DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 - Operação de ... · história da África e dos africanos,...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
PDE - PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
MANOEL DOS SANTOS VIDAL
UNIDADE DIDÁTICA:
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DOS NEGROS NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
Londrina
2010
PDE - PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
MANOEL DOS SANTOS VIDAL
UNIDADE DIDÁTICA:
REFLEXÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS DOS NEGROS NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
Unidade Didática, prevista no Projeto de intervenção pedagógica desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional PDE/PR, realizado na Universidade Estadual de Londrina, a ser desenvolvido No Colégio Estadual Francisco Ferreira Bastos.
Orientadora: Prof.ª Drª. Isabel A. Bilhão
Londrina
2010
APRESENTAÇÃO
A presente Unidade Temática destina-se aos estudantes de 6ª série do
Ensino Fundamental e também aos professores que tenham a intenção de
utilizar tais atividades na sala de aula, como parte integrante do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de Estado da Educação do
Paraná.
Esta proposta de atividade pretende refletir no primeiro momento a
história da África e dos africanos, antes da colonização europeia, que pouco
aparece nos livros didáticos. Esta temática, que pouca gente sabe que na
África antes da chegada dos europeus, havia uma vida cultural ativa com
impérios e reinos organizados com escolas, universidades e milhares de
alunos. E no segundo momento refletir a vida dos negros sob a escravidão no
Brasil que foi uma guerra cotidiana, silenciosa, não-declarada e violenta. E
depois da abolição dos escravos, a vida dos recém libertos não foi fácil, além
de persistir a discriminação racial, estes não receberam terra para plantar. Os
empresários, porém, preferiam dar emprego aos imigrantes europeus,
alegando que os libertos eram preguiçosos, indisciplinados e não tinham
experiência profissional. Ao passo que era afirmada a inferioridade do negro
em relação ao branco, era tecida a ideologia do branqueamento no país.
Após o sofrimento com a escravidão, até os dias de hoje persiste a
discriminação racial desses compatriotas de origem africana. Houve no
decorrer da história brasileira momentos de superação, que ia desde a
negociação com o senhor das terras para conseguir algum benefício até a luta
abolicionista. Enquanto durou a escravidão, houve resistência, fugas
arriscadas, formação de quilombos, revoltas urbanas de escravos e disputa na
justiça. O movimento abolicionista, por meio de passeatas, comícios e outras
manifestações conseguiram convencer a opinião pública brasileira e
internacional, para por fim na escravidão. O movimento negro conseguiu em 9
de janeiro de 2003, a Lei 10.639, tornando obrigatório a inclusão no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira. Agora recentemente em 17 de junho de 2010 foi aprovado o Estatuto
da Igualdade Racial.
Como metodologia de trabalho será realizado uma pesquisa bibliográfica
de alguns nomes de heróis negros que surgiram na história brasileira, pois os
mesmos são pouco lembrados. Constará também leitura de alguns textos e de
imagem com questões para debates e produção escrita, filme com produção de
relatório, música, dança e poesia com ensaio e apresentação pelos estudantes.
PALAVRAS CHAVE: Cultura afro-brasileira, tradição, escravidão, heróis e
discriminação.
OBJETIVO GERAL:
Estudar a condição de vida dos africanos sob o jugo da escravidão no
Brasil, suas estratégias de negociação entre os senhores e os escravos, suas
lutas e a conquista da liberdade; Debater este fato com os estudantes a fim de
valorizar a cultura afro-brasileira;
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
• Contextualizar historicamente a formação e desenvolvimento do
Continente Africano, antes da chegada dos europeus.
• Analisar a importância da tradição oral da cultura africana.
• Identificar e discutir os mecanismos de formação e difusão da
discriminação racial contra os negros no Brasil
ÁFRICA NEGRA: O IMPÉRIO DO MALI E O REINO DO CONGO
O reino de Mali
Vida Econômica:
O Mali era o maior produtor de ouro da África medieval. Mas a maior parte
da população dedicava-se a agricultura e ao pastoreio, e, segundo
historiadores árabes, havia fartura de alimentos por todo o império. Cultivavam-
se arroz – a espécie nativa do rio Níger -, milhete, inhame, feijão e outros
legumes. Cultivava-se também o algodão e, no vale do Níger, praticava-se a
criação de bovinos, ovinos e caprinos. O peixe, defumado ou seco, completava
a alimentação dos malienses. A cada colheita, uma parte simbólica era
oferecida ao imperador.
O artesanato era bastante desenvolvido. Os artesãos estavam divididos em
grupos profissionais: sapateiros, cesteiros, ferreiros, tecelões, ourives e etc. Os
ourives e os tecelões eram os mais prestigiados. Cada grupo de artesãos tinha
seu representante junto ao imperador. Assim, havia o representante dos
ferreiros, dos barqueiros, o dos tecelões etc.
Os artesãos se casavam apenas dentro de seu próprio grupo. Seus
deveres para com o imperador eram definidos, e este não podia exigi imposto
maior do que de costume.
Os malienses também eram considerados bons mercadores. Os wangara,
como eram conhecidos, comercializavam, sobretudo ouro, cobre e nozes de
cola. O cobre chegava a ser tão apreciado quanto o ouro. A noz de cola
também circulava por todo o império. Na África ocidental, os malienses são
conhecidos até hoje como grandes comerciantes.
Política e Administração:
O imperador era a maior autoridade do Mali. Ele ouvia as queixas dos
súditos e distribuía justiça pessoalmente. Embora o imperador quisesse o
islamismo, ele não agia de modo autoritário como o sultão árabe.
O imperador ouvia seus auxiliares (o conselho) sempre que precisa tomar
uma decisão importante. Uma figura de destaque na corte africana era o griot.
Quando o imperador do Mali reunia o conselho, seu griot abria a sessão
relatando os feitos de seus antepassados. Além do griot, havia o chefe das
forças armadas e senhor do tesouro, uma espécie de ministro das finanças,
responsável pela guarda dos depósitos de ouro, marfim, cobre e pedras
preciosas.
A política de tolerância (consulta aos demais povos do império), combinada
com um exército bem treinado, garantiu a estabilidade do Mali por mais de
trezentos anos.
A cidade de Tombuctu, no Império de Mali, no final do século XV, possuía
cerca de 150 escolas, com milhares de estudantes vindos de vários lugares.
Possuía também uma universidade, que havia aula de direito, gramática,
filosofia, astronomia, história, geografia e religião. “Os professores eram bem
pagos e podiam dedicar todo o seu tempo ao ensino e à pesquisa”
Reino do Congo
No ano 1000, a África ao sul do Equador era habitada por povos que
falavam línguas Bantu. Nesta imensa área, os africanos também formaram
reinos poderosos e organizados. Entre eles, o Reino do Congo, sobre a qual
temos mais noticias depois da chegada dos portugueses, pois alguns de seus
reis aprenderam a escrever o português e deixaram cartas sobe o contato entre
os africanos e portugueses.
