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JOSÉ SIMÃO DA SILVA SOBRINHO DA POLÍTICA DAS IDENTIDADES ÀS IDENTIDADES NA POLÍTICA: PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO NA ESPETACULARIZAÇÃO DO POLÍTICO Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de concentração: Estudos Lingüísticos Orientadora: Profª Drª Maria Inês Pagliarini Cox Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Linguagens Cuiabá 2005

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JOSÉ SIMÃO DA SILVA SOBRINHO

DA POLÍTICA DAS IDENTIDADES ÀS IDENTIDADES NA POLÍTICA: PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO

NA ESPETACULARIZAÇÃO DO POLÍTICO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Área de concentração: Estudos Lingüísticos

Orientadora: Profª Drª Maria Inês Pagliarini Cox

Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Linguagens

Cuiabá 2005

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FOLHA DE APROVAÇÃO

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Para o Gilmar,

com muita saudade

de quase tudo.

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AGRADECIMENTOS

À professora Maria Inês, minha orientadora, pela orientação segura e pelo tempo de

muda.

Aos professores Bethânia Mariani e Roberto Baronas, pela leitura atenta de meu

trabalho e pelas valiosas sugestões.

Aos meus pais, Antônio Simão e Maria Valderina, pelo incentivo para estudar e pelo

colo sempre.

Ao Ygor e ao Hugo, meus sobrinhos, pelos sentidos para esse trabalho e para tudo o

mais.

Aos amigos Elisenda, Julie e Diogo, pela interlocução, por emprestarem seus ouvidos a

meus delírios.

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“Continuemos. Tenciono contar a minha história. Difícil. Talvez deixe

de mencionar particularidades úteis, que me pareçam acessórias e

dispensáveis. Também pode ser que, habituado a tratar com

matutos, não confie suficientemente na compreensão dos leitores e

repita passagens insignificantes. De resto isto vai arranjado sem

nenhuma ordem, como se vê. Não importa. Na opinião dos caboclos

que me servem, todo caminho dá na venda.”

(Graciliano Ramos, São Bernardo, p. 8)

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RESUMO

SILVA SOBRINHO, J. S. Da política das identidades às identidades na política:

Processos de subjetivação na espetacularização do político.

Nesse trabalho, analisamos, na perspectiva da Análise de Discurso, linha francesa, os

processos de subjetivação instaurados na espetacularização do político, nas

propagandas eleitorais veiculadas pelas emissoras de televisão, nas campanhas para

vereador e prefeito de Cuiabá, em 2004. Elegemos, para investigação, as propagandas

nas quais formula-se, pelo funcionamento das formações imaginárias, o pertencimento

à cuiabania. Entendemos que essa afirmação da cuiabanidade é um efeito da

interpelação-identificação ideológica, que produz, para o sujeito, a evidência da unidade

identitária. Tudo isso se dá na e pela língua, no e pelo jogo da língua na história.

Compreendendo, assim, que é na e pela língua, como objeto simbólico, que tanto a

cuiabanidade quanto o sentimento de pertencimento à cuiabanidade se constituem,

tomamos como observatório dos processos de subjetivação, nas propagandas

eleitorais, os modos de inserção nas discursividades que instituem a língua nacional e

nas que afirmam a legitimidade do “falar cuiabano”, componente da cuiabanidade

instituído, sobretudo, pela Universidade. Concluímos que, nas propagandas eleitorais,

sujeitos e sentidos se constituem no espaço da contradição entre diferentes e

divergentes posições de sujeito, relativas às formas de inscrição nessas

discursividades, o que faz desmoronar a ilusória unidade identitária. A formulação da

cuiabanidade põe em funcionamento um pré-construído (“ser cuiabano é X”), que é

negado pelos modos de “habitar” a língua, os quais (des)velam as tensões nas

fronteiras das formações discursivas que constituem o interdiscurso. Desse modo, o

que se observa na constituição da posição de sujeito, em algumas propagandas, é um

feixe, por vezes difuso, de filiações ideológicas.

PALAVRAS-CHAVE: discurso político-eleitoral; processo de subjetivação; história das

idéias lingüísticas.

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ABSTRACT

SILVA SOBRINHO, J. S. From the political identities to the identities in politics:

subjective processes in the spectacularization of politics.

In this study, we analyzed, from the Discourse Analysis perspective - French line - the

subjective processes found in the spectacularization of politics, in the electoral

advertisements transmitted by the television broadcasting stations, in the campaigns for

city council and mayor of Cuiabá in 2004. We have chosen for investigation the

advertising campaigns, where, through the functioning of imaginary formations, the

feeling of belonging to the cuiabania (Cuiaba(na) community) is formulated. We

understand that this cuiabanidade affirmation is an effect of ideological interpellation-

identification, which produces in the subject the affirmation of identitary unity. Everything

happens in and through language, in and through the language game in history.

Comprehending, in this manner, that it is in and through language, as a symbolic object,

that the cuiabanidade, as well as the feeling of belonging to the cuiabanidade,

constitutes itself, we have observed the subjective processes, in the campaign

advertisements, the means of insertion into the discursivities that institute the national

language and in the ones that assert the “falar cuiabano” (cuiabano speaking)

legitimacy, a cuiabanidade component instituted, above all, by the University. We

conclude that, in the campaign advertisements, subjects and meanings constitute

themselves in a space of contradiction between different and divergent subject

positions, related to the ways of inscription in these discursivities, which pull the

illusionary self-identity unity down. The cuiabanidade formulation places in operation a

preconstructed (“to be cuiabano is X”), that is denied by the ways of “inhabiting” the

language, that (un)veil the tensions in the borders of the discursive formations that

constitute the interdiscourse. Therefore, what can be observed in the constitution of the

subject position, in some advertisements, is a web, at times diffused, of ideological

filiations.

KEY-WORDS: electoral-political discourse; subjective processes; history of linguistic

ideas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 10

CAPÍTULO 1

QUESTÕES PRÉVIAS: A POLÍTICA COMO ESPETÁCULO

1.1. O quadro teórico de referência da pesquisa .......................... 15

1.2. Os procedimentos de trabalho ............................................... 19

1.3. A espetacularização da política na contemporaneidade ........ 22

1.4. O jogo da memória na propaganda eleitoral .......................... 31

1.5. A interlocução discursiva nas propagandas eleitorais ........... 37

CAPÍTULO 2

LÍNGUA NACIONAL E SUBJETIVAÇÃO NAS PROPAGANDAS

ELEITORAIS

2.1. Sobre o político da/na língua ................................................. 43

2.2. Língua, nacionalidade e cidadania ......................................... 48

2.3. A instituição da língua nacional do Brasil ............................... 52

2.4. A heterogeneidade da memória lingüística brasileira ............ 58

2.5. Língua nacional e políticas de silenciamento no Brasil .......... 60

2.6. Memória, disfluência e subjetivação nas propagandas

eleitorais ........................................................................................

65

2.7. Os movimentos do silêncio: identidade e identificação .......... 71

CAPÍTULO 3

LÍNGUA, MEMÓRIA E CUIABANIDADE NAS PROPAGANDAS

ELEITORAIS

3.1. A resistência à dominação da língua nacional ....................... 79

3.2. Resistência à língua nacional na/pela Escola ........................ 84

3.3. Universidade e identidade lingüística imaginária cuiabana ... 92

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3.4. Língua e identidade na Lingüística ........................................ 99

3.5. Resistência e estereotipia: a produção da identidade

cuiabana ........................................................................................

102

3.6. A formulação da cuiabanidade nas propagandas eleitorais .. 107

3.7. A identidade em desabamento no espetáculo eleitoral ......... 111

3.8. O esgarçamento do processo significante ............................. 116

CONCLUSÃO ....................................................................................... 120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 124

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INTRODUÇÃO

Nas propagandas eleitorais para prefeito e vereador de Cuiabá-MT, pleito de

2004, um enunciado insistiu em se repetir: “eu sou cuiabano”. Essa insistência chamou-

nos a atenção. Quisemos, então, compreender como os sujeitos e os sentidos estavam

sendo constituídos nas Propagandas Eleitorais Gratuitas veiculadas pelas emissoras de

televisão1.

Nessas propagandas, enxergamos a espetacularização da política de que fala

Courtine (2003), para quem o discurso político encontra-se em crise nas sociedades

ocidentais, produzindo “estilos de comunicação radicalmente novos” (ibidem, 22).

Transformada em espetáculo, a política passou a ser tratada como mercadoria e

o cidadão, como consumidor. De acordo com o autor, a partir da segunda metade do

século XX, produziu-se “no mecanismo do ‘Estado-espetáculo’, uma perversão e uma

deformação da democracia, uma perigosa confusão de gêneros em que a política se

deteriora em uma teatralidade mercantil” (ibidem, 31).

Dessa teatralidade, decidimos analisar os gestos de interpretação, definidos

como “indícios da inscrição do sujeito em diferentes formações discursivas” (Orlandi,

2001a:123), materializados na afirmação do pertencimento à cuiabania2. Em outros

termos, decidimos compreender os processos de interpelação-identificação que

“causaram” sujeitos e sentidos, nas propagandas eleitorais, tomando como objeto de

análise seqüências discursivas nas quais formula-se, de diferentes modos, o

pertencimento à cuiabania.

Para os fins propostos nesse trabalho, mobilizamos os dispositivos da

interpretação fornecidos pela Análise de Discurso, chamada de Escola Francesa,

fundada por Michel Pêcheux. A partir desses dispositivos, analisamos os processos de

subjetivação nas propagandas eleitorais, entendendo a subjetivação como o processo

1 Esse trabalho se inscreve num projeto mais abrangente sobre as fricções lingüístico-culturais nas sociedades modernas, coordenado pela professora Dra. Maria Inês Pagliarini Cox. 2 O neologismo cuiabania, aqui empregado, segundo Suzana Guimarães (2002), foi criado entre as décadas de 1970 e 1980, para designar a elite social nascida em Cuiabá. Por um deslizamento de sentidos, esse nome designa, hoje, também, “o jeito e os costumes das pessoas que vivem aqui, uma certa visão cuiabana de mundo, uma ‘cuiabanidade’” (ibidem, 13).

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de constituição dos sujeitos e dos sentidos pela interpelação-identificação ideológica.

Como o entendemos, portanto, o sujeito não é origem nem de si, nem dos sentidos. Ele

é efeito dos processos de interpelação-identificação ideológica e dos processos do

inconsciente.

Quando falamos, portanto, em processos de subjetivação, estamos nos referindo

aos processos de constituição do efeito-sujeito pela inscrição do indivíduo, sempre-já

sujeito, na língua e na história, definida, aqui, como teia de sentidos. Nessa inscrição,

podem ocorrer falhas, restos, parcelamentos, porque na relação necessária da língua

com a história pode produzir-se o equívoco. Disso se tira que o sujeito, na perspectiva

que subsumimos, é itinerante e os sentidos, moventes.

Os processos de interpelação-identificação ideológicos não são, pois, rituais sem

falha, logo, a subjetivação “não se trata de uma repetição ad infinitum, que seria

resultante de determinações inconscientes e ideológicas feitas em um encadeamento

mecânico e previsível de causas e efeitos” (Mariani, 1998:93).

Dos processos de subjetivação, nas propagandas eleitorais, escolhemos

analisar, apenas, o modo como os sujeitos do discurso, entendidos como efeitos de

linguagem, são “causados”, contraditoriamente, pelas discursividades que instituem a

língua nacional e pelas discursividades que afirmam o pertencimento dos excluídos da

língua e da cidadania pela língua nacional, a língua gramatizada do Estado.

Focalizamos, portanto, na investigação dos processos de subjetivação, nas

propagandas eleitorais, a constituição do sujeito do discurso pelas discursividades

sobre a língua.

Nessa investigação, compreendemos que as propagandas eleitorais se

constituem como pontos de encontro de uma atualidade e uma memória (Pêcheux,

1997d:17). Nas seqüências discursivas em que formula-se o pertencimento à cuiabania,

entendemos que se atualiza uma memória sobre o cuiabano produzida no final do

século XIX e início do XX, memória que sofreu rearranjos produzidos pelos movimentos

identitários implementados em Cuiabá na década de 1980, sobretudo.

Dividimos o texto, no qual analisamos a textualização do político nas

propagandas eleitorais, entendendo o político como lugar de conflito, de tensão, de

relações de forças, em três capítulos.

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No primeiro capítulo, seguindo Courtine (2003), abordamos algumas

características da espetacularização da política. Além das características apontadas

pelo autor, verificamos que, nas propagandas eleitorais que constituem o corpus dessa

pesquisa, instaura-se a sobredeterminação. O funcionamento discursivo das

propagandas é determinado, simultaneamente, pelo discurso político e pelo discurso

jornalístico. Essa sobredeterminação, pelo imaginário de transparência que constitui o

discurso jornalístico, produz efeitos de evidência que “causam” sujeitos e sentidos nas

campanhas eleitorais.

Nesse primeiro capítulo, analisamos, ainda, como as propagandas eleitorais não

só reproduzem, como também formulam memória. Elas fixam uma agenda do que é

assunto da política (o que pode e o que não pode ser dito) e, também, de quais

posições de sujeito, em nossa formação social, são permitidas e quais estão

interditadas. Desse modo, as propagandas eleitorais contribuem para a (re)produção do

discurso social da formação social brasileira.

No segundo capítulo, abordamos a instituição da língua nacional, no Brasil, por

meio do processo de gramatização do Português iniciado na segunda metade do século

XIX. Entendemos, seguindo Orlandi (2002), que a língua nacional regula, não sem

resistências, nossa relação com a Língua Portuguesa, com as línguas estrangeiras,

com as línguas indígenas, com o Estado e com os outros falantes.

Defendemos que o sujeito do discurso, nas propagandas eleitorais, é constituído

pela língua nacional. A interpelação-identificação do sujeito pela língua nacional, porém,

deixa restos, porque intervêm, no processo de subjetivação, outros sentidos,

provenientes do interdiscurso, para a cidadania, para as diferenças lingüísticas, para o

que é assunto da política, etc.

Entendemos que, pelo trabalho da memória, as discursividades que afirmam o

pertencimento dos excluídos da língua nacional à cidadania intervêm no processo de

subjetivação sob análise, impedindo que a interpelação-identificação do sujeito pela

língua nacional seja um ritual sem falhas. Essas discursividades são o discurso-outro

que faz desmoronar a identidade do sujeito do discurso nas propagandas eleitorais

analisadas.

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No terceiro capítulo, analisamos a produção desse discurso-outro pelos

movimentos identitários engendrados, em Cuiabá, na década de 1980. Trata-se de

movimentos de resistência tanto à dominação da língua nacional, quanto à presença

dos migrantes, acusados pelos cuiabanos de serem os responsáveis pelas mudanças

ou “extinção” de traços da cultura cuiabana, entre eles, os traços lingüísticos

identificados como “falar cuiabano”.

Nesse período, (re)produziram-se ou potencializaram-se os estereótipos do

cuiabano e de seu modo de falar. As formações imaginárias produzidas nas relações de

forças entre os mato-grossenses e o outro (viajantes estrangeiros e brasileiros de

outras regiões “mais desenvolvidas economicamente”) no final do século XIX e início do

XX, funcionaram, como um espectro, na produção desses estereótipos e na própria

organização dos movimentos identitários cuiabanos na década de 1980.

A Universidade Federal de Mato Grosso contribuiu, por meio da produção de um

saber especializado sobre a língua, para a produção dos estereótipos sobre o modo de

falar do cuiabano. Os estudos realizados pela Universidade sobre o “falar cuiabano” são

interpretados, nesse trabalho, como constitutivamente filiados ao movimento de

democratização da Escola, no interior do qual foi produzido o discurso da mudança no

ensino de Língua Portuguesa, e aos movimentos identitários da década de 1980.

Pensamos que a formulação do pertencimento à cuiabania, através de

enunciados como “eu sou cuiabano”, é um efeito da interpelação-identificação do

sujeito por essas discursividades que (re)produzem os estereótipos do cuiabano. A

unidade imaginária do sujeito do discurso constituído nesses/por esses enunciados

desmorona, porém, pela intervenção, no processo de subjetivação, de discursividades

contraditórias, resultando num efeito-sujeito heterogêneo, cindido.

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“Se não há dúvida nenhuma de que a política

midiatizada atua a seu modo para a pacificação dos

conflitos, nada impede de questionar as novas formas

de poder que aí se desenham, mesmo se não for

possível apreendê-las nas concepções tradicionais de

alienação.”

(Courtine, 2003:32)

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CAPÍTULO 1 - QUESTÕES PRÉVIAS: A POLÍTICA COMO ESPETÁCULO

1.1. O quadro teórico de referência da pesquisa

Das propagandas eleitorais, analisamos os processos de subjetivação,

entendidos como a inscrição do sujeito no interdiscurso, pelo “jogo da língua na história”

(Orlandi, 2002:68). Mobilizamos, para isso, os dispositivos teóricos desenvolvidos pela

Análise de Discurso chamada de linha francesa.

A vertente da Análise de Discurso a que nos filiamos se constituiu nos anos

1960, no espaço de questões produzidas pela relação entre três campos do saber: o

Materialismo Histórico, a Lingüística e a Psicanálise. Dessa forma, o pensamento de

Marx, Althusser, Foucault, Saussure, Jakobson, Freud e Lacan, entre outros, ressoa3 na

obra de Pêcheux, fundador dessa linha de Análise de Discurso, que apropriadamente

pode ser chamada de disciplina de entremeio.

Não pretendemos, aqui, fazer um histórico dessa disciplina, mas apenas chamar

a atenção para alguns aspectos de sua trajetória. Para isso, recorremos,

principalmente, a Pêcheux ([1983] 1997a)4, que fez uma análise do percurso da Análise

de Discurso5, dividindo esse percurso em três épocas.

A primeira época, segundo ele, foi de exploração metodológica da noção de

“maquinaria discursivo-estrutural”, desenvolvida a partir da concepção do processo

discursivo como “uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma” (ibidem,

3 Utilizamos, aqui, a noção de "ressonância” tal como a desenvolve Serrani (1997), que recusa a noção de paráfrase como mera reformulação. Assumindo uma concepção não-binarizante do fenômeno parafrástico, a autora diz que “há paráfrase quando podemos estabelecer entre as unidades envolvidas uma ressonância – interdiscursiva de significação [...] Ressonância porque para que haja paráfrase a significação é produzida por meio de um efeito de vibração semântica mútua” (ibidem, 47). Assim, o que encontramos em Pêcheux não é a repetição, mas a reelaboração teórica e operacional de conceitos, formulações, etc, produzidos por esses autores. 4 Sempre que a informação sobre a data da primeira edição da obra citada nos pareceu relevante, nós a colocamos entre colchetes [ ], ao lado da data da edição consultada, posta entre parênteses ( ). Nas referências bibliográficas, consta apenas a data da edição consultada. 5 Pêcheux, no referido texto, utiliza a designação “Análise de Discurso” e não “Análise do Discurso”. Esse deslocamento na designação da disciplina tornou-se possível a partir do colóquio Materialidades Discursivas, realizado de 1980 a 1983, no qual emergiram questões como a discursividade e a heterogeneidade. Sobre esse colóquio, ver Maldidier (2003).

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311) e da língua natural como a “base invariante sobre a qual se desdobra uma

multiplicidade heterogênea de processos discursivos justapostos” (ibidem, 311).

Desde essa época, que podemos chamar de época da Análise Automática do

Discurso – AAD69, Pêcheux recusou “toda suposição de um sujeito intencional como

origem enunciadora de seu discurso” (ibidem, 311). Segundo o autor, “um sujeito-

estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos” (ibidem, 311), ou

seja, os sujeitos acreditam-se donos de seus discursos, mas, na verdade, são

assujeitados a eles. Com essa formulação, Pêcheux pôs-se na contra-mão do

idealismo, com sua concepção de sujeito “livre”, que dominava as ciências sociais e

humanas.

Recusou, igualmente, a concepção de discurso como “fala”, ou “texto”, ou

informação transmitida de um locutor A para um locutor B. O discurso, objeto de estudo

que a Análise de Discurso produziu para si, foi definido, desde as primeiras formulações

do autor, como “efeito de sentidos” (Pêcheux, [1969] 1997b: 82), não se confundindo,

portanto, com o objeto da Lingüística: a língua.

Com essa noção de sujeito descentrado, completamente assujeitado à estrutura,

à “maquinaria discursiva”, e de discurso como “efeito”, desde o início Pêcheux colocou

a questão da leitura em termos de uma teoria não-subjetiva, rompendo, assim, com a

“leitura de texto” praticada, à época, pelas ciências humanas e sociais, presas às

evidências do sentido e do sujeito.

De acordo com Henry (1997), no começo da Análise de Discurso, Pêcheux

pretendia sistematizar o método de leitura das obras de Marx proposto por Althusser,

chamado de “leitura de sintomas”. Tratava-se de um método estrutural de “leitura

centralizada sobre as descontinuidades, os saltos, os pontos de embaraço, as

reformulações que aparecem nos textos” (ibidem, 31). Com esse método, Althusser

tencionava que os textos de Marx, antes de serem confrontados com outros textos,

fossem confrontados entre si.

Nessa primeira época da Análise de Discurso, o primado do “mesmo”

subordinava “a existência do outro” (Pêcheux, [1983] 1997a:313). Concebia-se a

alteridade apenas entre processos discursivos (“diferença entre mesmos”), mas não no

interior de um mesmo processo discursivo. A diferença era reduzida ao “mesmo” ou era

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vista como “resíduo”. As fronteiras entre as “máquinas discursivas” eram, portanto,

consideradas como estáveis; e, dessa forma, o trabalho do analista consistia em

deslinearizar as “máquinas” justapostas, acreditando-se que esse procedimento

permitiria perceber os traços dos processos discursivos.

Muitas dessas formulações da primeira época da Análise de Discurso foram

remodeladas, criticadas ou abandonadas por Pêcheux. Por exemplo, na segunda

época da Análise de Discurso, que teve como obra capital Semântica e discurso (em

francês, Les Vérités de La Palice), publicada em 1975, os processos discursivos não

são mais concebidos como justapostos, mas como entrelaçados (imbricados)

desigualmente.

Nessa época, Pêcheux introduziu, no corpo teórico da Análise de Discurso, a

noção foucaultiana de formação discursiva e, com isso, começou a “fazer explodir a

noção de máquina estrutural fechada”, pois entendia-se que “uma formação discursiva

não é um espaço estrutural fechado, ela é constitutivamente ‘invadida’ por elementos

que vêm de outro lugar (isto é, de outras formações discursivas)” (Pêcheux, [1983]

1997a: 314).

Cabe lembrar que a noção de formação discursiva de Pêcheux não corresponde

exatamente à de Foucault. A diferença fundamental está no fato de que para Pêcheux,

que assume uma perspectiva marxista, as formações discursivas estão intrincadas nas

formações ideológicas, ou seja, estão inscritas nas lutas de classe6.

Embora a formação discursiva fosse entendida como constituída por um “‘além’

exterior e anterior”, o interdiscurso, ela continuava sendo vista como “submetida à lei da

repetição estrutural fechada” (ibidem, 314). Portanto, conservava-se, nessa segunda

época da Análise de Discurso, o fechamento da “maquinaria discursiva”. Da mesma

forma, o sujeito do discurso continuava sendo compreendido “como puro efeito de

assujeitamento à maquinaria da formação discursiva” com a qual estava identificado

(ibidem, 314).

Dessa maneira, uma contradição se instalou na Análise de Discurso, pois ao

mesmo tempo em que se manteve o fechamento da “maquinaria discursiva”, se

enfraqueceu a idéia de estabilidade da identidade discursiva, pelo entendimento de que

6 Sobre as confluências e divergências entre a obra de Pêcheux e de Foucault, ver, por exemplo, Gregolin (2004).

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a relação da formação discursiva com seu “exterior específico”, o interdiscurso,

produzia deslocamentos em suas fronteiras, tornando, em alguns casos, difícil

reconhecer o que era de uma e o que era de outra formação discursiva. Como diz

Pêcheux,

“Aparece a idéia de uma vacilação discursiva que afeta dentro de uma formação discursiva as seqüências situadas em suas fronteiras, até o ponto em que se torna impossível determinar por qual formação discursiva elas são engendradas.” (ibidem, 314)

Como diz o autor, mais adiante, “a insistência da alteridade na identidade

discursiva coloca em causa o fechamento desta identidade, e com ela a própria

maquinaria discursiva estrutural [...] e também a formação discursiva” (ibidem, 315).

Com esse deslocamento teórico, a desestabilização da identidade discursiva, o

trabalho do analista passou a ser tentar “descobrir os pontos de confronto polêmico nas

fronteiras internas da formação discursiva” (ibidem, 314), ou seja, o trabalho analítico

deslocou-se da justaposição contrastada para as influências internas desiguais.

Pêcheux chamou a essa segunda época da Análise de Discurso de

“problemática” (ibidem, 314) e pouco inovadora em termos de procedimentos. Não

podemos nos esquecer, porém, que esse texto, no qual ele analisou o percurso da

Análise de Discurso, foi escrito já na terceira época dessa disciplina, época de

“interrogação-negação-desconstrução”, quando o autor buscou novos caminhos para a

Análise de Discurso, tornando-se um crítico severo de si mesmo.

Nessa terceira época, que começou nos anos finais da década de 1970, “o

primado teórico do outro sobre o mesmo se acentua, empurrando até o limite a crise da

noção de máquina discursiva estrutural” (ibidem, 315). Essa crise foi o móvel para os

desenvolvimentos teóricos pós Semântica e discurso sobre a questão da

heterogeneidade dos sujeitos e dos discursos.

Com essa concepção do primado do “outro” sobre o “mesmo”, os analistas de

discurso passaram a focalizar

“A insistência de um ‘além’ interdiscursivo que vem, aquém de todo autocontrole funcional do ‘ego-eu’, enunciador estratégico que coloca em cena ‘sua’ seqüência, estruturar esta encenação (nos pontos de

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identidade nos quais o ‘ego-eu’ se instala) ao mesmo tempo em que a desestabiliza (nos pontos de deriva em que o sujeito passa no outro, onde o controle estratégico de seu discurso lhe escapa).” (ibidem, 317)

Em nosso gesto de interpretação, nesse trabalho, nos inscrevemos nessa última

época da Análise de Discurso, que se abre para a compreensão do acontecimento na

estrutura, para os “pontos de deriva em que o sujeito passa no outro”.

1.2. Os procedimentos de trabalho

Em Análise de Discurso, pelo menos naquela chamada de linha francesa, à qual

nos filiamos, os dispositivos da interpretação não são instrumentos fechados que

preexistem ao gesto de interpretação do analista. Trata-se do conjunto de conceitos

que o analista mobiliza em função da questão (pergunta de pesquisa) que ele formula.

Por nossa filiação teórica a essa vertente da Análise de Discurso, entendemos

que não existe uma verdade escondida nos objetos simbólicos, não existe, por

exemplo, uma verdade oculta nas entrelinhas ou “por trás” dos textos das propagandas

eleitorais. O que há são gestos de interpretação constituindo os objetos simbólicos (os

textos), gestos que são a inscrição do sujeito no interdiscurso, que engendra as

formações discursivas sob a determinação das formações ideológicas. Compreendidos

como objetos simbólicos, os textos das propagandas têm uma materialidade que é

lingüístico-histórica, ou seja, eles funcionam, produzindo sentidos, pela relação

necessária da língua com a história.

Com o objetivo de compreender os gestos de interpretação que constituem os

objetos simbólicos que analisamos nessa pesquisa, os textos das propagandas

eleitorais, tivemos que fazer alguns deslocamentos teóricos em relação à Lingüística.

Para podermos trabalhar no campo do acontecimento lingüístico e do

funcionamento discursivo, ou seja, para podermos trabalhar com o processo de

produção da linguagem e não só com seus produtos, precisamos nos deslocar do

trabalho com “dados” para o trabalho com “fatos”, entendendo que todo “fato” é já uma

interpretação. Isso significa deslocar-nos do paradigma da epistemologia positivista

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para a histórica, deslocamento necessário porque buscamos trabalhar “com a

materialidade da linguagem, considerando-a em seu duplo aspecto: o lingüístico e o

histórico” (Orlandi, 1996:210).

Os estudos lingüísticos de campo, dos quais nos deslocamos, herdaram dos

naturalistas do século XIX os modelos de coleta de dados. Os “dados” da língua são,

nesses modelos, “colhidos” como os biólogos colhem exemplares de plantas e

espécimes animais para análise. Os “dados” lingüísticos são, assim, considerados

como “objetos” encontrados naturalmente na língua.

Para a Análise de Discurso, ao contrário, não existem “dados” enquanto tais,

“uma vez que eles resultam já de uma construção, de um gesto teórico” (ibidem, 211).

Eles são, portanto, evidências produzidas pelo processo de interpelação-identificação

do cientista com uma dada formação discursiva; e a Análise de Discurso não trabalha

“com as evidências, mas com o processo de produção das evidências” (ibidem, 215).

Outro deslocamento foi necessário. Ao contrário da Lingüística, a Análise de

Discurso não tem como objetivo a descrição do sistema da língua. À Análise de

Discurso interessa a ordem da língua, ou seja, a língua em funcionamento, afetada pelo

inconsciente e pela ideologia.

Isso não significa que a Análise de Discurso prescinde da Lingüística. Os

processos discursivos se materializam na língua, logo, o conhecimento sobre a

organização da língua, produzido pela Lingüística, tem seu lugar no primeiro momento

da análise discursiva, quando se explora a superfície lingüística para a construção do

objeto discursivo.

Não há, porém, uma relação direta entre o lingüístico e o discursivo, pois o

sentido não “habita” a forma lingüística, ele a “visita”. Como diz Pêcheux ([1975]

1997c:160), “o caráter material do sentido – mascarado por sua evidência transparente

para o sujeito – consiste na sua dependência constitutiva das formações ideológicas”.

Dessa forma, conforme o autor, “as palavras, expressões, proposições, etc, recebem

seu sentido da formação discursiva na qual são produzidas” (ibidem, 161).

Orlandi (1994:302) diz que “as marcas lingüísticas não valem por sua evidência

empírica ou formal”, são pistas que não encontramos diretamente, porque não são

auto-evidentes. De acordo com a autora, “as evidências já são efeitos, matéria

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produzida. Para se atingir esses efeitos, é preciso teorizar”. Assim, continua a autora, “a

relação entre as marcas e o que elas significam é tão indireta quanto é indireta a

relação do texto com as suas condições de produção” (ibidem, 303).

