. Para além de conhecimen-tos de ordem profissional, os alunos tinhamtambém aulas de formação cívica.

Unidade na Diversidade

Será a Suíça um modelo para a Europa? Na Confederação Suíça falam-se quatro línguasoficiais, que correspondem a quatro tradiçõesculturais diferentes: alemã, francesa, italia-na e reto-romana. Esta diversidade reflecte-se no sistema de ensino e formação profis-sional. Há já longos séculos que a Suíça pos-sui uma economia próspera: as guildas naIdade Média, a relojoaria e a indústria têx-til a partir do século XVIII, a engenharia noinício do século XIX e inúmeros sectores da

indústria desde então. Demorou muito tem-po até o Estado começar a envolver-se noensino e formação profissional. Até 1884,não havia qualquer apoio federal para as in-fra-estruturas de ensino e formação profis-sional.

Em que difere actualmente o sistema de en-sino e formação profissional suíço dos ou-tros países europeus? A legislação em ma-téria de ensino e formação profissional apli-ca-se a todo o país, embora admita algumasdiferenças entre os diversos cantões. Tal co-mo em todos os outros países, as tradiçõesrelativas ao ensino e formação profissionalem cada cantão possuem raízes profundase muito circunscritas, havendo resistência amudanças drásticas. Todavia, as novas ideias,a experimentação e os progressos regista-dos em determinado cantão podem levarà introdução de reformas prudentes emtodo o país. A tradição e a renovação noensino e formação profissional já não sãomutuamente exclusivas: um exemplo paraa Europa seguir.

Foi acrescentado um terceiro elemento aosdois do sistema dual. Este “terceiro local deaprendizagem” lança uma ponte entre aaprendizagem no local de trabalho e a apren-dizagem na escola. Por exemplo, há cursosintrodutórios para os alunos terem a possi-

Em 1884, o Estado começou a criar oficinas pa-ra formação prática e escolas de regime diurno(como as francesas). Introduziu-se a formaçãoparalela no local de trabalho e na escola de for-mação profissional, portanto um “sistema dual”semelhante ao existente na Alemanha e na Áus-tria.

Foi acrescentado um terceiro elemento aos doisdo sistema dual. Este “terceiro local de aprendi-zagem” lança uma ponte entre a aprendizagemno local de trabalho e a aprendizagem na esco-la. Por exemplo, há cursos introdutórios para osalunos terem a possibilidade de experimentar no-vas abordagens e cometer erros, aprendendo a le-var a cabo tarefas difíceis sem se sentirem pres-sionados.

Optómetro para testar a visão e a aptidão paraavaliar distâncias. A indústria desenvolveu mui-to rapidamente técnicas para a selecção de po-tenciais aprendizes, de acordo com qualidadesconsideradas importantes pelas entidades patro-nais: capacidade intelectual, tempo de reacção,destreza, força, boa visão, aptidão para avaliardistâncias, etc.

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bilidade de experimentar novas abordagense cometer erros, aprendendo a levar a cabotarefas difíceis sem se sentirem pressiona-dos.

“Aptidão”

Os testes de admissão estão hoje pratica-mente generalizados. Em muitas actividadesdesenvolveram-se testes vocacionais atravésdos quais se avalia se os candidatos pos-suem características que permitam o seu en-quadramento numa escola, numa acçãode formação ou numa profissão.

Quem avalia o quê e porquê? Uma perguntainteressante!

Os primeiros testes vocacionais foram de-senvolvidos por psicólogos alemães duran-te a Primeira Guerra Mundial, tendo em vis-ta determinar quais os candidatos com mel-hores aptidões para conduzir veículos mo-torizados em situação de guerra.

Este processo de selecção destinava-se, ob-viamente, a apoiar o exército alemão. Mas

seria útil para os candidatos seleccionadosou rejeitados? Finda a guerra, o governo so-cial-democrata e os sindicatos utilizaram oschamados “testes psicotécnicos” noutrosdomínios: os jovens eram seleccionados pa-ra receberem a formação profissional aten-dendo mais às suas capacidades do que aosseus antecedentes. Foram criados testes deaptidão com vista à redução de perigos pa-ra o grande público, como por exemplo noscami-nhos-de-ferro. Outros países, sobretu-do a França, adoptaram muitos destes testese desenvolveram outros. Foi fundada a As-sociação Internacional de Psicotécnica.

