DA MEMORIZAÇÃO ÀS ATIVIDADES QUE POSSIBILITEM À...
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XV Seminário Temático Cadernos escolares de alunos e professores e a história da
educação matemática, 1890-1990 Pelotas – Rio Grande do Sul, 29 de abril a 01 de
maio de 2017 Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889
Anais do XV Seminário Temático – ISSN 2357-9889
DA MEMORIZAÇÃO ÀS ATIVIDADES QUE
POSSIBILITEM À CONSERVAÇÃO PRÓPRIA DO
INDIVÍDUO: saberes geométricos em cadernos escolares do
início do século XX
Alexsandra Camara1
RESUMO
A criação de novas escolas primárias e de modernos métodos e conteúdos são algumas discussões
que ocorriam nas primeiras décadas do século XX no estado do Paraná. Em meio a esse contexto, o
estudo procura analisar questões relativas ao ensino de Geometria para essa escola que estava se
desenvolvendo. O estudo da história das disciplinas escolares, por meio da identificação das
práticas de ensino utilizadas na sala de aula e dos objetivos que fizeram parte da constituição da
disciplina de Geometria, torna-se elemento essencial da investigação. Utilizo, além de leis,
programas de ensino e livros didáticos, cadernos de alunos como principal fonte de investigação.
Foi possível identificar importantes discussões sobre conteúdos e métodos referentes aos saberes
geométricos e à cultura escolar. Chamo a atenção para a relevância do uso deste tipo de fonte,
porém não deixo de trazer para a discussão algumas necessidades quanto ao uso de cadernos
escolares em pesquisas da história da educação.
Palavras-chave: Saberes Geométricos. Ensino Primário. Cultura Escolar.
INTRODUÇÃO
A remodelação do ensino primário, envolvendo a inserção de novos métodos e
conteúdos e a criação de escolas, proporcionou contribuições à redução do analfabetismo e
incentivo a causa da nacionalização. Tornar a escola eficiente por meio de funcionamento
regular, adequar a sua localização aos locais em que fosse necessária e inspirar o mestre a
cumprir a missão patriótica a que foi designado é o contexto do qual fazia parte a
sociedade paranaense durante o período da primeira república.
Neste texto procuro discutir algumas questões relativas ao contexto brevemente
relatado, mais especificamente, busco respostas acerca do ensino de Geometria para essa
nova escola que estava sendo pensada, discutida e implantada, ou seja, procuro identificar
1 Doutoranda da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, e-mail:[email protected]
XV Seminário Temático Cadernos escolares de alunos e professores e a história da
educação matemática, 1890-1990 Pelotas – Rio Grande do Sul, 29 de abril a 01 de
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elementos que possam desvendar a sua cultura escolar2. Para essa análise, Julia (2001)
aponta como recurso o estudo da história das disciplinas escolares, por meio da
identificação das práticas de ensino utilizadas na sala de aula e dos objetivos que fizeram
parte da constituição das disciplinas. Inseparáveis das finalidades educativas, as matérias
de ensino constituem, para o autor, a “caixa preta” da escola, que permite desvelar a
realidade interna das instituições escolares para além dos estudos explícitos e programados.
André Chervel (1990) aponta que as disciplinas não são nem uma adaptação nem
uma vulgarização das ciências de referência, mas um resultado espontâneo e criativo do
próprio sistema escolar. Frequentemente, nas pesquisas historiográficas relacionadas às
disciplinas escolares, analisamos leis, decretos, portarias e instruções. Porém, não podemos
dar atenção apenas a tais normas, para “não nos deixarmos enganar inteiramente pelas
fontes, mais frequentemente normativas, que lemos” (JULIA, 2001, p.15). Devemos buscar
outros materiais, como atas, relatórios, cadernos de estudantes e de professores produzidos
pela escola e que são relevantes para a compreensão das práticas escolares e para a escrita
da história, pois os textos normativos devem sempre nos reenviar às práticas (JULIA,
2001).
