DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · nosso artigo destacamos “O que é história cultural”,...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
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TÍTULO: As diferentes crenças do povo brasileiro
Mirian Romanichen de Souza*1 Flamarion Laba da Costa**2
RESUMO A História caracteriza-se pela capacidade de elaborar, tal como as demais ciências, uma leitura do mundo. O alcance dessa leitura não é simplesmente o passado, aquilo que deixou de existir, mas sim a sociedade no tempo, ao longo do processo histórico, na tripla e indivisível dimensão de sua temporalidade: passado, presente e futuro. Dentre os diversos temas que os professores de História trabalham em sala de aula há um que, de forma excepcional, consegue agregar essa temporalidade e também elaborar uma leitura do mundo: a religiosidade. O estudo aprofundado da religiosidade possibilitará aos alunos a compreensão de elementos essenciais sobre a noção do que é cultura por intermédio do seu caráter simbólico. Permitirá a estes uma leitura mais intensa da realidade e mais que compreender, vivenciar conceitos como diferença, alteridade, diversidade, entre outros, que são fundamentais para uma adequada formação escolar. Conhecer o outro, o diferente, será o caminho desta proposta, apoiando-se na elaboração de material didático que permite observar diferenciações e aproximações culturais ao estudarmos à cultura afro- brasileira, pouco estudadas nas escolas. Palavras chave: Candomblé, Religiosidade, Cultura, Religião, Diversidade ABSTRAT
1 Mirian Romanichen de Souza - Professora PDE da rede Estadual de Ensino do Paraná. Graduada em História pela Unicentro – Guarapuava Pr. Pós-graduada em Teoria do Conhecimento Histórico (Unicentro) e Pedagogia Administração Escolar (Unicentro) - especialista em Administração Escolar, Orientação educacional e Supervisão escolar UNOPAR, Londrina. Rua Bernardino Grande, 76 – Centro Santa Maria do Oeste, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Professor Dr, Flamarion Laba da Costa – Orientador: Professor Dr em História da UNICENTRO – Universidade do Centro Oeste do Paraná
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED
SUPERINTENDENCIA DA EDUCAÇÃO – SUED
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS - DPPE
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
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History is characterized by the ability to develop, like other sciences, a reading of the world. The scope of this reading is not simply the past, what no longer exists, but another company in time, throughout the historical process, and indivisible in the triple dimension of its time: past, present and future. Among the many topics that the History teachers working in the classroom is one that, exceptionally, can add this temporality and also develop an understanding of the world: the religion. The detailed study of religiosity will enable students to understand essential elements of the notion of what culture is through its symbolic character. Allow students a more intense reality, and more than understanding, experience different concepts such as alterity, diversity, etc.. which are fundamental to an adequate education. Knowing the other, the different would be the way of this proposal, relying on the development of teaching materials that allow to observe differences and cultural approaches to study the african-Brazilian culture, little studied in schools. Key words: Candomblé, Religion, Culture, Religion, Diversity INTRODUÇÃO
A História caracteriza-se pela capacidade de elaborar, tal como as demais
ciências, uma leitura do mundo. O alcance dessa leitura não é simplesmente o
passado, aquilo que deixou de existir, mas sim a sociedade no tempo, ao longo do
processo histórico, na tripla e indivisível dimensão de sua temporalidade: passado,
presente e futuro. Dentre os diversos temas que os professores de História
trabalham em sala de aula, há um que, de forma excepcional, consegue agregar
essa temporalidade e também elaborar uma leitura do mundo: a religiosidade.
O estudo aprofundado da religiosidade possibilitará aos alunos a
compreensão de elementos essenciais sobre a noção do que é cultura por
intermédio do seu caráter simbólico. Segundo o antropólogo Marshall Sahlins
(1997), cultura é a categoria responsável pela “organização da experiência e da
ação humanas por meios simbólicos”, ou seja, todas as expressões humanas,
independente de suas características, divisões ou origens, possuem práticas
repletas de significados.
Compreender o termo cultura é abrir a porta para assimilar a existência de
diferentes olhares e atitudes sobre o mundo. É permitir a compreensão da existência
de verdades acerca do mesmo assunto, que a alteridade está em tudo e que o
domínio simbólico do conhecimento que organiza a vida pode ser diferente conforme
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as representações que o grupo social elabora. Portanto, o estudo da cultura religiosa
permitirá aos alunos uma leitura mais intensa da realidade e, mais que compreender
e vivenciar conceitos como diferença, alteridade, diversidade, fundamentais para
uma boa formação escolar.
Conhecer o outro, o diferente, foi o caminho norteador desta proposta de
pesquisa, através da elaboração de material didático que permitiu observar
diferenciações e aproximações culturais, além do que possibilitou o contato dos
alunos com práticas religiosas, com destaque para as religiões afro-brasileiras, o
“Candomblé”, pouco estudadas nas escolas. Os alunos puderam realizar pequenos
textos sobre suas percepções, permitindo também o contato com outras disciplinas e
professores, estabelecendo uma interdisciplinaridade.
São três os historiadores que, inicialmente, nortearam esta proposta. Peter
Burke (1992) possui inúmeros textos que a abordam a disciplina história. Para o
nosso artigo destacamos “O que é história cultural”, “A escrita da história” e
“Variedades de história cultural”. As referidas obras caracterizam-se pela ampla
discussão e trajetória da historiografia, em especial a cultural, fornecendo amplo
embasamento teórico.