A Vida Econômica:
A base da economia no Congo era a agricultura e o pastoreio. Os congos
cultivavam legumes, verduras, frutas e criavam porcos, bovinos e cabras. O
trabalho de semear, regar e colher era feito pelas mulheres. Os homens
trabalhavam na derrubada da mata e ajudavam as mulheres na colheita. A
terra era do conjunto de pessoas que vivia nela. O fato de ter nascido no
Congo é o que dava ao individuo o direito de usar a terra e tirar proveito dela.
O comércio no território congo era intenso. Os produtos mais
comercializados eram os artefatos de cobre, marfim, ferro, cerâmica, e tecidos
vegetais, como a ráfia.
A sociedade congolesa
A sociedade do Congo era liderada por uma aristocracia, cujos membros
quase sempre, casavam entre si. Havia ainda os mercadores, os artesãos, mas
a maioria da população era formada por agricultores.
(BOULOS JUNIOR, 2006. p. 132 a 133)
QUESTÕES DE ESTUDO
1 - Organize uma tabela com os dados sobre a agricultura, o artesanato e o
comércio no Império do Mali.
2 – Em dupla: Pesquisem e respondam: Por a história do reino de Congo tem
especial importância para nós brasileiros?
3 – Em grupo: Releiam o trecho da carta do rei africano Affonso escrita em
1526, ao rei de Portugal. E seguida produzam um cartaz contendo uma crítica
a situação que a carta denuncia.
Dia a dia, os traficantes estão raptando nosso povo –
crianças deste país, filhos de nobres e vassalos, até
mesmo pessoas de nossa própria família. (...) Essa forma
de corrupção e vício está tão difundida que nossa terra
acha-se completamente despovoada.(...) É nosso desejo
que este reino não seja um lugar de tráfico ou de transporte
de escravos. (HOCHSCHILD, 1999. p.22).
A TRADIÇÃO VIVA
por Hampâté Bâ
Introdução
“A escrita é uma coisa, e o saber, outra. A escrita é a fotografia do saber,
mas não o saber em si. O saber é uma luz que existe no homem. A herança de
tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente
em tudo o que nos transmitiram, assim como o baobá já existe em potencial em
sua semente.” Tierno Bokar ¹.
Quando falamos de tradição em relação à história africana, referimo-nos à
tradição oral, e nenhuma tentativa de penetrara história e o espírito dos povos
africanos terá validade a menos que se apóie nessa herança de conhecimentos
de toda espécie, pacientemente transmitidos de boca a ouvido, de mestre a
discípulo, ao longo dos séculos. Essa herança ainda não se perdeu e reside na
memória da última geração de grandes depositários, de quem se pode dizer
são a memória viva da África.
Entre as nações modernas, onde a escrita tem precedência sobre a
oralidade, onde o livro constitui o principal veículo da herança cultural, durante
muito tempo julgou-se que povos sem escrita eram povos sem cultura.
Felizmente, esse conceito infundado começou a desmoronar após as duas
últimas guerras, graças ao notável trabalho realizado por alguns dos grandes
etnólogos do mundo inteiro. Hoje, a ação inovadora e corajosa da Unesco
levanta ainda um pouco mais o véu que cobre os tesouros do conhecimento
transmitidos pela tradição oral, tesouros que pertencem ao patrimônio cultural
de toda a humanidade.
Para alguns estudiosos, o problema todo se resume em saber se é
possível conceder à oralidade a mesma confiança que se concede à escrita
quando se trata do testemunho de fatos passados. Não é esta a maneira
correta de se colocar o problema. O testemunho, seja escrito ou oral, no fim
não é mais que testemunho humano, e vale o que vale o homem.
Não faz a oralidade nascer a escrita, tanto no decorrer dos séculos como no
próprio indivíduo? Os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram o
cérebro dos homens. Antes de colocar seus pensamentos no papel, o escritor
ou o estudioso mantém um diálogo secreto consigo mesmo. Antes de escrever
um relato, o homem recorda os fatos tal como lhe foram narrados ou, no caso
de experiência própria, tal como ele mesmo os narra.
Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade mais
fidedigno do que o testemunho oral transmitido de geração a geração. As
crônicas das guerras modernas servem para mostrar que, como se diz, (na
África), cada partido ou nação “enxerga o meio-dia da porta de sua casa" -
através do prisma das paixões, da mentalidade particular, dos interesses ou,
ainda, da avidez em justificar um ponto de vista. Além disso, os próprios
documentos escritos nem sempre se mantiveram livres de falsificações ou
alterações, intencionais ou não, ao passarem sucessivamente pelas mãos dos
copistas - fenômeno que originou, entre outras, as controvérsias sobre as
"Sagradas Escrituras". O que se encontra por detrás do testemunho, portanto,
é o próprio valor do homem que faz o testemunho, o valor da cadeia de
transmissão da qual ele faz parte, a fidedignidade das memórias individual e
coletiva e o valor atribuído à verdade em uma determinada sociedade. Em
suma: a ligação entre o homem e a palavra.
É, pois, nas sociedades orais que não apenas a função da memória é
mais desenvolvida, mas também a ligação entre o homem e a palavra é mais
forte. Lá onde não existe a escrita, o homem está ligado à palavra que profere.
Está comprometido por ela. Ele é a palavra, e a palavra encerra um
testemunho daquilo que ele é. A própria coesão da sociedade repousa no valor
e no respeito pela palavra. Em compensação, ao mesmo tempo que se
difunde, vemos que a escrita pouco a pouco vai substituindo a palavra falada,
tornando-se a única prova e o único recurso; vemos a assinatura tornar-se o
único compromisso reconhecido, enquanto o laço sagrado e profundo que unia
o homem à palavra desaparece progressivamente para dar lugar a títulos
universitários convencionais.
Nas tradições africanas - que dizem respeito a toda a região de savana ao
sul do Saara -, a palavra falada se empossava, além de um valor moral
fundamental, de um caráter sagrado vinculado à sua origem divina e às forças
ocultas nela depositadas. Agente mágico por excelência, grande vetor de
"forças etéreas", não era utilizada sem prudência.
Inúmeros fatores - religiosos, mágicos ou sociais - concorrem, por
conseguinte, para preservar a fidelidade da transmissão oral. Pareceu-nos
indispensável fazer ao leitor uma breve explanação sobre esses fatores, a fim
de melhor situar a tradição oral africana em seu contexto e esclarecê-la, por
assim dizer, a partir do seu interior.
Se formulássemos a seguinte pergunta a um verdadeiro tradicionalista (o
termo tradicionalista significa, aqui, detentor do conhecimento transmitido pela
tradição oral) africano: "O que é tradição oral?", por certo ele se sentiria muito
embaraçado.
Talvez respondesse simplesmente, após longo silêncio: "é o
conhecimento total".
O que, pois, abrange a expressão "tradição oral" Que realidades veicula,
que conhecimentos transmite, que ciências ensina e quem são os
transmissores?
Contrariamente ao que alguns possam pensar, a tradição oral africana,
com efeito, não se limita a histórias e lendas, ou mesmo a relatos mitológicos
ou históricos, e os griots estão longe de ser seus únicos guardiões e
transmissores qualificados.