Considerando, dessa forma, a relação entre a base lingüística e o processo

discursivo, tomamos como corpus “empírico” textos da Propaganda Eleitoral Gratuita,

veiculada pela mídia televisiva durante as campanhas eleitorais para vereador e

prefeito de Cuiabá, nas eleições de 2004. Desses textos, recortamos nosso corpus

discursivo, entendendo “recorte”, nos termos de Orlandi (1984:14), como unidade

discursiva, “fragmentos correlacionados de linguagem-e-situação”, fragmentos da

“situação discursiva”.

Recortamos seqüências discursivas em que formula-se, de algum modo, o

pertencimento à cuiabania (seqüências do tipo “eu sou cuiabano”, “sou filho dessa

terra”, “me considero cuiabano”, etc). A partir da análise dessas seqüências discursivas,

buscamos compreender a constituição dos sujeitos e dos sentidos nas propagandas

eleitorais.

Entendemos que os diferentes modos de formulação do pertencimento ou do

não-pertencimento à cuiabania resultam dos diferentes e complexos modos de inserção

do sujeito nas discursividades que engendram, potencializam ou negam os estereótipos

sobre o que significa ser cuiabano, definindo-se “discursividade”, seguindo Orlandi

(2002:73), como “efeito material da língua na história, sujeita a equívoco”.

Compreendendo que a subjetivação é um processo complexo, elegemos, nessa

pesquisa, investigar apenas o funcionamento dessas discursividades que (des)dizem a

cuiabanidade, constituindo, nas propagandas eleitorais, sujeitos e sentidos.

Mais especificamente, tomamos como “locus de observação”, a relação do

sujeito com a língua, ou seja, os modos de inserção do sujeito nas discursividades que

produzem um certo saber sobre a língua, de que resulta tanto a língua nacional quanto

o chamado “falar cuiabano”.

Quando falamos em relação do sujeito com a língua, não estamos falando em

relação do sujeito com o sistema formal da língua. Pensamos que a relação do sujeito

com o sistema formal da língua é “afetada” pela história, pois nos constituímos em

sujeitos “pelo jogo da língua na história, pelos sentidos” (Orlandi, 2002:68).

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1.3. A espetacularização da política na contemporaneidade

O objeto discursivo que buscamos compreender, nessa pesquisa, é, como já

dissemos, o processo de subjetivação nas campanhas eleitorais para vereador e

prefeito de Cuiabá, nas eleições de 2004, definido-se o processo de subjetivação, na

perspectiva discursiva que subsumimos, como o processo de constituição do sujeito

pela interpelação-identificação ideológica e pelo inconsciente.

Como nosso corpus “empírico” é a propaganda eleitoral, faz-se necessário

definirmos “político” e “política” no escopo desse trabalho. Entendemos o político como

conflito e a política como “uma luta pela estabilização ou pela desestabilização

linguageira”, conforme Mariani (1998a:44), citando Tournier e Bonnafous (1995).

Estabilização ou desestabilização que “representa a polêmica de um espaço discursivo

marcado pelos confrontos e antagonismos existentes entre as formações discursivas”

(ibidem, 44).

A linguagem, na perspectiva discursiva, é prática de sentidos. Dessa forma, a

política, como “luta pela estabilização ou pela desestabilização linguageira”, é uma luta

pela estabilização ou desestabilização de sentidos, uma luta pela hegemonia de

sentidos.

Courtine (2003) assinala algumas das mudanças ocorridas nessa luta a partir do

século XX. Segundo ele, houve “uma modificação profunda da eloqüência política”

(ibidem, 22), ou seja,

“Uma forma de fala pública, constituída com a Revolução Francesa, fundada sobre os antigos oradores, concebida sobre o modelo do teatro e que até há pouco tempo fazia a ligação entre o homem político e o cidadão, acabou por se apagar sob nossos olhos, não sem nostalgia nem desequilíbrio. Ela cede seu lugar a estilos de comunicação radicalmente novos.” (ibidem, 22)

Em outras palavras, a política vem se transformando cada vez mais em

espetáculo. Não foi só a política, porém, que sofreu essa transformação no século XX.

Debord ([1967] 1997), autor da expressão “sociedade do espetáculo”, um dos pioneiros

na crítica à sociedade de consumo que se desenvolveu no século XX, em sua obra A

sociedade do espetáculo, publicada na França no final de 1967, afirma que “o

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espetáculo é o capital em alto grau de acumulação que se torna imagem”. Segundo ele,

“a mercadoria ocupou totalmente a vida social”, em outras palavras, “o espetáculo

confundiu-se com toda a realidade, ao irradiá-la” (ibidem, 25, 173).

A estetização da política não é, contudo, uma peculiaridade do século XX. De

acordo com Rancière (1995:8), “a política não se tornou ‘estética’ ou ‘espetacular’

recentemente”. Para esse autor, a política

“É estética desde o início, na medida em que é um modo de determinação do sensível, uma divisão dos espaços – reais ou simbólicos – destinados a essa ou àquela ocupação, uma forma de visibilidade e de dizibilidade do que é próprio e do que é comum. Esta mesma forma supõe uma divisão entre o que é e o que não é visível, entre o que pertence à ordem do discurso e o que depende do simples ruído dos corpos.” (ibidem, 8)

O que Courtine (2003) assinala, porém, é a transformação da política, na

segunda metade do século XX, em uma “teatralidade mercantil”. A eloqüência política

fundada no debate de idéias se transformou em teatralidade pela inserção da

publicidade em seu funcionamento.

No dizer de Pêcheux (2004), “no momento em que a crise do marxismo se choca

com os projetos neoliberais da gestão ideológica de massas”, na segunda metade do

século XX, ocorreu essa transformação, na qual “a língua de madeira do direito e da

política se enrosca com a língua de vento da publicidade” (ibidem, 23)7.

Segundo esse autor, “em nossos dias, a propaganda política foi para a escola de

publicidade e troca com ela boas receitas emprestadas de recursos do estudo

lingüístico” (ibidem, 26). Com isso, exerce-se uma “dominação mais sutil”, pois “a

‘língua de vento’ permite à classe no poder exercer sua mestria, sem mestre aparente”

(ibidem, 24).

7 A expressão “língua de madeira” foi cunhada por Régis Debray, referindo-se ao latim, que, segundo ele, foi usado, na Idade Média, para produzir e manter “muralhas”, “fossos” entre dominantes e dominados, característica da sociedade feudal: “As necessidades da administração reestabelecem o uso da escrita. O latim é restaurado como instrumento de comunicação ‘internacional’, comum à Igreja e à chancelaria. Os reis e os príncipes serão os únicos, juntamente com os clérigos, que poderão aprendê-lo. As falas vernaculares se convertem em ‘línguas vulgares’, que são abandonadas ao povo – maneira de demarcar dirigentes e dirigidos” (Debray, apud Pêcheux, 1990:21). Como diz, Pêcheux (1990:21), comentando Debray, “o latim seria assim a ‘língua de madeira’ da ideologia feudal, realizando ao mesmo tempo a comunicação e a não-comunicação”.

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Courtine (2003) aponta algumas características dessa espetacularização da

política, em que a língua de madeira da política se enrosca com a língua de vento da

publicidade. Uma dessas características é o declínio dos monólogos. De acordo com o

autor, em lugar da “forma longa e monológica da fala pública”, nota-se uma “outra

política da fala: aquela das formas breves, das fórmulas, das pequenas frases” (ibidem,

22). Em outros termos, “a fala pública conhece uma profunda transformação

enunciativa, que a torna uma fala breve, interativa, descontínua, fragmentada” (ibidem,

22). Falta, no texto de Courtine, uma definição do que ele chama de fala “descontínua”,

“fragmentada”.

Com essa transformação da fala pública, “ressurgiria enfim o indivíduo falante,

enquanto o aparelho político se apagaria: as vozes não seriam mais anônimas, cada

um falaria em seu nome” (ibidem, 22).

Nessa nova fala pública, “trata-se menos de explicar ou de convencer do que de

seduzir ou de arrebatar” (ibidem, 22). Como diz Courtine, “as formas didáticas da

retórica política clássica [...] são substituídas por formas novas, que submetem os

conteúdos políticos às exigências das práticas de escrita e de leitura próprias ao

aparelho audiovisual de informação” (ibidem, 22-23).

Trata-se de uma fala pública na qual pode-se observar, como diz Courtine, “os

efeitos, no campo do discurso, de uma racionalização do espaço político, totalmente

causada pelo uso de técnicas de comunicação de massa” (ibidem, 23).

Essas transformações na “língua materna da política”, entre elas a preferência

por mensagens curtas e simples, porém, “não garantem em nada a transparência das

intenções” (ibidem, 23). Dessa forma, pode-se duvidar, como o faz Courtine, se, de fato,

nos libertamos, na política, das línguas de madeira.

Cremos, seguindo Pêcheux (2004), que com a mercantilização da política, por

meio do desenvolvimento do marketing político e da tecnologização das campanhas

eleitorais, o que acontece é o “enroscamento” da língua de madeira da política com a

língua de vento da publicidade, tornando mais sutil a dominação. Conforme Baronas

(2003a:199),

“Embora a ‘língua de madeira’ e a ‘língua de vento’ tenham uma sintaxe bastante semelhante, elas se diferem discursivamente, pois enquanto a

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segunda ‘evoca aparentemente o discurso do sem propósito, do qualquer coisa’ (Debray, 1978), a primeira se nutre do discurso político com o propósito de estabelecer-lhe uma conduta interpretativa.”

A língua de madeira da política, ao ser transformada em ferramenta pela mídia,

segundo o autor, “constrói um discurso auto-protetor, não oferecendo margens à

interpretação e sim somente à repetição” (ibidem, 199). Dessa forma, ela produz uma

“espécie de ortopedia da leitura”.

Uma das críticas essenciais contra essa mercantilização da política, segundo

Courtine (2003), é a de que “a coisa pública não seria ali mais do que uma simples

aparência, puro espetáculo, vã comédia com inserções publicitárias às quais ela acaba

se assemelhando” (ibidem, 30). Nesse espetáculo, os políticos oscilariam “entre heróis

de novela e mercadorias à venda, teriam um papel incerto” (ibidem, 30).

Dessa forma, cremos que na espetacularização da política pode-se verificar o

que Morin ([1962] 1997), em sua crítica à cultura de massa que se desenvolveu no

século XX, chamou de “cultura de lazer”. Segundo ele, “a cultura de massa pode assim

ser considerada como uma gigantesca ética do lazer”, ou seja, “a ética do lazer, que

desabrocha em detrimento da ética do trabalho e ao lado de outras éticas vacilantes,

toma corpo e se estrutura na cultura de massa” (ibidem, 69). Em outras palavras, no

século XX, “o complexo jogo-espetáculo” (ibidem, 75) se afirma na cultura ocidental .

Nas propagandas eleitorais que estamos analisando, os candidatos se

apresentam conforme papéis pré-determinados, a serem, presumivelmente,

reconhecidos pelos eleitores: mãe, médico, contador, professor, servidor público,

evangélico, etc, como se vê em:

(1) “Isabel Cristina, mãe, professora e enfermeira, moro em Cuiabá 24 anos, me

considero cuiabana [...]” (Isabel Cristina)

Nessa teatralização funciona o que Orlandi (1999) chama de “mecanismo da

antecipação”. Segundo a autora, “todo sujeito tem a capacidade de experimentar, ou

melhor, de colocar-se no lugar em que o seu interlocutor ‘ouve’ suas palavras” (ibidem,

39). Dessa forma, “esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito

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dirá de um modo, ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte”

(ibidem, 39).

Não apenas esse mecanismo de antecipação, mas todos os mecanismos de

funcionamento do discurso, de acordo com Orlandi, “repousam no que chamamos de

formações imaginárias” (ibidem, 40). Dessa maneira, o que funciona no discurso das

propagandas eleitorais não é o lugar “ocupado” pelo falante (professor, médico,

evangélico, etc), mas as imagens desses lugares, que resultam de projeções, e que

“significam em relação ao contexto sócio-histórico e à memória (o saber discursivo, o já-

dito)” (ibidem, 40).

Como o estamos entendendo, o imaginário “condiciona os sujeitos em suas

discursividades” (ibidem, 42). Orlandi afirma que

“O imaginário faz necessariamente parte do funcionamento da linguagem. Ele é eficaz. Ele não ‘brota’ do nada: assenta-se no modo como as relações sociais se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de poder. A imagem que temos de um professor, por exemplo, não cai do céu. Ela se constitui nesse confronto do simbólico com o político, em processos que ligam discursos e instituições.” (ibidem, 42)

Essas imagens transformam os “lugares dos sujeitos” em “posições dos sujeitos”:

“Atravessado pela linguagem e pela história, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem acesso a parte do que diz. Ele é materialmente dividido desde sua constituição: ele é sujeito de e é sujeito à. Ele é sujeito à língua e à história, pois para se constituir, para (se) produzir sentidos ele é afetado por elas. Ele é assim determinado, pois se não sofrer os efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter à língua e à história ele não se constitui, ele não fala, não produz sentidos.” (ibidem, 48-9)

Entendemos que a posição de sujeito define-se como pontos desse

assujeitamento do indivíduo sempre-já sujeito à língua e à história. O que chamamos de

sujeito do discurso, assim, é, na verdade, uma dispersão de posições de sujeito, de

pontos de interpelação-identificação ideológica, pontos com unidade apenas imaginária,

pois “a ideologia é um ritual com falhas” e “a língua não funciona fechada sobre si

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mesma: abre para o equívoco”, definido como “a falha da língua, na história” (Orlandi,

2002:68-9).

Nas propagandas eleitorais, como se verifica em (1), há uma dispersão de

posições de sujeito. Dispersão regulada pelas formações imaginárias e discursivas.

Como se pode notar, em nenhuma das propagandas eleitorais que analisamos,

formulam-se enunciados como, por exemplo, “sou garota de programa”, ou “sou pai-de-

santo”, profissões, hoje, arroladas na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) do

Ministério do Trabalho, mas interditadas pelas formações ideológicas judaico-cristãs.

Além das características da espetacularização da política já assinaladas, pode-

se, ainda, afirmar que no funcionamento discursivo da política instauram-se processos

de sobredeterminação. Embora Courtine não utilize essa noção, cremos que, quando

ele afirma que a língua da publicidade “invadiu” a língua da política, ele está,

implicitamente, tratando da sobredeterminação como constitutiva da teatralização da

política. A propaganda eleitoral “coloca em jogo simultaneidades, exclusões e

contradições que sobredeterminam seu dizer” (Indursky, 1997:195).

A noção de sobredeterminação, como assinala Indursky (ibidem, 194), foi

desenvolvida, primeiramente, pela Psicanálise, nos trabalhos de Freud sobre a etiologia

das neuroses. Conforme a leitura da obra freudiana feita pela autora, nesses estudos,

analisando os sintomas da histeria, Freud afirmou que não existe uma única causa

traumática para essa psicopatologia, mas um conjunto de causas desencadeantes.

Mais tarde, ainda segundo Indursky (ibidem), Althusser utilizou a noção de

sobredeterminação para examinar a contradição marxista, “categoria essencial para o

estudo da estrutura do corpo social” (ibidem, 194). Para esse autor, de acordo com

Indursky, “para que a contradição se torne ativa, isto é, para que ela se transforme em

princípio de ruptura, faz-se necessário que haja uma acumulação de circunstâncias, de

contradições” (ibidem, 194).

O que há em comum, no uso que Freud e Althusser fazem da noção de

sobredeterminação, como assinala a autora, é que “tanto em um como no outro, vários

fatores de natureza diversa associam-se para produzir um efeito, seja de sentido, no

inconsciente, seja de ruptura, na estrutura social” (ibidem, 195).

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As propagandas eleitorais sob análise são determinadas, simultaneamente, pelo

discurso político e pelo discurso jornalístico. Como o entendemos, seguindo Indursky, o

processo de determinação discursiva consiste no “trabalho de construção discursiva da

delimitação sobre o que pode/deve ser dito, bem como do que pode, mas não convém

ser dito em um discurso” (ibidem, 196). O processo de determinação decorre não de

escolhas do locutor, mas “da relação que o sujeito do discurso estabelece com a

formação discursiva que o afeta, ao mesmo tempo que é responsável pelos efeitos de

sentido que aí se instauram” (ibidem, 196). Nessa acepção, a determinação discursiva

“trabalha com a individualização imaginária do espaço discursivo, produzindo o efeito

de discurso único, homogêneo” (ibidem, 196).

Esse aspecto do funcionamento discursivo da “política-espetáculo” ou “política-

sedução” materializa-se em seqüências discursivas como:

(2) Candidato fora de estúdio, como numa reportagem: “Caros eleitores de

Cuiabá, eu sou candidato do Partido Trabalhista do Brasil, meu nome é Evandro

Evangelista, meu número é 70.070. Eu quero denunciar a seguinte patifaria: isso

aqui (aponta para um terreno) era o terminal rodoviário que fica entre o bairro

Presidente Vargas e Residencial Coxipó. Olha, montaram tudo sem qualquer

infraestrutura e foram obrigados a derrubar porque a água, na época de chuva,

batia no peito dos usuários do terminal. E agora estão construindo uma chac/

[truncamento de palavra] uma creche sem infraestrutura novamente. Eu quero

avisar o candidato de meu partido, Manoel Olegário, que, se ele eleito, terá que

resolver essa situação, porque o dinheiro do povo não pode ser jogado no lixo.”

(Evandro Evangelista)

Pode-se verificar em (2) duas posições de sujeito: a que constitui o candidato

pelo Partido Trabalhista do Brasil e a que constitui o jornalista. Formula-se, no

enunciado, tanto a apresentação da candidatura (“eu sou candidato”), quanto a

denúncia (“eu quero denunciar a seguinte patifaria”), a interpelação do eleitor a “olhar”

(“isso aqui”, “olha”) e a cobrança de solução para o problema “mostrado” (“quero avisar

o candidato”, “terá que resolver”).

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Na propaganda, imagem e som, ou seja, o verbal e o não-verbal se articulam, à

semelhança do que ocorre nas reportagens exibidas nos telejornais, sobretudo

naqueles denominados de “jornalismo comunitário”. Essa articulação produz efeitos de

evidência que constituem sujeitos e sentidos na campanha eleitoral.

Essa sobredeterminação que constitui (2) realiza-se de modo mais explícito,

ainda, em

(3) Candidato fora de estúdio, como numa reportagem: “Eu não lhe trouxe aqui

hoje como candidato que sou, eu lhe trouxe aqui hoje como repórter, eu sou

jornalista [...]” (Ivaldo Lúcio)

A determinação do dizer pelo discurso jornalístico, nas campanhas eleitorais,

como se observa em (3), em que ocorre a denegação da posição de sujeito que

constitui o candidato (“não lhe trouxe aqui hoje como candidato que sou”) e na

afirmação da posição de sujeito que constitui o jornalista (“lhe trouxe aqui hoje como

repórter, eu sou jornalista”), produz “regimes de verdade”, noção desenvolvida por

Foucault (1979), para quem “a verdade não existe fora do poder ou sem poder”. Para

ele,

“A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros.” (ibidem, 12)

Produz “regimes de verdade” porque, como assinala Mariani (1993), funciona no

discurso jornalístico “a imagem de um discurso que se supõe isento de pré-julgamento”

(ibidem, 35). Essa imagem foi produzida em decorrência do controle da liberdade de

imprensa pelo Estado e pela Igreja Católica, nos séculos XVIII e XIX, como analisa

Mariani (ibidem). Segundo a autora, a atividade jornalística, nesse período, face ao

controle do Estado e da Igreja, para garantir a liberdade de escrita, o direito de dizer,

formou uma jurisprudência própria, “na qual o poder de poder dizer algo – entendido

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como comunicar, informar, mas não opinar – ficou inevitavelmente ligado à censura”

(ibidem, 35).

Dessa forma, afirma Mariani, “informar/comunicar (na imprensa) é o resultado de

um duplo controle: um controle exterior, vindo do Estado e do sistema jurídico por um

lado e, por outro, um controle internalizado” (ibidem, 35), uma auto-censura da

atividade jornalística. Como efeito desse duplo controle, conforme a autora,

“A construção do discurso jornalístico foi, durante séculos, cultivando essa imagem de um discurso que se supõe isento de pré-julgamento, um discurso-suporte para fatos que falam por si. Não podia ser de outra maneira. Os mecanismos de controle da Igreja e do Estado forçam o apagamento do sujeito que está narrando, relatando, escrevendo a notícia. Noticiar só pode ser informar de modo neutro com a utilização de uma ‘linguagem-invólucro’, cujo conteúdo são os fatos. Não é permitido opinar nem interpretar.” (ibidem, 35)

Portanto, a objetividade e a imparcialidade, qualidades atribuídas à atividade

jornalística, “só existem como tal porque o ato de informar por meio de jornais é

previamente controlado, produzindo um efeito de transparência” (ibidem, 35). Para ser

tido como confiável, o jornal tem que ocupar esse “lugar de transparência”. Como

assinala Mariani, “ao assumir-se como transparente, o discurso jornalístico encontra

uma forma de escapar ao controle político” (ibidem, 35).

Essa imagem de um discurso transparente funciona, no discurso jornalístico,

como uma “cortina de fumaça”, um “simulacro”: “sob a alegação de estar informando, o

jornal permanece opinativo e interpretativo, constituindo sentidos, produzindo história”

(ibidem, 35).

No jogo metafórico instaurado nas propagandas eleitorais, pelos processos de

sobredeterminação, esse imaginário de transparência migra, desliza, do domínio do

jornalismo para o da política, produzindo efeitos de evidência que contribuem para a

“produção de verdades locais, as quais, ligadas circularmente aos sistemas de poder

(Foucault, 1984), vão sendo disseminadas como consensos sociais” (Mariani,

1998a:226).

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1.4. O jogo da memória na propaganda eleitoral

Pensamos que a propaganda eleitoral, como objeto simbólico, se constitui no

“ponto de encontro de uma atualidade e uma memória” (Pêcheux, [1983] 1997d:17).

Compreendemos a memória como “o saber discursivo que torna possível todo

dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível,

sustentando cada tomada da palavra” (Orlandi, 1999:31), afetando o modo como o

sujeito (se) significa.

Dessa forma, na perspectiva discursiva que adotamos, a memória será tratada

como interdiscurso, definido como “aquilo que fala antes, em outro lugar,

independentemente” (ibidem, 31). Ele “disponibiliza dizeres que afetam o modo como o

sujeito significa em uma situação discursiva dada” (ibidem, 31).

O sujeito do discurso, nas propagandas eleitorais que analisamos, se constitui,

portanto, por meio do processo de identificação-interpelação pelo interdiscurso. Nesse

sentido, o sujeito do discurso, nas propagandas eleitorais, é um efeito de sujeito, um

efeito da inscrição do indivíduo sempre-já sujeito no interdiscurso, na memória

discursiva.

O interdiscurso, como o entendemos, é constituído pelas e constitutivo das

formações discursivas, definidas como aquilo que determina “o que pode e deve ser

dito a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto é, numa relação de lugares no

interior de um aparelho ideológico, e inscrita numa relação de classes” (Pêcheux e

Fuchs, [1975] 1997:166).

As formações discursivas, assim definidas, estão intrincadas nas formações

ideológicas, entendidas como “um conjunto complexo de atitudes e de representações

que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’ mas se relacionam mais ou menos

diretamente a posições de classes em conflitos umas com as outras” (ibidem, 166).

Coloca-se, dessa maneira, a relação entre ideologia e discurso (não existe discurso

sem ideologia), em que o discursivo é um dos aspectos da materialidade ideológica

(ibidem, 166).

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32

Entendemos que nem as formações discursivas, nem as formações ideológicas

nas quais elas estão intrincadas são homogêneas e estáveis. Suas fronteiras se

deslocam incessantemente, produzindo a errância dos sujeitos e dos sentidos.

Essa instabilidade localizada nas formações discursivas e ideológicas, seu não-

fechamento, nos faz conceber a memória como um “espaço móvel de divisões, de

disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização” (Pêcheux,

1999:56).

A partir dessa concepção de memória, formula-se, no campo da Análise de

Discurso, que “o dizer não é propriedade particular”, que “as palavras não são só

nossas”, “que elas significam pela história e pela língua”, que “o sujeito diz, pensa que

sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se

constituem nele” (Orlandi, 1999:32).

Dessa forma, entendemos que a formulação do dizer, nas propagandas

eleitorais, resulta do trabalho da memória. Decorre da inscrição do sujeito em diferentes

e, às vezes, contraditórias regiões do interdiscurso.

Mais especificamente, cremos que, nas propagandas eleitorais que estamos

analisando, atualiza-se uma memória sobre a cuiabanidade, ou seja, atualizam-se, sob

a forma de pré-construídos, dizeres sobre o que significa ser cuiabano. Atualiza-se um

já-dito sobre a cuiabania produzido historicamente na relação do cuiabano com o

“outro” (o viajante, o imigrante, o migrante, etc).

Galleti (2000) analisa, na perspectiva da História, a produção dessa memória.

Ela investiga o olhar dos viajantes estrangeiros, dos brasileiros de outras regiões e do

próprio mato-grossense sobre Mato Grosso e sua gente, produzido entre meados do

século XIX e início do XX.

Nesse período, assinala a autora, o território mato-grossense e seus habitantes

foram significados na perspectiva de noções como “civilização”, “nação”, “sertão”,

“fronteira” e “progresso”, noções desenvolvidas segundo o ideário liberal burguês, que

teve seu apogeu no século XIX.

À época, as nações européias, pondo-se como modelo de civilização,

consideraram a América Latina como atrasada, com baixo grau de civilização, e suas

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33

populações, tidas como raças inferiores, foram vistas como indolentes e apáticas.

Apenas as elites escaparam dessas imagens, diz a autora.

Essas elites inventaram, afirma Galetti, “para consumo interno”, a “figura de um

outro geográfico dentro de seus próprios países” (ibidem, 21). As imagens que as elites

produziram desse outro foi de “regiões bárbaras e atrasadas”. Da mesma forma que, na

ideologia liberal burguesa, cabia à Europa civilizar a América Latina, a “outra parte do

país, em geral aquela onde os efeitos da modernização capitalista eram mais visíveis e

que, portanto, representavam a sua face ocidentalizada, podia e devia exercer a sua

própria missão civilizadora” (ibidem, 22).

No Brasil, à semelhança do que aconteceu nos demais países da América

Latina,

“Uma parcela significativa de intelectuais e dirigentes políticos, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, passaria a perceber os sertões da pátria como uma fronteira entre civilização e barbárie dentro do próprio território nacional, que urgia fosse superada a fim de acelerar o progresso do país.” (ibidem, 26-7)

A autora demonstra, em seu trabalho, que os viajantes estrangeiros, os

brasileiros de outras regiões e os mato-grossenses “enxergaram Mato Grosso pela

mesma matriz das concepções ocidentalistas de progresso e civilização e pelas

mesmas lentes das teorias evolucionistas e raciais” (ibidem, 27) que predominaram, no

pensamento científico ocidental, entre o final do século XIX e princípio do XX. Os

viajantes estrangeiros viram Mato Grosso como

“Uma região ainda próxima da barbárie: abundante em recursos naturais, seu imenso território encontrava-se quase vazio, dominado por indígenas e por uma população mestiça, indolente e sem espírito empreendedor, razão pela qual seu progresso só seria possível com a introdução de imigrantes e capitais europeus.” (grifos da autora) (ibidem, 27)

Os brasileiros de outras regiões, do “litoral civilizado”, tendo como referência o

modelo europeu, enxergaram Mato Grosso, de forma ambígua, negativamente, como

confins do mundo civilizado e da nação brasileira, em função “das distâncias

geográficas, históricas e culturais que o separavam do mundo e do Brasil civilizado”

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(ibidem, 27), e, positivamente, como “locus de sua verdadeira identidade cultural”

(ibidem, 27). Há que se considerar que, nesse período coberto pela pesquisa de Galetti,

estava em andamento o processo de nacionalização do Brasil. Buscou-se, nesse

processo, produzir uma identidade para a nação brasileira.

Conforme a autora, os mato-grossenses “compartilhando desta visão ambígua

sobre a terra natal, manifestaram um profundo mal estar cultural face a uma identidade

estigmatizada pela barbárie” (ibidem, 28). Tentando redefinir essa identidade, mato-

grossenses investiram na “construção de uma memória histórica fundada nas origens

bandeirantes do povo mato-grossense, em um passado de lutas pela ampliação e

defesa do território brasileiro” e para manter acesa “a chama da civilização” (ibidem,

28). Um exemplo disso se verifica no texto de Silva (1976), publicado pela primeira vez

em 1921, intitulado Subsídios para o estudo de Dialectologia em Mato-Grosso. Nele, o

autor ensaia descrever a origem de algumas diferenças lingüísticas localizadas em

Mato Grosso. Antes, porém, de entrar nas questões propriamente lingüísticas, o autor

narra a épica “descoberta” de Mato Grosso:

“Os bandeirantes fazendo as suas entradas pelos sertões, em procura de pepitas de ouro, repetiam, nos reconcavos profundos das nossas florestas desconhecidas, a epopéa escripta pelos portugueses na vastidão dos ‘mares nunca dantes navegados’. E desta lucta hercúlea e consciente do homem contra a natureza, resultou a expansão do territorio brasileiro até então adstricto ao littoral. Da floresta gigantesca, aquelles super-homens, numa lucta variada, ora com a propria natureza revoltada, ora com o homem selvagem, faziam surgir, como tocados por varinhas magicas, florescentes povoados que eram logo depois cidades. O conhecido combate do Rio das Mortes, entre portugueses e paulistas, fez com que estes voltassem as suas vistas para Oeste e viessem desvendar aos olhos do mundo civilizado o territorio matogrossense”. (ibidem, 103) (grifo do autor)

Galetti (2000) assinala que os mato-grossenses, nas primeiras décadas do

século XX, se apropriaram das imagens produzidas pelos viajantes estrangeiros e pelos

brasileiros de outras regiões “para contrapor a elas um discurso que redefine a

identidade regional estigmatizada pela barbárie” (ibidem, 33). No escopo desse

movimento pela redefinição da identidade mato-grossense, foi criado, por exemplo, o

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Instituto Histórico de Mato Grosso, em 1919, “destinado a preservar a memória e as

tradições locais” (ibidem 33).

Nesse movimento, a elite de Mato Grosso produziu um “outro” mato-grossense8,

a quem atribuiu os estigmas produzidos pelo viajante estrangeiro e pelos brasileiros de

outras regiões:

“Os intelectuais mato-grossenses reservaram aos índios e à população pobre mestiça, aqueles mesmos atributos raciais e a mesma avaliação negativa sobre seus hábitos e costumes que permitiram aos viajantes estrangeiros considerá-la como uma gente indolente, falta de espírito empreendedor, numa palavra, incivilizada.” (ibidem, 33)

De acordo com a historiadora, muitos dos elementos da imagem de Mato Grosso

como “fronteira do mundo civilizado”, produzida pelos viajantes estrangeiros, e como

“sertão”, produzida pelos brasileiros de outras regiões, “foram insistentemente

retomados” (ibidem, 325) ao longo do século XX.

