Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade

Bom, primeira questão que gostaria de pontuar em relação ao tema por min escolhido é relativo a maneira como ele me possibilita caminhar pelo tema do encontro: psiquiatria, psicanálise e cultura. A justificativa a isso se deve na medida em que “Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade” é a publicação da tese de doutorado do até então psiquiatra francês Jacques Lacan, mas conhecido como reinventor da psicanálise, pelo menos na interpretação da historiadora da psicanálise Elizabeth Roudinesco. O interessante a apontar é que esse livro é praticamente esquecido pelos comentadores oficiais de sua obra, como Jacques-Alain Miller, restando-a apenas um lugar puramente histórico e que não nos teria nada a ensinar sobre as relações entre psicanálise e medicina. Essa, definitivamente, não é a minha opinião, na verdade “Da psicose paranoiaca” se mostra atual e original em sua inspiração – a revisão teórica e metodológica da psiquiatria, como também na contribuição que a obra freudiana demonstra na elaboração de uma ciência da personalidade.

Aqui está posta a forma pelo qual é importante retomar a tese de Lacan que consiste em responder seguinte questão: qual relação se estabelece entre a psiquiatria e a psicanálise de Freud? A resposta pode não parecer óbvia, mas ela está, digamos assim, na cultura, mas exatamente naquilo que nossa personalidade se relaciona com os processos sociais que lhe formam e determinam.

Para que possamos esclarecer esse ponto é necessário começarmos por contextualizar a psiquiatria na época da tese, isto é, até 1930. Aqui, um autor é fundamental para que possamos esclarecer as condições históricas para o surgimento da racionalidade clínica em psiquiatria, como vocês devem saber este autor se chama Michel Foucault, que praticamente dedicou grande parte de sua vida e obra na elucidação dessa questão. Livros como doença mental e psicologia, História da Loucura, Nascimento da clínica, sem contar os diversos artigos e cursos ministrados como os Anormais e o Poder Psiquiátrico, visam elaborar uma arqueologia do saber médico. No nosso caso, apenas retomaremos especificamente a problemática que gira em torno da fundamentação da psiquiatria no rol das ciências médicas. Esse pequeno desvio da psicanálise aos estudos foucaultianos se faz necessário por que a contribuição freudiana a psiquiatria, na perspectiva de Lacan, objetiva ultrapassar determinados obstáculos epistemológicos encontrados pela ciência psiquiátrica.

Num primeiro momento, a medicina teria tomado como modelo a História Natural que, na euforia classificatória que passou do século xvii e xviii, tinha empreendido o levantamentoda profusão de espécies bitanicas e animais tornados conhecidas pela exploração de novos continentes, a qual revelara um mundo muito mais complexoe multiformeaos olhos habituados apenas a europra. Nasce assim, a medicina das classificações, que concebia objetos, as doenças, como espécies naturaispassíveis de serem ordenados como na botânica. Essa orientação traz consigo a entificação da doença que habitaria o organismo de maneira misteriosa, mas trazendo para o primeiro plano a observação “o olhar médico” como fundamento do método das disciplinas médicas.

Desde já, adiantamos que a tese deve ser considerada como uma tese em psiquiatria, isto é, os problemas elencados por Lacan a ciência psiquiátrica