Actualmente, os testes de aptidão são ca-da vez mais utilizados para descobrir ascaracterísticas positivas de cada indivíduoe promover o seu desenvolvimento pes-soal de forma a que tanto a pessoa testa-da como o seu empregador daí retirem be-nefícios.

Convergência

O ensino e formação profissional na Eu-ropa: um debate com mais de 50 anos

Apesar de no tratado não haver quaisquerdisposições sobre o ensino e formação pro-fissional, estava preparado o terreno paraposteriores actividades conjuntas nestedomínio. Em 1953, no seu primeiro relatório,o órgão executivo da CECA, a “Alta Auto-ridade”, fazia referência a motivos não ape-nas económicos mas também sociais paraempreender iniciativas conjuntas. Por exem-plo, ensino e formação profissional poderiamelhorar a segurança laboral na indústriamineira - uma necessidade, tendo em contaque todos os anos morriam ou ficavam fe-ridos centenas de mineiros. A partir de 1953,foi sendo gradualmente implementado o se-guinte programa: compilação de documen-tação; organização de reuniões regulares e

Houve grandes mudanças nas exigências quan-to às capacidades consideradas necessárias parao desempenho de uma profissão. A criatividade,a responsabilidade individual e a capacidade deadaptação aos outros de forma fácil e rápida de-sempenham um papel cada vez mais importante. Foto: Uwe Völkner

Em Paris, em 1951, representantes de seis paíseseuropeus assinaram o tratado que fundava a Co-munidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Da esquerda para a direita: os ministros dosNegócios Estrangeiros da Bélgica (Paul van Zee-land), Luxemburgo (Joseph Blech), Itália (CarloSforza) e França (Robert Schuman), o chanceleralemão (Konrad Adenauer) e o ministro dosNegócios Estrangeiros dos Países Baixos (DirkUipko Stikker). Foto: Biblioteca Audiovisual da Co-missão Europeia

Em Roma, em 1957, representantes de seis naçõeseuropeias assinaram os tratados que fundavama Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Eu-ratom. Foto: Biblioteca Audiovisual da ComissãoEuropeia

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intercâmbio de informação entre os res-ponsáveis pelo ensino e formação profis-sional dos Estados-Membros; criação de umaComissão Permanente para a Formação Pro-fissional. Outra importante iniciativa foi o fi-nanciamento de acções de formação pro-fissional para mineiros no desemprego.

A necessidade de desenvolvimento do en-sino e formação profissional foi expressa deuma forma mais clara nos Tratados de Ro-ma do que o havia sido no Tratado que ins-tituiu a CECA, sendo descrita, por exemplo,como forma de atingir uma situação socialharmoniosa com uma política de pleno em-prego. As iniciativas conjuntas no domíniodo ensino e formação profissional foramidentificadas como condição prévia para amobilidade da mão-de-obra e para o inter-câmbio de jovens trabalhadores no espaçoda CEE.

A Europa e o ensino e formaçãoprofissionalInteresses comuns?

Em 12 de Maio de 1960, o Conselho deMinistros decidiu acelerar a implementaçãodo programa de ensino e formação profis-sional lançado em 1957, a fim de cumprirdiversos objectivos: colmatar a escassez detrabalhadores qualificados, diminuir a ele-vada taxa de desemprego em algumas re-giões, como o Sul de Itália, e melhorar aqualidade de vida dos trabalhadores.

Após consultar peritos dos Estados-Mem-bros, representantes dos sindicatos e do pa-tronato, a Comissão apresentou um progra-ma de dez pontos para uma acção conjun-ta. A França e a Alemanha manifestaram asua viva oposição ao plano de transferir pa-ra a Comunidade as responsabilidades naárea do ensino e formação profissional.

A grande oposição política da década de1960 abrandou finalmente com a cimeira deHaia, em 1969: os parceiros sociais foramchamados a dar o seu contributo para aresolução das questões sociais e incentivou-se o desenvolvimento do ensino e formaçãoprofissional. A crise económica que se se-

O Tratado assinado pelos seis Estados-Membrosem 1965 entrou em vigor em 1967 e instituiu aComunidade Europeia, a CE, que funcionava co-mo a comissão executiva da Comunidade Euro-peia do Carvão e do Aço (CECA) e o Euratom.Foto: Biblioteca Audiovisual da Comissão Euro-peia

As movimentações estudantis no final da décadade 1960 vieram demonstrar a gravidade da crisevivida pelo sistema educativo em quase todos ospaíses.