Roger Chartier (1990) destaca-se no campo da História Cultural pelo
refinamento de categorias essenciais para os estudos da História, tal como a noção
de representação, a saber, o sentido que os grupos sociais atribuem ao mundo em
que vivem; dentre suas obras destacamos: A História Cultural: Entre práticas e
representações. Por fim, Carlo Ginzburg (1939), importante historiador da chamada
micro-história, autor de O queijo e os vermes, obra indispensável para pensarmos as
diversas faces da religiosidade por intermédio do conceito de circularidade cultural.
O caráter cultural da sociedade é previsto nas Diretrizes Curriculares da
Educação Básica e na ementa dos Fundamentos Teórico-Metodológicos para o
Ensino da História, além da Proposta Pedagógica Curricular de História do Colégio
Estadual José de Anchieta, estabelecimento no qual realizou-se esta pesquisa,
localizado no município de Santa Maria do Oeste. Ressaltando que o referido
município é um dos mais pobres e está enquadrado, segundo a (ONU) -
Organização das Nações Unidas, na lista dos 10 municípios com o menor (IDH), -
Índice de Desenvolvimento Humano do Estado do Paraná. A educação escolar é
uma das mais importantes contribuições que se pode dar para melhorar esse quadro
de pobreza que atinge a maioria dos alunos.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 AS DIFERENTES CRENÇAS DO POVO BRASILEIRO
Na última década, muita coisa mudou também no âmbito das religiões no
Brasil. O último censo nos diz que o País está hoje menos católico mais evangélico
e menos afro-brasileiro. Velhas tendências foram confirmadas, novas direções vão
se impondo. Religiões recém criadas se enfrentam com as mais antigas, velhas
religiões assumem novas formas e veiculam renovados conteúdos para enfrentar a
concorrência mais acirrada no mercado religioso.
Trataremos aqui de um ramo religioso pequeno demograficamente, porém
importante no ponto de vista de seu significado para a cultura brasileira e da
visibilidade que transborda de seu universo de seguidores: as religiões afro-
brasileiras.
O conhecimento religioso é um patrimônio da humanidade. Refletir sobre
esse fenômeno é pensar criticamente sobre a nossa condição existencial, o que não
passa necessariamente pela prática de uma crença em particular. Antes, esse
pensar está marcado pela busca incansável do entendimento das questões ligadas à
própria vida, a transcendência e a orientação ética que dá sentido as realizações
pessoais e sociais.
A dimensão religiosa, por constituir uma propriedade humana, deve ser
abordada com seriedade no espaço escolar, de modo que crianças, jovens e
estudantes possam estabelecer posições autênticas e referenciadas eticamente
diante das expressões e manifestações religiosas. Há muito essa discussão deixou
de ser privilégio de poucos esclarecidos e transposição para a escola de dogmas e
sacramentos utilizados pela Igreja. Hoje, a liberdade de crença e de exercício
religioso, garantida constitucionalmente permite a leitura e o debate crítico dos
lugares sagrados, dos textos sagrados orais e escritos, das organizações religiosas,
do universo simbólico que reúne ritos e festas, danças e músicas, forças sociais que
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sustentam as tradições religiosas. As atividades sugeridas nesta Implementação
Pedagógica demonstram claramente, sem proselitismos, que é possível organizar
conhecimentos básicos sobre o assunto para ampliar as oportunidades de
desenvolvimento humano.
Trata-se de um estudo elaborado para apresentar didaticamente a riqueza da
diversidade do fenômeno religioso, pela via do sagrado, para uma escola laica e
pluralista, um trabalho docente crítico e articulado junto as Diretrizes da Política
Educacional que vem sendo construída. Desta forma, a Implementação Pedagógica,
que ora apresenta-se, busca atender aos anseios de professores no que diz respeito
ao material didático-pedagógico, através de reflexões, textos, imagens, criatividade,
espírito de iniciativa e muita perseverança, sendo estes aspectos importantíssimos
que contribuíram para esta realização, abrindo efetivamente possibilidades para
evidenciar um trabalho diferenciado. Assim sendo, ela surge no sentido de difundir e
conhecer valores no cotidiano escolar, preparando-os para enfrentar um mundo em
constante transformação.
A elaboração desse material se traduz em uma importante ação da
Implementação Pedagógica e pretende promover discussões críticas sobre os
conhecimentos historicamente produzidos, articulados à prática social em sala de
aula, e, portanto não pretendendo esgotar as possibilidades de abordagem dos
conteúdos e sim, instigar os educandos a buscarem cada vez mais novos
conhecimentos.
De acordo com essa perspectiva, a Implementação Pedagógica foi,
conscientemente construída em função do mesmo critério de continuidade e por
essa razão, está igualmente submetida às possibilidades de reestruturação e
reelaboração, e por isso, levará muito tempo para se tornar integralmente obsoleto.
Sendo assim a busca pelo conhecimento religioso se faz de diferentes
maneiras e que o seu papel é o de orientar os educandos sobre a “Diversidade
Religiosa”. Não deixando de mencionar, conforme as Diretrizes do Ensino Religioso,
que o professor terá como ponto de partida dos conteúdos uma tradição religiosa
desconhecida para em um segundo momento, estudar uma tradição religiosa
conhecida dos alunos. Assim, o professor ampliará o horizonte de possibilidades de
compreensão do sagrado, para uma melhor compreensão social e cultural da
diversidade religiosa, dado marcante da sociedade brasileira.