A tradição oral é a grande escola da vida, e dela recupera e relaciona
todos os aspectos. Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o
segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo
em categorias bem definidas.
Dentro da tradição oral, na verdade, o espiritual e o material não estão
dissociados. Ao passar do esotérico para o exotérico, a tradição oral consegue
colocar-se ao alcance dos homens, falar-lhes de acordo com o entendimento
humano, revelar-se de acordo com as aptidões humanas. Ela é ao mesmo
tempo religião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história,
divertimento e recreação, uma vez que todo por- menor sempre nos permite
remontar à Unidade primordial.
Fundada na iniciação e na experiência, a tradição oral conduz o homem à
sua totalidade e, em virtude disso, pode-se dizer que contribuiu para criar um
tipo de homem particular, para esculpir a alma africana.
Uma vez que se liga ao comportamento cotidiano do homem e da comunidade,
a "cultura" africana não é, portanto, algo abstrato que possa ser isolado da
vida. Ela envolve uma visão particular do mundo, ou, melhor dizendo, uma
presença particular no mundo - um mundo concebido como um Todo onde
todas as coisas se religam e interagem. A tradição oral baseia-se em uma certa
concepção do homem, do seu lugar e do seu papel no seio do universo. Para
situá-la melhor no contexto global, antes de estuda-Ia em seus vários aspectos
devemos, portanto, retomar ao próprio mistério da criação do homem e da
instauração primordial da Palavra: o mistério tal como ela o revela e do qual
emana.
A origem divina da PalavraComo não posso discorrer com autenticidade sobre quaisquer tradições
que não tenha vivido ou estudado pessoalmente - em particular as relativas aos
países da floresta - tirarei os exemplos em que me apóio das tradições da
savana ao sul do Saara (que antigamente era chamada de Bafur e que
constituía as regiões de savana da antiga África ocidental francesa). A tradição
bambara do Komo ² ensina que a Palavra, Kuma, é uma força fundamental que
emana do próprio Ser Supremo, Maa Ngala, criador de todas as coisas. Ela é o
instrumento da criação: "Aquilo que Maa Ngala diz, é!", proclama o chantre do
deus Komo. O mito da criação do universo e do homem, ensinado pelo mestre
iniciador do Komo (que é sempre um ferreiro) aos jovens circuncidados, revela-
nos que quando Maa Ngala sentiu falta de um interlocutor, criou o Primeiro
Homem: Maa. Antigamente a história da gênese costumava ser ensinada
durante os 63 dias de retiro imposto aos circuncidados aos 21 anos de idade;
em seguida, passavam mais 21 anos estudando-a cada vez mais
profundamente. Na orla do bosque sagrado, onde Komo vivia, o primeiro
circuncidado entoava ritmadamente as seguintes palavras:
Maa Ngala! Maa Ngala!
Quem é Maa Ngala?
Onde está Maa Ngala?
O chantre do Komo respondia:
Maa Ngala é a Força infinita.
Ninguém pode situá-lo no tempo e no espaço.
Ele é Dombali (Incognoscível)
Dambali (Incriado - Infinito).
Então, após a iniciação, começava a narração da gênese primordial:
Não havia nada, senão um Ser.
Este Ser era um Vazio vivo, a incubar potencialmente as existências possíveis.
O Tempo infinito era a moradia desse Ser-Um.
O Ser-Um chamou-se de Maa Ngala.
Então ele criou 'Fan',
Um Ovo maravilhoso com nove divisões
No qual introduziu os nove estados fundamentais da existência. Quando o
Ovo primordial chocou, dele nasceram vinte seres fabulosos que constituíram a
totalidade do universo, a soma total das forças existentes do conhecimento
possível. Mas, ai!, nenhuma dessas vinte primeiras criaturas revelou-se apta a
tornar-se o interlocutor (kuma-nyon) que Maa Ngala havia desejado para si.
Assim, ele tomou de uma parcela de cada uma dessas vinte criaturas
existentes e misturou-as; então, insuflando na mistura uma centelha de seu
próprio hálito ígneo, criou um novo Ser, o Homem, a quem deu uma parte de
seu próprio nome:
Maa. E assim esse novo ser, através de seu nome e da centelha divina
nele introduzida, continha algo do próprio Maa Ngala". Síntese de tudo o que
existe, receptáculo por excelência da Força suprema e confluência de todas as
forças existentes,
Maa, o Homem, recebeu de herança uma parte do poder criador divino, o
dom da Mente e da Palavra. Maa Ngala ensinou a Maa, seu interlocutor, as leis
segundo as quais todos os elementos do cosmo foram formados e continuam a
existir. Ele o intitulou guardião do Universo e o encarregou de zelar pela
conservação da Harmonia universal. Por isso é penoso ser Maa.
Iniciado por seu criador, mais tarde Moa transmitiu a seus descendentes tudo o
que havia aprendido, e esse foi o início da grande cadeia de trans- missão oral
iniciatória da qual a ordem do Komo (como as ordens do Nama, do Kore, etc.,
no Mali) diz-se continuadora.
Tendo Maa Ngala criado seu interlocutor, Maa, falava com ele e, ao
mesmo tempo, dotava-o da capacidade de responder. Teve início o diálogo
entre Maa Ngala, criador de todas as coisas, e Maa, simbiose de todas as
coisas. Como provinham de Maa Ngala para o homem, as palavras eram
divinas porque ainda não haviam entrado em contato com a materialidade.
Após o contato com a corporeidade, perderam um pouco de sua divindade,
mas se carregaram de sacralidade. Assim, sacralizada pela Palavra divina, por
sua vez a corporeidade emitiu vibrações sagradas que estabeleceram a
comunicação com Maa Ngala.
A tradição africana, portanto, concebe a fala como um dom de Deus. Ela
é ao mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no sentido
ascendente.
A fala, agente ativo da magiaDeve-se ter em mente que, de maneira geral, todas as tradições africanas
postulam uma visão religiosa do mundo. O universo visível é concebido e
sentido como o sinal, a concretização ou o envoltório de um universo invisível e
vivo, constituído de forças em perpétuo movimento. No interior dessa vasta
unidade cósmica, tudo se liga, tudo é solidário, e o comportamento do homem
em relação a si mesmo e em relação ao mundo que o cerca (mundo mineral,
vegetal, animal e a sociedade humana) será objeto de uma regulamentação
ritual muito precisa cuja forma pode variar segundo as etnias ou regiões.
A violação das leis sagradas causaria uma perturbação no equilíbrio das
forças que se manifestaria em distúrbios de diversos tipos. Por isso a ação
mágica, ou seja, a manipulação das forças, geralmente almejava restaurar o
equilíbrio perturbado e restabelecer a harmonia, da qual o Homem, como
vimos, havia sido designado guardião por seu Criador.
Na Europa, a palavra "magia" é sempre tomada no mau sentido, enquanto que
na África designa unicamente o controle das forças, em si uma coisa neutra
que pode se tomar benéfica ou maléfica conforme a direção que se lhe dê.
