DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · torna-se significativa através da interpretação e dos...

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

O GÊNERO FEMININO NOS GÊNEROS DISCURSIVOS: novas percepções

Autora: Ana Alair Fernandes1

Orientadora: Iris Tomita2

Resumo

Levando em consideração a perspectiva de que os gêneros textuais podem ser considerados instrumentos para mediar o processo ensino-aprendizagem da língua e das marcas discursivas que a constituem, julga-se necessário encontrar alternativas para ensiná-los. Em vista disso, propomos um trabalho fundamentado na metodologia da Sequência Didática (SD), conforme proposta de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), constituído a partir da construção prévia do Modelo Didático do Gênero (MDG) propaganda, da esfera publicitária, segundo as orientações de Schneuwly e Dolz (2004) e Machado e Cristóvão (2006). O objetivo é levar à reflexão sobre as relações de gênero representadas nos textos publicitários e seus impactos no ensino dos gêneros discursivos na sala de aula, ampliando, dessa forma, o conhecimento sobre sua função social, seu contexto de produção, sua organização composicional e suas marcas linguísticas.

Palavras-Chave: Gênero Textual; Gênero Feminino; Sequência Didática; Modelo Didático de Gênero; Gênero Propaganda.

Abstratc

By considering the perspective that the textual genre could be considered instrument to measure the process of teaching-learning of the language and the discoursive marks that constitute it, it judges necessary to find alternatives to teach them. Because of that, we propose a fundament study on the Didactic Sequence (DS), according to the proposal of Dolz, Noverraz and Schneuwly (2004) constituted from the previous construction of the Genre of Didactic (GDM) marketing model, publicity, following the orientations of Schneuwly and Dolz (2004) and Machado and Cristóvão (2006). The purpose is to carry out the reflection about the relationship represented on the actual publicity texts and their impacts on the education of genre discursive in the class room, expanding, in that way, the knowledge about its social function, its generation context, its compositional organization and its linguistics marks.

1 Profa. do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – 2009/2010, do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos, pertencente ao NRE de IRATI. [email protected].

2 Profª. Ms. Iris Tomita – UNICENTRO– Guarapuava.

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keywords: Textual Genre; Female Genre; Didactic Sequence; Genre of Didactic Sequence; Publicity Genre.

1 Introdução

O presente artigo é resultado de estudos realizados durante os anos de

2009/2010 no PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional do Governo do

Estado do Paraná. O PDE envolve as seguintes etapas: Projeto de Pesquisa, tutoria

de GTR (Grupo de Trabalho em Rede), Produção de Material Didático,

Implementação do Projeto na escola e Artigo Científico.

Nosso objetivo nesse artigo é refletir sobre as relações de gênero

representadas nas propagandas e seus impactos no ensino dos gêneros

discursivos, estudar a história da representação da mulher nas propagandas,

identificar como os conceitos de gênero influenciam os discursos, verificar a

representação da mulher em relação ao que está explícito e ao que está subtendido

no discurso publicitário, e promover alternativas para que o aluno se aproprie do

gênero propaganda através da apresentação dos resultados da aplicação de uma

Sequência Didática, a partir do gênero propaganda, em uma turma do 3º ano do

Ensino Médio do CEEBJA de Irati.

Essa reflexão foi embasada em teorias que permeiam os gêneros

discursivos principalmente em leituras de Mikhail Bakhtin, Citelli, Foucault,

Lipovetsky, Dolz, Bronckart, entre outros para, a partir dos pressupostos teóricos,

relacionar com o ensino, no sentido de repensar formas de transpor a teoria para a

prática.

As instituições educativas devem ser espaço de práticas sociais em que os

educandos, além de terem oportunidade de entrar em contato com valores

determinados, devem também aprender a estabelecer hierarquia entre valores que

vai possibilitar-lhes a ampliação de julgamento e a consciência de como realizar

suas escolhas.

Partimos do pressuposto de que as mais variadas esferas da atividade

humana estão relacionadas ao uso da linguagem, por exemplo, no âmbito cotidiano-

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familiar, religioso, escolar, profissional, político. Essas esferas tendem a desenvolver

usos próprios, isto é, gêneros discursivos: conversa com familiares, oração, relatório

técnico, propaganda eleitoral, etc.

Com o objetivo de tornar mais claras essas questões e de encontrar

estratégias para o trabalho com os gêneros na sala de aula, o gênero publicitário foi

escolhido, objetivando refletir sobre sua função social, seu contexto de produção,

sua organização composicional, com a preocupação também, para suas marcas

linguísticas, através de sequências didáticas (SD), uma vez que se trata de um

procedimento metodológico que propõe uma maneira bastante prática de trabalhá-

lo em sala de aula com resultados eficientes na aquisição da aprendizagem.

Em relação a este procedimento metodológico, Schneuwly, Dolz e Noverraz

definem ser “um conjunto de atividades escolares organizadas de maneira

sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ, NOVERRAZ e

SCHNEUWLY, 2004, p.97).

Segundo Bakhtin, a lógica da linguagem é em última instância, a lógica da

comunicação ideológica e acreditamos que o discurso publicitário, entre outros, e os

que se referem à imagem feminina, transmite determinados valores vigentes na

sociedade. Como relações de gêneros são amplamente discutidas na

contemporaneidade, pois observamos as mudanças de papeis e de reconhecimento

da identidade feminina, escolheu-se analisar os discursos que envolvem esse tema.

Os analistas de discursos são unânimes em afirmar que um discurso não

circula em qualquer lugar, não toma livremente uma forma genérica qualquer e não

pode ser interpretado de qualquer maneira por qualquer um. Diante dessa afirmação

é possível refletir que os discursos publicitários devem considerar os interlocutores,

com suas experiências, suas histórias, suas ideologias e a situação, isto é, lugar,

tempo histórico e geográfico, em que os discursos são produzidos, em que procuram

idealizar determinados comportamentos que se esperam das mulheres.