A escassez de documentos que podem nos trazer vestígios sobre o ensino dos
saberes geométricos é um grande dificultador da pesquisa do historiador. Para sabermos o
que os estudantes fazem em sala de aula nos dias de hoje basta irmos às escolas, observá-
los e entrevistá-los que poderemos ter algumas percepções sobre a realidade apresentada.
Chartier (2007) nos chama a atenção para o fato de que “os cadernos podem nos ajudar a
entender o funcionamento da escola de uma maneira diferente da veiculada pelos textos
oficiais ou pelos discursos pedagógicos” (p.14), ou seja, os cadernos fazem com que nos
aproximemos desse estudante e da prática desenvolvida em sala de aula.
Segundo Viñao (2008), “o caderno é um produto da cultura escolar, de uma forma
determinada de organizar o trabalho em sala de aula, de ensinar e aprender, de introduzir os
alunos no mundo dos saberes acadêmicos e dos ritmos, regras e pautas escolares. Como
produto escolar, o caderno reflete a cultura própria do nível, etapa ou ciclo de ensino em
que é utilizado” (p.22).
2 Utilizamos o termo cultura escolar conforme compreensão do historiador Dominique Julia (2001, p.10):
“um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de
práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”.
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Os cadernos podem nos possibilitar a análise dos conteúdos explícitos e dos
exercícios que, para Chervel (1990), constituem o núcleo da disciplina, substituindo a lição
do século XIX que estava relacionada à prática de memorização e recitação em classe. “Se
os conteúdos explícitos constituem o eixo central da disciplina ensinada, o exercício é a
contrapartida quase indispensável. [...] O sucesso das disciplinas depende
fundamentalmente das qualidades dos exercícios aos quais elas podem se prestar.”
(CHERVEL, 1990, p.204).
Com o objetivo de chegar mais próximo da prática de sala de aula no que se refere
ao ensino dos saberes geométricos que eram discutidos na escola primária paranaense
procuro dar ênfase, neste texto, aos cadernos utilizados no meio escolar durante a primeira
republica do estado do Paraná. Foi possível ter acesso a dois cadernos, um de Janina Souza
(1915) e outro de Aymo Perotti (1926), que me possibilita desenvolver as discussões
encaminhadas a seguir.
Os saberes geométricos nos textos copiados
Na tese de doutorado de Iara da Silva França (2015) foram investigadas as
mudanças ocorridas na formação matemática dos professores primários do Paraná no
período de 1920 a 1936. Entre as várias fontes que a pesquisadora utiliza, temos o caderno3
de Janina Souza do ano de 1915. Considerando a perspectiva do olho móvel onde “O lugar
de onde se olha condiciona não somente o que se vê, mas também como se vê o que se vê”
(VIÑAO, 2008, p.15); não existe objeto, fenômeno, acontecimento ou assunto que quando
contemplado de diferentes lugares e perspectivas seja sempre o mesmo, pois essa
compreensão depende da posição de quem está analisando, portanto, é com este olho móvel
que pretendendo desenvolver a análise.
Trata-se de um pequeno caderno quadriculado com 50 páginas, cuja capa apresenta
inscrições em Francês sobre a Congregação das Irmãs Josefinas, que eram responsáveis
pelo Colégio São José, onde Janina estudava, e que pertenciam a uma congregação de
Irmãs vindas da França; este fato pode explicar a origem francesa do caderno da aluna
França (2015).
3 Esse caderno poderá ser encontrado do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá. Há uma cópia no
repositório UFSC – História da Educação Matemática.
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Figura 1 – Capa do caderno de Janina
Há várias lições das matérias de Aritmética, Português, Francês, História do Brasil,
Geometria, Química, Física, Botânica e Caligrafia. As escolas particulares deveriam seguir
os mesmos programas das escolas públicas e segundo análise realizada por França (2015) o
caderno de Janina Souza se encaixa melhor no segundo ano do Curso Intermediário
conforme é apresentado pelo Código de Ensino de 1915 no artigo 190º: “Portuguez,
Arithmetica, Geometria, Desenho, Calligraphia, Geographia, Politica geral e especial do
Brazil, Historia Geral da Civilização, Physica, Chímica e Historia natural, no 2º anno”.