Como se diz:
"Nem a magia nem o destino são maus em si. A utilização que deles
fazemos os torna bons ou maus". A magia boa, a dos iniciados e dos "mestres
do conhecimento", visa purificar os homens, os animais e os objetos a fim de
repor as forças em ordem. E aqui é decisiva a força da fala. Assim como a fala
divina de Maa Ngala animou as forças cósmicas que dormiam, estáticas, em
Maa, assim também a fala humana anima, coloca em movimento e suscita as
forças que estão estáticas nas coisas. Mas para que a fala produza um efeito
total, as palavras devem ser entoadas ritmicamente, porque o movimento
precisa de ritmo, estando ele próprio fundamentado no segredo dos números.
A fala deve reproduzir o vaivém que é a essência do ritmo. Nas canções rituais
e nas fórmulas encantatórias, a fala é, portanto, a materialização da cadência.
E se é considerada como tendo o poder de agir sobre os espíritos, é porque
sua harmonia cria movimentos, movimentos que geram forças, forças que
agem sobre os espíritos que são, por sua vez, as potências da ação.
Na tradição africana, a fala, que tira do sagrado o seu poder criador e
operativo, encontra-se em relação direta com a conservação ou com a ruptura
da harmonia no homem e no mundo que o cerca. Por esse motivo a maior
parte das sociedades orais tradicionais considera a mentira uma verdadeira
lepra moral. Na África tradicional, aquele que falta à palavra mata sua pessoa
civil, religiosa e oculta. Ele se separa de si mesmo e da sociedade. Seria
preferível que morresse, tanto para si próprio como para os seus.
O chantre do Komo Dibi de Kulikoro, no Mali, cantou em um de seus
poemas rituais:
A fala é divinamente exata,convém ser exato para com ela. A língua que
falsifica a palavra vicia o sangue daquele que mente. O sangue simboliza aqui
a força vital interior, cuja harmonia é perturbada pela mentira. "Aquele que
corrompe sua palavra, corrompe a si próprio", diz o adágio. Quando alguém
pensa uma coisa e diz outra, separa-se de si mesmo: Rompe a unidade
sagrada, reflexo da unidade cósmica, criando desarmonia dentro e ao redor de
si.
Agora podemos compreender melhor em que contexto mágico-religioso e
social se situa o respeito pela palavra nas sociedades de tradição oral,
especialmente quando se trata de transmitir as palavras herdadas de
ancestrais ou de pessoas idosas. O que a África tradicional mais preza é a
herança ancestral. O apego religioso ao patrimônio transmitido exprime-se em
frases como: "Aprendi com meu Mestre", "Aprendi com meu pai", "Foi o que
suguei no seio de minha mãe".
ConclusãoPara a África, a época atual é de complexidade e de dependência. Os
diferentes mundos, as diferentes mentalidades e os diferentes períodos
sobrepõem-se, interferindo uns nos outros, às vezes se influenciando
mutuamente, nem sempre se compreendendo. Na África o século XX encontra-
se lado a lado com a Idade Média, o Ocidente com o Oriente, o cartesianismo,
modo particular de "pensar" o mundo, com o "animismo", modo particular de
vivê-lo e experimentá-lo na totalidade do ser.
Os jovens líderes "modernos" governam, com mentalidades e sistemas de
lei, ou ideologias, diretamente herdados de modelos estrangeiros, povos e
realidades sujeitos a outras leis e com outras mentalidades. Para exemplificar,
na maioria dos territórios da antiga África ocidental francesa, o código legal
elaborado logo após a independência, por nossos jovens juristas, recém-saídos
das universidades francesas, está pura e simplesmente calcado no Código
Napoleônico. O resultado é que a população, até então governada segundo
costumes sagrados que, herdados de ancestrais, asseguravam a coesão
social, não compreende por que está sendo julgada e condenada em nome de
um "costume" que não é o seu, que não conhece e que não corresponde às
realidades profundas do país. O drama todo do que chamarei de "África de
base" é o de ser freqüentemente governada por uma minoria intelectual que
não a compreende mais, através de princípios incompatíveis com a sua
realidade.
Para a nova "inteligência" africana, formada em disciplinas universitárias
européias, a Tradição muitas vezes deixou de viver. São "histórias de velhos"!
No entanto, é preciso dizer que, de um tempo para cá, uma importante par-
cela da juventude culta vem sentindo cada vez mais a necessidade de se voltar
às tradições ancestrais e de resgatar seus valores fundamentais, a fim de
reencontrar suas próprias raízes e o segredo de sua identidade profunda.
Por contraste, no interior da "África de base", que em geral fica longe das
grandes cidades - ilhotas do Ocidente -, a tradição continuou viva e, como já o
disse antes, grande número de seus representantes ou depositários ainda pode
ser encontrado. Mas por quanto tempo?
O grande problema da África tradicional é, em verdade, o da ruptura da
transmissão.
Nas antigas colônias francesas, a primeira grande ruptura veio com a
guerra de 1914, quando a maioria dos jovens se alistou para ir combater na
França, de onde muitos nunca retornaram. Estes jovens deixaram o país na
idade em que deveriam estar passando pelas grandes iniciações e
aprofundando seus conhecimentos sob a direção dos mais velhos.
O fato de que era obrigatório para homens importantes enviarem seus
filhos a "escolas de brancos", de modo a separá-los da tradição, favoreceu
igualmente esse processo. A maior preocupação do poder colonial era,
compreensivelmente, remover as tradições autóctones tanto quanto possível
para implantar no lugar suas próprias concepções. As escolas, seculares ou
religiosas, constituíram os instrumentos essenciais desta ceifada.
A educação "moderna" recebida por nossos jovens após o fim da última
guerra concluiu o processo e criou um verdadeiro fenômeno de aculturação.
A iniciação, fugindo dos grandes centros urbanos, buscou refúgio na floresta,
onde, devido à atração das grandes cidades e ao surgimento de novas
necessidades, os "anciãos" encontram cada vez menos "ouvidos dóceis" a
quem possam transmitir seus ensinamentos, pois, segundo uma expressão
consagrada, o ensino só pode se dar "de boca perfumada a ouvido dócil e
limpo" (ou seja, inteiramente receptivo).
Estamos hoje, portanto, em tudo o que concerne à tradição oral, diante da
última geração dos grandes depositários.
Justamente por esse motivo o trabalho de coleta deve ser intensificado
durante os próximos 10 ou 15 anos, após os quais os últimos grandes
monumentos vivos da cultura africana terão desaparecido e, junto com eles, os
tesouros insubstituíveis de uma educação peculiar, ao mesmo tempo material,
psicológica e espiritual, fundamentada no sentimento de unidade da vida e
cujas fontes se perdem na noite dos tempos.
Para que o trabalho de coleta seja bem-sucedido, o pesquisador deverá
se armar de muita paciência, lembrando que deve ter "o coração de uma
pomba, a pele de um crocodilo e o estômago de uma avestruz". "O coração de
uma pomba" para nunca se zangar nem se inflamar, mesmo se lhe disserem
coisas desagradáveis. Se alguém se recusa a responder sua pergunta, inútil
insistir; vale mais instalar-se em outro ramo. Uma disputa aqui terá
repercussões em outra parte, enquanto uma saída discreta fará com que seja
lembrado e, muitas vezes, chamado de volta. "A pele de um crocodilo", para
conseguir se deitar em qualquer lugar, sobre qualquer coisa, sem fazer
cerimônias. Por último, "o estômago de uma avestruz", para conseguir comer
de tudo sem adoecer ou enjoar-se.