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O que se vive atualmente é uma sociedade pluralista, que se expressa no
Estado não-confessional e laico, que garante os direitos fundamentais de liberdade
religiosa e de expressão religiosa, de acordo com a LEI nº 9.475/97, nunca, como no
presente momento histórico, o respeito à diversidade cultural foi tão reivindicado.
Dessa forma, o Ensino Religioso, que no passado versava sobre a prática de
uma única religião, atualmente é compreendido como a Educação da Cultura
Religiosa dos brasileiros, de um sagrado heterogêneo, mas que se inter-relaciona e
que merece ser respeitado, que orienta e organiza aspectos da tradição deste povo.
Isso é reconhecido pelo artigo 5º da Constituição vigente de 1988. É inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da Lei, a proteção aos locais de culto e suas
liturgias. (C.F, 1988)
Convém destacar ainda, que todo o conteúdo a ser tratado nas aulas de
Ensino Religioso contribuirá para a superação do preconceito a ausência ou a
presença de qualquer crença religiosa, de toda forma de proselitismo, bem como da
discriminação de qualquer expressão do sagrado.
Assim, os conteúdos a serem ministrados nas aulas de Ensino Religioso não
têm o compromisso de legitimar uma manifestação do sagrado em detrimento de
outra, uma vez que a escola não é um espaço de doutrinação, de evangelização, de
expressão de crenças, de ritos ou símbolos, campanhas e celebrações, a linguagem
a ser utilizada nas aulas de Ensino Religioso é a pedagógica e não a religiosa.
(PRANDI, 2003)
2.2 RESPEITO À DIVERSIDADE RELIGIOSA E CULTURA
O espaço escolar é privilegiado por propiciar aos educandos a oportunidade
de refletir sobre o conhecimento historicamente produzido: a identidade cultural e
social; o conhecimento de aspectos da ciência, e da cultura nacional, dentre as
quais se encontram as diferentes tradições e manifestações religiosas presentes na
sociedade contemporânea.
Essa compreensão deve favorecer o respeito à diversidade cultural e
religiosa, em suas relações éticas e sociais, fomentando medidas de repúdio a toda
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e qualquer forma de preconceito, discriminação e o reconhecimento de que todos
são portadores de singularidades. Ou seja, a escola não pode prescindir de sua
vocação de instituição aberta a um universo da cultura, aos integrais acontecimentos
e da ação do homem. O fato religioso, como todos os fatos humanos pertence ao
universo da cultura e, por tanto tem uma relevância cultural, em sede cognitiva.
Nessa perspectiva é que, enfim, encontra-se o Ensino Religioso no espaço chamado
escola.
A Diversidade Cultural é patrimônio comum da humanidade. A cultura adquire
formas diversas por meio do tempo e do espaço que por sua vez, manifestam-se na
originalidade e na pluralidade das identidades que caracterizam os grupos e a
sociedade que compõem a humanidade. O intercambio cultural, o ”conhecer para
compreender”, perfaz as várias formas de leitura do mundo, as quais permitem
novos olhares sobre o espaço ocupado e a existência de forma geral.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu art.27 garante que:
toda a pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade,
de fluir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.
Esse direito com respeito à diversidade cultural marca a possibilidade de
liberdade de expressão nas mais variadas formas, pois divulga as ideias e as
particularidades das comunidades manifestadas no teatro, na pintura, nos textos,
rituais e outras formas de expressão da identidade. Foi nesta perspectiva que
ocorreu a homologação da Declaração Universal da Diversidade Cultural. Portanto,
a Diversidade Cultural e a Diversidade Religiosa andam juntas, a religião acontece
dentro de um universo cultural, ora influenciado, ora sendo influenciado pela cultura.
O fato de toda a pessoa ter liberdade de pensamento, de consciência (crenças) e de
religião inclui a possibilidade de os indivíduos assumirem ou não uma opção de
crença de forma coletiva ou individual. Neste sentido, a discriminação entre os seres
humanos é uma ofensa a dignidade humana e deve ser condenada como uma
violação aos Diretos Universais da pessoa. Por isso, entender as legislações, suas
histórias e seus significados para a devida inter-relação entre os indivíduos sociais
podem ser o primeiro passo para a efetivação do Ensino Religioso enquanto
disciplina que se propõe epistêmica, aliada na formação integral do conhecimento.
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2.3 DA AFRICA PARA O BRASIL
Descoberto em 1500, conquistado pelos portugueses e ao mesmo tempo
catequizado pelos missionários mais representativos da Contra-Reforma Ibérica, os
padres jesuítas foram os responsáveis pela propagação do catolicismo no Brasil. O
Brasil foi um país oficialmente católico por quase quatro séculos. Mesmo depois de
ele ter se tornado uma nação independente em 07 de setembro de 1822, manteve-
se a igreja católica oficialmente unida ao novo Estado-nação. Com o Império, o
padroado passou da coroa portuguesa para o imperador D Pedro I, em 1827. O
catolicismo tornou-se, então, a religião oficial do estado brasileiro.
O catolicismo só deixou de ser a religião oficial do estado brasileiro no final
do século XIX, quando a monarquia foi substituída pelo regime republicano, o qual
abriu mão de não ser mais esta a religião oficial, em 1889 com a Proclamação da
República, nunca houve tanta liberdade religiosa no Brasil como agora.