(PARANÁ, Código de Ensino de 1915, p.39).
Após a conclusão do curso intermediário Janina Souza pode ser contratada para
lecionar em Paranaguá, visto que nessa cidade somente a partir do ano de 1927 a Escola
Normal começou a funcionar (FRANÇA, 2015). O Código de Ensino de 1917 determina
em seu artigo 179 que “Os alumnos que concluírem o curso intermediário poderão ser
nomeados para a regência effectiva de cadeiras do ensino primário, independente de novo
exame” (CÓDIGO DE ENSINO, 1917).
Fonte: Caderno de Janina – Instituto
Histórico e Geográfico de Paranaguá
Na capa do caderno temos que “Ce
cahier est destine à recevoir les devoirs
mensuels pendant La durée compléte du
cours” (Caderno de Janina, 1915). Dessa
forma, pode se tratar de um caderno de
deveres mensais ou caderno de
comprovação, “impostos na França por Jules
Ferry em 1882, nos quais cada aluno deveria
realizar o primeiro dever de cada mês, em
cada ordem de estudo”. Esse caderno deveria
ser conservado ao longo de toda a
escolaridade do estudante e guardado na
escola com o fim de se poder apreciar “os
progressos do aluno de ano a ano” (VIÑAO,
2008, p.21).
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A cada matéria iniciada há um título cuidadosamente decorado e o uso da caneta
preta se mantém em todo o caderno. Na análise apresentada neste texto daremos especial
atenção aos três momentos de atividades dedicadas à matéria de Geometria. A primeira
atividade de Geometria é dedicada às definições e classificações de quadriláteros. Janina
(1915) define o que seria quadrilátero, os classifica conforme quadriláteros simples,
paralelogramos (paralelogramos simples, retângulos, quadrados e losangos) e trapézios
(simples, retângulo e simétricos) e realiza os desenhos à mão livre.
Figura 2 – Caderno de Janina – Lição de Quadriláteros
Fonte: Caderno de Janina – Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá
Na próxima atividade sobre saberes geométricos são estudas as definições e
classificações de triângulos quanto aos lados e aos ângulos e na última atividade temos o
estudo da circunferência e seus elementos. Essas seguem a mesma estrutura da atividade de
quadriláteros: definições, classificações e o uso de desenho à mão livre.
Com o objetivo de procurarmos compreender como se dava essa produção
analisamos também o livro Desenho Linear e Geometria Prática Popular seguidos de
algumas noções de Agrimensura, Stereometria e Architectura4, de Abílio Cesar Borges
5
4 Analisamos a publicação da 13ª edição (s.d), cujas primeiras duas edições da obra foram lançadas em 1878
e 1882. A primeira se destinava às escolas primárias, normais, liceus, colégios, cursos de adultos, artistas e
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que havia sido indicado para o ensino primário no estado do Paraná. A obra de Borges
apresenta, entre outros temas da Geometria, o estudo dos triângulos no capitulo VI, o estudo dos
quadriláteros no capítulo VII e no capítulo VIII o estudo das figuras formadas por linhas curvas e
que apresenta as definições e elementos da circunferência. No quadro a seguir apresento as
definições de quadrilátero, triângulo e circunferência desenvolvidos por Janina em seu caderno e
por Borges em seu livro.