Tendo em vista que as propagandas funcionam como um lugar de

representação e que a linguagem, tanto através das palavras quanto das imagens,

torna-se significativa através da interpretação e dos efeitos de sentidos construídos

pelo leitor, é necessário fazer reflexões sobre o tema. É importante também, refletir

sobre o sujeito que produz o discurso da propaganda e a ideologia que está

subjacente ao texto.

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Os sujeitos educandos estão inseridos no universo do discurso publicitário e,

portanto, torna-se importante mediar o processo de recepção para que os mesmos

tenham uma postura crítica diante dessa linguagem.

Considerando que o aluno tem contato com diversas fontes de saberes,

salienta-se a presença da propaganda como uma das mais importantes referências

de construção de identidade. O forte impacto dos produtos midiáticos podem tornar-

se uma referência hegemônica de representações e, portanto, a escola apresenta-se

como um importante espaço para oferecer outras possibilidades de referências

culturais. Assim, pretende-se proporcionar aos alunos novas percepções sobre o

gênero na linguagem.

Utilizou-se o gênero propaganda tendo como foco a mulher, mais

especificamente no que se refere à moda. Após a análise de vários textos desse

gênero percebe-se que a propaganda explora nossas necessidades, identifica nosso

ego e, por meio de estratégias que lhe são próprias nos induz ao consumo. Utiliza-

se de estratégias de manipulação específicas que vão desde o conjunto de

características linguísticas, à polissemia, elementos do contexto de produção e do

plano discursivo, por meio de texto verbal e não-verbal, constituindo-se um texto

híbrido.

Ao ensinar como ler ou produzir um texto publicitário, o professor deve

demonstrar que na sua elaboração, existe uma textualização de informações pela

qual um emissor produz efeitos de sentido, num processo de escolhas e de

encadeamento de elementos escolhidos para determinadas situações. Assim, pode-

se descrever a produção de discursos publicitários, como um processo de decisões

regulado pela intenção do autor.

Dessa forma, os alunos têm contato com leituras que abordam questões

como ideologias transmitidas através dos discursos, manipulação, sedução através

das propagandas.

Peças publicitárias, filmes e outros produtos mediáticos foram

disponibilizados para que refletissem sobre a linguagem verbal e não verbal, com o

objetivo de identificar como os conceitos de gênero influenciam os discursos e de

verificar a representação da mulher em relação ao que está explícito e o que está

subtendido no discurso publicitário.

A aplicação da Sequência didática, seguindo a adaptação de Costa-Hübes

(apud AMOP 2007) e Costa-Hübes (2008), foi aplicada no Centro Estadual de

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Educação Básica para Jovens e Adultos, na 3ª série do Ensino Médio, do período

vespertino. Essa escolha justifica-se por verificar-se que os alunos não conseguem

perceber o discurso de manipulação e sedução que está subentendido na

publicidade, de perceber o não-dito e também porque há dificuldade com a leitura e

a escrita. O trabalho com gêneros discursivos possibilita ao aluno a leitura, a

produção oral e escrita, assim como a reflexão e o uso da linguagem em diferentes

situações.

Recorre-se a Lipovetski, para contextualizar o gênero feminino na

atualidade, segundo o conceito de terceira mulher:

“Desvitalização” do ideal da mulher no lar, legitimidade dos estudos e do trabalho feminino, direito de voto, “descasamento”, liberdade sexual, controle da procriação: manifestações do acesso das mulheres à inteira disposição de si em todas as esferas da existência,são dispositivos que constroem o modelo da “terceira mulher” (LIPOVETSKY, 2000, p. 236).

Dentro dessa perspectiva, convém destacar as diferenças de sentido que

ocorreram em conceitos relacionados à mulher, principalmente no que concerne à

beleza, durante muito tempo atrelado ao conceito de mulher objeto.

Na contemporaneidade, a mulher preocupa-se com a beleza objetivando a

satisfação pessoal, mas a publicidade, ainda em muitos casos, se vale do princípio

da beleza como pretexto para a sedução. Nos dias de hoje, ainda é lugar comum

associar, nas publicidades que envolvem o gênero feminino, o conceito de mulher

objeto em anúncios de lingerie, cosméticos, cuidados pessoais. Por isso, a opção

pela pesquisa sobre a representação do gênero feminino nos discursos publicitários.

Lipovetsky (2000, p. 178) comenta que o grande arquétipo da beleza

feminina, a modelo, tem por alvo principal as próprias mulheres. Encarnando uma

beleza para a moda e não uma beleza para o desejo masculino.

Atualmente, percebe-se uma tendência ao rompimento da imagem da

mulher, associada ao papel de mulher objeto ou de apenas procriadora. Hoje, a

mulher aspira à beleza como satisfação pessoal. Nesse aspecto, algumas

publicidades cumprem seu papel social e ético ao associar a busca da beleza aos

interesses próprios das mulheres.

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Essa tendência já aparece no início do século XX, com estilistas como

Chanel, por exemplo. O processo de mudança do discurso na publicidade, como se

percebe, demorou décadas para acontecer; há bem pouco tempo é que se percebe

a circulação de propagandas que mostram a mulher na perspectiva do conceito de

terceira mulher de Lipovetski.

A publicidade sempre se apresentou como espaço condensativo do

pensamento ideológico hegemônico de cada época. Sendo um campo fértil onde

são semeadas e cultivadas as representações que os homens devem construir

sobre o mundo, sobre a materialidade e sobre suas próprias relações sociais; a

publicidade se realiza, na medida em que mobiliza as representações correntes

dispostas de acordo com o modo de significação da ideologia burguesa,

estabelecendo sua legitimidade de publicização e reproduzindo certos padrões de

pensamento e comportamento.

Apesar de atualmente existir uma linha publicitária que procura passar a

imagem da mulher, no conceito de terceira mulher de Lipovetski, em suas

atualizações, a publicidade lembra às mulheres constantemente quem são e a quem

devem almejar ser. Ou seja, a significação publicitária reflete, no presente, uma

mulher que não atende às expectativas sociais em relação à sua identidade. Assim,

o produto se coloca como o meio através do qual a mulher pode objetivar sua

essência feminina. Mas, de que maneira é construída essa identidade? Como são

manejados os valores simbólicos de maneira a se relacionarem com a

representação dominante do gênero feminino? A intenção, ao desenvolver esse

trabalho é tentar responder a esses questionamentos, através da análise do discurso

das propagandas de Coco Chanel.