Nina Rodrigues (1952) diz:
Chegando ao Brasil os negros eram catequizados de maneira vaga, eram pelo menos, batizados. No entanto nada compreendiam dessa religião que lhes ensinavam á força e que se unia, em seus espíritos, ao regime de trabalho servil. O catolicismo não passava de uma fachada que escondia um ritual secreto. (RODRIGUES, 1952, p. 48)
As divindades negras se assimilam aos santos católicos que despertam nos
negros os mesmos complexos ancestrais. A religião católica foi imposta ao negro e
foi por política que o africano ligou seus orixás aos santos. Hoje em dia, para não ser
molestado, continua a fingir de “bom católico”
Os africanos tiveram de mascarar suas crenças sob um catolicismo de
empréstimo e a fusão dos orixás com os santos se manteve, posteriormente por
tradições. (OLIVIA, 2003)
O processo histórico nos mostra que o Candomblé é uma religião que, desde
o período da escravidão no Brasil, estava associada às pessoas negras
(consideradas inferiores), e seus adeptos foram perseguidos e acusados de feitiçaria
e culpados por todos os males, postura marcada por eurocêntrismos, racismos e
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preconceitos. Expressões como “macumbeiro” ou “negrinho do sarava” eram e
podem ser ouvidas até hoje, o que pode acarretar em quem ouve a necessidade de
tentar esconder suas origens afro-descendentes. Tais posturas dificultam o acesso
às informações importantes sobre tal religião, pois esta encontra-se presente em
diversos países com outras denominações.
2.3.1 A casa do candomblé
O Ilê é a casa de candomblé, também conhecida como roça ou terreiro. É o
lugar sagrado que está sob os cuidados de um Babalorixá (homem) ou de uma
Yalorixá (mulher) e sob a proteção principal de um orixá. Os orixás são elementos
de ligação entre os candomblecistas e Oxalá. Os orixás se relacionam diretamente
com as energias da natureza.
Em Curitiba acontecem com freqüência reuniões nas quais seguidores do
Candomblé se encontram para discutir problemas específicos de suas comunidades.
Em um desses encontros foi relatado um projeto desenvolvido em um município do
interior sobre a recuperação da natureza, principalmente na despoluição dos rios.
Tais relatos afirmam que se a natureza estiver morta, os orixás também estarão e
com isto a religião afro-brasileira.
Pode - se perceber aqui a relação do espaço sagrado dentro de religiões
como esta, que se situa para além da casa de candomblé e que se estende por toda
a natureza. Cuidar e proteger a natureza significa honrar os seus ancestrais e os
seus orixás.
No terreiro aprendem o quanto é valorizado o saber religioso. Nas religiões
dos orixás, cada terreiro tem plena autonomia administrativa, ritual e doutrinária, e
tudo depende das decisões pessoais da mãe ou pai-de-santo. É costume se dizer
que no candomblé “nada pode e tudo pode” e que tabus são para ser quebrados.
Cada terreiro exerce o direito de copiar e incorporar novidades, mas costuma dotá-
las de outros significados. Terreiros nascem uns dos outros, mas não há dois iguais,
mesmo quando se observam os terreiros mais antigos, surgidos da mesma matriz
fundante. Arthur Ramos e Nina Rodrigues em Seu Livro “O Negro Brasileiro” citado
por Bastide (1973) comentam; “a religião africana é alegre, celebrando-se numa
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atmosfera de música, de cantos, de danças, num clima de festas, em que todas as
fisionomias respiram alegres”.
O Candomblé derivado dos povos ioruba se organiza dentro de um terreiro,
seu centro religioso é liderado por Sacerdotistas, chamadas de mães de santo,
sacerdotes, ou pais de santo. Os filhos de santo adoram um panteão de orixás, de
acordo com um ciclo anual, semelhante à liturgia da Igreja Católica. Cada orixá do
Candomblé representa um elemento da natureza e possuem uma cor e comida
preferidas. Oxum, a deusa da beleza, veste amarelo, e Iemanjá, a rainha do mar,
veste azul e branco. Nas cerimônias religiosas, os filhos de santos usam as cores
dos orixás. As comidas são colocadas diante do altar antes do inicio dos cânticos e
danças, realizados a partir do toque dos tambores sagrados. A sintonia entre orixá e
o filho de santo é o que permite a incorporação, um dos momentos mais importantes
do Candomblé. O papel da mulher nas religiões afro-brasileiras é fundamental e
majoritário. Algumas sacerdotisas oriundas da Bahia como Mãe Menininha do
Gantoais, Mãe Stela e Mãe Hilda são muito respeitadas, além de conhecidas, em
boa parte do País.
É importante salientar que a palavra falada que circula nos espaços sagrados
africanos e afro-brasileiros tem uma força vital e, por isso mesmo, está impregnada
de Axé.