A condição mais importante de todas, porém, é saber renunciar ao hábito
de julgar tudo segundo critérios pessoais. Para descobrir um novo mundo, é
preciso saber esquecer seu próprio mundo, do contrário o pesquisador estará
simplesmente transportando seu mundo consigo ao invés de manter-se "à
escuta". Através da boca de Tierno Bokar, o sábio de Bandiagara, a África dos
velhos iniciados avisa o jovem pesquisador:
Se queres saber quem sou,
Se queres que te ensine o que sei,
Deixa um pouco de ser o que tu és,
E esquece o que sabes.
1. Tierno Bokar SALIF, falecido em 1940, passou toda a sua vida em
Bandiagara (Mali). Grande mestre da ordem muçulmana de Tijaniyya, foi
igualmente tradicionalista em assuntos africanos. Cf. HAMPATÉ BÂ, A. e
CARDAlRE, M., 1957.
2. A respeito da lei de correspondência analógica, v. HAMPATÉ BÂ, A.
Aspects de Ia civilization africaine, Présence africaine, Paris, 1972, p.
120 e segs.
3.
Fonte: http://www.africanidades.kit.net/
QUESTÕES DE ESTUDO
1 – Fale da importância da tradição entre os africanos e a função dos Griots.
2 – Como explicar a origem divina da palavra na cultura africana
3 – Explique: A fala, agente ativo da magia.
NEGOCIAÇÃO E CONFLITO
Os historiadores, João José Reis e Eduardo Silva propõem uma nova e
instigante abordagem para essa questão, desenvolvida no livro “Negociação e
Conflito”, de que entre a passividade absoluta e a agressividade cega que
alguns historiadores acostumaram-se a atribuir ao escravo, havia uma posição
intermediária: a da negociação. Segundo esses autores:
Uma das tecnologias mais complexas da época, a fabricação
de açúcar não seria simplesmente viável sem uma negociação,
um acordo sistêmico qualquer, entre senhores e escravos. O
risco de sabotagem, que era enorme, e a necessidade de
conhecimentos técnicos específicos. A sabotagem era um
perigo constante: Fagulhas de fogo nos canaviais, limão nas
tachas, dentes quebrados na moenda – tudo podia arruinar a
safra. Na verdade, a produção açucareira exigia destreza e
arte: O problema nunca se limitava simplesmente a quantidade
ou a produtividade dos trabalhadores, mas dependia também
de suas qualidades e de sua cooperação (REIS e SILVA, 1989.
p. 18).
Os escravos, cientes da sua importância, devido à especialidade técnica
na produção de açúcar, exigiam melhor tratamento por parte do senhor. Muitos
fazendeiros ao castigar um escravo por alguma desobediência, não estavam
vendo melhoria, e pelo contrário, continuavam praticando rebeldia, apesar de
ser castigado um mês inteiro. O escravo parado e ferido significava prejuízo no
bolso do fazendeiro, tornando-se necessário encontrar novas estratégias para
lidar com o escravo. O Barão de Pati do Alferes procurava, no século XIX, ser
político com seus escravos para evitar o pior, em memórias, escreve ele:
Ao desativar uma velha fazenda improdutiva, não ousou – como
seria do seu interesse – dividir seus 140 escravos por todas as
suas propriedades. Preferiu, ao contrário, transferi-los para um
único lugar, a fazenda da Conceição, porque separar aqueles
escravos uns dos outros e dividi-los pelas outras fazendas,
estando acostumados a viverem juntos em família, seria além
de impolítico, desgostá-los separando-os de uma tribo...
E ainda, o Barão de Pati estabeleceu prêmios, marcava cinco
alqueires como tarefa, e dizia-lhes: todo aquele que exceder,
terá por cada quarta, quarenta réis de gratificação; com este
engodo que era facilmente observado, conseguiu que
apanhassem sete alqueires (PATI do Alferes, 1856. APUD:
REIS, e SILVA, 1989. p. 19 e p. 27).
Nas negociações que aconteceram, entre senhores e escravos, contudo,
infelizmente, não podemos conhecer o pensamento dos escravos, porque não
se encontra material escrito sobre o assunto, senão através das entrelinhas de
um manual de fazendeiro, cartas e outros documentos. Percebemos que as
barganhas estão cheias de malícias de ambas as partes. As concessões feitas
pelos fazendeiros apelavam diretamente não para a força, mas para a
ideologia. No Rio de Janeiro em agosto de 1854, no município de vassouras,
por exemplo, com medo das insurreições negras, concedem algumas medidas:
Permitir e mesmo promover divertimentos entre os escravos
(...) quem se diverte não conspira; Promover por todos os
meios o desenvolvimento das idéias religiosas; e, finalmente,
permitir que os escravos tenham roças e se liguem ao solo pelo
o amor da propriedade; o escravo que possui nem foge, nem
faz desordens. (REIS e SILVA, 1989. P.29).
QUESTÕES DE ESTUDO:
1) O escravo tinha consciência do valor de seus conhecimentos técnicos e
específicos na fabricação de açúcar e também o senhor do engenho
temia uma sabotagem na produção. O que pensar da visão de alguns
autores que colocam os escravos numa passividade absoluta?
2) O Barão de Pati do Alferes, fazendeiro no século XIX procurou ser
político com seus escravos para evitar o pior. Faça um comentário por
escrito sobre essa ação.
3) As concessões feitas pelos fazendeiro apelava diretamente não para a
força, mas para a ideologia. No Rio de Janeiro em agosto de 1854, no
município de Vassouras, concedem algumas medidas: “Permitiam e
mesmo promoviam divertimentos entre os escravos (...) promoviam por
todos os meios o desenvolvimento das ideias religiosas (...) permitiam
que os escravos tivessem roças (...)” (REIS e SILVA, 1989. p. 29). Por
que esses fazendeiros tomaram essas medidas?
ALEGORIA DE UM DESEJO
A visão da afro-descendência como problema, dominante na sociedade
brasileira no final do século XIX, não deixou de se fazer presente nas artes
visuais, em obras que continuaram a construir um lugar secundário, marginal,
para os negros. O quadro emblemático a esse respeito é Redenção de Cã, de
Modesto Brocos, de 1895.
O pintor com certeza se preocupou com a tradução visual de formas,
proporções, cores, brilhos e texturas dos elementos figurados, de modo a
retratar fidedignamente as condições efetivas de vida nos extratos mais baixos
da população. Entretanto, para além de seu evidente realismo, a obra é
alegórica. Sem descrever a imagem, o título é a chave de leitura da idéia que o
pintor defende. Faz referência a Cã, o filho mais jovem de Noé e pai do servo
Canaã, que seria a origem dos camitas e dos demais povos da raça negra,
todos destinados à servidão, segundo visões largamente difundidas à época.