Enxergamos o retorno de elementos dessas imagens, constituindo sujeitos e

sentidos, nas propagandas eleitorais que estamos analisando, em seqüências como:

(4) “Eleitor e eleitora amigo de Cuiabá, sou Ronald [...] cuiabano com orgulho

[...]” (Ronald)

O retorno, ou atualização, de que estamos falando materializa-se, na superfície

lingüística dessa seqüência, por meio do sintagma “com orgulho”, que determina o

predicativo “cuiabano”.

Na ótica da Lingüística a determinação consiste na saturação de um nome por

um determinante. Como diz Indursky (1997:177), “os determinantes lingüísticos saturam

o nome, dando-lhe uma referência atual que o qualifica a ocupar uma posição

lexicalmente identificada com um lugar referencial e a exercer funções semânticas e

sintáticas no enunciado”.

8 Em pesquisa realizada em 2005, Peterson (2005) assinala a existência de um “outro”, a quem cuiabanos por ela entrevistados atribuem os traços lingüísticos identificados como “falar cuiabano”: “A maioria dos nossos entrevistados admite que não fala o linguajar cuiabano, pelo menos não aquele alcunhado por alguns de ‘cuiabanês’ e por outros de ‘autêntico’. [...] entre os cuiabanos já há um outro a quem atribuem o cuiabano genuíno” (ibidem, 197).

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Essa operação de determinação lingüística, porém, como assinala a autora, não

consegue saturar a significação de um nome. A determinação lingüística “é insuficiente

para saturar um nome, habilitando-o a ocupar um lugar em uma seqüência discursiva”

(ibidem, 177).

Torna-se necessário, assim, pensar a determinação numa outra ordem que não

a lingüística, a discursiva. A determinação discursiva de um nome, conforme Indursky,

“consiste em saturar-lhe o significado para qualificá-lo a integrar seqüências discursivas

afetadas por determinadas formações discursivas” (ibidem, 177).

Na operação de determinação lingüística, o nome ou expressão nominal é

levado a ocupar um lugar específico na estrutura da frase. Já na operação de

determinação discursiva o nome ou expressão nominal, na categoria de enunciado, é

remetido a uma formação discursiva por seu determinante. Nas palavras de Indursky, a

determinação discursiva “consiste em saturar uma expressão nominal para limitar sua

extensão e dotá-la de referência atual, para que se qualifique como elemento de dizer

ideologicamente identificado à formação discursiva que afeta o discurso” (ibidem, 180)

em que essa expressão se realiza.

Dessa forma, a determinação discursiva, ou saturação do significado de um

nome ou expressão nominal, “consiste em um efeito de sentido onde intervêm

conjuntamente fatores sintáticos, semânticos e ideológicos” (ibidem, 177).

Na seqüência discursiva (4), o sintagma “com orgulho” satura o significado do

predicativo “cuiabano” inscrevendo-o, contraditoriamente, tanto na discursividade que

significa o cuiabano como indolente, sem espírito empreendedor, etc, de que trata

Galetti (2000) – denega-se essa discursividade, quanto na discursividade produzida

pelos movimentos identitários por meio dos quais a elite cuiabana buscou redefinir sua

identidade.

A discursividade produzida por esses movimentos, bem como o discurso-outro

que a constitui, depreendemos, também, na predicação da cidade de Cuiabá e do povo

cuiabano em:

(5) “Cuiabá é uma boa cidade, de um povo trabalhador e hospitaleiro, mas

precisa mudar o seu quadro político [...]” (Júlio César)

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Nas propagandas eleitorais, como verificamos, atualiza-se, portanto, uma

memória discursiva sobre o cuiabano, sobre a cuiabanidade. Nelas, contudo, não se

verifica apenas a atualização de uma memória discursiva, as propagandas eleitorais

formulam memória discursiva.

Elas fixam, por exemplo, uma agenda do que é assunto da política. Fazendo um

levantamento dos assuntos abordados pelos candidatos, verificaremos que os assuntos

se repetem, são sempre os mesmos: cuiabanidade, emprego, transporte coletivo,

saúde, escola, creche, saneamento básico, etc.

Para compreendermos como as propagandas eleitorais funcionam formulando

memória, precisamos perguntar que assuntos foram delas excluídos. Em nenhuma

delas encontramos formulada, por exemplo, a defesa da legalização do aborto, da

adoção de crianças por casais homossexuais, do casamento de homossexuais ou da

legalização das drogas. Esses assuntos são silenciados nas propagandas eleitorais

que, dessa forma, fixam, para o eleitor-telespectador, o que pode e o que não pode ser

dito. Mesmo silenciadas, porém, as discursividades que constituem esses “assuntos”

continuam significando.

As propagandas eleitorais formulam memória, também, fixando quais posições

de sujeito são permitidas e quais são interditadas na formação social brasileira.

Observando os papéis conforme os quais os candidatos se apresentam, temos as

posições não interditadas: mãe, professor, médico, advogado, sindicalista, etc. Ficam

interditadas, pela intervenção das formações ideológicas judaico-cristãs, entre outras,

posições como “garota de programa”, “pai-de-santo”, “bicheiro”, etc.

Desse modo, as propagandas eleitorais contribuem para a produção do discurso

social, entendido aqui como “consenso posto em funcionamento em um estado da

formação social” (Orlandi, 1995:113).

1.5. A interlocução discursiva nas propagandas eleitorais

Na análise do processo de interlocução que se instaura nas propagandas

eleitorais, seguiremos Indursky (1997), para quem o processo de interlocução se realiza

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em dois níveis diversos, interdependentes e simultâneos: a interlocução enunciativa e a

interlocução discursiva.

No nível da interlocução enunciativa, encontramos, na instância de locutor, os

candidatos a vereador de Cuiabá, na de interlocutor, os eleitores. Nesse nível de

interlocução, há, portanto, no corpus de nossa pesquisa, bastante visibilidade quanto a

quem “ocupa” cada uma das instâncias da interlocução, como se vê em:

(6) “Sou [EU = CANDIDATO] cuiabano, professor e economista, peço seu [TU =

ELEITOR] voto [...]” (Vantuil)

Pode-se depreender de (6) que, ao se constituir, a interlocução enunciativa

instaura uma cena enunciativa composta pelos dois pólos interlocutivos: o eu (locutor –

candidato) e o tu (interlocutor – eleitor), não havendo reversibilidade entre os pólos, ou

seja, os interlocutores ficam fixados aos mesmos papéis enunciativos durante toda a

alocução.

No nível da interlocução discursiva, os participantes da alocução não possuem a

mesma visibilidade. Nesse nível, instauram-se, nas propagandas eleitorais,

interlocuções menos explícitas. Esse nível de interlocução, como afirma Indursky,

“caracteriza-se por uma interlocução opacificada” (ibidem, 137).

Nas propagandas eleitorais, como vimos em (6), no nível da interlocução

enunciativa, há um candidato a vereador que assume a posição daquele que diz eu,

instituindo, com isso, um tu eleitor. Tudo isso, num espaço e num tempo definidos,

numa situação específica, as propagandas eleitorais veiculadas pelas emissoras de

televisão de Cuiabá, nas eleições de 2004.

Já no nível da interlocução discursiva, ao tomar a palavra, assumindo a posição

daquele que diz eu, o candidato o faz como sujeito do discurso afetado pelas formações

discursivas. Como sujeito do discurso, aquele que diz eu, nas propagandas eleitorais,

inscreve-se na forma-sujeito da formação discursiva que o domina. Essa relação com a

forma-sujeito coloca o candidato na situação de “ocupar” uma posição historicamente

determinada.

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Quando o candidato toma a palavra, na qualidade de locutor, na instância de

interlocução enunciativa, ele o faz como sujeito do discurso, inscrevendo-se numa

dispersão de posições de sujeito. Como sujeito do discurso, não se dirige a um grupo

indistinto de eleitores, como se nota em:

(7) “Esta é a nossa Cuiabá, Cuiabá daqueles que aqui nasceram, como eu, e

daqueles que pra cá vieram e criaram suas raízes, e amam esta cidade tanto

quanto nós [...]” (Carlos Haddad)

Os eleitores estão, na interlocução discursiva que se desenvolve nessa

seqüência, divididos em dois grupos, os “que aqui nasceram”, ou seja, os cuiabanos, e

“aqueles que pra cá vieram”, os (i)migrantes, chamados pelos cuiabanos, sobretudo na

década de 1980, de “paurrodados”. O pronome inclusivo “nós” (eu candidato +

“daqueles que aqui nasceram”), no enunciado, sugere que apenas os cuiabanos

participam da interlocução. Os (i)migrantes, porém, participam da interlocução

discursiva como um outro, que é igualmente interpelado. Como diz Indursky (ibidem,

137),

“Nesta segunda instância de interlocução, o sujeito do discurso, ao interpelar o outro, pouco definido e até ausente, instaura a cena discursiva que não é espacialmente determinada pelo espaço físico em que a alocução está ocorrendo nem pela presença física do interlocutor. A cena discursiva remete para o cenário discursivo que não possui materialidade física e que é mobilizado pelo imaginário social do sujeito do discurso.” (grifos da autora)

Na passagem da interlocução enunciativa para a discursiva, o deslocamento

essencial é que “o locutor exerce individualmente a palavra, enquanto o sujeito do

discurso o faz como sujeito social, pelo viés da prática discursiva” (ibidem, 139). Como

assinala Indursky, “a interlocução discursiva consiste, pois, na interlocução entre

sujeitos de discursos dispersos em espaços discursivos diferentes, afetados

possivelmente por formações discursivas igualmente diversas” (ibidem, 39).

Nas propagandas eleitorais que estamos analisando, verificamos essa dispersão

do sujeito do discurso. A distinção feita entre cuiabanos e (i)migrantes, na seqüência

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(7), permite-nos depreender que, nela, o sujeito do discurso se constitui pela inscrição

na discursividade dos movimentos identitários cuiabanos engendrados, principalmente,

na década de 1980. Esse sujeito se mostra interdiscursivamente atravessado, porém,

quando, mesmo que de forma enviesada, inclui, na posse de Cuiabá (“esta é nossa

cidade”), um certo grupo de (i)migrantes, os que “amam esta cidade tanto quanto nós”,

inclusão que, pensamos, resulta das transformações políticas produzidas em Mato

Grosso, sobretudo na década de 1990, como aponta Palma (2005), e das novas

discursividades por elas engendradas.

Cabe lembrar que o discurso-outro que constitui a discursividade dos referidos

movimentos identitários foi engendrado no final do século XIX e início do século XX,

como assinala Galetti (2000). As fronteiras entre cuiabanos (“daqueles que aqui

nasceram”) e (i)migrantes (“daqueles que pra cá vieram”) foram, portanto, produzidas

antes desses movimentos. Esse discurso-outro, relativo às imagens de Mato Grosso

como atrasado e do mato-grossense como preguiçoso, imagens que (em)forma(ra)m o

“olhar” do estrangeiro e de brasileiros de outros Estados “mais desenvolvidos”, é, desse

modo, constitutivo, também, da interlocução discursiva em (7), produzindo a dispersão

do sujeito do discurso.

Os (i)migrantes participam, portanto, da interlocução discursiva que se instaura

em (7) como uma terceira-pessoa discursiva (“daqueles que pra cá vieram”). O mesmo

se verifica na seqüência abaixo, em que opera-se a mesma separação entre cuiabanos

e (i)migrantes, sendo esses interpelados, na interlocução discursiva, pelo pronome

demonstrativo de terceira pessoa “aqueles”:

(8) Eleitor amigo, queremos uma sociedade mais justa, sou filho desta terra e

recebo de braços abertos aqueles que aqui buscam dias melhores [...]” (Prof.

Pinheiro)

Benveniste ([1966] 1995) exclui a terceira-pessoa da interlocução enunciativa,

chamando-a de não-pessoa. Como a tomamos, a terceira-pessoa discursiva não se

confunde com a não-pessoa de que fala esse autor. A terceira-pessoa discursiva é a

instância da alteridade: “aparentando ser aquele de quem se fala e localizado na

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exterioridade, constitui-se, de fato, naquele a quem se fala, pólo de interlocução em

função do qual o sujeito do discurso efetivamente se constitui” (Indursky, 1997:131).

Ao contrário do que propõe Benveniste ([1966] 1995), a terceira-pessoa é um

elemento interno ao discurso. Como diz Indursky (ibidem, 131), “sob a aparência da

não-pessoa, encontra-se a terceira-pessoa discursiva, dotada de traços de

pessoalidade”. A terceira-pessoa discursiva é o outro “na qualidade de interlocutor

indeterminado, o qual participa, a esse título, da interlocução discursiva” (ibidem, 132).

Na verdade, como propõe Indursky, essa instância da interlocução discursiva, a

terceira pessoa, não deixa de ser determinada para o sujeito do discurso, “sua

indeterminação é um efeito que se constrói através do trabalho discursivo” (ibidem,

132).

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“Sem dúvida, a fala, a partir de Lacan, é a experiência

da falta-a-ser. É, para o sujeito, a experiência de uma

divisão, é a máquina de se perder: diz-se mais do que

se quer, diz-se menos do que se quer, diz-se outra

coisa, diz-se algo parecido, diz-se o contrário.”

(Miller, 2005:32)

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CAPÍTULO 2 - LÍNGUA NACIONAL E SUBJETIVAÇÃO NAS PROPAGANDAS

ELEITORAIS

2.1. Sobre o político da/na língua

O caráter fundamentalmente político, conflituoso, da língua, do estar na língua,

pode ser observado na constituição do sujeito do discurso nas propagandas eleitorais.

Para a compreensão da presença do político na/da língua, constituindo sujeitos, nas

propagandas eleitorais, cremos que a noção de espaço de enunciação pode ser

produtiva.

Para Maldidier e Guilhaumou (apud Orlandi 2002:31), a noção de acontecimento

discursivo leva a Análise de Discurso a atentar para questões relativas à enunciação.

Entre elas, incluímos, por imposição do próprio tema desse trabalho, a configuração do

espaço de enunciação do Português no Brasil.

Essa noção, a de espaço de enunciação, foi desenvolvida por Guimarães (2002)

no campo dos estudos enunciativos. Cabe lembrar que, para ele, a enunciação define-

se como

“O acontecimento sócio-histórico da produção do enunciado. Deste modo, a enunciação não é um ato individual do ‘sujeito’, não sendo também irrepetível. O repetível está na enunciação porque ela se dá no interior de uma formação discursiva. Mas no acontecimento enunciativo se expõe ou pode-se expor o repetível ao novo.” (Guimarães, 1989:78-9)

Pensamos que, com essa definição de enunciação, Guimarães afasta-se da

tendência, nas teorias da enunciação, de reproduzir, em termos teóricos, a ilusão do

sujeito de ser origem do dizer e dos sentidos. Nota-se, por essa definição, que o autor

não trabalha com a idéia de um sujeito enunciador portador de escolhas e intenções.

Nisso, Guimarães se aproxima de Pêcheux, para quem,

“Os processos de enunciação consistem em uma série de determinações sucessivas pelas quais o enunciado se constitui pouco a

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pouco e que tem por característica colocar o ‘dito’ e em conseqüência rejeitar o ‘não-dito’.” (Pêcheux e Fuchs, [1975] 1997:175-6)

Entendemos essas “determinações sucessivas” como efeitos da inscrição do

sujeito na língua e na história. Para Guimarães, portanto, a língua não é posta em

funcionamento pelo indivíduo (pessoa que fala esta ou aquela língua), mas pelo

interdiscurso dentro de espaços de enunciação, definidos como

“Espaços de funcionamento de línguas, que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante. São espaços ‘habitados’ por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer.” (ibidem, 18)

Os espaços de enunciação caracterizam-se, pois, conforme o excerto acima,

como espaços de conflitos, logo, definem-se como espaços políticos, lembrando que o

político, para Guimarães (ibidem), não reside nem na divisão normativa e desigual do

real, do sensível, nem em sua redivisão por meio da qual os excluídos afirmam seu

pertencimento. O político, para ele, reside no conflito, na contradição, entre esses dois

movimentos, o de exclusão e o de inclusão. Nisso o autor se filia ao pensamento de

Rancière (1996), que reserva o nome política a uma atividade

“Que rompe a configuração sensível na qual se definem as parcelas e as partes ou sua ausência a partir de um pressuposto que por definição não tem cabimento ali: a de uma parcela dos sem-parcela. Essa ruptura se manifesta por uma série de atos que reconfiguram o espaço onde as partes, as parcelas e as ausências de parcelas se definiam. A atividade política é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho, faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho.” (ibidem, 42)

Apropriando-se dessa concepção de político como litígio, como conflito, que

torna a dualidade unidade/diversidade lingüística dinâmica, Guimarães (2002:18) afirma

que:

“A língua é dividida no sentido de que ela é necessariamente atravessada pelo político: ela é normativamente dividida e é também a

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condição para se afirmar o pertencimento dos não incluídos, a igualdade dos desigualmente divididos.”

Essa divisão da língua, segundo o autor, “é marcada por uma hierarquia de

identidades”, ou seja, ela “distribui desigualmente os falantes segundo os valores

próprios desta hierarquia” (ibidem, 21). Ao enunciar, portanto, o falante é identificado

pela divisão da língua, entendendo-se que

“Os falantes não são os indivíduos, as pessoas que falam esta ou aquela língua. Os falantes são estas pessoas enquanto determinadas pelas línguas que falam [...] São sujeitos da língua enquanto constituídos por este espaço de línguas e falantes que chamo espaço de enunciação.” (ibidem, 18)

Sobre essa divisão da língua constituindo sujeitos, é interessante a análise que

Rancière (1996) faz do desentendimento. Para ele, “o desentendimento não diz respeito

apenas às palavras. Incide geralmente sobre a própria situação dos que falam”, ou seja,

o desentendimento “não diz respeito à questão da heterogeneidade dos regimes de

frases e da presença ou ausência de uma regra” ou à argumentação, diz respeito “à

própria qualidade dos interlocutores em apresentá-los” (ibidem, 13).

Por essa divisão, historicamente produzida, determina-se o que o falante pode e

o que não pode dizer, de que lugares de locutor pode falar e de quais não o pode fazer,

quem pode e quem não pode ser seu interlocutor. Trata-se, pois, de uma divisão que

inclui uns e exclui outros. Não há um igual direito a dizer. A língua torna-se, assim,

condição de pertencimento.

Dessa forma, não há, por exemplo, em Cuiabá, um igual direito a dizer “chiclete”

e “chicrete”, “bloco” e “broco”. O direito à palavra é distribuído de tal forma que ele é um

para quem produz o rotacismo, fenômeno fonológico (transformação do [l] em [r] em

alguns contextos lingüísticos) bastante comum entre cuiabanos, e outro para quem não

o produz. De acordo com Guimarães (ibidem, 21), “falar Português é estar afetado por

estas divisões que caracterizam o espaço de enunciação da Língua Portuguesa no

Brasil”. Pensamos que o sujeito do discurso, nas propagandas eleitorais, é constituído

por essa divisão da língua.

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A partir da noção de espaço de enunciação, Guimarães (2002:21) afirma que

“uma língua não é variável, no sentido em que esta noção é tomada pela

sociolingüística quantitativa”, ela é dividida. Essa afirmação produz um deslocamento

de sentido na noção de heterogeneidade lingüística.

A língua não possui uma “natureza homogênea”, como postulou Saussure

(1999:23), mas, também, não é heterogênea, no sentido produzido para essa noção

pelos estudos sociolingüísticos de inspiração laboviana, que entendem a língua como

constituída por vários subsistemas.

Lucchesi (2002), por exemplo, diz que a realidade lingüística brasileira, além de

ser variável e heterogênea, caracteriza-se pela pluralidade e polarização, podendo-se

definir nela dois grandes subsistemas, a norma culta e a norma popular, havendo entre

elas influxos que as interligam.

Da mesma forma que Lucchesi, Bagno (1999) também interpreta as diferenças

lingüísticas como subsistemas. Segundo esse autor, a língua é um “grande balaio de

gatos”, metáfora bastante conhecida no meio acadêmico:

“Na verdade, como costumo dizer, o que habitualmente chamamos de português é um grande ‘balaio de gatos’, onde há gatos dos mais diversos tipos: machos, fêmeas, brancos, pretos, malhados, grandes, pequenos, adultos, idosos, recém-nascidos, gordos, magros, bem-nutridos, famintos, etc. Cada um desses ‘gatos’ é uma variedade do português brasileiro, com sua gramática específica, coerente, lógica e funcional”. (ibidem, 18)

Neves (1988) diz que uma tendência, nos estudos antropológicos, é a de “criar

uma série de ‘parcelas’ que remetem a ‘totalidades’”. Por esse procedimento, essa

tendência “reproduz o arquipélago das realidades parciais insulares ad infinitum... e as

dispersa no gelatinoso mar do ‘contexto’” (ibidem, 36). Parece-nos que os estudos

sociolingüísticos fazem a mesma coisa, ficando, com isso, em certo sentido, presos à

idéia de homogeneidade lingüística. Ao postular a existência de um “português mato-

grossense”, um “português carioca”, um “português caipira”, etc, pensamos que os

estudos sociolingüísticos reproduzem “o arquipélago das realidades parciais insulares”

de que fala Neves (1988). Fica postulada, assim, a existência de uma homogeneidade

lingüística “parcial”, geopoliticamente localizada.

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Ao transformar as diferenças decorrentes das descontinuidades na historicização

da língua em subsistemas, em parcelas de uma totalidade, “suas [da Sociolingüística]

descrições distribuem para cada um o que é seu, neutralizando o conflito por um

procedimento descritivo do que é de cada um”, como diz Guimarães (2002:22).

Pêcheux (1998) assinala que, desde sua pré-história, a Lingüística esteve

dividida entre o logicismo e o sociologismo. Cada uma dessas tendências, que o autor

chama, também, de “vias”, denega, a seu modo, a política: “o logicismo e o

sociologismo constituem hoje duas formas específicas de denegação da política”

(ibidem, 9).

Fazendo esse deslocamento em relação à Sociolingüística, pensamos que a

noção de espaço de enunciação desenvolvida por Guimarães abre para a noção de

sujeito determinado historicamente, entendendo-se o histórico “não como fatos e datas,

como evolução e cronologia, mas como significância, ou seja, como trama de sentidos,

pelos modos como eles são produzidos” (Orlandi, 2001a:77).

A determinação histórica do sujeito a que nos referimos não deve ser

compreendida como uma fatalidade mecânica. O sujeito, “porque é histórico (não

natural) é que muda e é porque é histórico que se mantém” (Orlandi, 2002:69). Como

diz Orlandi,

“Na relação contínua entre, de um lado, a estrutura, a regra, a estabilização e o acontecimento e, de outro, o jogo e o movimento, os sentidos e os sujeitos experimentam mundo e linguagem, repetem e se deslocam, permanecem e rompem limites.” (ibidem, 69)

Nessa perspectiva discursiva, somos sujeitos, portanto, “pelo assujeitamento à

língua e à história” (ibidem, 66). Não estamos falando da língua como sistema formal,

mas da língua posta em funcionamento pela história. Somente “afetada” pela história é

que a língua constitui sujeitos e sentidos. Isso significa que “não se pode dizer senão

afetado pelo simbólico, pelo sistema significante” (ibidem, 66). Em outros termos, “o

indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia” (ibidem, 66).

Dessa forma, o espaço de enunciação, pensando discursivamente, é organizado,

configurado, pelas formações ideológicas, por intermédio das formações imaginárias

engendradas pelas formações discursivas, nas relações de forças que constituem as

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formações sociais. Em outras palavras, pensamos que são as formações imaginárias,

sob a dominância das formações ideológicas, que dividem a língua e os falantes, numa

distribuição desigual do direito à palavra. Nesse sentido, a língua, no espaço de

enunciação, é pensada não como sistema formal, mas na sua relação com a história.

A noção de espaço de enunciação, como a estamos entendendo, realiza o

deslocamento do trabalho com a organização da língua para o trabalho com a ordem da

língua. Com esse deslocamento, como afirma Orlandi (2001a:49), passa-se para “a

instância da forma material em que o sentido não é conteúdo, a história não é contexto

e o sujeito não é origem de si”.

Produz, ainda, outro deslocamento: pensa-se o social “se apresentando não

como traços sociológicos empíricos (classe social, idade, sexo, profissão)”, como o faz,

por exemplo, a Sociolingüística, “mas como formações imaginárias que se constituem a

partir de relações tal como elas funcionam no discurso” (ibidem, 77). Com esse

deslocamento, passamos a trabalhar não com os “lugares de sujeito” sociologicamente

descritíveis, mas com a imagem historicamente produzida desses “lugares”, ou seja,

com as posições de sujeito, efeitos da inscrição do sujeito nas formações discursivas.

2.2. Língua, nacionalidade e cidadania

No espaço de enunciação do Português em Cuiabá-MT, encontram-se, numa

relação polêmica, o que Orlandi (1990) chama de língua imaginária e de língua fluida.

Segundo ela, “a língua imaginária é aquela que os analistas fixam com suas

sistematizações e a língua fluida é aquela que não se deixa imobilizar nas redes de

sistemas e fórmulas” (ibidem, 75).

A língua imaginária a que nos referimos aqui é a língua nacional, que, nos

estudos lingüísticos, vem sendo chamada de norma padrão ou de português standard,

inventada por meio do processo de gramatização do Português, entendendo-se por

gramatização, seguindo Auroux (1992), “o processo que conduz a descrever e a

instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de

nosso saber metalingüístico: a gramática e o dicionário” (ibidem, 65).

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A instituição da língua nacional brasileira, mediante o processo de gramatização

do Português, está estreitamente relacionada ao processo de nacionalização, de

formação da identidade nacional, iniciado após a Proclamação da Independência.

Como dizem Guimarães e Orlandi (1996:14),

“Não se pode desconhecer que a noção de nação, vigente a partir das revoluções do final do século XVIII, pela qual, enquanto brasileiros, nós transitamos, tem como um ponto crucial de sua identidade (e da nossa, conseqüentemente, enquanto cidadãos) a questão da língua nacional.”

O modelo de nacionalização engendrado pelo ideário liberal burguês, o qual teve

seu apogeu no século XIX, impunha a unidade lingüística como uma das condições

para a ascensão do Brasil à situação de nação. Conforme Hobsbawm (1990:49-50),

nesse ideário, para um povo ser classificado como nação, pelo menos três condições

tinham que ser preenchidas:

“[...] associação histórica com um Estado existente ou [...] de passado recente e razoavelmente durável; a existência de uma elite cultural longamente estabelecida, que possuísse um vernáculo administrativo e literário escrito; provada capacidade para a conquista, sinal do sucesso evolucionista enquanto espécies sociais.” (grifo nosso)

Embora a constituição de uma nação exija, como ponto crucial, a existência de

uma língua nacional, como assinala Hobsbawm, a relação entre língua e nação não é

nem direta nem auto-evidente (Orlandi, 2001a:128). Uma língua se torna nacional por

um processo sócio-histórico marcado pelo conflito entre divergentes posições

ideológicas.

No Brasil não foi diferente. Como se sabe, a instituição da língua nacional

brasileira remonta ao século XIX, quando as diferenças entre o Português do Brasil e o

de Portugal começaram a ganhar notoriedade, sobretudo as diferenças relativas ao

léxico, à pronúncia e à sintaxe (colocação dos pronomes). Sustentadas nessas

diferenças, começaram, ainda no século XIX, conforme Dias (2001), as polêmicas sobre

a identidade da língua portuguesa no Brasil. Nos debates, duas posições se

destacaram: a dos separatistas, que ressaltavam as diferenças lingüísticas entre o

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Brasil e Portugal, e a dos legitimistas, que apequenavam essas diferenças e defendiam

a vernaculidade.

Segundo Mariani (2003a:14), depois da Independência, a noção de “língua

nacional” passou a significar conforme sua inscrição em três formações discursivas

diferentes: a de alguns políticos da época da Independência, que, apesar de

defenderem a adoção de nomes indígenas e a institucionalização do nome ‘língua

brasileira’, se calaram quanto à questão da língua na constituição de 1824; a dos

românticos, que defenderam a existência de uma língua brasileira conformada à

identidade do povo brasileiro; e a dos gramáticos, que designaram a língua falada no

Brasil como ‘provincialismo’ e/ou ‘brasileirismo’, qualificando-a, assim, como desvio ou

erro.

Albuquerque e Cox (1997), analisando essas polêmicas, assinalam que no

centro da “questão” estava a construção da nação. Segundo elas, “o binômio povo

independente / língua independente está no centro das controvérsias” (ibidem, 56). Os

separatistas, por exemplo, argumentavam que “um povo que fala uma língua

emprestada tem a alma vampirizada, e não tem o direito, portanto, de se apresentar

como um povo independente” (ibidem, 56-7).

Somente nas décadas de 1930 e 1940, porém, de acordo com Dias (2001),

intensificaram-se as discussões em torno da designação da língua falada no Brasil.

Nessas discussões, duas posições de enunciação antagônicas se constituíram: uma

que defendia a designação Língua Brasileira e outra que defendia a designação Língua

Portuguesa.

A primeira posição de enunciação, a que defendia a designação Língua

Brasileira, via nesse nome “a expressão da própria natureza do País” (ibidem, 195), ou

seja, para essa posição, “a língua que falamos deveria ter o nome de Língua Brasileira,

uma vez que ela se molda pela imagem da natureza que identifica o espaço geográfico

brasileiro” (ibidem, 196). Assim, numa visão romântica, a referência da língua brasileira,

para essa posição de enunciação, conforme o autor, é a “fala naturalizada” do

brasileiro. Buscava-se com o nome Língua Brasileira, “a unidade de todos os

brasileiros, capaz de sustentar uma identidade própria, estabelecendo a língua falada

pelos portugueses como a ‘língua outra’” (ibidem, 196).

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A segunda posição de enunciação era contrária aos projetos de mudança do

nome do idioma falado no Brasil porque entendia que, com a mudança do nome,

mudava-se a referência da língua. A designação Língua Portuguesa tinha como

referência os discursos da elite letrada (orações, literatura, etc). Já a designação Língua

Brasileira, para essa posição de enunciação, configuraria “uma identidade para a nação

a partir de um domínio de língua relativamente a ‘povo ignaro’, ‘poviléu’, ‘cozinheira’,

‘caipira’, etc” (ibidem, 195). Dessa forma, o nome Língua Portuguesa deveria continuar,

“porque se adequaria a toda uma tradição de escrita cultivada pelos grandes nomes da

literatura brasileira” (ibidem, 195).