Quadro 1 – Definições de quadrilátero, triângulo e circunferência
Janina (1915) Borges (1884, p.36-47)
Fontes: Caderno de Janina (1915) e livro de Borges ( 1884)
As definições apresentadas por Janina (1915) são muito parecidas às apresentadas
por Borges. Quando faltava algum termo na escrita da aluna, o (a) professor (a)
acrescentava o que estava faltando, como “lados limitados por uma superfície” na definição
do quadrado e o “a” na definição de circunferência. Essa análise comparativa leva a
acreditar que esses acréscimos foram, possivelmente, realizados com o objetivo de que o
operários da indústria e a segunda representa o substrato da primeira, destinada às escolas primária. Mais
detalhes desta obra podem ser verificadas no artigo O conhecimento em desenho das escolas primárias
imperiais brasileiras: o livro de desenho de Abílio César Borges de Gláucia Trinchão (2007), disponível em:
http//fae.ufpel.edu.br/asphe 5 Nascido na Vila de Minas do Rio de Contas na Bahia – 9/ 9/1824 e falecido 17/1/1891no Rio de Janeiro,
Dr. Abílio César Borges era médico, contudo, sua maior contribuição ao país foi como educador. Em 1856,
foi nomeado para diretor da Instrução Pública na Bahia. Fundou em 1857 o Ginásio Baiano. Em 1870,
fundou o Colégio Abílio. Foi membro no Rio de Janeiro, do Conservatório Dramático, foi sócio efetivo do
IHGB e do Conselho Diretor de Instrução do Município da Corte. Em Salvador, foi presidente da Sociedade
Libertadora Sete de Setembro, que publicou o jornal O Abolicionista. Correspondente das Sociedades
Geográficas de Paris, de Bruxelas e de Buenos Aires, da Sociedade dos Amigos da instrução Popular de
Montevidéo, da Sociedade Parisiense para o desenvolvimento da instrução primária, fundador da Sociedade
Propagadora da instrução do Rio de Janeiro, do Colégio Abílio, da Corte e do de Barbacena (BORGES,
1938).
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texto da aluna se tornasse exatamente igual à definição apresentada no livro de Borges.
França (2015) observa que não parece se tratar de uma cópia e sim de uma produção da
aluna, visto algumas correções que são realizadas e a atribuição de uma nota para a
atividade. Será que a escrita produzida por Janina não seria uma cópia? Mas porque então
esta cópia era avaliada?
Procurando respostas a essas questões busco Chartier (2007) que nos relata a sua
surpresa com a quantidade de longos textos que os alunos franceses tinham que escrever a
partir do chamado Cours Moyen (nove-dez anos de idade) no século XIX. Nessa escrita
eram encontrados a cópia, o ditado e a composição (redação) como três formas de
exercícios distintos. Para a pesquisadora a cópia servia para o aluno memorizar um
conteúdo, o ditado era um exercício de caligrafia e a composição servia para verificar a
capacidade do aluno em escrever um texto sozinho. Os alunos realizavam cópias de
história, regras de gramática, moral ou instrução cívica, economia doméstica e agricultura.
Chartier (2007) acredita que as finalidades desse tipo de atividade eram que o estudante
memorizasse o conteúdo, pudesse ser interrogado sobre os textos copiados e também que
aprendesse a escrever sem erros ortográficos e sem esquecer nenhuma palavra. Esses três
tipos de exercícios constituíam a necessidade da aprendizagem de saber escrever textos.
Direcionando nossa discussão para o contexto brasileiro temos que a leitura e a
escrita também se consolidaram como elementos essenciais da cultura escolar no início do
século XX. Mais especificamente com relação à escrita temos que “Ensinar as crianças a
redigirem com clareza, correção e fluência esteve no centro do empreendimento educativo.
Para tanto, ao longo do curso primário, eram dadas às crianças inúmeras oportunidades de
praticar a escrita.” (SOUZA 2008, p.57).
Não descarto a possibilidade, assim como indica a pesquisa de França (2015), de
que o texto de Janina possa ter sido uma reprodução da aluna, pois ela poderia ter
memorizado o texto de Borges. Porém, diante a análise dos textos do caderno de Janina e
do livro de Borges e do fato de que a prática realizada na escola de Janina estivesse
possivelmente e fortemente influenciada pela cultura escolar francesa, conforme já foi
comentado, apresento também como hipótese que as atividades de Geometria
desenvolvidas no caderno poderiam ser cópias dos textos de Borges - diretamente do livro
ou da lousa - que era indicado para as escolas paranaenses e que estaria presente no
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ambiente escolar da estudante. Nesse sentido, há indicações de que o estudo de definições
e conceitos presentes na matéria de Geometria também poderia ocorrer por meio de cópias
de textos, atividade esta que procurava enfatizar a memorização de elementos da
Geometria, além de desenvolver a capacidade para escrever textos que era considerada
como o núcleo fundamental da cultura escolar da época analisada.