Se o título alude à possibilidade de salvação dos negros, a imagem indica
exatamente o caminho para a redenção dos afro-descendentes no Brasil.
Na tela, uma negra idosa, com as mãos abertas e o olhar direcionado ao
alto, parece demandar ou agradecer a Deus pela cena que tem diante de si. O
que ela pede ou agradece a Deus? A imagem se faz legível de vários modos.
O primeiro e mais forte sinal é justo a atitude da senhora negra, de gratidão ou
súplica religiosa pela continuidade da purificação racial em processo no seio de
sua família, devido ao nascimento de uma criança de pele clara a partir do
cruzamento de sua filha mulata com o genro branco. Gesto que é reforçado por
elementos menos explícitos. Sentado no batente da porta, no chão, próximo de
pedras e da terra, da Natureza, o homem parece ter se rebaixado ao se
misturar com os negros, vinculando-se a uma mulata, a qual, em sentido
inverso, teria escapado do suposto destino da raça negra, subido na hierarquia
social, e, assim, aparece sentada em um banco, mais próxima dos padrões
culturais da civilização européia. A composição da pintura auxilia
decididamente na deflagração de seu sentido: nas laterais, estão dispostos
simetricamente pólos étnicos em conjunção na sociedade brasileira – a mulher
negra (África) e o homem branco (Ocidente) –; entre esses pólos, tanto o
resultado desse processo social – os mulatos, a miscigenação – quanto a
solução para o problema – o branqueamento racial. No exato centro do quadro,
na mão da criança, uma laranja redonda e luminosa é configurada como signo
de perfeição em meio ao ambiente rústico, degradado, com suas paredes
carcomidas e coisas gastas; na mão do membro mais novo da família, a fruta
guarda as sementes de descendentes mais e mais alvos, simboliza a pureza
desejada para as gerações futuras.
A cena é, portanto, uma alegoria do desejo de purificação racial por meio
do progressivo branqueamento da população e, assim, de liberação dos
estigmas vinculados às condições sociais dos negros. É importante observar
que, ao figurar os anseios da elite brasileira na atitude da senhora negra,
fazendo-a simbolizar simultaneamente África e Brasil, o pintor identificou o país
e a elite ao segmento social que pretendiam tornar invisível. Contudo, mais do
que essa ambigüidade, é preciso ressaltar o dirigismo da imagem, que
pretendia incutir nos afro-descendentes a vergonha e o abandono de suas
origens.
Como disse Rafael Cardoso, a tela é “uma ilustração didática de uma
aspiração comum à sociedade brasileira da época – a terrível ideologia do
branqueamento da população, imperativo que ainda vigora em alguns
recônditos da mentalidade nacional.” Pintura que continua a ter herdeiras:
imagens propagadas em mídias variadas que, em nome do ideal dominante,
seguem incentivando sujeitos os mais diversos a recusarem suas peles,
cabelos, corpos, etnias, culturas.
Fonte: http://www.lab-eduimagem.pro.br/jornal/artigos.asp?
imagem=07&NUM_JORNAL=7&NUM_SECAO=07&ID=216
QUESTÕES DE ESTUDO
1 – O quadro Redenção de cã refere-se, a maldição de Noé ao seu filho Cam
(cã), por ter visto a nudez de seu pai. Recebeu a maldição que cam(cã) deveria
ser o último dos escravos de seus irmãos (Gen 9, 18-25). O que pensar do uso
da Bíblia para justificar a escravidão?
2 – No Quadro, redenção de cã, mostra a vovó com os braços erguidos para o
céu em oração agradecendo o fato de o neto ter nascido branco. O modelo de
ser gente no Brasil era ser branco. A elite brasileira detentora do poder via os
negros e mestiços como pessoas preguiçosas e indisciplinadas. Portanto, eram
raças inferiores que impediam o Brasil de tornar-se um país civilizado. E
precisavam preparar a substituição da mão-de-obra escrava, por que a
abolição se configurava irreversível. E desta forma teceram a ideologia do
branqueamento racial no país. O que pensar desta visão que o branco europeu
é “raça superior”, única capaz de criar uma civilização decente?
TEXTO: NEGRINHA - MONTEIRO LOBATO
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha
escura, de cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos
cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre
escondida, que a patroa não gostava de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos
padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu.
Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali
bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo.
Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas,
esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva.
Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não
suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste
criança, gritava logo nervosa:
— Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da
criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do
quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.
— Cale a boca, diabo!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio,
desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente
assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a
pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação
ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora
risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com
pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa
senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
— Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.
— Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo
corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão
engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a
bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um
instante.
Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas
sem fim.
Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho?
Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado,
mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha
conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi
a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha
viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra.
Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um
gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste...
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os
da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne
exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã
exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era
mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de
rir e ver a careta...
A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da
escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir
cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa
indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer
coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor;
uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...
O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a
gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente
derivativo:
— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade.
Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do
paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom!
gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do
miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de
orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma —
divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada
melhor!
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um
castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo.
Foi assim com aquela história do ovo quente.
Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir
— um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não
sofreou a revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os
dias.
— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à
patroa.
Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-
se.
— Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha,
qual perua choca, a rufar as saias.
— Traga um ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta,
gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus
olhos contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto,
aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a
ponto, a boa senhora chamou:
— Venha cá!
Negrinha aproximou-se.
— Abra a boca!
Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com
uma colher, tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes
que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo
arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem
os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o
vigário que chegava.
— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela
pobre órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!
— A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o
padre.
— Sim, mas cansa...
— Quem dá aos pobres empresta a Deus.
A boa senhora suspirou resignadamente.
— Inda é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas
suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de
plumas.
Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como
dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de
cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de
vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo
tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar?
Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da
doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela
alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no
umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar,
pestinha! Não se enxerga”?
Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —
sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança
encorujou-se no cantinho de sempre.
— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.
— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade
minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas
brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.
— Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas,
no canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o
cuco.
Chegaram as malas e logo:
— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.
Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca
imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma
criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...
Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia
o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
— É feita?... — perguntou, extasiada.
E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a
providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o
ovo quente, tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com
assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo.
— Nunca viu boneca?
— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?
Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.
— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?
— Negrinha.
As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da
bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que
ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem
jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas,
com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era
como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe
tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar
a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes
assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão
grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal
bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela
cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E
incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do
mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não
viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha
e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois
momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —,
e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma.
Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que
desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de
ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a
vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!
Assim foi — e essa consciência a matou.
Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa
voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra,
inteiramente transformada.
Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada
nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida.
Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a
expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos,
cismarentos.
Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu
doloroso inferno, envenenara-a.
Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda
boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir.
Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono.
Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de
bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos
remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por
aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.
Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida,
confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última
vez o cuco lhe apareceu de boca aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...
E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de
terceira — uma miséria, trinta quilos mal pesados...
E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na
memória das meninas ricas.
— “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.
— “Como era boa para um cocre!...”