No desenvolvimento do presente artigo, partimos do conceito de que o texto

publicitário constitui-se numa unidade de significação, que somente pode ser

analisado e interpretado, se for considerada a natureza sincrética desse tipo de texto

em relação à situação discursiva e ao conjunto de discursos possíveis que fazem

emergirem as significações, a partir de mitos, crenças e ideologias que povoavam o

imaginário coletivo da época em que tais discursos circularam. Em se tratando

especificamente das peças selecionadas, vale esclarecer que elas se destinavam a

um público feminino bem definido: eram especialmente as mulheres burguesas, de

classe privilegiada e urbana, que eram interpeladas pelas propagandas de vestuário,

acessórios, maquiagem.

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Foucault (1999) afirma que aquele que lê (uma obra de arte, um livro, um

filme, uma fotografia, uma história em quadrinhos) entra na cena e ao construí-la é

construído, é subjetivado pelos discursos que no texto operam e, neste mesmo jogo,

posicionado como sujeito. A leitura do texto vai constituindo uma leitura dos objetos,

dos acontecimentos, das coisas descritas – no roteiro, no cenário, na história –, e

está ancorada em discursos tidos como verdadeiros num tempo, num contexto,

numa cultura. A linguagem constrói “realidades”, sujeitos, posições a serem

ocupadas.

A publicidade sempre se apresentou como espaço onde trafegam discursos

que sedimentam valores e ideologias de determinada época. Assim, por ser um

campo fértil em que são cultivadas as representações que os homens devem

construir sobre o mundo, o discurso publicitário das propagandas de Chanel se

materializa, na medida em que dialoga com as representações que se estabelecem

de acordo com o modo de significação da ideologia da época, sobretudo a que

reproduz os valores burgueses, estabelecendo sua legitimidade de publicação e

fixando certos padrões de pensamento e comportamento.

É importante fazer uma retrospectiva em relação ao surgimento da moda.

Segundo Lipovetsky, a procura de símbolos que diferenciem as pessoas e a

competição de classes são itens importantes do paradigma que comanda há mais

de um século a explicação da moda. Há uma tese, atribuída a Spencer, e que

durante algum tempo foi aceita, que afirma que as classes menos privilegiadas

economicamente, em busca de ascensão social, imitam os comportamentos das

classes mais ricas, que por sua vez, para manter as diferenças estão sempre em

busca de inovações, para manter a distância social. Esse movimento constante de

imitação por parte da classe burguesa em relação à nobreza, leva à mudança para

marcar o afastamento social.

Há também outra versão sobre a distinção das classes, no que se refere à

moda; “não é mais a incessante “corrida – perseguição e os fenômenos de ser

alcançado entre o baixo e o alto da hierarquia, mas os conflitos de prestígio no seio

das classes dominantes”. (Lipovetsky, 2009, p 60). Com o enriquecimento da classe

burguesa, houve a ascensão social e ocorreu uma “osmose social” dessa classe

com a nobreza, que é obrigada a compartilhar espaço com os plebeus enriquecidos.

É nesse período que as mudanças na moda aparecem, amparadas pelas estratégias

de distinção e rivalidades de classes.

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Foi antes de tudo na arena das classes superiores, entre as frações da classe dominante, entre nobreza e alta burguesia, nobreza de toga e nobreza de espada, nobreza de corte e nobreza provincial, que se desenrolaram as lutas de concorrência de onde teria saído a dinâmica da moda. (Lipovetski, 2009. p.61)

Além dessas questões sociais, outros fenômenos influenciaram o surgimento

da moda: afirmação individual, valorização da aparência, refinamento, estetização

das linhas que diferenciam a moda. Enfim, são os valores, os sistemas de

significação, os gostos, as normas de vida que explicam a necessidade de

novidades.

A publicidade vai se voltar para a moda a partir do surgimento da Alta

Costura que teve sua origem em Charles – Frédéric Worth, com a criação de sua

própria casa de costuras, House of Worth, fundada em 1858, primeira de muitas que

surgiriam em seguida. A grande inovação foi a criação de modelos inéditos,

confeccionados com antecedência e apresentados aos clientes em salões refinados,

e executados após escolha, nas medidas das compradoras.

Antes de Wort, as roupas das “mulheres da sociedade” eram confeccionadas

por costureiras que não criavam estilos diferentes, mas produziam artesanalmente

as vestimentas, de acordo com o que as clientes especificavam, em tecidos trazidos

por elas mesmas. Os modelos eram escolhidos em ilustrações, revistas ou bonecas

de moda (muito utilizadas na época). Dessa forma, os créditos por estar na moda

eram atribuídos à cliente. Wort revolucionou a moda nesse aspecto, por meio do

lançamento de sucessivas coleções próprias.

O fenômeno da mudança na moda e da valorização do novo, como

consequência do consumo conspícuo, de acordo com o sociólogo americano

Thorstein Veblen, determinava que uma pessoa pudesse vestir um traje uma única

vez, mergulhando o ocidente no universo da moda, pensamento que veio favorecer

Wort.

Este estilista foi o primeiro a promover alterações incessantes de formas,

tecidos, acessórios transformando a monotonia da moda a ponto de causar

estranheza ao público mais conservador. É considerado o primeiro estilista da

história e foi denominado o Papa da moda. A revista Bazar fazia alusão a Wort, por

ocasião de sua morte: “Nenhum poeta, pintor, escultor, ator ou novelista nas últimas

três décadas adquiriu fama tão difundida como esse costureiro da Rue de la Paix”.

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Após a 1ª Guerra Mundial, surge um novo cenário mundial e a moda sofre

essa influência. As mulheres não aceitam retomar a moda formal e restritiva que

perdurava até essa época. A House of Worth continuou ainda por algum tempo sua

tradição de suntuosidade, vestindo a desfalcada nobreza européia nas, cada vez

mais raras ocasiões formais até acabar por desaparecer, silenciosamente, do

cenário da moda.