A Taquimetria e a conservação própria do indivíduo
Em busca de fontes que auxiliassem na investigação sobre o ensino dos saberes
geométricos no estado do Paraná foi encontrado, em sebo da cidade de Curitiba, um
caderno de Gramática e de Geometria, com alguns cálculos também sobre Aritmética, de
Aymo Perotti do Colégio Duilio Calderari6, do ano de 1926
7, cujo professor era Ugo
Moura.
Intitulado como “Caderno Linhas Simples”, apresenta em sua capa espaço para o
nome da escola, do aluno, do professor e as datas de início e término das atividades.
Também há o endereço da Livraria Mundial, que fabricava os cadernos, com a seguinte
recomendação, “Devido ao capricho da confecção e superioridade do material empregado,
os cadernos fabricados pela Livraria Mundial tem a melhor aceitação por parte dos
pequenos consumidores, sendo extraordinária a venda dos mesmos”. Ainda na capa é
apresentada a imagem da linha férrea e a saída de um túnel que representa a ligação do
planalto com o litoral, sinônimo de modernidade paranaense, referência por sua engenharia
ousada, e de grande importância econômica devido a uma maior facilidade de comunicação
do porto de Paranaguá com o interior do estado. Segundo Mignot (2008) as ilustrações
apresentadas nos cadernos procuravam disseminar lições que enfatizavam o patriotismo
que se procurava inculcar no espaço escolar, “os cadernos eram objetos através dos quais se
deveriam transmitir ensinamentos e valores a serem perpetuados” (p.72).
Figura 3 - Capa do caderno de Aymo Perotti
6
Na página 151 do relatório de 1922, de Cesar Pietro Martinez, encontra-se o nome da escola particular
Duilio Calderari que na época contava com 243 alunos.
7 Apesar deste caderno não apresentar data, o fato de termos encontrado uma coleção de cadernos de Desenho
do mesmo aluno, da série Discípulo Parisiense, que data de 1926, junto com o caderno analisado neste texto,
nos faz acreditar que também seja do mesmo ano.
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Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora
8
No caderno de Aymo Perotti há várias atividades de Gramática com análises de
elementos que compõe as frases, tais como: sujeito, predicado, pronomes, objeto direto e
indireto e análise da conjugação verbal. Também são analisadas as palavras quanto ao
número de sílabas e à sua tonicidade. Intercalando com as atividades de Gramática há 24
atividades de Geometria sobre cálculo de áreas, volumes e transformações de unidades de
medidas e dois exercícios de cálculo de raiz quadrada.
Jean Hérbrad (2001) ao examinar pilhas de cadernos franceses, pode constatar a
permanência de produção de alunos por mais de dois séculos. Entre o ditado e as atividades
de Aritmética também foram encontrados conteúdos relativos ao cálculo de superfícies e
volumes, assim como no caderno de Aymo Perotti, e problemas de cálculo do número de
estacas necessárias para a demarcação de terreno como situações de grande recorrência nas
produções dos alunos.
O programa de ensino para os grupos escolares do estado do Paraná de 19219
apresenta a matéria de Geometria em todos os anos do ensino primário. O 1º ano inicia com
o trabalho sobre sólidos geométricos; já na 2ª série há a indicação do estudo de linhas,
ângulos e superfícies. No 3º ano é introduzida a construção com compasso e a medida de
áreas que é ampliada no 4º ano, onde também são estudados alguns volumes de sólidos
geométricos. Dessa forma, acreditamos que o caderno de Aymo Perotti foi construído
durante a 4ª série do ensino primário pelo fato de serem desenvolvidos os conteúdos de
8 Uma cópia deste caderno encontra-se no repositório da UFSC – História da Educação Matemática.
9 Em 9 de abril de 1920 é criada a Lei n. 1999, que prescreve a aprovação de um programa de ensino para os
grupos escolares do estado do Paraná. Na portaria n.86, em 19 de Agosto de 1921, o Snr. Inspetor Geral de
ensino Marins Alves de Camargo, aprova o programa de ensino para os grupos escolares do estado.