Fonte: http://www.bancodeescola.com/negrinha.htm
QUESTÕES DE ESTUDO
1) Pesquise no dicionário as seguintes palavras:
Ruços – entalada – calejar – vagir – entanguir – azorrague – gana –
frenesi – êxtase – extática – ramerrão – cismarento.
2) Este conto de Monteiro Lobato foi escrito em 1920, nos chama a atenção
diante de um contexto social permeado pelo preconceito de cor e nos
permite levantar alguns tópicos a respeito, como:
a) Negrinha nasceu escrava ou foi tratada como uma? O que isso nos faz
pensar sobre a abolição da escravidão? A menina não tinha se quer nome,
era chamada de Negrinha. Por quê?
b) O autor trata a senhora com ironia: “Excelente senhora”, “dona do
mundo”, “santa Inácia” são também significativos os trechos “Com lugar
certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu” e “essa indecência de
negro igual a branco”. O que pensar dessa ironia?
c) O que pensar , sobre a descrição das sobrinhas da boneca e do delírio
agonizante de Negrinha?
d) O que teria despertado a consciência de Negrinha? O que poderia
conscientizar um negro adulto?
FILME: QUANTO VALE OU É POR QUILO?
Para contemplar o primeiro objetivo vamos assistir o filme: Quanto vale ou é por quilo? Uma analogia entre o antigo comércio de escravos e a atual
exploração da miséria pelo marketing social, que forma uma solidariedade de
fachada. No século XVII um capitão-do-mato captura um a escrava fugitiva,
que está grávida. Após entregá-la ao seu dono e receber sua recompensa, a
escrava aborta o filho que espera. Nos dias atuais uma ONG implanta o projeto
Informática na Periferia em uma comunidade carente. Arminda, que trabalha no
projeto, descobre que os computadores comprados foram superfaturados e,
por causa disto, precisa ser eliminada. Candinho, um jovem desempregado
cuja esposa está grávida, torna-se matador de aluguel para conseguir dinheiro
para sobreviver.
Ficha Técnica
Título original: Quanto Vale ou é por
Quilo?
Gênero: Drama
Duração: 104 min.
Lançamento (Brasil): 2005
Site: oficial
Estúdio: Agravo Produções
Cinematográficas S/C Ltda.
Distribuição: Riofilme
Direção: Sérgio Bianchi
Roteiro: Sérgio Bianchi, Eduardo
Benaim e Newton Canitto
Produção: Patrick Leblanc e Luís
Alberto Pereira
Fotografia: Marcelo Copanni
Desenho de produção: Jussara
Perussolo
Direção de arte: Renata Tessari
Figurino: Carol Lee, David Parizotti
e Marisa Guimarães
Edição: Paulo Sacramento
QUESTÕES DE ESTUDO
Após assistir o filme os estudantes farão um relatório das partes que mais lhe
chamaram a atenção e depois explicarão o porquê de sua escolha.
MÚSICA: MAMA ÁFRICA - CHICO CÉSAR
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...(2x)
Mama África, tem
Tanto o que fazer
Além de cuidar neném
Além de fazer denguim
Filhinho tem que entender
Mama África vai e vem
Mas não se afasta de você...
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...
Quando Mama sai de casa
Seus filhos de olodunzam
Rola o maior jazz
Mama tem calo nos pés
Mama precisa de paz...
Mama não quer brincar mais
Filhinho dá um tempo
É tanto contratempo
No ritmo de vida de mama...
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...(2x)
É do Senegal
Ser negão, Senegal...
Deve ser legal
Ser negão, Senegal...(3x)
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo o dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...(2x)
Mama África
A minha mãe
Mama África
A minha mãe
Mama África...
(Fonte: http://letras.terra.com.br/chico-cesar/45197/ )
QUESTÕES DE ESTUDO
Após uma reflexão da letra os estudantes apresentarão um dança referente à
canção.
POESIA: MAMA ÁFRICA NÃO MORREU
MARIA ELIANE PEREIRA
Mama África não morreu.
Apenas se escondeu, pereceu, se
fortaleceu.
Mama África sou eu!
Dos porões do navio negreiro
Ecoou um soluço de dor.
Eram meus filhos queridos
Acorrentados e feridos
Pelos grilhões da cor.
Quando pensaram vencidos,
A força crescia:
Driblavam a morte,
Forçavam a sorte.
A esperança se fazia.
É verdade,
Mama África ainda chora
Pelos filhos que outrora
Lhe arrancaram dos braços.
Mama África repudia
O punho da tirania.
E acredita que haverá o dia
Em que negro será gente
Tratado decentemente.
É por isso que insisto:
Mama África não morreu!
Apenas se escondeu, pereceu, se
fortaleceu.
Mama África sou eu!
Quantos sonhos desfeitos!
Quanta dor! Quanto pranto!
Fui roubada, amordaçada,
violentada,
Mas não silenciada.
Não!
Não conseguiram calar minha voz.
Falei nos filhos da minha entranha:
Na coragem de Zumbi,
No sonho de Luther King
Na audácia de Rosa Parks
Na sabedoria de Milton Santos
Na Beleza de Chica
Falei no trabalho duro de Quinca,
De Nana e Barnabé.
Na luta de Maria, Antônio e José.
Hoje,
Ainda sob chibatas do racismo e do
preconceito,
Irrompe em meu peito
Vontade forte de gritar
E fazer ecoar
Aos quatro cantos dessa terra
Que a liberdade está para chegar.
E ela há de ficar!
Há de se espalhar,
De nos ajudar a cantar e encantar.
Ao toque dos tambores,
Sem ordem de senhores,
Há de nos consolar a dor,
Reavivar a cor,
Devolver o amor.
E se quer saber mais
Mama África não morrerá jamais!
Ela pulsa em mim
Ela corre em você.
Fonte: http://www.mundojovem.com.br/poema-negro.php
QUESTÕES DE ESTUDO
Realizar uma interpretação da poesia identificando, através de pesquisa, os
personagens nela citados. Ensaiar um grupo de estudantes para declamar a
poesia em outras turmas.
CLIPE DA MÚSICA: RACISMO É BURRICE - GABRIEL O PENSADOR
Salve, meus irmãos africanos e
lusitanos, do outro lado do oceano
"O Atlântico é pequeno pra nos
separar, porque o sangue é mais
forte que a água do mar"
Racismo, preconceito e
discriminação em geral;
É uma burrice coletiva sem
explicação
Afinal, que justificativa você me dá
para um povo que precisa de união
Mas demonstra claramente
Infelizmente
Preconceitos mil
De naturezas diferentes
Mostrando que essa gente
Essa gente do Brasil é muito burra
E não enxerga um palmo à sua
frente
Porque se fosse inteligente esse
povo já teria agido de forma mais
consciente
Eliminando da mente todo o
preconceito
E não agindo com a burrice
estampada no peito
A "elite" que devia dar um bom
exemplo
É a primeira a demonstrar esse tipo
de sentimento
Num complexo de superioridade
infantil
Ou justificando um sistema de
relação servil
E o povão vai como um bundão na
onda do racismo e da discriminação
Não tem a união e não vê a solução
da questão
Que por incrível que pareça está em
nossas mãos
Só precisamos de uma
reformulação geral
Uma espécie de lavagem cerebral
Racismo é burrice
Não seja um imbecil
Não seja um ignorante
Não se importe com a origem ou a
cor do seu semelhante
O quê que importa se ele é
nordestino e você não?