O papel da mulher mudou durante os anos de guerra. Com os homens nos

campos de batalha, as mulheres foram em busca de trabalho. A moda mudou muito,

tornando-se totalmente focada em roupas práticas, uniformes e estilos condizentes

com a situação. No final da guerra, as mulheres tornavam-se relutantes em voltar a

assumir seus papéis de bonecas reprodutoras e passaram a adotar uma postura

mais prática em favor de uma maior liberdade social. Ironicamente, os anos

dramáticos da guerra foram responsáveis pelas maiores avanços na área dos

cosméticos e cirurgia plástica. A consciência de que a vida era curta e frágil acabou

quebrando barreiras sociais que antes eram intransponíveis.

Segundo o blog Moda Brasil, Chanel aparece nesse contexto, dando ênfase

à linha do vestuário deixando os acessórios e adornos em segundo plano. É dela a

frase: “Façam primeiro o vestido, não façam primeiro o acessório”.

Essa estilista vem revolucionar o mundo da moda, causando uma

transformação, libertando a mulher “engessada” nos trajes do século XIX, com um

discurso de moda, objetivando uma nova mulher do século XX. A publicidade que

envolve a moda ditada por Channel, passa a veicular a imagem de uma mulher

independente, bem sucedida, com estilo próprio. Sua visão de moda ultrapassava as

barreiras vigentes na época. Sempre teve preocupação ao fazer a publicidade de

sua marca (coisa nova na época) de mostrar o conforto que suas roupas

proporcionariam. Passou a criar um estilo e linhas rigorosas, surgiu a mulher

"flapper": vestidos curtos, cabelos ondulados , livram-se dos espartilhos e as meias

enroladas na canela. As "flappers" foram as primeiras mulheres a popularizar o

fumar em público, as verdadeiras "punks" da época, as famosas melindrosas. Os

cabelos antes longos e encaracolados, durante os anos de guerra tornaram-se mais

curtos por razões práticas. A coloração com Henna era popular e muito mais segura

que a coloração química da época. Pouco a pouco os cabelos foram assumindo

cortes cada vez mais radicais. Primeiro à altura do queixo; logo a seguir na altura da

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boca e, posteriormente, na altura das orelhas, em um corte bem masculino. Um

verdadeiro escândalo.

A mulher dos anos 20 anda de bicicleta, dirige automóvel, aprende a dançar

tango e tem como aliada, a tecnologia. Os eletrodomésticos facilitam sua vida dando

a ela mais tempo para investir em si mesma e ascender socialmente. Uma mulher

liberta, aventureira e independente contrasta com o que aprenderam de suas mães

e suas avós. Trabalhadora das fábricas reivindica salários, educação e igualdade no

trabalho. Tempo de copiar artistas famosos. Moda que inova com a revolucionária

Gabrielle Coco Chanel que incorporou a mulher dessa década.

Coco Chanel tornou-se a essência da moda. Perto de seus modelos os

outros estilistas tornavam-se ultrapassados. Chanel promovia a essência do estilo

Flappers. Trabalhava com cores neutras como bege, areia, creme, marinho e preto.

O vestido e o tailleur preto são a marca registrada de Channel, que passa a ser

ícone de status e elegância, ornamentado por fileiras de pérolas e correntes

douradas para contrastar com a cor sóbria. Sapatos baixos na cor marfim com bicos

pretos e muitas gardênias. Criou a bolsa a tiracolo, para libertar as mãos das

mulheres, principalmente para que pudessem segurar seus cigarros com

desenvoltura.

Quando Chanel surgiu no mundo da moda em 1914 seus modelos eram

ridicularizados por suas linhas simples, de elegância sutil e tecido barato, pelo

jersey, que antes era usado apenas em roupas de baixo, pelos trajes de tecidos

xadrez e a moda escocesa, pelas blusas de malha fina, as calças boca-de-sino, as

jaquetas curtas e pelos casacos cruzados na frente e acinturados em estilo militar.

Para a noite, criou vestidos em negro metálico, vermelho escarlate ou bege.

Laços e paetês eram os únicos enfeites e não impediam que as mulheres se

movimentassem com rapidez, ágeis como pedia a estética de um século onde tudo

se tornava automatizado, ajustavam-se na medida à nova postura social, sendo ao

mesmo tempo modernos e clássicos.

Chanel adotou o suéter masculino usado sobre saias lisas e retas e, em

1920, escandalizou, lançando calças masculinas para mulheres, inspiradas nas

calças de boca larga usadas por marinheiros. Diziam que o look Chanel era a

glamorização da pobreza.

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A vida simplificou-se, um espírito mais sóbrio, mesmo retrógrado, passou a

prevalecer na sociedade de um modo geral. A moda de Chanel, ainda que cara,

passava a assumir uma posição vital na conjuntura atual.

Foi ela quem criou o primeiro maiô, após observar a maneira como as

mulheres vestiam-se para ir à praia, com vestidos arrastando-se pelas areias,

mangas compridas, chapéus enormes, incômodos. Foi também essa estilista quem

lançou a moda da mulher bronzeada, uma vez que a cor da pele queimada pelo sol,

era característica das mulheres proletárias ou das camponesas; mas não abria mão

das luvas, pois as mãos brancas continuavam sendo símbolos das mulheres mais

abastadas economicamente.

A nova mulher, casual e esportiva, não mais se adequava à formalidade das

pedras preciosas, foi Chanel que fez das jóias adornadas com cristal e gemas

sintéticas uma declaração social. Com a elegante mistura de pedras preciosas reais

e sintéticas criou a moda do uso de vários e grandes braceletes adornados com

pedras coloridas, anéis e longos brincos.

O sucesso de Chanel foi tão expressivo, que por volta de 1926, foi

convidada a assinar um modelo de carro da Ford Motor Company. Poiret estilista,

que havia sido destronado por Chanel comentou: "O que Chanel inventou é

miserabilismo de alta classe... no passado as mulheres eram arquitetadas e bonitas,

como a proa dos navios. Agora elas parecem operadoras de telégrafo subnutridas”.