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volumes e áreas de sólidos geométricos conforme indica o programa para o ensino primário
desta fase.
O Parecer de Rui Barbosa10
é um dos documentos que influenciou a proposta
educacional da primeira república, onde o método intuitivo11
é colocado como o elemento
mais importante a ser pensado e utilizado nas escolas. Rui Barbosa considera que para uma
completa base comum da educação geral seria necessário que a escola, além dos estudos
das linhas, superfícies e sólidos, tivesse uma preparação sobre cálculos e medições dessas
figuras e que para isso tonava-se necessário introduzir o estudo da Taquimetria desde o
segundo grau.
Inteiramente ignorada até hoje ente nós na prática do ensino, a taquimetria
encerra em si o único sistema capaz de tornar a ciência geométrica um
elemento universal de educação popular. A taquimetria é a concretização
da geometria, é o ensino da geometria pela evidência material, a
acomodação da geometria às inteligências mais rudimentares: é a lição de
coisas12
aplicada à medida das extensões e volumes (BARBOSA 1947,
p.290).
Rui Barbosa segue relatando que na França, Rússia e na Alemanha a Taquimetria
“faz parte da instrução das praças dos corpos de engenharia, dos operários e empregados
nas construções oficiais” (ibidem). Fica clara a preocupação de fazer com que o seu ensino
fizesse parte da educação popular e pudesse auxiliar na formação de profissionais que a
nação necessitava. Os 24 exercícios de Geometria do caderno de Perotti (1926) são
apresentados em seis etapas, sendo que em cinco delas há correções que parecem ter sido
realizadas pelo próprio estudante. No quadro a seguir apresento o enunciado de seis
problemas que se encontram no caderno.
10
Rui Barbosa elegeu-se deputado provincial na Bahia, em 1878, e no ano seguinte elegeu-se deputado geral,
tendo participado da vida pública nacional por quase cinquenta anos. Deixou uma imensa obra, tanto em
extensão quanto em profundidade. Foi autor de diversos projetos, pareceres, artigos para jornais, discursos,
conferências e trabalhos jurídicos. Estudou Direito e foi intelectual autodidata, erudito, conhecedor de
diversos idiomas e atuou em várias áreas. (MACHADO, 2002, p.2). 11
Rui Barbosa considerava o método intuitivo como um método natural em que “começa o homem por se
utilizar dos sentidos, emprega depois a memória; em seguida o entendimento; por ultimo, o juízo” (1947,
p.203). 12
No que se refere à finalidade das lições de coisas, também conhecido como método intuitivo, Rui Barbosa
chama a seguinte atenção: A “lição de coisas” não é um “assunto especial” no plano de estudos: é um
método de estudo; não se circunscreve a uma seção do programa: “abrange o programa inteiro”; não ocupa,
na classe, um lugar separado, como a leitura, a geografia, o cálculo, ou as ciências naturais: é o “processo
geral”, a que se devem subordinar todas as disciplinas professadas na instrução elementar (BARBOSA, 1947,
p. 215-216)
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Quadro 2 – Problemas de Taquimetria - Aymo Perotti (1926)13
1 – Uma sala de aula teem 8m,5 de comprimento, 7
m,25 de larg e 4,2 de alt. Quantos alumnos se
cada um preciza 4m3
de ar.
2 – Quanto custa uma parede de 64m,5 de comp. 3
m,25 de alt. e 0
m,5 a 9,$500 o m
3?
3 – Calcular o vulume da terra extraida de um foço 3m. comp. 2
m de larg. 3
m,2 de fundo.
4 – Um mineiro encheu em um dia 9 carrinhos de carvão. Quantos m3 extraio se as dimensões do
carrinho são 0,95 70cm
800mm
.
5 – Quanto pesa uma pedra de 1m,65 de comp. 1
m,45 de larg. e 0,
m95 de alt. si o dm
3 pesa 2
kg,34.
6 – 6 operarios empregados em quebrar pedras formaram um montão de 63m sobre 5
m por 1
m,50 a
3$500 cada o m3 quanto ganhou cada um deles.