Em 1972, a Dinamarca, o Reino Unido e a Irlandaassinaram o tratado de adesão à CE. (Na foto-grafia, o ministro irlandês dos Negócios Estran-geiros, Patrick Hillary, e o primeiro-ministro ir-landês, John Lynch.) A Grécia aderiu à CE em1981, Portugal e Espanha em 1986. Em 1995, foia vez da Áustria, Finlândia e Suécia. Foto: Bi-blioteca Audiovisual da Comissão Europeia

A escolha de Berlim para albergar a sede do Ce-defop pretendia demonstrar que a parte ociden-tal da cidade era parte integrante da CE. Após aqueda do Muro e a reunificação alemã, em 1993,tomou-se a decisão de transferir a sede do Cede-fop para Salónica.

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guiu à guerra do Yom Kippur, em 1973, veioreforçar esta tendência.

Em 1975, uma directiva do Conselho de Mi-nistros referia a necessidade de criação deum centro europeu de investigação e do-cumentação sobre o ensino e formação pro-fissional, o Cedefop.

O Centro Europeu para o Desenvolvi-mento da Formação Profissional

A ideia de uma política comum para o en-sino e formação profissional foi amadure-cendo lentamente, tendo por diversas vezesdeparado com viva oposição dos Estados-Membros. Temia-se que os modelos de for-mação profissional que já tinham dado boasprovas pudessem ser substituídosEm 1970, a situação começa a mudar. Osgovernos e os sindicatos, em especial, co-meçam a debruçar-se sobre a questão daformação inicial e contínua. Era necessárioinvestigar para introduzir melhoramentos noensino e formação profissional, e em mui-tos países foram criadas instituições que iriamlevar a cabo essa tarefa. Em resposta a umaproposta do Comité Económico e Social Eu-ropeu, o Conselho de Ministros tomou em1975 a resolução de criar o Centro Europeupara o Desenvolvimento da Formação Pro-fissional, o Cedefop, com sede em Berlim.

O Cedefop tinha a seu cargo diversas tare-fas, tais como:❑ coligir documentação sobre os desen-volvimentos, a investigação;❑ e as instituições de ensino e formaçãoprofissional;❑ difundir informação;❑ promover iniciativas para abrir caminhopara;❑ uma abordagem concertada ao ensino e

formação profissional;❑ e actuar como charneira para as partesenvolvidas.

A política relativa ao ensino e formação pro-fissional está obrigatoriamente relacionadacom o funcionamento da sociedade, poisdiz respeito não só ao ensino, às compe-tências, conhecimentos e desempenhoeconómico, mas também às instituições so-ciais. Uma representação paritária das qua-tro partes interessadas é pois fundamentalpara o trabalho do Centro. O Conselho deAdministração do Cedefop é composto porrepresentantes dos governos, de organi-zações sindicais e patronais de todos os Es-tados-Membros e da Comissão Europeia.

Presentes estão igualmente observadores daUnião das Confederações da Indústria e dosEmpregadores da Europa (UNICE), da Con-federação Europeia dos Sindicatos (ETUC-CES) e dos outros Estados do Espaço Económi-co Europeu.

Graças ao seu trabalho técnico e científi-co, o Centro oferece um contributo vital pa-ra o progresso do ensino e formação pro-fissional na Europa: da divergência à conver-gência.

O ensino e formação profissional na Europa: caminhos partilhadosA colaboração no domínio do ensino e for-mação profissional tem vindo a estreitar-sedesde meados da década de oitenta. A pardos “programas de acção” individuais, têmvindo a ser lançadas as bases para uma acçãopolítica conjunta.

No Conselho Europeu de Lisboa, em 2000,os chefes de Estado e de Governo debru-çaram-se pela primeira vez sobre questõesrelacionadas com a política de educação.

“Programas de Acção”Os programas de acção europeus foram lan-çados pela primeira vez em 1986. Um exem-plo é o programa de acção conhecido como“Leonardo da Vinci”, o qual tem constituídoo terreno experimental para a inovação nocampo da aprendizagem ao longo da vida.