Concebendo a língua a partir da tradição escrita, a segunda posição de

enunciação via na mudança de nome do idioma um atentado a essa tradição. A

mudança elevaria “ao status de língua nacional uma modalidade de língua falada por

quem não tem o suporte da escrita, capaz de tornar a língua visível para os aparelhos

institucionais” (ibidem, 196).

De acordo com Dias, essas polêmicas em torno do nome da língua cruzaram

com a questão da cidadania. O que estava em jogo, nessas discussões, não era

apenas a questão da identidade lingüística brasileira, mas a produção de um conceito

para nação e cidadania:

“O cerne da discussão não estava, como se poderia esperar à primeira vista, centrado tão-somente na diferença “lingüística” entre o Português do Brasil e o Português de Portugal, mas no sentido que adquiria essa mudança em relação a um quadro interno ao próprio País. Nesse momento, estava em jogo um conceito de cidadania; isto é, a questão da nacionalidade da língua estava em função de uma imagem discursiva do falante, enquanto membro de uma nação.” (ibidem, 192)

Nas polêmicas sobre o nome da língua do Brasil, o nome língua brasileira

deslizou semanticamente para “língua falada pelos brasileiros”. Com isso, pôs-se em

causa “o estatuto da nacionalidade a partir do estatuto do homem que constitui a

nação” (ibidem, 192). Dessa forma, nas polêmicas sobre o nome da língua, discutiu-se,

na verdade, quem seria a referência para a categoria de cidadão da nação brasileira: o

“poviléu” da “fala naturalizada” ou a elite letrada. Numa perspectiva discursiva, pode-se

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dizer que o que estava em questão era a configuração da forma-sujeito do cidadão

brasileiro.

Quando a questão em torno do nome da língua foi resolvida, por meio do texto

constitucional de 1946, o qual afirmou que a língua nacional brasileira é a “Língua

Portuguesa”, a forma-sujeito do cidadão brasileiro, que vinha se constituindo desde a

segunda metade do século XIX, foi juridicamente instituída, o pertencimento à categoria

de cidadão brasileiro seria determinado, entre outros fatores, pela relação com a língua

nacional, a língua gramatizada da escrita.

Como afirma Dias (1996), pela forma como ficou resolvida a “questão da língua”

no Brasil, “o brasileiro, enquanto sujeito que se utiliza da língua falada no país, só é

percebido como cidadão tendo como referência o percurso da escrita. Assim, aqueles

que não dominam a escrita ficam alijados da categoria de cidadão” (ibidem, 82). Os

excluídos “podem até pertencer à ‘coletividade’, mas o discurso predominante os apaga

como membros históricos da nação” (ibidem, 74).

2.3. A instituição da língua nacional do Brasil

Guimarães (1996), que tem estudado, juntamente com outros pesquisadores, a

história das idéias lingüísticas no Brasil, divide em quatro períodos o processo de

gramatização e normatização do Português que instituiu a língua nacional brasileira.

O primeiro período vai da “descoberta” do Brasil pelos portugueses até meados

do século XIX. Durante esse período, não houve estudos da língua portuguesa

realizados no Brasil. Em seus anos finais, ocorreu a Proclamação da Independência e o

início do movimento romântico, quando se buscou, no Brasil, a filiação intelectual a

outros países, por exemplo, Alemanha e Inglaterra.

As condições de funcionamento do Português não foram homogêneas nesse

período. Orlandi e Guimarães (2001) dividem-no em quatro momentos. O primeiro

momento vai do início da colonização (1532) até a expulsão dos holandeses (1654).

Nesse momento, o Português era falado por poucas pessoas no Brasil, predominavam

as línguas indígenas, sob a forma da língua geral. Mesmo sendo pouco usado, o

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Português era ensinado nas escolas e usado em documentos oficiais, o que o definia já

como língua do Estado português no Brasil.

O segundo momento vai da expulsão dos holandeses, em 1654, até a chegada

da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, período em que Portugal intensificou sua

ação colonizadora, aumentando o número de portugueses no Brasil e,

conseqüentemente, o número de falantes do Português, lembrando que os portugueses

que vieram para o Brasil provinham de diferentes regiões de Portugal, trazendo consigo

as diferenças lingüísticas historicamente produzidas naquele país. Esse aumento do

número de portugueses na colônia mudou a relação entre o Português, língua da

colonização, e as línguas faladas no Brasil.

Somado a isso, houve, nesse momento, a chegada crescente de africanos como

escravos. Com a intensificação da escravidão, aumentou o contato do Português com

as línguas africanas. Essas mudanças tornaram mais complexa a realidade lingüística

do Brasil. Segundo Orlandi e Guimarães (ibidem, 23), como fica “difícil caracterizar o

conjunto da população”, se torna igualmente “difícil atribuir uma forma específica à

língua que a distinguiria do Português de origem”. Essa dificuldade em distinguir que

Português era falado na colônia “é o primeiro índice da historicização do Português no

Brasil, o que o coloca em desvio na relação com a evolução lingüística em Portugal”

(ibidem, 23).

Com a expansão do uso do Português, diminuiu o uso das línguas francas de

base indígena. A língua geral, que já havia perdido espaço para o Português, pela

intensificação do processo de colonização, foi interditada, por um edito real de autoria

do Marquês de Pombal, em 1759. Esse edito proibiu o ensino das línguas indígenas

nas escolas dos jesuítas e impôs o ensino do Português. Essa ação político-jurídica do

Estado Português, conforme Mariani (2003a), institucionalizou a colonização lingüística

no Brasil, ou seja, institucionalizou, no Brasil, “a língua portuguesa com SUA memória

de filiação ao latim” (ibidem, 13)9. Buscou-se, com isso, “colocar em silêncio a língua

9 Essa memória funciona, ainda hoje, nos processos de significação. Para se ter uma idéia, em 2003, ouvimos de uma avaliadora do Ministério da Educação e Cultura (MEC), professora da Universidade de São Paulo (USP), que “era inconcebível um curso de Letras sem Latim”. O curso que estava sendo avaliado teve que optar entre ensinar rudimentos de Latim ou a história da constituição do Português no Brasil, porque a Instituição de Ensino exigiu que os cursos trabalhassem com um currículo mínimo. O curso escolheu a segunda opção e foi reconhecido com a ressalva de que deveria incluir o Latim na grade curricular.

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geral e seus falantes, caracterizando a referida língua como uma ‘invenção diabólica’”

(ibidem, 13). Não era, porém, a primeira vez que Portugal interferia oficialmente na

relação entre línguas no Brasil. Em 1727, por intermédio de uma carta régia, D. João VI

determinou ao Superior da Companhia de Jesus no Maranhão que ensinasse o

Português aos índios.

De acordo com Mariani (ibidem), no século XVIII, Portugal estava filiado a uma

“tradição européia de estudo e valorização dos textos como forma de se ter acesso à

língua na sua forma culta” (ibidem, 13). Os escritores consagrados, nessa/por essa

tradição, forneciam os exemplos de uso “correto” da língua. Segundo a autora, “a

colônia brasileira no século XVIII é herdeira desta concepção de língua submissa ao

falar e escrever corretamente” (ibidem, 14).

A institucionalização, no Brasil, de uma língua portuguesa imaginária, modelar,

inscreveu-nos, no século XVIII, portanto, no processo histórico que produziu a

hegemonia do Discurso da Escrita, em relação ao Discurso da Oralidade. Conforme

Gallo (1995), o Discurso da Oralidade é “lugar de inscrição de textos orais ou grafados

que não se legitimam”, já o Discurso da Escrita “é o lugar de inscrição de textos

oralizados ou grafados, mas sempre ‘escritos’ (legitimados) institucionalmente e por

isso produtores do efeito de fechamento e de autoria” (ibidem, 102).

No século XVIII, quando o Português foi institucionalizado no Brasil, Portugal já

tinha uma Escrita legitimada. O Discurso da Escrita português (produção oral e escrita

da imprensa, da religião, da literatura, etc) passou a disciplinar o Discurso da Oralidade

brasileiro. Como diz Gallo (1995), “a língua brasileira é originariamente oral. Sua

transcrição passou, necessariamente, pelo ‘saber’ da língua portuguesa” (ibidem, 52). A

língua brasileira é, dessa forma, produto não de uma legitimação, mas de um processo

histórico de disciplinação, o que foi decisivo, a nosso ver, no modo como as polêmicas

em torno da língua foram resolvidas, no Brasil, a partir do século XIX.

O terceiro momento, segundo Orlandi e Guimarães (2001), começa com a

chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, e termina em 1826, quando a

questão da Língua Portuguesa como língua nacional foi oficialmente formulada no

Brasil. A chegada da família real, com cerca de quinze mil portugueses, mudou as

relações entre as línguas faladas no Rio de Janeiro, que se tornou a sede da Coroa

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portuguesa. Dom João VI, rei de Portugal, criou a imprensa no Brasil e fundou a

Biblioteca Nacional, acontecimentos que resultaram num “efeito de unidade do

Português no Brasil” (ibidem, 23).

O quarto e último momento começa em 1826, quatro anos após a Proclamação

da Independência, quando foi proposto, por um deputado, que os diplomas dos

médicos, no Brasil, fossem redigidos em “linguagem brasileira”. No ano seguinte, uma

lei estabeleceu que os professores deveriam ensinar utilizando a gramática da “língua

nacional”. Designando a língua falada no Brasil como “língua nacional”, como dizem

Orlandi e Guimarães (ibidem, 23), evita-se “nomeá-la oficialmente seja como língua

portuguesa, seja como língua brasileira”.

Nesse momento, “o que está em questão não é somente a predominância de

uma língua sobre as outras, nem mesmo a questão da língua do Estado, mas a língua

enquanto signo de nacionalidade” (ibidem, 24). Foi nessa perspectiva que a diferença

entre o Português do Brasil e o Português de Portugal passou a ser percebida e

enunciada. A questão da língua foi (e ainda é) atravessada pela questão da

nacionalidade.

A partir dessas condições de produção, no segundo período proposto por

Guimarães (1996), que vai da segunda metade do século XIX até fins da década de

1930, a língua tornou-se questão nacional. Nessa época, ocorreram as polêmicas, entre

intelectuais brasileiros e portugueses, em torno do Português do Brasil. Em meio a

essas polêmicas, começaram a ser produzidas as primeiras gramáticas e dicionários,

em terras tupiniquins, sobre as especificidades gramaticais e léxicas do Português do

Brasil em relação ao Português de Portugal.

Ao mesmo tempo, nesse período, contraditoriamente, “há uma grande onda

purista no Brasil que procura dar como norma para a língua a gramática dos textos

clássicos portugueses” (ibidem,134). Travou-se, portanto, forte discussão entre os que

defendiam o caráter específico do Português do Brasil e os que defendiam que não

havia diferença entre o Português daqui e o de além mar. Essa discussão, como diz

Guimarães (ibidem, 134), não foi “simplesmente uma discussão teórica e descritiva”,

mas política e militante.

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O terceiro período, segundo o autor, vai de fins dos anos 1930, quando foram

criadas as primeiras faculdades de Letras, até meados da década de 1960, quando a

Lingüística tornou-se disciplina obrigatória nos cursos de Letras. Nesse período, surgiu

o debate sobre a designação da língua falada no Brasil, de que já tratamos, e foi

elaborada a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), adotada até hoje pelas

gramáticas pedagógicas.

O quarto período do processo de gramatização do Português no Brasil, de

acordo com Guimarães, vem de meados da década de 1960 até os dias atuais, quando

a Lingüística se consolidou nos cursos de Letras e foram implantados cursos de pós-

graduação em Lingüística em várias universidades. Com isso, várias linhas de trabalho

com a língua começaram a se desenvolver. Surgiram trabalhos de descrição lingüística

e de Semântica com diferentes orientações teórico-metodológicas, de Sociolingüística,

de Lingüística Histórica, de Análise de Discurso, etc.

Segundo o autor, desde o terceiro período, começou a crescer o número de

estudos da língua feitos “a partir de um aporte teórico bem definido” (ibidem, 136), que

confere rigor às descrições lingüísticas. Conforme Guimarães (ibidem, 136), a

“preocupação teórico-metodológica se aprofunda” e

“Isso leva a uma queda da disputa pelo purismo, pelo classicismo da língua escrita. Ao mesmo tempo a questão da unidade da língua do Brasil e de Portugal se repõe em outros termos, a partir das posições teóricas e metodológicas em prática, não desaparecendo, no entanto.” (ibidem, 137)10

Pagotto (1998) discorda dessa interpretação de Guimarães, discorda que tenha

havido, nos estudos do Português no Brasil, a passagem, com o advento do discurso

científico, para uma dominância não militante. Segundo esse autor,

“O discurso científico acabou sendo o que mais contribuiu para a manutenção da norma purista, tal como configurada no final do século XIX – aquela ainda constante de nossas gramáticas escolares, aquela

10 Pensamos que, durante as comemorações do “Brasil 500 anos”, as discussões sobre a língua do Brasil ocorreram, assim como na segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX, na perspectiva da nacionalidade. Por meio do retorno à “questão da língua”, repôs-se a discussão sobre a identidade nacional brasileira. Essa insistência na discussão da língua em termos da identidade nacional brasileira (o projeto de lei 1676/1999, do deputado Aldo Rebelo é um exemplo disso), parece-nos, comprova a última parte da afirmação de Guimarães.

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que ainda pauta os exames de língua portuguesa, aquela que reaparece, nos últimos tempos, comentada, defendida em colunas de jornal e programas de TV específicos. Foi o aporte teórico da Lingüística – ressignificado ou não – que acabou reforçando a sua posição.” (ibidem, 58)

A gramatização do Português “atendeu a um projeto específico de nação

preconizado pelas nossas elites que pressupunha, ao mesmo tempo, a constituição de

uma identidade nacional e a manutenção das diferenças”, diz Pagotto (ibidem, 64). O

discurso científico, predominante a partir do final da década de 1930, mantém esse

projeto, uma vez que mantém a norma escrita que ele engendrou a partir da segunda

metade do século XIX, norma que foi “codificada na distância [da língua falada] e na

distância permanece” (ibidem, 67). Segundo o autor, o discurso científico foi

“O que mais força teve no processo de manutenção do movimento das elites do século XIX, porque o seu poder de persuasão não está na imposição da lei, mas na objetividade científica a partir da qual a lei é enunciada.” (ibidem, 64)

De acordo com Pagotto (ibidem, 66), o discurso polêmico do século XIX atribuiu

valores para as formas lingüísticas em tensão e o discurso científico mantém esses

valores ao operar “sobre um conjunto de formas cuja historicidade está apagada”

(ibidem, 67). Dessa forma, o autor divide a constituição da norma escrita no Brasil em

dois períodos: o de fixação pelo discurso polêmico (segunda metade do século XIX) e o

de manutenção pelo discurso científico (início do século vinte até hoje).

A língua gramatizada na segunda metade do século XIX, segundo o autor

(ibidem, 53), funciona como um pré-construído, na relação com o qual “toda a

construção de saber sobre o Português do Brasil se dá”. Desse modo, “quanto mais se

estuda a especificidade do Português do Brasil, mais se reafirma este pré-construído”

(ibidem, 53).

Pensamos que não se pode negar os desenvolvimentos da Lingüística no Brasil.

Principalmente, não se pode negar o quanto ela deu a conhecer, sob diferentes e, às

vezes, divergentes perspectivas teórico-metodológicas, as diferenças produzidas no

Português pelas descontinuidades em sua historicização no Brasil. Não se pode negar,

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ainda, que os estudos da Língua Portuguesa realizados pela Lingüística, de alguma

forma, abriram para a discussão de políticas lingüísticas no Brasil.

Acreditamos, porém, que o estudo de Pagotto (2001) assinala uma contradição

constitutiva dos estudos lingüísticos. Ao mesmo tempo em que esses estudos dão

visibilidade para as diferenças, capturando-as em sistemas formais de descrição,

mantêm-nas, de certa forma, excluídas da língua nacional pela manutenção da norma

escrita instituída na segunda metade do século XIX.

Nesse sentido, pode-se dizer que, nos estudos lingüísticos, o “outro” só é

(re)conhecido do lugar do “mesmo”. Pensamos que o texto de Pagotto aponta para

essa contradição que constitui os estudos lingüísticos em sua equivocidade.

O estudo desse autor, parece-nos, confirma a tese de que a contradição é

constitutiva da ideologia, ou, como diz Orlandi (2002:70), “a ideologia funciona pelo

equívoco e se estrutura sob o modo da contradição”. Confirma que a relação entre a

ideologia dominante e a dominada não é dialética. Conforme Miller (2005:81), “a

dialética, em seu movimento totalitário, é hostil ao parcelar e ao resto”.

Os “restos” do discurso polêmico constituindo o discurso científico sobre a língua

sinalizam que, como afirma Pêcheux (1990:16), “toda dominação ideológica é antes de

tudo uma dominação interna, quer dizer, uma dominação que se exerce primeiramente

na organização interna das próprias ideologias dominadas”.

2.4. A heterogeneidade da memória lingüística brasileira

A discursividade que institui a língua nacional do Brasil não é um bloco

homogêneo, idêntico a si mesmo, ela é heterogênea, não no sentido da multiplicidade,

mas no sentido de que ela é constitutivamente atravessada pelo discurso-outro.

Segundo Orlandi (2002), a Língua Portuguesa, nossa língua nacional, é

heterogênea no sentido de que nela funciona uma dupla identidade: “joga em ‘nossa’

língua um fundo falso, em que o ‘mesmo’ abriga, no entanto, um ‘outro’, um ‘diferente’

histórico que o constitui ainda que na aparência do ‘mesmo’” (ibidem, 23), ou seja,

como diz a autora, o português-brasileiro e o português-português se recobrem, mas

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não são uma mesma língua, pois se filiam a interdiscursividades distintas, constituem

sítios de interpretação diferentes.

O Português historicizou-se de formas diferentes em Portugal e no Brasil,

produziu-se uma clivagem em sua história. Essa disjunção histórica constitui nossa

memória lingüística, logo, significa no espaço de enunciação do Português no Brasil.

Como afirma Orlandi (ibidem, 23), “a nossa língua significa em uma filiação de memória

heterogênea”.

Funciona, no espaço de enunciação do Português no Brasil, constituindo sujeitos

e sentidos, a memória que, na colonização lingüística do Brasil11, universalizava,

legitimava, o Português de Portugal, a ele opondo a diversidade do Português brasileiro

como não-língua ou como língua em que algo faltava. Como diz Mariani (2003a:10), “a

colonização lingüística engendrada pela metrópole portuguesa em terras brasileiras é

construída em torno de uma ideologia do déficit”, que serve para legitimar a dominação.

Devido ao funcionamento dessa memória, como afirma Guimarães (1996:137),

“a gramatização brasileira do Português tem em si um efeito contraditório que inclui o

efeito imaginário de que no Brasil não se fala corretamente”. Contraditório porque um

dos objetivos da gramatização era afirmar a existência de um Português do Brasil

diferente do Português de Portugal.

Essa memória concorre, ainda hoje, com a memória que universaliza, totaliza, o

Português do Brasil, memória constituída a partir da clivagem na história do Português,

que produziu duas situações enunciativas antagônicas, conforme Orlandi (2002:29).

Na situação enunciativa I, localiza-se a discursividade que produziu a unidade

imaginária e a universalidade do Português de Portugal, discursividade predominante

até metade do século XIX e que silencia(va) a diversidade (o Português do Brasil). O

Português de Portugal, nessa discursividade, significa(va) civilização (em oposição à

barbárie das línguas dos povos conquistados) e, como língua instituída da nação

portuguesa, devia ser usado por todos os falantes em Portugal e no Brasil.

11 Mariani (2004:28) define colonização lingüística como o “processo histórico de encontro entre pelo menos dois imaginários lingüísticos constitutivos de povos culturalmente distintos – línguas com memórias, histórias e políticas de sentidos desiguais – em condições de produção tais que uma dessas línguas – chamada de língua colonizadora – visa impor-se sobre a(s) outra(s), colonizada(s)”.

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O Português transportado para o Brasil após o “descobrimento”, porém,

desterritorializou-se e acabou estabelecendo um sítio de interpretação divergente do

produzido por/em Portugal. Como diz Mariani (2003a:12), durante a colonização

lingüística, “há um lento ‘desencontro’ dessa língua com ela mesma”. Esse

“desencontro” foi posto em evidência a partir do século XVIII, nas polêmicas sobre a

língua do Brasil.

Nessas polêmicas, lutava-se, na verdade, nem tanto por uma língua para o

Brasil, mas pelo direito de enunciar sobre a Língua Portuguesa a partir do Brasil. Disso

resultou o que Orlandi (2002:29) chama de situação enunciativa II, que, ao cabo,

transferiu a unidade imaginária e a universalidade para o Português do Brasil. Nessa

situação enunciativa, a diversidade passa a referir ora o Português de Portugal, ora as

diferenças lingüísticas localizadas no território brasileiro em relação à unidade

imaginária da língua nacional.

Essas duas situações enunciativas, que se filiam a memórias lingüísticas

divergentes, funcionam, ainda hoje, no espaço de enunciação do Português no Brasil.

Funcionam, também, no espaço de enunciação do Português no Brasil, constituindo

sujeitos e sentidos, as memórias lingüísticas das línguas africanas, das línguas dos

imigrantes, das línguas indígenas, da língua franca da Globalização (o Inglês) e da

língua franca do Mercosul (o Espanhol). As memórias dessas línguas, mesmo daquelas

que foram silenciadas pelo processo histórico que engendrou a língua nacional,

significam no espaço de enunciação do Português no Brasil, sendo, portanto,

constitutivas de subjetividades, de processos de significação.

2.5. Língua nacional e políticas de silenciamento no Brasil

O processo de gramatização do Português no Brasil, que engendrou e que

mantém a língua nacional, produziu, e continua produzindo, múltiplos silenciamentos,

ou seja, ele funciona na base de uma política do silêncio, que se “define pelo fato de

que ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas

indesejáveis, em uma situação discursiva dada” (Orlandi, 1995:75).

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A gramatização silencia diferenças produzidas pelas descontinuidades na

história do Português no Brasil. Morello (2001), por exemplo, assinalou que as

gramáticas produzidas entre as décadas de 1880 e 1960 descrevem as diferenças no

Português do Brasil designando-as como brasileirismos, provincianismos

(regionalismos) e dialetismos. Algumas dessas diferenças são significadas, nessas

gramáticas, como vícios de linguagem, como barbarismos. Cruzando esse estudo de

Morello com o estudo de Gallo (1995), pode-se afirmar, a nosso ver, que as diferenças

legitimadas pelos gramáticos foram aquelas localizadas no Discurso da Escrita e as

estigmatizadas, as localizadas no Discurso da Oralidade.

Trata-se, geralmente, de diferenças de pronúncia (fonética), regência e

colocação pronominal. A descrição dessas diferenças, nas gramáticas analisadas pela

autora, tem por base a gramática do Português de Portugal. Essa ancoragem na

gramática lusitana, num momento em que se afirmava a diferença entre o Português

desses dois países, tornou a descrição da diferença no Português do Brasil um ponto

de conflito, de tensão, de contradição.

Nessas gramáticas, o conflito, o político, inscreve-se nos arranjos (construção de

conceitos para a descrição das diferenças lingüísticas) que os gramáticos produziram

para homogeneizar a língua, para construir sua unidade imaginária, definindo o que

nela era expressão e o que era vício. Na produção desses conceitos, enxergamos o

que Orlandi (2003:10) chama de textualização do político.

Na enunciação das diferenças, por intermédio desses arranjos, divisamos,

seguindo Foucault, um modo de exclusão pela inclusão produzido por nossa sociedade,

a sociedade de controle:

“No final do século XVIII, a sociedade instaurou um modo de poder que não se fundamentava sobre a exclusão – é ainda o termo que se emprega –, mas sobre a inclusão no interior de um sistema no qual cada um devia ser localizado, vigiado, observado noite e dia, no qual cada um devia ser acorrentado à sua própria identidade.” (Foucault, 2003:255)

Essa sociedade não alija a diferença, o diferente, antes procura conhecê-lo (aqui

entra o discurso científico) para “enquadrá-lo” em sistemas (“arranjos”) em que possa

ser controlado. Trata-se, portanto, de uma inclusão que não derruba fronteiras entre o

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mesmo e o outro, antes as fortalece, pois o outro é afirmado fora, onde é aprisionado

em sítios de significação.

Agustini (2004), também, analisa o modo como as gramáticas descrevem as

diferenças. Ela estuda os arranjos produzidos pelos gramáticos para silenciar as

diferenças localizadas nas obras dos escritores tomados pelas próprias gramáticas

como exemplos de “bom” uso da língua. A autora chama a enunciação dessas

diferenças nas gramáticas de transbordamentos da regra. Esses transbordamentos

“mostram a existência de possibilidades de dizer que ficaram do lado de fora da

gramática, apontando para o caráter normatizador (e, portanto, político) da gramática”

(ibidem, 13). Os gramáticos descreveram essas diferenças como recursos de estilo.

Dessa forma, diz a autora, ao enunciarem sobre as diferenças localizadas nos textos

dos escritores que legitimam seu discurso, os gramáticos instituíram uma relação de

complementaridade entre a gramática e a estilística.

Note-se que os brasileirismos, provincianismos e dialetismos, diferenças

lingüísticas localizadas no Português falado pelos brasileiros, são, alguns deles,

descritos pelos gramáticos como vícios de linguagem ou barbarismos, como observa

Morello (2001). A diferença, nesse caso, é descrita para ser silenciada, uma vez que é

afirmada como erro. Realiza-se, dessa forma, a divisão desigual da língua, interditando

o direito à palavra a uns e concedendo a outros, como diz Guimarães (2002).

Já nos casos analisados por Agustini (2004), a diferença constitui um “lugar” fora

da língua que só pode ser “habitado” pelo escritor-poeta. A diferença “constitui um lugar

para o sujeito no entorno da gramática, um lugar que não pode ser ocupado por

qualquer falante” (ibidem, 153), ou seja, a diferença, significada como recurso estético-

expressivo, só pode ser produzida pelos escritores-poetas, a quem atribui-se uma

imagem de quem sabe a língua (imagem do sujeito competente).

Além de silenciar, dessa maneira, as diferenças lingüísticas produzidas pelas

descontinuidades na historicização do Português no Brasil, a discursividade que institui

e mantêm a língua nacional silencia, no espaço de enunciação do Português no Brasil,

as línguas indígenas.

Historicamente, esse silenciamento foi produzido pelo Marquês de Pombal, em

1759, quando, por meio de decreto, instituiu o Português como a língua do Brasil,

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proibindo que se falasse outra língua. À época, a Língua Geral, um Tupi modificado

pelo contato com o Português, era a língua majoritária na colônia portuguesa.

Mais tarde, na Constituição de 1946, decidiu-se que o nome do idioma nacional

brasileiro seria Língua Portuguesa. Veja-se que a questão posta pela Constituição de

1946 não foi sobre qual seria a língua nacional, isso foi dado como conhecido de todos.

A questão se reduziu a como seria chamada: Língua Brasileira ou Língua Portuguesa.

Como aponta Guimarães (2000:32), nesse texto constitucional produz-se um

efeito de pré-construído: o da unidade lingüística brasileira. A memória discursiva que

produziu esse efeito “veio sendo trabalhada desde a ação pombalina no século XVIII,

que proibiu o ensino em outra língua que não a língua portuguesa” (ibidem, 32).

A decisão pela designação da língua nacional do Brasil como Língua

Portuguesa, de acordo com Guimarães, além de manter no interdiscurso brasileiro o

sentido de que no Brasil se fala uma única língua, resolveu a polêmica sobre a língua

do Brasil (nossa língua não é o Brasileiro, é o Português).

O que ficou decidido sobre a língua do Brasil na Constituição de 1946 foi mantido

nas Constituições seguintes, na de 1967 e na de 1988. E, como afirma Guimarães

(ibidem, 33),

“Na medida em que os sentidos sobre a língua, da Constituição de 46, continuam hoje a funcionar, continua a funcionar o pré-construído de que no Brasil se fala uma só língua. Ou seja, este sentido continua a funcionar no interdiscurso da lei e, assim, continua a fazer sentidos.”

A Constituição de 1988, por exemplo, ao legislar que a língua oficial do Estado

brasileiro é a Língua Portuguesa, “trabalha o pré-construído de que ela é única” (ibidem,

33).

Contudo, esse trabalho do sentido, conforme o autor, está relacionado com o

reconhecimento de que há línguas indígenas. Pela primeira vez, na Constituição de

1988, o índio foi reconhecido juridicamente. As Constituições anteriores não se

pronunciaram sobre sua existência. Todavia, o que parece um avanço significa, na

verdade, a exclusão do índio. Ao ser afirmado em separado, o índio foi retirado “do

universalizado e homogêneo da cidadania em outros pontos da Constituição” (ibidem,

34).

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Ao assegurar direitos em separado para o índio (direito aos costumes, línguas,

crenças, tradições e ingressar em juízo), ele foi afirmado como diferente dos demais

cidadãos. De acordo com Guimarães (ibidem, 34), “dizer que o índio tem estes direitos

é mostrar que, de algum modo, ele não tem os direitos dos brasileiros”.

Dessa forma, suas línguas são reconhecidas como sendo deles, os diferentes.

Esse reconhecimento “é a afirmação de que a língua deles não é igual à língua do

cidadão, pois não é a língua nacional do Estado” (ibidem, 34). Assim, “uma língua

indígena não pode ser falada enquanto elemento de política do Estado. Só pode ser

falada como o que particulariza um índio”. (ibidem, 34). Com isso, “mantém-se, embora

de outro modo, o silêncio da língua dos índios” (ibidem, 35).

Analisando as posições de enunciação que estão significadas no texto

constitucional de 1988, Guimarães diz que são

“Aquelas que a interdiscursividade aí constitui: a posição da homogeneidade do indivíduo, da nação, da história. A posição de enunciação que, sob a representação da universalidade do direito, silencia os índios, os não-iguais, pela própria formulação que lhes reconhece direito às suas línguas, culturas, crenças, tradições. A posição que aí está significada é a posição do igual, do não-índio. Ser igual é, entre outras coisas, não ser índio, e, de modo mais geral, não ter uma fala particular. Assim, o Índio, e todos que são particulares, não são nem parte do que a nacionalidade e a cidadania designam, nem estão significados na posição supostamente universal que enuncia a Constituição brasileira.” (ibidem, 35)

Mesmo tendo sido silenciadas pelo processo histórico descrito, as línguas

indígenas ocupam o espaço de enunciação do Português no Brasil, pois, como diz

Orlandi (1995), aquilo que é silenciado significa junto.