Em 1931, Samuel Goldwin contratou Chanel, por US$1.000.000,00, para

vestir suas estrelas, entre elas Grace Kelly, Elizabeth Taylor e Katherine Hepburn

entre outras.

Nesse contexto, a nova mulher enfrenta preconceitos, paga multas por subir

as saias e usar biquíni, mas não deixa de frequentar teatros e tomar banho em

piscinas mistas, ouve óperas, aprecia bandas de jazz e a irreverência das

melindrosas, escandaliza o mundo, vestindo roupas tipicamente masculinas. Eram

os chamados “anos loucos”, anos de moda, anos de arte moderna e anos de crises.

Década de crescimento cultural, de crescimento econômico contrastando com a

crise mundial de 29. Tempos de uma nova mulher, que começa a emancipar-se

trabalhando fora, visto que a guerra oportuniza mudanças de conceitos e novas

oportunidades de emprego. Uma nova mulher começa a surgir ostentando um novo

estilo de vestir bem.

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Chanel, muito antes do lançamento de "O Segundo Sexo", a bíblia feminista

de Simone de Beauvoir, antecipou a liberação da mulher com sua moda simples,

mas de alfaiataria bem cortada e elegante.

Chanel tornou-se "um exemplo da nova mulher", escreve Wallach, “vivia

abertamente com um homem que amava, sem ser casada, e tinha independência

financeira como empresária de sucesso”. É essa postura que ela pretendia

disseminar entre as mulheres da daquela época.

O escritor Victor Margueritte, no seu escandaloso romance "La Garçonne"

(1922), delineou essa mulher moderna como "uma jovem com modos de menino,

cabelo cortado curto, corpo magro e reto, roupas simples, tendência para ser

independente e um ar quase arrogante".

Estava fundamentado a ligação da obra com o que Chanel fazia: o livro

passa a impressão de ter tido Chanel como seu modelo inspirador.

Outros setores marcados pela sua forte e marcante presença, foram os das

artes cênicas, da dança e da literatura. Cultivou amizades estratégicas com

personalidades que frequentavam seu famoso ateliê na Rua Cambon, em Paris. Os

pintores Pablo Picasso e Salvador Dalí, o escritor Jean Cocteau, os poetas Claude

Debussy e Pierre Reverdy, os bailarinos Nijinsky e Serge Lifar, o compositor Igor

Stravinsky e Sergei Diaghilev foram algumas das personalidades que associaram o

nome de Chanel ao momento modernista, vivenciado nas primeiras décadas do

século 20. Para Wallach, “sua arte minimalista em relação à moda que criava não

estava muito longe das idéias da arte abstrata”.

Faleceu em 1971, com 88 anos, e desde 1983 o estilista alemão Karl

Lagerfeld é o diretor artístico da Maison. O estilo clássico criado por mademoiselle,

revitalizado por Lagerfeld, atravessou o século 20 e se tornou atemporal. "Eu criei

um estilo para um mundo inteiro. Vê-se em todas as lojas "estilo Chanel". Não há

nada que se assemelhe. Sou escrava do meu estilo. Um estilo não sai da moda;

Chanel não sai da moda." disse a estilista.

Ela não fazia apenas moda, inventou e disseminou um estilo. Criou uma

nova mulher, muito mais livre e dona dos seus desejos.

A partir desse cenário, essas representações do papel da mulher na

sociedade refletidas no discurso publicitário, tornam-se interessantes ferramentas

para se trabalhar as relações de gênero no gênero publicitário, na disciplina de

Língua Portuguesa.

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Vamos nos reportar a Michel Foucault para iniciar nossas ponderações

sobre a abordagem desse tema na escola, destacando sua referência à prática

discursiva:

Finalmente, o que se chama prática discursiva pode ser agora precisado: Não podemos confundi-la com a operação expressiva pela qual um indivíduo formula uma ideia, um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser acionada em um sistema de inferência; nem com a “ competência” de um sujeito falante quando constrói frases gramaticais; é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma época dada, é para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa (Foucault, 2007, p.133)

Com essa definição pode-se inferir que na prática discursiva, o sujeito e sua

produção estão ligados à historicidade, à história e às instituições. Foucault, ao

colocar em destaque a historicidade radical do discurso e as circunstâncias

institucionais de legitimação da enunciação nos leva ao reconhecimento das práticas

discursivas como sendo dinâmicas, criativas, produtos da enunciação de um sujeito

e, ao mesmo tempo, produzidas e reconhecidas a partir de condições históricas e

institucionais específicas.

Confirmando Foulcaut, recorremos a Bakhtin que esclarece essas condições

específicas das práticas discursivas em sua obra Marxismo e Filosofia da

Linguagem:

Bakhtin/Voloshinov (1997.p.33)No domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem diferenças profundas, pois este domínio é, ao mesmo tempo, o da representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e da forma jurídica etc. Cada campo da criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua própria função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que coloca todos os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral.

Assim temos o conceito de relações dialógicas, noção central do

pensamento bakhtiniano, configuradas a partir das esferas discursivas e dos eventos

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relacionados a elas. São as esferas discursivas que produzem os olhares, os

lugares discursivos, os sentidos e, em decorrência, o conhecimento.

Pode-se então, considerar gêneros ou práticas discursivas uma produção

verbal, visual ou verbo-visual, obrigatoriamente inserida em determinada esfera, a

qual concretiza e dinamiza sua existência, interferindo de forma direta na sua

produção, circulação e recepção.

Para confirmar esse conceito, podem-se tomar como objeto de análise,

enunciados concretos, as publicidades, por exemplo, que podem ser constituídas

por uma palavra, um conjunto de palavras, palavras associadas a uma imagem, ou

seja, fazendo parte de um projeto verbo- visual, e que são considerados enunciados

concretos porque são enunciadas e recebidas a partir de determinada esfera

discursiva, ideológica. Nesse sentido, cada um dos enunciados concretos

escolhidos, cada um dos gêneros discursivos pertencentes a determinada esfera

encaminha-se para determinadas relações dialógicas que apontam para uma

exterioridade, para o extra verbal, no sentido bakhtiniano.