Desde 1995, este programa tem vindo aapoiar projectos onde as instituições de en-sino, as empresas, as câmaras de comércio,etc., de diversos países colaboram no sen-tido de incentivar a mobilidade e a inovaçãoe de apoiar as pessoas no sentido de de-

Em 2000, o Conselho Europeu de Lisboa decidiuque “O desenvolvimento do ensino e da formaçãoprofissional de elevada qualidade é parte inte-grante e integral dessa estratégia, sobretudo emtermos de promoção da inclusão social, da coesão,da mobilidade, da empregabilidade e da compe-titividade”. Foto: Biblioteca Audiovisual da Co-missão Europeia

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senvolverem as suas competências profis-sionais ao longo da vida.

A Fundação Europeia para a FormaçãoIniciou as suas actividades em 1995. Estaagência comunitária desenvolve trabalho pa-ra mais de 40 países não pertencentes à UE,entre os quais se incluem os países à épo-ca candidatos e que agora fazem parte daUE, promovendo e dando assistência à re-forma e modernização dos seus sistemas deensino profissional. A Fundação trabalha emestreita colaboração com o Cedefop.

Conselho Europeu de Lisboa, Março de 2000A União Europeia definiu como objectivoestratégico transformar-se, até 2010, na eco-nomia baseada no conhecimento mais com-petitiva e dinâmica do mundo.

Estocolmo 2001O Conselho Europeu definiu três objectivos:“aumentar a qualidade e a eficácia dos sis-temas de educação e formação na União Eu-ropeia, facilitar o acesso de todos a estes sis-temas e abri-los ao mundo exterior”.

O Caminho a SeguirOs “Processos de Bruges e Copenhaga”mostram que os objectivos comuns de atin-gir a realização e a harmonia na vida pes-soal e profissional poderão vir a ser umarealidade na Europa. Este processo deve oseu nome à “iniciativa de Bruges” dos res-ponsáveis pelo ensino e formação profis-sional (Outubro de 2001), na sequência daqual os ministros da Educação de 31 paíseseuropeus (os Estados-Membros da UE, ospaíses então candidatos e os pertencentes

ao Espaço Económico Europeu, o EEE) adop-taram, em Novembro de 2002, a “Declaraçãode Copenhaga” sobre o reforço da coope-ração europeia em matéria de ensino e for-mação profissional.

“Na última década, o desenvolvimentoeconómico e social na Europa tem pro-gressivamente revelado a necessidade deuma dimensão europeia para a educaçãoe a formação. Acresce ainda que a transiçãopara uma economia baseada no conheci-mento e capaz de promover um crescimentosustentado, com mais e melhores empregose uma maior coesão social, levanta novosdesafios ao desenvolvimento dos recursoshumanos.” Retirado da “Declaração de Co-penhaga”

Os processos de Bruges e Copenhaga de-fendem que “pretendemos intensificar a co-operação voluntária na educação e formaçãovocacionais, a fim de promover a confian-ça mútua, a transparência e o reconheci-mento das competências e qualificações e,deste modo, estabelecer uma base para umamobilidade crescente e facilitar o acesso àaprendizagem ao longo da vida.” Retiradoda “Declaração de Copenhaga”. Os Estados-Membros, os países do EEE, os parceiros so-ciais e a Comissão já começaram a pôr emprática acções de cooperação em relaçãoa várias questões concretas:

❑ um quadro único para a transparênciade competências e qualificaçõesã;❑ um sistema de transferência de crédi-tos para o ensino e formação profissional; ❑ princípios e critérios comuns para a qua-lidade do ensino e formação profissional;❑ princípios comuns para a validação daaprendizagem não formal e informal;❑ orientação ao longo da vida.

Desde 1 de Janeiro de 2000 que as competênciasprofissionais adquiridas no estrangeiro podem serregistadas num documento pessoal, o “Euro-pass-Formação”. Em Março de 2002, na sequên-cia do pedido do Conselho Europeu de Lisboa, aComissão recomendou um formato comum pa-ra os curricula vitae. O novo “CV europeu” (cur-riculum vitae) é diferente da maior parte dos ou-tros CV pois dá grande ênfase à aprendizagemnão formal e informal. Foto: Biblioteca Audiovi-sual da Comissão Europeia

O futuro do ensino e formação profissional estáestreitamente relacionado com o objectivo de me-lhorar a “qualidade do trabalho”, através da pro-moção da empregabilidade, das qualificações, dodesempenho e da saúde dos cidadãos.