Não só as línguas indígenas foram (e ainda são) silenciadas pela discursividade

que instituiu e mantém a língua nacional, mas também as línguas dos milhares de

imigrantes que aportaram no Brasil a partir da segunda metade do século XIX.

Segundo Payer (2001), na década de 1930, a língua dos imigrantes foi

interditada mediante legislações, que impuseram o Português aos imigrantes, e de

ampla campanha de nacionalização do ensino primário. Essa ação jurídico-política do

Estado Novo, para além da questão lingüística, visava silenciar a significativa atuação

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política dos imigrantes junto aos sindicatos e nos movimentos sociais. Foi, portanto,

uma reação das elites brasileiras ao pronunciamento político dos imigrantes.

Por essa interdição, segundo a autora, “pôs-se em prática pelo Estado um

trabalho de regulamentação das memórias discursivas presentes na sociedade

brasileira” (ibidem, 235). O Estado regulamentou, pelos meios referidos, a permanência

do imigrante no Brasil, “levando-o a inscrever-se em posições discursivas” que se

conformassem “à memória discursiva da nacionalidade” (ibidem, 238).

Com a interdição das línguas dos imigrantes, foram, pois, silenciadas as

memórias discursivas nelas inscritas. A interdição não incidiu “simplesmente sobre ‘uma

língua estrangeira’, mas sobre sujeitos, sentidos e memórias presentes de modo central

no seio da sociedade” (ibidem, 242).

As memórias silenciadas pelo processo de nacionalização do Brasil não foram,

porém, apagadas, permanecem significando junto com as memórias instituídas. Payer

afirma que essas línguas interditadas “mantiveram-se presentes por longa data, e

permanecem, até hoje, certos traços” delas (ibidem, 253).

2.6. Memória, disfluência e subjetivação nas propagandas eleitorais

Falamos Português, em Cuiabá e no restante do Brasil, portanto, regulados pela

relação com a língua do Estado, a língua gramatizada que produz, não sem tensão, não

sem resistências, silenciamentos. Como diz Orlandi (2001a:130), “não há língua

nacional que não se constitua nesse movimento de confrontos, alianças, oposições,

ambigüidades, tensões com outras línguas”.

Os instrumentos lingüísticos, produzindo a unidade lingüística imaginária por

esses silenciamentos, “enformam a relação do sujeito com outros sujeitos e com a

formação social, significando, dessa forma, essas relações sociais” (Orlandi, 2002:163).

Trata-se de “saberes e tecnologias que sustentam as formas institucionais de nossa

relação com as línguas e, logo, com o Estado brasileiro” (ibidem, 99).

Pela discursividade da língua nacional, consubstanciada nos instrumentos

lingüísticos, exerce-se a vigilância e o controle do falante, realiza-se o que Baronas

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(2001) chama de “ortopedia social” e “panoptismo lingüístico”. Como diz o autor, noutro

texto,

“O saber metalingüístico canônico, instrumentalizado na nossa sociedade pelas gramáticas e pelos dicionários, transformado em mercadoria pela mídia, tal qual outros bens culturais, como a música, a literatura, as artes plásticas, etc. se constitui em mais uma das tecnologias de governabilidade dos corpos, ou seja, em mais um instrumento que visa domesticar o sujeito necessário para a existência e a manutenção da sociedade capitalista.” (2003b:90)

A língua nacional, o “saber metalingüístico canônico” de que fala Baronas,

devido ao imaginário de unidade lingüística que a constitui, potencializa as práticas

discriminatórias. Como afirma Orlandi (2002:198),

“Entre os preconceitos mais efetivos está o preconceito lingüístico. Os sujeitos se identificam pelo fato mesmo de falarem, já que se constituem como sujeitos pela e na linguagem. Se pensamos a língua nacional, seu ensino, sua circulação como um bem público, aí é que se praticam os mais diferentes e efetivos processos de exclusão, de inclusão, de valorização de sujeitos pelo modo mesmo como falam.”

Na perspectiva teórica da Análise de Discurso que subsumimos, “o preconceito é

uma discursividade que circula sem sustentação em condições reais”, mas que é

“fortemente mantida por relações imaginárias atravessadas por um poder dizer que

apaga (silencia) sentidos e razões da própria maneira de significar” (ibidem, 197).

Nas propagandas eleitorais que estamos analisando, a discursividade da língua

nacional e os preconceitos que ela engendra ou potencializa fazem “gaguejar” o sujeito

do discurso, como se pode observar nas performances enunciativas dos candidatos,

que, interpelados-identificados pela língua nacional, pela forma-sujeito do cidadão

brasileiro, apresentam descontinuidades ou quebras no fluxo da fala, como na

seqüência discursiva:

(9) “Povo / cuiabano, peço / licença / para / entrar / na / sua / casa // e / pedir //

seu / voto / pra / criar / ouvidoria / do / povo // cuiabano e e daqueles / que / aqui

/ vive / e / vamo / protegê / e / ajudá / as / pessoas / que / sofre / por / não /

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serem / ouvida. Porque / a / voz / do / povo / é / a / voz / de / Deus [...]” (Glorinha

França)12

Pela análise discursiva da hesitação, componente prosódico que se verifica no

ritmo do ato de dizer, nessa seqüência discursiva, pode-se depreender “o processo

discursivo que submete o falante a uma maneira de habitar a língua e tornar-se sujeito

nela e no discurso que lhe dá passagem” (Souza, 2000: 94).

Na perspectiva da Lingüística, mais precisamente da Análise da Conversação, a

hesitação “é parte da competência comunicativa em contextos interativos de natureza

oral e não uma disfunção do falante” (Marcuschi, 1999:159). Ela desempenha, na fala,

papéis formais, cognitivos e interacionais.

Trata-se de uma “atividade textual-discursiva que atua no plano da formulação

textual” (ibidem, 159), podendo ser “produzida tanto no nível suprassegmental (pela

prosódia) como no nível segmental (com elementos formais da língua)” (ibidem, 159).

As pausas são uma das muitas formas de manifestação da hesitação no fluxo da

fala. Conforme Marcuschi (ibidem, 168), elas classificam-se, segundo seus aspectos

formais, em pausas preenchidas, aquelas em que há “ocorrências de marcadores de

hesitação do tipo ‘éh’, ‘mn’, ‘ah’; alongamentos vocálicos com características hesitativas

e marcadores conversacionais acumulados”, e pausas não preenchidas, que se

realizam por “silêncios prolongados que se dão como rupturas em lugares não

previstos pela sintaxe (cortes de estruturas sintagmáticas) e pelo fluxo da fala”.

Marcuschi defende a tese de que “a hesitação, ao contrário de outras

características da fala, tais como a repetição, a paráfrase, a correção, as

parentetizações e os marcadores conversacionais”, não possui função sistemática na

formulação textual (ibidem, 181). Segundo o autor, “seu papel é muito mais o de sugerir

os sintomas de um processamento em curso do que o de propor alternativas de

formulação textual-discursiva” (ibidem, 181).

12 Utilizamos a seguinte convenção na transcrição: (uma barra) para pausa breve, que, nesse caso, produz o efeito de atomização do dizer; (duas barras) para pausa mais longa. Na segunda linha, a hesitação se marca, também, pela repetição da conjunção “e”, como se verifica na transcrição. Não fizemos transcrição fonética, mas mantivemos algumas características da textualização realizada pela candidata.

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Para analisarmos a hesitação na seqüência discursiva (9), faremos alguns

deslocamentos em relação a essa abordagem da Lingüística. Há que se assinalar que

os estudos da hesitação, no campo da Lingüística, são feitos ou na perspectiva da

formulação, da organização textual, ou na perspectiva da interação, dos jogos verbais,

das relações entre interlocutores.

Dessa forma, nos estudos lingüísticos da hesitação, a noção de discurso acaba

se confundindo com a noção de fala, de texto, de jogos verbais, de processamento

cognitivo do texto, etc. Na perspectiva discursiva que subsumimos, o discurso não se

confunde com nada disso, o discurso é “efeito de sentidos entre locutores” (Orlandi,

1999:21).

Na formulação do discurso, mais do que processamento cognitivo ou jogos

verbais, divisamos a “língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do

trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história” (ibidem, 15).

A formulação, na acepção que adotamos, “está determinada pela relação que

estabelecemos com o interdiscurso” (ibidem, 33). Nesse sentido, “todo dizer, na

realidade, se encontra na confluência dos dois eixos: o da memória (constituição) e o

da atualidade (formulação)” (ibidem, 33).

Assim, memória discursiva é um conceito chave na análise que fazemos da

hesitação na seqüência (9). Seguimos, em nossa análise, o conceito de memória

formulado por Mariani (1998a). Segundo a autora, a memória é

“Um processo histórico resultante de uma disputa de interpretações para os acontecimentos presentes ou já ocorridos, sendo que, como resultado do processo, ocorre a predominância de uma de tais interpretações e um (às vezes aparente) esquecimento das demais.” (ibidem, 34)

Nesse processo, uma das interpretações naturaliza-se como “um sentido

‘comum’ à sociedade”, o que não significa que “o sentido predominante apague (anule)

os demais ou que ele(s, todos) não possa(m) vir a se modificar” (ibidem, 34). Conforme

a autora, “muitas vezes os sentidos ‘esquecidos’ funcionam como resíduos dentro do

próprio sentido hegemônico” (ibidem, 35).

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É isso que enxergamos na seqüência (9), é dessa forma que interpretamos a

hesitação na performance enunciativa da candidata. O sujeito do discurso se inscreve

na discursividade da língua nacional, é “causado” por essa discursividade, o que se

materializa na adoção da norma padrão na textualização do discurso, mas outras

discursividades sobre a língua aí funcionam, como resíduo, na constituição desse

sujeito e dos sentidos. Assim, seguindo Souza (2000:95), cremos que a

“Ocorrência de quebras no ritmo do falar indica enunciativamente o ponto em que a memória do discurso incide pontuando o instante da clivagem, uma espécie de circuito exterior ao ato de enunciar que faz cruzar-se mutuamente, de modo fragmentado e contraditório, focos diversos de memória discursiva.”

Nos referimos, aqui, pelos objetivos desse trabalho, apenas à clivagem no que

diz respeito à memória lingüística. Acreditamos, porém, que a hesitação em (9) marca,

no fluxo da fala, a clivagem do próprio discurso político pelo cruzamento de “focos

diversos de memória discursiva”.

Por essa clivagem do sujeito do discurso e dos sentidos, a posição para ser

sujeito, previamente construída no discurso da nacionalidade (é cidadão brasileiro

quem se inscreve na língua nacional) e no discurso político (uma das condições de

elegibilidade é ser cidadão brasileiro e ser cidadão brasileiro é estar inscrito na língua

nacional), não coincide com o efeito-sujeito da seqüência discursiva em análise.

Essa não-coincidência se explica, conforme Souza “pelo acontecimento

produzido como efeito pontual do encontro entre uma multiplicidade de dizeres dados

pela memória discursiva e o dizer em curso em um instante determinado” (ibidem, 96).

Como estamos analisando a hesitação na seqüência (9), “a parada sobre um

ponto do enunciado conduz a supor mais que um sentido incompleto, inacabado, a

marcação de um outro lugar discursivo” (ibidem, 96) não compatível com a propaganda

eleitoral.

Essa análise nos remete à questão da heterogeneidade dos sujeitos e dos

sentidos. Ela nos faz (entre)ver que “a memória é lugar de múltiplas fraturas que, para

além da ilusão necessária, não garante a permanência da identidade unificada” (ibidem,

96). De acordo com Souza (ibidem, 96),

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“Subsiste no acontecimento uma pluralidade de sentidos em meio aos quais a enunciação se distribui segundo diferentes tempos, insinuando e definindo-se sob a aparência do mesmo acontecimento. Nisto consiste o processo discursivo correlativo à temporalidade que faz emergir o sujeito; trata-se de um processo que percorre todos os regimes de sentido, atualizando-os de modo simultâneo e não hierárquico.”

Dessa maneira, Souza formula a relação entre tempo e subjetividade. Relação

que, segundo ele, “pode ser localizada nos modos de marcar a linearidade temporal no

fluxo enunciativo” (ibidem, 97). As hesitações, em (9), são, nesse sentido, “pontos de

cruzamento em que a memória discursiva, desfazendo a ilusão de continuidade e

fluidez do tempo da fala, produz e trabalha sobre efeitos de memória e,

concomitantemente, sobre efeitos de sujeito” (ibidem, 97).

O autor aproxima o conceito de “tempo aberto” proposto por Deleuze, da noção

de acontecimento formulada por Pêcheux. Segundo Pêcheux ([1983] 1997d), o

acontecimento é o ponto de encontro de uma memória com uma atualização discursiva.

Este ponto de encontro, diz Souza, “é o lugar da abertura temporal, lugar da memória

do discurso em que já não há mais passado, nem futuro, nem presente” (ibidem, 96).

As hesitações que analisamos são, nessa perspectiva teórica, marcações que

“aparecem no fluxo da fala repartindo a enunciação em duas formas heterogêneas de

temporalidade – o tempo dito na forma atual da memória discursiva e o tempo a dizer

no quadro de outra memória pré-construída” (ibidem, 97).

O sujeito do discurso é interpelado-identificado por uma dada posição de sujeito,

a de cidadão brasileiro. Contudo, ao textualizar seu discurso, no acontecimento

discursivo, outras memórias discursivas “intervém do exterior, desatualizando o

presente do dizer” (ibidem, 98).

Como diz Souza, “no centro desse processo discursivo, o esquecimento é o

operador fundamental” (ibidem, 99). Para enunciar a partir da língua nacional, logo,

inscrita na língua gramatizada, a candidata deve esquecer outros modos de estar na

língua. As hesitações, porém, marcam a insistência de uma memória que resiste ao

esquecimento.

Isso que se observa em (9) permite formular que a “disfluência” é “uma das

bases materiais do discurso” e que “a correlação de forças heterogêneas da memória

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discursiva não é nunca dialética, mas contraditória e múltipla” (ibidem, 99). Dessa

forma, esquecer “é negociar no limite, no risco de perder-se no horizonte de identidades

ainda por se fazer no discurso” (ibidem, 100).

A análise da hesitação que propomos aqui, seguindo Souza (2000), que analisa

a hesitação numa entrevista concedida pelo ex-presidente FHC, enfatiza o “efeito

operador do esquecimento como constitutivo da memória”, entendendo que o esquecer,

como afirma o autor, “diz respeito não a uma operação de apagamento, mas de

deslocamento da memória como virtualidade de significações” (ibidem, 100-101). Dessa

forma, “entre o esquecer e o lembrar incide uma memória absoluta que denuncia que,

no ato de dizer, a identidade do sujeito, qual provisória habitação, gira no limite

constante do desabamento” (ibidem, 101).

2.7. Os movimentos do silêncio: identidade e identificação

Sobre a hesitação localizada na propaganda eleitoral, diríamos, com Orlandi

(2001a:129), que “esses lugares onde irrompe a historicidade lingüística são pontos

onde gestos de interpretação trabalham a deriva, o deslocamento, o equívoco,

constitutivos dos (outros) sentidos e dos (outros) sujeitos”. A análise da hesitação nos

convida, assim, a refletir sobre as noções de sujeito, identidade e identificação.

Discursivamente, concebemos o sujeito como constituído pela “cadeia de

significantes” que funciona na interpelação-identificação ideológica, dissimulando para o

próprio sujeito sua gênese. Por isso, é inútil inquirir por estratégias ou intenções do

sujeito. Importa, antes, tentar compreender como o sujeito, que se caracteriza por ser,

ao mesmo tempo, social e dotado de inconsciente, se constitui.

O sentido e o sujeito, como propõe Pêcheux, são produzidos pela identificação

com as formações discursivas e com as formações ideológicas, que lhes são

correspondentes, entendendo-se por formação discursiva “aquilo que, numa formação

ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada,

determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito”

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(Pêcheux, [1975] 1997c:160). As formações discursivas “representam ‘na linguagem’ as

formações ideológicas” (ibidem, 161).

Sobre a natureza da “correspondência” entre formações discursivas e formações

ideológicas, Pêcheux diz que não se trata de “pura equivalência (ideologia = discurso)”,

“mas de uma intrincação das formações discursivas nas formações ideológicas,

intrincação cujo princípio se encontraria precisamente na ‘interpelação’” (ibidem, 182).

Há, portanto, uma dependência constitutiva dos sentidos e dos sujeitos em

relação às formações ideológicas. O autor explica essa dependência por duas teses. A

primeira é a de que uma palavra recebe seu sentido da formação discursiva na qual é

produzida. A segunda é a tese de que “toda formação discursiva dissimula, pela

transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo

complexo com dominante’ das formações discursivas” (ibidem, 162), que, por sua vez,

está intrincado no complexo das formações ideológicas.

A ideologia e o inconsciente, em seu funcionamento, dissimulam sua existência,

produzindo um “tecido de evidências ‘subjetivas’” (ibidem, 153) que constituem o

sujeito, mascarando, “sob a ‘transparência da linguagem’, aquilo que chamaremos o

caráter material do sentido das palavras e dos enunciados” (ibidem, 160), que, segundo

o autor, “consiste na sua dependência constitutiva daquilo que chamamos ‘o todo

complexo das formações ideológicas’” (ibidem, 160).

O próprio de toda formação discursiva, diz Pêcheux, é dissimular, “na

transparência do sentido que nela se forma” (ibidem, 162), sua determinação pelo

interdiscurso, ou seja, dissimular que “‘algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes, em outro

lugar e independentemente’, isto é, sob a dominação do complexo das formações

ideológicas” (ibidem, 162).

Dessa maneira, a interpelação-identificação dos indivíduos “sempre-já sujeitos”

em sujeitos, pelo complexo das formações ideológicas, fornece “‘a cada sujeito’ sua

‘realidade’, enquanto sistema de evidências e de significações percebidas – aceitas –

experimentadas” (ibidem, 162). A interpelação-identificação produz o “efeito-sujeito

como interior sem exterior” (ibidem, 163), produz a unidade imaginária do sujeito, a

evidência do “interior sem exterior”.

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O autor postula que a identificação, fundadora da unidade imaginária do sujeito,

se realiza pelo viés da forma-sujeito, que ele chama, também, de “Ego-imaginário”,

lembrando que o sujeito se constitui pelo esquecimento do que o determina,

entendendo-se o esquecimento não como “perda de alguma coisa que se tenha um dia

sabido, como quando se fala de ‘perda de memória’, mas o acobertamento da causa do

sujeito no próprio interior de seu efeito” (ibidem, 183).

De acordo com o autor, “a forma-sujeito, de fato, é a forma de existência histórica

de qualquer indivíduo, agente das práticas sociais” (ibidem, 183). Forma de existência

duplamente determinada: pelo inconsciente e pela ideologia, que “estão materialmente

ligados, sem estar confundidos, no interior do que se poderia designar como o processo

do Significante na interpelação e na identificação” (ibidem, 133-4).

A forma-sujeito ou sujeito histórico, assim determinado, organiza os saberes, os

enunciados discursivos, que constituem a formação discursiva. Em última instância, é a

forma-sujeito que diz “o que pode e deve ser dito” (ibidem, 160).

O sujeito do discurso se constitui pela interpelação-identificação com a forma-

sujeito da formação discursiva que o domina, identificação que se realiza segundo três

modalidades, que correspondem às diferentes “posições de sujeito”, também chamadas

de “tomadas de posição” (ibidem, 215). Designam a inscrição do sujeito no

interdiscurso, as diferentes relações com a ideologia, o modo “particular” como o sujeito

é interpelado-identificado pela ideologia.

A primeira modalidade é a da superposição, a da identificação plena do sujeito

do discurso com a forma-sujeito da formação discursiva que o domina. Essa

modalidade caracteriza “o discurso do ‘bom sujeito’ que reflete espontaneamente o

Sujeito” (ibidem, 215), o interdiscurso que determina a formação discursiva com a qual

o sujeito do discurso se identifica. Segundo Pêcheux, nessa modalidade de

identificação “o sujeito sofre cegamente” a determinação da formação discursiva.

A segunda modalidade é a da contra-identificação. Nela, o sujeito do discurso se

contrapõe à forma-sujeito da formação discursiva que o domina. Trata-se do discurso

do “mau sujeito”. Essa modalidade de identificação produz tensão no interior da forma-

sujeito, porque instaura, ali, a diferença, a contradição. Nela, o sujeito não se identifica

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com uma nova formação discursiva, o sujeito apenas distancia-se do saber dessa

formação discursiva que lhe é imposta, o que obriga a forma-sujeito a se reorganizar.

A terceira modalidade de identificação é a da desidentificação. Nela, o sujeito do

discurso se desidentifica com uma formação discursiva e sua forma-sujeito para se

identificar com outra formação discursiva e sua forma-sujeito. Nessa modalidade, a

ideologia, paradoxalmente, funciona sobre e contra si mesma, às avessas, num

desarranjo-rearranjo das formações ideológicas. De acordo com Pêcheux, não há,

porém, uma dessubjetivação ou desassujeitamento do sujeito, o que significaria a

existência do sujeito fora da ideologia, uma impossibilidade, o que ocorre é um

“trabalho (transformação-deslocamento) da forma-sujeito e não sua pura e simples

anulação” (ibidem, 217).

Propondo a existência da primeira e da terceira modalidades de identificação,

Pêcheux, sem se dar conta disso, formula a idéia de interpelação-identificação plenas,

“perfeitas”, que supõe um sujeito igualmente pleno, sem fissuras. Equívoco que o autor

reconheceu posteriormente.

A primeira modalidade supõe a dominação sem resistência, a terceira até supõe

a resistência, pois abre para o deslocamento do sujeito no interior “do todo complexo

das formações ideológicas”, mas nenhuma delas abre para a contradição, para a

heterogeneidade dos sujeitos e dos sentidos.

Ao propor a existência da segunda modalidade de identificação, porém, Pêcheux

anuncia a fragmentação do sujeito do discurso e a instabilidade na identidade da forma-

sujeito e da formação discursiva a que ela corresponde. Essa modalidade de

identificação remete ao entendimento de que “uma ideologia é não idêntica a si mesma,

só existe sob a modalidade da divisão, e não se realiza a não ser na contradição que

com ela organiza a unidade e a luta dos contrários” (Pêcheux, 1980, apud Indursky,

2000:75).

Remete, também, à compreensão de que “uma formação discursiva é

constitutivamente freqüentada por seu outro” (Pêcheux, 1981, apud Indursky, ibidem,

75), o que desloca incessantemente suas fronteiras “para acomodar saberes que

migram, que vem de fora, do interdiscurso” (Indursky, ibidem, 76). Assim, forma-sujeito,

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formação discursiva e formação ideológica são entendidas em termos de “unidades

divididas” (Indursky, ibidem, 76).

A forma-sujeito com a qual o sujeito do discurso se identifica define-se, dessa

forma, como o “conjunto das diferentes posições de sujeito em uma formação

discursiva” (Courtine, 1981, apud Indursky, ibidem, 76); diferentes posições de sujeito

que correspondem às diferentes formas de se relacionar com a ideologia.

A identidade do sujeito, como a entendemos, portanto, “resulta de processos de

identificação segundo os quais o sujeito deve-se inscrever em uma (e não em outra)

formação discursiva para que suas palavras tenham sentido” (Orlandi, 1995:78). Ela é

um “movimento na história (e na relação com o social)” (Orlandi, 2001a:122), definindo-

se história “como significância, ou seja, como trama de sentidos, pelos modos como

eles são produzidos” (ibidem, 77). Não se trata, portanto, de uma essência, mas de uma

unidade imaginária produzida pelo próprio processo de interpelação-identificação do

sujeito com as formações discursivas.

Como diz Pêcheux (1997c:128), “o imaginário da identificação mascara

radicalmente qualquer descontinuidade”, produzindo, com isso, a ilusão de completude

dos sujeito, a evidência da identidade. Mascara para o sujeito a sua incompletude

constitutiva. Incompletude que, seguindo Orlandi (1995:80), entendemos como trabalho

do silêncio:

“O sujeito tende a ser completo e, em sua demanda de completude, é o silêncio significativo que trabalha sua relação com as diferentes formações discursivas, tornando mais visível a sua contradição constitutiva. Sua relação com o silêncio é sua relação com a divisão e com o múltiplo.”

Discursivamente, o silêncio não é a ausência de palavras. Também não se

confunde com o interdiscurso, pois o interdiscurso diz respeito ao já-dito que constitui a

memória discursiva, que sustenta todo dizer, já o silêncio, “é aquilo que é apagado,

colocado de lado, excluído” (ibidem, 106), compreende tanto o não-dito (que não se

confunde com o implícito), quanto o não-sentido.

A relação do silêncio com o interdiscurso é complexa. Por exemplo, o

interdiscurso, trabalhado pelo silêncio, produz a ilusão do conteúdo, sobrepondo

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(fazendo coincidir) o não dito ao dito. Com isso, “apagando-se” o silêncio fundador,

produz-se a ilusão do sentido único (ibidem, 94).

O silêncio, para Orlandi (ibidem), é fundante. Ele funda os sujeitos e os sentidos.

Em “sua relação com o silêncio o homem se remete à continuidade, à contradição, à

diferença, às rupturas, ao absoluto e à indistinção” (ibidem, 56). Dessa forma, o trabalho

do silêncio produz tanto a identidade quanto o “desabamento” da identidade, como

ocorre na propaganda eleitoral, conforme a análise que fizemos da hesitação. É por

causa do trabalho do silêncio que o sujeito “derrapa” em suas práticas discursivas

(Mariani, 2003b).

Como o “real do discurso” (Orlandi, 1995:31), o silêncio trabalha “os limites das

formações discursivas, determinando conseqüentemente os limites do dizer” (ibidem,

76). Trabalhando os limiares dos sentidos, o silêncio “permite a constituição da história

do sujeito não apenas como reprodução, mas como transformação dos sentidos”

(ibidem, 86). Isso significa que o sujeito se constitui “na região que marca os limites

entre diferentes formações discursivas”, “nos limites da significação ‘outra’’’ (ibidem,

89).

Dessa forma, o trabalho do silêncio pode produzir a diferença. Como afirma

Orlandi, “diríamos mesmo que a diferença, na identidade, se torna possível pelo

silêncio. O sujeito, atravessado por múltiplos discursos, se desmancharia em sua

dispersão” (ibidem, 92). O resultado disso é que “assim como o sentido é errático, o

sujeito também é movente: o que o mantém em sua identidade não são os elementos

diversos de seus conteúdos, nem sua configuração específica (ele tem muitas), mas

seu estar(ser)-em-silêncio” (ibidem, 92).

Na relação do sujeito com o silêncio pode-se produzir, portanto, a singularidade:

“o sujeito tem um espaço possível de singularidade nos desvãos que constituem os

limites contraditórios das formações discursivas diferentes” (ibidem, 92). Nesses

desvãos,

“Trabalham processos de identificação do sujeito que não estão fechados na sua ‘inscrição em uma formação discursiva determinada’, mas justamente nos deslocamentos possíveis – trabalhados no e pelo silêncio – na relação conjuntural das formações.” (ibidem, 92)

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Em outros termos, no processo de identificação, o sujeito pode estar(ser) numa

relação contraditória com o interdiscurso, como depreendemos da análise da hesitação

na propaganda eleitoral. Mas é também “no silêncio que as diferentes vozes do sujeito

se entretecem em uníssono. Ele é o amálgama das posições heterogêneas” (ibidem,

92).

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“O descobrimento inicial de Freud, o descobrimento que cava um sulco

inesquecível, é que integrou à consideração científica, integrou à

linguagem, os esquecimentos; todos os fenômenos negativos do

sentido, acrescentou-os ao sentido – não achou que tivesse que tomar

como modelo, para raciocinar sobre a linguagem, um acadêmico ao

dar uma aula. Pensou que o que mais dizia, o que mais sentido tinha

para o sujeito, eram precisamente os momentos em que seu discurso

podia desfalecer, desfazer-se, cair, e onde algo podia ser um erro, uma

falta, um esquecimento; restabeleceu a positividade desse negativo.”

(Miller, 2003:35)

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CAPÍTULO 3 - LÍNGUA, MEMÓRIA E CUIABANIDADE NAS PROPAGANDAS

ELEITORAIS

3.1. A resistência à dominação da língua nacional

A discursividade da língua nacional regula, não sem falhas, como vimos, a

relação do sujeito com a língua portuguesa, com as línguas estrangeiras, com o Estado

e com os outros falantes, como se depreende de (9). A partir da língua nacional, da

discursividade que a institui, produz-se a hierarquia que divide desigualmente a língua e

os falantes.

Por essa divisão, em que jogam as formações imaginárias engendradas pelas

formações discursivas, nas relações de forças, ficou interditado ao falante cuiabano o

direito de dizer certas coisas, de ocupar certos lugares de locutor e de ter determinados

interlocutores.

Na mídia televisiva, por exemplo, o cuiabano pode até “falar” numa propaganda

ou numa reportagem, como entrevistado, mas não pode apresentar um telejornal. Não

se incluem nessa situação, acreditamos, os chamados novos cuiabanos, os cuiabanos

filhos de (i)migrantes. Supomos que eles são determinados diferentemente pela língua

que falam.

O cuiabano “aparece” na televisão nos poucos projetos de “regionalização da

mídia”, que buscam dar um “tom local” à programação das emissoras. Pensamos que

trata-se de projetos que, para além de uma tentativa de democratização da mídia,

buscam aumentar o ibope.

Enxergamos nesses projetos a captura dos movimentos identitários cuiabanos

pelo mercado, da mesma forma que, conforme Hardt e Negri (2003), os movimentos

sociais da pós-modernidade (movimento feminista, movimento gay, movimento da

consciência negra, etc), que celebram a diversidade, buscando derrubar as barreiras

criadas pelo sexismo, pelo racismo, etc., têm sido capturados pelo capital.

O mercado tem transformado as diferenças que ganharam visibilidade com

esses movimentos, entre elas, as diferenças lingüísticas, em mercadoria, o que

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confirma o “profundo poder econômico dos movimentos culturais” (Hardt e Negri,

2003:296).

Hardt e Negri (ibidem) defendem que a modernidade, sustentada na soberania

dos Estados-nação, que operou sob a dialética do dentro/fora, entrou em crise. Um

outro paradigma, o da soberania imperial, está sendo engendrado pelo próprio capital,

que se viu impedido ou com dificuldades de expansão no mundo recortado pelos

Estados-nação. As diferenças fixadas pela soberania moderna tornaram-se contra-

produtivas para o capital, por impedirem o fluxo de informações, de capitais.

Dentro desse paradigma da soberania imperial, as diferenças ou são eliminadas

ou são potencializadas, dependendo dos interesses do mercado mundial. Em alguns

casos, nessa nova ordem econômica, a diferença torna-se mercadoria e precisa, por

isso, ser mantida. Disso depende, por exemplo, o comércio do turismo. Como dizem

Hardt e Negri (ibidem, 168), “o comércio junta as diferenças, e quanto mais, melhor!”.