Uma das mais profundas mudanças observadas no Candomblé nas últimas
décadas do século XXI foi a universalização entre seus seguidores, novos adeptos
de classe média e de origem não africana. Surpreendentemente, o último censo
mostrou também que as religiões afro-brasileiras apresentaram a segunda maior
média de anos de escolaridade de seus seguidores declarados, ficando atrás
apenas do espiritismo Kardecista, religião sabidamente de classe média e de
seguidores com escolaridade elevada. Os terreiros são espaços com muitas
características das culturas africanas, na arquitetura, nos tipos de plantas e árvores
no entorno das construções, nos altares nos quais as entidades sobrenaturais
recebem abrigo, alimentos e nas formas de festejar. A presença africana está
evidente, nas vestes, na postura dos corpos, no gestual e na dança. O tambor é o
instrumento mais importante, fundamental em muitas ocasiões de festas, como
também o berimbau.
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Cada terreiro tem seu orixá e espíritos, cada médium recebe determinadas
entidades, em número limitado. Roger Bastide em seu livro “As Religiões Africanas”
explica bem isso:
O termo Alá é usado na Bahia e em Porto Alegre para designar um tecido branco que na Bahia serve para formar uma espécie de dossel sob o qual passam as filhas de santo, ou para cobrir as pedras sagradas e Mem Porto Alegre para envolver um dos atabaques do culto. (BASTIDE, 1973, p. 123)
As religiões afro-africanas formaram-se em diferentes regiões e estados do
Brasil e em momentos diferenciados da nossa história. Por isso, elas adotam não só
diversas formas rituais e versões mitológicas derivadas de tradições africanas, como
também adotam nome próprio diferente: Candomblé na Bahia, Xangô - Pernambuco
e Alagoas, Tambor de Mina no Maranhão e Pará, Batuque no Rio Grande do Sul.
O Candomblé não é uma religião ética, como o cristianismo é uma religião
mágica e ritual. Nas religiões mágicas não há espaço para a negação deste mundo
terreno em prol da busca necessária de um “outro mundo”, de uma vida eterna no
Além. No Candomblé o que se busca é a interferência concreta do sobrenatural
neste mundo presente, mediante a manipulação de forças sagradas, A invocação
das potências divinas e os sacrifícios oferecidos as diferentes divindades, os
chamados orixás.
O Candomblé, portanto, como todas as outras religiões afro-brasileiras,
acredita na existência de uma pluralidade de deuses, com diferentes poderes e
diferentes funções na vida humana, além de diferentes exigências a seus adeptos. O
Candomblé representa o melhor exemplo de politeísmo explicito que temos no
Brasil, um exemplo vivo e palpável de religiosidade não ética, uma religião aética.
Não existe pecado no Candomblé, porque não existe um código de conduta geral
aplicável a todos os seres humanos, nem mesmo a todos os seguidores da religião
dos orixás, pois cada pessoa tem o seu orixá. A pessoa descobre qual seu orixá por
meio do jogo de búzios, forma de atendimento pessoal que é uma das prerrogativas
religiosas do Babalorixá (Pai de Santo) ou da Yalorixá (mãe de Santo). O jogo de
búzios sempre se faz fora dos rituais comunitários, em sessões de atendimento
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individualizado, e é um serviço pago. Enquanto na África há registro de culto a cerca
de 400 orixás, apenas 20 sobrevivem no Brasil. Mariano (1999) diz:
O candomblé tem mudado muito. Transformando se em religião universal, sem as velhas amarras étnicas que faziam dele religião de preservação do patrimônio cultural e fonte de identidade do negro no Brasil, o candomblé pode se espalhar pelo Brasil. (MARIANO, 1999. p 37)
No século XVIII as cerimônias eram chamadas de calundus, a partir do século
XIX elas passaram a ser chamadas de Candomblés e seus líderes ficaram
conhecidos como pais e principalmente mães-de-santo, sendo o santo o nome
genérico, de nítida influência católica, dado à entidade incorporada durante a
possessão a qual o culto é dirigido.
Siqueira explica:
Por todo o Brasil, de Norte a Sul, é possível encontrar manifestações religiosas de origem africana. Os candomblés se caracterizam basicamente, pelo balançar dos corpos de mulheres que dançam ao ritmo do batuque dos atabaques tocados pelos ogans e tão somente por eles. Cada vez mais os candomblés têm sido considerados organizações que extrapolam a religião, sendo compreendidos por (SIQUEIRA, 1998. p.34)
Silenciosamente, assistimos hoje a um verdadeiro massacre das religiões
afro-brasileiras e o vigor do novo Candomblé não tem sido suficiente para
compensar as perdas. É mais uma demonstração de que a religião que não muda
morre. O reconhecimento da cultura dos orixás principalmente em Salvador
representa um passo importante e sua divulgação através da música popular, das
novelas de TV e da literatura, entre outras formas de manifestação artística, não
deixa de ser um meio muito expressivo. Pertencer hoje a uma determinada religião é
questão de escolha pessoal. A religião que se professa hoje já não é aquela na qual
se nasce, mas a que se escolhe. A religião de hoje é a religião da mudança rápida,
lealdade pequena, do compromisso descartável. A religião muda para poder melhor
competir com as outras crenças em termos da adesão dos fiéis, e não em razão de
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se pôr numa posição axiológica mais compatível com os avanços da sociedade. É
bastante notória a facilidade com que um adepto do Candomblé muda de terreiro,
sempre á procura de soluções que acredita poder encontrar fora da comunidade de
culto existente no próprio Candomblé.