Posto isto, deduz-se que o texto não é autônomo e sim múltiplo, um objeto

que envolve sujeitos múltiplos e para ocorrer produção e efeitos de sentido é preciso

que esses sujeitos assumam determinados lugares discursivos e tomem decisões

para que circulem diferentes discursos a partir desses lugares. O sujeito receptor ,

assim como o sujeito produtor destes textos são participantes ativos da esfera

discursiva em que está inserido o texto, mesmo que não se deem conta desse

fenômeno.

Todas as pessoas estão envolvidas por práticas discursivas, somos atores

delas, conjugamos da sua existência. Não há como fugir desse acontecimento. Não

obstante nossa competência enunciativa, nossa criatividade, fazemos parte dessas

práticas discursivas históricas, sociais e culturais que segundo Foucault, “constituem

conjuntos de coerção anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e

no espaço, que definiram, em uma época dada, e para uma determinada área social,

econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função

enunciativa.

É preciso pensar em uma escola em que haja lugar para a reflexão sobre os

envolvimentos dos sistemas e processos comunicativos na vida de todos os que

transitam por esses espaços educativos. Adilson Citelli dá maior clareza a essa

reflexão quando afirma que: “A “leitura” dos sistemas de comunicação, no seu

15

compósito de produção, circulação e, sobretudo, recepção, deve estar integrada aos

fluxos crítico-dialógicos dos demais discursos com os quais a escola trabalha”.

Segundo Bakthtin (1997.p.279) “a riqueza e a variedade de gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa”.

Os gêneros são instrumentos, são a materialização dos discursos utilizados

pelo homem, para agir sobre o mundo, sobre o outro e sobre os próprios objetos.

Vamos nos utilizar de Schneuwly (1994), que ao defender uma concepção mais

significativa do ensino dos gêneros, vai nos lembrar que a atividade humana se

constituí em três pólos:

1) um sujeito que age;

2) um sujeito que age sobre objetos e situações;

3) para agir, esse sujeito utiliza-se de objetos específicos, sócio-históricamente

elaborados, que se constituem em ferramentas para agir.

São essas ferramentas que “determinariam o comportamento do indivíduo,

guiando, aperfeiçoando e diferenciando sua percepção da situação em que se

encontra e dos objetos sobre os quais atua” (MACHADO E CRISTOVÃO, 200, p.550

apud COSTA-HÜBES e BAUMGÄRTENER, 2009, p.16).

Uma vez que, refererindo-se a atividades verbais, são os gêneros que se

constituem ferramentas que mediatizam as ações do homem, permitindo-lhe

compreender e produzir textos. Esse fato vem justificar a importância em se

trabalhar com os gêneros na escola, pois os alunos apropriando-se deles,

reconhecendo-os e produzindo, serão capazes de agir verbalmente sobre eles.

Moran (2005. p.98) afirma que a escola deve estar atenta ao que a mídia

está vinculando e que os professores devem auxiliar os alunos a perceber os

aspectos positivos e negativos de suas abordagens, inclusive nas publicidades.

2. DESCRIÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA E DOS PROCEDIMENTOS DE

ANÁLISE

16

Adotou-se uma concepção interacionista de linguagem no desenvolvimento

desse trabalho porque, pressupõe-se o reconhecimento da língua como fenômeno

social e, nessa perspectiva,

...o trabalho escolar, no domínio da produção da linguagem, faz-se sobre os gêneros, quer se queira ou não. Eles constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade. A análise de suas características fornece uma primeira base de modalização instrumental para organizar as atividades de ensino que esses objetos de aprendizagem requerem. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.51).

Foram escolhidas para a elaboração do Material Didático do Gênero (MDG)

oito propagandas de diferentes fontes, criadas para públicos diversos, com o

objetivo de demonstrar as várias marcas características do gênero, partindo de uma

situação real de uso.

Ao selecionar o material para elaboração da MDG levamos em conta que

toda produção linguística é uma ação social situada, utilizada por indivíduos em

formações sociais específicas e todos usuários de uma língua moldam sua fala às

formas dos gêneros e os reconhecem nos usos sociais. Bakhtin afirma que os tipos

relativamente estáveis de enunciados são chamados de gêneros discursivos, o que

significa certa mobilidade, flexibilidade em relação às formas de materialização da

língua. Nessa perspectiva o autor nos diz que:

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma das esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, para seleção operada nos recursos da língua - recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais, mas também, e sobretudo por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente, é claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003, p.279).

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Nessa perspectiva, primeiramente analisamos o contexto de produção

dessas peças publicitárias, observando contexto físico de produção (lugar,

momento, autores e interlocutores) e contexto sócio-subjetivo de produção (lugar

social de interação, momento/lugar histórico de interação, posição social do autor e

interlocutor. Objetivo, conteúdo, suporte de circulação). Logo após buscamos

analisar o plano discursivo (plano textual global,discurso e sequência discursiva) e

finalizamos com análise do estilo linguístico (tempos verbais, modalizadores,

multimodalidade, hibridismo, entre outros) das propagandas selecionadas.

Schneuwly e Dolz resumem o que foi descrito acima na identificação dos

gêneros:

- Cada esfera de troca social elabora tipos relativamente estáveis de enunciados: os gêneros;-Três elementos os caracterizam: conteúdo temático, estilo, construção composicional;- A escolha de um gênero se determina pela esfera, as necessidades da temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor. (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p.25).

Para maior clareza passo a detalhar a forma como foi aplicado esse

conteúdo em sala de aula.

Inicialmente foi apresentada a situação aos alunos sobre o gênero

propaganda.

Durante esse período foi solicitado aos alunos que observassem

propagandas veiculadas pela mídia (televisão, rádio, internet), recortassem

propagandas de jornais, revistas, selecionassem folders, panfletos com divulgação

de produtos para comentários e análise em sala de aula.

Em seguida foram desenvolvidas atividades de análise do contexto de

produção e análise do plano discursivo para que os alunos reconhecessem o gênero

que seria trabalhado.