Fonte: Caderno de Aymo Perotti (1926)
O primeiro problema nos apresenta a questão da necessidade de espaço de ar por
aluno em sala de aula, evidenciando uma preocupação corrente na época considerada.
Bencostta (2001) relata que no processo de institucionalização dos grupos escolares
paranaenses, nas duas primeiras décadas do século XX, as mudanças não ficaram restritas
às questões didática e pedagógica, também foram conduzidas questões sobre os espaços
específicos para a escola primária. O pesquisador coloca que nem todos os primeiros
grupos escolares curitibanos possuíam os espaços funcionais que a moderna pedagogia
exigia, que enfatizava a importância do ar puro, da luz abundante e de uma adequada
localização sanitária, requisitos indispensáveis para o bom estado das novas escolas.
Necessidade que estava sendo discutida na primeira república, relacionada às
estruturas dos edifícios escolares, aparece como contexto de problemas de geometria para
o ensino primário da cidade de Curitiba. Analisando os demais problemas torna-se
evidente como questões sociais e culturais, como a construção de muros, casas e foço, o
uso de pedras para a construção e de carvão como forma de energia, são utilizadas em
situações cotidianas da sala de aula do ensino primário.
Chamamos também para essa discussão o livro Primeiras Noções de Geometria
Prática de Olavo Freire (1894) 14
que apresentou uma boa aceitação, muito divulgada pela
imprensa, e esteve presente em indicações de livros de Geometria das primeiras décadas do
século XX em vários estados brasileiros, entre eles São Paulo, Santa Catarina e inclusive
Paraná. No artigo intitulado Primeiras Noções de Geometria Prática de Olavo Freire: um
compêndio inovador? de Leme da Silva e Frizzarini (2014), as autoras realizam uma
13
Procurei manter a mesma escrita do aluno. 14
Segundo artigo intitulado Primeiras Noções de Geometria Prática de Olavo Freire: um compêndio
inovador? de Leme da Silva e Frizzarini (2014), a primeira edição do compêndio Primeiras Noções de
Geometria Prática, de Olavo Freire, de 1894, contém 318 exercícios, 71 problemas e 233 gravuras, segundo o
jornal O Democrata Federal (São Paulo)14 de 15 de maio de 1895. Porém, a edição que examinamos é a de
número 36, de 1932, já com 1105 exercícios, 340 problemas resolvidos e 665 gravuras.
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análise detalhada da obra, considerando que a geometria prática para Olavo Freire, além de
indicar a relação de conceitos geométricos com objetos e ferramentas da vida cotidiana
também “inclui nessa praticidade as construções geométricas com régua e compasso”
(p.5).
Ao todo a obra de Freire apresenta vinte e um capítulos sendo que o XVIII e o XIX
são dedicados ao estudo da área e do volume dos poliedros e dos corpos redondos, tratando,
portanto, de conhecimentos de interesse para a presente discussão. Além dos vários
problemas resolvidos, ao final dos capítulos há a indicação de 185 exercícios para serem
realizados. Verificamos que além da inovação em situações de construções geométricas,
também há a inserção de vários problemas de Taquimetria que não eram encontrados no
livro de Abílio Cesar Borges que era o outro indicado nos programas de Geometria do
estado do Paraná, conforme já mencionei anteriormente. A seguir, segue um quadro com
alguns exemplos de problemas propostos por Olavo Freire (1930).
Quadro 2 – Problemas de Taquimetria - Olavo Freire (1930)
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Qual o peso de um bloco de pedra de forma prismática tendo 0m, 60 de comprimento, 0
m, 52 de
largura e 0m, 28 de altura? (um decímetro cúbico d’essa pedra pesa 4280g).
Qual o volume de terra que é preciso tirar para fazer um poço de 2m, 20 de diâmetro e 5 metros de
profundidade?
Um tijolinho de pó inseticida tem a forma de uma pyramide cujo perímetro da base é igual a 0m,
36 e a altura=0m, 04; sabendo-se que cada centímetro cubico é queimado em 50” pede-se o tempo
preciso para que elle se consuma.