Uma das mais profundas mudanças observadas no candomblé nas últimas décadas do século XX foi sua universalização, quando passou de religião ética a religião de todos, com novos adeptos de classe média e de origem não africana. Nas religiões dos orixás, cada terreiro tem plena autonomia administrativa, ritual e doutrinária e tudo depende das decisões pessoais da mãe ou pai-de-santo (Braga, 1998. p. 152)
A Lei Federal nº 6.292 de 15 de dezembro de 1975 protege os terreiros de
Candomblé no Brasil contra qualquer tipo de alteração de sua formação material ou
imaterial. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é responsável pelo
tombamento das casas. Os terreiros de Candomblé desaparecem com o falecimento
da mãe ou pai-de-santo.
2.4 RELIGIOSIDADES E SINCRESTISMO
Ao resultado do casamento das religiões de origem africana com o
catolicismo damos o nome de Sincretismo, forma de sobrevivência religiosa que os
negros encontraram para manter durante todo o período escravista os seus deuses
escondidos por trás dos santos católicos. O Candomblé, a Umbanda, e a
Quimbanda são religiões afro-brasileiras que diferentemente, são marcadas por uma
forte relação com a natureza ou incorporam grupos sociais ás suas representações
religiosas, ou ainda são uma reinterpretação da visão do mundo católico, que se
expressa através da incorporação.
Um seguidor do Candomblé pode se quiser freqüentar ritos da igreja católica,
mas essa participação já não será mais vista como parte do preceito obrigatório a
que estavam sujeitos os membros dos Candomblés mais antigos, não é mais
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necessário mostrar-se católico para poder louvar os deuses africanos, assim como
não é mais necessário ser católico para ser brasileiro. (PIERUCCI, 2001)
No tempo das senzalas os negros para poderem cultuar seus orixás, usavam
como camuflagem um altar com imagens de santos católicos e por baixo os
assentamentos escondidos, segundo alguns pesquisadores este sincretismo já havia
começado na África induzida pelos próprios missionários para facilitar a conversão.
Depois da libertação dos escravos começaram a surgir as primeiras Casas de
Candomblé e é fato que o Candomblé de séculos tinha incorporado muitos
elementos do cristianismo, crucifixos e imagens eram exibidas nos templos, orixás
eram frequentemente identificados com santos católicos, algumas Casas de
Candomblé incorporavam entidades caboclas, que eram consideradas pagãs como
os orixás. Nos últimos anos, tem aumentado um movimento ”fundamentalista” em
algumas Casas de Candomblé que rejeitam o sincretismo aos elementos Cristãos e
procuram recriar um Candomblé ”mais puro” baseado exclusivamente nos elementos
Africanos. A intolerância e a perseguição as religiões afro-brasileiras continua até os
dias atuais, a liberdade religiosa constante da Constituição Federal nem sempre é
respeitada.
Para os seguidores do Candomblé, a árvore Baobá, trazida para o Brasil no
tempo da escravidão, é uma árvore sagrada para os candomblecistas, considerada
“planta da vida”, pois vive entre 700 a 1000 anos. Assim, para os candomblecistas, o
espaço que ela ocupa se torna sagrado por conta de sua existência, pois adquire um
significado sagrado, já que os remetem à consciência histórica de seus
antepassados. Os lugares sagrados compõem a dimensão da materialidade do
sagrado, pois reúnem aspectos físicos que orientam a paisagem religiosa.
Observa-se que muitas pessoas, de diferentes religiões, estabelecem lugares
como sagrados. Sendo estes reconhecidos em suas manifestações como um lugar
especial, um lugar de profunda e intensa emanação espiritual ou, ainda, pode
compreender um lugar onde o individuo realiza práticas de cunho religioso e busca o
desenvolvimento de sua espiritualidade. Certas culturas religiosas, tais como, as
indígenas, tem uma relação cotidiana com o que é sagrado. Já para outras tradições
religiosas, o sagrado está em oposição ao profano. O cristianismo é uma religião
que a ponta constantemente para a existência de polaridades Deus X Diabo, lugares
sagrados e lugares profanos, santidade e pecado.
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2.5 FESTAS RELIGIOSAS E TEXTOS SAGRADOS
Na tradição Afro-brasileira, a festa de Iemanjá é muito divulgada, é originária
da África, mais especificamente da Nigéria, onde há um rio chamado Iemanjá que
seria filha de Olokum (mar) e é considerada a mãe de grande parte dos orixás. De
acordo com a crença, Iemanjá está carregando em suas mãos um espelho e um
leque de metal e a cor de suas vestes é o branco. A data que se comemora esta
tradição no Brasil é 02 de fevereiro, paralelo a uma festa religiosa cristã, a de Nossa
Senhora dos Navegantes, na Praia do Rio Vermelho, em Salvador - Bahia. Assim,
nesta data, todos os anos uma multidão de pessoas das mais diferentes tradições
religiosas participam desta homenagem à Iemanjá que, segundo eles, é a Rainha
das Águas. Iemanjá juntamente com o orixá Oxalá teriam criado o mundo. Entre os
africanos, ela é a deusa da fertilidade e fecundidade, segundo seus seguidores há
uma crença de que devem dançar imitando os movimentos das ondas do mar.
A tradição Afro no Brasil segue muitos paralelos da religião historicamente
dominante, a católica, até como uma forma de se preservar e agradar, evitando ou
amenizando possíveis perseguições de credo.