Com o objetivo de demonstrar de que forma geralmente esse gênero se

constitui fizemos análise da peça publicitária encontrada no endereço eletrônico:

http://www.hotelpanoramaresort.com.br/promocoes.html

Elementos do mundo físico:

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− Lugar de produção: agência de publicidade.

− Lugar de circulação: site do hotel.

− Momento da produção: anterior a 01/03/ 2010.

− Emissor: publicitário.

− Receptor: pessoas interessadas em viajar de férias.

Elementos do mundo social de produção:

− Lugar social do enunciador: Hotel Panorama

− Posição social do emissor: Empresário (proprietário do hotel)

− Papel social dos receptores: pessoas que viajam a lazer, público de classe

média.

− Objetivo da produção desse texto: atrair as pessoas para hospedarem-se no

resort. Fotos e ilustrações tem por objetivo reforçar sentimentos, sensações,

necessidades das pessoas. As cores remetem a frescor, tranquilidade. Todos os

componentes gráficos reforçam a imagem que o hotel quer passar aos

consumidores.

Nesse sentido, ainda, a própria opção pela utilização de fotos, imagens,

cores, caracteriza este gênero, também, como multimodal, ao unir a linguagem

verbal e a não-verbal.

Ao elaborar a atividade descrita recorremos a Cristovão, que adota a

concepção de MDG de acordo com Schneuwly e Dolz (2004), a análise e

classificação dos textos, bem como a identificação dos gêneros é imprescindível

para a elaboração de uma MDG que orientará para o que deve ser ensinado aos

alunos. Segundo Cristovão, dentro desta perspectiva o modelo didático é criado a

partir de:

a) resultados de aprendizagem expressos por documentos oficiais e da determinação das capacidades reveladas pelos alunos:b) conhecimento dos experts daquele gênero e conhecimentos linguísticos do gênero;c) capacidade de linguagem dos alunos. (…) o modelo didático visa apontar, segundo o que é insinável, às capacidades de linguagem que poderão ser desenvolvidas a partir do trabalho com os textos pertencentes a gêneros específicos que circulam em nosso meio. (CRISTOVÃO, 2002, p.43-44).

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Ressaltamos aqui a construção de Sequências Didáticas (SD) tendo como

origem a construção inicial do MDG: observando que a propaganda está presente

em vários veículos de circulação, ao selecionar o corpus para a análise através do

MDG, com o objetivo de buscar conhecimentos aprofundados no que se refere às

marcas composicionais e lingüísticas do gênero propaganda, nos defrontamos com

algumas peculiaridades, que vão desde a diversidade de formas, influências dos

suportes na sua elaboração, até a grande diversidade de formatos presentes nessa

esfera. Dessa forma, após selecionadas as propagandas, de veículos diversos,

tendo como foco diferentes interlocutores e após análise detalhada do MDG, iniciou-

se a construção de uma SD. Destacamos o embasamento teórico para que

tivéssemos maior clareza para conceituar o gênero estudado e para que também

encontrássemos meios que favorecessem a transposição didática mais apropriada.

A elaboração de MDG, na proposta se Scheneuwly e Dolz (2004) é bastante

relevante para orientar a elaboração de uma sequência didática. Segundo os

autores:

(…) um modelo didático apresenta, então em resumo, duas grandes características:1.ele se constitui uma síntese com objetivo prático, destinado a orientar as intervenções dos professores;2.ele evidencia as dimensões ensináveis com base nas quais diversas sequências didáticas podem ser concebidas. (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004,p.82).

Após as observações das propagandas nas mídias, e da coleta do material

de propaganda que foi solicitada aos alunos, iniciou-se mais um trabalho de

familiarização do gênero. Para isso, elaborou-se um questionamento para que

relatassem o que chamou sua atenção nas propagandas a que tiveram acesso.

Após as etapas iniciais houve pesquisa sobre o gênero: foram levados à sala

de aula vários suportes onde aparecem as propagandas (imagens da internet foram

mostradas na TV PENDRIVE, revistas, jornais, folders, cartazes). Foi solicitado aos

alunos que recortassem propagandas e fizessem painéis que foram socializados

entre eles. Novos questionamentos foram feitos para que se apropriassem das

características do gênero.

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Em seguida houve leitura de textos do gênero: nesse momento da

implementação do trabalho, foram mostrados na TVPENDRIVE diversas peças

publicitárias para que se fizesse a leitura mais detalhada, dando-se ênfase para os

recursos que são utilizados para a indução ao consumo. Foi trabalhada nessa etapa,

a situação da ação da linguagem nas produções textuais, ou seja, as propriedades

dos mundos formais (físico, social e subjetivo) que exercem influência sobre a

produção textual.

Nessa altura do trabalho foram selecionados alguns textos para explorar as

marcas que o compõem como: elementos linguísticos-discursivos, estrutura

composicional, marcas ideológicas, etc. Foram propostas atividades de análise do

contexto da produção, leitura e interpretação, análise da estrutura composicional,

atividades de análise linguística.

Toda essa orientação pressupõe que os trabalho com gêneros implica em

estudo e planejamento. Costa – Hübes e Baumgärtner afirmam:

O modo como ensinamos, as nossas ações em sala de aula são afetadas ideologicamente, pois a forma como concebemos o ensino de língua, as escolhas que fazemos em relação a materiais e métodos podem contribuir para a formação de homens críticos, ou de homens alienados, tendo em vista que as mesmas estão, inevitavelmente, apoiadas em concepções de homem, de sociedade, de linguagem, as quais incorporamos ao longo de nossa constituição sócio-histórica. (In. AMOP, 2007, p.13)

Em seguida aconteceu o início das atividades de análise dos discursos

publicitários que se referem à imagem feminina, com o objetivo de observar

determinados valores vigentes na sociedade em relação à mulher.

Inicialmente os alunos assistiram ao filme Coco Chanel para que se

promovessem reflexões como: história da representação da mulher no universo da

moda, a maneira como os conceitos de gênero influenciam os discursos,

representação da mulher em relação ao que está explícito e o que está subtendido

no discurso publicitário.

Os alunos assistiram a um clip sobre Chanel e foram propostas atividades

de leitura da linguagem do cinema, de como são explorados os recursos da

propaganda nesse contexto.