O quê que importa se ele é preto e
você é branco
Aliás, branco no Brasil é difícil,
porque no Brasil somos todos
mestiços
Se você discorda, então olhe para
trás
Olhe a nossa história
Os nossos ancestrais
O Brasil colonial não era igual a
Portugal
A raiz do meu país era multirracial
Tinha índio, branco, amarelo, preto
Nascemos da mistura, então por
que o preconceito?
Barrigas cresceram
O tempo passou
Nasceram os brasileiros, cada um
com a sua cor
Uns com a pele clara, outros mais
escura
Mas todos viemos da mesma
mistura
Então presta atenção nessa sua
babaquice
Pois como eu já disse racismo é
burrice
Dê a ignorância um ponto final:
Faça uma lavagem cerebral
Racismo é burrice
Negro e nordestino constroem seu
chão
Trabalhador da construção civil
conhecido como peão
No Brasil, o mesmo negro que
constrói o seu apartamento ou o
que lava o chão de uma delegacia
É revistado e humilhado por um
guarda nojento
Que ainda recebe o salário e o pão
de cada dia graças ao negro, ao
nordestino e a todos nós
Pagamos homens que pensam que
ser humilhado não dói
O preconceito é uma coisa sem
sentido
Tire a burrice do peito e me dê
ouvidos
Me responda se você discriminaria
O Juiz Lalau ou o PC Farias
Não, você não faria isso não
Você aprendeu que preto é ladrão
Muitos negros roubam, mas muitos
são roubados
E cuidado com esse branco aí
parado do seu lado
Porque se ele passa fome
Sabe como é:
Ele rouba e mata um homem
Seja você ou seja o Pelé
Você e o Pelé morreriam igual
Então que morra o preconceito e
viva a união racial
Quero ver essa música você
aprender e fazer
A lavagem cerebral
Racismo é burrice
O racismo é burrice mas o mais
burro não é o racista
É o que pensa que o racismo não
existe
O pior cego é o que não quer ver
E o racismo está dentro de você
Porque o racista na verdade é um
tremendo babaca
Que assimila os preconceitos
porque tem cabeça fraca
E desde sempre não pára pra
pensar
Nos conceitos que a sociedade
insiste em lhe ensinar
E de pai pra filho o racismo passa
Em forma de piadas que teriam bem
mais graça
Se não fossem o retrato da nossa
ignorância
Transmitindo a discriminação desde
a infância
E o que as crianças aprendem
brincando
É nada mais nada menos do que a
estupidez se propagando
Nenhum tipo de racismo - eu digo
nenhum tipo de racismo - se justifica
Ninguém explica
Precisamos da lavagem cerebral
pra acabar com esse lixo que é uma
herança cultural
Todo mundo que é racista não sabe
a razão
Então eu digo meu irmão
Seja do povão ou da "elite"
Não participe
Pois como eu já disse racismo é
burrice
Como eu já disse racismo é burrice
Racismo é burrice
E se você é mais um burro, não me
leve a mal
É hora de fazer uma lavagem
cerebral
Mas isso é compromisso seu
Eu nem vou me meter
Quem vai lavar a sua mente não
sou eu
É você.
Fonte: http://letras.terra.com.br/gabriel-pensador/137000/
QUESTÕES DE ESTUDO
Trabalhar com a música apresentando aos educandos um clipe da mesma. Em
seguida pedir que os estudantes produzam um texto com o tema “Racismo”
contando se já presenciaram alguma atitude de discriminação e o que pensam
sobre o assunto.
CONHEÇA OS NOSSOS HERÓIS
• Adhemar Ferreira da Silva
(1927- 2001)
• Aleijadinho (1730–1814)
• André Rebouças (1838-1898)
• Antonieta de Barros (1901-
1952)
• Auta de Souza (1876–1901)
• Benjamin de Oliveira (1870-
1954)
• Carolina Maria de Jesus
(1914-1977)
• Chiquinha Gonzaga (1847-
1935)
• Cruz e Souza (1861-1898)
• Dragão do Mar/ Francisco
José do Nascimento (1839-
1914)
• Elizeth Cardoso (1920–1990)
• Jackson do Pandeiro (1919-
1982)
• João Cândido (1880–1969)
• José (Benedito) Correia Leite
(1900-1989)
• José do Patrocínio (1853-
1905)
• Juliano Moreira (1873-1933)
• Lélia Gonzalez (1935-1994)
• Leônidas (1913-2004)
• Lima Barreto (1881-1922)
• Luiz Gama (1830-1882)
• Machado de Assis (1839-
1908)
• Mãe Aninha (1869-1938)
• Mãe Menininha do Gantois
(1894-1986)
• Mário de Andrade (1893-
1945)
• Milton Santos (1926-2001)
• Paulo da Portela (1901-1949)
• Pixinguinha (1897-1973)
• Teodoro Sampaio (1855-
1937)
• Tia Ciata - Hilária Batista de
Almeida (1854–1924)
• Zumbi dos Palmares (1655?–
1695)
QUESTÕES DE ESTUDO:
1) Faça uma pesquisa histórica bibliográfica dos nossos heróis negros.
VIDEO: NEGRO, EU?! - TV PIRATA
QUESTÕES DE ESTUDO
Assistir ao vídeo “Negro, eu?” fazendo uma reflexão sobre o mesmo. Em
seguida pedir que os educandos elaborem uma história em quadrinhos
com o tema: “Orgulho em ser Negro”. Depois expor as produções no mural.
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=KSmR41_tbq0
BIBLIOGRAFIA
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- Acesso em: 25/03/10 ás 18h00min.
BOULOS JUNIOR, Alfredo. História: Sociedade & Cidadania. 1ªed. São Paulo: FTD, 2006.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci - O Racismo na História do Brasil: Mito e realidade. 3ªed. São Paulo: Ática, 1996.
CONDURU, Roberto. Alegoria de um desejo – A Redenção de Cã –
Disponível em: www.labe-duimagem.pro.br/jornal – Acesso em: 15/04/10 ás
14h00min.
DIEESE. A situação do trabalho no Brasil. São Paulo: DIEESE, 2001.
HOCHSCHILD, O fantasma do rei Leopoldo: uma história de cobiça, terror e heroísmo na África colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
IBGE. Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios - PNAD, Notas Metodológicas. 1999.
Jornal Mundo Jovem – Poesias tema: Negro - Disponível em: http://www.mundojovem.com.br/poema-negro.php - Acesso em 12/02/10 ás 20h00min.
LOBATO, Monteiro. Negrinha. Antologia Escolar Brasileira. Departamento
Nacional de Educação, MEC, 1967.
MAESTRI, Mario. Historia da África Negra Pré-colonial. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História e Vida Integrada. São Paulo: Ática, 2001.
REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito. São Paulo: Ed. Schwarcz Ltda., 1989.