Da Primavera Filosófica

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DA PRIMAVERA FILOSÓFICA É a emergência que não permite que o núcleo de estudantes de filosofia, Sexto Empírico, desarme as suas potencialidades e o seu sentido. No fundo, Sexto Empírico é sinónimo de impertinência. Não é que a justificação de sua perseverança esteja fundada numa certa negação de todos os valores e acontecimentos que nos foram sendo legados. Ao invés, para nós, enquanto membros do Sexto Empírico, o amanhã não é mais que um adereço do quotidiano. Estamos, portanto, atentos às presentes mobilizações da juventude, sentimos a angústia da precariedade, de uma espécie de futuro que nos querem dar como abortado, uma história que não tem mais a realizar, um presente que nada mais nos tem a oferecer. Temos um sonho! Não nos pensamos condenados à efemeridade nem a um certo fatalismo português. O ruído de fundo que vivemos é condição da nossa contemporaneidade, a informação é abundante e está disponível para todos, não obstante, estamos aprisionados numa frenética espiral que teima em nos toldar os passos. Se a filosofia de ontem não precisa de justificações a filosofia de hoje justifica- se a si mesma, porque, assim o cremos, só esta nos permitirá encetarmos um mundo melhor, no qual não nos arrependeremos de por ele termos transitado. Por isso, garantimos, a geração à rasca precisa de mais filosofia, de uma filosofia rejuvenescida que lhe permita integrar toda uma nova forma de relacionamento com o mundo; não o mundo abstrato, o mundo metafísico dos grandes pensadores, outrossim, o mundo natureza, com os seus soberbos recursos, mas limitados. Ética, hoje, não pode ser um conceito gasto, antes, ela é uma emergência, face à usurpação e violência dirigidas contra todas as formas de vida, humanas e não humanas. Então não somos nós a geração mais qualificada de sempre e precisamos, ainda assim, que outros decidam por nós? Não temos nós hoje, mais que nunca, uma capacidade de mobilização inaudita, e, porém, ao entardecer não baixamos nós a nossa bandeira, manchada ainda de indignação? Não nos fechamos de novo nas nossas redomas, no final dessas flash mobs, sem que tenhamos de facto mudado alguma coisa? Não sabemos hoje que as aparências nos enganam e ainda assim nos deixamos seduzir pelos novíssimos profetas da contemporaneidade políticos, economistas, empresários, professores e outras marionetas de um pensamento obsoleto e pretensioso? Elites impregnadas de um vocabulário esotérico e de uma semântica da negação, isto é, da negação das nossas potencialidades e forças. Por que razão afinal nos calamos enquanto

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Somos Sexto Empírico, núcleo de estudantes de filosofia da Universidade da Beira Interior. Temos em mãos um projecto com potencialidades expansivas. Somos portadores de um manifesto, por nós redigido, em forma de carta aberta, que será enviada no dia Vinte e Um de Março (dia de entrada da primavera) a todos os professores universitários de filosofia que se encontram a leccionar em Portugal, bem como aos estudantes da mesma comunidade. Este manifesto tem como título Da Primavera Filosófica. O que caracteriza esta nossa carta, não é mais, do que a nossa séria e profunda preocupação acerca dos paradigmas vigentes e de uma urgência em os ultrapassar. Acreditamos veemente nas ferramentas que a filosofia consegue facultar ao homem em particular e na sociedade em geral. No texto se encontra um real tributo a um pensamento que se quer rejuvenescido. http://sexto-empirico.blogspot.pt/

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DA PRIMAVERA FILOSÓFICA

É a emergência que não permite que o núcleo de estudantes de filosofia, Sexto

Empírico, desarme as suas potencialidades e o seu sentido. No fundo, Sexto Empírico é

sinónimo de impertinência. Não é que a justificação de sua perseverança esteja fundada

numa certa negação de todos os valores e acontecimentos que nos foram sendo legados.

Ao invés, para nós, enquanto membros do Sexto Empírico, o amanhã não é mais que um

adereço do quotidiano. Estamos, portanto, atentos às presentes mobilizações da

juventude, sentimos a angústia da precariedade, de uma espécie de futuro que nos

querem dar como abortado, uma história que não tem mais a realizar, um presente que

nada mais nos tem a oferecer. Temos um sonho! Não nos pensamos condenados à

efemeridade nem a um certo fatalismo português. O ruído de fundo que vivemos é

condição da nossa contemporaneidade, a informação é abundante e está disponível para

todos, não obstante, estamos aprisionados numa frenética espiral que teima em nos

toldar os passos.