De acordo com esses autores, “essas diferenças, é claro, não atuam livremente”

(ibidem, 169). Elas são “arregimentadas em redes globais de poder” (ibidem, 169). O

mercado mundial “estabiliza uma verdadeira política da diferença” (ibidem, 169). Como

afirmam Hardt e Negri (ibidem, 220), a soberania imperial “não cria divisões, mas

reconhece as diferenças existentes ou potenciais, festeja-as e administra-as dentro de

uma economia geral de comando”. Dessa maneira, o “triplo imperativo” dessa nova

ordem econômica mundial é “incorporar, diferenciar e administrar” (ibidem, 220).

A posição de sujeito a que o cuiabano está circunscrito, na mídia, é determinada

historicamente, pelo menos em parte, por essa mercantilização capitalista das

diferenças culturais. Para poder “falar”, na mídia, o cuiabano tem que se inscrever nos

discursos do folclore e do patrimônio cultural, que funcionam na produção das

identidades coletivas e nos processos de mercantilização da diferença.

Nessa mercantilização, a mídia exacerba as diferenças. Por exemplo, nas

poucas “aparições” midiáticas permitidas ao cuiabano, geralmente em propagandas,

produz-se o fenômeno da quintescência, ou seja, a “personagem” reúne, em sua fala,

incomum quantidade de traços lingüísticos identificados com o “falar cuiabano”. Como

diz Saussure (1999:21), a língua não está completa em nenhum falante, “só na massa

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ela existe de modo completo”. O que aparece na mídia, portanto, é um cuiabano

imaginário, constituído pelos estereótipos que fixam sentidos para a cuiabanidade.

A quintescência produz a caricaturização do falante cuiabano, produz o efeito do

cômico, do engraçado. Peterson (2005), em pesquisa de cunho etnográfico, assinala

que os cuiabanos se dividem na interpretação da “encenação do falar cuiabano por

vozes cuiabanas”. Alguns vêem essas encenações feitas, por exemplo, por Liu Arruda,

como uma forma de resgate do linguajar cuiabano. Outros, como uma forma de

deboche. Há, ainda, quem vê essas encenações como uma forma de acerto de contas

com o passado, ou seja, como uma forma de “exorcizar” o “passado de estigma e

vergonha”.

Exclui-se, dessa forma, o cuiabano no espaço de enunciação do Português em

Cuiabá. A essa exclusão institucionalizada por meio da língua nacional, resistem os

excluídos. A língua torna-se, dessa forma, lugar de dominação, mas também de

resistência. De acordo com Pêcheux (1997c:93),

“As contradições ideológicas que se desenvolvem através da unidade da língua são constituídas pelas relações contraditórias que mantêm, necessariamente, entre si, os ‘processos discursivos’, na medida em que se inscrevem em relações ideológicas de classes.”

Na perspectiva teórica que subsumimos, a resistência é inerente à dominação,

ou seja, “não há dominação sem resistência” (Pêcheux, 1997c:304). Como diz Foucault

(2003:232), “as relações de poder suscitam necessariamente, apelam a cada instante,

abrem a possibilidade a uma resistência”. Dessa forma, não há dominação estável e

uniforme, mas “luta perpétua e multiforme” (ibidem, 232), isto é, “a cada instante, se vai

da rebelião à dominação, da dominação à rebelião” (ibidem, 232).

Dominação e resistência não se dissociam porque, como diz Orlandi (2001b:28),

“os sujeitos são submetidos ao acaso e ao jogo, mas também à memória e à regra”.

Dominação e resistência são, portanto, efeitos da relação tensa entre polissemia e

paráfrase, constitutiva dos sentidos e dos sujeitos. Assim, os sentidos para a língua

nacional estão sempre “em movimento de produzir rupturas, acontecimentos – não

estão, no entanto, jamais soltos (desligados, livres), eles são administrados (geridos)”

(ibidem, 28).

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Como afirma Mariani (2003a:16), “todo tecido discursivo é sempre repleto de

contradições e falhas, frestas por onde pode se escapar sempre às coerções”. A autora

cita dois lugares de resistência da língua fluida à dominação da língua nacional: a

literatura (ela aponta José de Alencar, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Graciliano

Ramos e Guimarães Rosa como autores que tentaram textualizar a oralidade do

português brasileiro) e “o tão desconhecido mundo dos que estão à margem da

escolaridade, das bibliotecas, da imprensa, enfim, dos aparelhos que contribuem para a

regularização da norma” (ibidem, 17). Pensamos que a autora está, nesse último caso,

falando, por exemplo, do grafite.

Pagotto (2001), analisando o Modernismo de 1922, discorda que a literatura

tenha conseguido romper com o cânone lingüístico, antes, o reforçou, pois, nela, a

diferença lingüística aparece marcada, “extraindo-se efeito estilístico dessa marca, e

não de outros usos referenciais das palavras” (ibidem, 55). A diferença lingüística

aparece, nos textos literários, segundo ele, como paródia, lugar do que é interditado a

dizer.

A literatura produzida pelo Modernismo, conforme o autor, traz o português

brasileiro “como um conjunto de formas que é estranho, diferente, mas que não é

tomado a sério, porque a todo instante ele é apontado no texto, dele se tira o efeito de

sentido de não ser a língua” (ibidem, 55). A presença do Português do Brasil na

literatura funciona, assim, como recurso estilístico, para produzir o efeito de

estranhamento.

Mesmo que a diferença lingüística apareça, na literatura, como paródia, como

defende Pagotto, não se pode esquecer que a paródia, além de lugar de interdição, é,

também, lugar de conflito, pois a paródia é uma forma de re-significação. Há, nela, uma

relação tensa com o “outro”, pela qual o “mesmo” é re-significado. Por causa do conflito

que a constitui, a paródia, como afirma Orlandi (2001a:128), é lugar de “visibilização

dos processos de identificação sociais, políticos e históricos, ideologicamente

constituídos”.

Além das formas de resistência assinaladas por Mariani, pensamos que há, pelo

menos, duas outras formas de resistência constitutivas do espaço de enunciação do

Português no Brasil. Ora os excluídos da/pela língua nacional, portanto, da

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nacionalidade e da cidadania, afirmam seu pertencimento por uma discursividade que

busca incluir, na língua nacional, as diferenças lingüísticas que os identificam como

falantes; ora afirmam seu pertencimento afirmando as diferenças lingüísticas em

separado, fora da língua nacional.

No primeiro caso, estão os movimentos pela reforma da gramática. Estão,

também, as tentativas de fazer coincidir, de sobrepor, semanticamente, a chamada

norma culta, definida pelo Projeto NURC como a língua falada por pessoas plenamente

escolarizadas, à norma padrão, a língua nacional. Tenta-se, desse modo, a inclusão de

alguns excluídos na língua nacional e, conseqüentemente, na cidadania brasileira

mudando a referência da língua nacional. Trata-se de uma discursividade que funciona

tornando ambíguas as designações “norma culta” e “norma padrão”, pelo efeito

metafórico que sobrepõe suas referências.

Quanto ao segundo modo de resistência, nós o vemos nas discursividades que

afirmam as identidades lingüísticas locais. Por elas, tenta-se legitimar o “outro”, o

diferente, na relação de alteridade com o “mesmo”, sem apagar essa relação. Busca-se

redividir o espaço de enunciação afirmando a legitimidade da diferença em separado da

língua nacional. Não se pretende, nesse caso, mudar a língua nacional, nem sua

referência. Afirma-se o pertencimento fora da língua nacional, pelo discurso do “respeito

à diferença”.

Dessa forma, fala-se Português, em Cuiabá, determinado historicamente não só

pela discursividade que produz a unidade lingüística imaginária do Brasil, por

intermédio da instituição da língua nacional. Enuncia-se determinado, também,

contraditoriamente, pelas discursividades que afirmam o pertencimento dos excluídos,

por exemplo, pela discursividade que afirma a identidade lingüística, igualmente

imaginária, do cuiabano, do mineiro, do paulista, do paranaense, etc. Dessa maneira,

como diz Orlandi (2003:10), “é no espaço da diferença que o sujeito se constitui”.

O sujeito do discurso das propagandas eleitorais se constitui, portanto, nesse

“espaço da diferença”, em que jogam divergentes discursividades sobre a Língua

Portuguesa e, mais especificamente, sobre as diferenças lingüísticas que lhe são

constitutivas.

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3.2. Resistência à língua nacional na/pela Escola

Esse jogo das divergentes discursividades que determinam historicamente nossa

relação com a Língua Portuguesa faz da escola, a principal guardiã da língua nacional,

um espaço da contradição. Ao mesmo tempo em que perpetua a língua nacional, a

escola reivindica, hoje, a legitimidade da língua dos excluídos. Essa contradição

constitui professores e alunos em suas práticas escolares.

Como se sabe, o acesso à educação formal, no Brasil, foi privilégio das elites até

a primeira metade do século XX. Até meados do século XVIII, nas poucas escolas que

havia, o ensino de Português, assim como em Portugal, ocorria apenas na

alfabetização. A partir da alfabetização, os poucos alunos que podiam continuar na

escola passavam a estudar gramática latina, retórica e poética.

Com a Reforma Pombalina (1759), o ensino de Português tornou-se obrigatório

nas escolas tanto de Portugal quanto das colônias portuguesas. Porém, como diz

Soares (2001:150), “esse ensino seguiu a tradição do ensino do Latim, isto, é, definiu-

se e realizou-se como ensino da gramática do Português, ao lado do qual manteve-se,

até fins do século XIX, o ensino da retórica e da poética”. Apenas no final do Império, a

retórica, a poética e a gramática (agora da Língua Portuguesa) foram fundidas numa

única disciplina denominada Português. Essa fusão, porém, não mudou o objeto e os

objetivos do ensino até a década de 1940, uma vez que, “continuaram a ser os mesmos

aqueles a quem a escola servia: os grupos social e economicamente privilegiados”

(ibidem, 150).

A partir da década de 1920, instituiu-se um espaço discursivo polêmico em torno

da democratização da escola. Nessa época, o índice de analfabetismo era de 80%

(Aranha, 1996:198) e intelectuais brasileiros como Anísio Teixeira, Fernando de

Azevedo e Lourenço Filho, para citar apenas alguns, engajaram-se na defesa da escola

pública, influenciados, por exemplo, pelo pensamento do filósofo pragmatista13

americano John Dewey, um dos principais divulgadores dos princípios escolanovistas,

para quem “a educação teria a função democratizadora de equalizar as oportunidades”

13 Pragmatismo - corrente filosófica desenvolvida, principalmente, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Conforme Aranha (1996:170), “opõe-se a toda filosofia idealista e ao conhecimento contemplativo, puramente teórico. É antiintelectualista, privilegiando a prática e a experiência”.

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(ibidem, 171). A esse movimento opuseram-se alguns segmentos da Igreja Católica, a

principal responsável pela educação tradicional até então.

Somente no início da segunda metade do século XX, devido à progressiva

transformação das condições sociais e culturais, ocorrida, sobretudo, a partir da década

de 1920, houve a grande expansão quantitativa da educação formal (hoje, ensino

fundamental e médio). Por essa expansão, as camadas populares, que há muito

vinham reivindicando o direito à escola, se viram com lápis e caderno na mão. “A

alfabetização torna-se questão de segurança nacional e pilar do desenvolvimento”, diz

Britto (1997: 100).

Essa democratização do acesso à escola, porém, não foi acompanhada da

democratização curricular. A Escola continuou elitista e excludente, uma vez que,

despreparada para receber o novo alunado, produziu evasão e repetência em grande

quantidade.

Pesquisadores de todas as partes do Brasil começaram, a partir da década de

1970, a denunciar o fracasso da escola e a propor soluções, fortemente influenciados

pelos movimentos de conscientização popular, de inspiração tanto marxista quanto

cristã, surgidos na década de 1960: os Centros Populares de Cultura (ligados à União

Nacional dos Estudantes), os Movimentos de Cultura Popular e os Movimentos de

Educação de Base.

À exceção dos Movimentos de Educação de Base, esses movimentos de

conscientização popular foram desativados pelo golpe militar de 1964, por serem

considerados subversivos. Porém, as idéias do principal mentor desses movimentos,

Paulo Freire, ressoaram na voz daqueles que se empenharam no movimento de

reforma da escola nas décadas de 1970 e 1980.

No interior desse processo sócio-histórico de democratização da escola, em

que jogaram forças ideológicas divergentes quanto à função e objetivos da educação

formal, estabeleceu-se um espaço discursivo sobre o ensino de Língua Portuguesa.

Nesse espaço, produziu-se o que Pietri (2003) chamou de “discurso da mudança do

ensino de língua materna”, Britto (1997), de “nova crítica do ensino de português” e Cox

(1993), de “discurso progressista em ensino da língua(gem)”.

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Às condições de produção desse discurso já descritas, outra deve ser acrescida:

no final da década de 1970, a Lingüística teve a necessidade de justificar, para a

comunidade letrada, a que veio, de justificar sua existência como ciência. Ela estava

sendo questionada interna e externamente quanto a seu papel social, acusada de ser

apenas uma importadora passiva de teorias.

O discurso da mudança foi, portanto, produzido a partir de uma dupla crise: a

crise da escola, que estava fracassando em fazer permanecer nela os filhos pobres da

“mãe gentil”, e a crise da própria Lingüística, posta em xeque pela necessidade de

justificar-se e afirmar sua identidade.

Com o discurso da mudança, os lingüistas buscaram construir uma identidade

nacional para a Lingüística, algo por que pudesse ser considerada necessária. Como

diz Pietri,

“O discurso da mudança cumpre uma necessidade interna à própria Lingüística em sua constituição como ciência no Brasil, deixando a ‘torre de marfim’ que então acusavam-na de ocupar, e passando, desse modo, a tratar de problemas nacionais.” (2003: 7)

Quando esse discurso foi produzido, não era apenas a Lingüística, porém, que

estava em crise. A Gramática Tradicional, também, estava em crise, pois havia perdido

a primazia que sempre teve no ensino do Português. O ensino gramatical já estava

enfraquecido e não era por causa da Lingüística:

“Nota-se que a Lingüística é acusada por permitir a degradação do idioma nacional num momento em que, se a tradição gramatical é desvalorizada, não o é em função de teorias lingüísticas, mas de um projeto político desenvolvimentista, baseado na teoria da comunicação.” (ibidem, 19)

A língua, nesse momento, era considerada, nas diretrizes educacionais do

governo, como ferramenta de comunicação, e seu ensino havia assumido “um caráter

pragmático e utilitarista: o desenvolvimento do uso da língua” (ibidem, 22), em que o

aluno era considerado mero emissor-receptor de códigos, não apenas dos verbais,

como no ensino tradicional sustentado na literatura, mas de todos os tipos de códigos.

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Na constituição do discurso da mudança não temos, pois, pura e simplesmente a

polêmica entre lingüistas e gramáticos, que acusavam uns aos outros pelo fracasso no

ensino de Língua Portuguesa. No espaço discursivo em que esse discurso se

constituiu, temos, conforme Pietri, três formações discursivas que se relacionam de

forma complexa: a da Lingüística, a do ensino de língua orientado pela Teoria da

Comunicação e pelo Pragmatismo e a da Gramática Tradicional.

A circulação desse discurso aconteceu, no Estado de Mato Grosso, por meio da

revista Educação em Mato Grosso, publicada pela Secretaria de Educação e Cultura.

Quando começou a circular, em 1978, os primeiros números da revista serviam,

exclusivamente, para a divulgação de atos oficiais (leis, portarias, instruções

normativas, etc.) relativos à educação, atos tanto do governo estadual quanto federal.

De veículo de divulgação de atos oficiais, porém, a revista foi transformada num veículo

de divulgação científica.

Foi mediante essa revista, principalmente, que o discurso da mudança, no

período de sua emergência, circulou fora da academia no Estado de Mato Grosso:

trata-se de uma revista destinada aos professores e administradores escolares da rede

pública de ensino. Por isso escolhemos essa revista para abordar o discurso da

mudança em sua fase de emergência. Muitos dos textos publicados na revista

Educação em Mato Grosso foram, também, publicados na revista Universidade, uma

revista destinada a leitores da academia.

As idéias lingüísticas que nela circularam foram discutidas em cursos, palestras e

seminários para professores da rede pública de ensino em Mato Grosso. Os autores

dos artigos nela publicados foram, muitas vezes, os agentes dessas ações mais diretas

na escola. Nesse período, ao mesmo tempo em que deu assessoria pedagógica à rede

pública de ensino, através de palestras, cursos, etc., o Instituto de Linguagens (à época

Departamento de Letras) da Universidade Federal de Mato Grosso foi assessorado pelo

Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, um dos

centros irradiadores do discurso da mudança, na elaboração do projeto de ensino de

Língua Portuguesa no Ciclo Básico dos cursos de graduação da Universidade Federal

de Mato Grosso.

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Tomaremos Macedo (1983) como exemplo da textualização desse discurso.

Poderíamos tomar, como exemplo, um autor de circulação nacional, como os

analisados por Pietri (2003). Preferimos uma autora de Mato Grosso somente por tratar-

se de um texto que, cremos, teve mais chances de ser lido por um número maior de

professores, pois a revista em que foi publicado teve distribuição gratuita para todas as

escolas mato-grossenses da rede pública de ensino. Pegamos um texto do período de

emergência do discurso da mudança no ensino de Língua Portuguesa por acreditarmos

que esse período fundou sentidos para as diferenças lingüísticas no Brasil e inaugurou

formas de abordá-las ainda vigentes. Além disso, cremos, foi na década de 1980,

sobretudo, que se produziram os estereótipos do cuiabano, principalmente os

lingüísticos, que vemos significar nas propagandas eleitorais.

No artigo que elegemos, Macedo critica o tipo de gramática ensinada na escola.

A autora entra na discussão sobre a escolha do conteúdo a ser ministrado nas aulas de

Língua Portuguesa (à época, Comunicação e Expressão). Mais especificamente, ela dá

uma resposta à pergunta da época: deve-se ensinar gramática aos alunos do 1º grau?

Para responder a essa pergunta, a autora julga necessário responder às perguntas: O

que é gramática? O que é Língua Portuguesa? Quem é o aluno de 1º grau?

Partindo da noção de gramática como um “conjunto de regras que ‘sabido’ por

alguém lhe outorga o direito de ser chamado de falante desta língua”, ou seja, como

conjunto de regras apreendidas ou adquiridas pelo sujeito por sua exposição à língua,

num “crescente e contínuo aprendizado”, Macedo defende que a gramática ensinada

pela escola não recobre a totalidade da realidade lingüística brasileira, ou seja, a

gramática da Língua Portuguesa não se reduz ao conjunto de regras contidas nos

compêndios gramaticais.

Os compêndios gramaticais e seus autores são acusados, pela autora, de

reduzirem a língua a uma de suas variantes, a variante culta, utilizada “pelo segmento

da sociedade que detém o poder econômico e político”. A Língua Portuguesa, defende

ela, “é um conjunto de variantes”, sendo a variante dita culta apenas uma delas, que

concorre, por exemplo, com a variante caipira, utilizada por pessoas com pouca ou

nenhuma escolarização e, freqüentemente, com pouco ou nenhum poder econômico e

político (ibidem, 55-56).

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Depois de assim definir o que entende por gramática e por Língua Portuguesa, a

autora passa a desenhar o perfil do aluno de 1º grau: é alguém que fala a Língua

Portuguesa, mas que, por ser proveniente de segmentos sociais sem acesso aos bens

materiais e culturais, não é falante da variante culta, nem na sua modalidade oral, nem

na escrita.

Ele não fala a variante culta porque não teve contato com falantes que a usam

cotidianamente, nem teve acesso a revistas, livros ou mesmo à televisão, veículos

dessa variante. O contato sistemático com a variante culta dá-se na escola e Macedo

critica o modo como esse contato ocorre:

“Logo que ingressa na escola, o aluno, pelas atitudes do professor e pela linguagem dos livros didáticos, forma para si uma imagem dele próprio e do professor. A dele é de quem não sabe, é de quem fala errado. A do professor é de quem sabe e a de quem fala certo. Constrangido, quase não conversa com o professor ou mesmo com os colegas na presença dele.” (ibidem, 56) (grifos da autora)

O professor tem, nas aulas de Língua Portuguesa, três atitudes básicas,

conforme a autora: 1. ensina algo que o aluno já sabe, portanto, algo desnecessário; 2.

ensina detalhes sem importância para o uso da linguagem; 3. quando ensina o que é

necessário ensinar, o faz de modo inadequado (ibidem, 56).

Ela reprova essas atitudes, condenando o ensino de conteúdos gramaticais sem

valor pragmático, ou seja, o ensino de conteúdos que não contribuam para a leitura e a

escrita do aluno. Deve-se partir, nas aulas de Língua Portuguesa, do uso da língua:

“Pelo que se coloca, então, continuar a “ensinar” aquilo que o aluno já sabe (a gramática de sua língua) por meios sabidamente ineficazes (o falar sobre e não o usar) é mais do que malhar em ferro frio, é malhar em ferro gelado.” (ibidem, 57) (grifos da autora)

A autora acredita que o método mais eficaz de ensino de Língua Portuguesa é

“aquele que imita o processo natural de aquisição da língua: o aluno exposto à língua,

aos seus usos” (ibidem, 57). Há, também, em Macedo, a crença na escola como agente

transformador da sociedade, agente “transformador do homem e de suas relações”

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(ibidem, 57), uma característica do discurso da mudança no ensino de Língua

Portuguesa.

Por meio da seleção adequada dos conteúdos gramaticais e de uma

metodologia igualmente adequada, a “aprendizagem da variante culta se coloca como

estratégia de luta”. Nessa aprendizagem, “deve ficar claro para o aluno o valor político-

social da variante culta e ainda o fato de que para diferentes situações há diferentes

formas de dizer” (ibidem, 57). A variante culta, na perspectiva assumida pela autora,

deve ser ensinada não por ser melhor do que a do aluno, devendo, assim substituí-la,

mas como instrumento de luta nas relações de poder.

Nesse artigo de Macedo (1983), encontramos as principais características do

discurso da mudança, que são: defesa da necessidade de mudança nas concepções de

linguagem e de ensino, afirmação da necessidade de considerar a diferença entre a

língua ensinada pela escola e a língua falada pelos alunos pobres que nela chegam,

defesa do respeito à língua do aluno e argumentação sustentada na divulgação de

teorias lingüísticas, sociológicas e/ou sociolingüísticas.

Como se nota em Macedo, pelo tratamento dado para a relação tensa e

dinâmica entre unidade e diversidade, constitutiva da língua, na política lingüística

defendida pelo discurso da mudança instala-se uma contradição, produzida pela

divergência de forças ideológicas. Essa contradição constitutiva produz-se na relação

tensa entre a injunção ética de respeitar a língua do aluno (inclusão da diferença) e o

dever, também ético, de ensinar-lhe a norma de prestígio (afirmação do “mesmo” sob o

pretexto de instrumentá-lo para a luta).

A saída que o discurso da mudança produziu para esse impasse foi aquela

enunciada por Macedo (1983:57): “deve ficar claro para o aluno o valor político-social

da variante culta e ainda o fato de que para diferentes situações há diferentes formas

de dizer”. Ou, numa formulação mais recente:

“Uma das principais tarefas do professor de língua é conscientizar seu aluno de que a língua é como um grande guarda-roupa, onde é possível encontrar todo tipo de vestimenta. Ninguém vai só de maiô fazer compras num shopping-center, nem vai entrar na praia, num dia de sol quente, usando terno de lã, chapéu de feltro e luvas...” (Bagno, 1999:130).

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Essa teoria da aceitabilidade e da adequabilidade pressupõe um sujeito

onipotente, senhor da língua e dos sentidos, que só diz o que quer dizer. Entendemos

que, com essa teoria, a forma-sujeito da formação discursiva brasileira reorganizou o

saber sobre a língua, incorporando a discursividade sobre as diferenças lingüísticas,

sem, contudo, abalar o saber da língua nacional.

Na perspectiva do discurso da mudança, acredita-se que instrumentando os

alunos para serem senhores da língua, capazes de adequá-la aos diferentes contextos,

a escola poderá transformar a sociedade. Essa crença aparece, como se viu,

materializada, também, no artigo de Macedo (1983).

A renovação do ensino de Língua Portuguesa é vista, portanto, como um

caminho para as transformações sociais almejadas. Nesse sentido, o ensino da norma

passa a ter uma função instrumental: o domínio da variante culta da língua torna-se em

ferramenta de luta nas relações de forças, torna-se, usando termos de Bourdieu (1996),

um capital no mercado lingüístico.

Nessa crença no poder transformador do ensino de Língua Portuguesa,

divisamos ressonâncias do otimismo pedagógico escolanovista que circulou, no Brasil,

como já dissemos, desde a década de 1920, por meio das obras, por exemplo, de

Anísio Teixeira e, após a década de 1950, das obras de Florestan Fernandes.

Os defensores da Escola Nova tinham a “esperança de democratizar e de

transformar a sociedade por meio da escola” (Aranha, 1996:198). Eles puseram em

circulação “a ilusão liberal da escola redentora da humanidade, segundo a qual a

educação constituiria a mola da democratização da sociedade” (ibidem, 199). Seu lema

ressoa, ainda hoje, em campanhas governamentais e na campanha “global” Amigos da

Escola: “Com educação vamos mudar o Brasil”.

Cox (1993a, 1993b) analisa o movimento de renovação do ensino de Língua

Portuguesa de que tratamos. Desse movimento, segundo ela, participaram “professores

interpelados pelo discurso progressista que olham para a teoria enunciativa e a análise

de discurso” e enxergam nelas uma possível solução para a “tão decantada crise da

escrita” na escola (Cox, 1993a:50). Como afirma a autora, no “discurso progressista em

ensino de língua(gem)”,

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“Os três referenciais – teoria da enunciação, análise de discurso e pedagogia progressista – se fundem, sobretudo no que direta ou indiretamente diz respeito ao sujeito, na formação de uma ordem discursiva, de um regime de verdade, por assim dizer, sobre a redação escolar.” (ibidem, 52)

Cox analisa as confluências e disfluências entre esses três referenciais teóricos

que sustentaram o discurso da mudança, na década de 1980, no que diz respeito ao

ensino de produção textual. A partir da união bem/mal resolvida desses três

referenciais, formulou-se que “ser sujeito de”, na prática de produção de textos,

“significa dizer NÃO ao intertexto, estabelecer com ele uma relação paródica, crítica,

irônica, polissêmica, rebelar-se contra ele, negar a paternidade em busca de

autonomia, maioridade, individualidade” (ibidem, 58). O discurso da mudança concebe,

portanto, um sujeito que pode tornar-se, pelo viés da escola, senhor da língua(gem).

Dessa forma, cai-se, pensamos, na ilusão subjetiva do sujeito origem de si e dos

sentidos, cilada do idealismo filosófico.

Cox (1993b) aponta as principais diferenças, estabelecidas pelo discurso da

mudança, entre uma posição tradicional e uma progressista, no que diz respeito às

concepções de língua, de linguagem, de texto, etc., e assinala uma contradição

constitutiva do discurso da mudança (que, de certa forma, aproxima as duas posições):

ele levanta a bandeira do pluri-, mas trabalha pela produção do uni-. Ao empenharem-

se em “converter” os professores tradicionais ao discurso da mudança, o que os

defensores desse discurso fazem não é outra coisa senão tentar transformar o “outro”

no “mesmo”.

3.3. Universidade e identidade lingüística imaginária cuiabana

Sem negar as diferenças localizadas na enunciação oral de alguns cuiabanos14,

decorrentes das descontinuidades da história da Língua Portuguesa no Brasil,

14 Diferenças tais como, no extrato fonético-fonológico, a realização das africadas “tche” e “dje”, em palavras como “petche” e “djeito”; a não-nazalização da vogal “a”, em palavras como “banana”; o rotacismo, em palavras como “pobrema” e “prano”; o plural de nomes terminados em “ão”, realizado como “ons”, em palavras como “irmons” (irmãos). No extrato morfossintático, aspectos de regência, concordância e gênero, como nos enunciados: “Vou no

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entendemos que essas diferenças não constituem um subsistema do Português, como

parecem entender os estudos sociolingüísticos ou dialetológicos. O Português é um, o

que não significa que ele seja homogêneo. O que é dividido, desigualmente, é o direito

a dizer.

Pensamos que os estudos sobre o chamado “falar cuiabano” são interpretações

do espaço urbano de Cuiabá produzidas por seus atores sociais, entendendo-se por

interpretação “a relação constitutiva e necessária que se estabelece entre o sujeito e

‘sua realidade’, a partir do funcionamento da linguagem enquanto sistema simbólico

afetado pelo real da história e do inconsciente”, como propõe Zoppi-Fontana (1999:202)

lendo Orlandi.

Segundo a autora, na significação do espaço urbano “diversos enunciados,

organizados como saberes especializados, intervêm de maneira dominante, legitimando

certos gestos de interpretação” (ibidem, 202). Desses gestos de interpretação

decorrem, conforme Zoppi-Fontana, as intervenções que resultam na organização do

espaço urbano e na produção do senso comum relativo à configuração da cidade e à

relação dos sujeitos com ela.

Nessa perspectiva, “a cidade (e seus espaços) não refere a um domínio de

objetos definidos empiricamente, mas a um domínio de interpretação, que permite ao

sujeito se situar no mundo” (ibidem, 202). Ela é interpretação “que se impõe ao sujeito

como evidência, produzida pelo efeito do trabalho da ideologia no discurso” (ibidem,

202).

Zoppi-Fontana (ibidem) analisa o papel da mídia no processo de intervenção no

espaço urbano “através da produção e/ou reprodução de imagens da/sobre a cidade”

(ibidem, 202), pelas quais são construídas as evidências do senso comum. Além da

mídia, nos interessa, nesse trabalho, a intervenção da Universidade, especialmente dos

cursos de Letras, por intermédio da produção de um saber especializado sobre a

língua. Produção filiada, sobretudo na década de 1980, ao movimento de

democratização da Escola e de renovação do ensino de Língua Portuguesa e aos

movimentos identitários cuiabanos.

mamãe”, “Óia, ta co a boca cheio de formiga”. Expressões como “ri pra catiça” (ri muito), “tchá por Deus” (expressão de espanto). Termos como “tocera” (convencido). Esses exemplos foram extraídos de Possari (2005:167).

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A partir do final da década de 1970, começaram a surgir, na Universidade

Federal de Mato Grosso, os primeiros trabalhos acadêmicos sobre o “falar cuiabano”.