As organizações religiosas Afro-brasileiras ou afro-descendentes nasceram
das tradições culturais trazidas do continente africano para o Brasil na época da
escravatura. Os navios negreiros que chegaram entre os séculos XVI e XIX traziam
mais do que africanos pra trabalhar como escravos no Brasil Colônia. Em seus
porões, viajavam também toda a cultura dessas pessoas, incluindo a Religião, a
reguladora da vida social de onde vinham, a qual era estranha aos colonizadores
portugueses. Considerada feitiçaria pelos colonizadores, ela se transformou, pouco
mais de um século depois da abolição da escravatura, numa das religiões mais
populares do País.
Muitas tradições religiosas afro-brasileiras não possuem textos sagrados de
forma escrita, sendo estes transmitidos pela oralidade. No Candomblé a mensagem
sagrada é transmitida por meio de mitos, lendas, canções, contos, danças,
provérbios e ritos para explicar, vivenciar e perpetuar suas crenças e religiosidade.
Historicamente, via de regra apenas os homens estudavam e discutiam textos
como a Bíblia. Atualmente, mulheres estudam e acrescem um prisma feminino á
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interpretação dos textos sagrados. Mulheres têm mostrado ao mundo a força
feminina por meio de um trabalho de espiritualidade vivida no social.
Nas religiões afro-brasileiras, também, a importância da mulher vem sendo
afirmada e demonstrada por muitos pesquisadores, nas suas diferentes
manifestações: Candomblé, Umbanda, Batuque, Xangô, entre outras.
A música se faz necessária nos acontecimentos sagrados das diferentes
tradições religiosas, nos cultos, nas liturgias e na participação coletiva. Nas religiões
africanas, existe a tradição da celebração de festas realizadas no inicio da
primavera, com danças, músicas alegres, onde invocam um ano abençoado, com
boas colheitas e proteção contra os perigos.
As religiões africanas são eminentemente comunitárias. A dimensão comunitária dessas religiões expressa sua concepção da vida e do universo. O importante é o bem estar de todos os membros da comunidade. Não existe divisão de classes ou privilégios sociais. Os benefícios da religião e da religiosidade são universais para o grupo, família, clã, ou cidade. As religiões africanas são programáticas. Os cultos visam harmonia social e espiritual. As concepções presentes nestas religiões estão orientados para a satisfação das necessidades imanentes e transcendentes de seus membros (OLIVIA, 2003, p.65-66)
2.5 CONFLITOS RELIOSOS NO MUNDO
Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha
um papel significativo na vida social e política de todas as partes do globo. Ouvimos
falar de católicos e protestantes em conflito na Irlanda do Norte, cristãos contra
muçulmanos nos Bálcãs, atrito entre muçulmanos, hinduístas e budistas no Srilanka.
Nos Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram
atos de terrorismo. Ao mesmo tempo, representantes de diversas religiões
promovem ajuda humanitária aos pobres e destituídos do Terceiro Mundo. É difícil
adquir uma compreensão adequada da política internacional sem que se esteja
consciente do fator religioso.
Um conhecimento religioso sólido também é útil num mundo que se torna
cada vez mais multicultural. Muitos de nós viajamos para o exterior, entrando em
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contato com sociedades que tem diferentes valores e modos de vida, ao mesmo
tempo que imigrantes e refugiados chegam a nossa própria porta, confrontando-se
com um sistema social que lhes é totalmente estranho.
Além disso, o estudo das religiões pode ser importante para o
desenvolvimento pessoal do individuo. As religiões do mundo podem responder a
perguntas que o homem vem fazendo desde tempos imemoriais. Proibidas no
passado, depois toleradas, as religiões afro-brasileiras são cada vez mais
consideradas religião tão válidas quanto outra qualquer. (PRANDI, 2003)
Na visão de Roger Bastide afirma que:
Pertencer hoje a uma determinada religião é questão de escolha pessoal. A religião que se professa hoje já não é aquela na qual se nasce. Mas a que se escolhe. A religião de hoje é a religião da mudança rápida, da lealdade pequena, do compromisso descartável. (ROGER, 1973, p. 76)
Os registros da História mostram inúmeros exemplos de fanatismo e
intolerância. Já houve lutas de uma religião contra outra e se travaram diversas
guerras em nome da religião. Muitas pessoas já foram perseguidas por causa de
suas convicções e isso continua acontecendo nos dias de hoje.
2.6 VIDA E MORTE PARA OS CANDOMBLECISTAS
No Candomblé, os Babalorixás (homens) ou as Yalorixás (mulheres) têm seus
herdeiros, que por sua morte, esses assumem automaticamente a chefia do terreiro,
para que o mesmo não seja interrompido. Há uma espécie de ”testamento”, que
contêm uma extensa lista de filhos classificados para a sucessão. Esses pela
rigorosa ordem de classificação de seu nome na lista serão chamados a ocupar o
cargo de cuidadores do terreiro e uma vez morto, aquele que estiver no cargo, será
substituído pelo que estiver imediatamente na sequência. Assim, é digno de nota,
nem sempre os parentes, mesmos os mais próximos contemplados nesse
“testamento”. Isso ocorre para provar a isenção de ânimo com que são escolhidos
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os “herdeiros”, levando em contas apenas, seus dotes e qualidades dentro da lei
dessa tradição religiosa.