Se a filosofia de ontem não precisa de justificações a filosofia de hoje justifica-

se a si mesma, porque, assim o cremos, só esta nos permitirá encetarmos um mundo

melhor, no qual não nos arrependeremos de por ele termos transitado. Por isso,

garantimos, a geração à rasca precisa de mais filosofia, de uma filosofia rejuvenescida

que lhe permita integrar toda uma nova forma de relacionamento com o mundo; não o

mundo abstrato, o mundo metafísico dos grandes pensadores, outrossim, o mundo

natureza, com os seus soberbos recursos, mas limitados. Ética, hoje, não pode ser um

conceito gasto, antes, ela é uma emergência, face à usurpação e violência dirigidas

contra todas as formas de vida, humanas e não humanas.

Então não somos nós a geração mais qualificada de sempre e precisamos, ainda

assim, que outros decidam por nós? Não temos nós hoje, mais que nunca, uma

capacidade de mobilização inaudita, e, porém, ao entardecer não baixamos nós a nossa

bandeira, manchada ainda de indignação? Não nos fechamos de novo nas nossas

redomas, no final dessas flash mobs, sem que tenhamos de facto mudado alguma coisa?

Não sabemos hoje que as aparências nos enganam e ainda assim nos deixamos seduzir

pelos novíssimos profetas da contemporaneidade – políticos, economistas, empresários,

professores e outras marionetas de um pensamento obsoleto e pretensioso? Elites

impregnadas de um vocabulário esotérico e de uma semântica da negação, isto é, da

negação das nossas potencialidades e forças. Por que razão afinal nos calamos enquanto

temos, no nosso íntimo, consciência de tudo isto? Será o masoquismo a mais saliente

virtude contemporânea? Não foi a internet concebida para se solidificarem as relações

dos povos uns com os outros, dos cidadãos uns com os outros, com as suas diferenças e

semelhanças? Não é a internet a possibilidade concreta de aproximarmos as nossas

alteridades? Não é esta a tal “pedra basilar” para a intervenção directa no nosso destino

colectivo, no governo de nossas vidas? Não é a proximidade que mais caracteriza as

sociedades actuais, as polis actuais? A ser isto verdade, porque ao invés de nos

encontrarmos, sistematicamente nos desencontramos? Não é o planeta Terra um

património comum, que não deveria estar sujeito aos mais diversos vilipêndios e

extorsões de toda a ordem? Assim sendo, porque é que uns se asfixiam em bens sobre

os quais já perderam a sua medida, enquanto outros, morrem todos os dias porque estes

mesmos bens lhes foram negados por uma apropriação criminosa e imoral? Porque é a

austeridade para todos, quando a maioria não percebe a sua causa nem se sente

responsável? Ao fim, e ao cabo, todos nós sabemos larachar e estrebuchar com

veemência no café central, todos nós temos as nossas politiquices, mas, afinal, que

práticas concretas nos comprometem? É verdade, em frente à televisão somos, acima de

tudo, passivos. Porém, no derradeiro cá fora, esperamos, com a mesma passividade, o

Dom Sebastião que irá finalmente nos redimir das nossas aporias.

Como vêem a filosofia não é o mutismo da obscuridade, pelo contrário, ela é o

grito da evidência. Todos os seus representantes (da filosofia) devem fazer aquilo para

que foram preparados; estimular individualidades, para as quais o futuro surge como

sendo sua propriedade. Apelamos ao esforço, a um esforço acrescido, para que se

consiga sustentar uma consciência menos embrutecida nas gerações vindouras. O papel

fundamental dos funcionários da coisa em si é, deste sucinto modo, nada mais que

preparar e fortalecer o que de melhor o homem, em ligação umbilical com a natureza,

possui. A filosofia é mais que um plano de estudos e uma pauta reduzida a uma parelha

de dígitos. Agora façam e leccionem o que bem entenderem, desde Tales a Chomsky,

comprometam-se, porém, a não esquecer as vossas responsabilidades ancestrais, que

animam o mais nobre ofício da filosofia.

Pelo Sexto Empírico,

David Santos, Guilherme Castanheira, Luís Mendes.