Estudos que, como afirma Palma (1983), se inscrevem nos movimentos identitários da

época:

“Inicia-se uma ‘campanha’ no sentido de se socorrer esse conjunto de tradições ou valores da cuiabania. Uma espécie de ‘corra antes que morra’. A Universidade Federal de Mato Grosso começa a tomar posição nesse sentido. Pesquisas que tratam desse aspecto estão em projeto ou já em desenvolvimento. [...] Projetos vêm sendo elaborados, com o objetivo de se analisar o falar cuiabano (mais tradicional), antes que ‘não sobre um só informante’.” (ibidem, 10)

Fernandes (1984) fala em um projeto, à época em andamento, chamado

“Aspectos Lingüísticos da Cuiabania”, uma resposta, segundo a autora, aos anseios da

sociedade: “a urgência em se registrar o falar típico da região que se denomina Baixada

Cuiabana, é de todos conhecida” (ibidem, 61). Segundo ela,

“A idéia de se elaborar um projeto abrangendo características gramaticais, fonéticas, lexicais, semânticas, lingüísticas e sociolingüísticas foi reforçada em 1979, quando uma equipe do Departamento de Letras sentiu a necessidade de documentar o falar cuiabano antes da total perda de suas características.” (ibidem, 61)

Percebe-se, nos estudos sobre o “falar cuiabano” produzidos pela Universidade

Federal de Mato Grosso, uma instabilidade na designação da língua. Ela é designada

como “falar cuiabano”, “língua Portuguesa mato-grossense”, “dialeto cuiabano”, etc. No

deslizamento de sentidos produzido pela dispersão de designações, enxergamos a

tensão entre a discursividade que institui a língua nacional e a discursividade que

afirma a diferença, que afirma o pertencimento dos excluídos da língua nacional e da

cidadania. Essa tensão não permite a estabilização do processo de designação da

diferença lingüística.

Dentre os estudos acadêmicos sobre o “falar cuiabano”, tomamos o texto de

Palma (1985), intitulado “Valor social do falar cuiabano”, publicado na revista Educação

em Mato Grosso, um dos principais veículos de divulgação do discurso da mudança do

ensino de Língua Portuguesa, em seu período de emergência. Escolhemos um texto da

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década de 1980 porque acreditamos que foi nessa década, principalmente, que

(re)produziram-se os estereótipos do cuiabano que funcionam nas propagandas

eleitorais. Como afirma Possari (2005:171), “o governo e a elite cuiabana, nos anos

1980, decidiram erguer a bandeira do resgate da cultura local”. Elegemos Palma (1985)

porque pensamos que esse texto representa muito bem o “tom” do discurso sobre o

“falar cuiabano” predominante na década de 1980.

Nesse período, o discurso da mudança, filiado à Sociolingüística, enfatizava a

diversidade lingüística brasileira e afirmava a necessidade de os professores, cônscios

dessa diversidade, respeitarem a língua do aluno.

Na maior parte das análises sociolingüísticas da época em que o texto foi escrito,

prevaleceu o enfoque de tipo contrastivo, sustentado na noção de individuação

lingüística, definida por Gardin e Marcellesi (apud Serrani, 1997:55) como

“Conjunto de processos por meio dos quais grupos sociais de diversas ordens adquirem particularidades próprias em seu discurso – observáveis no nível do léxico e da sintaxe – e que possibilitam o reconhecimento, entre si, dos membros de cada grupo.” (ibidem, 55)

Com esse enfoque, Palma (1985) analisa as atitudes lingüísticas de cuiabanos e

de migrantes em relação a traços lingüísticos que, segundo a autora, identificam o

cuiabano com seu falar regional (a autora está se referindo aos traços “tche” e “dje”,

realizado em palavras como “tchuva”e “djeito”).

Pela pesquisa, a autora conclui que esses traços são estigmatizados, tanto por

cuiabanos quanto por migrantes. Poucos “informantes” consideraram normal a maneira

de o cuiabano falar. Os migrantes disseram achá-la engraçada e esquisita. Os

cuiabanos, feia ou carregada. Já quando inquiridos sobre traços lingüísticos

identificados com outras regiões do Brasil, os cuiabanos disseram achá-los lindos,

charmosos.

Essa atitude lingüística estava, segundo a autora, levando o cuiabano a

“substituir” os traços lingüísticos que o identificavam com sua região por “outros

estranhos a ela” (ibidem, 43), porém de mais prestígio.

Fiel ao programa sociolingüístico, Palma (ibidem) tenta localizar os fatores

sociais que contribuem “à perda ou conservação” dos traços lingüísticos observados na

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pesquisa. Segundo ela, os fatores que se mostraram relevantes foram: contexto social

(situação descontraída / situação formal), sexo (a mulher cuiabana preocupa-se mais

com a aprovação social, por isso procura mais “esconder” os traços lingüísticos que a

identificam como cuiabana), idade (os mais velhos são mais conservadores), etc.

A autora responsabiliza, ainda, os meios de comunicação pelas mudanças no

“comportamento lingüístico” dos cuiabanos, uma vez que, segundo ela, eles “atuam

fortemente no sentido de impulsionar a adoção de comportamentos estereotipados”

(ibidem, 44).

Palma diz que “o próprio contexto mato-grossense vem-se mostrando propício a

essas mudanças” (ibidem, 44). Ela refere-se ao fluxo migratório para Mato Grosso

começado na década de 1960. Conforme a autora, os migrantes, provenientes de

Estados mais desenvolvidos econômica e politicamente, estabelecem com os

cuiabanos um contato hierarquizado, autoritário, “porque o sistema de crenças e os

costumes dos cuiabanos são vistos como despidos de um valor social” (ibidem, 44).

Isso acontece, de acordo com Palma, por causa do “lugar social de onde fala o

cuiabano, o lugar social de onde fala o mato-grossense” (ibidem, 44). A posição, no

contexto nacional, tanto de Mato Grosso quanto dos Estados de onde vieram os

migrantes, e a conseqüente imagem que de si e do outro fazem esses Estados são as

causas do tipo de relação que se estabelece entre o cuiabano e o migrante, conclui a

autora.

Dessa forma, afirma ela, “quando o cuiabano fala, não é simplesmente um

homem que fala, mas um homem da região centro oeste. Assim, as formações

imaginárias vêm a tona e esse homem é caracterizado, situado” (ibidem, 45). A mesma

coisa, segundo ela, ocorre com o migrante.

Para a autora, portanto, as atitudes lingüísticas estão associadas ao lugar social

que os Estados ocupam no cenário nacional e não propriamente às formas lingüísticas:

“qualquer traço lingüístico não traz consigo mesmo um valor. Esse valor lhe é atribuído

pela posição sócio-político-econômica” (ibidem, 45).

Palma, num gesto de otimismo democrático, termina o artigo aspirando por uma

formação social em que

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“Estariam os cuiabanos e não-cuiabanos, que aqui se estabelecessem, dançando o siriri, o cururu, o São Gonçalo; comendo carne com banana, ensopado e petche; falando tchuva e djeito. Por sua vez, também, estariam os cuiabanos participando dos costumes e das crenças dos sulistas e mineiros, por exemplo, e adquirindo traços lingüísticos desses falares.” (grifos da autora) (ibidem, 45)

Em artigo anterior, Palma (1983) lamenta que as festas “caracterizadoras da

cultura mato-grossense” (ibidem, 10), como a de São Benedito, a do Divino e a Dança

do São Gonçalo, assim como os traços lingüísticos “típicos” do cuiabano, estivessem se

“alterando ou se extinguindo”.

Nos parece que a forma de interpretar as mudanças culturais vem se alterando

nos últimos textos da autora. Palma (2002) critica a atitude dos “imortais” da Academia

Mato-Grossense de Letras, que só admitem, como membros daquela instituição,

aqueles que “pertencerem à cuiabania ou cultuarem esse sentimento de cuiabanidade”,

entendendo-se por “sentimento de cuiabanidade” um certo conservadorismo e

ufanismo. Palma (2005) defende que as alterações econômicas e políticas em Mato

Grosso, nos últimos anos, mudaram “o rumo da história lingüística” do Estado, bem

como as relações entre os mato-grossenses e os “novos mato-grossenses”, fazendo

desaparecer designações pejorativas como “paurrodado”. De acordo com a autora, a

história de Mato Grosso “já dá sinais de sua mudança, de uma acomodação, de

aceitação e acolhida do diferente, dos novos modos de pensar, de agir e de viver no

Estado” (ibidem, 156). O corpus de nossa pesquisa não nos permite concordar

inteiramente com essa interpretação.

Como vimos, a mudança é significada, em Palma (1983, 1985), como

“substituição”, que, na perspectiva assumida pela autora, opõe-se à “troca”:

“É importante estabelecermos, aqui, uma diferenciação entre substituição e troca. Por troca entendemos uma relação amistosa, onde os dois pólos participam do processo; a incorporação do traço lingüístico, se se der, será recíproca, respeitando-se, assim, a individualidade de cada um deles; seria a aquisição do outro sem a perda do valor próprio. Por substituição entendemos uma relação autoritária, na qual apenas um pólo assimilaria o ‘modelo’ do outro, por imposição deste, tornando-se o outro o mesmo”. (grifos da autora) (Palma, 1983:12)

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Quer as mudanças lingüísticas sejam significadas como substituição ou como

troca, entendemos que essas interpretações das mudanças se filiam a uma tendência

essencialista de abordagem da cultura.

É, portanto, numa perspectiva essencialista que Palma, nos dois textos referidos,

aborda as diferenças lingüísticas. Essa abordagem contribui para a produção dos

estereótipos que constituem a identidade lingüística imaginária do cuiabano.

Essa tendência a uma abordagem essencialista das diferenças (busca do que é

“típico”) se verifica, ainda, em alguns estudos lingüísticos pós-1980 sobre o “falar

cuiabano”. Por exemplo, na escolha dos “informantes” de suas investigações, alguns

pesquisadores buscam um “falante nativo”, que ainda não foi “influenciado”, em quem

se conserva a “pureza lingüística”, como se observa, por exemplo, em Almeida

(2000:24), que elege, como “informante”, o “‘cuiabano de chapa e cruz’, ou seja, o

cuiabano legítimo que nasceu, vive, e pretende morrer na terra natal [...]”. Para o autor,

“O aqui chamado ‘cuiabano de chapa e cruz’ não se restringe somente aos nascidos dentro dos limites geopolíticos do município de Cuiabá, mas a todos aqueles que, além de nascidos na área de alcance delimitada nesta pesquisa, têm um passado genealógico e cultural ligado ao mesmo habitat, e sempre viveram e vivem em contato diário e, para alguns, exclusivo com o linguajar nativo de seus pares.” (ibidem, 24)

A tendência à abordagem essencialista da língua, que engendra a identidade

lingüística imaginária do cuiabano, se textualiza, também, sob a forma da queixa

ressentida em Dettoni (2003):

“Aqueles que, por outro lado, necessitam garantir seu espaço no mercado de trabalho, se vêem forçados a incorporar padrões socialmente mais aceitos de comportamento lingüístico, e, como Cuiabá não é mais tão-somente dos cuiabanos, anulam sua identidade e perdem aquilo que os faz serem verdadeiramente ‘cuiabanos de tchapa e cruz’.” (grifo da autora) (ibidem, 221)

O determinante “verdadeiramente” satura o nome “cuiabanos” significando a

mudança lingüística como perda de uma essência pela relação com o outro, como

expropriação (“Cuiabá não é mais tão-somente dos cuiabanos”).

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Essa referência ao outro atualiza a memória do processo de “re-colonização” de

Mato Grosso a partir da década de 1960, quando migrantes de vários Estados

brasileiros se estabeleceram em Mato Grosso. Segundo Dettoni,

“Desses migrantes, os que permaneceram na região de Cuiabá passaram a estabelecer um estreito contato lingüístico com o dialeto local, estigmatizando-o. Os usuários do dialeto mato-grossense, em função do estigma social e lingüístico que recaiu sobre seu linguajar local, vêm, desde então, abandonando lentamente seu modo de falar, substituindo-o por uma variedade lingüística mais neutra.” (Ibidem, 3)

3.4. Língua e identidade na Lingüística

A tendência a uma abordagem essencialista que verificamos nos estudos sobre

o “falar cuiabano” não se constitui numa peculiaridade dos autores citados. O que neles

se verifica trata-se, conforme Rajagopalan (1998), de uma característica da Lingüística.

Em seu texto, Rajagopalan discute o modo como o conceito de identidade

lingüística aparece nos estudos da linguagem. Ele começa criticando o modo

“desleixado” como os lingüistas definem o que é “uma língua”, em oposição a “língua”

(sem o artigo).

Segundo o autor, “os lingüistas ainda não apresentaram uma definição

satisfatória, que utilizasse apenas critérios lingüísticos, do que seja ‘uma língua’”

(ibidem, 22). Os critérios empregados pelos lingüistas na definição de “uma língua” são,

geralmente, geopolíticos.

Outro problema para a Lingüística, segundo Rajagopalan, é a própria definição

de dialeto e a distinção entre língua e dialeto. Essas são, conforme o autor, “categorias

conceptuais nebulosas” (ibidem, 23). Numa análise microscópica da língua, a distinção

entre língua e dialeto não se sustenta, pois a língua é “infinitamente diversificada”

(ibidem, 23).

Pelo modo como conceptualiza “língua”, “uma língua”, “falante de uma língua”,

revela-se que, como afirma Rajagopalan, “a Lingüística, desde a sua estréia como

ciência moderna, tomou a questão da identidade como uma questão pacífica” (ibidem,

26).

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Na Lingüística estrutural americana pré-chomskyana, “o falante de uma língua é

tipicamente considerado como uma pessoa plenamente auto-suficiente [...] ele conhece

sua língua, na verdade é a autoridade suprema no assunto” (ibidem, 28). Não muito

diferente disso, na Lingüística de Chomsky, o falante é concebido como aquele capaz

de dizer “todas e apenas as frases gramaticais que pertencem à sua língua” (ibidem,

28).

Além dessa noção de falante auto-suficiente, a Lingüística produziu, também, “a

idéia do falante nativo como uma espécie de ‘bom selvagem’ lingüístico”, “a idéia de

que a inocência nativa do falante nativo deve ser preservada a qualquer custo” (ibidem,

28).

As teorias lingüísticas pressupõem, portanto, uma concepção tanto de língua

quanto de falante. Como diz o autor “a identidade do indivíduo falante ocupa assim uma

posição central na construção da teoria lingüística” (ibidem, 29).

O conceito de indivíduo, nas teorias lingüísticas, acaba sendo fiel à etimologia da

palavra indivíduo: “um indivíduo é invariavelmente concebido como um eu individido e

indivisível (ele é ou categoricamente não é um falante nativo de uma língua – não

havendo provisão para graus de natividade)” (ibidem, 29). As teorias lingüísticas

mantêm-se fiéis, também, ao ponto de vista ontogenético na concepção de indivíduo

falante: “um indivíduo torna-se um falante de uma língua totalmente maduro assim que

tiver atingido certa idade” (ibidem, 29).

Como afirma Rajagopalan, “o falante nativo individual é, no âmbito da

Lingüística, uma entidade plenamente totalizada, além de ser, como já vimos, pura,

incorruptível, autêntica e estável” (ibidem, 30).

Na Lingüística estrutural e na chomskyana, segundo o autor, o falante é uma

“mônada isolada”. Nem mesmo as teorias lingüísticas pragmaticistas conseguiram se

livrar desse essencialismo, nelas “o espírito totalizador está ainda muito presente”

(ibidem, 35). Essas teorias fixam a identidade do usuário da língua no “contexto da

situação”, não considerando que “o contexto não tem limites. Qualquer coisa que se

possa dizer sobre o contexto é imediatamente incorporado por aquele contexto. Isso

significa que o contexto é simplesmente interminável” (ibidem, 35). Em outras palavras,

não se pode saturar o contexto.

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Depois de explorar o modo como as teorias lingüísticas abordam, mesmo que

implicitamente, a questão da identidade do falante, Rajagopalan afirma que “o que se

busca, em todos esses casos, é o verdadeiro nativo na plenitude de sua autenticidade”

(ibidem, 35).

A Lingüística estabeleceu critérios de identidade do falante conforme seus

interesses e se sente “ameaçada por todos esses fenômenos que de algum modo não

se encaixam em seu acalentado modelo de identidade pura, perfeita e plenamente

totalizada” (ibidem, 38).

Depois de criticar a política da identidade estabelecida pela Lingüística,

Rajagopalan afirma a necessidade de uma revisão do conceito de identidade no âmbito

dos estudos lingüísticos, revisão atenta ao fato de que “todas as línguas já revelam em

sua própria constituição uma tendência para a dispersão ilimitada e para a hibridização”

(ibidem, 39). Apesar disso,

“Permanece o fato, porém, de que os lingüistas até agora têm sido lentos em perceber todo o alcance das implicações do multilingüismo e do multiculturalismo. Em conseqüência disso, não chegaram normalmente a reconhecer que o conceito tradicional de identidade em lingüística necessita de uma revisão urgente. A identidade individual como algo total e estável já não tem nenhuma utilidade prática num mundo marcado pela crescente migração de massas e pela entremesclagem cultural, religiosa e étnica, numa mescla sem precedentes.” (ibidem, 40)

Essa revisão do conceito de identidade proposta por Rajagopalan, em que a

identidade passa a ser entendida como estando “sempre num estado de fluxo” (ibidem,

42), põe a Lingüística em xeque, porque impõe a inclusão da singularidade no trabalho

teórico-descritivo, sendo o singular “aquilo que sempre resiste a todas as tentativas de

teorização, que sempre escapa e sobra, que, no entanto, sempre volta a assombrar as

teorias (Rajagopalan, 2000:83). Segundo o autor,

“Pensar a singularidade equivale a entrar na zona limítrofe do pensamento acerca da linguagem. Persistir em tal interrogação significa preparar o caminho para o próprio desmoronamento do empreendimento da teorização, do esforço de imobilizar a linguagem dentro da camisa-de-força de uma teoria totalizante.” (ibidem, 83)

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Após analisar o modo como os filósofos da linguagem como Russell, Quine,

Wittgenstein, etc, abordam a questão da singularidade, o autor diz que “todos, sem

exceção, reconhecem que a singularidade é algo que desafia o próprio

empreendimento da construção de teorias sobre a linguagem” (ibidem, 83).

3.5. Resistência e estereotipia: a produção da identidade cuiabana

A nosso ver, os estudos lingüísticos sobre o “falar cuiabano” (in)screvem, no

espaço de enunciação do Português no Brasil, uma espécie de resistência à dominação

da língua nacional. Resistência engendrada no/do interior da Escola, no movimento de

democratização curricular e de renovação do ensino de Língua Portuguesa.

Além dessa filiação, pensamos que os estudos sobre o “falar cuiabano” estão

filiados, sobretudo no final da década de 1970 e na década de 1980, aos movimentos

identitários cuiabanos. Ressoam, nos estudos lingüísticos dessa época, as campanhas

salvacionistas fomentadas por esses movimentos.

Pensamos que a discursividade engendrada nesses movimentos ressoa, ainda

hoje, em alguns estudos lingüísticos sobre o “falar cuiabano”, como em Dettoni (2003),

e na própria organização dos estudos lingüísticos em Cuiabá. Estamos nos referindo ao

status de exclusividade que o “falar cuiabano” tem nas pesquisas de descrição

lingüística na Universidade Federal de Mato Grosso, única, em Cuiabá, a realizar esse

tipo de investigação. Não se tem feito pesquisa de descrição lingüística de outra coisa

senão do “falar cuiabano”. As diferenças lingüísticas localizadas nas enunciações orais

dos migrantes continuam sendo encaradas como o outro da “língua dos cuiabanos”.

Outro talvez não mais combatido, mas ignorado nos/pelos estudos lingüísticos.

Os movimentos identitários cuiabanos, que interviram e, pensamos, continuam

intervindo, como um fantasma, nos estudos lingüísticos em Cuiabá, foram um modo de

resistência à presença do migrante em Mato Grosso, transformando a formação social e

o espaço urbano de Cuiabá.

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Com incentivos do governo federal, levas de migrantes se estabeleceram em

Mato Grosso. Uma relação tensa entre cuiabanos e migrantes se instaurou. Como diz

Possari (2005:168),

“O fluxo migratório trouxe ao Estado e a Cuiabá tradições culturais de seus novos moradores. A tensão gerada por isso nem sempre foi positiva. Os daqui – xenofobicamente – consideraram-se invadidos; os de lá – ‘endofobicamente’ – consideraram feio tudo o que encontraram por aqui. Já era de se esperar: Narciso acha feio o que não é espelho!.”

Processos de designação do outro foram instaurados de ambos os lados. Os

migrantes, por exemplo, foram chamados de “paurrodados” pelos cuiabanos.

Discursivamente, os nomes funcionam como objetos simbólicos que constroem

categorias conceptuais, criam uma descontinuidade numa continuidade, dando, com

isso, existência ao grupo. Eles agrupam ou separam. Como diz Seriot (2001:16), “é o

nome que faz a fronteira”.

Para proteger o cuiabano e sua cultura da invasão do outro, foi criado, por

exemplo, o Museu de Arte e Cultura Popular, na Universidade Federal de Mato Grosso.

Buscando preservar a identidade cuiabana, surgiram grupos teatrais, promoveram-se

serestas, saraus, etc.

Como aponta Possari (ibidem, 171), um dos movimentos mais representativos

dessa época foi o Muxirum Cuiabano, que tinha como lema “conseguir fazer com que o

linguajar e a cultura musical dos cuiabanos fossem respeitados”. Com esse lema à

frente, “projetos passam a valorizar pescadores, artesãos do barro (da beira do rio

Cuiabá), músicos. As pinturas escorrem e transbordam pacus, cajus, tuiuiús, violas-de-

cocho” (ibidem, 172).

Encontramos, nas propagandas eleitorais que estamos analisando, ressonâncias

dos discursos desses movimentos por meio dos quais a elite cuiabana buscou

(re)produzir uma identidade coletiva para os cuiabanos:

(10) “[...] Eu sou candidato a vereador em Cuiabá, minha terra natal, e sabe por

que eu sou candidato? Porque nós cuiabanos estamos perdendo espaço e

precisamos reagir [...]” (Aléssio-Pinto)

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(11) “Hoje dirijo-me a vocês [...] para dizer quem é o professor Aquiles, professor

de matemática, genuinamente mato-grossense [...]” (Prof. Aquiles)

(12) “Sou o vereador Ivan Evangelista, defendo a cuiabania, nossa história,

nossa cultura [...]” (Ivan Evangelista)

Nesses movimentos que ressoam nas propagandas eleitorais, como nos

exemplos acima, a identidade é discutida em termos da “necessidade da manutenção

de uma identidade” (Guimarães, 2005:8). Pensada dessa forma, “o direito [à identidade]

passa a significar dever e assim restrição”. Esses movimentos esquecem “o processo

em que as identidades se fazem e, enquanto processo, se modificam, se transformam,

se redefinem” (ibidem, 8). Como diz Guimarães,

“Este tipo de uso teórico ou prático do conceito [identidade] normalmente aparece ligado a práticas que reduzem a questão da identidade à marca da diferença, enquanto marca de resistência às características dominantes. Ou seja, enquanto reduzem o sentido de identidade a uma reação à segmentação desigual da sociedade. E isto pode levar as sociedades a pagaram sua resistência aos poderes com uma imobilidade que acaba por caricaturizar o identificado e assim transformá-lo em peça de um museu interessante para périplos de turistas ou benfeitores edificados.” (ibidem, 8)

Pensamos que, nos movimentos identitários cuiabanos de que estamos tratando,

há um outro, que não é o migrante, constituindo o discurso preservacionista, que busca

resgatar e preservar o que a elite cuiabana e o governo entendem como traços da

cuiabania. Esse outro que, a nosso ver, é constitutivo desses movimentos, é o

irrealizado das tentativas de redefinição da identidade mato-grossense, feitas pela elite

cuiabana, nas primeiras décadas do século XX.

Àquela época, primeiras décadas do século XX, a elite mato-grossense tentou

redefinir a identidade de Mato Grosso, livrando-a do estigma de atrasado, população

“sem espírito empreendedor”, etc., produzido pelo viajante europeu, pelos brasileiros de

outras regiões e pelos próprios mato-grossenses, conforme Galetti (2000). O irrealizado

dessa tentativa funciona nos movimentos identitários da década de 1980. Como afirma

Suzana Guimarães (2002:148),

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“Pelo menos até a década de 1970, Cuiabá tinha por assentado um discurso sobre seu “atraso” e sua “distância” em relação às outras regiões do país, principalmente, São Paulo e Rio de Janeiro (considerados como centros de progresso e modernidade).”

Enxergamos, portanto, nos movimentos identitários cuiabanos da década de

1980, dos quais os lingüistas do “falar cuiabano”, de certa forma, participaram, uma

dispersão de outros. O discurso desses movimentos é atravessado

interdiscursivamente pelos discursos sobre o cuiabano produzidos antes do fluxo

migratório iniciado na década de 1960.

Essa interpretação do irrealizado como uma espécie de fantasma ou espectro

que funciona nos processos discursivos, engendrando-os, se sustenta em Pêcheux

(1990), para quem “não há, pois, discurso, realmente falado por seres humanos, que

possa se destacar completamente dos trás-mundos (ou dos pré-mundos) que o

habitam” (ibidem, 9). Em outros termos, “toda língua está necessariamente em relação

com o ‘não-está’, o ‘não está mais’, o ‘ainda não está’ e o ‘nunca estará’” (ibidem, 8).

Constituídos por uma dispersão de outros, os movimentos identitários

engendrados em Cuiabá (re)produziram, como uma forma de resistência, os

estereótipos do que significa ser cuiabano, os estereótipos que tipificam o cuiabano.

Entre eles, o estereótipo de que ser cuiabano é falar “tchuva”, “djeito”, “bánána”,

“pobrema”, “irmons”, etc15.

Discursivamente, entendemos que o modo de funcionamento do estereótipo não

se reduz à repetição, entendida aqui como “imobilidade total dos sentidos” (Orlandi,

1995:128). Ele é “ponto de fuga possível de sentidos”, pois é “lugar em que trabalham

intensamente as relações da linguagem com a história, do sujeito com o repetível, da

subjetividade com o convencional” (ibidem, 128). Nesse sentido, o estereótipo é “lugar

de reconhecimento e de distância” (ibidem, 128). Como diz Orlandi (ibidem, 128),

“O efeito de sentido que trabalha a relação com o estereótipo é a de que só nele é que somos falados pelo ‘consenso’, pela ‘solidificação’,

15 Para se ter uma idéia da produtividade desse estereótipo do modo de falar do cuiabano, na constituição de sujeitos e sentidos, narramos o seguinte acontecimento: estávamos trafegando por uma rua de Caldas Novas – GO, quando o senhor que estava conosco no carro disse, apontando para uma loja: “Aquela loja deve ser de cuiabano”. Perguntamos-lhe: “Por que o senhor acha isso?”. “Olha o nome”, ele respondeu. O nome da loja era “Tchótchó Auto Peças”.

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pela sedimentação’, pela ‘fixação’ do discurso. Fora daí seríamos donos do nosso dizer e estaríamos fora do efeito-literal.”

Por estereótipo compreendemos, portanto, o “funcionamento de certos

enunciados que se apresentam como evidências, indistintamente repetidas e

consensualmente aceitas” (Ferreira, 1993:69), sem reduzir repetição, como dissemos, a

imutabilidade ou invariabilidade.

Em seu funcionamento, o estereótipo, “ao transcender as barreiras entre o

individual e a massa, se assemelha, na sua sistematicidade, a um cimento que

perpassa diferentes usos e estratos e garante um efeito coesivo na rede social” (ibidem,

71). Nisso, o estereótipo se aproxima do trabalho operado pelo discurso social,

“legitimando e homogeneizando certas práticas de linguagem” (ibidem, 71).

Há, conforme Ferreira, no funcionamento do estereótipo, “um valor corrosivo”, ou

seja, “o efeito do repetível atua na própria significação do estereótipo, podendo

determinar direções de sentido inversas que irão cristalizá-lo cada vez mais ou esvaziá-

lo” (ibidem, 72). Como assinala a autora,

“Por um lado, a repetição e o efeito do que é constantemente reiterado atuam no reforço ao senso comum, na sua confirmação [...]. Por outro lado, essas mesmas características dos estereótipos determinam efeitos inversos, concorrendo para uma desconstrução dos sentidos já alicerçados”. (ibidem, 72)

Portanto, pode-se afirmar que a significação de um estereótipo “se encontra em

mutação, admitindo deslocamentos e desvios” (ibidem, 72). O estereótipo, “enquanto

construção de aparência lingüisticamente cristalizada, encobre sob sua forma sentidos

que não se encontram petrificados” (ibidem, 73)

Do funcionamento dos estereótipos, nos interessa aqui os automatismos que

eles desencadeiam. Automatismos que, conforme Ferreira (ibidem, 72), não podem ser

interpretados pura e simplesmente como falta de tempo para pensar ou como falta de

pensamento próprio. Como diz a autora,

“O automatismo envolve mecanismos sociais, históricos e culturais presentes nos modos de sustentação do status quo que se realizam pela reiteração de enunciados que expressam o saber comum. O efeito

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de impregnação de tais automatismos funciona como a possibilidade de institucionalização dos sentidos, fazendo-os corresponder, ética e moralmente, às expectativas construídas pela sociedade”. (ibidem, 72)

O resultado disso é que “o papel aglutinador, catalisador, manifesto por essas

construções estereotipadas, produz um efeito de aproximação de épocas, de

identificação de costumes, crenças e comportamentos, compartilhados por todos”

(ibidem, 72).

Por seu papel catalisador, aglutinador, como diz a autora, os estereótipos postos

em funcionamento pelo sujeito do discurso, nas propagandas eleitorais, pelo

automatismo de memória que desencadeiam, produzem consenso intersubjetivo, como

em

(13) “Cuiabá é uma boa cidade, de um povo trabalhador e hospitaleiro, mas

precisa mudar o seu quadro político [...]” (Júlio César)

No funcionamento discursivo dessa seqüência, antes da enunciação de algo

polêmico, a mudança do quadro político de Cuiabá, formula-se o estereótipo de que os

cuiabanos são “um povo trabalhador e hospitaleiro”, produzindo, com isso, consenso

intersubjetivo. O efeito é a anulação do político.

A enunciação desse estereótipo traz para a interlocução discursiva um outro,

uma terceira-pessoa discursiva (o (i)migrante relacionado à discursividade que significa

o cuiabano como sem espírito empreendedor, preguiçoso, etc.). Em resposta a essa

terceira-pessoa o estereótipo foi, num outro espaço-tempo, produzido. Pelo

funcionamento discursivo desse estereótipo, desvia-se o “olhar” de desconfiança, de

reprovação, para esse outro.