Qual o peso do ar contido em uma sala de 15m de comprimento, 6m de largura e 5m, 5 de altura,
se o litro de ar pesa 129 centigrammas?
Fonte: Noções de Geometria Prática – (FREIRE 1930, pp. 352-355).
Ao analisar os problemas de Taquimetria de Freire, verifico que cálculos
relacionados ao peso de uma pedra, ao volume de terra que deve ser retirada para se fazer
um poço, ao peso do ar contido na sala e ao tempo de duração de um inseticida. Contextos
muito próximos aos apresentados no caderno de Aymo Perotti também são observados no
livro de Olavo Freire.
Este resultado me fez também chamar à discussão ideias que Herbert Spencer discute
em sua obra Educação Intellectual, Moral e Physica, publicado pela primeira vez em 1861,
que segundo Souza (2008) se tornou um sucesso editorial e influenciou intelectuais e
educadores em todo o Ocidente. Na análise da referida obra da edição de 1927, Herbert
Spencer, além de fazer críticas ao ensino clássico, faz a defesa dos conhecimentos úteis,
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Procurei manter a escrita do autor.
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como aqueles que formam o homem de negócios e produzem o bem estar pessoal. Considera
que em primeiro lugar deveriam ser as atividades que contribuem diretamente para a
conservação própria do indivíduo e em seguida seriam as atividades relacionadas às coisas
necessárias à vida, as quais contribuem de forma indireta na conservação própria. Spencer
também define que as ciências seriam os conteúdos que a escola deveria veicular, pois essa
categoria de conhecimentos que permite a realização das atividades que tornam possível a
vida civilizada.
Os contextos utilizados para o ensino da Taquimetria procuravam evidenciar a
formação profissional necessária para o avanço das construções civis, assim como a
conscientização com relação à questão da saúde pública, como a preocupação do espaço
arejado, o uso do inseticida, a construção de poços artesianos, que eram elementos
essenciais para a conservação própria do indivíduo e, consequentemente, para o
desenvolvimento de uma moderna nação republicana.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Este estudo apresentou como objetivo identificar informações importantes nos
cadernos escolares no sentido de evidenciar a sua relevância para a pesquisa em história da
educação, permitindo-me trazer a tona questões de conteúdos e métodos referentes aos
saberes geométricos. Apesar dos cadernos ajudarem a nos aproximarmos das situações
vividas em sala de aula, é essencial estarmos atentos para o fato de que esta fonte não
consegue nos apresentar o real currículo desenvolvido, pois “Este desapareceu e, como em
toda operação histórica, o máximo que podemos fazer é nos aproximarmos do passado e
reconstruí-lo de modo parcial e com um enfoque determinado” (VIÑAO, 2008, p.25).
Pude verificar que definições, classificações e conceitos de geometria plana podem
ter sido desenvolvidos por meio de cópia de livro didático utilizado no período, o que pode
sugerir a ênfase na memorização sobre conhecimentos geométricos, assim como o treino da
capacidade de escrever textos, atividade de muita importância para o contexto analisado.
Já o conteúdo de Taquimetria, tão defendido por Rui Barbosa, apresenta-se com toda a
força no segundo caderno investigado. Entre os contextos dos problemas verifico a
importância dispensada à formação profissional e à preocupação com a própria saúde do
sujeito, questões que foram consideradas as mais importantes de serem discutidas na escola
segundo Herbert Spencer.
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A presente investigação se propôs a observar elementos específicos sobre os saberes
geométricos nos cadernos de alunos. A constatação de muitos outros elementos importantes
no desenvolver deste estudo, indica a importância de desdobramentos que enriqueçam essa
pesquisa. Além disso, temos que considerar que os limites no uso e a leitura de caminhos
diferenciados que surgem durante o processo de análise dos cadernos são inúmeros, e que
devem ser respeitados e avaliados. Novos olhares, o olho móvel, conforme nos atenta
Antonio Viñao, podem nos auxiliar para a percepção de diferentes leituras possíveis da
realidade, evitando que ideias e concepções preexistentes tornem-se as verdades que
gostaríamos que fossem.
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