No Candomblé, morrer é passar para outra dimensão e permanecer junto com
os outros espíritos, orixás e guias. É um processo que faz parte do percurso da
natureza, pois o ser humano é um retrato vivo do sagrado, é um deslocamento de
materiais ancestrais. Acredita-se na ancestralidade, cada criança que nasce é um
ancestral que retorna, não no sentido de uma reencarnação cíclica, mas como uma
continuidade instituída quando Oxalá criou o primeiro ser de barro e Olodumaré e
insuflou-lhe a vida. (Jr, 2001).
O corpo do iniciado no Candomblé geralmente é velado no terreiro. O rito
funerário é chamado de ”axexe”, começa depois do enterro e costuma ser longo,
podendo durar vários dias. A sociedade é chamada para participar deste ritual, pelo
qual o espírito do morto é encaminhado para outra terra. Nesta ocasião, os
assentamentos, elementos simbólicos e materiais são quebrados e jogados em água
corrente. Na África é costume dizer que “cada ancião que morre é uma biblioteca
que se perde”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas décadas muita coisa mudou no âmbito das religiões no Brasil.
Religiões recém-criadas se enfrentam com as mais antigas, velhas religiões
assumem novas formas e veiculam renovados conteúdos para enfrentar a
concorrência mais acirrada no mercado religioso. O Ensino Religioso, que no
passado versava sobre a prática de uma única Religião, atualmente é compreendido
como a educação da cultura religiosa dos brasileiros, de um sagrado heterogêneo,
que merece ser respeitado e hoje reconhecido pelo artigo 5º da Constituição de
1988. Para corresponder a esse propósito, a linguagem a ser utilizada nas aulas de
Ensino Religioso é a pedagógica e não religiosa.
Sendo assim a busca pelo conhecimento religioso se faz de diferentes
maneiras e que o seu papel é o de orientar os educandos sobre a Diversidade
Religiosa. Neste sentido ao desenvolver o Projeto de Intervenção Pedagógica na
Escola – “Olhares sobre o mundo: História e Cultura Religiosa no Ensino Médio”
percebeu-se na elaboração dos estudos uma grande dificuldade em relação a fontes
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de pesquisa ao tema proposto, visto ser este um tanto complexo e pouco trabalhado
nas escolas.
A presente Implementação Pedagógica foi direcionada aos futuros
educadores, como uma possibilidade de superação aos preconceitos e
discriminação e que desta forma estes possam pôstar-se de forma imparcial no
momento do processo ensino-aprendizagem, rompendo com estereótipos e muitos
paradigmas impostos por uma ideologia vigente e hegemônica, como a cristã
ocidental. As atividades previstas foram desenvolvidas com os alunos do Curso de
Formação de Docentes do Colégio Estadual José de Anchieta- EFMNP de Santa
Maria do Oeste, contando com a participação além de estudantes, os professores e
pessoas da comunidade escolar interessadas na temática abordada, a discutirem e
elaborarem melhor seus conhecimentos, obtendo desta maneira resultados positivos
e alcançando os objetivos propostos para esta Implementação. Como não poderia
deixar de mencionar houve o apoio e acompanhamento da Direção e Equipe
Pedagógica na realização de oficinas, onde se desenvolveu toda a proposta de
trabalho.
Foram diversas as atividades executadas com um amplo levantamento
bibliográfico, por meio de leituras e interpretação de textos, artigos, incluindo ainda a
busca de fotografias de terreiros, pai-de-santo, altares, orixás, entrevistas, relatórios,
seminários, charges, história em quadrinhos, slides, matérias jornalísticas, pesquisa
em livros, liberdade de opinião e debates que despertou o interesse pela temática
estimulando a curiosidade pela pesquisa. Após a formação com uma mudança de
postura a respeito das religiões afro no Brasil, os recursos metodológicos escolhidos
despertaram o interesse dos estudantes e da escola como um todo, acontecendo de
maneira prazerosa e o mais importante é que não importa a Religião que aluno
possui, mais que juntos, professores, alunos e comunidade, puderam obter um
resultado na formação integral do ser humano, acreditando que a mesma exerce
uma poderosa influência na vida das pessoas.
O resultado desta Implementação Pedagógica foi apresentada e discutida
com os cursistas do (GTR) - Grupo de Trabalho em Rede o visto ser este um
conteúdo pouco contemplado nos livros didáticos e, além disso, são reduzidas as
fontes de pesquisa nesta área. Além do Curso de Formação de Docentes e dos
cursistas do GTR, ministrei uma oficina na disciplina de Ensino Religioso no DEBI
Itinerante do NRE de Pitanga, que contou com a presença de professores da Rede
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Particular e Estadual de Ensino. A oficina foi muito relevante para os professores,
pois tratou de um conteúdo que deve ser abordado com os alunos na disciplina de
Ensino Religioso e pouco conhecido e/ou discutido em profundidade pelos
professores. A oficina foi avaliada positivamente pelos participantes, que
consideraram a mesma de grande valia, pois enriqueceu os conhecimentos que já
tinham sobre o assunto e contribuiu com novas informações que poderão ser
acrescidas também às suas práticas em sala de aula. Um rápido olhar para o mundo
ao redor mostra que a Religião desempenha um papel significativo na vida social e
política de todas das partes do globo e que de acordo com as Diretrizes Curriculares
fica evidente a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro - brasileira e
Africana estabelecida pela Lei 10.639/03, neste caso o tema pesquisado o
“Candomblé”, veio como um conteúdo complementar a este ensino.
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