3.6. A formulação da cuiabanidade nas propagandas eleitorais

Entendemos que a formulação do pertencimento à cuiabania, nas propagandas

eleitorais, é efeito dos modos de inscrição do sujeito, por meio dos processos de

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interpelação-identificação, nas discursividades que fixam sentidos para a cuiabanidade,

engendradas desde o final do século XIX, nas relações de forças entre, de um lado, o

cuiabano e, do outro, o viajante europeu, os brasileiros de outras regiões do país e,

mais recentemente, o migrante. Nessas relações de forças, foram produzidas as

formações imaginárias que funcionam na formulação da cuiabanidade nas

propagandas eleitorais.

A partir de tais formações imaginárias, põe-se em funcionamento, no processo

discursivo instaurado nas propagandas eleitorais, o mecanismo da antecipação, que

consiste, como já dissemos, em “colocar-se no lugar em que seu interlocutor ‘ouve’

suas palavras” (Orlandi, 1999:39). Esse mecanismo, sob a dominância das formações

discursivas, “regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo, ou de

outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte” (ibidem, 39). Trata-se,

portanto, de um mecanismo discursivo de captura do outro no fio do discurso. Por ele,

busca-se a produção do consenso intersubjetivo.

Desse modo, como efeito do jogo da língua na história, formula-se “sou

cuiabano”, como em:

(14) “Meu nome é Guilherme Maluf, sou cuiabano, médico [...]” (Guilherme Maluf)

(15) “Sou cuiabano, professor e economista, peço seu voto[...]” (Vantuil)

(16) “Sou de Cuiabá, funcionária pública, sindicalista, psicóloga [...]” (Jussara)

(17) “Meu nome é Ada, sou professora da rede pública e privada, técnica da

UFMT, cuiabana, nascida no Porto [...]” (Ada)

Discursivamente, o indivíduo sempre-já sujeito, quando diz “eu”, como em “sou

cuiabano”, o faz “a partir de sua inscrição no simbólico e inserido em uma relação

imaginária com ‘a realidade’ do que lhe é dado a ser, agir, pensar” (Mariani, 2003b:62).

Ele, porém, “não percebe que se encontra convocado a se colocar no simbólico e a

partir do simbólico para dizer ‘eu’ e para se referir a um mundo já simbolizado” (ibidem,

62). O fato, contudo, é que “ao falar, ou melhor, ao usar das palavras, dentre elas o ‘eu’,

o sujeito se mostra em sua inserção na história e, simultaneamente, em um percurso já

feito na língua” (ibidem, 63).

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O sujeito, definido como “uma posição em movimento histórico”, está, pois, preso

a uma “rede de linguagem” (ibidem, 67), sem que o perceba. Assim,

“O sujeito ‘sofre’ os efeitos da interpelação-identificação ficando preso às evidências constituídas na própria linguagem: julga-se fonte dos próprios pensamentos, origem do próprio dizer, julga-se capaz de dominar o seu dizer, julga-se livre para dizer o que quiser, etc.” (ibidem, 67)

O verbo “ser”, que se realiza, por exemplo, em “sou cuiabano”, na perspectiva de

sua função gramatical, “estabelece identidade entre dois termos nominais” (Dias,

1993:84). A relação entre os dois termos relacionados pode se dar na modalidade de

“equação formal” ou na modalidade de “inclusão de classe”. No primeiro caso, “o

atributo fixa uma relação de congruência na equação”, no segundo, “o atributo fornece

um parâmetro de inclusão”. Em ambos os casos, “o verbo ser enuncia a(s)

propriedade(s) que define(m) o sujeito” (ibidem, 84).

Em “sou cuiabano”, o verbo “ser”, do ponto de vista gramatical, marca a

identidade entre os termos relacionados “eu” e “cuiabano”, na modalidade, pensamos,

de “equação formal”, em que o atributo “cuiabano” “fixa uma relação de congruência na

equação”.

Discursivamente, o verbo “ser” inscreve o enunciado “sou cuiabano” na

discursividade que produz a identidade imaginária do cuiabano. Trata-se de uma

discursividade que não é homogênea, mas heterogênea. A identidade imaginária do

cuiabano é produzida tanto pelos discursos engendrados pelo governo e pelas elites

cuiabanas, quanto pelos discursos do outro, o (i)migrante, que (re)produz o discurso do

viajante estrangeiro e dos brasileiros de outras regiões, engendrado a partir do final do

século XIX. Essa heterogeneidade discursiva torna difusa a posição de sujeito a partir

da qual se diz “sou cuiabano”.

Em outros casos, essa heterogeneidade trabalha a contradição na posição de

sujeito que constitui o sujeito do discurso, como em:

(18) “Sou cuiabana e conto com todos vocês que acreditam no desenvolvimento

de nossa capital [...]” (Paola)

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Nessa seqüência, duas posições de sujeito, numa contradição, constituem o

sujeito do discurso. O enunciado “sou cuiabana”, constitui o sujeito do discurso pela

inscrição na discursividade dos movimentos identitários cuiabanos. Já o enunciado

“conto com todos vocês que acreditam no desenvolvimento de nossa capital”, na

discursividade que significa Cuiabá como “atrasada” devido à “falta de espírito

empreendedor” dos cuiabanos, a discursividade do progresso e do desenvolvimento

que está na base do empreendorismo empresarial e comercial do processo de “re-

colonização” de Mato Grosso pelos migrantes.

O enunciado “sou cuiabano” significa, a nosso ver, na sua relação com o não-

dito “não sou cuiabano”, ou “sou paranaense”, “sou gaúcho”, etc. A enunciação de “sou

cuiabano”, portanto, traz para a interlocução discursiva aquele que não é cuiabano.

Pensamos que esse enunciado (re)produz, portanto, a fronteira invisível,

produzida nas lutas de classes, que separa cuiabanos e migrantes na formação social

cuiabana. Essa fronteira invisível ganha visibilidade nas propagandas eleitorais, como

se nota em:

(19) “Eleitor amigo, queremos uma sociedade mais justa, sou filho desta terra e

recebo de braços abertos aqueles que aqui buscam dias melhores [...]” (Prof.

Pinheiro)

Interpelados-identificados, também, pelas discursividades produzidas pelos

movimentos identitários cuiabanos, as quais têm como seu outro as discursividades que

fixam sentidos para o cuiabano como “atrasado”, “sem espírito empreendedor”, etc.,

candidatos que não são cuiabanos, pondo em funcionamento o mecanismo da

antecipação, formulam, de outros dois modos seu pertencimento à cuiabania.

Primeiro, afirmando considerarem-se cuiabanos, usando como argumento o

tempo de permanência em Cuiabá, como nas seqüências discursivas:

(20) “Isabel Cristina, mãe, professora e enfermeira, moro em Cuiabá 24 anos, me

considero cuiabana [...]” (Isabel Cristina)

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(21) “Eu sou Ildomar, engenheiro e professor da Universidade Federal, cheguei

em Cuiabá há 30 anos, aqui fui muito bem recebido, aqui criei meus filhos e me

realizei como profissional e como cidadão [...]” (Ildomar)

Segundo, esses candidatos afirmam que pertencem à cuiabania pelo sentimento,

como se vê materializado em:

(22) “Sou professora Carmem, cuiabana por amor [...]” (Profª Carmem)

Na formulação do pertencimento à cuiabania, nessas seqüências, vemos

funcionar um pré-construído: ser cuiabano é “X”, sendo esse predicativo “X” aqueles

predicativos produzidos historicamente na relação tensa do cuiabano com seus outros.

A formulação do pertencimento à cuiabania, nessas seqüências, decorre,

portanto, dos modos de inscrição no interdiscurso, que, como pré-construído, conforme

Pêcheux (1997c), “corresponde ao sempre-já-aí da interpelação ideológica que fornece-

impõe a ‘realidade’ e seu ‘sentido’” (ibidem, 164) ao sujeito, ou seja, o pré-construído é

o interdiscurso enquanto instância que “fornece, por assim dizer, a matéria-prima na

qual o sujeito se constitui como ‘sujeito falante’, com a formação discursiva que o

assujeita” (ibidem, 167).

3.7. A identidade em desabamento no espetáculo eleitoral

Pensamos, seguindo Guimarães (2005:8), que “o direito social à identidade é

também o direito de ter socialmente uma nova identidade”. Portanto, não se trata,

nessa seção, de estabelecer uma relação especular entre língua e sociedade, como o

faz a Sociolingüística. A relação com a língua é uma relação com a história, entendida

como teia de sentidos. É, portanto, uma relação que transcende o geopolítico.

Lembramos que não estamos, nesse trabalho, tratando da língua como sistema

formal, mas dos processos de subjetivação nas propagandas eleitorais, tomando como

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observatório o modo como as discursividades sobre a língua “causam” os sujeitos.

Estamos investigando, portanto, a inserção do sujeito na língua e na história.

O que depreendemos é que nas propagandas eleitorais em que formula-se o

pertencimento à cuiabania ocorre a interpelação-identificação, predominantemente,

pela discursividade da língua nacional, o que se comprova pela dominância, na

textualização do discurso, das regras do sistema formal gramatizado ou pelas

vacilações nessa textualização.

Quando formula-se “eu sou cuiabano”, os estereótipos sobre o modo de falar do

cuiabano entram em funcionamento e, pelo automatismo de memória que eles

desencadeiam, o telespectador “se prepara” para “ouvir” formas lingüísticas como

“tchuva”, “djeito”, “pobrema”, “bánána”, “vou no mamãe”, etc.

Contudo, o que o telespectador “ouve” não se textualiza conforme a gramática

do chamado “falar cuiabano”. O que ele “ouve” é algo que se textualiza,

predominantemente, segundo a língua nacional. O chamado “falar cuiabano”, composto

de diferenças lingüísticas decorrentes das descontinuidades na historicização do

Português no Brasil, é silenciado nas propagandas eleitorais.

Porém, como diz Courtine (1999:15), a memória que é apagada “deixa, como

uma estreita lacuna, a marca de seu desaparecimento”. O autor trata da memória no

campo do discurso político. Nós estamos pensando em termos de memória lingüística.

A nosso ver, o silenciamento das formas lingüísticas identificadas como “falar cuiabano”

representa o silenciamento de uma certa relação com a língua e com a história.

Pode-se depreender, porém, um “resto” dessa memória, nas propagandas

eleitorais, nas seqüências16:

(23) “Nós queremos resgatar a credibilidade púbrica [...]” (Manoel Olegário)

(24) “Queremos imprementar as reformas políticas em Cuiabá [...]” (Carlão)

Em (23) e (24) nota-se a realização do rotacismo, a troca do “l” pelo “r”,

recorrente nas enunciações orais de cuiabanos tanto da cidade quanto das zonas

16 Não fizemos transcrição fonética utilizando o Alfabeto Fonético Internacional, utilizamos símbolos gráficos da escrita para a transcrição da diferença lingüística que quisemos destacar. Para facilitar a leitura, sublinhamos a palavra e colocamos em itálico a diferença lingüística a que nos referimos.

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rurais. Esse fenômeno lingüístico ocorre em outras regiões do Brasil, mas circunscrito,

predominantemente, a falantes da zona rural, pouco ou nada alfabetizados, como

assinala Cox (2005:95-6).

A autora demonstra que esse fenômeno lingüístico, o rotacismo, atuou,

juntamente com outros, na constituição das línguas românicas, diferenciando, por

exemplo, o Português do Francês (ibidem, 103). Contudo, o rotacismo não é um

fenômeno que se observa apenas no momento de constituição das línguas românicas.

Como diz Cox, o rotacismo “acompanha, ativo, a expansão e a diversificação da língua

portuguesa pelo mundo” (ibidem, 104).

Em Mato Grosso, ele chegou, provavelmente, pela boca dos bandeirantes

paulistas. Aqui, numa cultura predominantemente oral, com escassa comunicação com

outras partes do Brasil (até as primeiras décadas do século XX), floresceu (ibidem, 104-

5).

Além desse fator, contribuiu, possivelmente, para a conservação do rotacismo,

na região de Cuiabá, a interação dos bandeirantes com os índios. Como não dispõem

de “l” em seu sistema fonológico, como afirma Cox (ibidem, 105), os bororos, índios que

habitavam a região, articulavam, provavelmente, o “r” no lugar do “l” quando falavam o

Português.

O rotacismo, amplamente “cultivado” no passado, sofreu, porém, um processo de

“desnaturalização” e “maculação”, ou seja, ele passou a ser significado como

“comportamento lingüístico indesejável, a ser evitado ou corrigido” (ibidem, 106). Ele

chega mesmo a ser considerado, hoje, um fenômeno patológico, como aponta a autora.

A despeito, porém, do preconceito, da discriminação, do estigma, o rotacismo, de

acordo com a autora, continua produtivo na enunciação oral dos cuiabanos,

“independentemente de variáveis sociais como classe social, escolaridade, nível de

letramento e grau de formalidade” (ibidem, 107). Dentre os poucos traços do chamado

“falar cuiabano” que verificamos nas propagandas eleitorais, esse foi o mais recorrente.

Nota-se, portanto, a predominância da interpelação-identificação pela língua

nacional, a língua gramatizada. Os poucos traços do “falar cuiabano” se realizam, na

textualização do discurso, como um resto, como aquilo que falha na interpelação-

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identificação do sujeito pela língua nacional, por causa da intervenção, no ato de dizer,

da memória lingüística silenciada, esquecida, a memória lingüística cuiabana.

Temos, portanto, nas propagandas eleitorais, uma identidade que desaba, no

próprio ato de dizer, como já vimos a respeito da hesitação. E desaba pelo modo como

a língua se relaciona com a história.

A formulação de “eu sou cuiabano”, por um automatismo de memória, produz a

expectativa da textualização do discurso em conformidade com o chamado “falar

cuiabano”, ou melhor, com os estereótipos historicamente produzidos sobre o modo de

falar do cuiabano. Isso não acontece, nas propagandas eleitorais, a não ser sub-

repticiamente, como um resto.

A textualização do discurso, nas propagandas eleitorais, é um efeito da

interpelação-identificação pela língua nacional, logo, pela forma-sujeito da formação

discursiva brasileira, do cidadão brasileiro. Essa interpelação-identificação, porém, não

se realiza, nas propagandas eleitorais, como um ritual sem falhas. Mesmo o texto tendo

sido “ensaiado”, traços da Língua Portuguesa que foram excluídos da língua nacional

irrompem no fio do discurso, como um equívoco, confirmando que a interpelação-

identificação “trata-se de um processo que funciona como ponto de ancoragem estável

para o sujeito e, ao mesmo tempo, é passível de equivocação, podendo, portanto,

falhar” (Mariani, 1998:89).

O sujeito, porém, não se dá conta dessa contradição que o constitui, que o

fragmenta, que o dispersa, porque está preso à evidência subjetiva produzida pela

ideologia, da qual sua unidade imaginária é um efeito.

O processo de interpelação-identificação que se verifica na propaganda que

transcrevemos, abaixo, não se enquadra, porém, totalmente, na análise que fizemos

até aqui:

(25) “Psiu, crianças, continuo precisando de 4.562 votos para defendê-lo lá na

Câmara. Prestenção, trabalhar projetos de lei no combate a todo tipo de

violência, defender a escola pública em período integral, defender o estatuto da

cidade, saúde pública com qualidade. Vem comigo, em tempos modernos, Orenil

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Andrade, Wilson Santos, Jacy Proença, 45, administrar Cuiabá. Psiu, crianças,

vota nu mim.” (Orenil Andrade)

Nessa propaganda, o “falar cuiabano”, ou seja, as discursividades que o

significam no espaço de enunciação do Português em Cuiabá, intervêm, de modo mais

ostensivo, no processo de interpelação-identificação do sujeito do discurso pela língua

nacional.

Além de uma prosódia identificada como “falar cuiabano”, observamos, na

propaganda, os seguintes traços desse “falar”: “psiu, crianças” (vocativo), “prestenção”

(vocativo, contração de presta atenção), “vota nu mim” (vote em mim).

Devido à interpelação-identificação pela discursividade dos movimentos

identitários cuiabanos e pela discursividade sobre o “falar cuiabano” que eles

engendraram, a formulação do dizer, nessa propaganda, põe em funcionamento, pela

mobilização das formações imaginárias, o mecanismo da antecipação, produzindo, com

isso, o consenso intersubjetivo.

Põe-se em funcionamento o estereótipo sobre o modo de falar do cuiabano,

produzido pelos movimentos identitários instaurados em Cuiabá na década de 1980,

sobretudo. Esse estereótipo opera como “cimento social”, unindo, presumivelmente,

candidata e eleitor. Por esse funcionamento discursivo, que mobiliza imaginários

sociais, a candidata, entendida aqui como efeito de linguagem, apresenta-se ao eleitor

cuiabano como um igual.

A interpelação-identificação por essa discursividade, porém, também, mostra

falhas. A discursividade da língua nacional intervém, no processo de subjetivação,

fazendo desmoronar a identidade. As marcas lingüísticas mais “visíveis” dessa

intervenção são o pronome oblíquo “o” (em “defendê-lo”), uma forma da língua nacional

praticamente em desuso, principalmente nas enunciações informais, como a simulada

na propaganda. Outra marca lingüística da intervenção da língua nacional é a ausência

dos traços mais estigmatizados do “falar cuiabano”.

O sujeito do discurso, nessa propaganda, está inscrito, portanto, de forma

contraditória, tanto na discursividade que afirma o “falar cuiabano”, quanto na

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discursividade da língua nacional, que estigmatiza, que discrimina as diferenças

lingüísticas, sendo essa última a dominante.

Nessa dispersão de posições de sujeito que constitui o sujeito do discurso nas

propagandas eleitorais, enxergamos o funcionamento tanto de uma negação17 externa

(a discursividade da língua nacional nega a discursividade que afirma a legitimidade

das diferenças lingüísticas), quanto uma negação interna.

Em decorrência do modo como, na formação discursiva brasileira, essas duas

discursividades se relacionam (e trata-se de uma relação constitutiva), parece

funcionar, na discursividade que afirma as diferenças lingüísticas, uma espécie de

negação interna, do tipo “poder pode, mas não deve” (poder falar o “cuiabanês” pode,

mas não deve).

Essa negação interna parece confirmar, mais uma vez, que “toda dominação

ideológica é antes de tudo uma dominação interna, quer dizer, uma dominação que se

exerce primeiramente na organização interna das próprias ideologias dominadas”

(Pêcheux, 1990:16).

3.8. O esgarçamento do processo significante

Pela análise dos processos de subjetivação, nas propagandas eleitorais,

confirma-se que, no “processo de interpelação-identificação, nunca completo ou total,

espaços de resistência e falhas, afetados pelas redes significantes, deslocam o efeito

das filiações nas formações discursivas” (Mariani, 1998:89).

O sujeito pleno, efeito de um processo de interpelação-identificação igualmente

pleno, é uma impossibilidade, pois, como diz Pêcheux ([1978] 1997c:300), “o non-sens

do inconsciente, em que a interpelação encontra onde se agarrar, nunca é inteiramente

recoberto nem obstruído pela evidência do sujeito-centro-sentido” (grifos do autor).

Nunca é completamente recoberto porque “o tempo da produção e o do produto

não são sucessivos [...] mas estão inscritos na simultaneidade de um batimento, de

uma “pulsação” pela qual o non-sens inconsciente não pára de voltar no sujeito e no

17 Sobre a noção de negação, ver Indursky (1997)

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sentido que nele pretende se instalar” (ibidem, 300). Como diz Winograd (1998:91), o

sujeito do inconsciente é sempre distinto de si mesmo, “pois ele é o próprio ato de

produção”.

Em Só há causa daquilo que falha ou o inverno político francês: início de uma

retificação, publicado em 1978, Pêcheux defende que o efeito de evidência tem falhas,

pois “os traços inconscientes do significante não são jamais ‘apagados’ ou ‘esquecidos’,

mas trabalham, sem se deslocar, na pulsação sentido/non-sens do sujeito dividido”

(ibidem, 300).

Dessa forma, o processo discursivo só pode ser entendido como um

acontecimento, definido por Pêcheux (1997d:17) como “ponto de encontro de uma

atualidade e uma memória”. No acontecimento não há um corte entre o presente

(atualidade, o intradiscurso) e o passado (memória, o interdiscurso), há um “ponto de

encontro”, no qual eles estão intrincados, emaranhados.

O entendimento do processo discursivo como acontecimento remete à questão

da incompletude da linguagem. A condição da linguagem, nos diz Orlandi, é a

incompletude. Segundo ela, “nem sujeitos nem sentidos estão completos, já feitos,

constituídos definitivamente. Constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da

relação, da falta, do movimento” (ibidem, 52).

De acordo com Henry (1992:170-1), “o sujeito não pode ser pensado no modelo

da unidade de uma interioridade”, ele está dividido. O sonho, o lapso, a conduta ímpar,

a neurose ou a psicose atestam isso. São esses “resíduos” que fazem falhar a

evidência subjetiva produzida pela interpelação-identificação.

Mais do que divididos, portanto, o sujeito e o sentido são errantes, pois “‘o

sentido’ é produzido no ‘non-sens’ pelo deslizamento sem origem do significante”

(Pêcheux, 1997c:300), deslizamento que “não desaparece sem deixar traços no sujeito-

ego da ‘forma-sujeito’ ideológica, identificada com a evidência de um sentido.” (ibidem,

300)

Pêcheux, com essas formulações que buscam articular inconsciente e ideologia

na constituição do sujeito e dos sentidos, no acontecimento discursivo, produz

deslocamentos na noção de interpelação. Como diz Maldidier (2003), a tese da

interpelação continua no centro da teoria de Pêcheux, “mas ela está invertida. Não é

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mais no sucesso da interpelação, mas nos traços de seu obstáculo, que se toca o

sujeito” (ibidem, 70). Essa inversão leva à “escuta” das resistências, das ideologias

dominadas, das contradições, da heterogeneidade, dos “momentos de interpretação

enquanto atos que surgem como tomadas de posição” (Pêcheux, 1997d:57).

Os deslocamentos que Pêcheux faz na noção de interpelação, porém, não

desembocam na idéia do sujeito “livre” do idealismo filosófico. Os sujeitos e os sentidos

são errantes, mas estão presos às “redes de memória” e “trajetos sociais” nos quais

eles irrompem. Esses deslocamentos apenas enfatizam que “só por sua existência,

todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas

redes e trajetos: todo discurso é o índice potencial de uma agitação” (ibidem, 56).

O que o autor sublinha, portanto, é que “não há identificação plenamente bem

sucedida, isto é, ligação sócio-histórica que não seja afetada, de uma maneira ou outra,

por uma ‘infelicidade’” (ibidem, 56).

O equívoco é o ponto em que, na relação da língua com a história e o

inconsciente, produz-se a “infelicidade”, a falha na interpelação-identificação. Como diz

Mariani (1998:92), o equívoco “trata-se do que comparece à revelia do sujeito,

marcando, ou melhor, materializando um esgarçamento do processo significante”.

Essa “condição de felicidade ou infelicidade” na identificação nos faz pensar a

memória discursiva (o interdiscurso) como “um espaço móvel de divisões, de

disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização [...] um

espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos” (Pêcheux,

1999:56).

No acontecimento discursivo, um jogo de forças trabalha a memória. Segundo

Pêcheux (ibidem, 53), de um lado estão as forças que tentam manter a regularização

pré-existente, do outro, as forças de desregulação. Dessa forma, “uma memória não

poderia ser concebida como uma esfera plena, cujas bordas seriam transcendentais

históricos e cujo conteúdo seria um sentido homogêneo, acumulado ao modo de um

reservatório” (ibidem, 56).

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“O autor não realiza jamais o fechamento completo do

texto, aparecendo, como diz Pêcheux, ao longo do

texto pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à

interpretação, ao equívoco, ao trabalho da história na

língua.”

(Orlandi, 2001a:77)

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CONCLUSÃO

O móvel desse trabalho foi o desejo de compreender os processos de

subjetivação que constituíram sujeitos e sentidos nas propagandas eleitorais das

eleições de 2004. Especificamente, quisemos compreender os processos de

subjetivação naquelas propagandas em que formulou-se, pelo jogo da língua na

história, o pertencimento à cuiabania.

O sujeito do discurso, nas propagandas eleitorais, se constituiu por uma

dispersão de posições de sujeito, entendidas como pontos de inserção do sujeito na

língua e na história. Isso significa que jogaram, na constituição dos sujeitos e dos

sentidos, nas propagandas eleitorais, diferentes e, às vezes, contraditórias

discursividades.

Nas propagandas eleitorais, funcionou, como um espectro, constituindo

sujeitos e sentidos, a discursividade que, engendrada no final do século XIX e início do

XX, significou negativamente o mato-grossense, produzindo um imaginário do cuiabano

como atrasado, sem espírito empreendedor, não-civilizado, etc. A esse imaginário

reagiu, nas primeiras décadas do século XX, a elite cuiabana, tentando redefinir a

identidade do mato-grossense.

Essa discursividade funcionou, também como um fantasma, nos movimentos

identitários implementados, em Cuiabá, na década de 1980, como uma reação à

presença dos migrantes que, incentivados por projetos do governo federal, se

estabeleceram em Mato Grosso desde a década de 1960 e, sobretudo, a partir da

década de 1970, quando se intensificou o fluxo migratório.

Filiados a esses movimentos identitários e ao movimento de

redemocratização da Escola e de renovação do ensino de Língua Portuguesa, foram

produzidos os primeiros estudos acadêmicos sobre o “falar cuiabano” no final da

década de 1970 e, principalmente, na década de 1980. Esses estudos, realizados numa

perspectiva essencialista, contribuíram, pela produção de um discurso especializado

sobre a língua, para a produção da identidade lingüística imaginária do cuiabano.

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As discursividades sobre o cuiabano engendradas no final do século XIX e

início do XX e re-significadas durante o processo de “re-colonização” de Mato Grosso,

bem como as discursividades dos movimentos identitários cuiabanos produziram

estereótipos do cuiabano como “o cuiabano é atrasado”, “o cuiabano é preguiçoso”, “o

cuiabano não tem espírito empreendedor”, “o cuiabano é hospitaleiro”, “o cuiabano

descende dos bravos bandeirantes”, “o cuiabano é trabalhador”, “o cuiabano come

petche cum matchitchi”, “o cuiabano fala tchuva, djeito, etc.”, “o cuiabano fala tudo

errado”, etc.

Esses estereótipos funcionam, nas propagandas eleitorais analisadas,

produzindo, pelo automatismo de memória que eles desencadeiam, consenso

intersubjetivo. Funcionam, portanto, capturando o outro (o eleitor).

A formulação do pertencimento à cuiabania, nas propagandas eleitorais,

resulta, pois, da interpelação-identificação pelas discursividades sobre a cuiabania e

pelos estereótipos por elas produzidos. Essa interpelação-identificação produz a ilusão

subjetiva, a ilusão de ser origem de si mesmo, do dizer e dos sentidos. O processo de

interpelação-identificação oculta do sujeito seu assujeitamento. O mesmo processo

produz a unidade imaginária do sujeito.

Esse processo, porém, não é um ritual sem falhas. O sujeito do discurso, nas

propagandas eleitorais, é interpelado-identificado pela discursividade que significa de

modo positivo a cuiabania, tendo como outro constitutivo a discursividade que a

significa negativamente. Ele é interpelado, por exemplo, pela discursividade que

significa de forma positiva o “falar cuiabano”. Contudo, no próprio ato de dizer, essa

discursividade sobre o “falar cuiabano”, não se atualiza plenamente. Isso ocorre porque,

por um trabalho da memória, uma outra discursividade intervém na textualização do

discurso, a discursividade da língua nacional. A textualização do discurso dá-se,

predominantemente, pela inscrição na língua nacional, a língua gramatizada do Estado,

e não pela inscrição na discursividade que institui o “falar cuiabano”, que se realiza, nas

propagandas eleitorais, apenas sub-repticiamente, como restos de uma memória

“apagada”.

O sujeito do discurso, nas propagandas eleitorais, se constitui, assim, no

espaço da contradição entre diferentes e divergentes posições de sujeito,

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correspondentes a diferentes e divergentes modos de inscrição nas formações

discursivas, sob a dominância das formações ideológicas.

A afirmação do pertencimento à cuiabania, formulada de diferentes modos,

põe em funcionamento um pré-construído “ser cuiabano é X”. Entre os predicativos

referidos por “X” está, por exemplo, o modo de falar do cuiabano. Predicativo que, como

vimos, não se realiza plenamente, na enunciação oral dos candidatos, por causa da

interpelação-identificação do sujeito do discurso pela língua nacional.

Esse predicativo “X” (por exemplo, “cuiabano fala ‘tchuva’, ‘djeito’, ‘pobrema’,

etc., “cuiabano é hospitaleiro”, “cuiabano é preguiçoso”, etc.) não é dito, mas está

significando nas propagandas eleitorais.

Os diferentes modos de formular o pertencimento à cuiabania é, portanto,

efeito dos diferentes modos de inserção do sujeito do discurso na língua e na história.

Os diferentes modos de formular o pertencimento à cuiabania põem em funcionamento

o mecanismo da antecipação, que se sustenta nas formações imaginárias. Por esse

mecanismo, o sujeito do discurso é posto numa posição em que será “ouvido”. Trata-se,

portanto, de um mecanismo discursivo de captura do outro.

A investigação que fizemos abre para outras pesquisas. Por exemplo, seria

relevante a investigação dos processos discursivos de produção do ressentimento e

dos modos de funcionamento do ressentimento no discurso político. Pensamos que há

uma apropriação política do ressentimento nas propagandas eleitorais que analisamos.

Seria relevante, também, uma investigação que aprofundasse a questão do

funcionamento dos estereótipos no discurso político. Tal investigação possibilitaria, a

nosso ver, a melhor compreensão do funcionamento discursivo dos estereótipos e, mais

especificamente, dos deslocamentos de sentido nos estereótipos do cuiabano e do

(i)migrante, tendo em vista as mudanças na formação social cuiabana nos últimos anos.

Contribuiria, igualmente, para a compreensão da formação social cuiabana, a

investigação dos processos de determinação da terceira pessoa discursiva (o “eles”,

“daqueles”, “aqueles” do corpus de nossa pesquisa) nas interlocuções discursivas que

se instauram em Cuiabá, sobretudo nas interlocuções do domínio da política. Nas

propagandas que analisamos, a terceira pessoa discursiva que, como vimos, é o outro

constitutivo do sujeito do discurso, foi determinada por orações restritivas do tipo “que

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amam Cuiabá”, “que escolheram Cuiabá para viver”, etc. Que fronteiras invisíveis estão

sendo aí (re)produzidas?

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