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Houve análise de peças publicitárias de Coco Chanel, do início do século XX

até os dias de hoje, para que os alunos percebessem a evolução da moda nesse

período e para que observassem os conceitos relacionados à mulher em 100 anos

de moda.

Foram trabalhadas nas atividades as características manipulatórias próprias

do texto publicitário, que levam em conta a seleção lexical, a ambiguidade, a

polissemia, a ironia e a argumentação (persuasão e ideologia). “A argumentação é

uma atividade estruturante do discurso, pois é ela que marca a possibilidade de sua

construção e lhe assegura a continuidade”. (KOCH, 1987, p.159).

Relatamos a seguir um exemplo de atividade baseada em sequência didática

em relação à imagem encontrada no endereço eletrônico: http://dondoquices.com

a) Em relação à imagem , determine os seguintes elementos relacionados às

condições de produção:

1) Lugar de produção:

2) Lugar provável de circulação:

3) Momento da produção:

4) Emissor:

5) Receptor:

6) Qual perfil de consumidor a propaganda visa atingir? (fazer considerações sobre

a classe sócio-econômica do consumidor)

b) Em relação aos elementos do mundo social de produção responda:

1) Lugar social do enunciador:

2) Posição social do emissor:

3) Papel social dos receptores:

4) Objetivo da produção desse texto:

5) Você acha que o produtor desse texto se utiliza de estratégias para convencer o

consumidor a adquirir o produto?\Quais são elas? Aponte todos os recursos que

o autor usou para atrair o público leitor.

6) Qual o efeito de sentido que o autor quer despertar nos consumidores?

c). Análise do Contexto de Produção:

1. Para atender aos interesses de quem essas propagandas foram produzidas?

22

2. Quem as produziu?

3. Para quem elas foram produzidas, isto é, que tipo de consumidor o texto visa

atingir?

4. Qual o objetivo dessas propagandas?

5. Em quais veículos elas circularam, nesse caso especificamente?

6. Que produtos foram divulgados nas propagandas?

7. Qual é a marca dos produtos?

8. Que empresa os fabrica?

d) Análise do Estilo Linguístico:

1. Quais os pronomes empregados?

2. Há presença de dêiticos?

3. Quais os tempos verbais empregados?

4. Quais são os modalizadores?

5. Há hibridismo com outros gêneros?

6. Há multimodalidade?

7. Quais são as características lexicais?

Finalmente ocorreu a produção e circulação dos textos produzidos pelos

alunos em fanzines e mural da escola: elaboração de propagandas, através de

colagens, utilizando os recursos que envolvem os textos do gênero publicitário, do

que os alunos julgam ser o ideal de propaganda envolvendo o gênero feminino.

3 Considerações Finais

Chegamos à conclusão, a partir da análise MDG, e posterior construção e

aplicação da SD, que a multimodalidade presente em alguns discursos também abre

espaços para perspectivas interdisciplinares, o que encontra apoio tanto pela

abordagem temática, quanto pelos conhecimentos gerais mobilizados para a

compreensão de suas marcas linguísticas.

Percebemos, portanto, que o entendimento da multimodalidade,

apresentada de forma intensa no gênero propaganda, não pode passar

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despercebida pelo leitor crítico, cabendo ao professor o encaminhamento de práticas

leitoras que levem em conta os elementos verbais e não-verbais, suas

intencionalidades e inferências discursivas de um gênero.

Em nosso entendimento o encaminhamento metodológico adequado em

relação ao trabalho em sala de aula com os gêneros textuais, neste caso, delimitado

pela propaganda, pressupõe, de antemão, a defesa de um conceito de leitura que

parta do geral – o âmbito discursivo das produções de textos, conhecimento dos

elementos que constituem as situações de produção e circulação do gênero – para o

particular – seus elementos composicionais, escolhas discursivas, recursos

específicos. Dessa forma, entendemos que o texto se constitui sempre como um

evento interativo, sendo sempre algo processual.

Ao selecionarmos o gênero propaganda para refletir sobre os conceitos de

gênero que permeiam os textos publicitários, pudemos perceber que foi possível

uma reflexão sobre a história da representação da mulher nas propagandas,

identificar como os conceitos de gênero influenciam os discursos, verificar a

representação da mulher em relação ao que está explícito e ao que está subtendido

no discurso publicitário, e também foi possível apresentar alternativas com

resultados positivos para que o aluno se aproprie do gênero propaganda.

Os resultados dessa pesquisa buscaram indicar perspectivas discursivas de

leitura de peças publicitárias em revistas, jornais, ao considerar a viabilização de

práticas que proporcionam o conhecimento das principais marcas que constituem

este gênero textual. Esperamos, assim, que contribua para uma leitura além do

conteúdo proposicional básico dos textos publicitários e para a formação de um leitor

mais proficiente na perspectiva do letramento.

Nesse sentido, observamos que a prévia elaboração de Modelo Didático de

Gênero, como metodologia do ensino de língua, mostra-se como um caminho

imprescindível no que se refere às propostas de encaminhamento dos conteúdos

básicos de Língua Portuguesa, os gêneros textuais, em sala de aula. Os resultados

da implementação da SD nos demonstraram que o estudo dos gêneros (através de

MDGs) e a construção conjunta de SDs contribuem para a formação, em princípio

do próprio professor, transformando sua prática docente.

Encerramos nossas considerações finais com as palavras de Motta – Roth

(2006, p.145).

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A sala de aula de línguas talvez seja o melhor lugar para analisar, criticar e/ou avaliar as várias instâncias da interação humana de culturas localizadas, nas quais a linguagem é usada para mediar práticas sociais. Acredito que ensinar línguas é ensinar alguém a ser analista do discurso, portanto creio que as discussões em sala de aula devem enfocar as práticas linguageiras em associação a ações específicas na sociedade. Somente a prática pedagógica nesses termos pode contribuir para o desenvolvimento, no aluno e no professor, da consciência crítica dos aspectos contextuais e textuais do uso da linguagem e, portanto, das competências linguísticas e discursivas, de modo a empoderar a todos nós que participamos da vida em sociedade.

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