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“A transição da escola para o mundo do tra-balho é muito diferente na Alemanha e noReino Unido. Estes dois países constituem,provavelmente, os exemplos mais marcantesdo contraste que reina na Europa a este nível,embora os britânicos pareçam sentir que to-dos os países do continente europeu a sulda Escandinávia utilizam uma versão diluídaou uma variação temática do sistema alemão.Do nosso ponto de vista, a Alemanha pos-sui a versão mais marcante daquele que po-deríamos designar por modelo continentaltípico.” Estes comentários do sociólogo deLiverpool Ken Roberts (Roberts 2000, p.65 e seguintes) poderão não primar pela ob-jectividade, mas revelam pela sua acutilân-cia a forma como até os peritos têm difi-culdade em encontrar uma maneira simplesde retratar o panorama da formação profis-sional na Europa. Se a diversidade de siste-mas de formação já coloca estas dificuldades,é fácil reconhecer a dificuldade que resideem reduzir a evolução histórica, altamentecomplexa, destes sistemas de qualificação aum denominador comum que possa ser subs-crito pelos peritos de várias disciplinas? OCentro Europeu para o Desenvolvimento daFormação Profissional (Cedefop) aceitou es-te desafio com o seu projecto de História doEnsino e Formação Profissional na Europanuma perspectiva comparativa (http://his-tory.cedefop.eu.int). Que abordagens po-derão ser adoptadas para encontrar soluçõespara o problema?

I.

O historiador Hermann Heimpel afirma quea identidade europeia advém do facto dea História da Europa ser uma História deNações. Todavia, esta percepção das naçõescomo blocos de construção da Históriaeuropeia reconhece que a sua constituiçãose ficou a dever, não só ao seu processo dedesenvolvimento gradual, como também àsrelações forjadas entre si enquanto parcei-ros e concorrentes produtivos (Zernack 1994,p. 17). As relações entre as nações forammoldadas por inúmeros factores, incluindoas fronteiras comuns e as trocas comerciais.Algumas tendências históricas internacionaise universais foram particularmente decisi-vas. O factor que mais influenciou a géne-se dos processos de qualificação para asmassas trabalhadoras foi indubitavelmentea Revolução Industrial ou a industrializaçãogeneralizada das nações europeias. Esse fac-tor não só despoletou mudanças económi-cas e tecnológicas fundamentais, como tam-bém alterou profundamente a estrutura dasociedade, a interacção social, os estilos devida, os sistemas políticos, os tipos de po-voamento e as paisagens. Com a RevoluçãoIndustrial, o sistema de “renovação da ca-pacidade de trabalho” sofreu reestruturaçõesradicais em todos os países europeus.

Paradoxalmente, o processo de industriali-zação na Europa não produziu um mode-

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Wolf-DietrichGreinertProfessor de

Pedagogia daFormação

Profissional naUniversidade Técnica

de Berlim

Uma vez que poucos estudosde longo prazo enquadram odesenvolvimento do ensinoe formação profissional (EFP)numa visão mais ampla da so-ciedade, não se sabe muitobem por que razão a EFP evo-luiu de forma diferenciadaem países que registam umdesenvolvimento económicoe social semelhante. Nas suasreflexões sobre um possívelquadro conceptual para aanálise da evolução históricados sistemas europeus de EFP,Wolf-Dietrich Greinert tentaidentificar princípios comunsaos vários sistemas adoptan-do uma perspectiva triparti-da. Em primeiro lugar, a EFPestão enraizadas nas culturasde trabalho nacionais que semanifestam na legislação la-boral. Em segundo lugar, asculturas de trabalho formama base de regimes de EFP es-pecíficos. Em terceiro lugar,as culturas de trabalho e osregimes de EFP surgem comconceitos dominantes que,por sua vez, legitimam umadeterminada orientaçãodidáctica. Com base numaanálise diacrónica a partir daRevolução Industrial, são iden-tificados três tipos genéricosde sistemas de ensino e for-mação profissional (EFP): omodelo liberal, orientado pe-la economia de mercado, doReino Unido, o modelo bu-rocrático, estatizado, da Fran-ça e o modelo dual-empresa-rial, da Alemanha.

”Sistemas” de formaçãoprofissional europeus -algumas reflexões sobreo contexto teórico da suaevolução histórica